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FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE CANA-DE-AÇÚCAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

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FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA

PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL:

QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

CANA-DE-AÇÚCAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

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FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA

PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL:

QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

CANA-DE-AÇÚCAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em

Direito da Universidade de Marília, como exigência

parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob

orientação da Professora Dra. Jussara Suzi Assis Borges

Nasser Ferreira e co-orientação da Professora Dra.

Adriana Migliorini Kieckhöfer.

MARÍLIA

2010

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Autor: FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA

Título: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL:

QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE CANA-DE-AÇÚCAR

DO ESTADO DE SÃO PAULO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,

área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,

sob orientação da Professora Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira e co-orientação

da Professora Dra. Adriana Migliorini Kieckhöfer.

Aprovado pela Banca Examinadora em 30/ 06/ 2010.

_______________________________________________

Professora Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira

_______________________________________________

Professora Dra. Adriana Migliorini Kieckhöfer

_______________________________________________

Professor Dr. Osmar Vieira da Silva

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Dedico este trabalho:

A DEUS, pela constante presença, acalentando-me e

fortificando-me nas fraquezas e me iluminando em

cada palavra.

À minha família, Mônica, Monique e Nicole, razão

maior da minha vida, dos meus estudos e do meu

trabalho, que souberam superar horas de ausência,

com paciência, até o final desta empreitada.

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Agradecimentos:

Ao amigo Irton Oliveira Müzel, cuja decisão me

possibilitou enfrentar esse desafio, compreendendo,

com sabedoria, a importância dessa caminhada.

Ao Almir Soares Teixeira de Oliveira, amigo,

braço forte e solidário nas horas de precisão, que

caminhou comigo lado a lado nessa trajetória de

estudos.

Ao José Carlos Arevalo, amigo e companheiro,

pela colaboração decisiva nos passos da graduação,

possibilitando-me, hoje, alcançar mais este objetivo.

À professora Dra. Jussara Suzi Assis Borges

Nasser Ferreira, pela orientação prestada com

sabedoria, paciência e carinho, atributos dos grandes

mestres, e que serviu como porto seguro nas

intempéries desta caminhada.

À Professora Dra. Adriana Migliorini Kieckhöfer,

mão amiga estendida no momento de necessidade,

segurando firme, com carinho e esmero, o balancear

dessa caminhada, permitindo-me chegar ao ponto de

destino.

Aos amigos Mazzutti, Berezowski, Nelson,

Altair, Silvio, Pedro e demais colegas de mestrado,

pelas companhias e amizades compartilhadas.

À Jéssica, minha secretária, pelo apoio nos

momentos de estudos e trabalho.

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PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL:

QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

CANA-DE-AÇÚCAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

Resumo: A atividade econômica no Brasil encontra seu refúgio nas garantias dispostas na

Constituição Federal. A livre iniciativa, livre concorrência e direito de propriedade são

princípios da atividade econômica. No entanto, há necessidade da conjugação desses

princípios com o da dignidade da pessoa humana, possibilitando, assim, o crescimento

econômico com igualdade e justiça social. O setor sucroalcooleiro, que contempla atividade

econômica importante no País, tem resultado social insuficiente frente aos ditames da justiça

social. Apesar de gerar milhares de empregos, os trabalhadores são submetidos a condições

precárias de trabalho. O desgaste físico é tão grande que limita o trabalhador ao período

aproximado de 12 anos nessa atividade. A exigência de tamanho sacrifício dos trabalhadores

está no fato das indústrias canavieiras estarem em crescimento no mercado competitivo do

etanol, combustível que se desponta como fonte energética alternativa para o mundo. Cada

vez mais, o Brasil procura aumentar a produção do etanol, buscando solidificar sua liderança

de maior exportador do produto, com a bandeira de ser o etanol fonte energética renovável e

limpa. Entretanto, o aumento da produção do etanol tem como consequência o aumento do

plantio da cana-de-açúcar, que, por sua vez, pode vir a concorrer com a produção de

alimentos. Aliado a esses fatores, a legislação proibindo a queima da palha da cana-de-açúcar

obriga as indústrias a mecanizar o corte da cana, adquirindo colheitadeiras, sendo que uma

única dessas máquinas é capaz de realizar o trabalho de cerca de cem homens. O reflexo da

inserção dessa tecnologia é sentido com a queda dos empregos gerados pelas indústrias

canavieiras. A demissão dos trabalhadores do corte da cana-de-açúcar provoca um impacto

social negativo de grande amplitude. Sem qualificação profissional, o trabalhador não tem

condições de competir no mercado de trabalho. A qualificação e a capacitação dos

trabalhadores dispensados dos serviços do campo é necessidade que deve ser atendida, pois,

do contrário, a gravidade social terá de ser suportada pelo Governo com custos extremamente

altos. A iniciativa das empresas que implementam programas de capacitação e qualificação

dos trabalhadores visando a realocação da mão-de-obra é um passo no sentido de realizar

justiça social.

Palavras-chave: Mecanização. Realocação de mão-de-obra. Setor sucroalcooleiro.

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PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL:

QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

CANA-DE-AÇÚCAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

Abstract: The economical activities in Brazil find their supports in the guarantees disposed in

the Federal Constitution. The free commence, free competition and property rights are

principles of the economical activity. However, there is a necessity of fusion of those

principles with the principle of the human dignity, making possible, this way, the economical

growth with equality and social justice. the Sugar-Alcohol, which contemplates and

important economical activity in the country, have insufficient social results in front of those

ones required from the social justice. Despite of generate thousands of jobs, the employees

are submitted to bad work conditions. The physical wear, is so big, that limits the work period

to the maximum journey of 12 years in that activity. What requires such a sacrifice from the

workers is the fact that the sugar cane industries are growing fast in the competitive market of

ethanol, a fuel that is emerging as an alternative energy source for the world. In a continuous

manner, Brazil has sought to increase the ethanol production, seeking to solidify its leadership

as the largest exporter of that product, since ethanol is a renewable and clean energy source.

However, the increase in the ethanol production causes an increase in the planting of sugar

cane, which, in turn, may eventually compete with food production. Allied to these factors,

laws prohibiting the burning of sugar cane straw require industries to mechanize the sugar

cane harvest, by means of harvesters; one of such machinery is capable of performing the

work of about a hundred men. The reflection of the insertion of this technology is felt in the

drop of job positions generated in the sugar cane industries. The dismissal of workers who cut

sugar cane causes a negative social impact of large amplitude. Without qualifications, the

employee is unable to compete in the labor market. The qualification and training of workers

that have been dismissed from work in the fields is a need that has to be met; otherwise, the

social gravity will have to be supported by the Government with extremely high costs. The

initiative of the companies that implement training programs and qualification of workers

seeking labor reallocation is a step toward social justice.

Keywords: Labor reallocation. Mechanization. Sugar and alcohol sector.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTRAÇÃO 01 .................................................................................................................. 47

ILUSTRAÇÃO 02 .................................................................................................................. 51

ILUSTRAÇÃO 03 .................................................................................................................. 54

ILUSTRAÇÃO 04 .................................................................................................................. 54

ILUSTRAÇÃO 05 .................................................................................................................. 55

ILUSTRAÇÃO 06 .................................................................................................................. 58

ILUSTRAÇÃO 07 .................................................................................................................. 69

ILUSTRAÇÃO 08 .................................................................................................................. 85

ILUSTRAÇÃO 09 .................................................................................................................. 91

ILUSTRAÇÃO 10 .................................................................................................................. 92

ILUSTRAÇÃO 11 .................................................................................................................. 92

ILUSTRAÇÃO 12 .................................................................................................................. 93

ILUSTRAÇÃO 13 .................................................................................................................. 93

ILUSTRAÇÃO 14 .................................................................................................................. 93

ILUSTRAÇÃO 15 .................................................................................................................. 93

ILUSTRAÇÃO 16 .................................................................................................................. 94

ILUSTRAÇÃO 17 .................................................................................................................. 94

ILUSTRAÇÃO 18 ................................................................................................................ 103

ILUSTRAÇÃO 19 ................................................................................................................ 104

ILUSTRAÇÃO 20 ................................................................................................................ 105

ILUSTRAÇÃO 21 ................................................................................................................ 106

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO . .................................................................................................................... 11

1 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA ............. 14

1.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ....................................................................... 22

1.2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO .......................................................................... 29

2 ASPECTOS DO SETOR SUCROALCOOLEIRO ........................................................ 38

2.1 O MERCADO INTERNO DO ETANOL .................................................................... 41

2.1.1 Liderança do Mercado do Etanol........................................................................ 44

2.1.2 Globalização do Etanol ....................................................................................... 45

2.2 LIMITE AO AVANÇO DO PLANTIO DA CANA-DE-AÇÚCAR ........................... 48

2.2.1 Nos Estados da Federação. Decreto Federal nº 6.961, de 17.09.2009 ............... 48

2.2.2 No Estado de São Paulo ..................................................................................... 53

2.3 ASPECTOS DO CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR ................................................. 59

2.3.1 Propostas Legislativas de Regulamentação do Corte da Cana-de-Açúcar ......... 59

2.3.2 Utilização do fogo .............................................................................................. 65

2.3.3 Regulamentação do Uso do Fogo no Estado de São Paulo ................................ 66

2.4 METAS PARA A ELIMINAÇÃO DA QUEIMA DA PALHA DA CANA-DE-

AÇÚCAR ............................................................................................................................. 68

2.5 MÃO-DE-OBRA NO SETOR SUCROALCOOLEIRO ............................................. 71

2.5.1 Reflexo da Mecanização Colheita da Cana-de-Açúcar no Estado de São Paulo . 76

2.6 SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO ..................................................... 77

2.6.1 Critérios para a Suspensão do Contrato de Trabalho ............................................ 78

3 APLICAÇÃO DAS DETERMINAÇÕES DA SUSPENSÃO DOS CONTRATOS DE

TRABALHO ........................................................................................................................... 85

3.1 CASO DO GRUPO RUETTE ....................................................................................... 88

3.1.1 Projeto ―Capacita Ruette‖ ................................................................................... 88

3.1.2 Análise do caso ................................................................................................... 95

3.2 ALTERNATIVAS PARA A OCUPAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA EXCEDENTE DO

SETOR SUCROALCOOLEIRO .......................................................................................... 97

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4 OUTROS PROGRAMAS PÚBLICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO NA

REOCUPAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA .............................................................................. 100

5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 110

REFERÊNCIAS..... .............................................................................................................. 114

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INTRODUÇÃO

O desenvolvimento econômico é necessário para que a sociedade também se

desenvolva em termos de justiça social.

Não há como desvincular a atividade econômica da geração de riqueza capaz de

proporcionar o bem-estar da população. Esse bem-estar está inserido na Constituição

brasileira como vida digna e justiça social.

Para realmente contemplar a essência da dignidade da pessoa humana, isto é, dar ao

indivíduo sua devida importância como pessoa, é necessário que o ambiente social no qual ela

está inserida seja dotado de condições próprias de vivência. De igual forma, a força da mão-

de-obra que movimenta a atividade econômica deve estar alicerçada em bases adequadas de

trabalho, garantindo-se aos trabalhadores a efetividade dos seus direitos fundamentais.

A relação de emprego existente entre o empresário e o trabalhador, com natureza de

contrato social, implica na efetividade do princípio da boa-fé, no qual a igualdade dos

contratantes tem como missão possibilitar que nenhuma das partes torne a outra submissa aos

seus interesses econômicos, especialmente no que tange ao trabalhador, considerado

vulnerável nesse tipo de contrato.

Desse modo, é necessário que os princípios que suportam a atividade econômica, a

exemplo da livre iniciativa, livre concorrência e propriedade privada, estejam perfeitamente

coadunados com aqueles que guarnecem a vida do trabalhador, como a dignidade da pessoa

humana e a valorização social do trabalho.

A Constituição brasileira, em seu art. 170, fundou a ordem econômica na valorização

do trabalho humano, visando assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da

justiça social, e elencou diretrizes para a atividade econômica sustentada nos princípios da

livre iniciativa, da livre concorrência e da função social da propriedade, com o propósito de

atingir a redução das desigualdades regionais e sociais.

Na visão do empreendedor, as garantias dão suporte essencial para que sua atividade

seja próspera, alcançando seu objetivo principal que é o lucro. Na visão do Estado, existe a

necessidade de uma economia forte para atender as necessidades da população, com

distribuição de renda, para a realização das políticas públicas.

Entretanto, o desenvolvimento econômico não caminha lado a lado com a satisfação

das necessidades sociais, criando um abismo de classes, legando ao trabalhador as

dificuldades para o exercício de seus direitos sociais.

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Se o indivíduo não obtém a satisfação de seus direitos subjetivos sociais não há como

aceitar que exista aí um comprometimento com sua dignidade. O seu valor como pessoa passa

para segundo plano e a sociedade sofre o reflexo dessa situação, pois o custo social nas suas

diversas formas, a exemplo da seguridade social, tende a aumentar e, num círculo vicioso,

exige mais daqueles trabalhadores que ainda se situam acima dessa classe social.

A necessidade de mudança no comportamento individualista do empreendedor é o

principal objetivo das recentes alterações legislativas, a exemplo do novo conceito do

contrato, que exige o cumprimento da sua função social e que se alicerça no princípio da boa-

fé.

As empresas não possuem mais a autonomia para objetivar somente o lucro. Devem,

também, exercer a sua função social com responsabilidade social. Essa responsabilidade

denota que os tempos atuais visam o resgate da dignidade da pessoa humana. E aqueles

empreendedores que assim não atuam certamente serão pressionados pela sociedade

consumidora a rever seus comportamentos, com risco de verem seus empreendimentos

enfraquecidos diante do mercado consumeirista.

Essas novas dimensões sociais encontram abrigo na maioria dos países desenvolvidos

e também está em crescente sedimentação na sociedade empresarial doméstica. Entretanto,

muito ainda há de se fazer para que os objetivos sociais propostos sejam alcançados, os quais

servem de fundamento em nossa Constituição Federal.

Todo esse conjunto de fatores, começando pela proteção constitucional da atividade

econômica e culminando com a exigência da valorização do trabalho humano, com ênfase

para a dignidade da pessoa humana, vida digna e justiça social, desemboca em vários

seguimentos econômicos no país.

E maioria desses seguimentos econômicos não possui uma estratégia para satisfazer a

obrigação social da efetividade dos direitos sociais dos trabalhadores. Entre estes existem,

também, os que simplesmente não aceitam esse novo conceito social da atividade econômica

e continuam a submeter os trabalhadores a condições degradantes de trabalho.

Nesse diapasão, o objetivo do presente trabalho é demonstrar que a atividade

econômica, ao mesmo tempo em que busca a sua finalidade principal, pode ser coadjuvante

nas metas do desenvolvimento social e na redução das desigualdades sociais. Em sentido

oposto, demonstra-se a existência de trabalhadores que se submetem a condições precárias de

trabalho, análogas à de escravo, existentes em empresas descomprometidas com a dignidade

da pessoa humana, centradas na busca do lucro a qualquer custo.

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Desta forma, buscaremos essas respostas através de abordagem ao empreendimento

sucroalcooleiro do país.

O seguimento sucroalcooleiro é considerado uma grande força econômica, capaz de

gerar mais de um milhão de empregos diretos e indiretos, conquistando reservas

internacionais de bilhões de dólares, e se desponta como invejável fonte alternativa de energia

limpa e renovável.

Dada sua importância estratégica mundial e tendo o Brasil como ícone da tecnologia

de produção, é necessário analisar a importância do trabalhador nesse seguimento econômico,

examinando as perspectivas da utilização, manutenção, condições e qualidade da mão-de-

obra. Isso tudo será verificado levando-se em conta a introdução de avançadas técnicas de

plantio e corte da cana-de-açúcar, inclusive com a moderna mecanização dessa lavoura, o

risco de impacto social com a dispensa de mão-de-obra, as possibilidades da sua realocação e

a resposta do Estado frente a essas questões.

O comportamento estratégico desse gigantesco seguimento econômico, diante da

crescente necessidade da efetivação dos direitos sociais, e a identificação da existência ou não

de mecanismos de mudança social visando o cumprimento dessa responsabilidade social

merecem ser investigados, mesmo que de forma meramente indicativa, pois que servirá de

norte para as políticas públicas do Governo.

A perquirição é investigativa, utilizando-se de doutrinas, legislação, estudos técnicos e

informações disponibilizadas pelo Governo e pelas entidades ligadas ao setor sucroalcooleiro.

Não se pretende o esgotamento do assunto devido a sua dinâmica e complexidade, mas

apenas ressaltar pontos considerados relevantes para auferir um panorama do setor

sucroalcooleiro e sintetizar informações que se coadunem com as indagações propostas.

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1 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA

A atividade econômica como fundamento constitucional, segundo Ferreira Filho,1 teve

seus primeiros traços escritos em 1949, na Constituição Alemã, de 11 de agosto de 1919,

conhecida como Constituição de Weimar. Foi nessa constituição que a atividade econômica

ganhou regulamentos explícitos. A Constituição Francesa, anterior à alemã, 2 havia

assegurado direitos individuais que possuíam reflexos econômicos, como a liberdade de

trabalho e a Constituição Mexicana, de 1917, já previa o direito à educação e reforma agrária.

Atualmente, não se concebe o desenvolvimento do País sem segurança jurídica que

incuta nos investidores a confiança necessária nas instituições que compõem o Poder Público.

E essa segurança jurídica tem origem no Direito Constitucional, moldado para ser a

base do sistema econômico.

Ferreira Filho menciona que:3

O Direito Constitucional Econômico tem, pois, como objeto as bases da

organização jurídica da economia. Seu propósito é estabelecer o controle da

economia, porque esta enseja fenômenos de poder. Consiste, assim, nas regras

jurídicas que regem a atuação do indivíduo, dos grupos, do Estado, no

domínio econômico. Compreende, pois, as normas jurídicas básicas que

regulam a economia, disciplinando-a, e especialmente controlam o poder

econômico, limitando-o, com o fito de prevenir-lhe os abusos. (Grifo do autor)

A constante alteração do sistema normativo acarreta o desinteresse de investidores,

especialmente dos estrangeiros, com receio de prejuízos em seus investimentos econômicos.

A ordem econômica do País, mesmo com a possibilidade de flexibilização diante de

situações julgadas de interesse nacional, tais como o controle da inflação e a intervenção no

sistema financeiro, necessita de sólida estrutura, permanente, do ponto de vista jurídico, das

regras que norteiam as atividades econômicas, evitando o colapso da economia com a

ausência de investimentos.

Nesse sentido, Ferreira Filho ensina que4 ―a existência de um título na Constituição

dedicado à ‗ordem econômica‘ revela bem claro ter o constituinte visão de que a democracia

não pode desenvolver-se a menos que a organização econômica lhe seja propícia‖.

1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2005. p.

348. 2 Op. cit.

3 Ibidem.

4 Ibidem.

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O Brasil, a partir da promulgação da Constituição de 1988, passou a ter segurança

jurídica capaz de satisfazer os interesses dos investidores e, ao mesmo tempo, permitir ao

Estado a intervenção no domínio econômico quando a situação assim exigir.

A demonstração dessa segurança, seja para os investidores estrangeiros, seja para os

nacionais, foi contemplada pelo art. 170 da Constituição Federal, que dispõe:5

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

Essa garantia constitucional das diretrizes que norteiam a atividade econômica no

Brasil passou a ser um fator determinante para o desenvolvimento, possibilitando

investimentos em longo prazo, sem o risco de mudanças repentinas no sistema econômico

provocadas por ações governamentais.

Sem riscos, a estabilidade possibilita o desenvolvimento econômico e, por meio deste,

alcança-se a distribuição de renda, fator essencial para a justiça social.

Ferreira Filho destaca o desenvolvimento como essencial para assegurar uma vida

digna: 6

Nos países como o Brasil, em que a maior parte da população ainda vive na

pobreza, senão na miséria, é imperiosa a luta em favor do desenvolvimento

econômico. Este é, na verdade, condição da justiça social, já que não é

possível assegurar a todo o povo uma vida digna, se a produção nacional não

atingiu grau elevado. É preciso sublinhar, porém, que o desenvolvimento não

é um fim em si, mas um simples meio para o bem-estar geral. Dessa forma,

tem ele de ser razoavelmente dosado para que não sejam impostos a alguns, ou

mesmo a toda uma geração, sacrifícios sobre-humanos, cujo resultado

somente beneficiará as gerações futuras, ou que só servirão para a ostentação

de potência do Estado.

Para a garantia do desenvolvimento econômico, foram estruturadas, como

fundamentos da ordem econômica, a livre iniciativa, a propriedade privada e a livre

concorrência, direcionadas para a proteção do capital, assegurando a todos o exercício de

qualquer atividade econômica, dotando o empresário das condições necessárias para suportar,

do ponto de vista da intervenção estatal, o risco econômico do seu empreendimento.

Ensina Celso Ribeiro Bastos:7

5 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do

Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm>.

Acesso em: 18 mar. 2010. 6 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

358. 7 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 462.

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Dentre os princípios que a informam, arrolados no art. 170 da Constituição,

figuram o da propriedade privada (inc. II) e da livre concorrência (inc. IV),

reforçado pelo parágrafo único que diz que a todos é livre o exercício de

qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos

públicos, salvo os casos excepcionados em lei. É o regime, pois, da livre

empresa, pelo qual a cada um é dado lançar-se na atividade empresarial por

sua conta e risco. As leis que presidem a esta atividade são as de mercado.

Decorrente do regime democrático e do liberalismo, a livre iniciativa é o resultado do

uso das garantias de liberdade e igualdade frente ao Estado, pois ―a livre iniciativa consagra a

liberdade de lançar-se à atividade econômica sem se deparar com as restrições impostas pelo

Estado‖.8

No dizer de Celso Ribeiro Bastos:9

Portanto, a livre iniciativa é uma expressão fundamental da concepção liberal

do homem que coloca como centro a individualidade de cada um. Para o

liberal, a livre iniciativa é necessária para a sua própria expressão e dignidade

enquanto homem, porque lhe cabe imprimir um destino a sua vida, uma

escolha, a expressão da capacidade, e isso tudo só é conseguido através da

liberdade que se reserva a cada um para poder exercer a atividade econômica.

A livre iniciativa veio a estimular a ampliação da atividade econômica do País,

fomentando a criação de empresas, independentemente do seu ramo de atividade. A

necessidade de permissão do Estado para constituição de empresas restringe-se a poucas

atividades de considerável risco para a população, a exemplo de instituições bancárias e as de

alto impacto ambiental.

Há de se registrar que a livre iniciativa não é absoluta, visto que em circunstâncias

excepcionais se permite a intervenção estatal.

Bastos afirma:10

É certo que a livre iniciativa cede passo à intervenção do Estado em alguns

pontos. É o que dispõe o art. 173 que torna possível a exploração direta da

atividade econômica pelo Estado, quando presentes motivo de segurança

nacional ou relevantes interesses coletivos, tais como forem definidos em lei.

O resultado da livre iniciativa na atividade econômica mostra-se importante diante dos

reflexos produzidos em toda a economia, como a geração de empregos, renda, produção e

consumo de bens e serviços.

8 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 467.

9 Ibidem, p. 468.

10 Ibidem, p. 469.

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Na realidade, o mecanismo de movimentação de toda a economia se assenta nessa

linha de proteção constitucional, induzindo o empresário, cada vez mais, a expandir suas

atividades, gerando efeitos que acabam por fortalecer todo o sistema econômico.

Os empregos decorrentes da necessidade de mão-de-obra para a consecução das

atividades da empresa alavancam o complexo sistema de produção, consumo e renda, de

forma intermitente e crescimento geométrico.

A geração de renda, cujo destino em grande parte é o Governo, tem finalidade

específica de proporcionar aos cidadãos a realização de investimentos necessários ao

desenvolvimento do País, especialmente em setores essenciais como educação, saúde,

habitação e segurança, com o compromisso de melhorar a qualidade de vida do cidadão.

A produção e o consumo de bens, de forma contínua e circulante, têm na livre

iniciativa o amparo necessário para gerar fundos financeiros capazes de suportar a constante

renovação de produtos, associada à crescente e inovadora necessidade do ser humano.

Visando ampliar a segurança jurídica já estruturada na ordem econômica

constitucional, o legislador infra-constitucional procurou dar efetividade a essa garantia

constitucional.

Por meio da Lei nº 8.884/94, que dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações

contra a ordem econômica, normatizou:11

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de

culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou

possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a

livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III - aumentar arbitrariamente os lucros;

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

A presença do Estado na atividade econômica se deu de forma a gerar efetividade às

disposições constitucionais.Visualiza-se a preocupação estatal na necessidade de fiscalizar a

atuação das empresas, em suas diversas atividades, de modo a proporcionar resultados que

garantam ao setor econômico diversidade e liberdade na produção de bens e serviços.

Esse interesse estatal decorre da necessidade do equilíbrio econômico entre as

empresas.

Leciona Celso Ribeiro Bastos:12

11

BRASIL. Lei nº 8.884 de 11 de junho de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,

DF, 13 jun. 1994. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm >. Acesso em: 18 mar.

2010. 12

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 462.

Page 18: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

18

O mesmo Estado também intervém, contudo, na qualidade de agente

normativo e regulador da economia. Tal mister vem disciplinado no art. 174,

que torna certo que ao Estado é dado fiscalizar, incentivar e planejar a

atividade econômica. De fato, o Estado não pode furtar-se a algumas

atividades que, sem implicarem a prestação de atividade econômica,

propriamente dita, venham a colaborar, através de um processo de

conformação da atividade dos particulares, o atingimento mais pleno possível

dos objetivos do art. 170. Assim é que cabe ao Estado fiscalizar. É um poder

amplo de que desfruta o ente estatal, denominado poder de polícia. Por seu

intermédio objetiva-se manter a atividade privada dentro do estabelecido pela

Constituição e pelas leis.

Essa permissão legal para a atuação do Estado possui natureza social e econômica,

pois fixa parâmetros para as atividades das empresas, afastando qualquer ação que limite a

livre concorrência ou a livre iniciativa.

No intuito de fortalecer ainda mais a ordem econômica, o legislador inseriu o direito

de propriedade privada, na forma prevista no art. 170, II, da Constituição Federal.

A propriedade proporciona segurança para que haja investimentos e, com efeito,

ocorra o desenvolvimento econômico e social.

A Constituição Federal 13

trata da propriedade não só no contexto da ordem econômica,

como também no capítulo destinado às garantias individuais.

Dispõe o art. 5º:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-

se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos

termos seguintes:

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que

trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos

decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de

financiar o seu desenvolvimento;

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou

reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei

fixar;

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio

temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à

propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos,

tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e

econômico do País;

Percebe-se que a Constituição trata da questão relacionada à propriedade também

como garantia individual, levando a entender que a propriedade é necessária tanto ao

indivíduo como à economia do País.

13

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do

Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm>.

Acesso em: 18 mar. 2010.

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19

E assim afirma José Afonso da Silva:14

Esse conjunto de normas constitucionais sobre a propriedade denota que ela

não pode mais ser considerada como um direito individual nem como

instituição do Direito Privado. Por isso deveria ser prevista apenas como uma

instituição da ordem econômica [...]. É verdade que o art. 170 inscreve a

propriedade privada e a sua função social como princípios da ordem

econômica (incs. II e III). Isso tem importância, porque, então, embora

prevista entre os direitos individuais, ela não mais poderá ser considerada puro

direito individual, relativizando-se seu conceito e significado, especialmente

porque os princípios da ordem econômica são preordenados à vista da

realização do seu fim: assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social. (grifo do autor)

Entende o autor que a propriedade, mesmo sendo um direito individual, é também de

ordem social, pois que necessária ao desenvolvimento econômico, cujo objetivo é a dignidade

e a justiça social, elevados como fundamentos da atividade econômica.

A mesma posição defende Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao dispor: 15

Reconhecendo a função social da propriedade, sem a renegar, a Constituição

não nega o direito exclusivo do dono sobre a coisa, mas exige que o uso da

coisa seja condicionado ao bem-estar geral. Não ficou, pois, longe o

constituinte da concepção tomista [pensamento cristão de São Tomás de

Aquino] de que o proprietário é um procurador da comunidade para a gestão

de bens destinados a servir a todos, embora não pertençam a todos.

A junção do direito de propriedade à sua função social permite que a atividade

econômica encontre o seu objetivo, a saber, a busca do lucro dos empreendedores com

resultados positivos para o desenvolvimento, cujo reflexo eclode com melhoria das condições

de vida dos cidadãos.

Entretanto, não se intenta aqui estudo da natureza da propriedade. Sua referência é no

sentido de indicar sua importância como mecanismo inserido na atividade econômica.

Para haver desenvolvimento econômico faz-se necessário que os trabalhadores estejam

motivados à produção, aqui entendida toda a cadeia produtiva (produção, consumo, renda,

etc.)

O direito à propriedade, ou o direito de propriedade, como ressaltam alguns

doutrinadores, é crucial para que os fundamentos da existência digna prosperem e, com isso,

se alcance a justiça social.

14

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.

269. 15

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

359.

Page 20: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

20

É bem verdade que o direito de propriedade guarda consonância com propriedade em

sentido amplo, visto que temos propriedade material (imóveis e móveis), bem como imaterial

(intelectuais, artísticas, etc.).

Mas todas essas espécies de propriedade, se assim se pode denominar, compõem um

conjunto de alicerces destinados a sustentar a economia, dando efetividade às normas

constitucionais que norteiam o sistema econômico.

Em outro tópico, também na busca da existência digna e da justiça social mediante o

desenvolvimento econômico, a Constituição inseriu como princípio a livre concorrência.

Destaca-se que a livre concorrência depende, para sua existência, da livre iniciativa. A

garantia constitucional da livre concorrência possibilita ao consumidor a escolha de melhores

produtos e preços, enquanto que, para o produtor, surge possibilidade de prosperidade em sua

atividade econômica.

Assim defende Celso Ribeiro Bastos:16

A livre concorrência é um dos alicerces da estrutura liberal de economia e tem

muito a ver com a livre iniciativa. É dizer, só pode existir a livre concorrência

onde há a livre iniciativa. O inverso, no entanto, não é verdadeiro – pode

existir livre iniciativa sem livre concorrência. Assim, a livre concorrência é

algo que se agrega à livre iniciativa, e que consiste na situação em que se

encontram os diversos agentes produtores de estarem dispostos à concorrência

dos seus rivais.

Entretanto, se não for devidamente regulamentada, poderá gerar uma disputa

econômica de grande vulto, onde empresas de maior porte praticamente levariam à extinção

as de menor porte, resultando em domínio do mercado produtivo e consumidor.

Atento a isso, o Governo editou a Lei 8.884/94, já anteriormente citada, para

resguardar, além da livre iniciativa, também a livre concorrência, dispondo em seu art. 20:17

Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os

atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam

produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a

livre iniciativa.

A necessidade de regulamentação por meio de lei decorre de exigência constitucional,

conforme menciona Celso Ribeiro Bastos:

É por essas razões que a Constituição cuida de determinar que, por meio de lei

competente, o Estado puna as modalidades que distorcem a livre concorrência,

16

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 471. 17

BRASIL. Lei nº 8.884 de 11 de junho de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,

DF, 13 jun. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm >. Acesso em: 18 mar.

2010.

Page 21: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

21

tais como o monopólio e o oligopólio. Todas são modalidades de dominação

de mercados, pelas quais os agentes econômicos procuram escapar das leis da

livre concorrência, assegurando para si uma fatia cativa desse mercado ou, até

mesmo, o mercado na sua totalidade.

O Governo criou mecanismos para que a atividade econômica não seja centralizada e

tampouco possam as empresas, de qualquer modo, formar monopólios em determinado

segmento de produção ou consumo.

A diversificação e a livre concorrência, quanto à produção de bens e serviços,

estimulam a criação de empresas, a geração de empregos e renda, formando um universo

econômico que se distribui pela sociedade e, ainda, possibilita que todos tenham condições de

satisfazer suas necessidades de bens com o menor custo possível.

Há que se ressaltar que a livre concorrência garante a produção em escala e permite o

atendimento do mercado consumidor sem o risco de falta do produto e beneficia o

consumidor, capaz de escolher determinada marca, avaliar sua qualidade e opção de preço de

compra.

Segundo Celso Ribeiro Bastos:18

Em diversos aspectos pode manifestar-se a livre concorrência, como no preço

das mercadorias ou serviços, na qualidade dos mesmos etc. De tal sorte que é

essa atividade concorrente e competitiva dos diversos agentes, que expõem no

mercado produtos assemelhados, que leva à otimização dos recursos

econômicos e a preços justos, na medida em que, por intermédio da

concorrência recíproca evitam-se os lucros arbitrários e os abusos do poder

econômico.

Outro aspecto a ser considerado em relação à livre concorrência é a oportunidade de o

mercado inovar na produção de bens e serviços. A disputa pelo consumidor leva as empresas

a melhorar cada vez mais a qualidade dos seus produtos.

A concorrência, na verdade, não se limita a produção e venda. A concorrência também

visa o consumidor, cuja preocupação do mercado produtor é satisfazer os interesses e

necessidades do público alvo, forçando a criação de novas tecnologias e frentes de trabalho.

Nessas novas frentes de trabalho está o desenvolvimento econômico e social, posto

que o fortalecimento das empresas, com novas estratégias de competitividade, alcança com

maior eficiência seu objetivo maior, o lucro. Ao lado do lucro, surge o aprimoramento

intelectual, movendo a classe trabalhadora para um patamar mais próximo dos fundamentos

constitucionais, o da existência digna e justiça social.

18

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 471.

Page 22: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

22

Essas considerações superficiais da estrutura da ordem econômica visam demonstrar

estar a atividade econômica preparada para investir mais em sua função social. Ressalte-se,

aqui, não existir qualquer pretensão de enfrentar discussões aprofundadas sobre o tema, visto

não ser este o objeto deste estudo. Essas considerações serão retomadas em relação ao setor

Sucroalcooleiro, tema que será enfrentado no item 2, mais adiante.

1.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A evolução do mundo globalizado produz efeitos negativos que passam a refletir na

sociedade criando classes sociais excluídas dos direitos fundamentais. O Estado não

acompanha essa evolução e deixa de cumprir o seu papel de garantidor desses direitos, seja no

aspecto positivo das suas obrigações ou no negativo, relativo às suas abstenções.

Nesse sentido entende Sarlet:19

O fato é que justamente o avanço da globalização e o impacto de seus efeitos

colaterais de cunho negativo, como é o caso do incremento dos níveis de

exclusão social e de opressão por parte dos poderes sociais, cuja influência

tem crescido vertiginosamente na mesma proporção em que o Estado se

demite ou é demitido de suas funções regulatórias e fiscalizatórias, mediante a

fragilização de sua capacidade de atuar efetivamente na proteção e promoção

dos direitos fundamentais, revela o quão atual é a discussão em torno da

eficácia social da Constituição e dos direitos fundamentais para além dos

relações entre o Estado e os particulares.

A efetividade da Constituição Federal, especialmente no que se refere aos direitos

sociais e fundamentais deve alcançar toda a ordem jurídica a ponto de tais direitos ser a esta

incorporada definitivamente, sem o risco desses direitos fundamentais virem a ser objeto de

supressão. Assim é que Sarlet procura transmitir a importância dos direitos fundamentais:20

[...] segue valendo a premissa de que a dignidade da pessoa humana e os

direitos fundamentais, de um modo geral, aplicam-se na e a toda ordem

jurídica e social. Com efeito, a proteção do cidadão e da sociedade contra o

abuso do poder econômico e social pressupõe que se tome a sério estes riscos

e ameaças e que se leve a sério as funções e possibilidade da Constituição e

dos direitos fundamentais em todos os setores da vida social e jurídica.

A dignidade da pessoa humana, segundo Gomes21

, decorreu da necessidade de

construir um novo modelo de Estado, contrapondo-se ao poder político do monarca, da

19

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado. Revista de

Direito do Consumidor, n. 61, jan. e mar. 2007. São Paulo: RT, p. 92. 20

Op. cit. p. 94. 21

GOMES, Sergio Alves. Hermêutica Constitucional. Um Contributo à Construção do Estado Democrático de

Direito. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 274.

Page 23: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

23

injustiça social do Estado liberal e da submissão do povo à vontade dos governantes do

Estado Social. Após a primeira guerra mundial, diante do holocausto, essa necessidade se

tornou mais premente.

Conforme SARLET, mencionado por Furlan22

, existem três dimensões para o sentido

da dignidade da pessoa humana: a dimensão ontológica que entende ser a dignidade uma

qualidade intrínseca da pessoa humana, irrenunciável, inalienável, inerente ao ser humano.

Pela dimensão social, a dignidade seria o reconhecimento de valores sociais destinados à

satisfação do relacionamento na comunidade de pessoas humanas, e pela dimensão histórico-

cultural, a dignidade da pessoa humana seria um conceito em permanente processo de

desenvolvimento e construção.

SARLET, ainda segundo Furlan, conceitua a dignidade da pessoa humana com sendo:

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz

merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da

comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres

fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de

cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições

existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover

sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da

vida em comunhão com os demais seres humanos.

A dignidade da pessoa humana não possui um conceito único aceitável pelos

estudiosos. Alguns dizem que é a estima pessoal, o respeito, o valor que a própria pessoa tem

sobre si mesma. Outros sustentam que o conceito é evolutivo, dinâmico, abrangente e que

reflete o cuidado, a humanidade das ações, o reconhecimento do seu valor enquanto ser

humano. No entendimento de Joaquim:

Em resumo, o termo Dignidade Humana é o reconhecimento de um valor. É

um princípio moral baseado na finalidade do ser humano e não na sua

utilização como um meio. Isso quer dizer que a Dignidade Humana estaria

baseada na própria natureza da espécie humana a qual inclui, normalmente,

manifestações de racionalidade, de liberdade e de finalidade em si, que fazem

do ser humano um ente em permanente desenvolvimento na procura da

realização de si próprio.23

22

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão

jurídico-constitucional necessária e possível. In Dimensões da dignidade da pessoa humana-ensaios de filosofia

do direito e direito constitucional. In: Dignidade da Pessoa Humana. FURLAN, Alessandra Cristina; Inclusão

Social e Direitos Fundamentais. 1. ed. São Paulo: Boreal, 2009, p. 7. 23

JOAQUIM, Tereza. Reflexão Ética sobre a Dignidade Humana. Conselho Nacional de Ética para as Ciências

da Vida. Portugal, 5 jan. 1999. Disponível em: <http://www.cnecv.gov.pt/NR/rdonlyres/9D4875F1-511B-4E29-

81B2-C6201B60AD52/0/P026_DignidadeHumana.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2010.

Page 24: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

24

A dignidade da pessoa humana, não obstante ser discutida há séculos, foi por meio da

Declaração Universal dos Direitos Humanos que teve o seu conceito mais visível, com

consequente aumento da sua importância no mundo atual.

Consta do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos:24

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os

membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o

fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, [...] Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé

nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana

e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram

promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade

mais ampla, [...].

O Brasil inseriu a dignidade da pessoa humana como fundamento Constitucional, pois,

conforme a lição de Jorge Miranda, todos os demais direitos decorre desse referido

fundamento:25

Pelo menos, de modo directo e evidente, os direitos, liberdades e garantias

pessoais e os direitos econômicos sociais e culturais comuns têm a sua fonte

ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas. Mas quase todos os outros

direitos, ainda quando projectados em instituições, remontam também à idéia

de protecção e desenvolvimento das pessoas. (grifo do autor)

Sob outro prisma, na lição de Sarlet,26

para se ter uma vida digna não basta somente

ter uma existência física. Essa existência deve ser acompanhada de condições que proporcione

ao indivíduo usufruir dos seus direitos sociais, com qualidade de vida.

Ensina o citado autor:

De qualquer modo, tem-se como certo que a garantia efetiva de uma

existência digna abrange mais do que a garantia da mera sobrevivência física,

situando-se, portanto, além do limite da pobreza absoluta. Sustenta-se, neste

sentido, que se uma vida sem alternativas não corresponde às exigências da

dignidade humana, a vida humana não pode ser reduzida à mera existência.

Heinrich Scholler, mencionado por Sarlet, sustenta o mesmo entendimento ao afirmar

que a dignidade da pessoa humana apenas estará assegurada ―quando for possível uma

existência que permita a plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando

seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade‖.27

24

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <

http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 21 mar. 2010. 25

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3. ed. Portugal:

Coimbra, 2000, p. 181. 26

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado. Revista de

Direito do Consumidor, nº 61, jan. e mar. 2007. São Paulo: RT, p. 102. 27

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado. Revista de

Direito do Consumidor, nº 61, jan. e mar. 2007. São Paulo: RT, p. 102.

Page 25: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

25

Partindo do estudo de Heinrich Scholler, Sarlet passa a defender que a dignidade da

pessoa humana é sustentada num mínimo existencial, sendo que esse mínimo existencial não

significa o mínimo de vida ou de sobrevivência. Com bastante propriedade, esclarece o autor

que a mera sobrevivência não leva necessariamente a existência de condições dignas de vida,

com qualidade. Teríamos o exemplo extremo do fato do fornecimento de alimentação

suficiente para a sobrevivência da pessoa vir a ser entendida como existência mínima de vida.

Nas palavras do autor, não é negado que essa sobrevivência seria um primeiro passo para uma

garantia do mínimo existencial, mas por certo que isso não seria suficiente. Esclarece Sarlet:

[...] o próprio conteúdo do assim designado mínimo existencial, que não pode

ser confundido com o que se tem chamado de mínimo vital ou um mínimo de

sobrevivência, de vez que este último diz com a garantia da vida humana, sem

necessariamente abranger as condições para uma sobrevivência física em

condições dignas, portanto de uma vida com certa qualidade

O princípio da garantia do mínimo existencial, que congrega o conjunto de garantias

materiais para uma vida digna28

, é tido como direito fundamental que guarda consonância

com o entendimento do que vem a ser vida digna e dignidade da pessoa humana, na forma

como esses direitos estão fundamentados na Constituição Federal. Compreendendo-se estes,

por certo se compreenderá, também, o princípio da garantia do mínimo existencial.

A ausência de previsão específica na Constituição Federal, enfatiza Sarlet, em nada

prejudica o princípio do mínimo existencial, visto que este decorre da proteção da vida e da

dignidade da pessoa humana, e ademais, estão presentes em vários outros direitos

fundamentais sociais.

E ainda, segundo Sarlet, ―o mínimo existencial tem sido identificado como o núcleo

essencial dos direitos fundamentais sociais, núcleo este blindado contra toda e qualquer

intervenção por parte do Estado e da sociedade‖.29

J.J. Canotilho, ao estudar a Constituição Portuguesa, se refere ao núcleo essencial de

proteção aos direitos econômicos, sociais e culturais, nos seguintes termos:30

Relativamente aos direitos, liberdades e garantias, a Constituição portuguesa

garante e protege um núcleo essencial destes direitos contra leis restritivas

(núcleo essencial como reduto último de defesa). Coloca-se também o

problema de saber se os direitos econômicos, sociais e culturais exigem a

garantia de um núcleo essencial como condição do mínimo de existência

(núcleo essencial com standard mínimo). Das várias normas sociais,

econômicas e culturais é possível deduzir-se um princípio jurídico estruturante

28

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado. Revista de

Direito do Consumidor, nº 61, jan. e mar. 2007. São Paulo: RT, p. 103. 29

Op. Cit, p. 118. 30

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra, Portugal:

Almedina, 2003, p. 518.

Page 26: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

26

de toda a ordem econômico-social portuguesa: todos (princípio da

universalidade) têm um direito fundamental a um núcleo básico de direitos

sociais, na ausência do qual o estado português se deve considerar infrator das

obrigações jurídico-sociais constitucional e internacionalmente impostas.

Nesta perspectiva, o ―rendimento mínimo garantido‖, as ―prestações de

assistência social básica‖, o ―subsídio de desemprego‖ são verdadeiros direitos

sociais originariamente derivados da constituição sempre que eles constituam

o standart mínimo de existência indispensável à fruição de qualquer direito. (grifo do autor)

A garantia do mínimo existencial como direito fundamental não se limita como dever

somente do Estado. Os particulares, em determinadas circunstâncias, também tem o dever de

observá-lo. Se o mínimo existencial está inserido nos direitos sociais, a efetividade da

Constituição produz efeito também sobre os particulares, pois a vida privada trilha no sentido

das ações estarem direcionadas para a superação das desigualdades sociais.

Leciona Sarlet:31

É precisamente no campo da eficácia direta nas relações entre particulares que

o mínimo existencial – na sua dimensão prestacional – há que ter

operatividade. Se uma eficácia prestacional já é possível até mesmo fora do

âmbito do que tem sido considerado o mínimo existencial (poder-se-á aqui

citar o exemplo atual da disponibilização, ainda que cogente, pois imposta

pelo poder público, de vagas – portanto de um acesso a prestações no campo

do direito à educação também por instituições particulares de ensino superior),

o que não dizer quando estiverem em causa prestações indispensáveis à

satisfação das condições mínimas para uma vida com dignidade, com apoio

também- mas como argumento adicional tão-somente! – no princípio da

solidariedade que, à evidência, não vincula apenas aos órgãos estatais, mas a

sociedade como um todo.

O referido doutrinador acrescenta que ―o núcleo da dignidade da pessoa humana

constitui o conteúdo indisponível dos direitos fundamentais mesmo para o próprio titular do

direito‖, sendo que o Estado tem o dever de proteção da pessoa contra si mesma quando esse

direito estiver sendo violado. Esse núcleo considerado como o mínimo existencial da

satisfação das necessidades básicas do indivíduo, que vincula o próprio titular do direito, por

via indireta acaba por vincular o particular, pois este tem a tarefa de respeitar e contribuir para

a realização da igualdade e justiça social.

Entretanto, a dignidade da pessoa humana, como fundamento Constitucional não tem

merecida a devida preocupação do Estado.

Não existem sequer políticas públicas voltadas para a garantia do mínimo ao

indivíduo. A ausência de políticas públicas, a exemplo do setor da habitação, tem levado

31

SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado. Revista de

Direito do Consumidor, nº 61, jan. e mar. 2007. São Paulo: RT, p. 118.

Page 27: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

27

doutrinadores como Fachin32

a defenderem o que chamam de estatuto jurídico do patrimônio

mínimo, como podemos observar:

Em certa medida, a elevação protetiva conferida pela Constituição à

propriedade privada pode, também, comportar tutela do patrimônio mínimo,

vale dizer, sendo regra de base desse sistema a garantia ao direito de

propriedade não é incoerente, pois, que nele se garanta um mínimo

patrimonial. Sob o estatuto da propriedade agasalha-se, também, a defesa dos

bens indispensáveis à subsistência. Sendo a opção eleita assegurá-lo, a

congruência sistemática não permite abolir os meios que, na titularidade,

podem garantir a subsistência.

O intuito dessa nova doutrina é assegurar o mínimo de patrimônio ao indivíduo, não o

sujeitando às vorazes regras do mercado econômico, especialmente financeiro, capazes de

deixar ao relento aquele que atuar de modo desavisado na seara econômica.

A garantia do patrimônio mínimo visa proteger a dignidade da pessoa humana,

garantindo a indisponibilidade de bens suficientes e necessários à sobrevivência digna,

lastreado no princípio do mínimo existencial decorrente dos direitos fundamentais.

Uma sociedade com existência digna e justiça social não se mostra possível em médio

prazo. As ações das autoridades não alcançam a realidade do País, onde a ausência de

políticas públicas agrava a situação daqueles que vivem abaixo da linha da pobreza.

E essa ausência do Estado fere até mesmo a liberdade de trabalho do indivíduo, pois

não basta ter liberdade formal, como descrito nos fundamentos art. 1º: ― IV (os valores sociais

do trabalho e da livre iniciativa) e 5º : XIII (é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou

profissão [...] )‖ da Constituição Federal. Essa liberdade deve ter a proteção do Estado, pois,

como direito fundamental, é exercida em consonância com os demais direitos, e sendo o

trabalho a essência da dignidade da pessoa humana, a garantia da existência mínima deve ser

exigida.

Jorge Miranda leciona nesse mesmo sentido:33

[...] a liberdade de trabalho e de profissão não está isolada de outras

liberdades, sem as quais dificilmente teria sentido. Só através dela [liberdade

de trabalho] se concretiza o direito ao trabalho. E exige um conjunto variado

de garantias e de incumbências do Estado, de modo a que se torne uma

liberdade igual para todos e a que possa ser usufruída por todos, especialmente

por quantos pertençam a certas categorias ou por quantos estejam em

situações mais carecidas de protecção.

32

FACHIN, Luiz Édson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. In: QUARESMA, Heloisa Helena.

Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3451> . Acesso em 15 maio 2010. 33

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3. ed. Portugal:

Coimbra, 2000, p. 497.

Page 28: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

28

Não se concebe o caminhar para o resgate da dignidade da pessoa humana sem, ao

menos, garantir o direito ao trabalho ao indivíduo.

E percebe-se crescente a exclusão social, que dentre diversos fatores sociais, está a

falta de trabalho ou as precárias condições da sua realização.

A omissão do Estado, mesmo com indicadores dando conta de que o índice de

indivíduos abaixo da linha de pobreza diminuiu no período de 2001 até 2008, ainda é elevado

o total de pessoas excluídas da sociedade, estas afastadas do mínimo da garantia da dignidade

da pessoa humana.

Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), citada pelo Jornal Estadão, haverá,

vagarosamente, melhora nos índices de pobreza:34

Nos próximos cinco anos, o Brasil deve reduzir o número de miseráveis pela

metade e aumentar em 50% as classes A e B. A projeção é de Marcelo Neri,

diretor do Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Conforme sua estimativa, no início de 2015, os pobres serão apenas 8% dos

brasileiros, caindo para quase um quarto da proporção que vigorava em 1993,

de 35%. Em pouco mais de duas décadas (1993-2005), um contingente de

51,6 milhões de brasileiros muito pobres, numa população de 147 milhões,

será reduzido para 16,1 milhões, em 222 milhões - ou seja, uma queda de

quase 70% em termos absolutos, mesmo levando-se em conta o aumento

populacional.

A linha de pobreza utilizada por Neri corresponde a uma renda per capita

familiar de R$ 137 na média do Brasil (a linha varia de acordo com a região).

Nesse conceito, que representa uma linha de pobreza relativamente baixa

(alguns consideram que seja uma linha de extrema pobreza), os pobres

correspondem exatamente à classe E.

A violação da dignidade da pessoa humana decorrente da ausência de políticas

públicas é acompanhada pelo setor privado, também ausente na proteção da dignidade da

pessoa humana. Não se escusa que o setor privado sinta o reflexo da própria ausência de

políticas públicas.

No setor urbano, por exemplo, o excesso de horas trabalhadas, a informalidade, a

contratação de menores para o trabalho são iniciativas e assentimentos de caráter particular.

Na zona rural, a dignidade da pessoa humana do trabalhador está ainda mais distante.

O trabalho extremamente árduo e em condições precárias, a exemplo da colheita da cana-de-

açúcar, tem sido comparado ao de escravo, pois que o trabalhador tem de cortar cerca de 12

toneladas de cana por dia. Além disso, fica sujeito a doenças respiratórias e o desgaste físico

34

NÚMERO DE MISERÁVEIS CAIRÁ PELA METADE ATÉ 2015. Estadão. São Paulo, 3 jan. 2010.

Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/economia,fgv-numero-de-miseraveis-caira-pela-metade-

ate-2015,489956,0.htm>. Acesso em: 20 mar. 2010.

Page 29: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

29

limita sua atuação no campo a um período aproximado de 12 anos; isto é, após 12 anos de

trabalhado, nesse ritmo, o trabalhador perde a sua eficiência nessa atividade.35

E não há, aqui, que se falar que os trabalhadores que atuam nessas condições tenham,

de forma implícita, consentidos com essa situação. Tal consentimento seria inconstitucional,

pois não se pode renunciar a direitos fundamentais, a exemplo da dignidade, como bem

afirma Jorge Miranda:36

Por princípio, ninguém pode renunciar a direitos, liberdades e garantias ou a

direitos económicos, sociais e culturais (precisamente porque são direitos

fundamentais, assentes na dignidade da pessoa humana e elementos

estruturantes da ordem constitucional).

O núcleo essencial dos direitos fundamentais, que reflete a dignidade da pessoa

humana, é violado em razão de não receber a devida proteção do Estado, estando o indivíduo

sujeito a condições distantes de uma vida digna.

Vislumbra-se nesse cenário que a garantia da existência mínima não encontra abrigo e

a dignidade da pessoa humana, fundamento da Constituição Federal, como anteriormente

mencionado, não possui efetividade, estando estagnada na formalidade em que ocupa assento

na Lei Maior.

Esse fato social prejudicial à vida do trabalhador, quando acima se refere ao corte da

cana-de-açúcar, que viola a dignidade da pessoa humana, é mais adiante abordado, no tópico

3.5, quando trata-se da mão-de-obra no setor sucroalcooleiro.

1.2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

O Código Civil de 1916 refletia as diretrizes do Estado Liberal. O positivismo, sua

base jurídica, disseminava a existência de uma segurança jurídica, com maior previsibilidade,

dentro de um sistema jurídico fechado.

A regulação da atividade privada que se pretendia de maneira completa concebeu ao

Código Civil de 1916 a denominação de Constituição do Direito Privado.

35

ZAFALON, Mauro. Pressionado a produzir mais, trabalhador atua cerca de 12 anos, como na época da

escravidão. Folha de São Paulo, São Paulo, 1 maio 2007. Disponível em: <http://www.sucre-

ethique.org/Cortadores-de-cana-tem-vida-util.html>. Acesso em: 25 mar. 2010. 36

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3. ed. Portugal:

Coimbra, 2000, p. 357.

Page 30: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

30

Entretanto, a partir da década de 1930, houve o surgimento de leis especiais que

começaram a retirar do Código Civil o seu caráter de exclusividade, surgindo o que hoje se

denomina de micro-sistemas.37

Pasqualotto, citado por Hora Neto38

, ressalta que a aprovação da CLT - Consolidação

das Leis do Trabalho, em 1943, deu início a descodificação ou fragmentação do Direito Civil

chegando esse fenômeno até a Constituição Federal de 1988.

A primeira grande migração foi a das leis trabalhistas, ainda na década de 40.

O direito de família refletiu a mudança dos costumes. A concentração urbana

ditou a necessidade de sucessivas leis especiais de inquilinato. Um sistema foi

estruturado para proporcionar acesso à casa própria, com articulação de

diversos negócios jurídicos, desde a incorporação imobiliária até o

financiamento aquisitivo por meio de mútuo bancário, além dos seguros com

função de garantia do mutante e de quitação em favor dos beneficiários do

mutuário. Tudo isso levou a um desprestígio do Código Civil como lei básica

reguladora da vida do cidadão, abalando a idéia de hegemonia legislativa,

dominante no conceito de codificação.

Com as mudanças incrementadas pelo Estado Social, o direito passou a pertencer a um

sistema aberto, flexível e dinâmico possibilitando que o juiz atue com mais liberdade,

podendo invocar para a resolução da lide princípios metajurídicos que informam o

ordenamento constitucional.39

Diante desse novo cenário, surge uma técnica legislativa denominada de ―cláusula

geral‖, que segundo Hora Neto, trata-se de uma nova ferramenta colocada à disposição do

Magistrado para que este possa manejar o direito diante do caso concreto, conferindo maior

proteção do contratante vulnerável e contribuindo para o alcance da justiça social.

O citado autor traz a origem da ―cláusula geral‖ ao lecionar40

:

Historicamente, diz-se que a expressão cláusula geral é de origem germânica,

ali conhecida como ‗general Klausel’, significando um dos dois métodos

legislativos, ao lado do método casuístico. Enquanto este comporta uma

configuração analítica dos fatos e casos comuns, fazendo-os incidir em uma

hipótese legal (‗fattispecie‘), a cláusula geral importa numa formulação legal

de grande generalidade e que abrange largo espectro de casos. (grifos do autor)

Conceito claro para cláusulas gerais é exposto pela ilustre professora Judith Martins

Costa:41

37

PASQUALOTTO, Adalberto. O Código de Defesa do Consumidor em Face do Novo Código Civil. In:

HORA NETO, João. O princípio da função social do contrato no Código Civil de 2002. Jus Navigandi,

Teresina, ano 10, n. 1028, 25 abr. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8262>.

Acesso em: 15 maio 2010. 38

Op. cit. 39

Ibidem. 40

Ibidem.

Page 31: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

31

[...] conformam o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no

ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos, ainda inexpressos

legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares

de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente [...],

de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de

diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de

universos meta-jurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente

ressistematização no ordenamento positivo.

Essa técnica legislativa de cláusulas gerais se contrapõe a casuística, esta também

chamada de técnica da regulamentação por fattispécie, que segundo Martins Costa42

, é a qual

o interprete pode aplicar a norma mediante o processo mental denominado de subsunção, cujo

fenômeno causa inflexibilidade dos códigos civis e o seu envelhecimento diante da dinâmica

dos fatos sociais.

Giselda Hironaka menciona a técnica legislativa das cláusulas gerais frente a

causuística:43

[...] as denominadas cláusulas gerais, que constituem uma técnica legislativa

característica da segunda metade deste século, época na qual o modo de

legislar casuisticamente, tão caro ao movimento codificatório do século

passado – que queria a lei clara, uniforme e precisa [...] – foi radicalmente

transformado, por forma a assumir a lei características de concreção e

individualidade que, até então, eram peculiares aos negócios privados.

As cláusulas gerais dão ao juiz instrumento de decisão frente aos fatos sociais não

previstos normativamente e passam a constituir fonte para a formação de jurisprudência,

enfrentando temas atuais e mantendo o ordenamento sempre atualizado diante das inovações e

avanço das necessidades sociais.

E as cláusulas gerais, antes ignoradas no Código Civil de 1916, passam a constituir-se

em regra mestra no novo Código Civil, relativamente ao contrato.

No Estado liberal, os contratos sempre significaram o poder absoluto do contratante

sobre o contratado. Mesmo ocorrendo desníveis de vantagens recíprocas, uma vez celebrado,

o contrato continha no seu bojo a obrigação do seu integral cumprimento.

Segundo Hora Neto:44

41

COSTA, Judith Hofmeister Martins. O Direito Privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais

no Projeto do Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513>. Acesso em: 15 maio 2010. 42

Op. cit. 43

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado.

Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4194>. Acesso em: 15 maio 2010. 44

HORA NETO, João. O princípio da função social do contrato no Código Civil de 2002. Jus Navigandi,

Teresina, ano 10, n. 1028, 25 abr. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8262>.

Acesso em: 15 maio 2010.

Page 32: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

32

Assim, é notório que a função social do contrato, no Estado Liberal, consistia

simplesmente em possibilitar o equilíbrio formal e a autonomia da vontade,

pois o interesse individual era o valor supremo, apenas limitado pelo Princípio

da Ordem Pública ou dos Bons Costumes, não cabendo ao Estado e ao Direito

fazer considerações sobre o ideal de Justiça Social.

O individualismo predominava e as conseqüências negativas não eram consideradas,

visto que os interesses sociais mantinham-se afastados das relações contratuais.

No ensinamento de Ferreira45

:

As relações contratuais permaneceram encarceradas nas torres encasteladas da

vontade individual. O sujeito contratante manteve intacta por longos períodos

a tutela absoluta da autonomia da vontade em nome da qual tudo podia, até

mesmo e, principalmente, manter as desigualdades negociais. Desde aquele

período, predomina a concepção do uso e manipulação do contrato como

instrumento de dominação social. De lá para cá as mudanças se fizeram

lentamente.

A partir do Novo Código Civil, cuja vigência se deu através de Lei 10.406/2002,46

o

caráter privatista existente na legislação anterior foi substituído pela visão social,

acompanhando os princípios da Constituição Federal, especialmente os relativos à dignidade

da pessoa humana, justiça social, redução das desigualdades sociais e o valor social do

trabalho.47

A função social do contrato veio a ser inserida no Novo Código Civil mediante a

redação do art. 421, que dispõe: ―a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites

da função social do contrato.‖48

Segundo Miguel Reale,49

essa norma do Novo Código Civil decorre em virtude de

princípios da Constituição Federal:

Um dos motivos determinantes desse mandamento resulta da Constituição de

1988, a qual, nos incisos XXII e XXIII do Art. 5º, salvaguarda o direito de

propriedade que ―atenderá a sua função social‖. Ora, a realização da função

social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos

contratos, cuja conclusão e exercício não interessam somente às partes

contratantes, mas a toda a coletividade. (grifo do autor)

45

FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. RIBEIRO, Maria de Fátima. Organizadoras. Direito

Empresarial Contemporâneo. 1 ed., Marília: Arte&Ciência, 2007, p. 88. 46

BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Novo Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

Brasília, DF, 10 jan. 2002. 47

PEREIRA, Rafael Vasconcellos de Araújo. Função Social da Empresa. Disponível em:

<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1988/Funcao-social-da-empresa>. Acesso em: 22 mar. 2010. 48

BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Novo Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

Brasília, DF, 10 jan. 2002. 49

REALE, Miguel. Função Social do Contrato. São Paulo, 20 nov. 2003. Disponível em:

<http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 23 mar. 2010.

Page 33: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

33

No mesmo sentido ensina Martins Costa:50

Esta norma [...] constitui a projeção, no específico domínio contratual, do

valor constitucional expresso como garantia fundamental dos indivíduos e da

coletividade que está no art. 5º, inciso XXIII da Constituição Federal, uma vez

que o contrato tem, entre outras funções, a de instrumentalizar a aquisição da

propriedade. Se a esta não é mais reconhecido o caráter absoluto e sagrado, a

condição de direito natural e inviolável do indivíduo, correlatamente ao

contrato também inflete o cometimento --- ou o reconhecimento --- de

desempenhar função que traspassa a esfera dos meros interesses individuais.

Nesse sentido, os contratos deixaram de servir exclusivamente ao interesse privado e

passaram a fazer parte do interesse da coletividade.

A função social do contrato passou a ser limite contratual, no entendimento de Paulo

Luiz Netto Lôbo:51

No novo Código Civil a função social surge relacionada à "liberdade de

contratar", como seu limite fundamental. A liberdade de contratar, ou

autonomia privada, consistiu na expressão mais aguda do individualismo

jurídico, entendida por muitos como o toque de especificidade do Direito

privado. São dois princípios antagônicos que exigem aplicação harmônica. No

Código a função social não é simples limite externo ou negativo, mas limite

positivo, além de determinação do conteúdo da liberdade de contratar. Esse é

o sentido que decorre dos termos "exercida em razão e nos limites da função

social do contrato.

A liberdade de contratar passou a ser conjugada com a função social do contrato,

coibindo-se abusos e desvirtuamentos de conteúdo que maculassem a boa-fé nas relações

contratuais.

Nesse sentido leciona Giselda Hironaka:

Uma ingerência cada vez mais presente, por parte do Estado, na estruturação

desse conteúdo contratual, tendo em vista a salvaguarda de interesses sociais

mais significativos que a mera intenção e simples pretensão dos contratantes,

constituiu-se, também, em forte razão para a crescente onda de descrédito que

pretendeu tomar conta do destino do contrato enquanto tradicional e clássico

instituto de direito privado.

Os contratos ganharam limitações pela ordem pública, restringindo seus efeitos e

moldando-os aos interesses sociais. Não se diminuiu a liberdade de contratar, somente inseriu

uma adequação normativa capaz de satisfazer os interesses privados e os sociais relativamente

ao conteúdo contratado.

50

COSTA, Judith Hofmeister Martins. O Direito Privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais

no Projeto do Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513>. Acesso em: 15 maio 2010. 51

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil . Jus Navigandi,

Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2796>. Acesso

em: 15 maio 2010.

Page 34: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

34

Afirma Ferreira52

:

A limitação da autonomia privada vem definida pela ordem pública, pelo

princípio da função social, pelos bons costumes e pelo princípio da boa-fé.

Não se questiona a necessidade da liberdade para negociar desde que

considerada a questão da igualdade ao contratar. A mudança de paradigma

contribui na pós-modernidade para o assentamento da definição dos limites

indispensáveis ao novo modelo negocial. [...] A questão fundamental resume-

se em assegurar a liberdade e igualdade das partes em contratar como

prerrogativa e faculdade atendendo a realização da função social.

Nesse sentido, há necessidade de esclarecer que o art. 421 do Novo Código Civil53

, ao

dispor: ―a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do

contrato‖, resguarda no início, a autonomia da vontade, estampada na liberdade de contratar e

ao final, a funcionalidade social, prevista no princípio da função social.

A Professora Giselda Hironaka desvenda as delimitações de um e outro princípio, ao

lecionar, inicialmente, sobre a liberdade de contratar:54

A limitação contratual derivada da funcionalidade social se instalaria no

âmago do conteúdo contratual – e não exatamente, como é o meu sentir, no

prenúncio da liberdade de contratar, domínio ainda perene da autonomia

privada – de sorte a restringir a ingerência da vontade dos contratantes em

áreas de salvaguarda social, de alcance inegavelmente mais dilatado. A

liberdade de contratar ainda é aquela mesma liberdade facultada a todas as

pessoas de realizarem suas avenças, sem qualquer consideração sobre eventual

restrição de conteúdo do contrato em foco, limitação essa que seja decorrente

de uma determinada norma de ordem pública. Em outras palavras, a liberdade

de contratar revela, exclusivamente, a liberdade que cada um tem de realizar

contratos, ou de não os realizar, de acordo com a sua exclusiva vontade e

necessidade. Por isso, é naturalmente ilimitada, uma tal liberdade. (grifo da

autora)

Prossegue a autora, citando Álvaro Villaça Azevedo, que diferente é o princípio

quando se trata de liberdade contratual:55

Mas, diferentemente, põe-se a liberdade contratual, a qual, no dizer de Álvaro

Villaça Azevedo, é considerada como a possibilidade de livre disposição de

interesses, pelas partes, no negócio. Enfoca o conteúdo, ele mesmo, dos

contratos, quer dizer, a sua consistência interna, traduzida pelas cláusulas que

compõem o negócio. Este é o aspecto mais crítico da formação do contrato,

uma vez que esta liberdade pode vir limitada por normas de ordem pública

que digam qual o percurso cogente de determinadas cláusulas contratuais. Por

isso, a liberdade há de condicionar-se emoldurando-se na lei, para ser

52

FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. RIBEIRO, Maria de Fátima. Organizadoras. Direito

Empresarial Contemporâneo. 1 ed. Marília: Arte&Ciência, 2007, p. 88. 53

BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Novo Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

Brasília, DF, 10 jan. 2002. 54

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado .

Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4194>. Acesso em: 15 maio 2010. 55

Op. cit.

Page 35: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

35

liberdade condicionada, não ser liberdade-escravidão, instrumento dos que

atuam de má-fé, em detrimento da própria sociedade, como mencionou, bem

antes, Álvaro Villaça Azevedo. (grifo da autora)

A mencionada autora acompanha críticas de outros doutrinadores ao afirmar que a

redação do art. 421 do Novo Código Civil, ao dispor que: ―a liberdade de contratar será

exercida em razão da função social do contrato‖, possui uma assertiva equivocada, pois que

na verdade não se trata de liberdade de contratar e também não é exercida em razão da função

social.

A liberdade que se refere é a liberdade contratual, relativo ao conteúdo que integra o

contrato e que está sujeito a limitação por força de normas públicas, enquanto que a liberdade

de contratar é a decorrente da ‗dignidade da pessoa humana e resultante da alta expressão da

autonomia privada e, bem, por isso, ilimitada‘.56

Considerando que o contrato, nas suas variadas formas, verbal, escrito, de adesão ou

não, é responsável pela movimentação da economia, sua função social lhe é inerente, ou seja,

incorporada a sua própria natureza.

Desta forma, a sua proteção e regulação social da liberdade contratual passa ser do

interesse do Estado, uma vez que a coletividade sofre os seus efeitos, seja no âmbito do

consumidor, do trabalhador ou dos empresários.

Em outro ápice, a nova legislação não veio a restringir a necessidade ou

obrigatoriedade do seu cumprimento. Na realidade, exigiu-se do contrato uma função, ou seja,

a social, e não somente o alcance dos objetivos dos contratantes.

Miguel Reale57

defende esse entendimento, ao afirmar:

Essa colocação das avenças em um plano transindividual tem levado alguns

intérpretes a temer que, com isso, haja uma diminuição de garantia para os que

firmam contratos baseados na convicção de que os direitos e deveres neles

ajustados serão respeitados por ambas as partes.

Esse receio, todavia, não tem cabimento, pois a nova Lei Civil não conflita

com o princípio de que o pactuado deve ser adimplido. A idéia tradicional, de

fonte romanista, de que ―pacta sunt servanda‖ continua a ser o fundamento

primeiro das obrigações contratuais. (grifo do autor)

Aliada a sua função social, as partes devem agir com probidade e boa-fé. Essa é

disposição prevista no art. 422 do Novo Código Civil:58

―Os contratantes são obrigados a

56

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado.

Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4194>. Acesso em: 15 maio 2010. 57

REALE, Miguel. Função Social do Contrato. São Paulo, 20 nov. 2003. Disponível em:

<http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 23 mar. 2010. 58

BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Novo Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

Brasília, DF, 10 jan. 2002.

Page 36: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

36

guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e

boa-fé.‖

Judith Martins Costa leciona:59

[...] na concreção da boa-fé objetiva deve o intérprete desprender-se da

pesquisa da intencionalidade da parte, de nada importando, para a sua

aplicação, a sua consciência individual no sentido de não estar lesionando

direito de outrem ou violando regra jurídica. O que importa é a consideração

de um padrão objetivo de conduta, verificável em certo tempo, em certo meio

social ou profissional e em certo momento histórico.

Dessa forma, se o contrato não estiver alicerçado na boa-fé e na probidade, por certo

também não alcançará a sua função social, pois o interesse coletivo estará de alguma forma

prejudicado, mesmo que isso atinja somente uma das partes.

A professora Giselda Hironaka faz um alerta, ao mencionar André Comte-Sponville,

sobre o princípio da boa-fé:60

― a boa-fé não pode valer como certeza, sequer como verdade,

já que ela exclui a mentira, não o erro‖.

Nesse ponto, faz-se necessário observar que mesmo alicerçado na boa-fé o contrato

pode não realizar sua função social, visto seu conteúdo estar desvirtuado por erro decorrente

na sua própria construção.

É cediço que o prejuízo de uma das partes contratantes produzirá reflexo na

coletividade, dado ao fato que o contrato, como instrumento da atividade econômica, possui

alcance social.

Assim, a boa-fé deve estar presente em todas as fases contratuais, como afirma

Hironaka:61

Em todas as fases contratuais deve estar presente o princípio vigilante do

aperfeiçoamento do contrato, não apenas em seu patamar de existência, senão

também em seus planos de validade e de eficácia. Quer dizer: a boa-fé deve se

consagrar nas negociações que antecedem a conclusão do negócio, na sua

execução, na produção continuada de seus efeitos, na sua conclusão e na sua

interpretação. Deve prolongar-se até mesmo para depois de concluído o

negócio contratual, se necessário. Mostra-se, pela própria harmonia do princípio da boa-fé que não se deve descuidar da

fase pré-contratual e a pós-contratual, também abrangidas pela aplicação do boa-fé objetiva,

tal como na execução do contrato.

59

COSTA, Judith Hofmeister Martins. O Direito Privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais

no Projeto do Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513>. Acesso em: 15 maio 2010. 60

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado.

In: André Comte-Sponville, Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4194>. Acesso em: 15 maio 2010. 61

Op. cit.

Page 37: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

37

Essa nova estrutura dada ao contrato, cuja funcionalidade visa a coletividade, objetiva

a proteção da classe vulnerável dos indivíduos onde, por via reflexa ou mesmo direta, sofre os

efeitos econômicos.

Nesse seguimento de vulnerabilidade encontram-se trabalhadores assalariados e, em

outra ótica, o consumidor.

Entretanto, há ainda grande porção de trabalhadores submetidos a contratos que não

atendem os ditames da boa-fé. A ausência desse princípio afasta a sua função social e deixa de

lado a dignidade da pessoa humana e a justiça social.

Como exemplo, temos o trabalho da zona rural. Os direitos fundamentais dos

trabalhadores das atividades rurícolas mostram grande dissonância entre a previsão normativa

e a realidade.

No setor sucroalcooleiro, especificamente, informações dão conta de atividades

análogas a de escravo em alguns Estados da Federação.62

Esse abismo social, vagarosamente, vem sendo preenchido por ações das autoridades

governamentais junto às empresas que atuam no ramo.

De outro lado, em histórica iniciativa, empresários do setor sucroalcooleiro vêm

implementando medidas sociais, a exemplo de programas destinados a possibilitar a

realocação de mão-de-obra excedente no setor, advinda com a dispensa de trabalhadores

diante da mecanização da colheita da cana-de-açúcar, cujo assunto é tratado no item 2.5.

62

ZEFALON, Mauro. Cortadores de cana têm vida útil de escravo em São Paulo. Folha de São Paulo. São

Paulo, 29 abr. 2007. <Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2904200702.htm>. Acesso

em: 06 mar. 2010.

Page 38: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

38

2 ASPECTOS DO SETOR SUCROALCOOLEIRO

O interesse do Brasil pela cana-de-açúcar como fonte energética surgiu em meados da

década de 70, quando houve a crise do petróleo. Nessa época, o País investiu no programa

PROÁLCOOL, o que resultou no desenvolvimento de tecnologia capaz de mover veículos.63

Mais tarde, com a redução do preço do petróleo, o álcool deixou de ser a melhor

opção, havendo um caminho inverso na produção de veículos movidos a álcool, que antes

chegava a cerca de 85% da frota nacional.

No período da crise, o setor sucroalcooleiro, por falta de demanda por álcool, teve

auxílio do Governo, que passou a adicionar álcool anidro na gasolina, aquecendo o consumo e

melhorando o equilíbrio entre a oferta e a demanda.64

Com a chegada dos veículos flex, que utilizam gasolina ou álcool ou os dois

combustíveis simultaneamente, o setor sucroalcooleiro se fortaleceu, dado o interesse por esse

tipo de veículo, cuja produção alcançou 92,3% em 2009, conforme dados da ANFAVEA -

Associação Nacional dos Veículos Automotores.65

Com a elevação do preço do petróleo em momentos de instabilidade, a consciência da

limitação do combustível fóssil e a pressão da sociedade pela melhoria da qualidade do meio

ambiente, a produção de energia renovável e limpa passou a ganhar projeção internacional.

O Brasil, detentor da tecnologia dessa fonte energética, lidera, em termos globais, a

produção de cana-de-açúcar, matéria-prima na produção de etanol.66

Os Estados Unidos também produzem álcool, atualmente denominado Etanol,

fabricado do milho, mas com custo mais elevado diante do pouco rendimento dessa matéria-

prima, que produz cerca de 50% a menos do que a cana-de-açúcar.67

A expectativa internacional no etanol como fonte energética substituta do petróleo

vem ganhando força.

63

PROÁLCOOL. In: Wikipédia. Disponível em: <http://www.pt.wikipedia.org/wiki/Pró-álcool>. Acesso em: 24

fev. 2010. 64

PROALCOOL. Programa Brasileiro de Álcool. Disponível em: <htpp://www.biodieselbr.com/proalcool/pro-

alcool.htm>. Acesso em: 15 fev. 2010. 65

DIAS, Luisa. Setor Sucroenergético no centro das atenções do agronegócio. Disponível em:

<http://www.canalbioenergia.com.br/secao.php?idSecao=221>. Acesso em: 23 fev 2010. 66

POSSEBOM, Flávia;FERNANDES, Lidiane. A produção de biocombustíveis no Brasil. Disponível em:

http://www.mouralacerda.edu.br/boletim/leia_edi.php?id_noticia=4. Acesso em: 24 fev. 2010. 67

CANA-DE-AÇÚCAR: A Melhor Alternativa para Conversão da Energia Solar e Fóssil em Etanol.

Disponível em: <http://ecen.com/eee59/eee59p/cana_melhor_conversorl.htm >. Acesso em: 23 fev 2010.

Page 39: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

39

Essa preocupação tem levado países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a

mudarem a política de resistência ao etanol e passaram a criar mecanismos para sua utilização

na gasolina, aumentando a demanda pelo produto.68

Estrategicamente, o Brasil procura incentivar internacionalmente o uso do etanol,

visando inseri-lo no mercado de valores negociáveis, proporcionando estabilidade de mercado

tanto na produção quanto na exportação.69

A crescente produção de etanol da cana-de-açúcar70

tem despertado a atenção de

outros países por vários motivos: pelo interesse na tecnologia e benefícios proporcionados por

ela e pelo temor de que o Brasil venha a exercer o monopólio dessa fonte energética.

Atualmente a tecnologia para a produção do etanol não é dominada pelos países

desenvolvidos, cuja fonte energética sempre foi extraída do petróleo.

A inserção do etanol no mercado internacional é estimulada pela transferência de

tecnologia de produção do etanol aos demais países.

O interesse pelo conhecimento tecnológico do etanol se contrasta com o receio que os

demais países têm de se tornarem dependentes do etanol brasileiro, dado que o Brasil possui

vasto território passível de produção de cana-de-açúcar e detém tecnologia avançada de

produção.

Outro argumento externo importante é que, por causa da alta demanda tanto interna

quanto externa, a produção de cana e sua expansão levariam ao avanço do plantio da cana-de-

açúcar em áreas ocupadas com a produção de alimentos, comprometendo a segurança

alimentar no mundo, com escassez e altos preços, principalmente em países mais pobres.71

A diplomacia brasileira atua para afastar esses argumentos, demonstrando por

números e fatos que o Brasil está bem alicerçado quanto à tecnologia empregada na produção

do etanol, ao cumprimento das obrigações sócio-legislativas, e à existência de grande área

para a expansão da cana, sem comprometer a produção de alimentos.

68

EUA RECONHECEM ETANOL BRASILEIRO COMO BIOCOMBUSTÍVEL AVANÇADO. Disponível

em: <http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=eua-reconhecem-etanol-brasileiro-

como-biocombustivel-avancado&id=020175100205 >. Acesso em: 22 fev. 2010. 69

NEGRÃO; Luiz Celso Parisi; URBAN, Maria Lucia De Paula. Economia & Energia. Álcool como

“commodity” internacional. Disponível em: < http://ecen.com/eee47/eee47p/alcoool_commodity.htm>. Acesso

em: 24 fev.2010. 70

POSSEBOM, Flávia; FERNANDES, Lidiane. A produção de biocombustíveis no Brasil. Disponível em: <

http://www.mouralacerda.edu.br/boletim/leia_edi.php?id_noticia=4>. Acesso em: 24 fev 2010. 71

GUZZO. J.R. Vida Real. O vilão é o Brasil, seja qual for o crime. Revista Exame. São Paulo. Ed. Abril, 9

maio 2007. p. 44.

Page 40: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

40

Segundo Tolmasquim,72

presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do

Governo Federal, o Brasil precisará dobrar a atual produção de cana-de-açúcar até 2030 para

cumprir as metas traçadas para o setor.

Afirma o referido presidente que, com o aprimoramento da pecuária, reduz-se o

número de cabeças por hectare, contribuindo, assim, para o aumento da área disponível para o

cultivo da cana-de-açúcar, sem comprometer as áreas de cultivo de produtos alimentícios.73

O Governo lançou em 2008 o Zoneamento Agroecológico da cultura canavieira que,

além de prever a expansão da área cultivada e a proibição do plantio na Amazônia e Pantanal,

identifica milhões de hectares propícios e disponíveis ao plantio da cana-de-açúcar, afastando

qualquer necessidade dessa cultura vir a ocupar terras protegidas ambientalmente ou

utilizadas para a produção de alimentos.74

Com isso, o Brasil não possui preocupação quanto à necessidade de área para a

expansão do cultivo da cana-de-açúcar e o atendimento da crescente demanda pelo etanol.

A produção da lavoura da cana-de-açúcar, mesmo com gradativa expansão, não tem se

deslocado por todo o território brasileiro,75

dada a dificuldade logística ou a impropriedade do

solo ou do clima.76

Segundo dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), São

Paulo é o Estado com maior produção, com 4.445.281 ha de terras com cana-de-açúcar;

seguido do Paraná, com 604.923 ha; Minas Gerais, com 574.990 ha; Goiás, com 432.009 ha;

Mato Grosso do Sul, com 290.990 ha e Mato Grosso, com 231.060 ha.77

A expectativa de colheita de cana-de-açúcar para a safra de 2009/2010 é de 629,02

milhões de toneladas, com acréscimo de 10% em relação à safra passada, conforme dados

levantados pelo jornal CANAL junto à Conab. Ainda segundo essa pesquisa, houve

ampliação da área plantada para 7,74 milhões de hectares, destinando-se 45% da colheita para

a produção de 734, 5 milhões de sacas de açúcar. O restante da colheita é destinado à

produção de cerca de 27,8 bilhões de litros de etanol, entre o anidro e o hidratado.78

72

TOLMASQUIM, Maurício. Área plantada de cana tem que dobrar até 2030 para cumprir meta de produção

de álcool. Disponível em: < www.agrosoft.org.br/agropag/100556.htm >. Acesso em: 16 fev 2010. 73

Idem. 74

JORNALCANA. Ribeirão Preto, série 2, n. 181, 2009, p. 43. 75

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Disponível em:

<http://www.agricultura.gov.br >. Acesso em: 16 fev. 2010. 76

DANTAS, Iuri; LEITE, Pedro Dias. Governo veta plantio de cana na Amazônia. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u312908.shtml: >. Acesso em: 20 fev. 2010. 77

INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – disponível em:< http:/www.dsr.inpe.br/canasat >. Acesso

em: 15 jan. 2010. 78

CANAL, Jornal da Bioenergia. Safra 2009/10. Goiás, ano 4, nº 37, set., 2009, p. 09.

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41

O consumo de etanol deverá chegar próximo aos 64 bilhões de litros em 2017, quando

80% do consumo serão destinados aos veículos automotivos.79

No contexto do setor sucroalcooleiro, os indicativos econômicos e sociais da safra

2008/2009 são gigantescos, conforme dados fornecidos pelo JornalCana.80

Movimenta: R$ 51 bilhões (Produção)

Representa: 1,76 % do PIB

Gera: 4,5 milhões de empregos diretos e indiretos

Envolve: 72.000 agricultores

Moe: 560 milhões de toneladas de cana

Produz: 32 milhões de toneladas de açúcar

Produz: 27 bilhões de litros de álcool

Exporta: 20 milhões de toneladas de açúcar / US$ 9 bilhões

Exporta: 5 bilhões de litros de álcool / US$ 2,2 bilhões

Recolhe: R$ 13 bilhões em impostos e taxas

Investe: R$ 6 bilhões/ano

Segundo o Governo Federal, por meio do MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária

e Abastecimento,81

existem hoje 438 usinas de produção de açúcar e álcool, sendo que 202

estão no Estado de São Paulo. Minas Gerais possui 41 usinas; Goiás, 33; Paraná, 32; Alagoas,

24; Pernambuco, 24; Mato Grosso do Sul, 21; Mato Grosso, 10; Paraíba, 9; Rio de Janeiro, 8;

Espírito Santo, 6; Sergipe, 6; Bahia, 4; Maranhão, 4; Rio Grande do Norte, 4; Ceará, 3; Rio

Grande do Sul, 2; Amazonas, Pará, Piauí, Tocantins e Rondônia, 1 cada. Verifica-se uma

gradativa expansão da cultura pelos Estados do norte e do centro-oeste.

2.1 O MERCADO INTERNO DO ETANOL

O mercado interno do consumo de etanol mostra-se com favoráveis perspectivas,

visivelmente alavancado pelo crescimento da frota de veículos com o uso de bicombustíveis,

os chamados flex, sem se descuidar do cenário internacional, hoje mais amistoso quanto ao

uso do etanol brasileiro.

Após três anos de lançamento dos carros flex, a quantidade de automóveis que utilizam

bicombustível atingiu o índice de 80% das vendas, chegando em 2008 a cerca de 90% das

vendas dos automóveis.82

79

CANAL, Jornal da Bioenergia . Panorama. Goiás, ano 3, n. 30, fev. 2009, p. 6. 80

JORNAL DA CANA. Conheça o Setor. Disponível em:<

http://www.jornalcana.com.br/Conteudo/Conheca%20o%20Setor.asp >. Acesso em: 16 fev. 2010. 81

BRASIL. MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Disponível em:<

http://www.agricultura.gov.br/>. Acesso em: 24 fev. 2010. 82

RODRIGUES, Antonio de Pádua. RODRIGUES, Luciano. O etanol e dos desafios do mercado interno.

Revista AgroAnalysis. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, n. 08, ago. 2008, p. 22.

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42

Os carros bicombustíveis são considerados os grandes propulsores da indústria do

etanol, pois, além de utilizarem combustíveis renováveis, também são considerados os

responsáveis pela recuperação do mercado interno do etanol, que se encontrava estagnado no

período anterior ao surgimento desse tipo de veículo, conforme Rodrigues:83

Certamente o carro flex é um dos maiores patrimônios que o Brasil

desenvolveu na rota dos combustíveis renováveis, pois o crescimento da frota

flex aliada à competitividade do etanol em grande parte do território nacional

foram os responsáveis pelo renascimento do mercado de álcool combustível

no País. Em março de 2003, quando surgiu o carro flex, as vendas de álcool

estavam em declínio, e não totalizavam 250 milhões de litros mensais. Hoje,

esse volume ultrapassa um bilhão de litros por mês, um aumento maior que

400% em cinco anos.

No mesmo sentido, o crescimento do consumo de etanol saltou de 14,8 bilhões de

litros produzidos em 2003/2004 para uma estimativa de 27 bilhões em 2010.

A indústria do etanol produz também benefícios indiretos, com a geração de milhares

de empregos, movimentação do mercado de fabricação de máquinas agrícolas e

equipamentos, além dos produtos de uso no cultivo da cana-de-açúcar e na fabricação do

álcool e do açúcar.

A contribuição devida à redução da poluição ambiental também está comprovada,

inclusive por organismos internacionais.

Rodrigues comenta que a redução da emissão de gases de efeito estufa chega a 90%,

índice elevado considerado numa fonte de energia.84

Sob o ponto de vista ambiental, é comprovado que o etanol reduz em até 90%

as emissões de gases de efeito estufa, ajudando no combate aos efeitos

nefastos do aquecimento global. Só para se ter uma idéia, se os 27 bilhões de

litros que serão produzidos nesta safra [2008] fossem consumidos nos

motores, teríamos evitado a emissão de gases de efeito estufa equivalente à

quantidade absorvida por uma floresta adulta de 100 milhões de árvores.

A adição de etanol à gasolina também é fator que deve ser mencionado na economia

interna. Considerando o grande consumo de gasolina, o índice de adição variável de 20% a

25% faz com que o preço da gasolina seja menor em relação à gasolina pura, trazendo

economia para o consumidor.

Estima-se que essa economia para o consumidor chegue a 6,6 bilhões de reais

anuais,85

aliado ao fato de que o consumo do etanol tem reflexo na diminuição da produção e

83

RODRIGUES, Antonio de Pádua. RODRIGUES, Luciano. O etanol e dos desafios do mercado interno.

Revista AgroAnalysis. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, n. 08, ago. 2008, p. 22. 84

Op. cit. 85

Ibidem.

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43

importação de petróleo, matéria prima da gasolina, proporcionando, assim, o alcance da

autossuficiência do País em termos dessa energia.

O mercado especializado de etanol não é feito somente de boas perspectivas do

aumento de consumo. Aliado a esse fator está a necessidade de grandes investimentos e de um

sistema de produção que possa proporcionar ao consumidor maiores vantagens. O etanol

enfrenta grande competitividade com a gasolina, cujo monopólio estatal de produção não

permite uma competitividade capaz de garantir menor preço ao consumidor.

Nesse sentido, Rodrigues traz a questão à discussão:86

O primeiro aspecto a ser avaliado refere-se à estrutura do mercado de

combustíveis no País, onde fica clara a abissal diferença entre o seguimento de

combustíveis renováveis e o de derivados de petróleo. Enquanto a produção de

etanol é realizada por mais de 350 indústrias, agregadas em cerca de 200

grupos econômicos, a produção de gasolina é caracterizada pela existência de

um monopólio, em que apenas um produtor detém mais de 95% da produção.

Tal configuração permite a manutenção de preços artificiais para a gasolina, a

despeito das variações nas cotações internacionais do petróleo. Com efeito, ao

mesmo tempo em que o produtor de etanol tem experimentado um segmento

altamente competitivo pelo lado da produção, verifica-se a manutenção de

subsídios cruzados entre os derivados de petróleo. Isso provoca distorções no

mercado doméstico, em que o etanol hidratado concorre diretamente com a

gasolina.

Segue, ainda, sustentando que o mercado de etanol não possui incentivos para que os

produtores possam estocá-lo, necessidade que decorre da produção sazonal da cana-de-açúcar,

matéria prima responsável pela fabricação do etanol.

Não havendo sistema de estoques, o produtor acaba tendo que arcar com esses custos,

isto é, realizando a produção e o estoque, pois há necessidade de manter o consumo durante

todo o ano.

Essa ausência de mecanismos de estoques resulta na variação de preços em período de

safra e entressafra, causando instabilidade no mercado consumidor interno. Dependentes da

existência de instrumentos de comercialização, como contratos de entrega futura, o etanol é

considerado um mercado frágil, incapaz de manter o nível de preço durante todo o ano.

O comércio do etanol não possui uma logística adequada que incorpore as fases de

produção, comercialização, estrutura de transporte e de distribuição.

Sobressaindo a todas essas deficiências, o mercado do etanol sofre, ainda, com a

inexistência de planejamento estratégico, não assegurando seu papel no contexto do sistema

energético. Nesse sentido, afirma Rodrigues:87

86

RODRIGUES, Antonio de Pádua. RODRIGUES, Luciano. O etanol e dos desafios do mercado interno.

Revista AgroAnalysis. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, n. 08, ago. 2008, p. 22.

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44

Permeando todas essas vertentes está aquele que certamente é o maior desafio

do mercado interno de etanol, pois afeta, em maior ou menor grau, todos os

outros aspectos. Estamos falando da necessidade de um planejamento

estratégico da matriz brasileira de combustíveis, com uma diretriz clara sobre

a participação do etanol nessa estrutura.

A falta de planejamento governamental resulta na insegurança dos investidores

nacionais e internacionais, comprometendo o alcance da meta de produção de etanol, já

comprometida com a expansão do consumo dos países desenvolvidos que, aos poucos, estão

aderindo a essa fonte de energia renovável.

2.1.1 Liderança do Mercado do Etanol

A indústria canavieira se tornou a principal fonte de enérgica renovável do mundo. O

Brasil chegou ao patamar de líder mundial na produção de etanol derivado da cana-de-açúcar

graças ao constante processo de investimento em pesquisa e tecnologia.

A evolução desse processo agregou valores de maior produtividade, o que possibilitou

a abertura de novos mercados consumidores, com preços competitivos, e benefícios de ordem

social, aumentando também diretrizes de controle da preservação da saúde e do meio

ambiente.

As novas técnicas de manejo e melhoramento genético da cana-de-açúcar propiciaram

à indústria canavieira um aumento significativo da produção de etanol. Esses dados constam

do levantamento feito por Alfred Szwarc,88

que informa:

[...] estima-se que ao longo dos últimos 30 anos, tenha sido investido perto de

um bilhão de dólares, principalmente pelo setor produtivo.

Na área agrícola, o melhoramento genético da cana-de-açúcar e métodos

avançados de manejo da cultura foram os principais responsáveis pelo

aumento significativo na produtividade. Dezenas de novas variedades de cana

permitirão, dentre diversos benefícios, melhor resposta à praga e doenças e

produção eficiente em solos pobres e com menor capacidade de reter umidade.

O avanço da tecnologia e o respectivo aumento da produtividade trazem a redução da

demanda por área de terras, contribuindo com o meio ambiente.

A produção de biocombustíveis de segunda geração, com o uso do bagaço e da palha

da cana, impulsiona o País no caminho do desenvolvimento de tecnologia mais aprimorada. A

87

RODRIGUES, Antonio de Pádua. RODRIGUES, Luciano. O etanol e dos desafios do mercado interno.

Revista AgroAnalysis. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, n. 08, ago. 2008, p. 23. 88

SZWARC, Alfred. Ninguém é líder por acaso. Revista AgroAnalysis. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio

Vargas, vol. 28, n. 08, ago. 2008, p. 24.

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45

tecnologia atual já permite ensaios na produção de veículos coletivos movidos a etanol e

dentro das recentes regras de emissão de gases poluentes, que preveem índices aproximados

de zero nos países europeus.

O avanço tecnológico segue com a utilização de etanol na aviação, também com

protótipos de motores que equipam os pequenos aviões utilizados na pulverização das culturas

da zona rural.

Esse domínio tecnológico coloca o Brasil muito adiante dos demais países, fruto de

iniciativa governamental implementada na década de 70.

2.1.2 Globalização do Etanol

Preocupados com o efeito estufa e os danos ao meio ambiente, a corrida dos países em

busca de energia alternativa ganha cada vez mais novos competidores.

Os países produtores de petróleo estão receosos com o esgotamento do limitado

recurso fóssil e a perda do mercado consumidor internacional, pois, países tradicionalmente

grandes consumidores de petróleo mudaram suas diretrizes energéticas estratégicas, optando

por fonte renovável.

Recente estudo realizado por Kutas e Zechin89

afirma que o interesse mundial é

crescente:

O interesse mundial pelos combustíveis renováveis vem se disseminando

vertiginosamente, com cada vez mais países iniciando a produção e o uso do

etanol. Os Estados Unidos adotaram, ao final de 2007, uma ambiciosa

legislação estabelecendo a meta de consumo de 136 bilhões de litros de etanol

em 2022; Colômbia, Tailândia e dez províncias chinesas instituíram a adição

compulsória de 10% de etanol à gasolina (E-10), enquanto na Índia o

percentual de mistura é de 5% (E-5); e na União Européia encontra-se em

discussão uma diretiva propondo a mistura de 10% de combustíveis

renováveis aos fósseis até 2020. De acordo com a Agência Internacional de

Energia. [...], os biocombustíveis responderam por 49% por cento do

crescimento da oferta de combustíveis pelos países não-integrantes da

Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em 2007, e, em

2008, a participação deverá aumentar para 55%. [...] os combustíveis

renováveis possivelmente desempenharão papel primordial, caso as pretensões

mundiais em reduzir significativamente as emissões de carbonos se

concretizem.

89

KUTAS, Géraldine; ZECHIN, Mariana Regina. Em busca da Globalização. Revista AgroAnalysis. Rio de

Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28. n. 08, ago. 2008, p. 25.

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46

Considerando que o Brasil é o maior exportador de etanol, a expansão desse setor do

mercado encontra resistência nas barreiras não-tarifárias, aliado às altas tarifas para adentrar

ao mercado de países consumidores.

A legislação dos Estados Unidos, adotada em 2007, indica uma grande expansão do

consumo do etanol, com aumento de 150% até 2010, com a utilização do milho como matéria

prima de grande parte desse aumento de produção.

Assim mesmo, a produção de etanol de milho não será suficiente para suprir essa

demanda. A complementação viria do etanol celulósico, do biodiesel e do chamado ―etanol

avançado.‖90

A ilustração a seguir retrata a evolução da necessidade de etanol no mercado americano.

90

KUTAS, Géraldine; ZECHIN, Mariana Regina. Em busca da Globalização. Revista AgroAnalysis. Rio de

Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28. n. 08, ago. 2008, p. 26.

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47

ILUSTRAÇÃO 1. Metas de consumo de etanol nos Estados Unidos, estabelecidas pelo Renewable Fuel

Standard (RFS). – Agência Nacional de Combustíveis - (Valores em bilhões de litros).

O Brasil tem utilizado os países caribenhos para chegar até o mercado dos Estados

Unidos. Esses países importam o etanol do Brasil e o reprocessam para, em seguida, exportá-

lo aos Estados Unidos, com isenção tarifária, informa Kutas e Zechin.91

De igual modo, na União Européia, o consumo de etanol está em expansão. A

pesquisa dos autores referidos acima demonstra essa evolução. Veja-se:

A demanda também continua a ser expandida, atingindo 2,7 milhões de litros

em 2007 (crescimento 37% em relação a 2006) e tendo principal fornecedor o

Brasil. Quase 40% do álcool combustível consumido pela Comunidade

Européia em 2007 correspondem às exportações brasileiras. Essas, incluindo

etanol para fins industriais, aumentaram 42% entre 2006 e 2007, totalizando

cerca de 1 bilhão de litros em 2007.

Entretanto, não existe uma normatização segura a respeito da produção do etanol. Os

órgãos responsáveis pela regulamentação não possuem dados concretos sobre os benefícios da

utilização do etanol e, consequentemente, parte da sociedade pressiona sobre a possibilidade

91

KUTAS, Géraldine; ZECHIN, Mariana Regina. Em busca da Globalização. Revista AgroAnalysis. Rio de

Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28. n. 08, ago. 2008, p. 26.

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48

de haver uma disputa entre a produção de bioenergia e a de alimentos, acompanhada de

eventuais danos ao meio ambiente.

Visando suavizar a pressão da sociedade, a Comunidade Européia pretende expedir

normas rígidas de sustentabilidade para permitir o cumprimento de metas expansionistas na

utilização do etanol. A redução da emissão de gases do efeito estufa é parte desses requisitos

de sustentabilidade. Mas o aumento da rigidez normativa deverá englobar também a proibição

do plantio da cana-de-açúcar em áreas de preservação ambiental, incluindo florestas,

pantanais e áreas de grandes biodiversidades.92

Essas restrições têm efeito direto sobre o Brasil, visto que as indústrias nacionais

utilizam áreas que normalmente não possuem reserva legal, mas que deveriam ter, e também

ocupam para produção da cana-de-açúcar as áreas antes ocupadas por gado e que se

encontram no cerrado, onde, atualmente, a existência da biodiversidade é elevada.

O impacto negativo sobre o Brasil por conta da necessidade da proteção ao meio

ambiente se estende, também, às terras utilizadas para a produção de alimentos, pois a

comunidade internacional receia que a cultura da cana-de-açúcar, em expansão, possa resultar

na redução do plantio de alimentos.

2.2 LIMITE AO AVANÇO DO PLANTIO DA CANA-DE-AÇÚCAR

2.2.1 Nos Estados da Federação. Decreto Federal nº 6.961, de 17.09.2009

A manutenção da política externa para tornar o etanol um produto negociável na bolsa

de valores e comercializado por vários países, obrigou o Governo Federal a criar normas para

o plantio da cana em áreas de proteção ambiental, em áreas de cultivo de alimentos e, ainda,

restrição da expansão dessa cultura em locais que hoje são considerados inadequados.

Esse mecanismo tem como objetivo estancar as críticas internacionais sobre a

responsabilidade agroambiental na produção do etanol, abrindo caminho para sua

solidificação como fonte alternativa energética.

O Governo Federal expediu o Decreto nº 6.961, de 17 de setembro de 2009, aprovando

o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar.93

92

KUTAS, Géraldine; ZECHIN, Mariana Regina. Em busca da Globalização. Revista AgroAnalysis. Rio de

Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28. n. 08, ago. 2008, p. 26. 93

BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,

17.9.2009.

Page 49: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

49

Esse Decreto estabeleceu as áreas permitidas para o cultivo da cana-de-açúcar nos

Estados, e a elaboração dessa norma contou com diversos métodos técnicos, envolvendo o

Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Segundo previsto no referido Decreto, o objetivo do zoneamento é disponibilizar

informações técnicas que possibilitem aos entes públicos a criação de políticas públicas que

possam assegurar a produção da cana-de-açúcar de forma sustentável.

As condições do solo, clima, o potencial de produção e a legislação ambiental foram

decisivos para a elaboração do zoneamento agrícola.

Foram excluídas algumas áreas de terras que não atendiam aos parâmetros técnicos

utilizados para a realização do zoneamento. 94

Adicionalmente, foram excluídas: 1. as terras com declividade superior a 12%,

observando-se a premissa da colheita mecânica e sem queima para as áreas de

expansão; 2. as áreas com cobertura vegetal nativa; 3. os biomas Amazônia e

Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai; 4. as áreas de proteção ambiental; 5. as

terras indígenas; 4. remanescentes florestais; 6. dunas; 7. mangues; 8. escarpas

e afloramentos de rocha; 9. reflorestamentos e 10. áreas urbanas e de

mineração95

. Nos Estados da Região Centro-Sul (GO, MG, MT MS, PR e

SP)96

, foram também excluídas as áreas atualmente cultivadas com cana-de-

açúcar no ano safra 2007/2008, utilizando-se o mapeamento realizado pelo

Projeto CanaSat – INPE.

Para o levantamento da área passível de expansão da cultura da cana-de-açúcar e a sua

inclusão no zoneamento agrícola foram consideradas as áreas que estão em produção no

regime intensivo, semi-intensivo, bem como as lavouras perenes e anuais, incluindo as

pastagens, classificadas em agropecuária, agricultura e pastagens.97

Com base nos estudos realizados, foi identificada no País uma área de 63,48 milhões

de hectares propícios à expansão do plantio da cana-de-açúcar, distribuídos em 18,03 milhões

hectares com alto potencial produtivo, 41,17 milhões de hectares com médio potencial e 4,28

milhões de hectares com baixo potencial, sendo que 36,13 milhões de hectares se referem a

áreas cultivadas com pastagens.98

94

INPE – Instituto Nacional de Pesquisa Espacial – Projeto Canasat – Disponível em:

<http://marte.dpi.inpe.br/rep/dpi.inpe.br/marte@80/2007/08.22.22.30?mirror=dpi.inpe.br/banon/2003/12.10.19.3

0.54&metadatarepository=dpi.inpe.br/marte@80/2007/08.22.22.30.51>. Acesso em 12 abr. 2010. 95

BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,

17.9.2009. 96

WIKIPÉDIA. Unidades Federativas do Brasil. Disponível em:

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Unidades_federativas_do_Brasil>. Acesso em: 12 abr. 2010. 97

BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil., Brasília, DF,

17.9.2009. 98

Op. cit.

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50

O Governo acredita que esses estudos possibilitam afirmar com segurança que o País

não necessita ocupar as áreas de terras que atualmente estão sendo utilizadas para o cultivo de

alimentos, pois a disponibilidade de terras é mais que suficiente para atender a demanda da

produção da cana-de-açúcar.

A preocupação governamental é estratégica. A harmonia do plantio da cana-de-açúcar

com a biodiversidade é essencial para a sustentabilidade e o alcance das metas estipuladas

para o etanol brasileiro.

Através do Decreto nº 6.961, de 17.9.2009, o Governo Federal fixou os seguintes

objetivos para o zoneamento agrícola:99

Objetivos Específicos:

Oferecer alternativas econômicas sustentáveis aos produtores rurais;

Disponibilizar base de dados espaciais para o planejamento do cultivo

sustentável das terras com cana-de-açúcar em harmonia com a biodiversidade

e a legislação vigente;

Fornecer subsídios para o planejamento de futuros pólos de desenvolvimento

no espaço rural;

Alinhar o estudo com as políticas governamentais sobre energia;

Indicar e espacializar áreas aptas à expansão do cultivo de cana-de-açúcar em

regime de sequeiro (sem irrigação plena);

Fornecer as bases técnicas para a implementação e controle das políticas

públicas associadas

Esses objetivos são voltados para o produtor a fim de que este possa ter condições de

estabelecer critérios técnicos capazes de associar a necessidade do cultivo da cana-de-açúcar

com o interesse público da proteção da biodiversidade.

O zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar foi desenvolvido com intuito de

fornecer também informações de natureza geral capazes de estruturar a expansão da cana-de-

açúcar em patamares de produção de alto nível técnico, indicando as áreas mais apropriadas

para a cultura.

O estudo procurou ainda estabelecer regras restritivas para o plantio, sendo que estas

estão voltadas à proteção das áreas consideradas essenciais para a preservação do meio

ambiente.

Foram fixados os seguintes critérios técnicos para a possibilidade de expansão do

plantio da cana-de-açúcar:

Indicação de áreas com potencial agrícola para o cultivo da cana-de-açúcar

sem restrições ambientais;

Exclusão de áreas com vegetação original e indicação de áreas atualmente sob

uso antrópico [ocupadas pelo homem];

99

BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil., Brasília, DF,

17.9.2009.

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51

Exclusão de áreas para cultivo nos biomas Amazônia, Pantanal e na Bacia do

Alto Paraguai;

Diminuição da competição com áreas de produção de alimentos;

Indicação de áreas com potencial agrícola (solo e clima) para o cultivo da

cana-de-açúcar em terras com declividade inferior a 12%, propiciando

produção ambientalmente adequada com colheita mecânica;

Unidades industriais já instaladas, a produção de cana para seu suprimento e a

expansão programada não são objeto deste zoneamento.100

A ilustração abaixo indica, com sinalização em amarelo, as áreas proibidas para o

plantio da cana-de-açúcar e, em verde, as áreas aptas para o plantio.

ILUSTRAÇÃO 2: Mapa do Zoneamento Agroecológico da Cana no Brasil. Fonte: Governo Federal/Repórter

Brasil.

Nota-se que as áreas aptas para o plantio da cana-de-açúcar se concentram na região

do Estado de São Paulo.

Com a identificação das áreas aptas para o plantio da cana é possível, segundo as

razões expostas no referido decreto, aos governos estaduais e federal elaborarem suas

100

BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil., Brasília,

DF, 17.9.2009.

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52

políticas públicas destinadas a fixar diretrizes para a produção da cana-de-açúcar de forma

organizada, principalmente quanto à expansão da cultura para fins industriais.101

Com o zoneamento esperam-se reflexos positivos com relação ao meio ambiente, tais

como: 102

Ordenamento da produção evitando expansão em área com cobertura vegetal

nativa;

Produção de biocombustíveis de forma sustentável e ecologicamente limpa;

Co-geração de energia elétrica diminuindo a dependência de combustíveis

fósseis e gerando créditos de carbono;

Conservação do solo e da água, através de técnicas conservacionistas

diminuindo a erosão dos solos cultivados;

Diminuição da emissão de gases de efeito estufa pela substituição progressiva

da queimada pela colheita mecânica.

Esse impacto positivo também é esperado no setor sócio-econômico da região em que

a cultura da cana-de-açúcar for instalada nos moldes previstos no zoneamento agroecológico,

conforme se verifica no Decreto Federal:103

A produção da cana-de-açúcar para etanol permitirá o emprego de energias

limpas com o aproveitamento de créditos de carbono e outros mecanismos

nacionais e internacionais que permitam atrair investimentos nas regiões

destes empreendimentos;

Aumento da ocupação permanente da mão-de-obra local, com a substituição

da colheita manual pela mecânica;

Geração de renda ao longo do ano durante o ciclo da cultura (estabilidade

econômica e otimização do uso da mão-de-obra);

Organização dos fornecedores de cana em cooperativas visando à colheita

mecânica;

Indução tecnológica na produção e colheita de cana-de-açúcar;

Qualificação dos trabalhadores do setor face à tecnificação progressiva do

cultivo, significando investimentos públicos e privados em educação e

treinamentos especializados;

Investimentos em complexos agroindustriais demandando ainda outros

investimentos em infraestrutura local como logística, transporte, energia e

suporte técnico.

A iniciativa governamental, muito embora decorra mais do interesse estratégico da

produção do etanol do que propriamente da preocupação com o meio ambiente, traz

relevantes pontos que organizam o sistema produtivo brasileiro.

Entretanto, não é somente a cultura da cana-de-açúcar que possui natureza prejudicial

nas áreas de proteção ambiental. Também outras atividades agropastoris têm esse mesmo

efeito negativo sobre o meio ambiente.

101

BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,

17.9.2009. 102

Op. cit. 103

Ibidem.

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53

Assim, mostra-se necessário que a iniciativa seja estendida às demais culturas e

atividades, pois que, caso contrário, o objetivo do ordenamento da atividade agrícola atenderá

somente ao interesse comercial da produção do etanol.

2.2.2 No Estado de São Paulo

O Estado de São Paulo, em 2008, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e da

Secretaria da Agricultura e Abastecimento, elaborou o plano de zoneamento agroambiental

para o plantio da cana-de-açúcar.

Segundo Bortoloti,104

trata-se do primeiro zoneamento feito por um Estado do Brasil.

Utilizando-se de técnicas e informações ambientais disponíveis pelo Programa

BIOTA/FAPESP,105

foi possível a identificação de áreas propícias ao plantio da cana-de-

açúcar, com levantamento voltado para a existência de águas subterrâneas e superficiais,

topografia, clima e qualidade do ar.106

Para a identificação das áreas, o plano de zoneamento é moldado em mapas que

mostram as regiões passíveis de expansão da cultura da cana-de-açúcar, selecionando aquelas

classificadas como adequadas, adequadas com limitações ambientais, adequadas com

restrições ambientais e inadequadas.107

De início, o zoneamento mostra a situação atual do Estado de São Paulo com a

ocupação das áreas com o cultivo da cana-de-açúcar, como se vê no mapa a seguir:.108

104

BORTOLOTI, Juliano. Zoneamento Agroambiental da cana no Estado de São Paulo. Disponível em:

<http://www.agrofit.com.br/portal/index.php?view=article&catid=46%3Acana&id=183%3Azoneamento-

agroambiental-da-cana-no-estado-de-sao-paulo&option=com_content&Itemid=18>. Acesso em: 10 abr. 2010. 105

BIOTA FAPESP. Disponível em: < http://www.biota.org.br/info/index>. Acesso em: 12 abr. 2010. 106

PRADO, Thais. Zoneamento Agroambiental para a cana. Planeta Sustentável. Disponível em:

<http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_305697.shtml>. Acesso em: 10 abr.

2010. 107

BORTOLOTI, Juliano. Zoneamento Agroambiental da cana no Estado de São Paulo. Disponível em:

<http://www.agrofit.com.br/portal/index.php?view=article&catid=46%3Acana&id=183%3Azoneamento-

agroambiental-da-cana-no-estado-de-sao-paulo&option=com_content&Itemid=18>. Acesso em: 10 abr. 2010. 108

BRASIL. Governo do Estado de São Paulo. Disponível em:

<http://www.ambiente.sp.gov.br/etanolverde/apresentacaoZAA.pdf.>. Acesso em: 12 abr. 2010.

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54

ILUSTRAÇÃO 3. Ocupação atual de terras com plantio da cana-de-açúcar. Fonte: Secretaria do Meio

Ambiente. Governo do Estado de São Paulo

No confronto com o segundo mapa, é possível verificarmos que haverá significativo

aumento da área cultivada com cana-de-açúcar até o final do ano de 2010.

Também é possível perceber que a área do Baixo Pardo/Grande está saturada, com

esgotamento da sua capacidade de expansão.

ILUSTRAÇÃO 4. Projeção da ocupação de terras até 2010. Fonte: Secretaria do Meio Ambiente. Governo do

Estado de São Paulo.

A expansão mais acentuada do plantio da cana-de-açúcar ocorre nas regiões do Baixo

Pardo/Grande, Sapucaí/Grande e Baixo Tietê.

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55

Esse crescimento justifica a necessidade do zoneamento, uma vez que a previsão para

2010 é que o cultivo da cana-de-açúcar em determinadas áreas poderá provocar prejuízos ao

meio ambiente.

O novo panorama geográfico oriundo do zoneamento mostra que ainda há muita área

passível da implementação da cultura da cana-de-açúcar, conforme demonstra o mapa abaixo,

indicando as características favoráveis plenas de solo e clima (aptidão Edafoclimática).

ILUSTRAÇÃO 5. Zoneamento Agroambiental para o setor sucroalcooleiro. Aptidão Edafoclimática plena para a

cana-de-açúcar. Fonte: Secretaria do Meio Ambiente. Governo do Estado de São Paulo.

As áreas adequadas são as sinalizadas em verde-escuro; as adequadas com limitações

ambientais, em verde-claro; as adequadas com restrições ambientais, em amarelo e em

vermelho estão as áreas inadequadas para o plantio da cana-de-açúcar.

Pela nova disposição, percebe-se que áreas onde antes era permitido o plantio da cana-

de-açúcar, já não poderão ter expansão. É o caso das regiões do litoral paulista e região de

Mata Atlântica, incluindo Serra do Mar, Vale do Ribeira e Vale do Paraíba.109

Considera-se, ainda, que essas regiões possuem áreas de alta declividade, isto é, acima

de 12%, o que não permite a realização da colheita mecanizada.

Segundo o Editorial do AÇUCAR-ÉTICO,110

empresa que acompanha os programas

sociais e econômicos rurais, em parceria com as universidades brasileiras, existem cerca de

109

AÇUCAR-ÉTICO – Governo paulista lança zoneamento agroambiental. Disponível em: < http://www.sucre-

ethique.org/Governo-paulista-lanca-zoneamento.html>. Acesso em: 10 abr. 2010. 110

Op. cit.

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56

8,6 milhões de hectares considerados adequados, mas com limitações ambientais, ao plantio

da cana-de-açúcar. Cita o Editorial mencionado:

Há ainda 8,6 milhões de hectares considerados adequados, mas com

limitações ambientais, no caso, presença de áreas protegidas — as APAS —,

de bacias hidrográficas consideradas críticas e das chamadas áreas de

conectividade identificadas como de média prioridade pelo Biota. As áreas de

conectividade são aquelas que precisam ter sua vegetação recomposta para

fazer a ligação entre outras duas áreas já com vegetação. Por exemplo, duas

manchas de cerrado que devem ser unidas para formar um corredor onde

animais possam circular de uma mancha para outra, recompondo-se, assim,

parte do bioma do cerrado naquela propriedade.

O referido editorial acrescenta que as áreas adequadas com restrições ambientais se

diferem das áreas adequadas com limitações ambientais. Aquelas possuem normas mais

rígidas a serem observadas, já que estão localizadas em regiões onde o meio ambiente está em

situação crítica, necessitando de reconstituição de biomas. Essa espécie de área de terras

chega a 5,5 milhões de hectares.

As áreas próprias para a expansão da cana-de-açúcar somam 3,9 milhões de hectares,

enquanto que 6,7 milhões de hectares estão em áreas totalmente inadequadas.111

Assim, a disponibilidade de terras para o cultivo da cana-de-açúcar chega a 18 milhões

de hectares.

Segundo Pereira,112

que cita o Sindicato Rural da Alta Noroeste, estima-se que, dos 18

milhões de hectares de terras agricultáveis, 9 milhões são de pastagens e 4 milhões de cana-

de-açúcar.

Ainda, conforme os pedidos de licença ambiental para a construção de novas unidades

de produção de açúcar e álcool, até o final do ano de 2010 a área plantada com cana-de-açúcar

alcançará cerca de 6,2 milhões de hectares,113

devido ao aumento que será de cento e oitenta

unidades industriais para duzentas até o final de 2010.114

Segundo Prado,115

para a emissão de licença ambiental, as novas usinas deverão

demonstrar projeto de manejo de defensivos agrícolas e de estudos de redução da utilização

111

AÇUCAR-ÉTICO – Governo paulista lança zoneamento agroambiental. Disponível em: < http://www.sucre-

ethique.org/Governo-paulista-lanca-zoneamento.html>. Acesso em: 10 abr. 2010 112

PEREIRA, Leonardo. Zoneamento agroambiental determina novas regras para o setor sucroalcooleiro em

São Paulo. Disponível em: < http://www.agrosoft.org.br/agropag/102620.htm>. Acesso em: 10 abr. 2010. 113

PEREIRA, Leonardo. Zoneamento agroambiental determina novas regras para o setor sucroalcooleiro em

São Paulo. Disponível em: < http://www.agrosoft.org.br/agropag/102620.htm>. Acesso em: 10 abr. 2010. 114

Ibidem. 115

PRADO, Thais. Zoneamento Agroambiental para a cana. Planeta Sustentável. Disponível em: <

http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_305697.shtml>. Acesso em: 10 abr.

2010.

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57

de água, assim como de proteção e recuperação de espécies nativas junto às nascentes e nas

APP's – Área de Proteção Permanente.

O monitoramento da emissão de poluente nas chaminés das caldeiras e as análises das

águas subterrâneas fazem parte das normas fixadas para as áreas consideradas adequadas com

limitações ambientais.

A necessidade da apresentação do EIA – Estudo de Impacto Ambiental – e do RIMA –

Relatório de Impacto Ambiental – são condicionantes para as áreas adequadas, mas com

restrições ambientais.

Mesmo as usinas já em funcionamento terão de se adequar às novas regras por ocasião

da renovação da licença ambiental.

Segundo Viegas, mencionado por Pereira,116

o zoneamento servirá de orientação na

implantação das novas usinas, resultando numa forma de produção sucroalcooleira

sustentável, pois ‗a idéia não é impedir, mas ordenar o crescimento do setor e garantir a

sustentabilidade da produção,‘ afirma.

A ilustração 6 a seguir apresenta a configuração final do zoneamento agroambiental

para o setor sucroenergético do Estado de São Paulo.

116

PEREIRA, Leonardo. Zoneamento agroambiental determina novas regras para o setor sucroalcooleiro em

SP. Disponível em: < http://www.agrosoft.org.br/agropag/102620.htm>. Acesso em: 10 abr. 2010.

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58

ILUSTRAÇÃO 6. Zoneamento agroambiental do setor sucroenergético do Estado de São Paulo – Fonte:

ÚNICA União da Indústria Canavieira.

O zoneamento agregará um valor ambiental à produção de etanol e de açúcar,

conforme afirma Sampaio,117

Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Realmente, o resultado, com a delimitação das áreas de terras destinadas ao plantio da

cana-de-açúcar, vem contribuir para que a produção de etanol e de açúcar tenha condições de

enfrentar as resistências do mercado externo, principalmente no que se refere aos cuidados

com o meio ambiente.

Os pontos positivos não se resumem à melhoria das exportações dos produtos

sucroalcooleiros. As novas exigências legais para a instalação das indústrias canavieiras,

destinadas à proteção do meio ambiente, objetivam tornar essa atividade industrial

ambientalmente sustentável.

117

AÇUCAR-ÉTICO – Governo paulista lança zoneamento agroambiental. Disponível em: < http://www.sucre-

ethique.org/Governo-paulista-lanca-zoneamento.html>. Acesso em: 10 abr. 2010.

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59

2.3 ASPECTOS DO CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR

2.3.1 Propostas Legislativas de Regulamentação do Corte da Cana-de-Açúcar

A cultura da cana-de-açúcar ocupa atenção do legislador, seja municipal, estadual ou

federal, pois integra o sistema legislativo dos entes da federação, desde a indicação da área a

ser plantada até o método da colheita.118

Principalmente o cuidado com o meio ambiente tem levado à criação de leis mais

rígidas para o setor sucroalcooleiro. Nesse sentido, ressalta-se a preocupação com a poluição

gerada com a queima da palha, o que tem como justificativa favorecer o corte pelos

trabalhadores e evitar agressões causadas a estes por animais peçonhentos.119

Por outro lado, essa poluição, segundo informes médicos, tem causado graves

problemas respiratórios, dentre outros.120

Conciliar as necessidades da indústria, a proteção ao meio ambiente e à saúde humana

tem se mostrado uma tarefa de difícil realização.

A Câmara dos Deputados está examinando Projetos de Lei que visa dar suporte

normativo aos fatos que inovam as atividades do setor sucroalcooleiro.

Esses fatos compreendem a comentada queima da palha da cana-de-açúcar, a

acelerada mecanização da colheita e o reflexo do desemprego dos trabalhadores.

As iniciativas dos parlamentares federais tiveram início em agosto de 2007, quando foi

apresentado o primeiro Projeto de Lei, sob nº PL-1.712/2007, sobre a questão, de autoria do

Deputado Fernando de Fabinho,121

pretendendo regulamentar a mecanização da colheita da

cana-de-açúcar.

O projeto prevê a completa mecanização da colheita da cana-de-açúcar e a

qualificação, para o exercício em outras funções, dos trabalhadores dispensados.

Também deixa a critério dos órgãos ambientais a apreciação dos pedidos de licença,

no âmbito dos impactos ambientais.

118

BRASIL. Lei Estadual nº 10.547, de 02.05.2000. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP,

02.05.2000. 119

FEAGRI - Faculdade de Engenharia Agrícola Unicamp. Colheita de Cana de Açúcar. Disponível em:

<http://www.feagri.unicamp.br/unimac/produtos_canadeacucar.htm>. Acesso em: 21 fev. 2010. 120

SOCIEDADE PAULISTA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. Queima da cana-de-açúcar é responsável

por doenças respiratórias em crianças e idosos. Disponível em:

<http://www.sppt.org.br/v2/noticia_completa.php?id_noticia=108>. Acesso em: 23 fev.2010. 121

FABINHO, Fernando. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.712/2007. Disponível em:

<http://www2.camara.gov.br/>. Acesso em: 25 mar. 2010.

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60

Outro Projeto de Lei apresentado foi o do Deputado Uldurico Pinto,122

também em

agosto de 2007, sob o nº PL-1.778/2007, que, de forma sintetizada, proíbe as queimadas de

canaviais por razões de facilitação do corte manual da cana-de-açúcar, concedendo prazo de 3

anos de adequação para as lavouras que tenham sido plantadas em período inferior a 6 meses

da publicação da pretendida lei.

Na sequência de Projetos de Lei, inova o apresentado pelo Deputado Paulo

Bornhausen,123

sob o nº PL-2.259/2007, de 18/10/2007, que, além de prever a utilização de

colheitadeiras nas áreas de até 12% de declive, também exige equipamento de proteção aos

trabalhadores, fornecidos pelo empregador, com inspeção pelo Ministério do Trabalho e

Emprego.

Não se descuida que, em outubro de 2009, o Deputado Fábio Faria124

apresentou o

Projeto de Lei nº PL-6.277/2009, prevendo a criação do ‗fundo de apoio financeiro para a

qualificação de trabalhadores rurais desempregados pelo processo de mecanização das

atividades agropecuárias.‘

O que é interessante nesse Projeto de Lei é a criação de um fundo com recursos

financeiros destinados a fazer frente a programas para o desenvolvimento, qualificação e

capacitação de trabalhadores rurais.

O projeto reserva a participação, nos programas de qualificação, aos trabalhadores que

residem nas áreas de elevado índice de desemprego ocorrido em razão da mecanização da

lavoura da cana-de-açúcar.

Outro dispositivo de natureza reparadora do impacto social negativo provocado pela

mecanização é a origem dos recursos financeiros para a constituição desse fundo. O projeto

prevê que 1% da movimentação financeira obtida com a venda de máquinas agrícolas, tratores

e implementos seja destinado a esse fundo.

A justificativa para esse dispositivo legal nasce do entendimento de ser o setor da

fabricação de máquinas agrícolas um dos responsáveis pelo desemprego na lavoura

canavieira, tendo em vista a mecanização. Muito embora esse entendimento seja questionável,

dado ao avanço tecnológico natural do empreendimento canavieiro, não deixa de ser

aproveitável, uma vez que o fim social dá suporte à iniciativa legislativa.

122

PINTO, Uldurico. Projeto de Lei nº 1.778/2007. Câmara dos Deputados. Disponível em:

<http://www2.camara.gov.br/>. Acesso em : 25 mar. 2010. 123

BORNHAUSEN, Paulo. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.259/2007. Disponível em:

<http://www2.camara.gov.br/>. Acesso em : 25 mar. 2010. 124

FARIA, Fábio. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 6.277/2009. Disponível em:

<http://www2.camara.gov.br/>. Acesso em: 25 mar. 2010.

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61

Entretanto, uma abordagem mais ampla faz-se necessária ao Projeto de Lei nº PL-

2.197/2007, de 10.10.2007, do Deputado Federal Rubens Otoni.

O artigo 1º do referido Projeto de Lei dispõe o seguinte: ―A automação na safra da cana-

de-açúcar, especificamente quanto ao uso de máquinas plantadeiras e colheitadeiras, até o ano de

2015, fica limitada a 40% da área cultivada com cana em cada propriedade e em todo o país.‖ 125

O citado dispositivo procura pôr freios no avanço da tecnologia utilizada no setor

sucroalcooleiro, em especial, no corte da cana. Não se olvida que o impacto social negativo

provocado em escala crescente pela mecanização traz consequências extremamente

prejudiciais aos trabalhadores, como desemprego e desestrutura familiar, decorrentes da

ausência da fonte de recursos para a subsistência.

Entretanto, não se pode estabelecer um engessamento do avanço tecnológico, visto

que o setor é o responsável pela fonte de energia renovável que o País utiliza e exporta e,

atualmente, se constitui como gerador de divisas do agronegócio, com conhecidas vantagens

estratégicas sobre os demais países.

Noutro ponto, a limitação em 40% da área plantada para uso de plantadeiras e

colheitadeiras prevista no Projeto já não encontra mais eco na atualidade, visto que o avanço

da mecanização em Estados como São Paulo, de 53% nesta safra 2009/2010, tem previsão de

60% na safra 2010/2011.126

Além disso, o projeto ainda está em tramitação na Câmara dos

Deputados, sem data para ser votado, com razoável demora frente à corrida da mecanização.

É certo que o Estado de São Paulo é exceção diante dos demais Estados da Federação,

mas não se justifica manter situação de trabalho que torna o indivíduo sujeito a condições

precárias, como a falta de controle dos níveis de poluição diária no corte da cana e o grande

esforço físico despendido pelo trabalhador para o alcance da meta de toneladas/dia, pois o

peso é a forma de pagamento adotada por quase a totalidade das empresas canavieiras.127

Os artigos 2º e 3º do Projeto estabelecem:128

Após 2015 e até o ano 2020 esse limite de automação será de 50% da área

plantada em cada propriedade e em todo o país.

125

OTONI, Rubens. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.197/2007. Disponível em:

<http://www2.camara.gov.br/internet/deputados/chamadaExterna.html?link=http:

//www.camara.gov.br/internet/deputado/dep_>. Acesso em: 25 mar. 2010. 126

BATISTA, Fabiana. Colheita mecanizada de cana cobrirá 60% do total em São Paulo. Disponível em:

<http://www.fsindical.org.br/fs/index.php?option=com_content&task=view&id=7580&Itemid=105>. Acesso

em: 25 de mar. de 2010. 127

ALVES, Francisco. Por que morrem os cortadores de cana. Disponível em:

<http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=21279> . Acesso em: 25 mar. 2010. 128

OTONI, Rubens. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.197/2007. Disponível em:

<http://www2.camara.gov.br/internet/deputados/chamadaExterna.html?link=http:

//www.camara.gov.br/internet/deputado/dep_>. Acesso em: 25 mar. 2010.

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62

Entre 2020 e 2030 a automação fica limitada a 70% da área plantada de cada

propriedade do país.

As datas limites fixadas pelo projeto nesses artigos pouco aumentam a reduzida área

prevista no artigo 1º. Nesse aspecto, o Estado de São Paulo também está adiantado, pois o

prazo fixado pela Lei Estadual nº 11.241/2002129

prevê a extinção da queima da palha em

2021, nas áreas mecanizáveis.

Outro ponto de difícil aplicação é o artigo 7º, que determina a vinculação da

substituição de trabalhadores por máquinas à requalificação e realocação da mão-de-obra por

conta das empresas, dos empreendedores rurais e do Governo.

Esse dispositivo nos parece aplicável somente se for de modo voluntário em relação às

empresas do setor. Não entendemos possível instituir essa exigência, pois se conflita com a

livre iniciativa econômica e o direito de propriedade, dado que a norma tem cunho de

intervenção econômica estatal na atividade privada, condicionando a aquisição de bens, com

ingerência na atividade privada.

A iniciativa pode ser norma de políticas públicas para o Governo, mas somente

indicativa para o setor privado.

O artigo 8º do referido Projeto assemelha-se ao já contido na medida provisória nº

2.164-41/2001:130

Art. 8º Acrescentem-se os seguintes arts. 2ºA, 2ºB, 3ºA, 7ºA, 8ºA, 8ºB e 8ºC à

Lei no 7.998, de 1990:

Art. 2o-A. Para efeito do disposto no inciso II do art. 2

o, fica instituída a bolsa

de qualificação profissional, a ser custeada pelo Fundo de Amparo ao

Trabalhador - FAT, à qual fará jus o trabalhador que estiver com o contrato de

trabalho suspenso em virtude de participação em curso ou programa de

qualificação profissional oferecido pelo empregador, em conformidade com o

disposto em convenção ou acordo coletivo celebrado para este fim.

Art. 2o-B. Em caráter excepcional e pelo prazo de seis meses, os

trabalhadores que estejam em situação de desemprego involuntário pelo

período compreendido entre doze e dezoito meses, ininterruptos, e que já

tenham sido beneficiados com o recebimento do Seguro-Desemprego, farão

jus a três parcelas do benefício, correspondente cada uma a R$ 100,00 (cem

reais).

§ 1o O período de doze a dezoito meses de que trata o caput será contado a

partir do recebimento da primeira parcela do Seguro-Desemprego.

§ 2o O benefício poderá estar integrado a ações de qualificação profissional e

articulado com ações de emprego a serem executadas nas localidades de

domicílio do beneficiado.

129

BRASIL. Lei Estadual nº 11.241/2002. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP, 19 set.

2002. 130

BRASIL. Medida Provisória nº 2.164-41. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasilía, DF,

24 ago. 2001.

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63

A única diferença substancial existente entre a legislação de 2001, acima referida, e o

Projeto de Lei em comento está na previsão do trabalhador ter assegurado o direito de receber

seguro desemprego por, no mínimo, 03 meses consecutivos,131

enquanto que a legislação atual

prevê o pagamento de cem reais em benefícios, caso o desempregado já tenha recebido o

seguro desemprego.

Outro detalhe é a previsão contida no art. 10 do Projeto de Lei, que insere especial

importância para o trabalhador demitido do setor sucroalcooleiro. A norma traz que o

trabalhador terá prioridade para ser assentado no Programa de Reforma Agrária e Crédito

Fundiário, provido pelo Governo Federal.132

No entanto, a efetividade dessa futura norma, caso aprovada, é muito distante.

Atualmente, como se conhece, a reforma agrária está sendo realizada mediante invasões de

terras pelos chamados ‗sem-terra,‘133

os quais acabam por forçar o Governo a desapropriar o

imóvel e redistribuí-lo mediante assentamentos.

Além disso, o referido Projeto de Lei prevê a criação de um fundo para a capacitação e

recolocação do trabalhador. A proposta de criação de fundo é sugestão de norma reproduzida

em outros projetos que tratam do assunto.

A legislação infraconstitucional não é a única que trata de questões do setor

sucroalcooleiro.

A colheita manual, cuja atividade laboral é criticada por organizações nacionais e

internacionais, face ao esforço físico e sujeição a problemas de saúde, comparada muitas

vezes ao trabalho escravo, levou os Congressistas a idealizar Proposta de Emenda

Constitucional para punir o trabalho escravo.

Pela redação da PEC – Proposta de Emenda Constitucional – nº 438/2001, a utilização

de mão-de-obra de trabalhador em condição análoga à de escravo acarretará ao proprietário do

imóvel rural ou urbano, de qualquer região do país, a perda da propriedade.

A referida proposta tem a seguinte redação:

Art. 243 As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde

forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de

trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a

programas de habitação popular – sem qualquer indenização ao proprietário e

sem prejuízo de outras sanções previstas em lei – observado – no que couber –

o disposto no art. 5º.

131

OTONI, Rubens. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.197/2007. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/internet/d deputado/dep_detalhe.asp?id=520351 >. Acesso em: 25 mar. 2010. 132

Op. Cit. 133

MST - MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Disponível em:

<http://www.mst.org.br/>. Acesso em: 25 mar. 2010.

Page 64: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

64

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em

decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração

do trabalho escravo será confiscado – e reverterá a um fundo especial com a

destinação específica – na forma da lei.134

A Emenda Constitucional de autoria do ex-senador Ademir Andrade135

foi aprovada

no Senado Federal em dois turnos, e agora se encontra na Câmara dos Deputados, onde, em

agosto de 2004, foi aprovada em primeiro turno. Desde então, a referida proposta aguarda

aprovação final, em segundo turno, para ser promulgada.

A natureza punitiva da comentada Emenda Constitucional sujeita os empresários à

perda dos seus bens, acaso não observem a legislação trabalhista, no que se refere às

condições de trabalho na lavoura canavieira.

São públicos os fatos da existência de más condições de trabalho e de situações

análogas às de escravo para os trabalhadores do corte de cana, sendo que as regiões principais

são: o Norte, com 46,8% das ocorrências; o Centro-Oeste, com 18,9%; e o Nordeste, com

17,9%. Nessas regiões se destacam os Estados de Goiás, Pará e Alagoas, respectivamente.136

Com a aprovação dessa Emenda Constitucional objetiva-se dar mais um passo em

direção à efetividade dos princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça social.

Todos esses Projetos de Lei e de Emenda Constitucional encontram-se nas comissões

permanentes da Câmara dos Deputados, sem data fixada para serem votados pelo Plenário

daquela casa.

Para o trabalhador, que é quem mais sofre com a atuação ilegal de alguns empresários

do setor sucroalcooleiro, não bastam normas de caráter preventivo e repressivo. Há

necessidade de dar amparo àqueles que enfrentaram as angústias do trabalho escravo. Nesse

sentido, pouca legislação existe, com raras disposições que tratam do assunto.

Dispõe a Lei 7.998/90:137

Art. 2o-C. O trabalhador que vier a ser identificado como submetido a

regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de

escravo, em decorrência de ação de fiscalização do Ministério do

Trabalho e Emprego, será dessa situação resgatado e terá direito à

percepção de três parcelas de seguro-desemprego no valor de um

salário mínimo cada, conforme o disposto no § 2o deste artigo.

134

BRASIL. Câmara dos Deputados. PEC- Proposta de Emenda Constitucional nº 438/2001. Disponível em:

<http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD12AGO2004.pdf#page=336>. Acesso em: 25 mar. 2010. 135

Op. Cit. 136

FOLHA ON LINE. Setor da cana lidera denúncias de trabalho escravo em 2008, aponta pesquisa.

Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u558087.shtml>. Acesso em: 25 mar. 2010. 137

BRASIL. Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.

Brasilía, DF, 11.01.1990.

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§ 1 O trabalhador resgatado nos termos do caput deste artigo será

encaminhado, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para

qualificação profissional e recolocação no mercado de trabalho, por

meio do Sistema Nacional de Emprego - SINE, na forma estabelecida

pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador -

CODEFAT. § 2 Caberá ao CODEFAT, por proposta do Ministro de Estado do

Trabalho e Emprego, estabelecer os procedimentos necessários ao

recebimento do benefício previsto no caput deste artigo, observados os

respectivos limites de comprometimento dos recursos do FAT, ficando

vedado ao mesmo trabalhador o recebimento do benefício, em

circunstâncias similares, nos doze meses seguintes à percepção da

última parcela.

Percebe-se que a legislação é muito incipiente quando se trata da reparação de dano

ao trabalhador. O Estado, ausente na proteção do trabalhador e deficitário na

distribuição de renda, viola os princípios constitucionais inerentes à dignidade da

pessoa humana e à justiça social. De sorte que cabe ao Governo a implementação de

políticas públicas mais eficazes na reparação dos danos suportados pelo trabalhador,

subjugado pelas necessidades primárias da subsistência.

2.3.2 Utilização do fogo

A Lei Federal nº 4.771/65, que instituiu o Código Florestal, já contemplava a

preocupação com a utilização do fogo nas áreas agropastoris, como podemos observar:138

Art. 27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação.

Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego

do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida

em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de

precaução.

Posteriormente, a Lei Federal nº 9.605/98, que prevê sanções penais e administrativas

derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente,139

também contemplou a restrição ao uso do

fogo:

Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:

Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a

um ano, e multa.

138

BRASIL. Lei Federal 4.771/65. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,

15.9.1965. 139

BRASIL. Lei Federal nº 9.605/98. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,

12.02.1998.

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66

Entretanto, o uso do fogo, no que tange à Lei Federal, não foi devidamente

regulamentado, ficando a critério do Poder Público, de forma regionalizada, normatizar o

método e as áreas admitidas à utilização desse tipo de recurso na atividade agropastoril.

2.3.3 Regulamentação do Uso do Fogo no Estado de São Paulo

O uso do fogo na zona rural veio a ser regulamentado no Estado de São Paulo por

meio da Lei Estadual nº 10.547, de 02 de maio de 2000.140

Dispõe o art. 2º da referida lei:

Artigo 2º - Observadas as normas e condições estabelecidas por esta lei, é

permitido o emprego do fogo em práticas agrícolas, pastoris ou florestais,

mediante o que passa, a partir de agora, a ser qualificado como Queima

Controlada.

Parágrafo único - Considera-se Queima Controlada o emprego do fogo como

fator de produção e manejo em atividades agrícolas, pastoris ou florestais e

para fins de pesquisa científica e tecnológica, em áreas com limites físicos

previamente definidos.141

Ao inserir a queima controlada, o legislador estadual teve a preocupação de dotar o

Poder Público de autorização para intervir no processo da queima, permitindo a este a

aplicação de condicionantes.

Artigo 14 - A Secretaria do Meio Ambiente poderá determinar a suspensão da

Queima Controlada da região ou Município, quando:

I - constatados risco de vida, danos ambientais ou condições meteorológicas

desfavoráveis;

II - a qualidade do ar atingir índices prejudiciais à saúde humana, constatados

por equipamentos e meios adequados, oficialmente reconhecidos e adotados

como parâmetros de qualidade do ar no Estado;

III - os níveis de fumaça, originados de Queima Controlada, atingirem limites

mínimos de visibilidade, comprometendo e colocando em risco as operações

aeronáuticas, rodoviárias e de outros meios de transporte.

Artigo 15 - A Autorização de Queima Controlada será suspensa ou cancelada

pela autoridade ambiental nos seguintes casos:

I - de risco de vida ou danos ao meio ambiente por alteração das condições

ambientais e/ou meteorológicas nos locais que receberam autorização para a

Queima Controlada;

II - de interesse e segurança pública;

III - de descumprimento das normas vigentes.142

140

BRASIL. Lei Estadual nº 10.547, de 02.05.2000. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP,

02.05.2000. 141

Op. cit. 142

Ibidem. 142

Ibidem.

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67

A utilização do fogo no manejo das atividades agropastoris sofreu restrições a partir

dessa lei, forçando os titulares que atuam no setor rural a estudar alternativas para a condução

das lavouras.

A preocupação com o meio ambiente, a saúde humana e a qualidade do ar, bem como

o interesse na segurança pública, serviram de razões à formulação da legislação estadual,

abrindo caminho para a extinção da permissão do uso do fogo como recurso ao

desenvolvimento das lavouras.

No caso específico da cultura canavieira, com regulamentação especial prevista no art.

16 da citada lei, a queima da palha da cana-de-açúcar recebeu condições específicas do

legislador, prevendo extinção do uso do fogo como método de colheita:143

Artigo 16 - O emprego do fogo como método despalhador e facilitador do

corte de cana-de-açúcar em áreas passíveis de mecanização da colheita, será

eliminado de forma gradativa, não podendo a redução ser inferior a um quarto

da área mecanizável de cada unidade agroindustrial ou propriedade não

vinculada à unidade agroindustrial, a cada período de 5 (cinco) anos, contados

da vigência desta lei.

§ 1º - Para os efeitos deste artigo, considera-se mecanizável a área na qual está

situada a lavoura de cana-de-açúcar, cuja declividade seja inferior a 12%.

§ 2º - O conceito de que trata o parágrafo anterior deverá ser revisto

periodicamente para adequar-se à evolução tecnológica na colheita de cana-

de-açúcar, oportunidade em que serão ponderados os efeitos sócio-

econômicos decorrentes da incorporação de novas áreas ao processo de

colheita mecanizada.

§ 3º - Uma vez estabelecido um novo conceito de área mecanizável, com

declividade não inferior ou maior de 12% (doze por cento), as novas áreas

incorporadas ao conceito de áreas passíveis de mecanização de colheita, nos

termos do parágrafo anterior, terão a redução gradativa do emprego do fogo

como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar, conforme

o "caput" deste artigo, contada a partir da publicação de regulamento,

definindo o novo conceito de área mecanizável.

§ 4º - As lavouras de até 150 (cento e cinqüenta) hectares, fundadas em cada

propriedade, não estarão sujeitas à redução gradativa do emprego do fogo de

que trata este artigo.

Não passou despercebida ao legislador a questão que envolve o reflexo das imposições

da Lei Estadual nº 10.547/2000. As limitações ao uso do fogo, mesmo se tratando de queima

controlada, mas com objetivo da sua extinção, por certo acarretará reflexos sociais.

Nesse sentido, a própria lei que prevê a extinção gradativa da queima da palha de cana

também ponderou, no art. 23 das disposições transitórias, o reflexo social dessa medida.

Vejamos:144

143

BRASIL. Lei Estadual nº 10.547, de 02.05.2000. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP,

02.05.2000. 144

Op. cit.

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68

A partir de 9 de julho de 2002, serão constituídos comitês municipais, com

caráter consultivo, que contarão com a participação de representantes do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais, do Sindicato dos Trabalhadores na Área

de Alimentos, do Sindicato Rural Patronal da Administração Municipal, do

Escritório Regional da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, da

Secretaria do Meio Ambiente e da Câmara do Setor Sucroalcooleiro, com a

finalidade de estudar os aspectos econômicos, ambientais e tecnológicos, com

vistas à eliminação das queimadas.

A visão do legislador levava a examinar as conseqüências que a extinção da queimada

produziria no campo em relação à contratação de mão-de-obra.

Com a restrição imposta ao uso do fogo e a extinção da queimada, inevitavelmente a

colheita passaria a ser mecanizada, resultando na redução de mão-de-obra, com consequente

dispensa de trabalhadores.

A introdução da colheita mecanizada, mesmo que de início se apresente com

necessidade de alto investimento na aquisição de colheitadeiras, mostra-se apropriada do

ponto de vista da proteção ambiental, sem poluição do ar, e da melhor qualidade de vida nas

atividades do campo, não sendo, também, causa de doenças respiratórias.145

Mesmo considerando que as normas previstas no referido art. 16 da Lei nº

10.547/2000 mais tarde seriam revogadas pela Lei Estadual nº11. 241, de 19 de Setembro de

2002, percebe-se que o legislador estadual procurou harmonizar a necessidade do resguardo

ambiental e da saúde humana ao do setor sucroalcooleiro, estipulando a extinção do uso do

fogo de forma gradativa.

2.4 METAS PARA A ELIMINAÇÃO DA QUEIMA DA PALHA DA CANA-DE-AÇÚCAR

O legislador paulista, mediante a edição da Lei Estadual nº 11.241, de 19 de setembro

de 2002,146

regulamentou, de forma mais incisiva, a extinção da queima da palha da cana-de-

açúcar, dispondo a sua extinção de forma gradativa, de modo a diminuir o impacto social

resultante da determinação legal.

A lei estadual regulamentadora, ora citada, foi disposta conforme demonstrado na

ilustração a seguir:

145

SOCIEDADE PAULISTA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. Queima da cana-de-açúcar é responsável

por doenças respiratórias em crianças e idosos. Disponível em:

<http://www.sppt.org.br/v2/noticia_completa.php?id_noticia=108>. Acesso em: 23 fev. 2010. 146

BRASIL. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Lei Estadual nº 11.241/2002. Disponível em:

<http://www.iea.sp.gov.br/out/bioenergia/legislacao/2002_Lei_Est_11241.pdf >. Acesso em: 18 fev. 2010.

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69

ILUSTRAÇÃO 7. Cronograma de eliminação da queima da palha. Fonte: Lei 11.241/2009 – Governo de São

Paulo.

§ 1º - Para os efeitos desta lei consideram-se:

1 - áreas mecanizáveis: as plantações em terrenos acima de 150 ha (cento e

cinquenta hectares), com declividade igual ou inferior a 12% (doze por cento),

em solos com estruturas que permitam a adoção de técnicas usuais de

mecanização da atividade de corte de cana;

2 - áreas não mecanizáveis: as plantações em terrenos com declividade

superior a 12% (doze por cento), em demais áreas com estrutura de solo que

inviabilizem a adoção de técnicas usuais de mecanização da atividade de corte

de cana.

§ 2º - Aplica-se o disposto neste artigo às áreas de cada imóvel rural,

independentemente de estar vinculado à unidade agroindustrial.

§ 3º - As áreas cultivadas em que se deixar de empregar o fogo poderão ser

substituídas por outras áreas cultivadas pelo mesmo fornecedor ou pela mesma

unidade agroindustrial, desde que respeitado o percentual estabelecido no

"caput" deste artigo.

A safra de 2010/2011, isto é, a vindoura, será obrigada a ter 50% da área colhida sem a

utilização do fogo, não se permitindo a queima da palha.

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Deve-se salientar que esse índice de 50% refere-se a áreas mecanizáveis, não se

incluindo as áreas abaixo de 150 hectares e aquelas que possuem acima de 12% de

declividade, conforme explicitado na Lei nº 11.241/2002, acima referida.

Consequentemente, verificamos que toda a área do cultivo da cana-de-açúcar do

Estado de São Paulo, ao final do prazo, terá colheita mecanizada.

De igual modo, como previsto na Lei nº 10.547/2000,147

a Lei nº 11.241/2002148

tratou

de criar mecanismos voltados à proteção social, com vistas a minimizar o desemprego na

colheita da cana-de-açúcar diante da introdução da colheita mecanizada. Alia-se a isso o fato

de que a inexistência de queima da palha da cana-de-açúcar expõe o trabalhador à ação de

animais peçonhentos, com riscos a sua integridade física.

Desta forma, o legislador criou para o Poder Público a obrigação de realocar a mão-

de-obra excedente por causa da mecanização da colheita, como se verifica no art. 10 da Lei

11.241/2002:149

Artigo 10 - O Poder Executivo, com a participação e colaboração dos

Municípios onde se localizam as agroindústrias canavieiras e dos sindicatos

rurais, criará programas visando:

I - à requalificação profissional dos trabalhadores, desenvolvida de forma

conjunta com os respectivos sindicatos das categorias envolvidas, em estreita

parceria de metas e custos;

II - à apresentação de alternativas aos impactos sócio-político-econômicos e

culturais decorrentes da eliminação da queima da palha da cana-de-açúcar;

III - ao desenvolvimento de novos equipamentos que não impliquem dispensa

de elevado número de trabalhadores para a colheita da cana-de-açúcar.

A realocação da mão-de-obra dispensada por causa da mecanização da colheita

constitui-se no principal desafio do Poder Público, considerando o grande número de

trabalhadores empregados na cultura canavieira.150

O Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretarias do Meio Ambiente e da

Secretaria da Agricultura, assinou protocolo de cooperação com a União da Agroindústria

Canavieira de São Paulo,151

visando solidificar as metas de extinção de queimadas na colheita

da cana-de-açúcar previstas na Lei nº 11.241/2002.

Esse protocolo adotou as seguintes ―diretivas técnicas‖:152

147

BRASIL. Lei Estadual nº 10.547, de 02.05.2000. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP,

02.05.2000. 148

BRASIL. Lei Estadual nº 11.241/2002. Diário Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, SP, 14.6.2002. 149

Op. cit. 150

JORNALCANA. Ação Social e Meio Ambiente. Ribeirão Preto. 2009. Fevereiro. Série 2. Nº 182. p. 50. 151

PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO ENTRE O ESTADO DE SÃO PAULO E A ÚNICA – União da

Agroindústria Canavieira de São Paulo. Disponível em:< http://www.unica.com.br>acesso em: 18 fev. 2010. 152

Idem

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71

I. Os produtores e as indústrias de cana-de-açúcar que aderirem ao

Protocolo deverão:

a. Antecipar, nos terrenos com declividade até 12%, o prazo final para a

eliminação da queimada da cana-de-açúcar, de 2021 para 2014, adiantando o

percentual de cana não queimada, em 2010, de 50% para 70%.

b. Antecipar, nos terrenos com declividade acima de 12%, o prazo para a

eliminação da queimada da cana-de-açúcar, de 2031 para 2017, adiantando o

percentual da cana não queimada, em 2010, de 10% para 30%.

c. Não utilizar a prática da queima da cana-de-açúcar para fins de

colheita nas áreas de expansão canaviais.

d. Adotar ações para que não ocorra a queima, a céu aberto, do bagaço

de cana, ou de qualquer outro subproduto da cana-de-açúcar.

O referido protocolo, segundo a ÚNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar,153

teve adesão de mais de 85% das indústrias do Estado de São Paulo, com firme demonstração

da consciência da preservação do meio ambiente e da proteção da saúde humana.

Ressalta-se que faltou ao Governo e às Indústrias compromisso com o reflexo social

da mecanização, conforme está previsto na Lei 11.241/2002,154

pois o desemprego

comprometerá inúmeras famílias e a realocação da mão-de-obra é questão que cerca de

responsabilidade tanto as empresas do setor sucroalcooleiro como o Governo.

2.5 MÃO-DE-OBRA NO SETOR SUCROALCOOLEIRO

Desde o período colonial, o Brasil tem na cana-de-açúcar importante produto

agropecuário. O lucro auferido desse produto passa necessariamente por grande utilização de

mão-de-obra.

Atualmente, informações estatísticas dão conta de que o setor sucroalcooleiro emprega

cerca de 1.000.000 de trabalhadores diretos e indiretos.155

Se, de um lado, o setor é altamente empregatício, de outro, a mão-de-obra não conta

com condições satisfatórias em termos de sua utilização.

Nas últimas cinco décadas, a produtividade por trabalhador aumentou

significativamente, saltando de três toneladas/dia, em 1950, para 12 toneladas diárias nos

tempos atuais.156

153

ÚNICA – União da Agroindústria Canavieira de São Paulo. Disponível em:<

http://www.unica.com.br/>acesso em:18 fev. 2010. 154

BRASIL. Lei Estadual nº 11.241/2002. Diário Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, SP, 14.6.2002. 155

BANCO de dados de biomassa no Brasil. Cana-de-açúcar no Brasil. Disponível em:

<http://infoener.iee.usp.br/scripts/biomassa/br_cana.asp>. Acesso em: 08 mar. 2010. 156

NAVARRO, Vera Lúcia; ROSA, Leandro Amorim. Perfil dos cortadores de cana da Região de Ribeirão

Preto. UNESP. Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Novembro. 2008. Disponível em:

<http://www.pastoraldomigrante.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=685:perfil-dos-

cortadores-de-cana-da-regiao-de-ribeirao-preto&catid=39:artigos&Itemid=78>. Acesso em: 06 mar. 2010.

Page 72: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

72

O salto de produção por trabalhador não decorreu de inovações tecnológicas ou

equipamentos auxiliares no corte de cana. Na verdade, o fator preponderante nesse aumento

deu-se em razão da diminuição gradativa do preço por tonelada colhida.

Em 1950, a tonelada colhida era de R$ 9,00 e, em 2005, por volta de R$ 2,50,

exigindo maior desforço físico do trabalhador para alcançar um resultado econômico capaz de

equilibrar seu orçamento de subsistência.157

Esse maior esforço físico teve consequências que levaram o trabalhador à exposição a

doenças, especialmente a respiratória, aliada à ausência de acomodações para descanso,

refeição e condição sanitária.

Outro elemento, segundo Navarro,158

é a utilização dos equipamentos de proteção

individual, os chamados EPI‘s, que muitas vezes não são utilizados pelos trabalhadores, ora

por conta dos tamanhos e medidas impróprias dos equipamentos, ora por vontade do próprio

trabalhador, que visa aumentar a produtividade, dispensando-os.

O autor acrescenta que as dificuldades dos trabalhadores do corte de cana aumentam

quando dívidas são contraídas perante ‗gatos‘ (denominação que se dá às pessoas

encarregadas da contratação de trabalhadores) por causa de despesas de viagens ou mesmo de

aquisição de gêneros de primeira necessidade humana. Controlados por esses ‗gatos‘, os

trabalhadores submetem-se a trabalho que muitas vezes superam as condições de suas

próprias forças, em visível semelhança com o trabalho escravo.

É assim que afirma Navarro,159

citando Silva:

A imobilização da força de trabalho correspondente à servidão por dívidas,

contraída com os ―gatos‖, desde o momento de partida dos locais de origem.

A dívida do trabalhador acaba sendo o elo da corrente que o aprisiona, que o

escraviza. Impossibilitado de saldá-la, em razão dos baixos salários recebidos

e da parte destinada aos ―gatos‖, o trabalhador é submetido a coações físicas,

que, às vezes, podem levá-lo à morte, além das coações morais.

Essa rotina exaustiva a que são submetidos os trabalhadores do corte de cana tem

reduzido sua expectativa de vida.

157

NAVARRO, Vera Lúcia; ROSA, Leandro Amorim. Perfil dos cortadores de cana da Região de Ribeirão

Preto. UNESP. Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Novembro. 2008. Disponível em:

<http://www.pastoraldomigrante.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=685:perfil-dos-

cortadores-de-cana-da-regiao-de-ribeirao-preto&catid=39:artigos&Itemid=78>. Acesso em: 06 mar. 2010. 158

Op. cit. 159

SILVA, M.A.M. Trabalho e trabalhadores na região do “Mar de Cana e do Rio de Álcool‖. Agrária, São

Paulo, n. 2, 2005, p. 39.

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73

Estudos realizados pela pesquisadora da UNESP – Universidade Estadual Paulista,

Maria Aparecida de Moraes Silva,160

citados por Zafalon,161

demonstram que o trabalhador

exerce sua atividade no corte de cana por aproximadamente 12 anos na década atual, sendo

que, entre 1990 a 2000, esse tempo era de 15 anos.

A exigência de uma produção maior caracteriza o fator fundamental dessa redução das

atividades laborais, uma vez que o trabalhador, não raro, contrai problemas de coluna,

tendinite, câimbras, dentre outros, conforme afirma também Silva.

Segundo o historiador Gorender, também mencionado por Zafalon,162

nos tempos da

escravidão o trabalho dos escravos na agricultura era de 10 a 12 anos, e, a partir da abolição

dos escravos, a permanência dos trabalhadores na agricultura subiu para 15 a 20 anos.

De acordo com a campanha realizada pela Pastoral da Terra em 2008, dos 2.553

trabalhadores que enfrentavam a condição de trabalho escravo e que foram resgatados, 49%

estavam no setor sucroalcooleiro, principalmente nos Estados do Pará, Maranhão, Mato

Grosso e Tocantins.163

Considerando a crescente demanda pelo álcool decorrente da nova política adotada

pelo Governo, com exportação do produto e maior consumo interno, dado o aumento da frota

de veículos, conforme exposto anteriormente, a expansão canavieira necessita de mais mão-

de-obra.

Entretanto, a mão-de-obra teve uma grande transformação. A demanda deixa de ser

aquela encontrada no campo, onde o trabalhador não necessitava de conhecimentos técnicos,

utilizando somente sua força física, para um conhecimento mais aprimorado de mão-de-obra.

A crescente mecanização da lavoura, que no Estado de São Paulo chega a ser de mais

de 53%,164

provoca uma constante demanda por trabalhadores aptos a operar colheitadeiras de

última geração e modernos equipamentos que necessitam de mão-de-obra qualificada.

160

ZEFALON, Mauro. Cortadores de cana tem vida útil de escravo em São Paulo. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2904200702.htm>. Acesso em: 06 mar. 2010. 161

Op. cit. 162

Ibidem. 163

DOMINGUES, Juliano. Rádio Agência. Setor Sucroalcooleiro emprega quase 50% da mão-de-obra escrava.

Disponível em: <http://direitopraquem.blogspot.com/2009/07/setor-sucroalcooleiro-emprega-quase-50.html>.

Acesso em: 05 mar. 2010. 164

BATISTA, Fabiana. Força Sindical. Colheita mecanizada de cana cobrirá 60% do total em São Paulo. São

Paulo. Fevereiro. 2010. Disponível em:

http://www.fsindical.org.br/fs/index.php?option=com_content&task=view&id=7580&Itemid=105. Acesso em:

09 mar. 2010.

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74

Dessa qualificação, que aos poucos vem sendo realizada pelas próprias indústrias da

cana, com apoio de órgãos do Governo, têm sido aproveitados somente aqueles trabalhadores

dotados de instrução escolar mínima.165

Em consequência da mecanização haverá uma redução de cerca de 400 mil

trabalhadores no campo até 2018, segundo Salibe, da UDOP – União dos Produtores de

Bioenergia.166

Em recente levantamento realizado pela CONTAG – Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura,167

junto ao Ministério do Trabalho, estima-se em 43% a

redução dos postos de trabalho na agricultura, considerando o período de 2007 e 2008, sendo

que o setor sucroalcooleiro é o que mais emprega.

Mesmo com o aumento da produção de açúcar e etanol, o setor sucroalcooleiro não

prevê novas admissões, pois tende a qualificar e capacitar os selecionados do próprio quadro

de pessoal.

Em sua grande maioria, o pessoal do corte de cana não possui sequer condições de

entender as instruções dos manuais das novas máquinas, comenta Shintaku, Presidente do

Sindicato Rural de Marília.168

A falta de instrução não atinge somente o cortador de cana, atinge também o operador

das máquinas e dos processos industriais, segundo Bosshard, Presidente do Grupo de Estudos

em Recursos Humanos da Agricultura.169

A mecanização passa a ocupar o trabalhador extremamente técnico, capacitado para a

operacionalização. Mesmo com as indústrias ofertando treinamento no momento da venda das

colheitadeiras, o número de trabalhadores qualificados e em capacitação é muito reduzido.170

A expectativa é que haja forte demanda para os próximos anos, em razão da exigência

legal da extinção da queima da palha e mecanização completa das áreas de cultivo da cana-de-

açúcar, conforme já mencionado.

Entretanto, enquanto a completa mecanização não chega, as condições do trabalhador

do corte de cana continuam precárias.

165

UNICA – União das Indústrias de Cana-de-açúcar. São Paulo. Fevereiro. 2010. Disponível em:

<http://www.unica.com.br/>. Acesso em: 04 mar. 2010. 166

SALIBE, Antonio Sérgio. Falta de mão-de-obra nas usinas. Disponível em:

<http://www.protefer.com/noticias.php?ver=619>. Acesso em: 05 mar. 2010. 167

SETOR CANAVIEIRO REDUZIU 56% OS POSTOS DE TRABALHO. Disponível em:

<http://www.camponews.com.br/noticia.asp?codigo=9241>. Acesso em: 05 mar. 2010. 168

Op. cit. 169

SETOR SUCROALCOOLEIRO APONTA FALTA DE MÃO-DE-OBRA ESPECIALIZADA. Disponível

em: <http://www.noticiasagricolas.com.br/noticias.php?id=50233>. Acesso em: 05 mar. 2010. 170

Op. cit.

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75

A atuação da fiscalização do Ministério do Trabalho tem sido constante e, em várias

oportunidades, encontram trabalhadores em condições subumanas, sem local para descanso e

sem as condições mínimas de higiene.

Há, inclusive, empregadores que procuram acordar com sindicatos pela redução de

direitos trabalhistas, o que tem levado o Ministério Público a ingressar com ações civis

públicas para reverter a situação em benefício dos trabalhadores, conforme Camargo.171

Outro dado é que empresas ―laranja‖ passam a atuar na contratação de trabalhadores

para o corte de cana. Essas contratações têm sido constantemente barradas pela fiscalização

do Ministério do Trabalho, que identifica a ação como uma tentativa de burlar a lei

trabalhista.

Na verdade, esse trabalho terceirizado de contratação de trabalhadores tem ligação

direta com as Usinas, que acabam pagando todas as despesas dos trabalhadores, procurando

evitar, a todo custo, vínculo com os mesmos.

A FERAESP - Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São

Paulo firmou acordo com a ÚNICA na tentativa de convencionar entre os empregadores a

contratação direta para o trabalho, dispensando o trabalho terceirizado. Camargo172

expõe essa

questão.

Entretanto, fica a ressalva que, nos demais Estados da Federação, especialmente Mato

Grosso, Pará e Maranhão, o investimento em tecnologia do corte de cana ainda caminha a

passos lentos, pois muitas usinas ainda se recuperam da crise provocada pela instabilidade

internacional ocorrida em meados de 2008. Já no ano de 2009, em função de maiores

exportações do etanol e açúcar, o setor começa a se estabilizar.

Nesse diapasão, o trabalho manual do corte da cana-de-açúcar prossegue, estimando-

se que vários anos ainda seguirão nessa rotina, submetendo-se os trabalhadores a condições

abaixo do mínimo do ponto de vista da qualidade de vida, pela falta de legislação impositiva

de banimento da atividade manual do corte da cana e também pela pouca ou nenhuma ação

concreta dos representantes dos trabalhadores.

A agressão à dignidade da pessoa humana, presente no trabalho realizado em

condições precárias nos referidos Estados do Brasil, põe em xeque a competência das

autoridades governamentais em dar efetividade aos fundamentos constitucionais que

asseguram os direitos fundamentais.

171

CAMARGO, Beatriz. Apesar do sucesso da cana, trabalhador continua na mesma. Disponível em:

<http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=583>. Acesso em: 05 mar. 2010. 172

Op. cit.

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76

O mercado econômico, na questão ora posta, não cumpre a sua função social de

combater a desigualdade social e valorizar o trabalho humano e, atuando de modo contrário,

gera classes sociais de trabalhadores desamparados, a mercê da própria sorte.

A situação somente diverge quando relacionada ao Estado de São Paulo, adiantado na

resolução desse fator social, movido pela legislação forte na extinção do corte manual, que é

de interesse do Governo local, e uma preocupação das entidades representativas dos

empresários usineiros.

A adoção de programas de realocação de mão-de-obra, com a qualificação e

capacitação do trabalhador, tem sido o diferencial da política que o setor adota para os

trabalhadores da cana-de-açúcar, possibilitando mitigar o impacto social negativo que se

aproxima com a introdução da colheita mecanizada.

2.5.1 Reflexo da Mecanização da Colheita da Cana-de-Açúcar no Estado de São Paulo

O protocolo de cooperação firmado entre o Governo do Estado de São Paulo e a

ÚNICA, reduzindo o prazo da total mecanização da colheita da cana-de-açúcar em 100% da

área colhida até 2014,173

surtirá reflexos negativos no aspecto social.

Considerando que o Estado de São Paulo emprega cerca de 180 mil trabalhadores na

lavoura canavieira,174

o impacto social negativo será de grande monta, uma vez que quase a

totalidade desses trabalhadores ficará sem ocupação.

Essa desocupação decorre basicamente da ausência de qualificação de mão-de-obra

dos trabalhadores do corte de cana, que, com baixo grau de estudo, não encontram realocação

no mercado de trabalho com facilidade.175

Sem emprego, esses trabalhadores passarão a integrar a massa dos brasileiros que não

possuem renda para atender a suas necessidades básicas, contribuindo para o crescimento da

desigualdade social.

A intervenção dos empregadores e do Governo é necessária e urgente, buscando

alternativas que visem capacitar esses trabalhadores para enfrentarem o mercado de trabalho

em outra atividade laborativa.

173

PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO ENTRE O ESTADO DE SÃO PAULO E A ÚNICA – União da

Agroindústria Canavieira de São Paulo. Disponível em: < http://www.unica.com.br>. Acesso em: 18 fev. 2010. 174

UNICA – União da Indústria de Cana de Açúcar. Notícias. Disponível em:

<http://www.unica.com.br/noticias/show.asp?nwsCode=%7B1F36390D-815D-4023-8A55-

74C5C89A723C%7D>. Acesso em: 20 fev.2010. 175

Idem.

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77

2.6 SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

No final do ano de 1998, o Poder Executivo publicou a Medida Provisória nº 1.726,

datada de 03.11.98, alterando a CLT- Consolidação das Leis do Trabalho,176

e incluindo o art.

476-A ao citado código trabalhista, abrindo possibilidade de suspensão do contrato de

trabalho pelo período de dois a cinco meses, para a participação do empregado em curso ou

programa de qualificação profissional, oferecido pelo empregador. Dispõe o citado artigo:

O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco

meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação

profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão

contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e

aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta

Consolidação.177

A referida Medida Provisória foi reeditada 39 vezes, recebendo por último o nº 2.164-

41, de 24.08.2001,178

que permanece até hoje, com força de lei.

A norma editada pelo Governo tinha como escopo preparar o trabalhador para o

mercado de trabalho, visto que a inclusão de trabalhadores com pouca instrução escolar não é

do contento das empresas dispostas a contratar empregados.

A crescente concorrência no mercado de trabalho entre trabalhadores que detêm

graduação escolar e os que não possuem tal formação acaba por propiciar o surgimento de

classes sociais menos favorecidas, com dificuldades até mesmo para satisfazer suas

necessidades básicas de subsistência.

Mesmo tendo que atender a vários critérios para se beneficiar da nova norma

trabalhista, a novidade trouxe abertura para que as empresas possam realizar o aproveitamento

dos empregados dispostos a permanecer nas mesmas.

A participação do empregado em curso de qualificação não só beneficia a empresa,

que aproveita a mão-de-obra, como também o empregado, que adquire maiores

conhecimentos e qualificações técnicas, aumentando as chances de reocupação em ambientes

de trabalho melhores, com ganhos salariais por certo mais elevados, refletindo positivamente

em sua condição social.

A visão social do Governo talvez não tenha surtido o efeito esperado, sendo que não

há registros estatísticos dando conta do aproveitamento satisfatório dessa nova norma

176

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 maio

1943. 177

Op. cit. 178

BRASIL. MP 2164-41. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 24 ago. 2001.

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78

trabalhista. Entretanto, a iniciativa governamental tem campo de exploração para o qual as

empresas ainda não atentaram, cujos benefícios sociais e econômicos advirão se forem bem

aplicados os conceitos que a nova legislação formulou.

2.6.1 Critérios para a Suspensão do Contrato de Trabalho

A Medida Provisória nº 2.161-41 trouxe em seu bojo exigências para que o empresário

possa adotar o mecanismo da suspensão do contrato de trabalho.

Como mencionado acima no caput do art. 476-A, inovando a CLT – Consolidação das

Leis do Trabalho, a disposição legal traz em si condições para sua aplicabilidade.

O prazo de suspensão do contrato de trabalho, que se dará pelo período de dois a cinco

meses, condiz com a extensão do período em que as empresas costumam dar férias coletivas

aos seus empregados, especialmente nos momentos de crise financeira da própria empresa ou

de turbulências econômicas do País, como em épocas da nossa economia, onde os índices de

inflação disparavam e a recessão provocava menos consumo com reflexos no número de

empregos ofertados.

A participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional

oferecido pelo empregador é outra condição exposta no art. 476-A, em comento.

A norma não permite que o empregador suspenda o contrato de trabalho com o

empregado sem lhe ofertar curso de qualificação, pelo mesmo período da suspensão do

contrato. A utilização desse mecanismo tem mais um fim social que financeiro, e seu objetivo

é preparar o empregado para ocupar cargos ou funções melhores, possibilitando seu

crescimento social e profissional.

Outro requisito legal é a necessidade da suspensão do contrato de trabalho estar

prevista em convenção ou acordo coletivo de trabalho. A participação dos Sindicatos dos

Trabalhadores tem a finalidade de resguardar os direitos dos empregados, não os deixando a

mercê dos interesses do empregador, protegendo os empregados de iniciativas que possam

contrariar as normas e critérios que fundamentam o dispositivo legal trabalhista.

A previsão em acordo coletivo ou convenção dá ao Sindicato e ao trabalhador

garantias do cumprimento integral das condições e benefícios advindos da aplicação desse

mecanismo de aperfeiçoamento profissional.

Também, e não poderia ser diferente, a concordância do empregado é condição

essencial para a efetivação do programa. Não se pode implementar o programa de

qualificação se o interessado, no caso o empregado, por qualquer razão, não estiver de acordo.

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79

a) Exigências do Parágrafo 1º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho

A aplicação do programa de qualificação deve observar ainda os requisitos do § 1º do

art. 476-A, que assim dispõe: ― Após a autorização concedida por intermédio de convenção ou

acordo coletivo, o empregador deverá notificar o respectivo sindicato, com antecedência mínima de

quinze dias da suspensão contratual.‖

Porém, havendo previsão legal na convenção ou acordo coletivo de trabalho, o

empregador está autorizado a implementar o programa da suspensão do contrato de trabalho.

Entretanto, feito isso, a notificação ao respectivo sindicato é obrigatória, devendo ocorrer com

antecedência de quinze dias.

Note-se que a lei faz referência à notificação e não à autorização, posto que esta já

esteja prevista na convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Esse período de antecipação à implementação do programa possibilita que o Sindicato

averigúe as condições em que o programa será efetivado, tais como o curso a ser ofertado ao

trabalhador, as condições de ensino e aprendizagem, a conveniência profissional e a liberdade

de escolha, além da adesão do empregado.

b) Exigências do Parágrafo 2º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho

O § 2º do art. 476-A estipula como condição que a suspensão do contrato de trabalho

não ocorra mais de uma vez num período de dezesseis meses.

O contrato de trabalho não poderá ser suspenso em conformidade com o disposto no

caput deste artigo mais de uma vez no período de dezesseis meses.

Entende-se que a exigência é necessária para que o empregado possa por em prática os

conhecimentos adquiridos no curso anterior.

Pelo menos num prazo de um ano, ou mais, o empregado teria oportunidade de exercer

suas novas habilidades, pois seriam ineficazes treinamento e capacitação se não utilizados em

serviço.

Ademais, a repetição do mecanismo de suspensão do contrato de trabalho em período

muito curto abriria precedentes que desvirtuariam o programa, possibilitando ao empregador

fazer jus aos benefícios legais sem, no entanto, por em prática o resultado do programa que,

ao final, é a ascensão do trabalhador.

c) Exigências do Parágrafo 3º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho

A participação do empregado no programa de capacitação traz benefícios tanto ao

empregado quanto ao empregador.

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80

A inserção do trabalhador nesse programa ainda resulta em custos ao empregado, não

obstante a suspensão do contrato de trabalho. Mesmo com o contrato de trabalho suspenso, o

vínculo empregatício permanece e as necessidades pessoais do empregado continuam a

existir. Desta forma, é razoável e necessário que o empregador promova uma forma de

compensação a essa iniciativa do empregado em aderir ao programa de qualificação.

Esta é a preocupação do legislador ao dispor:

O empregador poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal,

sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual nos termos do

caput deste artigo, com valor a ser definido em convenção ou acordo

coletivo.179

Ressalte-se que, quando o legislador utiliza a expressão ‗poderá conceder ao

empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial,‘ entende-se, na verdade, que a

norma deve ser interpretada como obrigatória, sendo que a expressão ‗poderá‘ tem o sentido

impositivo do termo ‗deverá‘. A lógica não permite a interpretação de que o benefício seja

concedido apenas ao empregador, que terá o contrato de trabalho com o empregado suspenso,

sem a liquidação das verbas salariais e indenizatórias, e ainda não tenha obrigação de arcar

com o mínimo de contribuição para dar condições ao empregado de aderir ao programa de

qualificação.

Não destoa da realidade o fato de que o empregado ganha somente o suficiente para

sua manutenção familiar. No período da suspensão do contrato de trabalho, sem renda mensal,

exceto o seguro-desemprego, por certo não dará a ele condições de arcar com as despesas

pessoais e familiares, acabando esses fatores por interferir na adesão do empregado ao

programa de qualificação.

É necessário equalizar benefícios e obrigações de empregador e empregado. Se, de um

lado, o empregador tem suspensas as obrigações trabalhistas, inclusive com isenção da ‗ajuda

compensatória mensal‘ da condição de natureza salarial, de outro, o empregado deve

frequentar, com aproveitamento, curso ou programa de qualificação, fazendo jus à

compensação financeira prevista na convenção ou no acordo coletivo pelo tempo da duração

do programa ou do curso de capacitação.

179

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 maio

1943.

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d) Exigências do Parágrafo 4º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho

A disposição do § 4º do art. 476-A tem a função de estímulo ao empregado. A

disponibilidade ao empregado, durante a suspensão do contrato de trabalho, dos benefícios

sociais já existentes, contribui para sua adesão ao programa de qualificação.

Essa foi a intenção do legislador ao dispor: ―Durante o período de suspensão contratual

para participação em curso ou programa de qualificação profissional, o empregado fará jus aos

benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador‖.180

Deve-se observar que esse benefício não é faculdade do empregador, e sim direito do

empregado.

e) Exigências do Parágrafo 5º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho

O teor do parágrafo 5º do art. 476-A deixa clara sua natureza sancionatória.

Como não poderia ser diferente, o legislador, ao fixar condições favoráveis tanto ao

empregador como ao empregado para a adesão ao programa de qualificação, atentamente

positivou penalidades quando da utilização irregular da benesse legal.

Consta do texto legal:

Se ocorrer a dispensa do empregado no transcurso do período de suspensão

contratual ou nos três meses subseqüentes ao seu retorno ao trabalho, o

empregador pagará ao empregado, além das parcelas indenizatórias previstas

na legislação em vigor, multa a ser estabelecida em convenção ou acordo

coletivo, sendo de, no mínimo, cem por cento sobre o valor da última

remuneração mensal anterior à suspensão do contrato.181

Percebe-se que a penalidade prevista inibe a dispensa do empregado, seja no período

da realização do curso ou da qualificação, ou mesmo nos três meses após seu retorno ao

trabalho.

A norma sancionatória reforça o objetivo de evitar a dispensa do empregado. De

início, a previsão legal tem por base ofertar ao empregador e ao empregado benefícios

econômicos, a exemplo da previsão legal da ajuda compensatória sem natureza salarial, com

exclusão do empregado da folha de pagamento.

Ao empregado, o direito de perceber a referida ajuda financeira, benefícios sociais já

existentes, a permanência do vínculo empregatício e a qualificação profissional.

A par desses benefícios legais, recai a obrigação de não dispensar o empregado.

180

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 maio

1943. 181

Op. cit.

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82

A dispensa do empregado, acaso não houvesse a vedação legal e a possibilidade de

sanção ao empregador, poderia ser utilizada como mecanismo de vantagem ilegal ao

empregador, pois, no período de suspensão do contrato de trabalho do empregado, a empresa

teria a seu favor um tempo sem recolher as verbas devidas, sejam salariais, indenizatórias ou

fiscais, além do fato de que o objetivo do programa estaria comprometido e fracassado.

A permanência do empregado por, no mínimo, três meses após a qualificação se

apresenta como período de experiência, possibilitando ao empregador averiguar as novas

habilidades do empregado, e, a este, oportunidade de demonstrá-las em serviço.

A previsão do pagamento das ‗parcelas indenizatórias previstas na legislação em

vigor‘ surge um tanto redundante, pois que se trata de obrigação decorrente do contrato de

emprego.

O que surge de novidade é a obrigação de indenizar, a título de multa, o valor

correspondente a cem por cento da última remuneração do empregado, observando-se que

essa obrigação deve constar obrigatoriamente em convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Nota-se que não havia necessidade do legislador dizer que o valor da multa é referente

à última remuneração mensal do empregado, anterior à suspensão do contrato, uma vez que

no período da suspensão do contrato de trabalho não existe remuneração e sim ajuda

compensatória.

Examinada a questão por outro prisma, no tocante à remuneração do empregado após

o período da qualificação, e ocorrendo a demissão, o parâmetro da multa mostra-se

equivocado, pois colide com a finalidade do programa, que pressupõe que o empregado, após

a qualificação ou capacitação, estará ocupando melhor cargo, com melhor remuneração.

Dessa forma, a base do valor da multa convencionada, originada na demissão do

empregado após o curso de capacitação, há de corresponder a sua remuneração atual, sendo

esta superior à ultima remuneração anterior à qualificação.

f) Exigências do Parágrafo 6º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho

A redação do § 6º do art. 476-A acrescenta punições ao empregador, ao dispor:

Se durante a suspensão do contrato não for ministrado o curso ou programa de

qualificação profissional, ou o empregado permanecer trabalhando para o

empregador, ficará descaracterizada a suspensão, sujeitando o empregador ao

pagamento imediato dos salários e dos encargos sociais referentes ao período,

às penalidades cabíveis previstas na legislação em vigor, bem como às sanções

previstas em convenção ou acordo coletivo.182

182

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 maio

1943.

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Nesse ponto, a efetiva burla ao programa passa pela conivência do empregado. Não

pode haver simulação sem que o empregado, maior interessado, assinta com esse propósito.

A ausência da realização da capacitação por si é suficiente para a descaracterização do

programa. O acréscimo do fato do empregado com contrato suspenso estar trabalhando para o

empregador transparece com um objetivo de violar as normas do programa e com claro intuito

de vantagem indevida, seja para o empregador ou para o empregado.

O pagamento imediato dos salários e dos encargos sociais devidos no período nos

parece, como medida de punição, ineficaz, já que decorre da própria natureza do contrato de

trabalho, da contraprestação pelo trabalho realizado.

Igualmente, a aplicação das ‗penalidades cabíveis previstas na legislação em vigor‘

mostra-se demasiadamente genérica, e sua aplicabilidade é insegura.

Resta reforçar a proteção ao programa e, por consequência, ao trabalhador, mediante

cláusulas com teor sancionatório bem delineadas por ocasião da convenção ou do acordo

coletivo de trabalho, instrumentos esses que são de mais praticidade quanto ao seu manejo na

defesa dos direitos do trabalhador.

g) Exigências do Parágrafo 7º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho

A prorrogação da suspensão do contrato de trabalho do empregado deve ser precedida

de previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, nos termos do § 7º do art. 476-A:

O prazo limite fixado no caput poderá ser prorrogado mediante convenção ou

acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, desde que o

empregador arque com o ônus correspondente ao valor da bolsa de

qualificação profissional, no respectivo período.183

Há também a necessidade da concordância formal do empregado, dado ao fato de que

o prazo máximo previsto é de cinco meses, e a dilatação poderá comprometer a situação

profissional do empregado, com alongamento em demasia.

Outra condição para a prorrogação do prazo é a assunção, pelo empregador, do valor

da bolsa de qualificação profissional devida ao empregado no período que corresponder à

dilação do prazo.

A bolsa de qualificação profissional foi inserida na legislação mediante o acréscimo do

art. 2º-A à lei nº 7.998/90, com a seguinte redação: 184

Para efeito do disposto no inciso II do art. 2º, fica instituída a bolsa de

qualificação profissional, a ser custeada pelo Fundo de Amparo ao

183

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 maio

1943. 184

BRASIL. Lei nº 7.998. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 jan. 1990.

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Trabalhador - FAT, à qual fará jus o trabalhador que estiver com o contrato de

trabalho suspenso em virtude de participação em curso ou programa de

qualificação profissional oferecido pelo empregador, em conformidade com o

disposto em convenção ou acordo coletivo celebrado para este fim.

Existe diferença entre a ajuda compensatória prevista no § 3º do art. 476-A e a bolsa

qualificação. Aquela deve ser paga pelo empregador, e esta será suportada pelo Governo

Federal com recursos oriundos do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Estes são os primeiros passos visando concretizar os direitos fundamentais do

trabalhador. A função social estampada no conteúdo desse contrato disponibilizado pela

legislação trabalhista mostra que a atividade econômica é passível de absorver suas

responsabilidades sociais.

O valor social do trabalho e a dignidade do trabalhador devem ser prioridade nas ações

governamentais, fazendo com isso, a concretização da vontade social inserida na Lei Maior,

mesmo se necessário, de forma direta ou indireta, tenha de defender o interesse coletivo frente

a liberdade do mercado econômico.

Para executar as determinações contidas na legislação acima mencionada, o Governo

do Estado de São Paulo, por meio da SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho

e do Centro Paula Souza desenvolveram programas de reocupação de mão-de-obra, conforme

é visto no item 3.1 a seguir.

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3 APLICAÇÃO DAS DETERMINAÇÕES DA SUSPENSÃO DOS CONTRATOS DE

TRABALHO

O Governo do Estado de São Paulo, por meio da SERT- Secretaria do Emprego e

Relações do Trabalho tem sido o suporte legal e material para que o programa mencionado no

item 4.1, descrito a seguir, possa ser levado adiante.

A estrutura governamental fornece o apoio institucional para o treinamento,

disponibilizando materiais didáticos e docentes em conjunto com o Centro Estadual de

Educação Tecnológica Paula Souza

Promover a oportunidade de emprego, incentivando a capacitação do indivíduo diante

das necessidades de mão-de-obra do mercado, é o objetivo maior da SERT, segundo o

Governo Estadual.

A cooperação mais significativa para o alcance dos objetivos do Governo do Estado de

São Paulo advém do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, órgão vinculado

à Secretaria de Desenvolvimento do Estado de São Paulo.

ILUSTRAÇÃO 8. Participação Centro Paula Souza Programa de Qualificação Profissional. Fonte: SERT.

Verifica-se que a instituição desponta como a mais atuante na execução do programa

de qualificação.

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O Centro Paula Souza, como é conhecido, teve suas atividades iniciadas em 06 de

outubro de 1969, mediante Decreto-Lei expedido pelo então Governador Abreu Sodré.185

O referido Centro leva o nome do Professor Antonio Francisco de Paula Souza,

fundador da Poli – Escola Politécnica de São Paulo. Hoje a Escola Politécnica está integrada à

Universidade de São Paulo.

A importância estratégica do Centro Paula Souza nas atividades de formação do

trabalhador é reconhecida, conforme consta em seu perfil e histórico divulgados pela

entidade:

O Centro Paula Souza administra 183 Escolas Técnicas (Etecs) e 49

Faculdades de Tecnologia (Fatecs) estaduais em 145 municípios no Estado de

São Paulo. No primeiro semestre de 2010, as Etecs atendem mais de 180 mil

estudantes no Ensino Médio e no Ensino Técnico, para os setores Industrial,

Agropecuário e de Serviços, em 91 cursos técnicos. Esse número inclui 3

cursos técnicos oferecidos na modalidade semipresencial, 3 cursos técnicos

integrados ao Ensino Médio e 2 cursos técnicos integrados ao Ensino Médio

na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Já nas 49 Fatecs,

cerca de 40 mil alunos estão matriculados nos 47 cursos de graduação

tecnológica.186

O objetivo do Centro Paula Souza é apoiar o desenvolvimento econômico, de

conformidade com as necessidades locais, a exemplo dos cursos de metalurgia na Fatec de

Pindamonhangaba e de alimentos na de Marília.187

Em clara demonstração de investimento em pesquisa científica e na formação de

profissionais, registra-se a participação no 9º Concurso de Apoio ao Ensino Técnico e

Agrotécnico, competição nacional, com o projeto ―Ampliação de competências – a formação

de técnicos em açúcar e álcool,‖ no qual o Centro Paula Souza sagrou-se vencedor.188

O Setor Sucroalcooleiro também obteve benefícios do Centro Paula Souza quando,

com o apoio de várias usinas, implantou o Curso Técnico em Análise e Produção de Açúcar e

Álcool, abrangendo a população de 17 municípios do Oeste Paulista.189

A existência de profissionais no setor sucroalcooleiro é condição para a evolução da

capacidade de produção, tendo em vista que o setor vem crescendo 14% ao ano, desde

2004,190

segundo a Udop – União dos Produtores de Bioenergia.

185

CENTRO PAULA SOUZA. Perfil Histórico. Disponível em:

<http://www.centropaulasouza.sp.gov.br/quem-somos/perfil-historico/>. Acesso em: 05 abr. 2010. 186

Op. cit. 187

NOVOS PROFISSIONAIS EM METALURGIA E ALIMENTOS. Revista do Centro Paula Souza. São

Paulo, ano 1, n. 1, janeiro, 2007, p. 8. Disponível em:

<http://www.centropaulasouza.sp.gov.br/Noticias/Revista/Revista.html>. Acesso em: 05 abr. 2010. 188

Op. cit. 189

Ibidem.

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87

O investimento na qualificação de profissionais nesse seguimento tem sido meta do

Governo do Estado de São Paulo, visto que informações de pesquisa realizada pela FIESP –

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – informam que o setor gerou cerca de 30

mil empregos no Estado em 2007.191

Para a consecução dos objetivos de formar profissionais, o Centro Paula Souza, por

meio das Faculdades de Tecnologia dos municípios de Araçatuba, Jaboticabal e Piracicaba,

iniciaram as atividades do curso de graduação de tecnologia em Biocombustíveis.

Roni Rillo, Coordenador do Curso, explica: 192

Os tecnólogos dominam todas as etapas do processo, desde a laboratorial

(pesquisa de campo, coleta e análise de materiais, controle de qualidade),

aplicação e desenvolvimento de novas tecnologias de produção de energia e

de gestão ambiental. Tudo isso dentro dos princípios da promoção da

sustentabilidade, em seu conceito amplo: de conservação ambiental e da

inclusão social.

A parceria com o setor privado também faz parte das ações do Centro Paula Souza.

Juntamente com a FAT – Fundação de Apoio à Tecnologia, o Centro Paula Souza lançou

curso de formação de operadores industriais, que teve início em 2008.

O curso é composto de aulas teóricas e práticas, com estágio supervisionado nas

usinas. O processo de seleção é realizado pelas empresas, exigindo que o participante tenha

Ensino Médio completo. Com duração de um ano, a grade curricular do curso conta com

ensino de matemática, física, informática, gestão ambiental, produção e plantio, dentre outras

disciplinas curriculares.193

Em 2008, a ETH Bioenergia,194

empresa do setor sucroalcooleiro, firmou parceria com

o Centro Paula Souza para a formação de profissionais no seguimento de Etanol. Foram 66

profissionais capacitados e contratados pela empresa. No final de 2009, a referida empresa

estendeu a iniciativa para cerca de 500 funcionários, em razão da eficiência prática do curso,

entendendo que o conhecimento científico adquirido pelos trabalhadores se traduz na

melhoria dos resultados exigidos pela empresa.

190

DOCE SUCESSO. Revista do Centro Paula Souza. São Paulo, ano 3, n. 15, janeiro/fevereiro, 2010, p. 12.

Disponível em: < http://www.centropaulasouza.sp.gov.br/Noticias/Revista/Revista.html>. Acesso em: 05 abr.

2010. 191

Op. cit. 192

Ibidem. 193

Ibidem. 194

ETH Bioernergia. Disponível em:< http://www.eth.com/index.cfm/10/pt/Quem_Somos>. Acesso em: 05 abr.

2010.

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88

3.1 CASO DO GRUPO RUETTE

No histórico do Grupo Ruette, registra-se que o mesmo iniciou suas atividades em

1988 e, em 1992, realizou a primeira safra na condição de destilaria autônoma, produzindo

álcool hidratado. Já em 1998, passou a produzir álcool anidro.

Em 2001, tornou-se usina de produção de açúcar e álcool e, em 2003, passou a fabricar

levedura seca para nutrição animal.

A empresa, em 2004, com autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica –

ANEEL, passou a ser geradora termelétrica, produzindo, já em 2006, 28 MW de energia, que,

segundo a mesma fonte, era suficiente para atender uma cidade do porte de 100 mil

habitantes.

A empresa expandiu suas atividades para a cidade de Ubarana, no Estado de São

Paulo, e, na nova unidade, denominada de Usina Monte Rey, passou a produzir álcool a partir

de maio de 2008.

O Grupo Ruette gera cerca de 2350 empregos diretos, sendo 1880 na produção

agrícola, 345 na produção industrial e 125 na área administrativa.

Somente com os valores dos salários pagos aos trabalhadores, o Grupo Ruette

desponta como importante agente de desenvolvimento, incrementando a economia com mais

de R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões) de reais anuais, com considerável reflexo sócio-

econômico na comunidade regional onde está sediada.195

3.1.1 Projeto ―Capacita Ruette‖

Em 2008,196

o setor sucroalcooleiro enfrentou grave crise resultante do desequilíbrio

provocado pela instabilidade econômica ocorrida nos Estados Unidos da América – U.S.A.

Assim como as demais que movimentam a economia nacional, as empresas

canavieiras reduziram seus investimentos, principalmente em decorrência do baixo preço de

seus produtos no mercado consumidor.

195

RUETTE, Grupo. Perfil da Empresa. Fevereiro. 2010. 196

CRISE FINANCEIRA DEVE ADIAR INVESTIMENTOS DO SETOR SUCROALCOOLEIRO. Disponível

em <http://www.clicrbs.com.br/canalrural/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&action=noticias&id=2270004&section

=noticias>. Acesso em: 05 mar. 2010.

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89

A liberação de aporte de capital mediante empréstimos junto ao BNDES – Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – não se operacionalizava em tempo para

que as indústrias pudessem continuar com seus projetos de investimentos.

A diminuição do crédito e o alto custo de produção provocaram no setor

sucroalcooleiro mudança de direcionamento, exigindo soluções alternativas das empresas para

permanecerem em atividade.

Essa situação econômica também alcançou o Grupo Ruette,197

que decidiu pelo não

investimento no plantio de cana, o que representava a paralisação das atividades da área

agrícola, ou seja, a diminuição de cerca de 80% dos empregos das empresas do Grupo.

Paralelamente, a exigência ambiental surgida com a Lei do Estado de São Paulo nº

11.241/2002198

e a assinatura do protocolo de extinção da queima da palha,199

firmado junto a

UNICA, prevendo a extinção desse método de colheita até 2014 nas áreas mecanizáveis, e até

2017 nas áreas não mecanizáveis, também contribuiu para que o Grupo Ruette adotasse

medidas capazes de equalizar os reflexos negativos advindos desse novo cenário.

A extinção da queima da palha, a qual possibilitava ao trabalhador rural realizar o

corte da cana de forma manual, traz como consequência a necessidade da colheita ser

mecanizada. Sendo mecanizada, haveria dispensa de mão-de-obra, visto que cada

colheitadeira faz o serviço de 80 a 100 trabalhadores.200

Segundo o Grupo Ruette, o novo contexto trouxe duas variáveis que necessitavam ser

solucionadas: por um lado, o excedente de mão-de-obra, com baixa qualificação, em

decorrência da mecanização da colheita no campo e, de outro lado, a carência de mão-de-obra

qualificada para operar os modernos equipamentos necessários à mecanização da colheita.201

O Grupo Ruette é um importante empregador de mão-de-obra e influencia o setor

social e econômico das comunidades onde se situa, dado ao alto volume de recursos

financeiros que injeta na economia local, o mesmo foi motivado a investir num projeto

pioneiro de realocação de mão-de-obra, capacitando e qualificando os trabalhadores.

Em parceria com o Governo Federal e o Governo Estadual, a empresa passou a

construir o projeto ―Capacita Ruette‖.

197

RUETTE, Grupo. Desafio do Grupo. Fevereiro. 2010. 198

BRASIL. Lei Estadual n. 11.241. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP, 19.9.2002. 199

PROTOCOLO AGROAMBIENTAL. UNICA – União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo.

Disponível em: < http://www.unica.com.br/userFiles/Protocolo_Assinado_Agroambiental.pdf>. Acesso em: 05

mar. 2010. 200

ÚNICA. União da Indústria da Cana-de-açúcar. Disponível em:

<http://www.unica.com.br/clipping/show.asp?cppCode=9141EBB8-7135-4E63-99B8-70489969546C>. Acesso

em: 05 mar. 2010. 201

RUETTE, Grupo. Fevereiro. 2010.

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90

O objetivo do projeto teve como ponto fundamental a manutenção da mão-de-obra no

período de entressafra.

Considerando a sazonalidade da cultura da cana-de-açúcar, a dispensa dos

trabalhadores ao final do período da safra [compreendendo plantio, colheita e moagem] era

consequência natural, pois que à empresa não restava alternativa, visto o excedente de mão-

de-obra.

Com esse propósito, o projeto ―Capacita Ruette‖ adotou como estratégia qualificar e

capacitar os trabalhadores. Estabeleceu-se, assim, um cronograma de atividades voltadas para

esse objetivo, fixando como período de treinamento justamente o de entressafra, por coincidir

com o período usual de dispensa dos trabalhadores pelo encerramento das atividades

laborativas.

Com base no art. 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,202

implementou-se o referido projeto, contando com a participação do Governo Federal, do

Governo Estadual e da empresa Ruette.

A disposição legal prevista na Consolidação das Leis do Trabalho permite a Suspensão

do Contrato de Trabalho do empregado pela empresa, desde que o mesmo esteja inserido em

programa de capacitação ou qualificação, conforme mencionado anteriormente.

Com a suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador faz jus a uma bolsa

qualificação paga pelo Governo Federal, de valor igual e nas mesmas condições do salário-

desemprego.

A empresa não demite o empregado durante a suspensão do contrato de trabalho por

até três meses do encerramento do treinamento ou qualificação e manterá os benefícios sociais

já concedidos, podendo, (na verdade ―tendo que‖) ainda, fornecer ao empregado ajuda

financeira, que não será considerada como verba salarial, isto é, será isenta de recolhimento

fiscal.

O Governo Federal deu sua cota de participação com o pagamento do seguro-

desemprego, denominado de Bolsa Qualificação, garantindo aos trabalhadores inscritos no

projeto renda para a sua manutenção familiar.

O Governo do Estado de São Paulo, por meio da SERT - Secretaria do Emprego e

Relações do Trabalho, proporcionou o treinamento dos trabalhadores, utilizando o Centro de

Treinamento Paula Souza, órgão vinculado ao Governo Estadual.

202

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,

01.5.1943.

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91

O Grupo Ruette disponibilizou toda a infraestrutura para a realização do curso de

qualificação e capacitação, disponibilizando os recursos materiais necessários, tais como o

transporte dos trabalhadores aos locais de treinamento e equipamentos para as aulas práticas.

O treinamento dos integrantes do projeto ―Capacita Ruette‖ teve início em 21 de

janeiro de 2009, estendendo-se até 21 de março de 2009, tendo capacitado 339 trabalhadores,

sendo 276 do setor de motomecanização (motoristas, operadores de máquinas, noteiros,

operadores e auxiliares de irrigação) e 63 trabalhadores rurais.203

O projeto foi estruturado da maneira exposta na ilustração a seguir e os dados foram

fornecidos pela empresa Ruette,204

responsável por sua condução.

Data Atividade

Setembro e Outubro/08 Identificação da crise / análise da situação / decisão de suspender plantio / busca de solução.

De 01/11/08 a 30/11/08 Explicação do Programa e convencimento dos trabalhadores para adesão.

19/11/08 Busca de apoio do Sindicato (explicação do Programa / justificativa).

04/12/08 Assembléia com Sindicatos.

De 05/12/08 a 19/12/08 Coleta de assinatura dos trabalhadores nos Termos de Adesão.

De 22/12/08 a 20/01/09 Preenchimento dos requerimentos e junção dos documentos requeridos.

De 22/12/08 a 24/12/09 Distribuição dos participantes em turmas/ horários de capacitação por município de residência .

23/12/2008 Registro dos Acordos Coletivos no Ministério do Trabalho.

De 26/12/08 a 02/01/09 Definição dos locais das aulas.

De 05/01/09 a 17/01/09 Definição do programa de capacitação e calendário de aulas.

21/01/09 Aula inaugural.

De 21/01/09 a 28/01/09 Cadastro dos requerimentos de bolsa qualificação no PAT de Catanduva.

21/01/09 Reunião em Brasilía com o Ministro do Trabalho Carlos Luppi para aprovação do projeto.

De 21/01/09 a 20/03/09 Aulas.

21/03/09 Formatura dos participantes.

23/03/09 Retorno dos participantes aos seus postos de trabalho.

Reunião com representantes da Secretaria de Relações do Trabalho e Emprego em busca de

parceria para as qualificações. 27/11/2008

ILUSTRAÇÃO 9. Metodologia de implantação. Fonte: Usina Ruette, 2010.

Da elaboração da metodologia de implantação e cronograma das atividades

operacionais do projeto à formatura dos participantes decorreram cerca de sete meses de

trabalho, envolvendo a administração e recursos humanos da empresa Ruette.

O treinamento deu-se em dois módulos, sendo aulas teóricas e práticas.

As aulas teóricas foram destinadas à formação de habilidades gerais, com 120 horas,

envolvendo temas como comunicação escrita e falada, cálculos básicos, cidadania, uso da

informação no dia-a-dia (informática), história do trabalho, postura profissional, como se

preparar para o mercado de trabalho e como montar o seu próprio negócio.

203

RUETTE. Grupo. Fevereiro. 2010. 204

Op. cit.

Page 92: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

92

As aulas de habilidades gerais foram concentradas nas cidades de Paraíso, Palmares

Paulista, Colina, Monte Azul Paulista e Ubarana, cidades onde residem os participantes do

programa.

A capacitação por meio das aulas práticas, com carga de 80 horas, destinou-se a dar

conhecimento aos trabalhadores sobre operação de tratores, máquinas pesadas, colheitadeiras

de cana-de-açúcar e caminhões, sendo realizadas nas dependências das Usinas Ruette

(Paraíso-SP) e MonteRey (Ubarana-SP) e nos canaviais e áreas agrícolas das duas usinas,

segundo dados complementares do Grupo Ruette.205

A empresa tabulou os dados obtidos, utilizando estatisticamente os indicadores

disponíveis em sua área de atividade, demonstrando o resultado positivo encontrado.

Pelos resultados, observa-se que o planejamento estratégico da empresa na realocação

da mão-de-obra, mediante a qualificação e capacitação dos trabalhadores, é perfeitamente

factível, alcançando o objetivo da empresa.

Total de Participantes 339

Participantes promovidos após Qualificação 102

% de promoções após Qualificação 30%

ILUSTRAÇÃO 10. Indicadores Humanos. Fonte: Usina Ruette, 2010.

O índice apurado de 30% de promoções sobre o total de participantes demonstra que o

resultado é promissor. Mesmo que o aproveitamento não seja total, importante é que o

excedente encontra-se qualificado para ocupar novas funções no setor sucroalcooleiro

Total de Trabalhadores Rurais Participantes 136

Trabalhadores Rurais Promovidos 63

% de promoções após Qualificação 46%

ILUSTRAÇÃO 11. Indicadores de Trabalhadores Rurais. Fonte: Usina Ruette, 2010.

Outro índice de igual importância é a participação dos trabalhadores rurais na

capacitação. Com aproveitamento de 46% daqueles que se submeteram ao treinamento,

mostra-se que é possível a qualificação dos trabalhadores que detêm pouca instrução.

Descrição das promoções dos Trabalhadores Rurais Total %

De trabalhador rural para bituqueiro/engatador (1º estágio da motomecanização)

37 62%

De trabalhador rural para Auxiliar de Bombeiro 3 5%

205

RUETTE. Grupo. Fevereiro. 2010.

Page 93: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

93

De trabalhador rural para Tratorista 11 18%

De trabalhador rural para Motorista 3 5%

De trabalhador rural para Operador de Colheitadeira 1 2%

De trabalhador rural para Fiscal de Mão-de-obra 1 2%

De trabalhador rural para Controlador de Tráfego 3 5%

De trabalhador rural para Analista de Motomecanização Jr. 1 2%

Total 60 100%

ILUSTRAÇÃO 12. Indicadores de Promoção. Fonte: Usina Ruette, 2010.

Na diversificação do aproveitamento, a promoção do trabalhador rural do corte de

cana para a função de bituqueiro/engatador é o de maior índice, seguido pela função do

tratorista.

No cômputo geral, percebe-se o incremento da mão-de-obra qualificada dentro da

Usina, com clara evolução do sistema de mecanização da indústria canavieira.

MESES

ABR 51,0 59,6 1,09 1,11 1,07 0,95

MAI 45,9 57,0 1,04 0,79 1,00 1,12

JUN 51,5 56,9 0,96 0,86 1,10 1,14

JUL 47,9 58,3 0,96 1,14* 1,075457765 1,23

20092008

Rendimento Energético

( t./km/l de Diesel)

2008 2009

Consumo Diesel km/lConsumo Diesel

l/t

* Raio médio 25% maior que ano anterior

Comportamento de consumo dos caminhões

2008 2009

ILUSTRAÇÃO 13. Indicadores de Consumo dos Caminhões. Fonte: Usina Ruette, 2010.

O rendimento no consumo de diesel constitui-se no valor agregado do resultado da

capacitação, com melhor desempenho na condução dos caminhões da indústria.

MESES

ABR 0,47 0,56

MAI 0,45 0,44

JUN 0,47 0,43

JUL 0,43 0,42

Comportamento de consumo

dos tratores transbordo

2008 2009

Consumo Diesel l/t

ILUSTRAÇÃO 14. Indicadores Operacionais de

consumo dos Tratores de Transbordo. Fonte: Usina

Ruette, 2010.

ILUSTRAÇÃO 15. Indicadores Operacionais de

consumo das Carregadoras. Fonte: Usina Ruette, 2010

MESES

ABR 0,14 0,13

MAI 0,15 0,15

JUN 0,15 0,14

JUL 0,15 0,13

Comportamento de consumo

das carregadorasConsumo Diesel l/t

2008 2009

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94

De igual forma, o resultado refletido na utilização dos equipamentos, como tratores e

carregadoras, confirma que o manejo de forma eficiente reduz o consumo de combustível sem

perda de produção.

Quanto ao investimento, a ilustração da conta dos investimentos de Recursos Humanos.

Descrição do Recurso Valor

Recursos Humanos 3 pessoas RH 1 motorista 2 monitores (aulas práticas)

R$ 74.000,00

Transporte R$ 5.000,00

Benefícios R$ 37.902,00

Total R$ 116.902,00

ILUSTRAÇÃO 16. Investimentos. Fonte: Usina Ruette, 2010.

A capacitação ficou restrita a 5 pessoas, distribuídas entre funcionários do

Departamento de Recursos Humanos e agentes de apoio. O custo desses empregados para a

empresa foi mínimo em relação aos benefícios gerados, como demonstrado na ilustração

anterior.

Os resultados obtidos com o projeto ‗Capacita Ruette‘ causaram ao Grupo Ruette uma

significativa redução de despesas, conforme demonstrado pela empresa.

Descrição do Recurso Valor

Colaboradores Motomecanização R$ 602.098,00

Colaboradores Rurais R$ 260.467,20

Benefícios R$ 47.908,00

Transporte R$ 50.000,00

Total R$ 960.473,20

ILUSTRAÇÃO 17. Resultados. Fonte: Usina Ruette, 2010.

Na avaliação da empresa, muito além da redução de despesas, está a satisfação pessoal

dos participantes, refletida no empenho dos trabalhadores em concluir o curso.

A preparação para novas oportunidades, o aprendizado de temas atuais, o

conhecimento de informática, a manutenção do emprego e a aspiração a novos cargos e

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95

funções foram os resultados colhidos, expostos até mesmo em manifestações dos

trabalhadores envolvidos, publicadas em reportagens de órgãos do setor.206

3.1.2 Análise do caso

A chegada da crise de 2008, da colheita mecanizada, que já ocupa mais de 50%207

da

área mecanizável do Estado de São Paulo, em decorrência de lei e de acordo entre as

empresas que preveem a extinção da queima da palha até 2014 em áreas mecanizáveis,208

acelerou o processo de implantação do projeto ‗Capacita Ruette‘.

Esse projeto que, de forma pioneira, evitou a demissão de 339 empregados no seu

primeiro ano de implantação, deixa clara sua natureza social.

O entusiasmo merece reconhecimento, tanto pela iniciativa quanto pelo resultado, pois

que, segundo Josiane Pagoto Prudêncio,209

―a convergência de forças das instituições

propiciou resultado além das expectativas, afastando o mito da impossibilidade de

qualificação e manutenção do empregado, em tempo de entressafra, sem alto custo para a

empresa‖.

A conquista dos objetivos propostos não só trouxe vantagens para a empresa, que

passou a contar com quadro de pessoal qualificado para novas ocupações, como para o

empregado, agora preparado para enfrentar desafios nas oportunidades do competitivo

mercado de trabalho, que exige instrução escolar e conhecimento técnico-operacional.

O reflexo social do sucesso do projeto, por ter evitado um número alto de demissões

de empregados, é sentido no seio social das comunidades envolvidas.

A redução do desemprego com a realocação da mão-de-obra constitui-se em meta a ser

alcançada por todas as empresas, independentemente do setor atuante.

Equacionar a missão de contribuir com a ascensão social do trabalhador sem afetar a

estrutura econômico-financeira da empresa foi o grande desafio.

Ao final, mostra-se que é possível conciliar o interesse econômico com a função social

da atividade econômica, exercendo-se novo comportamento empresarial e uma mudança

social que se espera do empreendedor ajustado com os ditames constitucionais.

206

RUETTE, Grupo. Fevereiro. 2010. 207

COLHEITA MECANIZADA DE CANA COBRIRÁ 60% DO TOTAL EM SÃO PAULO. Disponível em:

<http://www.unica.com.br/clipping/show.asp?cppCode=9141EBB8-7135-4E63-99B8-70489969546C>. Acesso

em: 05 mar. 2010. 208

UNICA – União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo. Protocolo Agroambiental. Disponível

em: < http://www.unica.com.br/userFiles/Protocolo_Assinado_Agroambiental.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2010. 209

PRUDÊNCIO. Josiane Pagoto. Grupo Ruette. Fevereiro. 2010.

Page 96: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

96

No entanto não pode se esquecido o fato que mesmo com a capacitação promovida

por iniciativa das empresas, com auxílio do Governo, não será suficiente para realocar toda a

mão-de-obra excedente.

A utilização da mão-de-obra com aproveitamento em outros setores da empresa se

restringe a um número de trabalhadores selecionados entre os que serão qualificados ou, no

caso da mecanização, demitidos. Por questões de estratégia empresarial, é certo que serão

capacitados os que detiverem uma instrução melhor, seja escolar ou técnica.

Mesmo com todo o esforço realizado pelas empresas canavieiras, o desemprego com a

mecanização do corte de cana causará forte impacto social negativo, vindo a comprometer a

frágil estrutura familiar, dependente do salário para sua subsistência.

Nesse ponto, há necessidade de se adotarem medidas urgentes, objetivando realocar

esse contingente de pessoas que ficarão desocupadas. Especialistas afirmam que o fim do

corte manual da cana-de-açúcar até 2014 vai acarretar desemprego de 54 a 75 mil

trabalhadores rurais no Estado de São Paulo. O maior índice de analfabetos encontra-se na

classe dos trabalhadores rurais. A cada 1% do avanço da mecanização no setor

sucroalcooleiro significa redução de 2.700 postos de trabalho. A determinação legislativa da

extinção do corte de cana manual, a exemplo do Estado de São Paulo, e de acordo com o

convênio firmado com a ÚNICA, prevê que o prazo final ocorrerá em 2014.210

Os mecanismos de apoio social disponibilizados pelo Governo, a exemplo do seguro

desemprego, não serão suficientes para suportar os reflexos provocados por esse fato social,

dada a sua amplitude, visto que atingirá vários Estados em pouco tempo, como vem

ocorrendo. A falta de qualificação provoca a exclusão do mundo do trabalho, concentração

urbana, miséria, marginalidade e sobrecarga no sistema social.

Assim, fazem-se necessárias medidas complementares frente à iniciativa adotada pelas

indústrias canavieiras.

Nesse aspecto, o combate ao desemprego é possível mediante a diversificação da

capacitação dos trabalhadores demitidos. É necessário que se criem centros de capacitação

profissional para atingir esta população, visto que não se enquadram no ensino formal.

O Governo, seja municipal, estadual ou federal, poderá adotar programas que visem

qualificar esses trabalhadores em seguimentos que estejam em expansão, cuja necessidade de

mão-de-obra se mostre imperativos para o atingimento de metas empresariais.

210

ÚNICA – União da indústria canavieira. Protocolo Agroambiental. Disponível em:

<http://www.unica.com.br/content/show.asp?cntCode={BEE106FF-D0D5-4264-B1B3-7E0C7D4031D6}>.

Acesso em: 28 mar 2010.

Page 97: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

97

3.2 ALTERNATIVAS PARA A OCUPAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA EXCEDENTE DO

SETOR SUCROALCOOLEIRO

No cenário atual, tem-se que o ramo da construção civil é o setor mais aquecido,

motivado pelo programa de metas do Governo Federal, mediante a implantação do PAC –

Programa de Aceleração de Crescimento.211

Outros investimentos, como a facilidade de financiamentos para a construção da casa

própria, também têm sido coadjuvantes no atual cenário nacional.212

Por outro lado, o setor da construção civil sofre a escassez de mão-de-obra, seja em

cidades grandes, médias ou pequenas, segundo afirma Luiz Antonio Nogueira de França,

Presidente da Abecip – Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e

Poupança. 213

Nogueira França justifica essa escassez de mão-de-obra em ‗razão das obras

relacionadas com a Copa do Mundo em 2014, as Olimpíadas em 2016 e o começo da

construção de 1 milhão de casas pelo programa Minha Casa, Minha Vida.‘ Acrescenta que

poderá ter de buscar trabalhadores nos países vizinhos, como Bolívia, Peru e Colômbia, caso

aumente a necessidade de mão-de-obra.

É notório que a mão-de-obra na construção civil é ocupada por trabalhadores com

baixa instrução escolar,214

cuja atividade principal é a de pedreiro e servente de pedreiro, o

que não exige muito conhecimento técnico.

Dados estatísticos dão conta de que essa atividade laboral é a que mais emprega e a

que mais está em falta nesse seguimento da economia.215

Assim, trata-se de uma oportunidade para migrar os trabalhadores demitidos do corte

de cana para a atividade da construção civil.

A construção civil, muito embora também seja um trabalho de grande esforço físico,

acredita-se ser um esforço menor do que o corte de cana. Ademais, a remuneração é igual ou

maior que a da lavoura canavieira.

211

FORTALEZA, Aluizio Alves. Reuters. Construção Civil vê mão-de-obra escassa e poupança se esgotando.

Disponível em:

<http://ultimosegundo.ig.com.br/economia/2010/03/18/construcao+civil+ve+mao+de+obra+escassa+e+poupanc

a+se+esgotando+9433039.html>. Acesso em 28 mar 2010. 212

Op cit. 213

Ibidem. 214

RESENHA DIEESE. Os Trabalhadores e a Reestruturação Produtiva na Construção Civil Brasileira.

Disponível em:< http://www.dieese.org.br/esp/civil.pdf>. Acesso em: 28 mar 2010. 215

Op. cit.

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98

Noutro aspecto, o grau de instrução escolar, entre ambas, se equivalem, necessitando

de pouca qualificação técnica.

Assim, da mesma forma que há capacitação e qualificação para os trabalhadores do

corte de cana para, quando aproveitados, ocuparem outras atividades mais significativas

dentro da empresa canavieira, há também a possibilidade dessa qualificação se dar para o

exercício de outra atividade, em seguimento diverso.216

Nesse momento da economia, com os indicadores mostrando crescimento da

construção civil, essa não deixa de ser uma alternativa para a realocação da mão-de-obra

dispensada da lavoura canavieira.

Com pouco esforço governamental, é possível a implementação de cursos técnicos

destinados à capacitação de trabalhadores para as atividades de pedreiro, auxiliar de pedreiro,

carpinteiro, pintor, eletricista, atividades essas que são as prioridades para a construção civil.

Acrescente-se que o referido setor, só no ano de 2009, criou 1,6 milhão de empregos

diretos, sendo dispensados 1,3 milhão, com saldo positivo de 303 mil empregos. Esse número

representa cerca de 1/3 da ocupação da mão-de-obra da lavoura canavieira.217

Há que se considerar que a demissão no setor da indústria da construção civil é dada à

grande rotatividade existente,218

que é causada pela falta de especialização técnica dos

ocupantes das vagas disponíveis.

A implantação de curso de capacitação técnica na área da construção civil poderia ser

realizada nos períodos vagos após o horário de expediente dos trabalhadores, com atividades

diversificadas entre práticas e teóricas. A quantidade de horas seria estabelecida por

metodologia capaz de ensinar o mínimo necessário à atividade a ser realizada, de forma

profissional, como português, matemática, leitura de projetos, fundamentos específicos da

atividade a ser exercida, etc. 219

Estima-se que apenas uma hora por dia, durante cerca de 3 meses, seria o suficiente

para preparar o trabalhador para a nova função.

216

VILLAR, Lúcio Flávio de Souza et al. Anais do 7. encontro de extensão da Universidade Federal de

Minas Gerais. Belo Horizonte, 12 a 15 de setembro de 2004 - Panorama da Construção Civil: Cursos de

Qualificação de mão de obra são realmente desejados? Disponível em:

<http://www.ufmg.br/proex/arquivos/7encontro/trabalho24.pdf>. Acesso em: 28 mar 2010. 217

Op. cit. 218

RESENHA DIEESE. Os Trabalhadores e a Reestruturação Produtiva na Construção Civil Brasileira.

Disponível em:< http://www.dieese.org.br/esp/civil.pdf.>. Acesso em: 28 mar 2010. 219

VILLAR,Lúcio Flávio de Souza et al. Anais do 7. encontro de extensão da Universidade Federal de

Minas Gerais. Belo Horizonte, 12 a 15 de setembro de 2004 - Panorama da Construção Civil: Cursos de

Qualificação de mão de obra são realmente desejados? Disponível em:

<http://www.ufmg.br/proex/arquivos/7encontro/trabalho24.pdf>. Acesso em: 28 mar 2010.

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99

Noutro ponto, em se tratando de pessoas já demitidas da lavoura canavieira, o curso de

capacitação poderia ser estendido com mais horas de treinamento por dia, enquanto o

trabalhador faz jus ao seguro-desemprego.

Nesse caso, o tempo de treinamento diminuiria, possibilitando a obtenção de novo

emprego num período menor.

Essa alternativa proporcionaria ao trabalhador menor tempo de ociosidade,

contribuiria com o setor da construção civil, cujas obras seriam entregues em menor tempo,

com significativa redução de custos e ganho financeiro nos investimentos.

Para o Governo, a economia do dispêndio com o seguro-desemprego seria

interessante, justificando o investimento nessa opção social de geração de empregos.

É uma alternativa de política pública que tem como objetivo propiciar que o

trabalhador permaneça empregado, ou ao menos pouco tempo desempregado, e não sofra os

reflexos negativos que incidem no seio familiar em razão da desocupação daquelas pessoas

que normalmente são as mantenedoras da família.

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100

4 OUTROS PROGRAMAS PÚBLICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO NA

REOCUPAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA

O Governo do Estado de São Paulo, por meio da SERT, desenvolve ações visando o

resgate dos indivíduos que se encontram em situação vulnerável, como os desempregados, os

desqualificados para enfrentar as mudanças do mercado de trabalho, ou mesmo os jovens que

estão em busca do primeiro emprego.

Além dessas ações é importante também ressaltar que a SERT tem como missão:

[...] aproximar o trabalhador das novas oportunidades do mercado,

fomentando a geração de trabalho e renda. A SERT desenvolve suas

atividades por meio dos programas e serviços de intermediação de mão de

obra e de qualificação e requalificação profissional. Gera ocupação ao cidadão

desempregado e insere o jovem no mercado de trabalho, além de estimular o

desenvolvimento de atividades empreendedoras, por meio de qualificação e

concessão de microcrédito.220

Com diversos programas e cada um deles alcançando um público alvo, distribuídos na

região da grande São Paulo e nos municípios do interior do Estado, a SERT dá mais um passo

na concretização de políticas públicas voltada ao bem-estar do trabalhador.

a) PEQ - Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional

Com objetivo de capacitar os trabalhadores para enfrentar as novas exigências do

mercado de trabalho, o programa PEQ – Programa Estadual de Qualificação e Requalificação

Profissional – buscou preparar os indivíduos que estavam sendo demitidos, os pequenos e

microprodutores e os trabalhadores autônomos.

O referido programa foi lançado em 23 de junho de 2008, tendo de início como

prioridade os desempregados da faixa etária dos 30 aos 59 anos de idade.

A SERT a contratou a SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados,

para realizar levantamento da estrutura do mercado e as tendências de ocupação profissional.

220

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Governo lança programa para capacitar trabalhadores

desempregados. Disponível em:

<http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=208760&c=6&q=Governo+lan%E7a+programa+pa

ra+capacitar+trabalhadores+desempregados+>. Acesso em: 03 abr. 2010.

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101

Essa pesquisa veio a indicar as necessidades de qualificação e requalificação de mão-de-

obra.221

O diagnóstico, elaborado com base em dados de 2007, obtidos na ―Caravana do

Trabalho‖, possibilitou o conhecimento de dados estatísticos, conforme menciona Panizza:222

O Diagnóstico resultou numa publicação com mais de 400 páginas, na qual é

possível consultar, por exemplo, o perfil da População Economicamente Ativa

(PEA), o público-alvo do PEQ e as demandas por capacitação profissional diante

das necessidades do mercado de trabalho. De acordo com o Diagnóstico, cerca de

50% da PEA não completaram o ensino fundamental.

Com base nos resultados dessas pesquisas, a SERT norteou suas diretrizes de trabalho,

estabelecendo parcerias com órgãos públicos e instituições de ensino.223

Ao realizar o 2º Seminário de Qualificação Profissional, em 2009, a SERT, fez a

divulgação de 41.048 vagas no referido programa para todo o Estado de São Paulo, sendo que

cada participante do programa de qualificação profissional conta com uma bolsa auxílio no

valor de duzentos e dez reais mensais.

A justificativa para a concessão da bolsa auxílio é a dificuldade de manutenção do

pessoal durante o período em que o indivíduo se encontra desempregado.

O levantamento estatístico apurado pelo Governo do Estado de São Paulo informa que

os trabalhadores entre 30 e 59 anos são os mais atingidos pelo desemprego, por causa de sua

falta de instrução escolar, da dificuldade do retorno ao estudo, além da sobrecarga de

responsabilidade familiar.

Nesse ponto, o projeto visa possibilitar a qualificação ou requalificação do cidadão,

proporcionando-lhe condições para buscar emprego e enfrentar o mercado de trabalho.

Segundo manifestou Guilherme Afif, citado por Panizza:224

Como existe um apagão educacional nas gerações mais maduras, o PEQ é

voltado para pessoas de 30 a 59 anos. Metade não terminou o ensino

fundamental, tem grande responsabilidade familiar e pouca chance de voltar à

escola,‖[...]. Ao final das aulas a empregabilidade do aluno vai aumentar

porque estará mais qualificado. É importante dar esse apoio para que o

cidadão possa se qualificar e voltar ao mercado. A bolsa-auxílio visa amenizar

a situação durante a crise, já que há mais dificuldade de recolocação neste

período. Essa é uma medida condicionada e temporária.

221

PANIZZA, Ciça. Em Seminário de Qualificação Profissional, secretário Guilherme Afif divulga vagas e

pesquisa sobre ex-alunos do PEQ. Disponível em:

<http://www.emprego.sp.gov.br//noticias/noticias.asp?noticia=2009/07/arquivo_8.htm>. Acesso em: 05 abr.

2010. 222

Op. cit. 223

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. PEQ

– Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional. Disponível em:

<http://www.emprego.sp.gov.br/programas/qualificacao.html>. Acesso em: 05 abr. 2010. 224

Op. cit.

Page 102: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

102

O referido programa de qualificação e requalificação profissional busca alcançar um

objetivo mais sólido que o do próprio emprego do indivíduo. Na realidade, a ação

governamental está voltada para o ensino profissionalizante.

O que se espera do participante do programa é o aprendizado técnico, capaz de lhe

permitir a disputa por uma vaga de emprego num campo maior de atuação no mercado de

trabalho.

A esse respeito, fala Juan Carlos Dans Sanches:225

―Qualificação precisa estar

associada a aumento da escolaridade.‖

Para o Coordenador do programa, faz-se necessária a ação conjunta da qualificação e

da instrução escolar. A ação dissociada desses fatores não propicia o alcance das metas de

realocação da mão-de-obra, especialmente da classe populacional mais atingida pelo

desemprego.

O Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, juntamente com o SENAI e

o SENAC, é o responsável pela aplicação das aulas do programa.

O Programa de qualificação possui metodologia de ensino próprio, conforme descreve

Panizza.226

Os cursos estão divididos em habilidades gerais (120 horas), com reforço do

ensino básico (português, matemática, conhecimentos gerais e cidadania), e

em habilidades específicas (80 horas), com aulas teóricas e práticas sobre a

profissão.

O material didático, preparado pela Fundação Padre Anchieta, contém quatro

volumes impressos, quatro DVDs exibidos em sala de aula (vídeo-aulas de

suporte), um videojogo de tomada de decisões (os alunos são convidados a

decidir o caminho que o personagem deve seguir) e uma webgincana (jogos

pela internet com informações sobre os temas estudados em sala de aula).

A SERT divulgou dados de pesquisa para observar o aproveitamento do PEQ –

Programa Estadual de Qualificação – no período de 2008, obtendo o seguinte resultado:227

225

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. PEQ

– Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional. Disponível em:

<http://www.emprego.sp.gov.br/programas/qualificacao.html>. Acesso em: 05 abr. 2010. 226

Op. cit. 227

Ibidem.

Page 103: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA ......FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL: QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE

103

ILUSTRAÇÃO 18. Resultado do PEQ em 2008. Fonte: SERT.

A pesquisa quantitativa foi realizada pela FUNDAP – Fundação do Desenvolvimento

Administrativo – e, segundo o Coordenador de Pesquisa e Projetos da Fundação, Lucas

Cordeiro, o PEQ – Programa Estadual de Qualificação – obteve êxito. Assim afirma

Cordeiro:228

A pesquisa quantitativa, feita com 2.033 alunos que participaram do PEQ em

2008, revela que sete em cada 10 participantes são mulheres, 58% tinham

mais de 30 anos e 34% terminaram o ensino fundamental. Metade das pessoas

que fizeram um curso do PEQ conseguiu trabalho. Dessas, 57% têm entre 30 e

59 anos, 56% fizeram cursos relacionados à indústria e 48% à área de

comércio e serviços. ―Como a pesquisa foi feita em fevereiro e março, o

desemprego pode ter refletido no resultado. Mesmo nessa situação adversa, o

PEQ teve êxito‖.

Entre as pessoas que conseguiram trabalho na área da formação adquirida, três

em cada quatro declararam estar utilizando os conteúdos vistos em sala de

aula. Quase 100% consideraram muito bons ou bons o material e a atuação

dos professores e se disseram mais bem preparados para enfrentarem

processos seletivos. O PEQ incentivou os trabalhadores a se qualificarem

mais: 88% dos alunos da RMSP e 67% do interior pretendem dar continuidade

à sua qualificação profissional.

As vagas são distribuídas conforme a maior demanda, sendo que São Paulo fica com

40,7% das vagas, seguido de Campinas, com 13%, e São José dos Campos, com 8,6%. É com

base em diversas estatísticas e dados que as vagas são distribuídas, a exemplo do Diagnóstico

228

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. PEQ

Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional. Disponível em:

<http://www.emprego.sp.gov.br/programas/qualificacao.html>. Acesso em: 05 abr. 2010.

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104

do Programa Estadual de Qualificação Profissional e do Caged – Cadastro Geral de

Empregados e Desempregados.229

Segundo a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho, a avaliação final positiva

justifica novo investimento no Programa de Qualificação Profissional, já planejado, conforme

demonstra a ilustração à seguir:

EXECUÇÃO PEQ

Execução 2008/09: Trabalhadores Beneficiados: 70 milMunicípios atendidos: 170

equivalente a 82% da população do Estado

Execução 2010: Trabalhadores Beneficiados: 60 milMunicípios atendidos: 205

equivalente a 85% da população do Estado

Bolsa Auxílio: Até 3 parcelas de R$210,00 para 60.000 trabalhadores, total estimado R$ 32.000.000,00

Transporte : Até 3 parcelas de R$118,80 para 60.000trabalhadores, total estimado R$19.000.000,00

ILUSTRAÇÃO 19. Planejamento de Investimento no PEQ. Fonte: SERT.

O resultado obtido no período de 2008/2009, com atendimento a 170 municípios,

mostra que é possível levar a capacitação aos trabalhadores até o interior do Estado. A

expansão prevista para 2010, alcançando 205 municípios, tende a confirmar a política

estabelecida para o programa.

Mesmo que de início pareça que o investimento por trabalhador é reduzido, a projeção

estatística dá conta que o valor despedido pelo Estado é de grande monta, podendo ser

considerada uma iniciativa capaz de estimular outros entes da federação a instituir programas

semelhantes.

229

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. PEQ

Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional. Disponível em:

<http://www.emprego.sp.gov.br/programas/qualificacao.html>. Acesso em: 05 abr. 2010.

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105

EXECUÇÃO PEQ 2010

Executora Vagas Contrato

Centro Paula Souza 19.380 R$ 23.942.394,00

Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial -SENAI 15.312 R$ 21.219.369,60

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial -SENAC 20.130 R$ 26.853.420,00

Serviço Nacional de Aprendizagem no Transporte-SENAT 5.460 R$ 7.045.038,00

Total 60.282 R$ 79.060.221,60

ILUSTRAÇÃO 20. Distribuição de vagas para o PEQ. Fonte: SERT.

Considerando a diversidade de trabalhadores, cada qual com diferentes interesses e

aptidões, não seria possível concentrar todos num único órgão. A dificuldade operacional da

instituição de treinamento seria um obstáculo, somando-se as dificuldades do próprio

trabalhador, como a locomoção de sua residência até o centro de treinamento.

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FASES DE EXECUÇÃO- 2010

Março2010

Mar/Abr2010

Mar/Dez 2010

Mar e Set 2010

• Lançamento do Programa/2010 e Assinatura dos contratos

• Capacitação de monitores

• Início dos cursos de qualificação

• Supervisão e monitoramento

• Avaliação de Egressos

Dezembrro2010

• Encerramento

ILUSTRAÇÃO 21. Fases de execução do PEQ. Fonte: SERT.

Outro fator de importância na estrutura do programa de qualificação é o cronograma

das atividades. Distribuída ao longo do ano, a execução do programa prevê a avaliação dos

egressos. Por essa avaliação serão verificados os resultados do investimento feito no

programa, podendo-se manter ou corrigir metas, e propiciar assim a manutenção de iniciativas

dessa natureza.

b) Programa Jovem Cidadão

O Programa Jovem Cidadão, do Governo do Estado de São Paulo, administrado pela

SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho – e pela Secretaria de Educação e da

Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico,230

é uma iniciativa que visa proporcionar

ao estudante do ensino médio a possibilidade de estágio em empresas.

Mediante estágio remunerado, estudantes da faixa etária de 16 a 21 anos, regularmente

inscritos no 2º ou 3º ano do ensino médio, e com frequência escolar regular, são selecionados

para realizar estágios em empresas conveniadas com o Governo Estadual.

230

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho.

Jovem Cidadão. Disponível em: <http://www.emprego.sp.gov.br/programas/jovemcidadao.html>. Acesso em:

05 abr. 2010.

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107

O período de estágio é de 6 meses, com 4, 5, ou 6 horas diárias, com bolsa-estágio

ofertada pelo Governo do Estado de São Paulo e por empresas, sem vínculo empregatício,

acrescentado de seguro de vida e de acidentes pessoais e vale-transporte.231

Havendo aproveitamento, cerca de 25% dos jovens são contratados pelas próprias

empresas que ofertam o estágio. O programa já beneficiou em torno de 100 mil jovens das

escolas da rede pública da região metropolitana de São Paulo e possui 9 anos de existência.232

c) Programa Jovem Tec

O programa Jovem Tec está relacionado com o Programa Jovem Cidadão, da SERT, e

visa proporcionar estágio a jovens oriundos da periferia das cidades, especialmente dos locais

considerados de risco pelo Governo. Afirma o Secretário Afif:

Uma das exigências do Programa é que o aluno faça o estágio em local

próximo à sua moradia ou à escola onde estuda. A Secretaria Estadual do

Emprego seleciona alunos das escolas públicas estaduais das áreas de

vulnerabilidade social – nas periferias, nas regiões mais violentas, onde os

jovens têm mais dificuldade de acesso ao mercado de trabalho.233

E Panizza234

continua, informando que a expectativa do programa é que cerca de

aproximadamente dois mil e quinhentos jovens ingressem nesse programa no período de

2009/2010, sendo que trezentos já ingressaram em 2009 e há uma expectativa de cerca de dois

mil e trezentos para o ano de 2010. O programa é alicerçado em estágio profissional de

capacitação nas empresas Microsoft, Intel, Cisco, Telefônica e Instituto Mauá, concentradas

na área de Tecnologia da Informação e Comunicação.

Após a capacitação e com conhecimento em softwares, sistemas de comunicação,

montagem e manutenção de computadores, os jovens passarão a exercer atividades junto à

empresa Prodam – Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de

São Paulo.

Durante o período de estágio, os jovens receberão bolsa auxílio de quatrocentos e

cinquenta reais. Para o Governo do Estado de São Paulo, a oportunidade de estágio vem

231

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. Jovem

Cidadão. Disponível em: <http://www.emprego.sp.gov.br/programas/jovemcidadao.html>. Acesso em: 05 abr.

2010. 232

Op. cit. 233

PANIZZA, Ciça. Governo do Estado e Prefeitura de SP garantem estágio a 2,5 mil alunos da rede púbica

estadual. Disponível em:<

http://www.emprego.sp.gov.br/noticias/noticias.asp?noticia=2009/07/arquivo_6.htm>. Acesso em: 05 abr. 2010. 234

Op. Cit.

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108

motivar os jovens e possibilitar a obtenção de emprego, especialmente na área de

Tecnologia de Informação e Comunicação.

Segundo Panizza,235

citando Rodrigo Abreu, Presidente da Cisco do Brasil, ―os

aspectos sociais e econômicos devem se somar para o sucesso do programa. (...) O Jovem Tec

reúne várias áreas importantes: educação, qualificação, inclusão e geração de emprego.

Temos aqui um potencial alavancador muito grande para o desenvolvimento econômico e

social do País.‖

Agregado aos objetivos do programa, como a capacitação e a geração de emprego, está

a transposição da barreira da inexperiência, obstáculo que aflige os jovens em procura do

primeiro emprego.

Outros programas de incentivo ao emprego são desenvolvidos pelo Governo do Estado

de São Paulo, a exemplo do PADEF – Programa de Apoio à Pessoa com Deficiência, Frente

de Trabalho, Time do Emprego, e o PAT – Posto de Atendimento ao Trabalhador.

Com todos esses programas sendo postos em prática, fica evidente que existem ações

do Poder Público sendo concretizadas no sentido de combater o reflexo negativo provocado

pela inserção de nova tecnologia no mercado trabalho. Entretanto faz-se necessário que o

setor privado participe ativamente dessas ações, pois que é ator principal na geração desse

fato social resultante no desemprego do trabalhador.

No que se refere ao setor sucroalcooleiro, a vultuosidade dos efeitos provocados pela

mecanização da cana-de-açúcar e da introdução de tecnologia nos meios de produção acarreta

uma mudança social significativa.

O excesso da mão-de-obra lança no mercado centenas de trabalhadores despreparados

para enfrentar novos métodos de trabalho e nova tecnologia. A capacitação e qualificação têm

o objetivo garantir ao indivíduo pelo menos a possibilidade de competição em novo ramo do

mercado de trabalho.

Ausente essa possibilidade de competição, fere-se a dignidade da pessoa do

trabalhador, alijado do seu direito fundamental ao trabalho. Nesse momento social, faz-se

necessário garantir a efetividade dos direitos fundamentais que compõe toda a ordem

econômica. A livre iniciativa preponderante no mercado econômico deve ser moldada para

satisfazer os princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.

235

PANIZZA, Ciça. Governo do Estado e Prefeitura de SP garantem estágio a 2,5 mil alunos da rede púbica

estadual. Disponível em:<

http://www.emprego.sp.gov.br/noticias/noticias.asp?noticia=2009/07/arquivo_6.htm>. Acesso em: 05 abr. 2010.

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Alerta-se, porém, que não é somente o desemprego decorrente da inovação tecnológica

que provoca uma mudança social desprotegida do fundamento da dignidade da pessoa

humana.

As condições precárias do trabalhador do corte da cana de açúcar também se

caracterizam como a outra face da violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Se de um lado ocorre o desemprego, do outro a permanência do trabalhador em

condições miseráveis de trabalho, análogas a de escravo, é mais que suficiente para sustentar

a inexistência do mínimo de dignidade que deve subsistir na pessoa humana.

O mercado econômico, com diretriz embasada no princípio da livre iniciativa não

pode se afastar do núcleo principal que regula os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa

humana. O trabalho é vital para o mínimo existencial, pois este é capaz de assegurar as

indispensáveis condições de uma vida digna, cujo labor deve se conformar com os ditames

constitucionais da valorização do trabalho humano, justiça social e a erradicação das

desigualdades sociais.

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5 CONCLUSÃO

O avanço da necessária efetividade das garantias fundamentais do homem, nessas

incluído o meio ambiente, torna-se, cada vez mais, uma ferramenta de pressão utilizada pela

sociedade civil e até mesmo governamental.

Internacionalmente, qualquer atividade econômica que não esteja em harmonia com os

princípios norteadores da dignidade da pessoa humana e de proteção ao meio ambiente

encontra resistência na introdução de seus produtos no mercado consumidor externo.

No mercado interno, a crescente conscientização das garantias sociais tem levado os

empreendedores a adotar um comportamento que reflete uma mudança social, mesmo que

incipiente.

O entendimento do significado da dignidade da pessoa humana e da valorização do

trabalho humano e justiça social parecem que, aos poucos, vai sendo delineando, movido pela

ação insistente da sociedade civil organizada.

O setor sucroalcooleiro do país denota mudar sua estratégia de atividade econômica,

nascendo uma preocupação com a responsabilidade social antes não observada.

A posição do Brasil como líder na produção de etanol também sofreu críticas por

conta da ausência de políticas públicas que garantissem os direitos dos trabalhadores do setor

sucroalcooleiro e da possibilidade de competição entre a produção do etanol e de alimentos.

Em resposta, o Governo Federal e o Estado de São Paulo limitaram o plantio da cana-

de-açúcar em áreas de preservação ambiental e mostraram que o país possui outras imensas

áreas capazes de atender a demanda crescente pelo etanol.

No que se refere à mão-de-obra, o Congresso Nacional está para mudar a Constituição

no sentido de criminalizar e responsabilizar o empreendedor que arregimentar trabalhadores

sem ofertar o mínimo de condições dignas de trabalho.

Ressalta-se que embora a análise da pesquisa se volte para o Estado de São Paulo, não

podemos esquecer que para melhorar a imagem do País no mercado internacional é necessário

mudar a realidade do setor no Brasil como um todo.

O pacto das indústrias canavieiras do Estado de São Paulo, antecipando o fim da

queima da palha da cana-de-açúcar para 2014, antes previsto para 2021, tornou a introdução

da colheita mecanizada necessária, o que vem gerando impacto social negativo de grande

amplitude. Para mitigar esse efeito, verifica-se que o Governo do Estado de São Paulo tomou

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a iniciativa de elaborar programas de capacitação e realocação de mão-de-obra, conforme se

apura das atividades realizadas pela SERT e o Centro Paula Souza.

Com amparo em atualizada legislação trabalhista, que prevê a suspensão do contrato

de trabalho para a participação do empregado em curso ou programa de qualificação

profissional, o Governo obteve adesão de empresários e trabalhadores. A SERT e o Centro

Paula Souza disponibilizaram a infra-estrutura educacional de capacitação e qualificação dos

trabalhadores e o empresário, em contrapartida, manteve o emprego do trabalhador, pelo

menos durante o período de três meses após a capacitação. É certo, porém, que essa

disposição empregatícia é conseqüência legal da adesão ao programa, visto que a demissão do

empregado fora do prazo permitido acarreta ao empregador sanções pecuniárias de natureza

indenizatória trabalhista e fiscal.

Em outro vértice, a vantagens do trabalhador refere-se a sua evolução técnica-

educacional. Estas possibilitam ao trabalhador o alcance de melhor cargo ou função, na

própria empresa ou no mercado de trabalho, dado a capacitação e qualificação recebida, e

ainda, sem suportar, nesse período de treinamento, o ônus do desemprego.

Ações semelhantes adotadas por empresas do setor demonstram que é possível

contribuir para amenizar a desigualdade social, especialmente no que se refere à competição

pelo trabalho no mercado formal.

Assim, foi possível verificar que o seguimento do setor sucroalcooleiro não está

disposto a resistir às novas tendências que asseguram os direitos sociais. Também nesse

tópico, o Estado se apressou em levar ao conhecimento pátrio e estrangeiro que está tomando

as medidas necessárias para fazer valer os princípios constitucionais da atividade econômica

inseridos no art. 170 da Lei Maior, inclusive de proteção ao meio ambiente. Mesmo que com

certa demora, realizou o zoneamento do plantio da cana-de-açúcar, freando a sua expansão

desordenada e incentivou a utilização de programas de capacitação, qualificação e realocação

de mão-de-obra dos trabalhadores excedentes da atividade do setor sucroalcooleiro.

A experiência privada realizada pelo Grupo Ruette certifica que é possível existir uma

mudança social dentro da estratégia econômica da empresa.

A empresa não ficou silente frente à nova performance que norteia a atividade do setor

sucroalcooleiro, especificamente no tocante à mecanização do corte da cana-de-açúcar e à

demissão de trabalhadores motivada pela substituição da mão-de-obra pelas máquinas.

Acreditando na possibilidade de contribuir para a solução do prejuízo social

decorrente do desemprego, o Grupo Ruette adotou programas de capacitação e qualificação

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112

dos trabalhadores, cujos resultados foram benéficos tanto para os trabalhadores quanto para o

empregador.

Para os trabalhadores, os benefícios maiores surgiram da qualificação da mão-de-obra,

abrindo caminho para a competição em igualdade no mercado de trabalho. Para o

empregador, por sua vez, o reaproveitamento de trabalhadores em funções melhores

demonstrou economia financeira para a empresa, com aumento de produtividade e menos

custos.

A iniciativa do Grupo Ruette contribui para o desenvolvimento de políticas públicas

destinadas a suportar o impacto social decorrente da inovação tecnológica que avança sobre a

atividade rural.

Registre-se que a inovação tecnológica, ao tempo que aumenta o desemprego, vem a

contribuir, mesmo que forçosamente, para diminuição do trabalho desumano que se encontra

nos campos da cultura da cana-de-açúcar.

No seguimento econômico sucroalcooleiro, as indústrias canavieiras, aos poucos, se

preparam para uma nova era de trabalho, adaptando-se à nova realidade tecnológica que visa

proteger o meio ambiente, garantir os direitos fundamentais (e sociais), valorizar o trabalho

humano e contribuir para o alcance da justiça social.

Paralelamente, enfatiza-se que o Estado deve ficar atento à necessidade de

diversificação da capacitação do trabalhador, qualificando-o para enfrentar outros ramos da

atividade laboral, mormente buscando aqueles setores que se encontram em franca expansão,

uma vez que o sucroalcooleiro não absorverá o excedente da mão-de-obra decorrente da

inovação tecnológica.

No contexto, percebe-se que a atividade econômica não se realiza de forma isolada dos

princípios constitucionais. A livre iniciativa, a livre concorrência e o direito de propriedade,

cujos princípios norteiam a atividade econômica, somente adquirem resultados de valor se

forem agregados a estes os princípios da dignidade da pessoa humana e valorização do

trabalho humano, da função social do contrato como instrumento da atividade econômica e,

por certo, a concretização desses direitos fundamentais.

Caminhando a passos lentos no sentido de assegurar os direitos dos trabalhadores, o

setor sucroalcooleiro ainda muito deve no que se refere ao resgate da dignidade da pessoa

humana, da valorização do trabalho e aplicação dos direitos fundamentais. A mudança social

que se desponta, fruto da evolução da compreensão dos direitos básicos do homem, exigirá

maiores compromissos dos empreendedores, pois que os fundamentos constitucionais da vida

digna tendem a materializar-se.

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Infere-se, portanto, que a mudança social nas estruturas dos empreendimentos

econômicos, relacionada aos trabalhadores, apesar de vagarosamente estar caminhando e ser

percebida, a intervenção do Governo e da sociedade faz-se necessária, pois a proteção dessa

classe vulnerável, mediante a efetividade dos direitos fundamentais, é medida de justiça

social.

Por fim, é certo que se o Brasil quiser fortalecer o setor sucroalcooleiro, inserindo o

etanol no mercado internacional e tornando esse produto uma ―commodity‖ terá que aplicar

de forma efetiva os fundamentos que asseguram a dignidade da pessoa humana, a valorização

do trabalho e promover a erradicação das injustiças sociais existentes no campo, não

ignorando a proteção ambiental e a constante vigilância da comunidade internacional relativo

aos direitos fundamentais. Caso isso não se realize, Governo e empresários devem ter

consciência que os negócios do setor sucroalcooleiro estarão comprometidos.

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