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Camila Freitas Martin Bianco Cinthia de Oliveira Santos PREPARAÇÃO DO ATOR TEATRAL E CONSTRUÇÃO VOCAL DE PERSONAGENS SEGUNDO PREPARADORES VOCAIS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO PONTÍFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 2007

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Camila Freitas Martin Bianco

Cinthia de Oliveira Santos

PREPARAÇÃO DO ATOR TEATRAL E CONSTRUÇÃO VOCAL DE PERSONAGENS SEGUNDO PREPARADORES VOCAIS DA

CIDADE DO RIO DE JANEIRO

PONTÍFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2007

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Camila Freitas Martin Bianco

Cinthia de Oliveira Santos

PREPARAÇÃO DO ATOR TEATRAL E CONSTRUÇÃO VOCAL DE PERSONAGENS SEGUNDO PREPARADORES VOCAIS DA

CIDADE DO RIO DE JANEIRO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2007

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Fonoaudiologia da PUC-SP, sob a orientação da Profª. Msª. Lucia Helena Gayotto

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“Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, porque

cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra!

Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos

deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós.

Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as

pessoas não se encontram por acaso.”

(CHARLES CHAPLIN)

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DEDICATÓRIA

Dedicamos este trabalho

aos nossos queridos e

amados pais.

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AGRADECIMENTOS GERAIS

À querida orientadora Lúcia Gayotto, pela paciência, apoio, dedicação,

incentivo, compreensão, companheirismo e, mais do que isso, pela parceria e

ensinamentos que levaremos para sempre conosco.

À professora Laura Martz, pelos maravilhosos quatro anos de convivência e

colaboração à nossa formação, como mestre e amiga, e por nos honrar com sua

participação em mais este momento, agora decisivo.

À professora Lúcia Masini, pela disponibilidade e ajuda na correção do trabalho,

e pelo exemplo de amor e empenho a Fonoaudiologia.

Ao fonoaudiólogo Domingos Sávio Ferreira de Oliveira, pela disposição,

presteza, atenção e pelo profissional incrível que mostrou ser, no pouco tempo em que

conseguimos passar juntos.

À fonoaudióloga Leila Mendes, pelo apoio e interesse durante todo o processo

de realização do trabalho.

Ao João, funcionário mais do que especial, pela ajuda e conselhos dados no

decorrer destes anos.

À turma 46 da melhor faculdade...sempre em nossos corações!

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de Cinthia...

À minha mãe Edimê, pelo amor mais puro e verdadeiro, pelo carinho e

conselhos, pela minha vida e por eu ser quem eu sou: meu exemplo de vida.

Ao meu pai Dínkel, por me dar, em todos os momentos, o apoio e meios para

que este trabalho se concretizasse, por me compreender e me amar mesmo quando

menos pareço merecer.

Ao meu tio Luís Carlos, pelo incentivo e parceria na busca em campo, essencial

para o desenvolvimento do trabalho.

Aos meus familiares, do Rio de Janeiro e Piauí, que mesmo na distância me

deram o apoio necessário para que eu conseguisse alcançar meus objetivos.

À minha amiga Camila, por ter sido minha sombra e minha alma gêmea, me

fazendo cada dia mais feliz, durante esses anos de convivência... e que nossa amizade

seja eterna!

Às minhas amigas Bruna Gil Bedani (Bru), pelos conselhos e amor, Daniela

Scalon (Dani), por conseguir fazer cada momento único e especial, Rossanna

Petrosino (Rô), pela beleza que encanta a alma, Alessandra Anjos (Alê), pela alegria

incansável e incessante, Ana Carolina Guardia (Doção), por sempre saber dizer a

palavra certa no momento certo, Natália Zveibel (Ná), por ser a melhor amiga nova que

alguém pode encontrar, Juliana Paschotto (Jú), pelo carinho e afinidade que

encontramos uma na outra desde o começo, Gabriela Damilano (Gabi), porque nem

mil palavras poderiam explicar o quanto foi maravilhoso ter você por perto...obrigada

meus amores! A todas vocês, pelo ombro acolhedor que me serviu de amparo, e pelo

incentivo para que eu não desistisse frente aos momentos difíceis que apareceram na

realização deste trabalho...sem vocês não teria dado!

Ao meu namorado Leo, pelo amor, paciência, incentivo, carinho, conselhos,

apoio e companheirismo dados.

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Aos professores, por passarem seus ensinamentos e por despertarem, cada vez

mais, o meu interesse pela Fonoaudiologia.

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de Camila...

À minha mãe Leila, pelo amor, carinho, compreensão e por cuidar de mim nos

momentos mais difíceis desta etapa.

Ao meu pai Antonio, por seu amor, esforço, credibilidade e paciência por me

acompanhar ativamente durante minha graduação.

Às minhas irmãs Cristiane e Mariana, por serem meu exemplo de vida e por

sempre me mostrarem o quanto sou capaz quando pensei em desistir.

À toda minha família, pela alegria de viver e pelo orgulho que sentem por mim.

À Cinthia (carinhosamente quem chamo de Ci), por ser minha grande amiga

que, desde o começo, foi minha metade, não me deixando e nem permitindo que eu a

deixasse.

Às minhas amigas, que por quatro anos me ensinaram e aprenderam comigo,

que direta ou indiretamente são responsáveis por minhas conquistas. Em especial, à

Dani, por seu jeito simples de me mostrar como vida pode ser maravilhosa; à Rô, por

sempre me receber com seu mais belo sorriso; à Bru, por sempre me dar conselhos

nas horas mais difíceis; à Ale, por não medir esforços em me ajudar; à Na, por trazer

em seus olhos o conforto e à Doce, por sempre ter as palavras mais sinceras que

aliviam qualquer dor ou que despertam a vontade de sorrir. Enfim, obrigada por me

deixarem entrar em suas vidas!

Aos amigos, que apesar da distância, nunca me esqueceram e sempre

entenderam a minha ausência nesta etapa tão conturbada.

Aos novos amigos Rodrigo (Brasil), Guilherme, Fernando (Mancha), Vinicius

(Vini), Tadeu, Fábio (Tanque), Luiz Fernando (Escova) e Thiago (Chaves), que, em

tão pouco tempo se tornaram especiais, pelo carinho, atenção e momentos que ficarão

pra sempre guardados na memória.

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Aos professores e funcionários que participaram da minha formação, tanto

profissional quanto pessoal, os quais admiro e devo respeito.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..........................................................................................................................................1

2. OBJETIVO .................................................................................................................................................3

3. MÉTODO....................................................................................................................................................4

4. REVISÃO DE LITERATURA..................................................................................................................7

4. 1. - PREPARAÇÃO DE ATORES...........................................................................................................7

4. 1. 1. - O Fonoaudiólogo na arte cênica............................................................................................10

4. 1. 2. - A Voz no espaço cênico ..........................................................................................................10

4. 1. 3. - Técnica Vocal .........................................................................................................................12

4. 1. 4. – Aquecimento e Relaxamento ..................................................................................................14

4. 1. 5. - Recursos Vocais......................................................................................................................15

4. 1. 6. - Saúde Vocal ............................................................................................................................19

4. 1. 7. - Manifestações Sonoras ..........................................................................................................19

4. 2. - CONSTRUÇÃO VOCAL DE PERSONAGENS.............................................................................21

4. 2. 1. - Método Espaço Direcional Beuttenmüller..............................................................................22

4. 2. 2. – Criação ..................................................................................................................................24

5. DISCUSSÃO .............................................................................................................................................28

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................................31

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................................32

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RESUMO

No trabalho fonoaudiológico com atores, especialmente os de teatro, a preparação

profissional e a construção da voz de personagens são pontos discutidos e trabalhados

ao longo de anos. Sabendo das necessidades básicas da utilização da voz, nas artes

cênicas, a presente pesquisa vem no sentido de compilar conhecimentos já existentes

e, assim, fazer um recorte das abordagens e procedimentos descritos na literatura,

segundo Voz em Cena volumes 1 e 2, organizado por Jane Celeste Guberfain e seus

colaboradores, em 2004 e 2005. OBJETIVO: Pesquisar a preparação do ator e

construção da voz de personagens, no teatro, partindo-se de publicações, referências

na área teatral, Voz em Cena (volumes 1 e 2), organizado por Jane Celeste Guberfain.

Após esta pesquisa, ampliou-se a investigação, tomando-se os preparadores vocais da

cidade do Rio de Janeiro, colaboradores de Voz em Cena volumes 1 e 2, revisando

suas publicações sobre os temas pretendidos. MÉTODO: Revisão bibliográfica

relacionada à preparação do ator e construção da voz de personagens. A escolha de

Voz em Cena volumes 1 e 2 surgiu da vontade de realizar uma pesquisa científica que

focasse em um tipo de abordagem no trabalho com a voz cênica. Utilizamos como base

Glória Beuttenmüller, responsável pela criação do Método Espaço Direcional

Beuttenmüller (1974), por ser referencial teórico seguido pelos autores do livro, e por

outros profissionais atuantes da área de voz. Dentre todos os colaboradores de Voz em

Cena, optamos por aqueles que dedicaram seus estudos a voz cênica teatral,

residentes à cidade do Rio de Janeiro. Para a concretização do trabalho, a ida à cidade

foi necessária na busca de publicações dos autores referidos. DISCUSSÃO: Após a

análise dos dados, separamos em tópico os pontos mais enfatizados pelos autores no

trabalho de preparação do ator e construção da voz de personagens. Alguns destes

pontos são: aplicação de técnicas específicas para cada ator; realização de

aprimoramentos respiratórios; trabalho com os sentidos dentro de uma visão espacial;

preocupação com a forma de como se quer passar a mensagem e de não seguir a linha

de esquemas melódicos já conhecidos; diferenciação e evidência dos diferentes tipos

de interpretação; posse do espaço cênico através da visão, tendo assim consciência do

espaço global, dentre outros descritos no decorrer do trabalho.

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1. INTRODUÇÃO

Segundo Beuttenmüller (1974), ”a voz é o repuxo sonoro dos nossos

sentimentos. Trabalhar a voz em seus vários matizes deve ser exercício constante

do ator ou de quem necessitar usar a voz para dirigir mensagens a um auditório”

(p.54).

Sabendo das necessidades básicas da utilização da voz nas artes cênicas,

especialmente para o ator de teatro, a presente pesquisa vem no sentido de

compilar conhecimentos já existentes e, desse modo, fazer um recorte das

abordagens e procedimentos descritos na literatura, segundo o livro Voz em Cena,

volumes 1 e 2 (2004 e 2005), organizados por Jane Celeste Guberfain e seus

colaboradores.

No trabalho fonoaudiológico com atores, especialmente os de teatro, a

preparação do ator e a construção da voz de personagens são pontos que vêm

sendo discutidos e trabalhados ao longo de anos. Deste modo, o foco será dado à

pesquisa destes temas segundo a visão de um grupo de autores.

Oliveira e Guberfain (2005) colocam que há uma certa fragilidade no ensino

da voz em cena, devido à existência de “recursos empíricos ou famosas receitas

caseiras” usadas, muitas vezes, por profissionais que utilizam a voz como

instrumento de trabalho, que podem desenvolver distúrbios vocais, até mesmo de

caráter irreversível. Para os autores, é necessária a conscientização quanto à

saúde e técnicas vocais específicas para o teatro, não esquecendo dos limites

fonatórios e os individuais.

A escolha do livro Voz em Cena nasceu da vontade e necessidade da

realização de uma pesquisa científica que focasse um tipo de abordagem do

trabalho com a voz cênica. Maria da Glória Beuttenmüller, ou Glorinha

Beuttenmüller, como é conhecida, é responsável pela criação do “Método Espaço

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Direcional Beuttenmüller”, em 1974; este seu trabalho, além de ser eixo conceitual

seguido pelos autores de Voz em Cena, é tido como uma referência na área de

voz para muitos profissionais atuantes.

Os autores que serviram de base para a formulação deste trabalho são:

Glória Beuttenmüller, Marly Santoro de Brito, Domingos Sávio Ferreira de Oliveira,

Jane Celeste Guberfain, Natália Ribeiro Fiche, Rose Gonçalves, Maria Helena

Kropf e Leila Mendes. Todos estes são autores que colaboraram para a

concretização do que Guberfain chamou, na apresentação do livro Voz em Cena

volume 1, de “ponto de partida, ato de coragem, de empenho e, acima de tudo, de

doação dos participantes”, para uma obra que mostra pesquisas e experimentos

na área de voz, principalmente de atores de teatro.

A escolha por estes autores, e não por outros, que também colaboraram na

concretização do livro, ocorreu pelo foco que se quis dar à pesquisa: voz do ator

no teatro; portanto, nos basearemos apenas em trabalhos que tiveram, como

objetivo, a arte teatral.

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2. OBJETIVO

1- Pesquisar a preparação do ator e a construção da voz de

personagens, no teatro, partindo-se de duas publicações, referências na área

teatral, Voz em Cena volumes 1 e 2, organizados por Jane Celeste Guberfain.

2- Revisar as publicações e pesquisas dos autores colaboradores das

obras utilizadas, sendo estes Glória Beuttenmüller, Marly Santoro de Brito,

Domingos Sávio Ferreira de Oliveira, Jane Celeste Guberfain, Natália Ribeiro

Fiche, Rose Gonçalves, Maria Helena Kropf e Leila Mendes, fonoaudiólogos e/ou

preparadores vocais da cidade do Rio de Janeiro.

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3. MÉTODO

Revisão bibliográfica relacionada à preparação do ator e construção da voz

de personagens, apoiada nas obras Voz em Cena volumes 1 e 2, por ser duas das

maiores referências, reunidas e publicadas em livro, em pesquisas com a voz

cênica.

Dentre todos os colaboradores de Voz em Cena foram selecionados

somente preparadores vocais e/ou fonoaudiólogos que dedicaram seus estudos à

voz cênica teatral, residentes na cidade do Rio de Janeiro, local de onde surgiu a

iniciativa da edição deste livro, obra importante no trabalho com a voz cênica,

como também, por ser esta cidade um centro importante na formação de atores.

Estes autores são: Glória Beuttenmüller, Marly Santoro de Brito, Domingos Sávio

Ferreira de Oliveira, Jane Celeste Guberfain, Natália Ribeiro Fiche, Rose

Gonçalves, Maria Helena Kropf e Leila Mendes.

Para a concretização do trabalho, a ida à cidade do Rio de Janeiro tornou-

se necessária na busca de publicações dos autores referidos, que mencionassem

a preparação do ator e a construção da voz de personagens, uma vez que há

menor acesso a tais pesquisas na cidade de São Paulo. A estadia na cidade, para

os fins descritos acima, se deu entre os dias 17 e 21 de agosto de 2007.

O primeiro passo, na busca dos materiais, foi a ida à Biblioteca Pública do

Estado do Rio de Janeiro, porém, neste local, havia poucas publicações na área

fonoaudiológica em geral, especificamente apenas 10 livros, e nenhum destes

tratava do trabalho com a voz.

Feito isto, foi realizado contato telefônico com alguns dos autores

pesquisados, tendo sido recebidas indicações de bibliotecas universitárias que

poderiam ser usadas.

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Infelizmente o acesso a tais bibliotecas estava suspenso, uma vez que

funcionários da Universidade do Rio de Janeiro – (UNIRIO) e Universidade

Federal do Rio de Janeiro – (UFRJ) estavam em greve há aproximadamente 3

meses, segundo informação de seus funcionários. Nesta passagem, outro local

pesquisado foi o Centro Cultural Banco do Brasil, indicado por bibliotecários da

UNIRIO, que se dispuseram a dar informações, mas também não se obteve êxito.

Domingos Sávio Ferreira de Oliveira permitiu a busca por suas publicações,

em sua clínica, como também passou vídeos de aulas de preparação vocal para

atores da UNIRIO. Outros autores foram receptivos aos contatos e se dispuseram

a disponibilizar, posteriormente, seus materiais. O contato com os autores

continuou, após a viagem, via e-mail.

De posse dos materiais recolhidos, reiniciou-se o trabalho de registro dos

dados encontrados na literatura sobre os temas escolhidos.

Os trabalhos reunidos após a busca em campo, no Rio de Janeiro, foram

todos de Domingos Sávio Ferreira de Oliveira, abaixo relacionados:

• “Sonorização, Fisionomia e Gesto na Construção Vocal do Ator”. Saúde,

Sexo e Educação. 1995. p. 51-53

• “Sonorização, Fisionomia e Gesto na Construção Vocal do Ator: O Gemido,

o Choro e o Grito (Parte II)”. Saúde, Sexo e Educação. 1997. p. 9-13.

• “O Homem e Sua Voz: Considerações Relevantes Sobre o Estudo da

Intensidade, Freqüência e Duração Para o Aprimoramento da Voz e da

Comunicação”. In: O Ouvir e o Falar. Rio de Janeiro: Artes; 2006

• “Movimento e Voz”. In: IV Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em

Artes Cênicas; 2006; Rio de Janeiro. Anais; 2006. p. 181-182

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• “Contribuições para o estudo da Pausa ao Português do Rio de Janeiro”.

Cadernos de Letras da UFF (Universidade Federal Fluminense); 2001; p.

141-149.

• A Explosão da Voz no Teatro Contemporâneo: Uma Análise Espectográfica

Computadorizada da Voz de Grande Intensidade no Espaço Cênico”.

[dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade do Rio de Janeiro – UNIRIO;

1997.

Em São Paulo, os livros pesquisados foram de Glória Beuttenmüller:

• O que é ser fonoaudióloga: memórias profissionais de Glorinha

Beuttenmüller”. Rio de Janeiro: Record; 2003;

• “Expressão Vocal e Expressão Corporal”. Rio de Janeiro: Forense

Universitária; 1974.

Posteriormente, a fonoaudióloga Leila Mendes nos enviou o capítulo:

• “Considerações de Cicely Berry Sobre a Preparação Vocal do Ator”. In:

Voz: Diversos Enfoques em Fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Revinter; 2002.

p. 41-59

Como forma de organização das variadas pesquisas destes autores,

apresentadas acima, dividimos a revisão bibliográfica em dois grandes conteúdos:

Preparação de Atores e Construção Vocal de Personagens.

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4. REVISÃO DE LITERATURA

4. 1. - PREPARAÇÃO DE ATORES

CONCEITO: Uma vez que o trabalho vocal do ator, em suas diversas

nuances, envolve um esforço vocal de grande intensidade e de diversas formas,

representações de vozes que exijam além do que sua voz normalmente pode

oferecer, a preparação vocal de atores, trabalho realizado por preparadores vocais

e que é vista como um “pré-palco”, envolve todo um trabalho de exercícios e

bases para realizar esses exercícios, sendo essa base a consciência corporal-

vocal.

A finalidade da preparação vocal é primordialmente excluir tristezas e

incômodos, para que, assim, comunicador e ouvintes trabalhem com a verdade.

(GONÇALVES, 2004).

Segundo Oliveira e Guberfain (2005), o processo de preparação vocal

envolve uma técnica específica para cada ator, com determinada demanda, e a

proposta cênica que abrange as condições de saúde vocal necessária. Os

procedimentos citados pelos autores para serem utilizados são:

• detecção e orientação das alterações orgânicas e/ou funcionais;

• detecção dos maus hábitos e dos abusos vocais dos atores que participam

da montagem; observação da atuação do ator durante os ensaios;

• otimização do desempenho vocal através da conscientização das

potencialidades e das limitações;

• conscientização e correção das dificuldades respiratórias, articulatórias e de

ressonância em benefício da clareza da expressão oral;

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• aperfeiçoamento das habilidades vocais a partir da aquisição de técnicas

facilitadoras da emissão; construção corporal-vocal da personagem (pp.

140-145).

Para Oliveira (2004), “o aperfeiçoamento vocal deve ser dividido em duas

partes: uma preparação básica e outra, dedicada à imagem da palavra, aos

sentidos e ao fraseado” (p. 6). Na primeira, são trabalhados aprimoramentos

respiratórios, para liberação de tensões, para coordenação fonorrespiratória, para

articulação e pronúncia. A segunda trabalha com os sentidos dentro de uma visão

espacial, que abrange todo o espaço que se quer alcançar durante a

interpretação: todo o espaço cênico, incluindo a platéia.

A atuação do fonoaudiólogo na preparação vocal volta-se para a

observação da emissão vocal do ator. Antes disto ele precisa ter um profundo

conhecimento sobre o funcionamento do aparelho fonador no sentido de ajudá-lo

a utilizar diferentes intensidades e freqüências, sem prejudicar, é claro, sua saúde

vocal. A orientação, com os conhecimentos da anatomia e fisiologia irão prevenir

os problemas vocais, orientando para uma emissão que não traga riscos (BRITO,

2004).

Segundo Oliveira (2004), na preparação vocal do ator, o profissional da

área deve dar importância e, ao mesmo tempo, tomar cuidado com o uso de

imagens. A relação entre corpo e voz é comprovada na associação de imagens à

fisiologia vocal. As imagens serão positivas quando realmente ajudarem o ator a

modificar e aproveitar ao máximo as partes móveis (laringe, faringe, boca e nariz).

A eficácia depende dos movimentos naturais que levarão ao amadurecimento de

uma imagem vocal-corporal-auditiva e do nível de sensações corporais do ator.

Para Brito (2004, p.30):

“observações sobre posturas próprias do ator, e as adotadas por

ele para o personagem que interpreta, devem ser analisadas pelo

profissional que trabalha com a preparação vocal de atores. Essa

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análise pode ajudar a melhorar a emissão vocal através da

percepção do seu esquema corporal-vocal”.

Na preparação vocal, é importante que se faça uma observação sobre a

postura do ator. Posturas erradas podem levar a prejuízos para a saúde vocal.

Deslocamentos do eixo corporal, tanto para trás, quanto para frente, podem

atrapalhar no resultado de uma voz adequada em determinada interpretação. A

voz será o resultado de boa postura, respiração eficiente e controle das emoções

(BRITO, 2004).

Conforme Oliveira (1995, p.51):

“a correta utilização da fisionomia e da voz é imprescindível à

‘formação teatral’: é a fase relativa à preparação básica da voz que

todo ator deve ter e dominar. Servirá de base não só à preparação

vocal no teatro, como também para ser utilizada na assistência

vocal – reposição, restauração do mecanismo emissor – quando o

ator perde a sua voz em cena”.

Além da correção dos problemas vocais e do ensino das técnicas tanto de

otimização do uso da voz como as que evitam rouquidão e perdas da voz, a

preparação vocal deve direcionar-se para o aquecimento vocal antes do ensaio e

desaquecimento após muito tempo de uso (BRITO, 2004).

Segundo Fiche (2004), é possível reeducar o cérebro para a realização de

um movimento fonatório utilizando uma quantidade mínima de fibras musculares.

O resultado será uma boa comunicação dos sinais vocais sem uma grande tensão

muscular do corpo, principalmente de pescoço e a porção superior das costas. O

movimento corporal tem a finalidade de excluir hábitos musculares

desnecessários.

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4. 1. 1. - O Fonoaudiólogo na arte cênica

Kropf (2004) relata que “diante do ator em cena, o fonoaudiólogo é

chamado de preparador vocal e/ou diretor de voz e fala” (p. 23), trabalhos estes

que se complementam. A preparação vai até a estréia e a direção de voz até a

finalização do trabalho. A direção se apropria da harmonização das vozes com as

cenas.

Segundo Oliveira e Guberfain (2005, p. 139):

“o trabalho de orientação vocal “é um coadjuvante importante na

montagem do espetáculo na medida que orienta e contribui para o

desenvolvimento adequado e otimizado da voz do ator, em prol de

uma construção mais harmoniosa e verdadeira das personagens

que ganham vida (energia) no palco”.

Com posse dos objetivos a serem alcançados por determinado

personagem, os trabalhos terão diferentes abordagens (BRITO, 2004): prevenção

de problemas vocais; facilitação da emissão vocal; direcionamento da voz e do

foco ressonantal; atuação em patologias já existentes; aquecimento e

desaquecimento vocal; atuação na interpretação do texto; orientação fonética;

trabalhos com a articulação dos fonemas.

Na área da “Dialetologia”, que trata do vasto arsenal de grupos sociais e

culturais existentes, o fonoaudiólogo trabalha levando o ator a buscar referências

de corpo, como posturas, andar, zonas emocionais, que ofereçam ao ator base

para expressar-se sem o uso de estereótipos (KROPF, 2004).

4. 1. 2. - A Voz no espaço cênico

Segundo Oliveira e Guberfain (2005) “a voz do ator deve ser desenvolvida

para atender às necessidades impostas pelos diferentes estilos interpretativos e

propostas cênicas”.(p. 137).

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Esse chamado instrumento do ator, nasce, vibra, cresce e sai do corpo,

portanto é visto como um movimento deste corpo. Ele é produto de fatores

psicológicos, culturais e sociais de acordo com a história de cada indivíduo

(FICHE, 2004).

O enriquecimento da voz se dá, também, pelos espaços pelos quais a

onda sonora passa reverberando. O que encontramos ao final de todo esse

processo depende de um conjunto de sensações provenientes de um complexo

sistema responsável pela fonação e pela comunicação; cada parte tem uma

função no todo, portanto, um trabalho com voz, onde se pense em elementos

isolados, não terá o mesmo valor daquele que faz uma integração das partes

(OLIVEIRA, 2004).

Kropf (2004) ressalta a importância do conceito de voz e fala que é o modo

pelo qual o ator expressará seu equilíbrio corporal-vocal-interpretativo e que, por

meio das estruturas da voz, situará o personagem no tempo e no espaço.

A voz nas artes cênicas deve se adaptar ao veículo em que é utilizada, ao

espaço físico e a recursos tecnológicos, devendo ser multidirecionada e se

adequando ao que for solicitado, sem esquecer dos cuidados necessários para

não acarretar problemas futuros (BRITO, 2004).

Neste sentido de espaço cênico, Glória Beuttenmüller (2003) ressalta que

para se chegar a uma perfeita emissão vocal é imprescindível que o ator tenha a

percepção do “núcleo sonoro1” e da direção que se quer dar a voz.

Brito (2004) relata sobre a exigência vocal nos diferentes espaços físicos de

atuação do ator, segundo os aspectos abaixo relacionados:

1 Tal conceito será definido adiante na 2ª parte da revisão, intitulada

“Construção Vocal de Personagens”.

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• Com relação à intensidade percebe-se que o teatro exige elevado nível

deste recurso, por precisar atingir a todos os espectadores de um mesmo

teatro. O uso de microfones em encenações teatrais não exclui a

possibilidade de patologias vocais, geralmente pelo não direcionamento da

voz. Vale ressaltar que direcionar a voz é entregar a mensagem, e não

gritar ou falar com maior intensidade.

• Quanto às expressões fisionômicas e posturas corporais tem se pensado

nas diferenças de expressão corporal nos diferentes ambientes do fazer

artístico. Enquanto atores de teatro apresentam movimentos expansivos

devido às dimensões do palco, os de televisão têm o espaço restrito das

câmeras para fazer sua interpretação. É necessário trabalhar essas

diferenças quando estes atores mudam de espaço e estão acostumados

com outro tipo de movimentação.

• No que diz respeito ao posicionamento em relação à platéia, este está

relacionado com a marcação exigida para o personagem. Para projetar a

voz adequadamente o ator deve ter consciência do espaço global (conceito

desenvolvido por Beuttenmüller).

4. 1. 3. - Técnica Vocal

Segundo Oliveira (1997), para o ator é imprescindível ter conhecimento da

técnica vocal, pois é através desta que ele apreende os meios de chegar numa

emissão vocal fluente e possível de ser ouvida e entendida por todos.

A assimilação da técnica vocal para o teatro terá impacto na expressão

vocal-corporal, o conhecimento das possibilidades do corpo e da voz e um

julgamento mais consciente quanto à construção vocal-corporal do personagem.

(OLIVEIRA, 2004). O trabalho vocal engrandece o espetáculo dando ao ator a

plenitude do representar (GONÇALVES, 2004).

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Segundo as considerações que Leila Mendes (2007) publicou sobre o

trabalho de Cicely Berry, encontramos descrito que os exercícios dão ao ator a

capacidade de responder prontamente a diversas situações que surgirão e que

necessitem do uso da voz. Estes devem tornar o ator livre e não um ser técnico,

como também devem auxiliar que o profissional tenha conhecimento de si e de

suas atitudes.

Mendes (2007) diz que “o simples ato de praticar libera e permite um

melhor controle da emissão da voz com o mínimo esforço”. (p. 125) A autora

afirma que neste momento da prática dos exercícios é que acontece a descoberta

da potencialidade vocal.

Para qualquer que seja o tipo de trabalho feito com a voz, ele precisa estar

pautado na fisiologia fonatória, o que o torna um processo consciente, para não

acarretar, assim, prejuízos vocais (OLIVEIRA, 2004).

Segundo Guberfain (2004), “experimentando e explorando o seu corpo

através da prática sistemática de exercícios, o ator descobre novas possibilidades

de movimentá-lo e utilizá-lo no espaço cênico” (p. 3). Trabalhar os exercícios

vocais “isoladamente” pode ser feito para priorizar questões terapêuticas, mas

para os exercícios serem bem instrumentalizados, eles precisam ser envolvidos

com práticas de improvisação, interpretação de textos, cenas teatrais, para treinar

diferentes tipos de emissão vocal (BRITO, 2004). Para Guberfain (2005), não se

deve esquecer de “levar em conta as condições físicas e as necessidades de cada

ator” (p. 3).

Exemplos de exercícios que dizem respeito ao treinamento vocal são os

que trabalham língua, lábios, véu palatino e do controle de deglutição, da fala,

emissão vocal e postura da cabeça; para as autoras Guberfain, Bittencourt e Fiche

(2005), eles exercem importância não só na emissão vocal, como também no

alinhamento do corpo.

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4. 1. 4. – Aquecimento e Relaxamento

O aquecimento deve interagir movimentos corporais ao sistema respiratório,

laríngeo e ressonantal. Esta integração deve proporcionar o relacionamento do

ator com o espaço cênico, com o texto, com a emoção e trazendo, como

conseqüência, uma excelência na interpretação (GUBERFAIN, 2005).

Segundo Guberfain, Bittencourt e Fiche (2005), o aquecimento deve

abranger e relacionar os movimentos do corpo ao sistema respiratório, laríngeo e

ressonantal com o intuito de proporcionar um melhor desempenho, como também

para prevenir lesões. A exploração de técnicas leva o ator a descobrir novas

possibilidades de atuação corporal e vocal. Não se pode esquecer, é claro, que

cada indivíduo é único, portanto, deve-se conhecer as possibilidades de cada um

e levar em conta suas condições físicas, assim como as necessidades de cada

profissional para determinada peça.

Segundo Beuttenmüller e Laport (1989), o relaxamento faz parte do

trabalho proposto no treinamento do ator, sendo um estado dinâmico onde estão

envolvidos corpo e mente. Guberfain, Bittencourt e Fiche (2005) relatam que ele

ajuda para um estado de concentração e de atenção por parte do ator e,

conseqüentemente, em um conhecimento e uma conscientização corporal.

Segundo as mesmas autoras, é importante que se mantenham livres as

articulações do corpo do ator, de modo que os movimentos possam fluir de forma

natural, como, também, levando a uma melhor mobilidade do corpo. Músculos

tensos e curtos levam a uma articulação rígida.

Segundo Guberfain, Bittencourt e Fiche (2005), “o relaxamento está

intimamente ligado com a respiração, que deve fluir naturalmente para que o

corpo responda às necessidades exigidas” (p.4).

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4. 1. 5. - Recursos Vocais

No trabalho fonoaudiológico de preparação aos atores de teatro, o

profissional utiliza-se de diversos meios que auxiliam na flexibilização da voz

cênica e na composição dos personagens a serem interpretados. Um desses

meios é o trabalho e aperfeiçoamento dos recursos vocais. De acordo com os

autores pesquisados, encontra-se na literatura os recursos vocais que aqui

seguem: articulação, pausa, respiração, ressonância, ritmo, projeção e freqüência.

Com relação ao recurso articulação entende-se que, no momento da

produção de fala, este é um instrumento importante para o falante, porém deve-se

tomar cuidado para não exagerar na movimentação da boca para não ocorrer uma

sobrearticulação. Quando ponta, dorso e raiz da língua estão localizadas em

pontos que não correspondam ao som do fonema desejado a fala pode ser

prejudicada (OLIVEIRA, 2004).

No que diz respeito à pausa, no trabalho com atores, é notório que este

recurso é importante para organizar as falas artísticas e espontâneas, tornando-as

fluentes e, também, para a interpretação de diferentes situações da peça. Para

Oliveira (2005) ela está ligada à estrutura do enunciado e ao tempo de acesso à

informação lexical. Uma fala com fluência seria aquela que resulta de um conjunto

de palavras interligadas na mente de quem fala.

O ator deve modular a voz com todas as nuanças que a emoção do

personagem exigir. Quanto a isso, Beuttenmüller (1995) descreve sobre as pausas

e relata que elas devem ser vivenciadas. Ela diz que pausas não são ausências;

elas devem passar emoções e conflitos que aparecem no olhar e na voz do ator.

Para Oliveira (2005), a fala está associada a eventos temporais como

tempo utilizado na articulação, organização prosódica do enunciado, na

codificação e decodificação da mensagem, sendo entendido que o tempo é

inerente à fala: estes dois elementos estão intrinsecamente ligados para que se dê

a comunicação.

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Segundo Oliveira (2004), com o estudo da pausa na comunicação é

possível perceber fatos de entoação encontrados no discurso cênico como

silêncio, hesitação, reflexão e interjeições. Diante disto, é certo que fala e tempo

são dois elementos entrelaçados que possibilitam a comunicação.

Quanto ao recurso respiração, Beuttenmüler (1974) relata que “a correta

respiração e a correta postura são duas coisas intimamente ligadas” (p. 18), sendo

que a primeira é tão essencial que pode até mesmo afetar a estabilidade da

segunda. A qualidade e a velocidade da respiração são determinadas pela

maneira como o indivíduo se posiciona. Ainda segundo a autora, a boa qualidade

da voz será resultado da soma de boa postura e boa respiração.

Diante disto, Guberfain, Bittencourt e Fiche (2005) relatam a importância do

trabalho respiratório no trabalho com atores. Se a respiração for feita de forma

incorreta, pode causar mudanças na emissão vocal.

As mesmas autoras levantam dificuldades encontradas pelos atores, uma

vez que precisam atender as exigências de determinadas cenas, não permitindo

muitas vezes que haja uma fluência natural da respiração. Neste sentido, o ator

deve se preocupar sempre em exercitar regularmente corpo e voz e, para isto,

trabalhar a consciência respiratória.

Com relação ao trabalho feito com o recurso ressonância, Beuttenmüller

(1974) aponta que é a qualidade vocal quem empresta o timbre à voz, que é por

onde se distinguem vozes agradáveis das desagradáveis, as calmas das que são

cheias de nervosismo.

Mendes (2007) afirma que a concentração de ressonância na cabeça

“produz uma voz metálica e estridente que se ouve bem e que dá confiança ao

ator, mas pra quem ouve a textura da voz é restringida, aguda e sem colorido”.(p.

125).

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Segundo Oliveira (1997), “o ator deve fazer uso de colocações vocais,

buscando novas regiões de ressonância da voz. É preciso aproveitar todo o

potencial de ressonância do sistema de fonação (...)” (p. 63).

Adiante serão explicitados os diferentes tipos de timbres da voz, que são

considerados como uma impressão digital sonora, segundo Alfred Wolfsohn e,

posteriormente, reformulados por Paul Newhan. Segundo pesquisa de Fiche

(2004), as suas diferentes representações ou símbolos arquetípicos, baseados

nos estudos de Jung, “são gravações da psique, herdadas pelo nosso código

genético; sistemas distintos de predisposição a pensar, sentir e agir, inerentes a

todos os seres humanos” (FICHE, 2004, p. 51).

• Voz de violino ou voz de cabeça:

A voz de violino é focada na parte alta da cabeça, utilizando pouco ar. A

emissão vai do alto do palato, passa pelas fossas nasais e sobe até o alto da

cabeça. Ela “pode expressar qualidades infantis afiadas, tais como birra e

teimosia”, ou ainda, personagens como “a bruxa, a velha, a histérica e o diabo”

(FICHE, 2004, p. 54).

• Voz de flauta ou voz de peito alto:

Neste timbre, a ressonância é posta na parte alta do peito e sua emissão é

feita na parte anterior da cavidade bucal. Segundo Fiche (2004), é uma voz

“menos sólida e densa que a voz de cabeça e, também, tem mais fluidez: (...) ela

mobiliza arquétipos ligados ao amor ideal, à sedução, à espiritualidade e ao

elemento ar” (p. 54).

• Voz de clarinete ou voz de peito médio:

Este timbre tem a ressonância reunida na parte média do peito e tem sua

emissão focada na parte posterior da cavidade bucal (FICHE, 2004). Segundo a

autora esta voz “mobiliza dinâmicas arquetípicas através dos símbolos do rei, da

rainha e do arquétipo do guerreiro destemido e valente” (p. 55).

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• Voz de saxofone:

A ressonância deste timbre é direcionada na parte baixa do abdômen e tem

sua emissão na parte posterior da cavidade bucal (FICHE, 2004). Esta voz “tanto

pode ser reflexo de imagens arquetípicas masculinas encontradas em símbolos

como os primatas, o gigante gentil, o bobo, o coitado e o infeliz”, como, “em

imagens arquetípicas femininas, como a mãe, a mãe devoradora, a sexualidade

mais impetuosa, primitiva”.(p. 55).

No que se refere ao ritmo, Beuttenmüller (1974) relata que este “consiste

em dois ou mais intervalos de tempo em movimentos seguidos” (p. 85), possuindo

quantidade e qualidade que se envolvem, durante a emissão vocal, com a

intensidade e a altura.

Quanto à projeção, está descrito que para que este recurso seja feito de

forma adequada é importante que o ator domine o espaço através da visão.

(BEUTTENMULLER, 2003).

A energia da vibração dada pela pressão e volume do ar subglótico

determina a intensidade notada na voz (OLIVEIRA, 1997).

Segundo Oliveira (1997), entende-se por intensidade como o resultado da

amplitude da onda glótica relacionada à freqüência de vibração das pregas vocais

necessitando de pressão de ar subglótica, quantidade de fluxo aéreo e resistência

subglótica para sua realização. Alterações da intensidade da voz estão

relacionadas à modificações de freqüência.

Por fim, quanto ao recurso freqüência, Oliveira (1997) relata que o

profissional que trabalha com a voz deve ter consciência e domínio máximo de

suas potencialidades vocais por precisarem emitir sonoridades e inflexões

distintas das produzidas no cotidiano. Ele precisa estar preparado para realizar

variedades de sonoridades em diferentes freqüências.

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4. 1. 6. - Saúde Vocal

Um dos grandes problemas enfrentados por atores de teatro são as

condições do local de trabalho. Normalmente há muito mofo e poeira, cortinas,

carpetes, pisos de madeira não conservados. Juntamente com esses problemas

aparece o fumo, bebida gelada, álcool e outros agravantes no que diz respeito aos

problemas relacionados à voz (OLIVEIRA, 2004).

Existem muitas maneiras profiláticas de preservação da saúde vocal: a

ingestão de água na temperatura ambiente (evita ressecamento), a higiene do

nariz (contribui para uma respiração mais saudável), o ato de bocejar (alarga as

estruturas internas da boca e eleva o teto posterior da faringe), o aquecimento

vocal (estimula a movimentação da mucosa que reveste os músculos vocais) e a

leitura em voz alta e intensidade adequada, sem esforço vocal e grito (beneficia

tonalidade vocal, colorido da voz, articulação, pronúncia, ritmo e velocidade dos

vocábulos) (OLIVEIRA, 2004).

Enfim, todo falante profissional deve cuidar de seu órgão fonador, evitando,

principalmente, abusos vocais. Qualquer alteração de massa (lesão) nas pregas

vocais tem como resultado a modificação do som glótico com perda de

intensidade e freqüência (OLIVEIRA, 2006).

4. 1. 7. - Manifestações Sonoras

O estudo de Domingos Sávio Ferreira de Oliveira em sua dissertação de

mestrado intitulado “A Explosão da Voz no Teatro Contemporâneo: Uma Análise

Espectrográfica Computadorizada da Voz de Grande Intensidade no Espaço

Cênico”, 1997, é estrutural, pois o autor pesquisa as emissões de grande

intensidade, com a intenção de solucionar questões que trazem problemas ao uso

da voz no teatro.

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GRITO

Muitas cenas exigem demais dos atores, principalmente quando envolvem

esforço vocal, como no caso do grito. Para Oliveira (1997), “o grito é a

manifestação de uma emoção ou de várias emoções contidas em nosso corpo” (p.

11), de grande intensidade e colocado para fora, livremente, em todas as direções.

Para alcançar o aumento da intensidade durante esta manifestação, três

fatores são importantes: pressão subglótica, quantidade de fluxo aéreo e

resistência glótica (OLIVEIRA, 2002).

Quando o grito é produzido sem técnica vocal podemos observar forte

fechamento glótico (força que tende a manter as pregas vocais em contato uma

com a outra), constrição das pregas ariepiglóticas (fechamento de pregas que

compõe o aparelho fonador), forte tensão das paredes laterais e posteriores da

faringe e retração da língua (contrair para trás) (OLIVEIRA, 2002).

Segundo Oliveira (1997), na produção do grito encontramos emissões

agudas e que fogem do limite vocal do ator. Este acontecimento leva ao abuso

vocal que conseqüentemente pode provocar rouquidão e, se acontecer com

freqüência, gerar transtornos vocais.

GEMIDO

Segundo Oliveira (1997), caracteriza-se por uma conduta vocal que, se bem

realizada, pode despertar sensações auditivas e expressivas no ator e no público,

expressando manifestações do próprio corpo e sendo, muitas vezes resultado de

dor, sofrimento, lamentações.

Ainda segundo o mesmo autor, na literatura, está descrito que, para a

realização do gemido, a vogal é extremamente necessária por representar “uma

das manifestações sonoras mais ricas e ressonantes do ser humano” (p. 10);

sendo bem articulada é carregada de conteúdo emocional importante.

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Para a emissão do gemido sente-se uma vibração na laringe, porém a

sensação vibratória deve se espalhar da região que vai das pregas vocais até o

abdômen, pois o que move o gemido é a força da pressão que nasce na região

abdominal. Experiências mostram que esse apoio pode levar a uma emissão vocal

interessante (OLIVEIRA, 1997).

CHORO

Segundo Oliveira (1997), o choro é uma continuação da técnica utilizada no

gemido, e a diferença encontra-se no modo de emitir a vogal, “apresentando,

quase sempre, prolongamentos vocálicos combinados com uma variação de

pressão aérea subglótica (...)” (p. 12). A intensidade do choro vai determinar a

variação da pressão. “A voz chorosa pode também se misturar aos gemidos,

beneficiando o enriquecimento sonoro do som emitido” (p. 12).

4. 2. - CONSTRUÇÃO VOCAL DE PERSONAGENS

CONCEITO: Um dos momentos do trabalho fonoaudiológico voltado ao

trabalho vocal de atores, onde este profissional deve fazer um estudo aprofundado

de sua voz, através de práticas corporais e vocais, na busca dos sentimentos e

desejos trazidos por determinado personagem, sendo que, neste trabalho, é

possível se chegar a vários tipos de vozes, inclusive as consideradas

desagradáveis ou parecidas com aquelas ditas patológicas, tudo em busca da

melhor forma de caracterização.

Cada gesto corporal e vocal está ligado a uma palavra levando-se a crer

que existe uma ligação entre a criação do vocábulo e o gesto vocal que, segundo

Oliveira (2004), está relacionado com a força expressiva do texto, com a forma

que se quer passar a mensagem. Neste sentido, o ator deve preocupar-se, no

momento da construção do personagem, com a forma como quer passar a

mensagem. Se seguir a linha de esquemas melódicos já conhecidos ou as ditas

soluções mais fáceis, poderá cair em uma interpretação artificial e distante do

público (OLIVEIRA, 2004).

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Diferenciar e evidenciar os diferentes tipos de interpretação solicitados nas

artes cênicas pode contribuir para uma melhor performance do ator, podendo

fazer com que ele domine os diferentes tipos de linguagens (BRITO, 2004).

Beuttenmüller (2003) coloca que para que se atinja uma expressão vocal

adequada é necessário que o ator assuma vocalmente a história do personagem,

estudando “a psicologia do papel que está encenando” (p. 60).

4. 2. 1. - Método Espaço Direcional Beuttenmüller

Segundo Brito (2004), “foi o primeiro método holístico, no campo da voz,

a ser aplicado. Pela primeira vez ouviu-se falar em reeducação da voz,

analisando-se o indivíduo como um todo, e não apenas uma laringe com

problema” (p. 29). Corpo e voz formam um binômio interdependente.

Encontra-se nele o projeto que tem a intenção de levar o grupo de atores à

consciência do espaço global, já citado anteriormente. O ator tem de reviver o

domínio do seu corpo no espaço e sentir a musculatura que se movimenta durante

a respiração. (KROPF, 2004). A percepção do espaço global é fator essencial para

o desempenho vocal, ajudando para que o ator projete adequadamente a sua voz

(BRITO, 2004).

Segundo Beuttenmüller e Laport (1992), devemos entender o espaço

como um lugar onde nos encontramos e que pode ser aberto ou fechado. Para o

ator, o primeiro contato para a elaboração de uma cena é a percepção visual; é

preciso tomar posse do espaço cênico através da visão. As autoras dividem e

denominam o espaço da seguinte maneira: espaço pessoal, espaço parcial,

espaço sonoro, espaço global.

Para as autoras, o espaço pessoal compreende todo o ser, onde são

guardadas crenças e vivências. Delimita-se na epiderme do ator, indo da pele para

dentro e vice-versa. Nesse espaço, o ator extrai tudo que precisa passar para o

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público, como também, a maneira de conduzir sua voz e seu corpo da maneira

mais adequada.

Com relação ao espaço parcial, Beuttenmüller relata que é aquele

ocupado pelo corpo sem que haja movimento. Sua dimensão máxima se dá

quando o ator está com membros superiores e inferiores estendidos, e a mínima

quando contrai-se na posição fetal, dificultando a projeção espacial da voz.

O espaço sonoro compreende tudo que se pode tirar do espaço pessoal,

transpondo o espaço parcial para que se alcance o espaço global. A voz deixa,

assim, de pertencer ao ator e passa a ser do espectador.

Beuttenmüller (1974) fala do espaço global, que envolve tudo que é

ambiente de atuação. É toda a região que deve ser atingida com a voz. Para

Oliveira (1997), o olhar é essencial para apropriação deste espaço, pois é por ele

que o ator descobre para onde o som deverá direcionar-se.

Para que a voz chegue ao ouvinte, o ator deve envolver o público com o

som que sai de seu corpo. Entra aí o conceito de “núcleo sonoro” que, para

Beuttenmüller (1992), é o local para onde a voz deve ser projetada, ou seja, o

centro do espaço físico encenação. A posição deste ponto muda de acordo com a

movimentação do corpo do ator pelo espaço total.

No Método Espaço Direcional, a voz, na interpretação de um texto, é

resultante da postura corporal e da emoção do personagem, sendo que essa

emoção, será resultado da respiração do ator, pois para cada emoção há uma

respiração própria.

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Para Beuttenmüller, o corpo é o “controle remoto da voz”, e o ator deve

sentir o personagem e o que vai interpretar para poder dar a Gestalt2 ou imagem

da palavra (BRITO, 2004, p. 42-43).

Brito (2004) fala sobre o desenho sonoro do texto, relacionado ao

direcionamento da voz, dando maior verdade à palavra falada passando, assim, a

imagem vocal ou sonora da palavra.

Utilizar as imagens das palavras, no trabalho com texto teatral, ajuda no

entendimento do público, pois a voz é transmitida numa sonoridade que os situa

no tempo e no espaço, valorizando, assim, a interpretação (BRITO, 2004).

4. 2. 2. – Criação

Segundo Guberfain (2005, p. 149):

“a criação do personagem teatral necessita, primeiramente, do

conhecimento da obra e do autor e da proposta cênica do diretor.

O ator precisa ter consciência dos seus recursos expressivos para

que ele possa construir corporal e vocalmente o seu personagem”.

A construção do personagem deve ser feita com todos os modos que

puder: emoções, intenções e conflitos, que tornarão real a interpretação. O ator

precisa se comunicar mesmo sem texto (GONÇALVES, 2004).

Fatores como perfil psicológico do personagem, emoção, postura, gestos,

idade, nível sócio-cultural, situação política e social da época em que se passa o

espetáculo, devem ser levados em conta no momento de procurar uma voz para o

personagem. Esta busca não deve ser feita de fora para dentro, mas de dentro

para fora, assim, o ator passará maior verdade (BRITO, 2004).

2 Termo da língua alemã, utilizado para abarcar a teoria da percepção

visual baseada na psicologia da forma.

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Abaixo serão relacionados algumas pesquisas e trabalhos que se

dedicaram a falar da criação de personagens feita pelo ator.

Terapia do Movimento da Voz

O trabalho de Natália Ribeiro Fiche, realizado em 2004, está baseado nas

descobertas de Alfred Wolfsohn e nas pesquisas de Paul Newhan, e em partes da

Psicologia Junguiana.

A Terapia do Movimento da Voz surgiu por volta de 1939, com um

berlinense vindo de família judaica, Alfred Wolfsohn (FICHE, 2004). Ela tem como

proposta básica a ampliação da habilidade expressiva do indivíduo através da voz

(FICHE, 2004).

Segundo Fiche (2004, p.48):

“a Terapia do Movimento da Voz, um trabalho terapêutico que

está, em última análise, direcionado para o processo de

individualização, toma atenta consideração aos componentes

coletivos da psique humana – que são os conteúdos do

inconsciente coletivo -, e isso, desde logo, permite nos esperar que

resulte daí um melhor desempenho do indivíduo dentro da

coletividade”.

O primeiro passo nesse processo é o desviar-se das falsas roupagens da

“persona3”, para estabelecer contatos com o mundo exterior, adaptando-se às

exigências de meio onde o ator vive, assumindo geralmente uma aparência que

não corresponde ao modo de ser autêntico (FICHE, 2004).

3 Palavra grega cujo significado literal é “máscara” (Fiche, 2004)

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Fiche (2004) conclui que “a Terapia do Movimento da Voz vem contribuindo

para que o fonoaudiólogo tenha uma visão mais holística do seu trabalho”. (p. 58).

Segundo a autora, esta terapia, é uma condição fundamental para o aumento da

capacidade expressiva do sujeito por meio de sua voz.

“A Expressão Vocal na Paixão da Dor em Medéia de Eurípedes”

Este é o título dado à dissertação de mestrado de Jane Celeste Guberfain

desenvolvida na Universidade do Rio de Janeiro – UNIRIO.

O trabalho focou na tragédia de Eurípedes (1972) –, Medéia, e tratou

especificamente da paixão da dor, procurando atingir as áreas teatral e

fonoaudiológica, mostrando a importância das técnicas e recursos utilizados na

preparação vocal das atrizes, sujeitos da pesquisa.

O objetivo do trabalho foi o de definir uma metodologia que embasasse o

trabalho do profissional que lida com as questões da voz no palco, que

colaborasse com o desenvolvimento da expressão vocal do ator, especialmente

nos trabalhos que exigem um alto grau de intensidade das emoções.

O processo de construção vocal foi feito junto ao trabalho de criação da

personagem. O objetivo final era atingir tanto os recursos de expressão vocal

como a qualidade interpretativa.

Guberfain dividiu a vivência da dor em 3 formas: dor incomensurável, dor

contida e dor da angústia. A primeira diz respeito a quando a protagonista, logo

no começo de sua fala, se consome na sua infelicidade. A segunda é quando

Medéia contêm-se em sua dor. A terceira diz respeito ao momento em que a

protagonista luta contra ela mesma num monólogo de tristeza.

A pesquisa se deu nos seguintes tempos: Coleta de dados da anamnese;

avaliação perceptivo-auditiva; avaliação acústica.

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Como resultados do estudo, a autora pôde notar a necessidade do trabalho

de preparação da musculatura fonatória, que proporciona maior suporte

respiratório. O trabalho fonoaudiológico realizado junto à construção de

personagem, refletiu na voz das atrizes que participaram da pesquisa. Isso foi

detectado na diferença da qualidade nas interpretações com e sem o treinamento

vocal. Observou-se ressonância mais equilibrada, freqüência das vozes

adequadas, coordenação pneumofonoarticulatória ajustada.

Estas mudanças refletiram significativamente no trabalho interpretativo,

segundo Jane Guberfain (2004) gerando uma “fala mais fluente, eficiente e

segura, produzida com controle de tensões” (p.110), como também, no “aumento

consciente da exploração dos seus recursos expressivos” (p.111).

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5. DISCUSSÃO

Como proposta de discussão deste material pesquisado, especialmente

fundamentados nos dois volumes do livro “Voz em Cena”, optamos por reunir os

conteúdos mais relevantes das duas vertentes pesquisadas: preparação do ator e

construção de personagens.

Estes dois eixos de trabalho com atores são complementares e estruturais;

há especificidades a cada área de trabalho que merecem ser descritas e

aprimoradas.

Vale ressaltar que na busca pelo tema “Construção de Personagens”,

houve uma escassez bibliográfica, já que os trabalhos recolhidos e utilizados, não

se propuseram em aprofundar e detalhar esta abordagem no trabalho com atores.

Após a análise das referências encontradas na literatura, foi possível

destacar os pontos enfatizados pelos autores na busca para o trabalho de

preparação vocal. A seguir, destacaremos de modo esquemático alguns aspectos

estruturais.

Oliveira (1997, 2004, 2005), Guberfain (2005), Brito (2004), Gonçalves

(2004), Mendes (1997), Bittencourt (2005), Fiche (2005), Beuttenmüller e Laport

(1974) relatam ser necessário:

• utilizar técnicas específicas para cada ator, levando em conta as condições

físicas de cada um;

• ter conhecimento e assimilação da técnica vocal;

• realizar aprimoramentos respiratórios;

• trabalhar com os sentidos dentro de uma visão espacial;

• observar o ator durante os ensaios

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• observar a emissão vocal do ator;

• ter conhecimentos sobre o funcionamento do aparelho fonador;

• fazer observações sobre posturas próprias do ator, da percepção do seu

esquema corporal-vocal;

• realizar aquecimento e desaquecimento vocal;

• relacionar os movimentos do corpo ao sistema respiratório, laríngeo e

ressonantal ;

• realizar relaxamento, mantendo livres as articulações do corpo;

• manter medidas profiláticas de preservação da saúde vocal;

• trabalhar com as emissões de grande intensidade, como grito, choro e gemido;

Com relação ao trabalho dos fonoaudiólogos e preparadores vocais na

construção vocal dos personagens, Kropf (2004), Beuttenmüller (1974), Brito

(2004), Guberfain (2005), Oliveira (2004) e Gonçalves (2004) apontam que é

essencial:

• preocupar-se com a forma como se quer passar a mensagem, expressar-se;

• não seguir a linha de esquemas melódicos já conhecidos no teatro ou as ditas

soluções mais fáceis;

• diferenciar e evidenciar os diferentes tipos de interpretação;

• tomar posse do espaço cênico através da visão, tendo assim consciência do

espaço global;

• trabalhar também com as idéias de espaço parcial, pessoal e sonoro;

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• sentir e interpretar o que se fala;

• sentir o personagem, tomando sua emoção;

• ter conhecimento da obra e do autor e da proposta cênica do diretor;

• aprender a comunicar-se, mesmo sem texto, utilizando-se de expressão e

emoção;

• utilizar as imagens das palavras.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reunião destas pesquisas e publicações de preparadores vocais e

fonoaudiólogos do Rio de Janeiro é de suma importância para a arte cênica; pôde-

se apreender estruturas essenciais à preparação vocal e à construção vocal de

personagens, duas áreas de grande importância no trabalho teatral.

Esperamos que esta pesquisa sirva como material para futuras

investigações, uma vez que reúne alguns conhecimentos de difícil acesso na

cidade de São Paulo. Acreditamos que poderá servir como material de consulta

para auxiliar o trabalho na arte teatral, não sendo este um trabalho direcionado

somente a fonoaudiólogos, como também aos preparadores vocais e atores, ou

ainda a profissionais vinculados ao teatro.

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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEUTTENMÜLLER MG, LAPORT N. Expressão Vocal e Expressão Corporal.

Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1974.

BEUTTENMÜLLER MG, LAPORT N. Expressão Vocal e Expressão Corporal.

Rio de Janeiro. Forense Universitária; 1992.

BEUTTENMÜLLER MG. O que é ser fonoaudióloga: Memórias profissionais

de Glorinha Beuttenmüller. Rio de Janeiro: Record; 2003.

BRITO MS. A Aplicação do Método Espaço Direcional Beuttenmüller no Trabalho

com Atores. In: Guberfain JC. Voz em Cena. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. vol.

1, p. 29-43.

FICHE NR. Movimento da Voz. In: Guberfain JC. Voz em Cena. Rio de Janeiro:

Revinter; 2004. vol. 1, p. 45-59.

GONÇALVES R. Dinamismo da Voz. In: Guberfain JC. Voz em Cena. Rio de

Janeiro: Revinter; 2004. vol.1, p. 61-69.

GUBERFAIN, JC. Voz em Cena: Uma Ponte Entre a Técnica e a Expressão do

Ator. In: Guberfain JC. Voz em Cena. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. vol. 1, p. 71-

123.

GUBERFAIN JC, BITTENCOURT ES, FICHE NR. Aquecimento Corporal-Vocal do

Ator. In: Guberfain JC. Voz em Cena. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. vol. 2, p. 2-

16.

KROPF MH. A Fonoaudiologia, o Ator e as Artes Cênicas. In: Guberfain JC. Voz

em Cena. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. vol. 1, p. 21-28.

MENDES L. Considerações de Cicely Berry Sobre a Preparação Vocal de Atores.

In: Pinho, S. Temas em Voz Profissional. Rio de Janeiro: Revinter; 2007, p. 123-

131.

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OLIVEIRA DSF. Voz na Arte: Uma Contribuição Para o Estudo da Voz Falada no

Teatro. In: Guberfain JC. Voz em Cena. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. vol. 1, p.

1-19.

OLIVEIRA DSF. Um Estudo Experimental da Fala Espontânea: Pausas e Fatos da

Entoação Normalmente Encontrados nos Falares Cotidianos e Teatral. In:

Guberfain JC. Voz em Cena. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. vol. 2, p. 69-83.

OLIVEIRA DSF. O Homem e sua Voz: Considerações Relevantes Sobre o Estudo

da Intensidade, Freqüência e Duração Para o Aprimoramento da Voz e da

Comunicação. In: Sampaio TMM, Pereira MMB, Atherino CCT. O Ouvir e o Falar:

A Fonoaudiologia em Diálogo. Rio de Janeiro: Artes; 2006. vol. 1, p. 120-135.

OLIVEIRA DSF. A Voz e o Teatro. In: Vale M. Voz: Diversos Enfoques em

Fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Revinter, 2002. pp. 41-59.

OLIVEIRA, D. S. F. Sonorização, Fisionomia e Gesto na Construção Vocal do

Ator. In: Saúde, Sexo e educação. Rio de Janeiro.1995. pp. 51-53, nº. 4.

OLIVEIRA DSF. Sonorização, Fisionomia e Gesto na Construção Vocal do Ator: O

Gemido, o Choro e o Grito (Parte II). In: Saúde, Sexo e educação. Rio de

Janeiro. 1997. pp. 9-13, nº. 9.

OLIVEIRA DSF. Contribuições Para o estudo da Pausa no Português do Rio de

Janeiro. In: Cadernos de Letras da UFF (Universidade Federal Fluminense).

Niterói, RJ, pp. 141-149, 2º. Semestre- 2001.

OLIVEIRA DSF. A Explosão da Voz no Teatro Contemporâneo – Uma Análise

Espectrográfica Computadorizada da Voz de Grande Intensidade no Espaço

Cênico. [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade do Rio de Janeiro; 1997.

OLIVEIRA, V. L. Os Atores e suas Necessidades Vocais. In: Guberfain JC. Voz

em Cena. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. vol. 2, p. 55-67.