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    o sp r to da performance

    arna ikcin rdosoUniversidade Federal de Santa Catarina Plorianopolis Brasil

    E mail: [email protected]

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    Resumo

    Nas macumbas cariocas circu1amimimeras est6rias sobre os chamadosespfritos de preto-velhos. Taisest6riassao contadas nao s6 por clientes efilhos de santo mas tambem pelospr6prios espiritos Neste narrardisperso e co etivo a diferenca entresujeitos e objetos torna se enigmatica.Aqui me volto para a poetica destasperformances narrativas marcadaspe intertextualidade e por rmiltiplastemporalidades onde hist6riasdevidaoracoes narrativas morais narrativashist6ricas e est6rias emotivas seentremeiam buscando compreenderseu p pe tanto em dar aosespiritosseuestatuto cu1turalmente reconhecidocomo sujeito como em marcar esseestatuto como pecul ia r e distintodaque1edos outros sujeitos sociais.

    Palavras chave : Narrativa.Performance.Sujeito. Religtoes afro brasileiras

    bstr ct

    Stories about the spirits of preto velhosold black folks circulate amongst the

    many small macumba religious centersdispersed throughout the suburbs of thecity of io de Janeiro Brazil. These storiesare told notonlyby followers but also bythe veryspirits that attract the membersofthese centers. nthis dispersed and collectivenarration thedifference betweenobjectsandsubjects turns enigmatic. These spirits areculturally recognizedas socialsubjects evenas their narrative performances markedby an intertextuality that combines lifehistory prayers moral narratives historicalnarratives and emotional stories playa central role in setting them apart fromother social subjects. isthe cultural poeticsof their constitution as subjects throughnarrative that seek here to explore.

    eywords Narrative. Performance. Subject.Afro-Brazilian religions.

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    o espfrito da performance

    o espirlto performance

    esde 0 final dos anos 70 e inicio dos anos 80, a articulacao devarias perspectivas analiticas centradas na performance verbal

    voltou 0 olhar antropologico para 0 usa da linguagem como acao socialque emerge nos eventos de fala, na interacao social entre performers esuas audiencias. A pluralidade teorica que caracteriza os estudos deperformance verbal abre urn campo ample de rmiltiplas perspectivassobre como a l inguagem pode ser est ruturada e quais papeis podeexercer na vida social.

    No que conceme as analises de narrativas, a chamada viradapara a performance desviou 0 olhar antropol6gico dos estudos danarrativa enquanto textos para consideracoes das narrativas comoemergentes em eventos n rr tivos Tal deslocamento implica tambemuma atencao para como os pr6prios contextos comunicativos emergemde negociacoes entre os participantes das performances (Bauman,1986). Sob essa perspectiva, a analise antropol6gica se volta para osprocessos dial6gicos atraves dos quais tanto 0 texto como 0 contexto narrativo emergem em performances narrativas (Langdon,2007). Ou seja, ela se volta para os processos de entextualizacao e contextualizacao engendrados pelos eventos narrativos (Bauman;Briggs, 2008). Atentando para 0 us a da linguagem como acao social,analises centradas na performance apontam para papel da linguagem na construcao social da realidade. A narrativa, ou a linguagemem geral, nao e tomada como urn instrumento passive de descricaodo mundo, mas e compreendida como tendo urn papel constituintedo proprio mundo narrado.

    Esta dimensao performativa-, ou esta eficacia constituinte dalinguagem, nao emeramente urn efeito de urn ate ritualizado ou um a

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    caracteristica inerente a forma de um a enunciacao, mas esta analiticamente ligada a um a visao de performance centrada no agente. Talperspectiva acerca da performance linguistica acentua entao a agendado narrador, e 0 p r orm r torna-se figura central na analise da narrativa, tendo urn papel central na constituicao tanto do evento narrativoquanto do evento narrado.

    A discus sao que busco fazer aqui procura, de certa forma, inverter ou desviar essa relacao. Ou seja, busca explorar 0 papel da pr6prianarrativa e do evento narrativo na constituicao do sujeito narrador. Setomamos a performance narrativa como urn momenta de construcao

    social da realidade, 0 que estou bus cando aqui e tambem compreenderas condicoes de emergencia do sujeito narrador como urn dos efeitosda pr6pria performance.

    Essa e urna questao que merece ser perseguida etnograficamente.E tratar dessa problematica deste modo significa implicar a etnografia em urn processo de reflexao com/atraves de conceitos nativos quepotencialmente deslocam nossa nocao de sujeito e sua relacao com anarrativa. A etnografia na o visa assim a objetivar (e explicar) formasnativas ou conceitos, mas a tomar tais conceitos em relacao aquilo queViveiros de Castro chamou do campo problematico onde as ideias

    [-nossas e dos nativos -] estao implicadas (2002, p. 123).Deixem-me entao leva-losa urna pequena m cumb nurn subiirbio

    carioca . m cumb carioca e marcada por rituais de consulta a espiritos, principalmente aqueles conhecidos como preto-velhos e 0 povoda rna , e pelas festas onde esses espiritos respondem ao chamado dos pontos - as cantigas rituais - para v dancar em suas giras . Tambern comurnente chamados de entidades , guias ou santos , essesespiritos atraem urn grande mimero de clientes e filhos-de-santo para osvaries centres dispersos pela cidade do Riode Janeiro, onde oferecernconselhos e ajuda na solucao dos problemas mais ou menos mundanos

    que seus suplicantes lhes trazem (Augras, 1997; Birman, 1983a, 1983b;Cardoso, 2004, 2007b; Contins, 1983; Giobellina Brumana e GonzalesMartines, 1991; Hale, 1997; Montero, 1985; Trindade, 1985 4

    No imaginario da m cumb os espiritos sao na o s6 objeto deestorias , mas sao tambem suj tos de est6rias narradas por eles

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    mesmos. Tal agenciamento enquanto sujeito narrador na o lhes da,no entanto , urn estatuto ou um a natureza igual aquela dos outrossujeitos sociais. Tampouco sao tais espiritos simplesmente equivalentes a personagens ou sujeitos ficcionais de narrativas. Sua naturezaambigua coloca em ten sao a propria nocao de sujeito. Se os espiritossao objetos e sujeitos de estorias. devemos entao pensar como taisnarrativas operam para lhes conferir esse estatuto de sujeito, assimcomo pensar qual a natureza tanto desse estatuto quanto das proprias estorias contadas. Ou seja, qual e 0 papel das narrativas nestamaterlalizacao do espirito enquanto sujeito?

    Ouvidas entre praticas rituais e inseridas nos fluxos de outras conversas, tais narrativas sao fragmentadas e dispersas, e marcadamentedistintas daquilo que considerariamos como urn corpus mitopoeticoou tradicao narrativa. Nao demarcadas enquanto usos explicitamenteesteticos de formas Iinguisticas, que distinguiriam seus narradorespor urn virtuosismo Iinguistico, tais estorias sao contadas na o sopelos proprios espiritos, mas tambem por clientes e filhos-de-santo.Neste narrar a urn so tempo disperso e coletivo, objetos e sujeitos seconfundem, e a propria pratica narrativa constroi a socialidade quenarra Cardoso, 2007b).

    Deixem-me entao leva-los a urn momenta em particular destermiltiplo narrar, deixem-me convida-losa ressituar momentaneamentesua imaginacao. Imaginem-se em urn pequeno centro nu m suburbiocarioca. Imaginem-se no meio de um a assistencia , em um a festade m cumb e m u ma casa suburbana. No quintal dos fundos, em vezde roupas penduradas no varal, nesta noite em particular borbulhampanelas de feijoada em cima de fog6es a lenha. Num chao de cimentoa sua frente, onde ha pouco dancavam espiritos ao som dos atabaquese dos pontos cantados, agora esteiras estao estendidas, cobertas comgamelas, pratos e colheres de pau. Arras da esteira, 0 gong 0 altar

    - adornado com flores e velas, imagens de santos e orixas, fecha 0circulo dos filhos-de-santo e dos preto-velhos sentados em banquetasde madeira, fumando seus cachimbos.

    Se voce ja foi a urn centro ja deve saber que estou convidando-oa se imagina r numa festa de preto-velho. Comemorada pa r volta do

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    dia 13 de maio, as festas de preto-ve lho atraem urn grande mimerode convidados na o s6 pela popularidade desses espiritos, se u grandenumero de clientes , mas tambem pela feijoada que marca a festa.Mesmo se voce ja foi a varias fes tas de preto-velho, esta especial.Talvez todas 0 sejam, de maneiras diversas. Mas nesta festa, ovoCambina a pre ta-velha da mae-de-santo pediu aos filhos-de-santoque decorassem 0 cent ro como a fazenda na Bahia onde ela diziahaver vivido. Se eu convido voces a um a viagem de imaginacao. elamesma convidava seus filhos-de-santo a imaginarem 0 qu e ela lhesdescrevia em muitas est6rias.

    Nesse compartilhar de Imaginaries, mais ur n myel se interp6enestas multiplas mediacoes, ja qu e eu mesma nao fui a esta festa qu edescrevo. Luciana, a mae-de-santo desse centro, foi quem me de uur n video qu e havia sido gravado p or u rn filho-de-santo, onde eu virepetidas vezes essa ta l festa. preta-velha Vov Cambina por su a v zme contou varias vezes sobre essa festa, descrevendo alguns detalhesaqui, outros detalhes ali, erne pedindo que eu gravasse em video outrasfestas em qu e eu me sm a estava presente. Como dizia a preta-velha, l

    born guardar as coisas. born p ro povo ve. P ra quando eu na o estouaqui, quando minha menina [a mae-de-sante] na o t a aqui.

    Imaginem-se entao nurna festa com um a fogueira queimando noquintal, as cercas de arame-farpado do terreno cobertas co m folhas ebambu, e 0 centro e os filhos-de-santo adomados pelo colorido de saias,camisas e fitas de chita. Nesse imaginario da decada de 90 do seculoXX macumba est6rias de preto-velho, festas juninas, e uma imagemurbana acerca do rural , se entremeiam para evocar urna imagem deum a fazenda escravocrata) em algum momento no passado distante.Sentada na cabeceira da esteira, cercada pelos filhos-de-santo, Cambina comandava 0 tao aguardado servir da feijoada, enquantocirculava pela assistencia ur n garrafao de vinho doce.

    Cambina olhava com 6bvio prazer a especial fartura daquelanoite, e, antes de todos compartilharem a ceia naquela festa, ofereceuum a prece em agradecimento. Em tom solene, ovo louvou Deus eNosso Sr do onfim as vozes da assistencia e 0 som dos atabaques respondendo em coro as suas preces:

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    Louvado seja meu Deus, meu Nosso Sr. do Bonfim,Que nos deu estafartura em nossa mesa,Em nossa casa.Que essa comida de santo, meu povo, alimente muitomais 0 esp'ritoQue sefaca muitomaisa razio do queaDo quea paixdo pela comida.Comida de santo emuito boa, muito gostosa,Quando ecomida de cabeca, boca [...] e coracao.Agradecendo a fartura ela dizia que comida de santo alimenta

    o espirito alimenta a boca e tambem a cabeca e coracao . Emsua propria homilia Vovo dizia que muitos procuram a misericordiaque muitos vern buscando alguma coisa boa para suas vidas desde 0tempo da escravidao. Mas muitos na o haviam conseguido a tao pro-curada misericordia porque nunca aprenderam a pedir diante de um acomida de santo.

    Vovo avisava que comida de santo tanto mata quanta faz crescer.E clamava pela ajuda de Nossa Sra. De Sant'Ana e de Nosso r do Bonfimpara cada povo que estiver aqui naminha casa para comer esse alimento .

    Com ur n sorriso que quebrava a seriedade de sua fala vovo

    continuou:

    Que todo mundovai dizer f } Td bome quero maisf ] osaborPoi Vovo que temperou.nemeu nego?Tudo aqui foi 10vo quem fez. Bntdo etempera baiano. maode Vov

    suor de Vovo

    Sua face voltou a seria temura que marca seu rosto durante asrezas:

    suor deum preto-velho.E f }esse suor deum preto velho vaite alimentat: meusfilhosNdo alimenta soa barrigaNdo a qulAlimenta esp'rito[Nao o}egoismo de voces Agananciao poder de querer ser melhor do que ninquem.Bstd [aqui] urn dia para ndo sedizer que ninquem emelhor do que ninquemNem preto nem branco.

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    u um dia u pretaFui escravaFui dona de senzalaFui dona de casa [grande].Meus proprios escravos tocaram fogo em tudo.Voltei ser escravaNiio dos meu escravos ndo de pretoVoltei ser escrava de branco

    u tive que cozinhar comida d ocesBntdo que eu sou?Escrava de quem?

    voces chegam com um problema quem cuida? u sou escrava de quem?

    Uma voz masculina respondeu do fundo da assistencia:De todos nosDe todos vocest confirmou a preta-velha.

    Bntao, que voces peguem dessa comida para comerPegacom gula mesmo, que ta muito gostosa[ ]Mas a gulamaior que a ov quer ea gula do coracao gula do pedido: Meu preto velho, eu vim aqui pra festejar[ ]Eu vim aqui para comer tua comidaE seique essa comidavai alimentar meu pensamento e meu esp rito.

    Vov6 abre novamente ur n sorriso e encerra su prece dizendo: Mas vamos parar de conversa que 0 povo ta cheio de fome p r comerdessa comida ,

    Afala de Vov6 epreenchida por figuras poeticas de sofrimento, mi-sericordia e salvacao: alusoes sao feitas ao conhecimento, aignoranciae a desigualdade. A propria historia eevocada em urna linguagem deemocao, de intervencao divina, de luta, e de urn conhecimento preciosoda cul tura, do saber pedir . Nas palavras da pre ta-velha , pedir aos

    espfritos. pegar a comida, ser liment d por ela, eestar implicada npropria historia da escravidao e n s estorias dos preto-velhos. Nessafesta, compartilhar osbeneficios oferecidos pelo poder dos preto-velhosepermitir literalmente qu e a presenca dos espiritos, 0 sal de seu suorescravo, penetre 0 corpo, a mente e 0 coracao, Em sua fala Vov6 nega aos

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    seus ouvintes naquela noite a confortavel separacao de um dist nteconsulta espiritual ou urn simples consumo de seus poderes.

    Nas descricoes genericas sobre os espiritos de preto-velhos representadas nos imimeros livretos que podemos encontrar n s casas deartigos religiosos espalhadas pela cidade do Rio de Janeiro sao suabondade acolhedora e sua humildade que se torn m a propria essenciaque os identifica que da a propr ia ident idade de seu nome. Na falade Vovo ambina tal benevolencia n o enegada m s e ressignificadadentro da historia da escravidao. e localizada no cerne de relacoes emque estao implicados espiritos e aqueles que neles creem. Essa umcomplexa implicacao em relacoes mais amplas do que aquelas localizadas no pequeno centro ja que Vovo nos diz ter voltado a ser escravade brancos apos sua morte m s este contar se da em um festa ondeela esta cercada por um assistencia de clientes e filhos-de-santoem sua maioria negros.

    Pedir a intervencao dos espiritos n o urn te individual t m-pouco urn te extraordinario Muito pelo contrario. pedir esta inseridono coracao do mund no n comensalidade da cultura no con sumopropiciador de um comida imbufda moment ne mente do poder demediacao.

    Em sua prece em agradecimentoit

    abundancia da ceia Vovo en-tremeia a fala ritualizada das oracoes com rememor coes sobre asua propria vida: u dia u preta u escrava u dona de senzala nomeio de um festa publica que Vovo n rr parte de sua vida transform ndo tanto seu passado qu nto 0 proprio rememorar em um estoriacompartilhada nessa celebracao.

    o que ouvimos dessa estoria de Vovo e apenas um parte entreme d a nessa prece com morais e exortacoes risos e melancolia. Eupoderia lhes contar mais contar que Vovo havia side um bela escravaque havia se casado com seu senhor e tornado-se ela mesm dona de

    escravos. Poderia lhes dizer ind que seus escravos haviam queimado suas posses e que ela e seu m do haviam morrido nesse fogo derevolta escrava. Tarnbem poderia lhes contar que ela nunc havia tidefilhos e que dizia que jamais iria parir escravos. Poderia dizer t mbemque ind hoje Vovo chora qu ndo conta partes dessa estoria.

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    Mas esse coalescer das est6r ias, que poder ia ser acrescido demuitos outros detalhes contados por Vov por seus clientes e filhos-desanto, transfonnaria esse rememorar em urna outra forma de narrativabiografica. Decerta forma, este ordenamento refletiria apenas 0 desejoetnografico de capturar e ordenar esses fragmentos dispersos em urna hist6ria de vida , ur n outro genero narrativo que, como rgumentKirshenblatt-Gimblett 1989), e ur n tipico produto do trabalho decampo, um construcao de personagens etnograficos atraves deum convencao textual distintamente ocidental p r refletir sobre aexperiencia, e a relacao entre 0 tempo presente e 0 passado. Contar

    a est6r ia deVov

    segundo este genero de biografia seria, no entanto,fixa-la como ur n texto , remove-la da socialidade do contar, e toma-lasupostamente plenamente conhecida enqu nto um preta-velha .

    claro que toda etnografia enfrent 0 inevitavel problema da integracao textual de fragmentos e contingencias culturais Seremetakis,1991; Trihn Min-ha, 1991). Mas oferecer urna hist6ria de vida ouurna biografia de Vov Cambina implica ignorar os modos especificosde rememorar implicados n socialidade da macumba assim comoignorar a propria poetica da presentificacao dos espiritos. Se eprecisosaber pedir a urna comida de santo, e preciso t mbem saber ouvir eparticipar do recontar das est6rias sobre e com os espfritos.o conhecimento sobre Vov su identidade, n o e algo que serevela ou se apresenta, m s e urna presenca que emerge em perform nce Schieffelin, 1985, p. 272). neste compartilhar que 0 espfritose constitui e e constitufdo dentro do imaginario da m cumb Nesseimaginario os espiritos sao cultur lmente reconhecidos enqu ntosujeitos - no sentido de terem desejos, serem geradores de ac;ao eterem um subjetividade culturalmente reconhecida - intim menterelacionados com seus mediuns, m s de forma alguma pertencentesa estes ou de natureza similar a estes. Seu estatuto de sujeito enecessariamente distinto daquele dos outros sujeitos sociais - vivos ou jamortos - afmal sao conhecidos como espiritos , santos , entidades ,e n o como pessoas .

    Em urna reflexao sobre a identificacao de espiritos como sujeitosnarrativos - n etnografia de Mary Steedley 1993) sobre os karo da

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    Indonesia Sumatra do Norte) - J. Fabian 1996) argumenta que talreconhecimento nao significa conceder aos espiritos um literalidade,o que implicaria dar-lhes um realidade ontologica, mas sim tomalos como urn modo de experiencia do mundo. Reconhecer a diferenca entre tais sujeitos n m cum e reconhecer um diferencacontinuamente marcada por espiritos e filhos-de-santo, mas seguirFabian aqui seria, de certa forma, introduzir um diferenciacao entre experiencia e algo literal . 0 que as estorias n m cum parecemexprimir e que, e talvez seja isso 0 que Fabian esteja de fato sugerindo,deveriamos tomar estas diversas formas de sujeitos como diversosmodos de experien i r e de es tar no mundo.

    As performance narrativas, esse contar de est6rias, como os pequenos trechos que contei, sao essenciais para pensarmos a naturezae a constituicao desse sujeito singular. Na est6ria que ovo nos conta. a pr6pria historicidade desse sujeito e articulada atraves de umtemporalidade distinta. A manipulacao do tempo e um caracteristicainerente anarrativa Blanchot, 2005, p. 12-13), ja que tempo proprioda narrativa coalesce num simultaneidade imaginaria as diferentesestases temporais . No caso da est6ria de Vovo essa simultaneidadee perturbadora da pr6pria distincao temporal alem do limite propriamente

    dito da estoria contada.A estoria de ovo que contei acima e um narrativa de experienciapessoal, em que ela nos conta no presente que ja fui is so , ja fuiaquilo , em urn tempo passado. Mas este e urn tempo deslocado alernda possibilidade autobiografica, j que mais de ur n seculo se passaentre 0 evento narrativo e 0 evento narrado. ela t mbem que nosconta, em u rememor coes sobre a sua pr6pria mort Se todosujeito se transforma com e no tempo, a ambiguidade do tempo queemerge da estoria de vovo engendra urn sujeito que tambem transforrna 0 proprio tempo, e onde a morte nao esta alem da possibilidade

    narrativa do eu . ovo

    nao e urn sujeito a-hist6rico, mas urn sujeitocontinuamente produzido, que cruza temporalidades distintas.o pequeno trecho da historia de W voe justamente isso, urn trecho,

    um pequena parte de ovo Mas, como disse ha pouco, ovo n o e umestoria a ser isolada, descontextualizada dos varies atos narrativos,

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    cujo significado possa ser isolado dos contextos e autores das enuncia-coes. Vovo ambina e um sujeito que continuamente narra a si mesmoem estorias sobre suas vidas, e que e re)constituido narrativamentepelos macumbeiros atraves de estorias sobre seus feitos e seus poderes.Vovo e como um a narrativa em performance onde su a estoria e su amaterializacao como sujeito narrador estao entrelacadas e m u ma ne-gociacao de intencoes, interpretacoes, contextos e textos.

    claro que falar da estori a como emergen te em performancena o e falar de pura criatividade, [a qu e Vovo esta implicada em ur n reconhecimento . Como argumenta Bruner, a propria nocao de cria-

    tividadee

    um a categoria cultural 1993, p. 327) cuja valorizacao ounao esta implicada num balance entre criatividade e a expectativa dereconhecimento da personagem , Ao falar de si mesma como um apreta velha Vovo ambina recorre a ur n texto cultural qu e Ihe da umcerto enquadre, urn reconhecimento. Mas esse reconhecimento na oidentifica quem e1a apenas evoca 0 que ela pode ser E eno contarde suas estorias, estorias de vida e de morte, estorias de outras vidas,que na o so 0 espirito econstituido, ma s tambem os textos, discursose contextos que 0 cercam sao presentificados e ressignificados.

    Isso significa pensarmos a estoria de Vov como emergente em

    performance, e simultaneamente pensarmos 0 contexte culturaldesse rmiltiplo contar como tambem constituido em performance, na ocomo algo objetivo e dado a priori da performance ou do at e de fala. essa relacao dialogica entre estoria e contexte que esta marcada noconceito de contextualizacdo dos estudos de a rt e verbal d . Bauman;Briggs, 2008; Briggs, 1988). no proprio at e de contar que aquilo qu ee relevante para 0 reconhecimento de Vovo e negociado na construcaode urn enquadre de referencias relevantes.

    Algumas das discussoes levantadas pOI Judith Butler acerca danocao do performativo , da eficacia da linguagem enquanto consti-tuinte do social, podem ser relevantes para pensarmos essa constitulcaodos espiritos atraves das estorias. SeButler 1996) toma performativode Austin, atraves de Derrida, para repensar a relacao entre genero e

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    resvalar em milhares de outros fios dial6gicos,tecidospor consciendassocio-ideologicas 1981,p. 276). Na est6ria de Vovo Cambina embebidaem sua prece aos pes de urna comida de santo, varias outras forcasestaotambem presentes, implicadas em rmiltiplos caminhos do imaginarioMeyer, 1993). Ao nos falar sobre suor de escravo que tempera

    a comida de santo, sobre ser dona de escravos , Vov6 entrelaca estecontar, nurna festa de macumba ao imaginario da nacao, de genero,e de raca. Por urn lado a narrativa mitica da nacao engendrada peloencontro passional da mulher negra e do homem branco e acionadacomo contexto hist6rico para dar sentido a metamorfose de Vov6 deescrava para dona de casa-grande. Por outro lado, esse imaginario ao mesmo tempo, ressignificado pela recusa de Vov6 a parir escravos,e pela brutalidade de sua morte, urn ato de escravos em revolta.

    nesse tenso negociar da performance narrativa, que tantoa est6ria de Vov6 como 0 contexto hist6rico-cultural em que ela sesitua ganham significado. Outros trechos da est6ria de Vov6 outrosmomentos de narracao de sua est6ria, tambem se entrelacam nestaperformance em particular, tambem se tomam forcas presentes nesse contexto. Pensar a constituicao de Vov6 enquanto sujeito e pensaresta individuacao como necessariamente produzida nurn espaco de

    intertextualidade e temporalidades rmiltiplas.Aocontar sua est6ria, e no contar dos macumbeiros vov6 constitui

    a simesma e e constituida como distinta de outros espfritos. Mas essaindividuacao nao eurn processo criativo individual, ja que e predicadana intersubjetividade - e na intertextualidade - de sua constituicao.Vov6 fala atraves de urn corpo literalmente momentaneamente ocupado; sua narrativizacao esta inextricavelmente implicada em um asocialidade onde falas e fragmentos narrativos sao compartilhados; eonde a resposta de outras vozes e imprescindivel para a signiflcacao desua pr6pria voz. Sea producao de Vov6 enquanto sujeitoe 0 resultado de

    urna imaginacao criativa, essa criatividade s6 pode ser compreendidaa partir de urna concepcao intertextual da pr6pria matertalizacao dosujeito narrador. Vovo e a performance por excelencia, sem 0 reconhecimento de sua assistencia ela s pode existir

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    o t s

    Algumas das discuss6es neste texto foram parcialmente elaboradas no trabalho Bstorias de outras vidas: narrativas de espfritos e a constltuicao do sujeito ,apresentado no GT Btnobiografla, Narracoes e Subjetividade, na X ABANNE Cardoso, 2007a), e no capitulo 4, TracingMemories , de minha tese de doutorado Cardoso, 2004). Uma versao anterior foi apresentada na mesa Oralidade ePerformance, do Col6quio Antropologias em Performance Cardoso, 2009).

    I Para urna resenha critica e compreensiva sobre a performance tanto como tematicaquanto como uma perspectiva teorica plural e interdisciplinar sobre a vida social,ver Bauman e Briggs 2008). Para urna leitura do campo da performanceno Brasil.principalmente em relacao aos estudos em dialogo com a etnografia da fala ecom os estudos de arte verbal , ver Langdon 2008).

    2 trabalho classico sobre a dimensao performativa da linguagem e 0 texto dofilosofo da linguagem J. 1. Austin 1962). Retorno a esta questao mais abaixo.

    3 Macumba eurn termo que praticamente desapareceu do vocabulario analitico. Noentanto, m cum continuamente emerge nas falas dos sujeitos como urn signapolissemico,frequentemente saturado por significadoshistoricamente racializadose usado em referenda a praticas, lugares e it propria socialidade marcada pelapresenca de espfritos Cardoso, 2004).

    4 Ha uma grande bibliografia sobre as religiosidades afro-brasileiras, sendo esta urnadas tematicas fundantes da propria antropologia brasileira. Aponto aqui apenasalguns trabalhos que se voltam mais especificamente para discussoes sobre osespfritos e para suas relacoes com os filhos-de-santo, mesmo se ne m todos tern 0Rio de Janeiro como campo ou se referem a tais praticas como m cumb

    5 Uso 0 termo estoria aqui para reter a dimensao de fabulacao e expressividade dessasestorias, nao para diferencia-las de urn outro genero narrativo mais realista . Asestorias estao inextricavelmente implicadas no engendramento da propria realidadeque narram Cardoso, 2007b).

    6 Este nao e urn convite para urn deslocamento de um a dimensao real - nossapara urna dimensao ficcional ou imaginaria - do outre , mas urn convite parasermos contaminados - ou afetados Favret-Saada. 2005) - por urn outro lugar:peco-lhes para ressituar su imaginacao, nao para se situar em su imaginacao.A contaminacao de nosso imaginario do/sobre 0 mundo e tambem evocada porKathleen Stewart 1996) quando ela nos convida a adentrar 0 universo etnografico de/atraves de seu texto) com 0 convite de picture yourself . Esse contaminar daimaginacao aparece novamente em seu comando de imagine isto ou aquilo, urnimaginar que possibilita nos figurarmos a nos mesmos em relacao a este espacoetnografico imaginado - nosso, dela e do outre ,

    7 Em outro texto exploro esse narrar em relacao it propria constituicao da m cumenquanto um a socialidade Cardoso, 2007b).

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