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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS Dennys Gustavo Age PROCEDIMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL E SUA CONFORMAÇÃO AO TEXTO CONSTITUCIONAL CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

Dennys Gustavo Age

PROCEDIMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL E SUA CONFORMAÇÃO AO TEXTO CONSTITUCIONAL

CURITIBA2011

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Dennys Gustavo Age

PROCEDIMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL E SUA CONFORMAÇÃO AO TEXTO CONSTITUCIONAL

Trabalho de conclusão de Curso de Direito para obtenção do título de Bacharel em Direito, da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Professor orientador: Armando Antônio Sobreiro Neto.

Curitiba2011

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TERMO DE APROVAÇÃODennys Gustavo Age

PROCEDIMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL E SUA CONFORMAÇÃO AO TEXTO CONSTITUCIONAL

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, da Faculdade de Ciências Jurídicas, da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, _____ de ___________ de 2011.

Curso de DireitoUniversidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Prof. Armando Antônio Sobreiro Neto

Banca Examinadora: Prof.

Prof.

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Dedico este trabalho a toda minha família, que sempre me apoiaram e estiveram do meu lado, em especial à minha querida esposa Anelise, pela compreensão e tolerância demonstradas ao longo de nossa união.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................7

2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS ............................................................................................... 10

2.1 SISTEMA ACUSATÓRIO ................................................................................................................ 10

2.2 SISTEMA INQUISITIVO .................................................................................................................. 13

2.3 SISTEMA MISTO............................................................................................................................. 15

2.4 SISTEMA ADOTADO PELO PROCESSO PENAL BRASILEIRO ................................................... 16

3. INQUÉRITO POLICIAL..................................................................................................................... 20

3.1 ORIGEM .......................................................................................................................................... 20

3.2 CONCEITO...................................................................................................................................... 21

3.3 CARACTERÍSTICAS....................................................................................................................... 21

3.4 FINALIDADE.................................................................................................................................... 23

3.5 FUNDAMENTO LEGAL................................................................................................................... 24

3.6 PONTOS RELEVANTES................................................................................................................. 25

4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ................................................................................................... 27

4.1 CONTRADITÓRIO .......................................................................................................................... 28

4.2 AMPLA DEFESA ............................................................................................................................. 30

4.3 PUBLICIDADE................................................................................................................................. 32

5 POSICÕES JURISPRUDENCIAIS SOBRE O TEMA ....................................................................... 33

5.1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .................................................................................................. 33

5.2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ............................................................................................. 34

6. ANTEPROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL (PLS Nº 156/09) .............................................. 36

7 CONCLUSÃO .................................................................................................................................... 39

ANEXO 1............................................................................................................................................... 43

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RESUMO

Este trabalho acadêmico tem como objetivo primordial discorrer sobre a importância do inquérito policial no sistema processual penal brasileiro, considerada a repercussão do mesmo na fase processual propriamente dita, ou seja, os reflexos na prestação jurisdicional penal.

Pretende-se ainda fazer um comparativo da atual legislação, com as mudanças propostas no anteprojeto de lei do Senado Federal que, já na sua exposição de motivos, afirma que “... há no processo penal uma convergência quase absoluta: a necessidade de elaboração de um novo Código, sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da República de 1988”.

E, com base na Constituição Federal de 1988, será devidamente demonstrada a necessidade de renovação do Código de Processo Penal, lastreado em argumentações doutrinárias que vêm se manifestando no sentido de que o Processo Penal se divide em duas fases: a fase pré-processual, que envolve o Inquérito Policial, onde não são aplicados os Princípios do Contraditório e Ampla Defesa e ainda a fase Processual propriamente dita, onde tais princípios são respeitados, sob pena de nulidade dos atos processuais.

Dessa forma, com vistas a dar maior sustentação, o presente trabalho será elaborado com o auxilio doutrinário e decisões jurisprudenciais que demonstram como os Tribunais estão se manifestando sobre fatos relacionados ao Inquérito Policial, levando-se como contraponto o anteprojeto de Lei proposto pelo Senado Federal.

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1 INTRODUÇÃO

Trata-se o Inquérito Policial de um procedimento administrativo, de

investigação preliminar, que visa embasar a propositura da Ação Penal competente,

pelo órgão acusador (Ministério Público), no caso de ação penal pública, conforme

preceitua o Artigo 129, inc I da CF. Em se tratando de Ação Penal privada, visa dar

embasamento à propositura por parte do ofendido, conforme artigo 30 do Código de

Processo Penal.

Atualmente, o Inquérito Policial é regido por um caráter inquisitivo, onde a

Autoridade Policial tem ampla discricionariedade, e onde também não estão

presentes os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa. Tal assertiva se dá em

razão de que o Inquérito Policial é tratado como mero procedimento administrativo,

de caráter investigatório, visando subsidiar a atuação do titular da ação penal.

Nota-se que a mudança da legislação processual penal, é necessária e

inevitável, à medida que a Constituição Federal de 1988 preceituou direitos e

garantias ao cidadão, de forma a disciplinar a atuação do Estado, diferente do

Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941, que elaborou o Código Processual

Penal, vigente até o presente, elaborado em um momento histórico em que não

havia uma preocupação com as liberdades individuais.

Já no preâmbulo da Magna Carta, consta o devido respeito aos direitos e

garantias do cidadão, conforme segue:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia

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social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

Com base nesse anseio pelo cumprimento das garantias e liberdades

individuais, é que se questiona: o procedimento administrativo, de investigação

preliminar conhecido por Inquérito Policial, deve seguir o atual rito, se conformando

com o seu modelo inquisitório, que de uma forma ou de outra, tende a influenciar a

decisão do magistrado julgador, ou se adequar aos preceitos constitucionais,

conforme já exposto?

Cumpre fazer aqui um retorno histórico até meados de 1941, onde a

exposição de motivos do Código de Processo Penal ressalta em seu item II que “de

par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal

num código único para todo Brasil, impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de

maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinqüem”.

Dessa forma, fica demonstrado o quão arcaica é nossa atual legislação processual

penal, não devendo assim prosperar.

Importante ainda se referir aos diferentes sistemas processuais existentes,

que serão devidamente tratados ao longo deste trabalho acadêmico, quais sejam: o

Sistema Inquisitorial, Sistema Acusatório e o Misto, bem como qual àquele adotado

pelo CPP. Tais assertivas e seus respectivos aprofundamentos serão de suma

importância para o entendimento de qual a lacuna do Direito que estará sendo

tratada, visto que, cada sistema tem sua dogmática, esclarecendo desde já,

conforme já citado, que uma das características do Inquérito Policial é ser inquisitivo.

Diante do exposto, embora já tenham sido tomadas certas medidas, no

intuito de adequar a legislação processual penal com a Constituição Federal, esse

trabalho acadêmico tratará acerca da necessidade de atualização do nosso diploma

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processual penal, em consonância com a Constituição Federal de 1988, com vistas

ao cumprimento de todos os preceitos constitucionais elencados, visando dessa

forma à reunião de um conjunto probatório baseado na mais íntegra legalidade.

Por fim, será dissertada acerca da nova modelagem processual penal,

proposta pelo Senado Federal no Anteprojeto de Lei (PLS nº 156/09) que, em seu

primeiro turno, obteve votação favorável e, em sendo aprovada em definitivo, trará

grandes mudanças ao Inquérito Policial, tendo em vista a previsão do Juiz de

garantias.

Tal atributo, denominado no texto da Lei do anteprojeto como juiz das

garantias, terá como uma de suas funções, a gestão da tramitação de inquéritos

policiais, dentre outras, sendo que, o Juiz que praticar atos na fase investigatória,

ficará impedido de atuar no processo, conforme previsto no Artigo 17 do referido

anteprojeto1, característica essa presente na modelagem acusatória.

1 Artigo 17: O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências do art. 15, ficará impedido de funcionar no processo.

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2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

Antes de adentrar no principal ponto que norteia este trabalho, que tratará

acerca do Inquérito Policial, importante que se faça uma abordagem sobre os

Sistemas Processuais Penais, os quais, segundo a doutrina, podem ser divididos em

três espécies: O Sistema Acusatório, o Sistema Inquisitivo, e por fim o Sistema

Misto.

A seguir, será abordado cada um dos itens acima referidos, os quais

possuem dogmáticas próprias. No entendimento de SUANNES (1995, citado por

SOUZA NETTO, 2003, p. 20), “a distinção entre o processo penal inquisitório e

processo penal acusatório, não se limita a mera diferença de procedimentos. É uma

questão ideológica”.

2.1 SISTEMA ACUSATÓRIO

Historicamente e de forma resumida, a modelagem acusatória e a sua

origem, remonta ao Direito Grego, onde se desenvolve pela participação direta do

povo no exercício da acusação, presente assim um caráter público (publicidade).

Vale ressaltar que o modelo acusatório era pautado, muitas vezes, em uma

instrução esdrúxula, e o Juiz deveria ser inerte a tal fato, mantendo-se imparcial,

respaldando sua decisão em uma acusação de certa forma defeituosa e fraca de

conteúdo, o que ocasionava o que se pode designar de desvio de função por parte

do Magistrado julgador, que passava a se envolver diretamente na acusação,

deixando sua imparcialidade de lado, passando de mero expectador do processo, a

parte.

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A inércia do Juiz, advinda do Principio da Imparcialidade, era uma das

críticas ao modelo acusatório, pois, conforme leciona Lopes Junior, “frente à imposta

inércia do julgador se produz um significativo aumento da responsabilidade das

partes, já que tem o dever de investigar e proporcionar as provas necessárias para

demonstrar os fatos” (2008, p. 59). Porém, tal fato, na prática, não ocorria, tendo em

vista que a atividade das partes carecia de uma participação mais efetiva, visando

um material com qualidade para que o Juiz, imparcial e completamente alheio às

partes, pudesse fundamentar sua decisão com base no material colhido.

Por outro lado, na modelagem processual atual, em consonância com a

Constituição Federal que trata dos direitos e garantias fundamentais do homem e

dos princípios constitucionais, ainda levando-se em conta a atual estrutura social e

política do Estado, é inevitável e necessária a manutenção da imparcialidade do Juiz

julgador, garantindo dessa forma, um tratamento digno e evitando-se um eventual

abuso cometido por um Juiz obcecado em investigar.

Nessa fase, o Juiz com vistas a buscar maior ensejo e fundamentação para

sua decisão, certamente trataria e se reportaria ao suspeito, como condenado,

desde o trâmite investigativo. É o que leciona Lopes Junior, quando trata do modelo

acusatório:

Também conduz a uma maior tranqüilidade social, pois evitam-se eventuais abusos de prepotência estatal que se pode manifestar na figura do Juiz “apaixonado” pelo resultado de sua labor investigadora e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação. (2008, p. 59).

Nota-se que o Sistema Acusatório atual, adotado na fase processual

propriamente dita do Direito Processual Penal Brasileiro, é visto com bons olhos

pelos doutrinadores, na medida em que cumpre dignamente os direitos

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fundamentais do cidadão e também os princípios processuais aplicáveis, tendo em

vista a impossibilidade de julgamento sem o cumprimento dos princípios

constitucionais do contraditório e da ampla defesa, dentre outros. O doutrinador

Pacelli de Oliveira se refere ao sistema acusatório como “um dos pilares do sistema

de garantias individuais postos pela Constituição de 1988”. (2009, p. 12).

Lopes Junior afirma que na atualidade, a modelagem acusatória caracteriza-

se pela:

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar;b) a iniciativa probatória deve ser das partes;c) mantem-se o Juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor investigativa

e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo;

d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo);

e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente);f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte);g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa);h) ausência de tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre

convencimento motivado do órgão jurisdicional;i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa

julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição. (2008, p. 58)

Na mesma linha de entendimento, Tourinho Filho demonstra os traços

marcantes do modelo acusatório, como sendo:

a) O contraditório como garantia político-jurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável pelo olho do povo (excepcionalmente se permite uma publicidade restrita ou especial); d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas e, logicamente, não é dado ao Juiz iniciar o processo (ne procedat judex ex officio); e) o processo pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes, pois “non debet licere actori, quod reo non permittitur”; g) a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, que poderá ser o ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou órgão do Estado. (2008, p. 90/91)

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Por fim, importante ressalva faz Grau Verger (1994, citado por SOUZA

NETTO, 2003, p. 25), quando afirma que “a finalidade do processo acusatório é

fazer emergir o equilíbrio entre as partes, a celeridade, a imparcialidade do Juiz”.

2.2 SISTEMA INQUISITIVO

Também conhecido como sistema inquisitório, tem como uma de suas

principais características a de reunir na mesma pessoa, as funções de acusador e

julgador. Nesse caso, o réu (acusado), é tratado como mero objeto da persecução,

motivo pelo qual, era freqüente o uso da tortura como meio de se alcançar a

principal prova que daria ensejo à propositura da competente Ação Penal, a

confissão do acusado.

O sistema inquisitivo foi adotado com vistas a substituir inoperâncias do

sistema Acusatório, como a inatividade das partes do processo, o que demonstrou a

necessidade de intervenção do Estado, no sentido de qualificar a persecução

criminal, com um órgão específico para tal. Com isso, o Magistrado passou a invadir

cada vez mais a parte acusatória, chegando ao cúmulo de reunir no mesmo órgão

as funções que atualmente cabem ao Ministério Público (acusador) e Juiz (julgador).

Em razão do envolvimento cada vez maior do Magistrado na esfera

acusatória, a desigualdade toma conta no âmbito processual, ante o abismo

existente entre o Juiz inquisidor e o acusado. Antes o acusador privado e o acusado

se encontravam em pé de igualdade.

Nas palavras de Lopes Junior, se referido ao Juiz, que:

abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador. Confundem-se as atividades do juiz e acusador, e o acusado perde a condição de suspeito processual e se converte em mero objeto da investigação. (2008, p. 60)

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No ápice do modelo inquisitivo, a confissão era a prova maior, razão pela

qual o interrogatório do suspeito era tratado com grande importância, o que ensejou

o elevado número de casos que se tem registro, em que a tortura predominou como

o meio eficaz de se chegar a ela. Nesse período histórico, o interrogatório era

utilizado como meio de prova e não como meio de defesa do acusado.

A tortura passou a ser tratada como um ato tão comum pelos inquisidores,

que se chegou ao ponto de haver cinco espécies, onde o acusado teria a “faculdade”

de optar entre uma delas e, caso resistisse em 15 dias, seria liberado. Vale ressaltar

que em muitas vezes, a própria tortura chegava a ser de maior gravidade, do que

uma eventual pena e que, dificilmente o acusado resistia aos 15 dias da tortura,

sendo comum a confissão.

Neste diapasão, MIRABETE, leciona que “nele2 inexistem regras de

igualdade e liberdade processuais, o processo é normalmente escrito e se

desenvolve em fases por impulso oficial, a confissão é o elemento suficiente para a

condenação, permitindo-lhe inclusive a tortura...” (2007, p. 21)

Na Constituição Federal de 1988, a tortura é ressaltada no capítulo que trata

dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu inciso III3 e definida como crime na

Lei nº 9455/19974.

O doutrinador MAIER (citado por BONATO, 2003, p. 99), com relação à

tortura, assevera que:

O sistema não pode funcionar sem a autorização para obter a confissão compulsivamente, mediante a tortura, centro de gravidade de toda a investigação, e a regularização probatória só cumpre o fim de requerer precauções mínimas para possibilitar o tormento. De tal maneira, o importante politicamente não são tanto as condições da prova plena, senão

2 Sistema inquisitivo3 Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.4 Art. 1º Constitui crime de tortura: (...)

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as das chamadas semi-plenas, que abrem espaço para a tortura. A tortura é, por isso, sinônimo de inquisição.

Por fim, vale dizer que no Sistema inquisitório, nas palavras de Souza Netto,

“não há contraditório e, por isso mesmo, inexistem as regras de igualdade e da

liberdade processual” e que, seguindo o mesmo autor, “é secreto e escrito, nenhuma

garantia se confere ao acusado” (2003, p. 25)

2.3 SISTEMA MISTO

Com o intuito de aprimorar os dois sistemas - Acusatório e Inquisitivo - surge

o Sistema Misto, também denominado na doutrina como sistema acusatório formal.

Teve sua aparição com a revolução francesa, através do código napoleônico, que

previu uma filosofia inquisitória para a instrução preliminar – confiado a um juiz de

instrução - e ainda uma concepção baseada no sistema acusatório - quando previu

uma audiência de julgamento pública, oral e contraditória, na qual a matéria de fato

era decidida por um júri.

Tal sistema se difundiu rapidamente e começou a prever um maior rol de

garantias ao acusado, em razão da tendência liberal da época, tendo sido adotado

por diversos países, que passaram a obedecer tal sistemática por anos.

A doutrina diverge sobre a sua aplicação ou não, sendo que, de forma

negativa, Miranda Coutinho (1994, citado por SOUZA NETTO, 2003, p. 32), entende

que:

não há – e nem pode haver – um princípio misto, o que, por evidente, desconfigura o dito sistema. Assim, para entendê-lo, faz-se mister observar o fato de que, ser misto significa ser, na essência, inquisitório ou acusatório, recebendo a referida adjetivação por conta dos elementos (todos secundários), que de um sistema são emprestados a outro. É o caso, por exemplo, do processo comportar a existência de parte, o que para muitos, entre nós, faz o sistema tornar-se acusatório. No entanto, o argumento não é feliz, o que se percebe por uma breve avaliação histórica: quiça o maior

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monumento inquisitório fora da Igreja tenha sido as o Ordonnance Criminelle (1670), de Luís XIV, em França; mas mantinha um processo que comportava partes.

Na mesma linha, entende Lopes Junior, quando se refere ao sistema misto

como um “monstro de duas cabeças (inquérito policial totalmente inquisitório e fase

processual com ares de acusatório)” (2008, p. 68).

Ainda nas palavras de Lopes Junior, se referido à origem napoleônica do

sistema misto:

Ora, ou alguém imagina que Napoleão aceitaria o tal sistema bifásico se não tivesse certeza de que era apenas um “mudar para continuar tudo igual”?.Como “bom” tirano, jamais concordaria com uma mudança dessa natureza se não tivesse certeza de que continuaria com o controle total, através da fase inquisitória, de todo o processo. (2008, p. 68)

Já TORNAGHI (1990, citado por SOUZA NETTO, 2003, p. 32), assevera que

“o sistema que deveria prevalecer é o sistema misto, porque reúne as vantagens e

elimina os inconvenientes dos outros dois”

2.4 SISTEMA ADOTADO PELO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Antes de adentrar na problemática de qual o sistema processual adotado no

direito pátrio, cabe ressalva com relação à origem e a época em que o atual Código

de Processo penal entrou em vigor.

O Código de Processo penal que vige atualmente, regulou o Inquérito

Policial no título II do Livro I, sendo que tal diploma legal remonta ao ano de 1941,

época em que o autoritarismo vigorava, ante a realidade social e política vivida

naquele momento, com o governo Getúlio Vargas, em pleno período do Estado

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Novo5, aliado ainda à inspiração no modelo fascista italiano – Código Rocco6, razão

pela qual defendia-se uma persecução criminal a todo custo, sendo que o acusado

em questão era tratado como mero objeto da persecução criminal.

Na ótica dos Delegados de Polícia, Oliveira e Lopes:

O Estado totalitário estribou sua longa manus, em muitas oportunidades na Polícia Judiciária ou Militar, cerceou e podou direitos que somente há pouco foram restaurados, e toda essa profusão de desajustes e conceitos por décadas povoou nossas mentes e foi assimilada por nós, e o reflexo contido nesse entendimento, ainda hoje nos acompanha. Ainda aparecem nas Delegacias de Polícia (e diga-se: é bastante comum), vítimas mais indignadas que sugerem um “aperto” naquele que é suspeito da lesão, geralmente patrimonial, que sofrera e, neste momento, sem sombra de dúvidas e imediatamente, deve a Autoridade Policial antecipar-se a tal “sugestão” e garantir a integridade do suspeito ou indiciado, agir como agente do Estado e guindar-lhe ao fim precípuo da fase da persecution a que preside, ignorando prontamente a servir de algoz instrumentário da vindita, de qualquer cidadão. (2002, p. 28/29)

Sobre as tendências históricas que ensejaram os traços fascistas do atual

Código de Processo Penal, o doutrinador Gilson Bonato, de forma brilhante explana

que “toda a legislação processual penal brasileira ainda em vigor foi fruto da

influência dos regimes fascista e nazista, tendo o Código de Processo Penal, datado

de 1941, forte influência do Código Italiano, lembrando que foi concebido na era

getulista”. (2003, p. 101/102)

Entretanto, com o advento da nova Lei Maior, trazida em 08/10/1988, vários

foram os dispositivos que deixaram de fazer parte do Código de Processo Penal,

tendo em vista a sua não recepção pela Lei maior, que explicitou diversos princípios

e garantias constitucionais e procedimentais que impediram a aplicação de certos

5 período de governo iniciado com Getúlio Vargas e definido como uma forte ditadura, que eliminou os direitos políticos (cidadania) e impôs ao país uma forte repressão.6 Código de Processo Penal buscou inspiração na legislação processual penal italiana (código Rocco) de 1930, época em que estava em plena vigência o regime fascista, liderado por Benito Mussolini. Toda a Europa, aliás, estava sendo governada por líderes autoritários e remodelou sua legislação para ampliar o direito de punir estatal (jus puniendi).

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dispositivos, porém manteve a primeira fase da persecução penal, como instrumento

de defesa do Estado, na consecução dos seus objetivos.

A Constituição Federal acabou por não recepcionar muitos dispositivos do Código de Processo Penal, razão pela qual se torna necessária uma nova leitura da legislação infraconstitucional, ou melhor, uma leitura em conformidade com a Constituição, a fim de que os preceitos maiores possam ser respeitados e efetivados no processo. (id, 2003, p. 102/103)

Voltando à problemática lançada no início do tópico, assim como há

divergência quanto à aplicação ou não de um sistema misto, existe a divergência

entre a doutrina acerca de qual o sistema adotado pelo direito processual penal

pátrio.

Aliado a isso, resta acrescentar que a doutrina que entende que o sistema

pátrio é o acusatório, por óbvio, absorve a idéia de que a fase pré processual não

abarca o Processo Penal. Já para aqueles que entendem e aceitam que a fase pré

processual é parte integrante do Processo Penal, certamente entende que o direito

processual penal pátrio é o misto, ante os resquícios da inquisitoriedade na sua fase

preliminar.

Deve-se ainda levar em conta a atuação do Juízo Criminal e os poderes lhe

atribuídos no Código de Processo Penal, o qual poderá vir a atuar ainda na fase

preliminar, na busca pela verdade real. Porém, o envolvimento do Juiz, conforme já

referido, pode vir a acarretar a quebra do princípio da imparcialidade.

Nessa linha de raciocínio, Pacelli de Oliveira, conclui que

limitada a iniciativa probatória do juiz brasileiro ao esclarecimento de dúvidas surgidas a partir de provas produzidas pelas partes no processo – e não na fase de investigação – e ressalvada a possibilidade de produção ex offício daquela (prova) para a demonstração da inocência do acusado, pode-se qualificar o processo penal brasileiro como um modelo de natureza acusatória , tanto em relação às funções de investigação quanto às funções de acusação e, por fim, quanto àquelas de julgamento. (2009. p. 14)

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Deixando de lado as divergências doutrinárias acerca do sistema adotado, o

que resta acrescentar é que o modelo inquisitivo está presente na fase pré

processual do Direito Processual Penal brasileiro, que tem o Inquérito Policial como

sua materialização, e não cumpre os princípios constitucionais do Contraditório e

Ampla Defesa.

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3. INQUÉRITO POLICIAL

3.1 ORIGEM

Para Mehmeri, (1992, p. 4), o termo Inquérito Policial tem origem na palavra

inquisitio que significa: “procurar informações, indagar, investigar”.

No Brasil, a denominação teve sua primeira aparição com a Lei 2033 de

1871, porém somente foi regulamentada por meio do Decreto-Lei nº 4824 do mesmo

ano, disciplinada em seu artigo 42.

A primeira Constituição Republicana de 1891, apesar de tentar extinguir a

unidade processual, estabelecendo a competência dos Estados para legislar na área

civil, criminal e organização judiciária, não foi fundamento para a supressão do

inquérito policial ou ainda sua modificação, tendo em vista que muitos Estados

continuaram a adotá-lo.

A competência da União para legislar em matéria processual penal

restaurou-se por intermédio da Constituição de 1934, momento em que o Inquérito

Policial permaneceu inalterado.

O período em que vigeram as Cartas de 1934 e de 1937 foi marcado pelos

constantes projetos de comissões, no intuito de que fosse elaborado um novo

Código de processo Penal. O projeto do professor Vicente Ráo propugnava pela

extinção do inquérito policial e a conseqüente implantação do Juizado de Instrução,

que sequer foi discutido, em razão do golpe de Estado.

O Inquérito Policial, superando todas as pressões políticas, principalmente

no que concerne à tentativa de sua exclusão, conseguiu novamente se manter no

Decreto lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), tendo

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sido recepcionado pelas Constituições posteriores, como uma fase extrajudicial

conduzida pela autoridade policial.

3.2 CONCEITO

Nas palavras de Fernando Capez, o Inquérito Policial vem a ser:

O conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial...” (2006, p. 72)

Acertadamente, Guilherme de Souza Nucci conceitua o Inquérito Policial

como sendo:

procedimento administrativo, preparatório da ação penal, conduzido pela polícia judiciária, com o propósito de colher provas para apurar a materialidade de uma infração penal e a sua autoria. (2009, p. 27)

Na conceituação de Francisco Dirceu Barros:

O inquérito Policial é um procedimento persecutório de caráter administrativo. Por meio dele é que são oferecidos os elementos que servem à formação da opinio delicti do promotor de justiça, na ação penal pública, ou do querelante, na ação penal privada. (2006, p. 382)

Em suma, a doutrina converge no sentido de que o Inquérito Policial busca

dar justa causa para a propositura da ação competente, seja no âmbito público, seja

no âmbito privado.

3.3 CARACTERÍSTICAS

Além de se tratar de procedimento investigativo inquisitivo, o Inquérito

Policial tem outras características peculiares, conforme segue:

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3.3.1) ESCRITO, em razão de sua finalidade que é a de servir de base para

a propositura da respectiva ação competente. Tal característica encontra

fundamento legal no artigo 9º do CPP, in verbis: “todas as peças do inquérito

policial serão, num só processado, reduzidos a escrito ou datilografadas e,

neste caso, rubricadas pela autoridade”.

3.3.2) SIGILOSO, conforme preceituado no artigo 20 do Código de Processo

Penal7. Importante ressaltar que não há que se falar em sigilo quando diz

respeito ao Ministério Público e também à autoridade judiciária. No que

concerne ao advogado, excetuado os casos em que o sigilo é decretado

judicialmente, trata-se de prerrogativa instituída no Estatuto da OAB,

conforme consta no artigo 7º, XIV da Lei 8906/94 e ainda súmula vinculante

nº 14 do Supremo Tribunal Federal8;

Vale ressaltar que o sigilo no inquérito policial, nas palavras de CAPEZ,

“deverá ser observado como forma de garantia da intimidade do investigado,

resguardando-se, assim, seu estado de inocência”. (2006, p. 78). Porém, em linhas

gerais, não é assim tratado, tendo em vista ser notório o fato da utilização da

imagem daquele “investigado” como forma de engrandecer a instituição policial,

dando uma resposta à sociedade sobre a elucidação de eventual crime, através da

publicação jornalística.

Nesse sentido, Chouke afirma que

O cotidiano da preparação da ação penal há muito sepultou a regra acima citada9, tendo transformado a investigação criminal em verdadeiro palco para o estrelato de agentes policiais e alimentando toda uma indústria

7 Art. 20 do CPP: A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.8 Súmula vinculante nº 14 do STF: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.9 Momento em que o autor se referente à regra do sigilo do Inquérito Policial.

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jornalística que vive em torno do tema. Falar de sigilo da investigação nesse quadro é cair no abismo entre a realidade dos fatos e o direito positivo. (1995, p. 92)

Resta acrescentar que na própria exposição de motivos do atual Código de

Processo Penal, já havia a preocupação com o Inquérito Policial, no sentido de uma

formação antecipada de juízo de valor acerca da culpa, expondo que “é ele uma

garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a

trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de

conjunto dos fatos, nas suas circunstância objetivas e subjetivas”.

Ainda com relação às características, o Inquérito Policial apresenta-se:

3.3.3) FORMAL, na medida em que é tratado como peça informativa que

dará justa causa à propositura da ação penal competente;

3.3.4) OBRIGATÓRIO, na hipótese de crime apurado mediante ação penal

pública, sendo que a partir do momento em que a Autoridade Policial toma

conhecimento de um fato descrito como crime, deverá, obrigatoriamente,

instaurar de ofício o procedimento investigativo, conforme preceitua o artigo

5º, inc I do CPP, aqui transcrito: “Nos crimes de ação pública, o inquérito

policial será iniciado: I – de ofício...”

3.3.5) INDISPONÍVEL, uma vez que o procedimento instaurado, não poderá

ser arquivado pela autoridade policial presidente do feito. É o que assevera o

artigo 17 do CPP, conforme segue: “A autoridade policial não poderá mandar

arquivar autos de inquérito”.

3.4 FINALIDADE

No que concerne à finalidade do Inquérito Policial, CAPEZ afirma se tratar

da “apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria para servir

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de base à ação penal ou às providências cautelares”. (2006, p. 75). Ou seja, busca

formar a convicção (opnio delicti) daquele que é detentor da propositura da ação

penal - no caso de ações públicas – através de uma investigação preliminar que pré-

constituirá indícios suficientes da materialidade de uma infração penal e sua

conseqüente autoria (NUCCI, 2009).

Vale a pena ressaltar que, conforme entendimento doutrinário, embora tenha

como finalidade a investigação do fato criminoso e de sua autoria, o Inquérito Policial

não se trata de condição ou pré-requisito para o exercício da ação penal

competente, visto ser possível a sua substituição por outras peças de informação,

desde que cumpra sua finalidade. (BARROS, 2006, p. 390)

Porém, mesmo não sendo a única forma de ensejar justa causa para a

propositura da Ação Penal competente, é um dos meios mais eficazes, senão

vejamos:

O Inquérito Policial não é evidentemente o mais perfeito, nem imutável instrumento que pode realizar a fase primária da administração da justiça, porém, não devemos ignorar seus acertos e pontos positivos. Atualmente à Polícia Judiciária cabe sua presidência, ou seja, à Autoridade Policial, que naturalmente atenderá às requisições do órgão do Judiciário e do representante do Ministério Público, e aqui um ponto de fundamental importância, sob pena de não sendo obnoservado, pagar a própria comunidade: a afinação daquele poder com as duas instituições e vice-versa, a proximidade deve ser constante, e a integração e soma são pontos preciosos,contra uma criminalidade, cada vez mais organizada. (OLIVEIRA E LOPES, 2002, p. 30)

3.5 FUNDAMENTO LEGAL

O Inquérito Policial está inserido na Constituição Federal, previsto em seu

artigo 144, § 1º e 4º, o tratando como atividade privativa da polícia judiciária. No

código de processo penal, encontra-se inserido no Titulo II do livro I, nos artigos 4º

ao 23º do referido diploma legal.

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3.6 PONTOS RELEVANTES

De posse de uma conceituação doutrinária e enfatizadas as principais

características e finalidade, pode-se afirmar que, na teoria, o Inquérito Policial visa à

elucidação fática, visando materialidade do delito e sua autoria, sendo que o faz,

após a notícia de um fato criminoso, onde o responsável pela condução do Inquérito

Policial (Polícia Civil), tendo o Delegado de Polícia como presidente, passará a

tomar por termo os esclarecimentos de todos os envolvidos, sejam testemunhas,

vítimas, acusado, solicitando exames periciais, os quais então darão ensejo à

propositura da Ação Penal pelo seu titular – Ministério Público, no caso de Ação

penal pública.

A incumbência da Policia Civil consta no artigo 144, em seu parágrafo 4º da

Constituição Federal de 1988:

Às policiais civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, asa funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Em se tratando das garantias processuais, devidamente explicitadas na

Constituição Federal de 1988, é necessário destacar que o Inquérito Policial, na

legislação processual penal vigente, embora seja um procedimento administrativo

destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é fiscal da

Lei, responsável pelo oferecimento, ou não, da denúncia, não trata com o devido

respaldo que merece os preceitos fundamentais da Ampla Defesa e também do

contraditório.

Nesses termos, manifesta-se NUCCI, no sentido de que “O Inquérito é

inquisitivo e sigiloso. Inquisitivo, porque a autoridade policial colhe a prova sem

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necessidade de dar ciência ao suspeito, valendo dizer que não se submete aos

princípios da ampla defesa e do contraditório...”.(2000, p. 29)

Ocorre, porém, que a Constituição Federal é clara no intuito de assegurar o

contraditório e ampla defesa aos litigantes, conforme consta no artigo 5º, inc LV da

CF de 1988, in verbis:

Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Tal dispositivo é claro no sentido de reafirmar a garantia do contraditório e

ampla defesa no processo penal, e prevê uma característica não constante na

Constituição anterior, que é o direito ao contraditório e a ampla defesa nos

processos administrativos e judiciais.

Dessa forma, o contraditório deve ser admitido na investigação criminal, pois

se trata de um procedimento administrativo, composto por um conflito de interesses,

que expressa a existência de litigantes, que proporciona uma carga processual, e

origina a necessidade de garantias inerentes ao processo.

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4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Antes de iniciar o tema aqui proposto, resta uma citação importante do

constitucionalista CHOUKE, acerca da aplicação das garantias constitucionais já na

fase de investigação, o qual propõe que:

A inserção das garantias constitucionais desde logo na investigação criminal, naquilo que for possível e adequado à sua natureza e finalidade, aparece como um “passo adiante” na construção de um processo penal garantidor, entendida esta expressão como sendo o arcabouço instrumental penal uma forma básica de proteção da liberdade individual contra o arbítrio do Estado. (1995, p. 25)

Desde já, nota-se que o assunto é de extrema relevância, visto se tratar

diretamente dos direitos individuais. Porém, nota-se que é tamanho o sucateamento

da atual legislação processual penal, que nem mesmo após o advento da

Constituição Federal de 1988, a qual “operou uma revolução copérnica dentro do

processo penal, inserindo novas garantias ou explicitando antigas” (id., 1995, p. 25),

obteve-se o êxito esperado, chegando ao cúmulo de adequar a Constituição àquela

lei infraconstitucional (CHOUKE, 1995). Tal fato pode ser exemplificado quando o

interrogatório do acusado é utilizado como meio de prova e não como de defesa.

Por outro lado, em razão da alta criminalidade que paira sobre o mundo, em

especial ao Brasil, é necessário endurecer as formas repressivas de combate ao

crime e para tanto, tal discussão sempre aflora nos órgãos competentes, em razão

de grandes pressões populares.

Em vista do exposto, o questionamento que se levanta, é se vale mais a

pena o combate incessante ao crime, deixando de lado alguns preceitos e buscando

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a autoria imediata de um crime, que muitas vezes é alcançada logo após a sua

ocorrência, trazendo assim um conforto maior para a sociedade em geral que

presencia a elucidação de um eventual crime ocorrido e, dessa forma, se vê

protegido pelos meios de segurança pública. Ou, proporcionar todos os direitos e

garantias possibilitados àquele que está sendo investigado, podendo o mesmo

confrontar a acusação, utilizando-se de todos os meios de defesa possíveis.

Sobre tal assertiva, não cabe discussão no âmbito jurídico, visto de se tratar

de um problema social, que envolve a precariedade no sistema educacional, dentre

tantos outros que tem como conseqüência final, o envolvimento cada vez mais

precoce de indivíduos com a criminalidade.

Feitas tais considerações, a seguir, serão tratados os princípios de maior

importância, no que se refere ao Inquérito Policial.

4.1 CONTRADITÓRIO

O Princípio do Contraditório é direito e garantia explicitamente elencado na

Constituição Federal de 1988 e, segundo CAPEZ é “... a possibilidade, conferida aos

contendores, de praticar todos os atos tendentes a influir no convencimento do Juiz”.

(2006, p. 19). Vale dizer, é o momento em que o acusado pode contradizer a

suposta verdade firmada pela acusação, ficando o Juiz adstrito à sua função de

julgar, mantendo-se imparcial às partes.

Lopes Junior, afirma que:

sempre que se atribuem poderes instrutórios ao Juiz, destrói-se a estrutura dialética do processo, o contraditório, funda-se um sistema inquisitório e sepulta-se de vez qualquer esperança de imparcialidade (...) É um imenso prejuízo gerado pelos diversos pré-juízos que o julgador faz. (2008, p. 76)

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Outro ponto nevrálgico que dá vasta importância ao Princípio do

Contraditório, diz respeito à participação efetiva das partes no processo, devendo

estar sempre bem informadas de todos os atos desenvolvidos. Segundo Rangel

Dinamarco, (1990, citado por JUNIOR, Aury Lopes, 2008, p. 185), “os dois pólos da

garantia do contraditório são: informação e reação”. Dessa forma, a participação

está diretamente ligada a informação, visto que, somente de posse de informação de

determinado ato processual ou qualquer evento relevante, haverá a efetiva reação

da parte, muitas vezes, contrapondo-o.

No que concerne ao Inquérito Policial e a atual legislação processual penal,

não há que se falar em Contraditório, tendo em vista o seu caráter procedimental, ou

seja, não se trata de processo em si, onde as partes irão confrontar-se, mas sim de

mero procedimento investigatório, buscando um conjunto probatório para dar ensejo

à propositura do processo em si.

O problema que ocorre no Brasil, é que muitas vezes a decisão do Juiz,

funda-se nas provas produzidas no Inquérito Policial, que é inquisitivo, porém,

mascarado por uma decisão que traz um belo discurso do Julgador.

Vale dizer, o Inquérito Policial não respeita o Contraditório, por ser essa uma

característica sua, e dessa forma não oportuniza ao acusado contrapor-se às provas

produzidas na fase preliminar, sob a alegação de que o procedimento se trata

exatamente de uma peça preliminar, sendo utilizada especificamente para embasar

eventual propositura da Ação Penal competente. Porém, em certas situações, todas

as provas produzidas no procedimento preliminar investigativo são, de alguma

forma, fontes para uma eventual condenação, onde o Juiz, no anseio de fazer valer

o seu papel de Julgador, não ampara a sua decisão nas provas produzidas já na

fase processualmente dita, pois não lhe é interessante em determinado caso, seja

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pela sua relevante notoriedade ou qualquer outro motivo, galgando assim provas

preliminarmente produzidas, que muitas vezes são apenas repetidas na fase

processual, mascarando o cumprimento ao preceito constitucional do Contraditório e

julgando indiretamente com base nas provas produzidas no Inquérito Policial.

Por fim, vale dizer que parte da doutrina defende o reconhecimento do

contraditório na fase investigativa, pois, nas palavras do autor DIRCEU BARROS:

assegura ao indicado conhecimento das provas produzidas na investigação, o direito de contrariá-las, o direito de requerer diligências, de arrolar testemunhas, o direito de não ser indiciado com base em provas ilícitas e o privilégio contra a auto-incriminação. (2006, p. 26)

O autor BOZOLO, no que concerne à aplicação do referido princípio no

Inquérito Policial, afirma que:

As apurações realizadas no inquérito o são de forma inquisitiva. Sempre foi assim, mas, a partir da promulgação da CF/88, essa afirmação está sendo questionada. Aos litigantes, mesmo no administrativo, são assegurados, diz a Carta Magna, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Ora, a polícia judiciária está praticamente "formando a culpa" do indiciado, e a ele há de se aplicar o contraditório, e com muito mais razão, a ampla defesa. Ad argumentandum: se não há indiciado, não há que se falar em contraditório ou ampla defesa, mas, havendo indiciado, inafastável o imperativo constitucional. (2003)

4.2 AMPLA DEFESA

O mesmo fato pode ser constatado no Princípio da Ampla Defesa, também

explicitado na Constituição Federal, que é admitido no procedimento investigatório,

de forma exógena, facultando o exercício do Habeas Corpus e do Mandado de

segurança, se tratando na verdade do exercício da defesa, fora do Inquérito Policial.

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Com a atual legislação processual penal, a defesa no Inquérito Policial, fica

adstrita em solicitar diligências, conforme se constata no artigo 14 do Código de

Processo Penal10, ficando ainda, à cargo da Autoridade sua realização ou não.

Vale ressaltar que a dita defesa técnica, deverá ser obrigatoriamente

realizada por meio de um defensor, devidamente inscrito na Ordem dos Advogados

do Brasil.

Em comparação com o Contraditório (já tratado anteriormente), que visa a

garantia de participação, o principio da Ampla Defesa vai além, tornando efetiva a

realização dessa participação.

No caso do acusado que não dispõe de recursos para arcar com as custas

de um defensor – que é o que ocorre na grande maioria dos casos - não há como

afirmar que haja igualdade entre o órgão da acusação, representado pelo Ministério

Público e um órgão específico para atendimento e assessoria jurídica à essas

pessoas, no caso a Defensoria Pública.

Dessa forma, a defensoria pública deveria ser tratada com a mesma

importância que se dá hoje ao Ministério Público. É nítido o descumprimento do

preceito constitucional da Ampla Defesa, quando não há igualdade entre a acusação

e a defesa, na medida em que é notória a excelente estruturação do Ministério

Público como órgão acusador e a ausência de uma estrutura compatível, para a

defesa técnica do acusado.

Nas palavras de Lopes Junior, “Assim como o Estado organiza um serviço

de acusação, tem esse dever de criar um serviço público de defesa, porque a tutela

10 O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.

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da inocência do imputado não é só um interesse individual, mas social” (2008, p.

187)

Por fim, há de se destacar acerca do contido no artigo 306 do Código de

Processo Penal11, onde se constata um importante avanço acerca da possibilidade

defesa do acusado, ainda na fase investigatória, que vai além de eventual pleito pela

sua liberdade.

4.3 PUBLICIDADE

Tal princípio garante total publicidade dos autos, devendo as partes terem

total acesso ao seu conteúdo, salvo nos casos em que é cabível o sigilo necessário.

Ocorre que no caso do Inquérito Policial, a característica que prevalece é a do sigilo

do mesmo, conforme já anteriormente tratado, sob a alegação de seu caráter

informativo e para que se mantenha o chamado “estado de inocência” do objeto ora

acusado.

11 O artigo 306 do CPP teve sua redação dada pela lei nº 11.449/2007 e dispõe que no caso do autuado em flagrante delito, não informar o nome do seu defensor, será encaminhado no prazo de 24 horas, fotocópia do auto de prisão em flagrante delito à Defensoria Pública.

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5 POSIÇÕES JURISPRUDENCIAIS SOBRE O TEMA

Importante fazer nesse capítulo, um levantamento acerca do entendimento

jurisprudencial, quando envolve o cerne do tema aqui proposto, demonstrando a

linha de entendimento da corte maior, bem como do STJ, a visa da Constituição

Federal.

5.1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

INQUÉRITO - ELEMENTOS - CONDENAÇÃO. Surge insubsistente pronunciamento condenatório baseado, unicamente, em elementos coligidos na fase de inquérito. Segundo o relator, “o que coligido na fase de inquérito não serve a respaldar decisão condenatória. Indispensável e, sob o ângulo do contraditório, a demonstração da culpa em juízo”. (HC 96356, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 24/08/2010. Acessado em 03/03/2011. Disponível emhttp://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=614452

HC 74751, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 04/11/1997.EMENTA: I. Habeas-corpus: cabimento na pendência de indulto condicional (D. 1.860/96). II. Princípio do contraditório e provas irrepetíveis. O dogma derivado do princípio constitucional do contraditório de que a força dos elementos informativos colhidos no inquérito policial se esgota com a formulação da denúncia tem exceções inafastáveis nas provas - a começar do exame de corpo de delito, quando efêmero o seu objeto, que, produzidas no curso do inquérito, são irrepetíveis na instrução do processo: porque assim verdadeiramente definitivas, a produção de tais provas, no inquérito policial, há de observar com rigor as formalidades legais tendentes a emprestar-lhe maior segurança, sob pena de completa desqualificação de sua idoneidade probatória. (...). Acessado em 03/03/2011. Disponível em:http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=75469

RE 425734 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 04/10/2005. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA AO ART. 5º,

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INCISOS LIV E LV. INVIABILIDADE DO REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA STF Nº 279. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INQUÉRITO. CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO DOS TESTEMUNHOS PRESTADOS NA FASE INQUISITORIAL. 1. A suposta ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa passa, necessariamente, pelo prévio reexame de fatos e provas, tarefa que encontra óbice na Súmula STF nº 279. 2. Inviável o processamento do extraordinário para debater matéria infraconstitucional, sob o argumento de violação ao disposto nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição. 3. Ao contrário do que alegado pelos ora agravantes, o conjunto probatório que ensejou a condenação dos recorrentes não vem embasado apenas nas declarações prestadas em sede policial, tendo suporte, também, em outras provas colhidas na fase judicial. Confirmação em juízo dos testemunhos prestados na fase inquisitorial. 4. Os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo. 5. Agravo regimental improvido. Acessado em 04/03/2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=342509.

Súmula Vinculante 14. É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Acessado em 04/03/2011. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/PSV_1.pdf

5.2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(REsp 93464/GO, Rel. Ministro ANSELMO SANTIAGO, SEXTA TURMA, julgado em 28/05/1998, DJ 29/06/1998, p. 333). RESP - FURTO QUALIFICADO - REUS ABSOLVIDOS - PROVA POLICIAL NÃO CONFIRMADA EM JUIZO - ACUSAÇÃO QUE TEM COMO SUFICIENTE, AS OBTIDAS EM INQUERITO POLICIAL, DESDE QUE NÃO CONTRARIADAS NA FASE JUDICIAL - DOUTRINA E JURISPRUDENCIA EM SENTIDO INVERSO. 1. PARA QUE SEJA RESPEITADO, INTEGRALMENTE, O PRINCIPIO DO CONTRADITORIO, A PROVA OBTIDA NA FASE POLICIAL TERA, PARA SER ACEITA, DE SER CONFIRMADA EM JUIZO, SOB PENA DE SUA DESCONSIDERAÇÃO. TAL SIGNIFICA QUE, ACASO

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NÃO RATIFICADA NA FASE JUDICIAL, A SOLUÇÃO SERA ABSOLVER-SE O ACUSADO. PRECEDENTES. 2. APELO RARO QUE NÃO SE CONHECE. Acessado em 04/03/2011. Disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=93464&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=5#

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6. ANTEPROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL (PLS nº 156/09)

Até o presente, se tem demonstrada a necessidade da reavaliação e quiçá

uma profunda mudança no diploma processual penal pátrio, com vistas a entrar em

consonância com a Constituição Federal de 1988.

Não foi por acaso que o Senado Federal propôs por meio da PLS 156/2009,

o Anteprojeto de Lei que trata da reforma do Código de Processo Penal, que

inclusive já recebeu votação favorável em seu primeiro turno, o que demonstra o

pensamento evolutivo de nossos legisladores.

A comissão de juristas responsável pela reforma do Código, através de sua

exposição de motivos, deixa explícito que “A incompatibilidade entre os modelos

normativos do Decreto-lei nº 3.689, de 1941 e da Constituição de 1988 é manifesta e

inquestionável”. E também que “o respeito às garantias individuais demonstra a

consciência das limitações inerentes ao conhecimento humano e a maturidade social

na árdua tarefa do exercício do poder”.

Dessa forma, fica manifesta a vontade da comissão em atrelar o novo

Código de Processo Penal, de acordo com os preceitos e garantias constitucionais

vigentes e determinados pela Constituição Federal de 1988.

No que se refere às propostas de mudança que terão direta aplicação ao

Inquérito Policial, vale ressaltar um dos itens de maior peso do anteprojeto, que trata

com louvor sobre a instituição de um juiz das garantias, o qual, conforme termo

próprio da comissão, “será o responsável pelo exercício das funções jurisdicionais

alusivas à tutela imediata e direta das inviolabilidades pessoais”. Tem previsão

disposta no capítulo II do Título II, nos artigos 15 ao 18 do Anteprojeto e, em razão

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de sua grande importância no que consiste ao tema proposto no presente trabalho,

vale a pena aqui sua transcrição, in verbis:

CAPÍTULO IIDO JUIZ DAS GARANTIASArt. 15. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição da República;II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 543;III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença;IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial;V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar;VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em atenção às razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no parágrafo único deste artigo;IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;X – requisitar documentos, laudos e informações da autoridade policial sobre o andamento da investigação;XII – decidir sobre os pedidos de:a) interceptação telefônica ou do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática;b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico;c) busca e apreensão domiciliar;d) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.XIII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;XIV – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.Parágrafo único. Estando o investigado preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar a duração do inquérito por período único de 10 (dez) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será revogada.Art. 16. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da ação penal.§1º Proposta a ação penal, as questões pendentes serão decididas pelo juiz do processo.§2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz do processo, que,após o oferecimento da denúncia, poderá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso.§3º Os autos que compõem as matérias submetidas à apreciação do juiz das garantias serão juntados aos autos do processo.

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Art. 17. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências do art. 15 ficará impedido de funcionar no processo.Art. 18. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal.

Como se vê, o Juiz das garantias será o responsável pelo trâmite preliminar

investigatório, fiscalizando o respeito aos prazos legais previstos, desvinculando-se

do conjunto probatório, não se tratando de um controle de qualidade da matéria a

ser colhida.

Com base nessa característica, o código de processo penal passará a ser

eminentemente acusatório, ante a desvinculação da mesma pessoa, das funções de

investigar, acusar e julgar.

Outro ponto nevrálgico que envolve diretamente o Inquérito Policial e a

investigação preliminar é a presença obrigatória do defensor do agora denominado

“investigado” em seu interrogatório, sob pena de o auto de prisão em flagrante

lavrado, ser comunicado sem tal ato.

É o que reza o artigo 63 do anteprojeto:

Art. 63. O interrogatório constitui meio de defesa do investigado ou acusado e será realizado na presença de seu defensor.§1º No caso de flagrante delito, se, por qualquer motivo, não se puder contar com a assistência de advogado ou defensor público no local, o auto de prisão em flagrante será lavrado e encaminhado ao juiz das garantias sem o interrogatório do conduzido, aguardando a autoridade policial o momento mais adequado para realizá-lo, salvo se o interrogando manifestar livremente a vontade de ser ouvido naquela oportunidade.§2º Na hipótese do parágrafo anterior, não se realizando o interrogatório, a autoridade se limitará à qualificação do investigado.

Dessa forma, fica evidenciado que, conforme disposto no anteprojeto, o

interrogatório passa a ter caráter eminentemente defensivo, ainda que na fase

preliminar, quando o artigo acima referido trata da prisão em flagrante.

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7 CONCLUSÃO

Essa pesquisa jurídica procurou demonstrar que vivemos atualmente em um

Estado Democrático de Direito, sendo imperiosa a valorização dos Direitos

fundamentais do cidadão, na medida em que a nossa Carta Maior, que trata com a

cautela devida tais direitos, acaba conduzindo-nos a uma visão mais democrática e

garantista do processo penal, pois se revela como um instrumento a serviço do

poder punitivo do Estado.

Outro fator aqui tratado se refere ao fato de que o atual Código de Processo

Penal, na fase processual propriamente dita adota o Sistema Acusatório, porém a

estrutura procedimental do Inquérito Policial que o torna inquisitivo, aliado à sua

influência na fase judicial, coloca em xeque todo um sistema que se demonstra, nas

palavras de Lopes Junior “arcaico e totalmente superado, cuja ineficiência é

parente”. (2008. p. 223)

No que concerne às garantias do contraditório e ampla defesa, ficou

evidenciado que ambos são correlacionados, sendo que o primeiro é responsável

pela participação na contraposição e o segundo se refere à materialização dessa

participação, por meio de uma defesa, que deve ser tão qualificada quanto hoje o é

o órgão da acusação.

Com efeito, tais garantias são limitações ao poder do Estado, o que se inclui

o ius puniendi12, não podendo o acusado abrir mão de tais direitos, independente se

tratar de fase procedimento ou processual.

Por todo exposto, é manifesta e inquestionável a necessidade de mudança

do diploma processual penal, para que passe a convergir com a Constituição

12 Segundo Tourinho Filho (1992, citado por SOUZA NETTO, 2003, p. 48), o jus puniendi pertence, pois ao Estado, como uma das expressões mais características da sua soberania.

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Federal de 1988, respeitando os direitos constitucionais do cidadão, num Estado

Democrático de Direito.

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8 BIBLIOGRAFIA

AURY, Lopes Junior. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. 3º

edição. 2008. Editora Lumen Juris.

BARROS, Francisco Dirceu. Direito Processual Penal, Volume I. 2ª Edição. 2006.

Editora Campus.

BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. 2003.

Editora Lumen Juris Ltda.

CHOUKE, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na investigação criminal. 1995.

Editora Revista dos Tribunais.

MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 18ª edição. 2007. Editora Atlas S.A.

MEHMERI, Adilson. Inquérito Policial: dinâmica. 1992. Editora Saraiva.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5º

edição. 2008. Editora Revista dos Tribunais.

NUCCI, Guilherme de Souza. Pratica Forense Penal. 4ª Edição. 2009. Editora

Revista dos Tribunais. São Paulo/SP.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 12ª edição. 2009. Editora

Lumen Juris.

OLIVEIRA, Joel Bino de. Teoria e prática da Polícia Judiciária. À luz do princípio da

legalidade. 2002. Editora Juruá.

RAMOS, João Gualberto Garcez. Audiência Processual Penal. Editora Del Rey. Belo

Horizonte/MG. 1996.

SOUZA NETTO, José Laurindo de. Processo Penal. Sistemas e Princípios. 2003.

Editora Juruá.

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30ª edição. 2008. Editora

Saraiva.

http://www.advogado.adv.br/artigos/2003/joeldelunabozolo/conservacaoinqueritopoli

cial.htm (27/02/2011)

http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/58503.pdf (09/09/2010) (ANEXO)

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ANEXO 1

ANTEPROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL (PLS nº 156/09) QUE TRATA DA

REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

Senhor Presidente,

Se em qualquer ambiente jurídico há divergências quanto ao sentido, ao alcance e, enfim, quanto à aplicação de suas normas, há, no processo penal brasileiro, uma convergência quase absoluta: a necessidade de elaboração de um novo Código, sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da República de 1988. E sobram razões: históricas, quanto às determinações e condicionamentos materiais de cada época; teóricas, no que se refere à estruturação principiológica da legislação codificada, e, práticas, já em atenção aos proveitos esperados de toda intervenção estatal. O Código de Processo Penal atualmente em vigor -Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941 -, em todas essas perspectivas, encontra-se definitivamente superado.

A incompatibilidade entre os modelos normativos do citado Decreto-lei nº 3.689, de 1941 e da Constituição de 1988 é manifesta e inquestionável. E essencial. A configuração política do Brasil de 1940 apontava em direção totalmente oposta ao cenário das liberdades públicas abrigadas no atual texto constitucional. E isso, em processo penal, não só não é pouco, como também pode ser tudo. O Código de 1941, anunciava em sua Exposição de Motivos que "...as nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade...". Ora, para além de qualquer debate acerca de suposta identidade de sentido entre garantias e favores, o que foi insinuado no texto que acabamos de transcrever, parece fora de dúvidas que a Constituição da República de 1988 também estabeleceu um seguro catálogo de garantias e direitos individuais (art. 5º).

Nesse passo, cumpre esclarecer que a eficácia de qualquer intervenção penal não pode estar atrelada à diminuição das garantias individuais. É de ver e de se compreender que a redução das aludidas garantias, por si só, não garante nada, no que se refere à qualidade da função jurisdicional. As garantias individuais não são favores do Estado. A sua observância, ao contrário, é exigência indeclinável para o Estado. Nas mais variadas concepções teóricas a respeito do Estado Democrático de Direito, o reconhecimento e a afirmação dos direitos fundamentais aparecem como um verdadeiro núcleo dogmático. O garantismo, quando consequente, surge como pauta mínima de tal modelo de Estado. De modo geral, o processo judicial pretende viabilizar a aplicação de uma norma de Direito, necessária à solução de um conflito ou de uma forma qualquer de divergência entre os jurisdicionados. Precisamente por isso, a decisão judicial há de se fundar em conhecimento -o mais amplo possível -de modo que o ato de julgamento não seja única e solitariamente um ato de autoridade.

Observe-se, mais, que a perspectiva garantista no processo penal, malgrado as eventuais estratégias no seu discurso de aplicação, não se presta a inviabilizar a celeridade dos procedimentos e nem a esperada eficácia do Direito Penal. Muito ao contrário: o respeito às garantias individuais demonstra a consciência das limitações

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inerentes ao conhecimento humano e a maturidade social na árdua tarefa do exercício do poder.

II Na linha, então, das determinações constitucionais pertinentes, o anteprojeto

deixa antever, já à saída, as suas opções estruturais, declinadas como seus princípios fundamentais. A relevância da abertura do texto pela enumeração dos princípios fundamentais do Código não pode ser subestimada. Não só por questões associadas à ideia de sistematização do processo penal, mas, sobretudo, pela especificação dos balizamentos teóricos escolhidos, inteiramente incorporados nas tematizações levadas a cabo na Constituição da República de 1988.

Com efeito, a explicitação do princípio acusatório não seria suficiente sem o esclarecimento de seus contornos mínimos, e, mais que isso, de sua pertinência e adequação às peculiaridades da realidade nacional. A vedação de atividade instrutória ao juiz na fase de investigação não tem e nem poderia ter o propósito de suposta redução das funções jurisdicionais. Na verdade, é precisamente o inverso. A função jurisdicional é uma das mais relevantes no âmbito do Poder Público. A decisão judicial, qualquer que seja o seu objeto, sempre terá uma dimensão transindividual, a se fazer sentir e repercutir além das fronteiras dos litigantes. Daí a importância de se preservar ao máximo o distanciamento do julgador, ao menos em relação à formação dos elementos que venham a configurar a pretensão de qualquer das partes. Em processo penal, a questão é ainda mais problemática, na medida em que a identificação com a vítima e com seu infortúnio, particularmente quando fundada em experiência pessoal equivalente, parece definitivamente ao alcance de todos, incluindo o magistrado. A formação do juízo acusatório, a busca de seus elementos de convicção, o esclarecimento e a investigação, enfim, da materialidade e da autoria do crime a ser objeto de persecução penal, nada tem que ver com a atividade típica da função jurisdicional. Esclareça-se que as cláusulas de reserva de jurisdição previstas na Constituição da República, a demandar ordem judicial para a expedição de mandado de prisão, para a interceptação telefônica ou para o afastamento da inviolabilidade do domicílio, não se posicionam ao lado da preservação da eficiência investigatória. Quando se defere ao juiz o poder para a autorização de semelhantes procedimentos, o que se pretende é tutelar as liberdades individuais e não a qualidade da investigação.

Não bastasse, é de se ter em conta que o Ministério Público mereceu tratamento constitucional quase equiparável à magistratura, notadamente em relação às garantias institucionais da inamovibilidade, da vitaliciedade e da irredutibilidade de vencimentos. Assim, seja do ponto de vista da preservação do distanciamento do julgador, seja da perspectiva da consolidação institucional do parquet, não há razão alguma para permitir qualquer atuação substitutiva do órgão da acusação pelo juiz do processo. Não se optou pelo juiz inerte, de resto inexistente nos países de maior afinidade processual com o Brasil, casos específicos de Portugal, Itália, Espanha e Alemanha, e que também adotam modelos acusatórios, mas, sim, pelo fortalecimento das funções de investigação e, assim, das respectivas autoridades, e pela atribuição de responsabilidade processual ao Ministério Público. O que não significará, um mínimo que seja, o alheamento judicial dos interesses da aplicação da lei penal. Instaurado o processo, provocada a

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jurisdição, poderá o juiz, de ofício, adotar até mesmo medidas acautelatórias, quando destinadas a tutelar o regular exercício da função jurisdicional.

De outro lado, e, ainda ao nível principiológico, o anteprojeto explicita referenciais hermenêuticos contemporâneos, aqui e no direito comparado, traduzidos na proibição de excesso na aplicação do Direito Penal e do Direito Processual Penal, a ser compatibizado com a efetiva tutela penal dos direitos fundamentais. A positivação do aludido critério -da efetividade da proteção penal -de interpretação para o processo penal tem grande importância prática. A Constituição da República, em diversos espaços, reporta-se à determinadas categorias inerentes à intervenção penal, como se verifica nas referências à inafiançabilidade do racismo, da tortura, do tráfico de entorpecentes e dos crimes hediondos (art. 5º, XLII e XLIII); à privação da liberdade (art. 5º, XLVI) e à ação privada subsidiária da pública (art. 5º, LIX), a comprovar juízo de maior reprovabilidade em relação a relevantes questões. Com isso, insere-se de modo explícito um campo de argumentação a ser também considerado por ocasião do exame de adequabilidade e de aplicação das normas penais e processuais.

III Para a consolidação de um modelo orientado pelo princípio acusatório, a

instituição de um juiz de garantias, ou, na terminologia escolhida, de um juiz das garantias, era de rigor. Impende salientar que o anteprojeto não se limitou a estabelecer um juiz de inquéritos, mero gestor da tramitação de inquéritos policiais. Foi, no ponto, muito além. O juiz das garantias será o responsável pelo exercício das funções jurisdicionais alusivas à tutela imediata e direta das inviolabilidades pessoais. A proteção da intimidade, da privacidade e da honra, assentada no texto constitucional, exige cuidadoso exame acerca da necessidade de medida cautelar autorizativa do tangenciamento de tais direitos individuais. O deslocamento de um órgão da jurisdição com função exclusiva de execução dessa missão atende à duas estratégias bem definidas, a saber: a) a otimização da atuação jurisdicional criminal, inerente à especialização na matéria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional; e b) manter o distanciamento do juiz do processo, responsável pela decisão de mérito, em relação aos elementos de convicção produzidos e dirigidos ao órgão da acusação.

Evidentemente, e como ocorre em qualquer alteração na organização judiciária, os tribunais desempenharão um papel de fundamental importância na afirmação do juiz das garantias, especialmente no estabelecimento de regras de substituição nas pequenas comarcas. No entanto, os proveitos que certamente serão alcançados justificarão plenamente os esforços nessa direção.

No âmbito, ainda, da persecução penal na fase de investigação preliminar, o anteprojeto traz significativa alteração no que respeita à tramitação do inquérito policial. A regra do atual Código de Processo Penal não guarda qualquer pertinência com um modelo processual de perfil acusatório, como se deduz do sistema dos direitos fundamentais previstos na Constituição. A investigação não serve e não se dirige ao Judiciário; ao contrário, destina-se a fornecer elementos de convencimento, positivo ou negativo, ao órgão da acusação. Não há razão alguma para o controle judicial da investigação, a não ser quando houver risco às liberdades públicas, como ocorre na hipótese de réu preso. Neste caso, o curso da investigação será

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acompanhado pelo juiz das garantias, não como controle da qualidade ou do conteúdo da matéria a ser colhida, mas como fiscalização do respeito aos prazos legais previstos para a persecução penal. Atuação, como se vê, própria de um juiz das garantias.

Do mesmo modo, retirou-se, e nem poderia ser diferente, o controle judicial do arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação. No particular, merece ser registrado que a modificação reconduz o juiz à sua independência, na medida em que se afasta a possibilidade de o Ministério Público, na aplicação do art. 28 do atual Código, exercer juízo de superioridade hierárquica em relação ao magistrado. O controle do arquivamento passa a se realizar no âmbito exclusivo do Ministério Público, atribuindo-se à vítima legitimidade para o questionamento acerca da correção do arquivamento. O critério escolhido segue a lógica constitucional do controle de ação penal pública, consoante o disposto no art. 5º, LIX, relativamente à inércia ou omissão do Ministério Público no ajuizamento tempestivo da pretensão penal. Decerto que não se trata do mesmo critério, mas é de se notar a distinção de situações: a) no arquivamento, quando no prazo, não há omissão ou morosidade do órgão público, daí porque, cabendo ao Ministério Público a titularidade da ação penal, deve o juízo acusatório, em última instância, permanecer em suas mãos; b) na ação penal subsidiária, de iniciativa privada, a legitimidade da vítima repousa na inércia do órgão ministerial, a autorizar a fiscalização por meio da submissão do caso ao Judiciário.

IV Em um sistema acusatório público, a titularidade da ação penal é atribuída a

um órgão que represente os interesses de igual natureza, tal como ocorre na previsão do art. 129, I, da Constituição, que assegura ao Ministério Público a promoção, privativa, da ação penal pública, nos termos da lei. Evidentemente, não há qualquer incompatibilidade entre o aludido modelo processual e a existência de uma ação penal, privativa, substitutiva ou subsidiária, de iniciativa do particular. Portugal, Alemanha e Espanha, por exemplo, admitem iniciativas privadas na persecução penal. Trata-se, em verdade, de uma questão a ser definida politicamente, segundo a compreensão que se tem acerca da natureza e dos objetivos da intervenção estatal penal.

A doutrina e a jurisprudência nacionais nem sempre se entenderam a respeito de tais questões. Quais seriam as justificativas para a adoção de uma ação penal privativa do particular? Seria possível classificar os delitos, segundo o respectivo interesse na persecução, em públicos, semi-públicos e privados?

O estágio atual de desenvolvimento do Direito Penal aponta em direção contrária a uma empreitada em semelhantes bases conceituais. Basta atentar para as reflexões e investigações mais recentes ao nível da política criminal, e já também no âmbito da própria dogmática, no que se refere às bases de interpretação, todas no sentido de um minimalismo interventivo, justificado apenas para a proteção penal dos direitos fundamentais, contra ações e condutas especialmente graves. Nesse contexto, não nos parece haver lugar para uma ação penal que esteja à disposição dos interesses e motivações do particular, ainda que seja a vítima. Eventual necessidade de aplicação de sanção penal somente se legitima no interesse público. O modelo processual atualmente em vigor ignora completamente essa realidade,

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deixando em mãos da vítima, não só a iniciativa da ação, mas a completa disposição da intervenção estatal criminal. A justificativa do escândalo do processo, normalmente alardeada em latim, não parece suficiente para justificar a ação privada. Se o problema é a necessidade de proteção da intimidade da vítima em relação à publicidade do fato, basta condicionar o exercício da ação pública à autorização dela. Exatamente como faz o anteprojeto, que, a seu turno, preserva o controle da morosidade do poder público, por meio da ação penal subsidiária da pública, de iniciativa da vítima. Essa, sim, como verdadeiro direito, constitucional, de ação. Se, de outra sorte, a justificativa repousa na maior eficiência do particular na defesa do bem jurídico atingido, também não há razão para a disponibilidade da ação penal instaurada, como ocorre atualmente pelo perdão ou pela perempção. Há exemplo nacional eloquente: proposta a ação privada no crime de estupro, quando praticado sem violência real, a morte da vítima sem deixar sucessores processuais implica a perempção da ação penal, independentemente de se tratar de delito de alta reprovabilidade, frequentemente incluído entre os hediondos.

Ao que parece, então, restaria à ação privada a relevante missão de redução do espectro difuso da intervenção penal, redimensionando a questão para a individualidade do conflito, abrindo as portas para o ingresso de um modelo restaurativo da instância penal. Há inegável tendência na diminuição ou contenção responsável da pena privativa da liberdade, em razão dos malefícios evidentes de sua aplicação e execução, sobretudo em sistemas penitenciários incapazes de respeitar condições mínimas de existência humanamente digna. Em consequência, passou-se a adotar, aqui e mundo afora, medidas alternativas ao cárcere, quando nada por razões utilitaristas: a redução na reprodução da violência, incontida nos estabelecimentos prisionais.

Mas, nesse quadro, não só a pena ou sanção pública se apresenta como alternativa. A recomposição dos danos e a conciliação dos envolvidos pode serevelar ainda mais proveitosa e eficiente, ao menos da perspectiva da pacificação dos espíritos e da consciência coletiva da eficácia normativa. O anteprojeto busca cumprir essa missão, instituindo a possibilidade de composição civil dos danos, com efeitos de extinção da punibilidade no curso do processo, em relação a crimes patrimoniais, praticados sem violência ou grave ameaça e àqueles de menor repercussão social, no âmbito das infrações de menor potencial ofensivo. Prevê, mais que isso, uma alternativa ao próprio processo, condicionando a ação penal nos aludidos crimes contra o patrimônio, desde que ausente a grave ameaça ou a violência real. Desse modo, substitui-se com vantagem a ação privada e sua incontrolável disponibilidade, por outro modelo mais eficiente: respeita-se a disponibilidade, em relação ao interesse da vítima quanto ao ingresso no sistema de persecução penal -ação pública condicionada -mantendo-se, ainda, na ação de natureza pública, a possibilidade de aproximação e conciliação dos envolvidos.

Some-se a isso um ganho sistematicamente reclamado para o sistema: o esvaziamento de demandas de menor repercussão ou de menores danos, por meio de procedimentos de natureza restaurativa, permitirá uma maior eficiência na repressão da criminalidade de maior envergadura, cujos padrões de organização e de lesividade estão a exigir maiores esforços na persecução penal.

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E, a partir daí, a posição da vítima no processo penal modifica-se inteiramente. Convergem para ela inúmeras atenções, não só no plano de uma simbologia necessária à criação e ao fomento de uma cultura de respeito à sua contingente condição pelos órgãos públicos, mas no interior do próprio processo, admitindo-se agora, e à maneira que já ocorre em muitos países europeus, a adesão civil da vítima ao objeto da ação penal. A vítima, enquanto parte civil, poderá ingressar nos autos, não só como assistente da acusação, mas também, ou apenas, se assim decidir, como parte processual a ser contemplada na sentença penal condenatória. Em alguns países, de que são exemplos, Portugal e Espanha, é prevista a possibilidade do concurso entre a ação penal e a ação civil perante o mesmo juízo, facultando-se, inclusive, a chamada do responsável civil para ingressar no polo passivo da demanda. O anteprojeto, cauteloso em relação à tradição nacional, buscou uma fórmula menos ambiciosa, mas, por outro lado, mais ágil e eficiente. A sentença penal condenatória poderá arbitrar indenização pelo dano moral causado pela infração penal, sem prejuízo da ação civil, contra o acusado e o eventual responsável civil, pelos danos materiais existentes. A opção pelos danos morais se apresentou como a mais adequada, para o fim de se preservar a celeridade da instrução criminal, impedindo o emperramento do processo, inevitável a partir de possíveis demandas probatórias de natureza civil. Nesse ponto, o anteprojeto vai além do modelo trazido pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, que permitiu a condenação do réu ao pagamento apenas de parcela mínima dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos efetivamente comprovados.

V Do ponto de vista instrumental, o anteprojeto acolhe os méritos de recentes

reformas da legislação processual penal, notadamente as trazidas pela Lei nº 11.689, Lei nº 11.690 e Lei nº 11.719, todas do ano de 2008, além da Lei nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009, que alteraram, recente e profundamente, os procedimentos em processo penal. No entanto, a experiência judiciária cuidou de demonstrar algumas dificuldades imediatas na aplicação de determinadas normas, frutos das particularidades concretas de situações específicas, a recomendar um novo acomodamento legislativo. Assim, embora o anteprojeto mantenha a unidade da instrução criminal, ressalvou-se a possibilidade de fracionamento da audiência, quando presentes razões que favoreçam o livre curso do procedimento. Mantém-se a possibilidade do interrogatório e da inquirição de testemunhas por videoconferência, naquelas situações de excepcionalidade já chanceladas pelo Congresso Nacional.

De outro lado, e atento às exigências de celeridade e efetividade do processo, modifica-se o conteúdo do procedimento sumário, mantendo-se, porém, a sua nomeclatura usual, para dar lugar ao rito de imediata aplicação de pena mínima ou reduzida, quando confessados os fatos e ajustada a sanção entre acusação e defesa. A sumariedade do rito deixa de se localizar no tipo de procedimento para passar a significar a solução final e célere do processo, respeitando-se a pena em perspectiva, balizada pelo seu mínimo, com a possibilidade de ser fixada abaixo dele. A alternativa consensual não desconhece e nem desobedece, contudo, aos padrões de reprovabilidade já consagrados na legislação penal, limitando-se a possibilidade de sua aplicação aos delitos cuja pena máxima não seja superior a oito anos.

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O procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais é incorporado à legislação codificada, facilitando a sua compreensão e interpretação no sistema, mantendo-se as suas linhas gerais, com ligeiras adaptações às novas formas de conciliação e de recomposição civil dos danos.

A se destacar, em matéria de procedimentos, a introdução no processo penal brasileiro de novas regras para o Tribunal do Júri, com o objetivo de permitir um processo muito mais ágil, sem qualquer prejuízo ao exercício da ampla defesa. A elevação do número de jurados de sete para oito demonstra a cautela com que se move o anteprojeto em temas de maior sensibilidade social. O julgamento por maioria mínima é e sempre será problemático, diante da incerteza quanto ao convencimento que se expressa na pequena margem majoritária. Naturalmente, tais observações somente fazem sentido em relação ao Tribunal do Júri, no qual se decide sem qualquer necessidade de fundamentação do julgado. Nos demais órgãos colegiados do Judiciário, o contingente minoritário vitorioso vem acompanhado de razões e motivações argumentativas, de modo a permitir, não só o controle recursal da decisão, mas, sobretudo, a sua aceitação. Não é o que ocorre no julgamento popular. Imponderáveis são as razões da condenação e da absolvição, tudo a depender de uma série de fatores não submetidos a exame jurídico de procedência.

E os velhos e recorrentes problemas causados pelas nulidades na quesitação restam agora definitivamente superados. Com efeito, tratando-se de julgamentopopular, no qual se dispensa a motivação da decisão, a soberania do júri deve ser devidamente afirmada: ou se decide pela absolvição, ou, desde que por maioria qualificada, pende-se pela condenação, sem prejuízo de eventualdesclassificação.

Outra importante medida de agilização dos processos no Tribunal do Júri diz respeito à separação dos processos conexos, não dolosos contra a vida, cuja reunião se justifique apenas em razão do proveito probatório. Fixou-se, como regra,a competência do juiz da pronúncia para o julgamento dos crimes conexos, permitindo-se a excepcionalidade de caber a decisão ao juiz presidente do júri, quando a instrução criminal em plenário for relevante para a solução dos crimes conexos. No entanto, atento às distinções conceituais e práticas entre continência e conexão, o anteprojeto mantém a competência do Júri nas hipóteses de unidade de conduta, com o fim de evitar decisões contraditórias sobre um mesmo fato.

VI Não desconhecem os membros da Comissão que frequentemente se tem

atribuído ao número excessivo de recursos a demora da prestação jurisdicional, de modo a justificar a necessidade da adoção de um critério de recorribilidade mínima das decisões judiciais.

No processo penal, contudo, a questão da extensão recursal há de encontrar solução à luz da garantia constitucional da ampla defesa, indissociável dos recursos a ela inerentes, como reza o inciso LV do artigo 5º da Constituição da República, e é próprio do processo penal democrático.

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A disciplina legal dos recursos deve buscar, por certo, a celeridade necessária à produção da resposta penal em tempo razoável e socialmente útil e à tutela dos direitos fundamentais dos indiciados ou imputados autores de infrações penais. Tal celeridade, resultado de múltiplas funções e variáveis, entre as quais uma eficiente administração da função jurisdicional, é uma das condições da efetividade da norma penal, que, todavia, deve atuar dentro dos limites intransponíveis do devido processo legal, que, por certo, compreende, substancialmente, a efetividade dos recursos que não podem figurar nos códigos apenas simbolicamente, como sói acontecer em tempos autoritários, nos quais culmina sempre por germinar, como limite do poder do Estado, a interpretação ampla do cabimento do habeas corpus, a fazer dele o sub-rogado universal das impugnações recursais.

Buscou-se, assim, ao se estabelecer a disciplina dos recursos, a sua interposição sem embaraços, a eliminação dos formalismos supérfluos, a ampliação e intensificação do poder cautelar dos juízes e relatores, e o afastamento definitivo da prisão como condição de admissibilidade da apelação ou causa de sua deserção, como se fosse possível deduzir tais efeitos da sentença condenatória ou do exaurimento da instância recursal ordinária. O princípio da não-culpabilidade há de afirmar-se também aqui.

No essencial, cuidou-se, em regramento cuidadoso, dos tradicionais recursos de apelação, do agravo, dos recursos extraordinário e especial e dos embargos de divergência. Restringiu-se o cabimento dos embargos infringentes e de declaração. O agravo cabível contra a inadmissão dos recursos excepcionais será interposto nos próprios autos do processo, pondo-se fim a centenas e centenas de agravos de instrumento e seus derivados recursais que sufocam, não apenas os tribunais superiores, mas o próprio direito de defesa, com formalidades de fins ínsitos nelas mesmas. Atribuiu-se, por fim, competência aos relatores para o julgamento monocrático dos recursos, quando se estiver a impugnar decisão, sentença ou acórdão que se contrapõem ou se ajustam à jurisprudência dominante ou enunciado de súmula, assegurando-se ao sucumbente o agravo para o colegiado, a intimação da sessão de julgamento e a sustentação oral facultativa. A apresentação em mesa é exceção que serve à celeridade, cuja negação por desobediência do prazo, determina a inclusão em pauta dos pedidos de habeas corpus e dos recursos internos.

No âmbito das ações de impugnação, deu-se cabimento ao habeas corpus apenas nos casos de prisão e de iminência de prisão ilegais, tendo em vista a possibilidade de interposição de agravo contra a decisão de recebimento da denúncia. Introduziu-se o mandado de segurança, em regulação específica, ampliando-se, ainda, a legitimidade na ação de revisão criminal.

VII Em tema de medidas acautelatórias, coloca-se de modo ainda mais sensível

o problema em torno da efetividade do processo penal e do tangenciamento das liberdades públicas.

Na disciplina da matéria, o anteprojeto adotou quatro principais diretrizes. I) A primeira, convergir para o princípio constitucional da presunção de não-

culpabilidade (art. 5º, LVII, da CR), de modo a valorizar a noção básica de

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acautelamento, no sentido de que a prisão e outras formas de intervenção sobre a pessoa humana somente se justificam em face da sua concreta necessidade. Na falta desta, não existirá razão jurídica legítima para a restrição de direitos fundamentais, enquanto não sobrevier o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Reafirma-se, portanto, a natureza excepcional da prisão e das demais medidas cautelares.

No entanto, não há motivos para obstruir ou dificultar a aplicação de tais medidas em caso de exigências legítimas, a serem verificadas, inclusive, por ocasião da sentença condenatória recorrível.

Nesse passo, o anteprojeto determina que: a) a prisão em flagrante perde seus efeitos se não for convertida, com a devida motivação legal, em prisão preventiva; b) o juiz, ao aplicar uma determinada medida cautelar, deve seguir um roteiro mínimo de fundamentação; c) declara-se a ilegitimidade do uso da prisão provisória como forma de antecipação da pena; d) supera-se o dogma da execução provisória da sentença, cuja inconstitucionalidade já foi afirmada no Supremo Tribunal Federal; e) exige-se, no caso de concurso de pessoas ou crimes plurissubjetivos, que a fundamentação seja específica e individualizada.

Esse conjunto de medidas não é desconhecido da jurisprudência nacional. Deu-lhe o anteprojeto apenas consistência sistemática, de modo a consagrar a evolução histórica de decisões judiciais que se insurgiram contra formas automáticas de prisão provisória. Rompe-se, assim, com a marca ideológica do Código de 1941, em cujo texto e contexto inexistia o vocábulo “cautelar”.

II) A segunda deixa claro que o processo cautelar deve ser compreendido na estrutura básica do modelo acusatório.

Logo, na fase de investigação, não cabe ao juiz, de ofício, inclinar-se por uma ou por outra cautelar. Como ainda não há processo, a Polícia ou o Ministério Público é que devem requerer as medidas que julgarem apropriadas, respeitando-se os papéis de cada instituição. Com a formação do processo, já no âmbito da atuação jurisdicional, aí sim, poderá o juiz decretá-las até mesmo de ofício, pois lhe compete,em última análise, zelar pela efetividade da jurisdição.

Embora adotando um roteiro bifásico, não há rigor extremado na escolha. Ressalva-se, por exemplo, expressamente, a hipótese de o juiz, de ofício, substituir a medida anteriormente imposta. Note-se que, na origem, teria havido já a provocação da autoridade policial ou do Ministério Público. No entanto, no curso da aplicação da medida cautelar, reserva-se ao juiz a possibilidade de reexaminar sua decisão, sempre que se mostrar adequada a sua substituição, como ocorre, por exemplo, na hipótese de descumprimento da cautelar por parte do investigado. Busca-se, assim, evitar leituras radicais acerca da extensão do princípio acusatório adotado.

III) A terceira diretriz deixa-se guiar pelo princípio da proporcionalidade, acolhido expressamente entre os princípios fundamentais do Código e vislumbrado como desdobramento lógico do Estado Democrático de Direito e do devido processo legal (arts. 1º e 5º, LIV, da CR). Isso significa, em primeiro lugar, em linguagem coloquial, que o remédio não pode ser mais agressivo que a enfermidade. Ou seja, as medidas cautelares deverão ser confrontadas com o resultado de uma provável

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condenação, para se aferir eventual excesso na dose. Fica vedada, pois, a aplicação de medida cautelar que, em tese, seja mais grave que a pena decorrente de eventual sentença penal condenatória. No mais, o recurso à prisão somente será legítimo quando outras medidas cautelares revelarem-se inadequadas ou insuficientes. Entre as possibilidades de escolha, cabe ao juiz eleger aquela mais adequada ao caso concreto, atento aos parâmetros de necessidade, adequação e vedação de excesso. Proporcionalidade, portanto. Respeitados tais critérios, abre-se ao magistrado, inclusive, a hipótese de aplicação cumulativa de medidas, em prol, mais uma vez, da efetividade do processo.

Nesse ponto, o anteprojeto difere radicalmente do texto em vigor, que se apoia, de modo quase exclusivo, no instituto da prisão preventiva, se se considerar o declínio experimentado pela fiança. O absurdo crescimento do número de presos provisórios surge como consequência de um desmedido apelo à prisão provisória, sobretudo nos últimos quinze anos. Não se tem notícia ou comprovação de eventuais benefícios que o excessivo apego ao cárcere tenha trazido à sociedade brasileira.

O anteprojeto, visando ao fim do monopólio da prisão, diversifica em muito o rol de medidas cautelares, voltando-se, novamente, para as legítimas aspirações de efetividade do processo penal.

Não se limita o anteprojeto a enumerá-las. Cuida de descrever uma a uma, em todos os seus requisitos. A expectativa é que, entre prender e soltar, o juiz possa ter soluções intermediárias. Vários países seguiram o mesmo percurso de diversificação, como, por exemplo, Itália, Portugal, Espanha, Chile, entre outros. Em alguns casos, o anteprojeto trouxe para o Código medidas já consagradas na legislação especial, como nas Leis nos 9.503, de 23 de setembro de 1997, e 11.340, de 7 de agosto de 2006.

De outro lado, o anteprojeto cuidou de revitalizar o instituto da fiança, facultando-se a sua aplicação sempre que ao juiz pareça necessário, no objetivo de se garantir maior efetividade ao processo. Modifica-se também a espécie da garantia, exigindo-se pagamento mediante depósito em conta bancária, além de se estabelecer critérios mais seguros para a fixação do valor da fiança.

Consciente da ampliação do espectro das medidas cautelares, estabeleceu-se a vinculação ao princípio da legalidade, vedando as conhecidas cautelares inominadas. Mais que isso. Ao contrário da legislação em vigor, previu-se um regime de prazos máximos de duração conforme a natureza da medida e, ainda, formas de compensação na pena eventualmente imposta. Afinal, as medidas cautelares não podem transmutar-se em pena antecipada.

IV) A quarta aproximou-se do princípio de duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CR), na medida em que o anteprojeto enfrenta decididamente o problema do prazo máximo da prisão preventiva. O antigo modelo de construção jurisprudencial de somatória de prazos no procedimento comum jamais foi capaz de conter os excessos nas prisões provisórias, até porque se limitava a fixar prazos apenas para o encerramento da instrução criminal.O anteprojeto, enfrentando os riscos decorrentes da estrita observância dos comandos constitucionais, propõe

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duas faixas de prazos: uma para os crimes com pena privativa de liberdade inferior a 12 anos; outra para crimes cujas penas igualam ou superam tal parâmetro.

Disciplina também o uso de algemas, considerado medida excepcional, restrita a situações de resistência à prisão, fundado receio de fuga ou para preservar a integridade física do executor, do preso ou de terceiros. Veda, além do mais, o emprego de algemas como forma de castigo ou sanção disciplinar, por tempo excessivo ou quando o investigado ou acusado se apresentar, espontaneamente, à autoridade policial ou judiciária. Tendo encontrado subsídios nos debates parlamentares em torno do Projeto de Lei do Senado nº 185, de 2004, o anteprojeto, também é válido registrar, não destoa da Súmula Vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal, editada em agosto de 2008.

O instituto da prisão especial também foi redefinido. A justificativa para a distinção de tratamento na prisão provisória tem a mesma natureza desta: o acautelamento em situações de risco. Remanesce a especialidade no tratamento unicamente para a proteção da integridade física e psíquica de pessoas que, por qualquer razão, já considerado o exercício de determinadas atividades associadas àpersecução penal, estejam em risco de ações de retaliação.

VIII O texto básico de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal que

ora se apresenta é fruto de trabalho conjunto dos membros da Comissão -Antonio Correa, Antonio Magalhães Gomes Filho, Eugênio Pacelli de Oliveira, Fabiano Augusto Martins Silveira, Felix Valois Coelho Júnior, Hamilton Carvalhido, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral -, cujos esforços, dedicação e desprendimento tornaram possível a realização da tarefa que lhes foi confiada pelo Plenário do Senado Federal, ao deferir o requerimento do ilustre Senador Renato Casagrande, após consulta das Lideranças Partidárias.

A todos os eminentes Senadores dessa mais Alta Casa Legislativa, rendemos as nossas homenagens nas pessoas dos Senadores Garibaldi Alves Filho e José Sarney, que fizeram sempre presente o encorajador e indispensável apoio da Presidência aos nossos trabalhos.

Ministro Hamilton Carvalhido Coordenador da Comissão

Eugênio Pacelli de Oliveira Relator-geral

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LIVRO I DA PERSECUÇÃO PENAL

TÍTULO I DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1º. O processo penal reger-se-á, em todo o território nacional, por este Código, bem como pelos princípios fundamentais constitucionais e pelas normas previstas em tratados e convenções internacionais dos quais seja parte a República Federativa do Brasil. Art. 2º. As garantias processuais previstas neste Código serão observadas em relação a todas as formas de intervenção penal, incluindo as medidas de segurança, com estrita obediência ao devido processo legal constitucional. Art. 3º. Todo processo penal realizar-se-á sob o contraditório e a ampla defesa, garantida a efetiva manifestação do defensor técnico em todas as fases procedimentais. Art. 4º. O processo penal terá estrutura acusatória, nos limites definidos neste Código, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. Art. 5º. A interpretação das leis processuais penais orientar-se-á pela proibição de excesso, privilegiando a máxima proteção dos direitos fundamentais, considerada, ainda, a efetividade da tutela penal. Art. 6º A lei processual penal admitirá a analogia e a interpretação extensiva, vedada, porém, a ampliação do sentido de normas restritivas de direitos e garantias fundamentais. Art. 7º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, ressalvada a validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. §1º As disposições de leis e de regras de organização judiciária que inovarem sobre procedimentos e ritos, bem como as que importarem modificação de competência, não se aplicam aos processos cuja instrução tenha sido iniciada. §2º Aos recursos aplicar-se-ão as normas processuais vigentes na data da decisão impugnada. §3º As leis que contiverem disposições penais e processuais penais não retroagirão. A norma penal mais favorável, contudo, poderá ser aplicada quando não estiver subordinada ou não tiver relação de dependência com o conteúdo das disposições processuais.

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TÍTULO II DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 8º. A investigação criminal tem por objetivo a identificação das fontes de prova e será iniciada sempre que houver fundamento razoável a respeito da prática de uma infração penal.

Art. 9º. A autoridade competente para conduzir a investigação criminal, os procedimentos a serem observados e o seu prazo de encerramento serão definidos em lei.

Art. 10. Para todos os efeitos legais, caracteriza-se a condição jurídica de “investigado” a partir do momento em que é realizado o primeiro ato ou procedimento investigativo em relação à pessoa sobre a qual pesam indicações de autoria ou participação na prática de uma infração penal, independentemente de qualificação formal atribuída pela autoridade responsável pela investigação.

Art. 11. Toda investigação criminal deve assegurar o sigilo necessário à elucidação do fato e preservação da intimidade e vida privada da vítima, das testemunhas e do investigado. Parágrafo único. A autoridade diligenciará para que as pessoas referidas no caput deste artigo não sejam submetidas à exposição dos meios de comunicação.

Art. 12. É garantido ao investigado e ao seu defensor acesso a todo material já produzido na investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento. Parágrafo único. O acesso compreende consulta ampla, apontamentos e reprodução por fotocópia ou outros meios técnicos compatíveis com a natureza do material.

Art. 13. É direito do investigado ser ouvido pela autoridade competente antes que a investigação criminal seja concluída. Parágrafo único. A autoridade tomará as medidas necessárias para que seja facultado ao investigado o exercício do direito previsto no caput deste artigo, salvo impossibilidade devidamente justificada.

Art. 14. É facultado ao investigado, por meio de seu advogado ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas. Parágrafo único. As entrevistas realizadas na forma do caput deste artigo deverão ser precedidas de esclarecimentos sobre seus objetivos e do consentimento das pessoas ouvidas.

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CAPÍTULO II DO JUIZ DAS GARANTIAS

Art. 15. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição da República; II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 543; III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença; IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial; V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar; VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las; VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa; VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em atenção às razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no parágrafo único deste artigo; IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento; X – requisitar documentos, laudos e informações da autoridade policial sobre o andamento da investigação; XII – decidir sobre os pedidos de: a) interceptação telefônica ou do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática; b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar; d) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado. XIII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia; XIV – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.

Parágrafo único. Estando o investigado preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar a duração do inquérito por período único de 10 (dez) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será revogada.

Art. 16. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da ação penal. §1º Proposta a ação penal, as questões pendentes serão decididas pelo juiz do processo. §2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz do processo, que, após o oferecimento da denúncia, poderá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso. §3º Os autos que compõem as matérias submetidas à apreciação do juiz das garantias serão juntados aos autos do processo.

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Art. 17. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências do art. 15 ficará impedido de funcionar no processo.

Art. 18. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal.

CAPÍTULO III DO INQUÉRITO POLICIAL

Seção I

Disposição preliminar

Art. 19. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Parágrafo único. Nos casos das polícias civis dos Estados e do Distrito Federal, a autoridade policial poderá, no curso da investigação, ordenar a realização de diligências em outra circunscrição policial, independentemente de requisição ou precatória, comunicando-as previamente à autoridade local. Seção II Da abertura

Art. 20. O inquérito policial será iniciado: I – de ofício; II – mediante requisição do Ministério Público; III – a requerimento, verbal ou escrito, da vítima ou de quem tiver qualidade para representá-la. §1º A vítima ou seu representante legal também poderão solicitar ao Ministério Público a requisição de abertura do inquérito policial. §2º Da decisão que indeferir o requerimento formulado nos termos do inciso III deste artigo, ou sobre ele não se manifestar a autoridade policial em 30 (trinta) dias, a vítima ou seu representante legal poderão recorrer, no prazo de 5 (cinco) dias, à autoridade policial hierarquicamente superior, ou representar ao Ministério Público na forma do parágrafo anterior.

Art. 21. Independentemente das disposições do artigo anterior, qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da prática de infração penal poderá comunicá-la à autoridade policial ou ao Ministério Público, verbalmente ou por escrito, para que sejam adotadas as providências cabíveis, caso haja fundamento razoável para o início da investigação.

Art. 22. O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.

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Art. 23. Havendo indícios de que a infração penal foi praticada por policial, ou tendo a sua participação, a autoridade comunicará imediatamente a ocorrência à respectiva corregedoria-geral de polícia, para as providências disciplinares cabíveis, e ao Ministério Público.

Art. 24. Quando o investigado exercer função ou cargo público que determine a competência por foro privativo, que se estenderá a outros investigados na hipótese de crimes conexos ou de concurso de pessoas, caberá ao órgão do tribunal competente autorizar a instauração do inquérito policial e exercer as funções do juiz das garantias.

Seção III Das diligências investigativas Art. 25. Salvo em relação às infrações de menor potencial ofensivo, quando será observado o procedimento previsto no art. 274 e seguintes, a autoridade policial, ao tomar conhecimento da prática da infração penal, instaurará imediatamente o inquérito, devendo: I – registrar a notícia do crime em livro próprio; II – providenciar para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada de perito criminal; III – apreender os objetos que tiverem relação com o fato; IV – colher todas as informações que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; V – ouvir a vítima; VI – ouvir o investigado, respeitadas as garantias constitucionais e legais, observando, no que for aplicável, o procedimento previsto nos arts. 64 a 74; VII – proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas e à acareações, quando necessário; VIII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; IX – providenciar, quando necessária, a reprodução simulada dos fatos, desde que não contrarie a ordem pública ou as garantias individuais constitucionais; X – ordenar a identificação datiloscópica e fotográfica do investigado, nas hipóteses previstas no Capítulo IV deste Título.

Art. 26. Incumbirá ainda à autoridade policial: I – informar a vítima de seus direitos e encaminhá-la, caso seja necessário, aos serviços de saúde e programas assistenciais disponíveis; II – comunicar imediatamente a prisão de qualquer pessoa ao juiz das garantias, enviando-lhe o auto de prisão em flagrante. III – fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento das matérias em apreciação; IV – realizar as diligências investigativas requisitadas pelo Ministério Público, que sempre indicará os fundamentos da requisição; V – cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias; VI – representar acerca da prisão preventiva ou temporária, bem como sobre os meios de obtenção de prova que exijam pronunciamento judicial;VII – prestar o apoio necessário à execução dos programas de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas.

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Art. 27. A vítima, ou seu representante legal, e o investigado poderão requerer à autoridade policial a realização de qualquer diligência, que será efetuada, quando reconhecida a sua necessidade. §1º Se indeferido o requerimento de que trata o caput deste artigo, o interessado poderá representar à autoridade policial superior ou ao Ministério Público. §2º A autoridade policial comunicará a vítima dos atos relativos à prisão, soltura do investigado e conclusão do inquérito.

Art. 28. As intimações dirigidas a testemunhas e ao investigado explicitarão, de maneira clara e compreensível, a finalidade do ato, devendo conter informações que facilitem o seu atendimento.

Art. 29. Os instrumentos e objetos apreendidos pela autoridade policial, quando demandarem a realização de exame pericial, ficarão sob a guarda do órgão responsável pela perícia, ressalvadas as hipóteses legais de restituição, quando será observado o disposto no art. 436 e seguintes.

Art. 30. No inquérito, as diligências serão realizadas de forma objetiva e no menor prazo possível, sendo que as informações e depoimentos poderão ser tomados em qualquer local, cabendo à autoridade policial resumi-los nos autos com fidedignidade, se colhidos de modo informal. §1º O registro do interrogatório do investigado, das declarações da vítima e dos depoimentos das testemunhas poderá ser feito por escrito ou mediante gravação de áudio ou filmagem, com o fim de obter maior fidelidade das informações prestadas. §2º Se o registro se der por gravação de áudio ou filmagem, o investigado ou o Ministério Público poderão solicitar a sua transcrição. §3º A testemunha ouvida na fase de investigação será informada de seu dever de comunicar à autoridade policial qualquer mudança de endereço.

Seção IV Do indiciamento

Art. 31. Reunidos elementos suficientes que apontem para a autoria da infração penal, a autoridade policial cientificará o investigado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a condição jurídica de “indiciado”, respeitadas todas as garantias constitucionais e legais. §1º A condição de indiciado poderá ser atribuída já no auto de prisão em flagrante ou até o relatório final da autoridade policial. §2º A autoridade deverá colher informações sobre os antecedentes, conduta social e condição econômica do indiciado, assim como acerca das consequências do crime. §3º O indiciado será advertido da necessidade de fornecer corretamente o seu endereço, para fins de citação e intimações futuras e sobre o dever de comunicar a eventual mudança do local onde possa ser encontrado.

Seção V Prazos de conclusão

Art. 32. O inquérito policial deve ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, estando o investigado solto.

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§1º Decorrido o prazo previsto no caput deste artigo sem que a investigação tenha sido concluída, os autos do inquérito serão encaminhados ao Ministério Público, com proposta de renovação do prazo e as razões da autoridade policial. §2º Se o investigado estiver preso, o inquérito policial deve ser concluído no prazo de 10 (dez) dias. §3º Caso a investigação não seja encerrada no prazo previsto no §2º deste artigo, a prisão será revogada, exceto na hipótese de prorrogação autorizada pelo juiz das garantias, a quem serão encaminhados os autos do inquérito e as razões da autoridade policial, para os fins do disposto no parágrafo único do art. 15.

Seção VI

Do relatório e remessa dos autos ao Ministério Público

Art. 33. Os elementos informativos da investigação deverão ser colhidos na medida necessária à formação do convencimento do Ministério Público sobre a viabilidade da acusação, bem como à efetivação de medidas cautelares, pessoais ou reais, a serem decretadas pelo juiz das garantias.

Art. 34. Concluídas as investigações, em relatório sumário e fundamentado, com as observações que entender pertinentes, a autoridade policial remeterá os autos do inquérito ao Ministério Público, adotando, ainda, as providências necessárias ao registro de estatística criminal.

Art. 35. Ao receber os autos do inquérito, o Ministério Público poderá: I – oferecer a denúncia; II – requisitar, fundamentadamente, a realização de diligências complementares, consideradas indispensáveis ao oferecimento da denúncia. III – determinar o encaminhamento dos autos a outro órgão do Ministério Público, por falta de atribuição para a causa; IV – determinar o arquivamento da investigação.

Art. 36. Os autos do inquérito instruirão a denúncia, sempre que lhe servir de base.

Seção VII

Do arquivamento

Art. 37. Compete ao Ministério Público determinar o arquivamento do inquérito policial, seja por insuficiência de elementos de convicção ou por outras razões de direito, seja, ainda, com fundamento na provável superveniência de prescrição que torne inviável a aplicação da lei penal no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas que orientarão a fixação da pena.

Art. 38. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o Ministério Público comunicará a vítima, o investigado, a autoridade policial e a instância de revisão do próprio órgão ministerial, na forma da lei. §1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da

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comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. §2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial.

Art. 39. Arquivados os autos do inquérito por falta de base para a denúncia, e, surgindo posteriormente notícia de outros elementos informativos, a autoridade policial deverá proceder a novas diligências, de ofício ou mediante requisição do Ministério Público.

Art. 40. Nas investigações em que o juiz das garantias é chamado a intervir, na forma do art. 15, o arquivamento do inquérito policial e a providência mencionada no art. 35, III, ser-lhe-ão comunicados pelo Ministério Público, para baixa dos procedimentos e respectivos registros na instância judiciária.

(...)

Seção I Do interrogatório Subseção I Disposições gerais

Art. 63. O interrogatório constitui meio de defesa do investigado ou acusado e será realizado na presença de seu defensor. §1º No caso de flagrante delito, se, por qualquer motivo, não se puder contar com a assistência de advogado ou defensor público no local, o auto de prisão em flagrante será lavrado e encaminhado ao juiz das garantias sem o interrogatório do conduzido, aguardando a autoridade policial o momento mais adequado para realizá-lo, salvo se o interrogando manifestar livremente a vontade de ser ouvido naquela oportunidade. §2º Na hipótese do parágrafo anterior, não se realizando o interrogatório, a autoridade se limitará à qualificação do investigado.

Art. 64. Será respeitada em sua plenitude a capacidade de compreensão e discernimento do interrogando, não se admitindo o emprego de métodos ou técnicas ilícitas e de quaisquer formas de coação, intimidação ou ameaça contra a liberdade de declarar, sendo irrelevante, nesse caso, o consentimento da pessoa interrogada. §1º A autoridade responsável pelo interrogatório não poderá prometer vantagens sem expresso amparo legal. §2º O interrogatório não se prolongará por tempo excessivo, impondo-se o respeito à integridade física e mental do interrogando. O tempo de duração do interrogatório será expressamente consignado no termo de declarações.

Art. 65. Antes do interrogatório, o investigado ou acusado será informado: I – do inteiro teor dos fatos que lhe são imputados ou, estando ainda na fase de investigação, dos indícios então existentes; II – de que poderá entrevistar-se, em local reservado, com o seu defensor;

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III – de que as suas declarações poderão eventualmente ser utilizadas em desfavor de sua defesa; IV – do direito de permanecer em silêncio, não estando obrigado a responder a uma ou mais perguntas em particular, ou todas que lhe forem formuladas; V – de que o silêncio não importará confissão, nem poderá ser interpretado em prejuízo de sua defesa. Parágrafo único. Em relação à parte final do inciso I deste artigo, a autoridade não está obrigada a revelar as fontes de prova já identificadas ou a linha de investigação adotada.

Art. 66. O interrogatório será constituído de duas partes: a primeira sobre a pessoa do interrogando; a segunda sobre os fatos. §1º Na primeira parte, o interrogando será perguntado sobre o seu nome, naturalidade, estado civil, idade, filiação, residência, meios de vida ou profissão, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta e se a cumpriu. §2º Na segunda parte, será perguntado sobre os fatos que lhe são imputados, ou que estejam sob investigação e todas as suas circunstâncias. §3º Ao final, a autoridade indagará se o interrogando tem algo mais a alegar em sua defesa.

Art. 67. As declarações prestadas serão reduzidas a termo, lidas e assinadas pelo interrogando e seu defensor, assim como pela autoridade responsável pelo ato. Parágrafo único. Se o interrogatório tiver sido gravado ou filmado, na forma do art. 30, o interrogando ou seu defensor poderão solicitar a transcrição do áudio e obter, imediatamente, cópia do material produzido.

Art. 68. Assegura-se ao interrogando, na fase de investigação ou de instrução processual, o direito de ser assistido gratuitamente por um intérprete, caso não compreenda bem ou não fale a língua portuguesa.

§1º Se necessário, o intérprete também intermediará as conversas entre o interrogando e seu defensor, ficando obrigado a guardar absoluto sigilo. §2º A repartição consular competente será comunicada, com antecedência, da realização do interrogatório de seu nacional. §3º A assistência de que trata o caput e §1º deste artigo estende-se aos surdos e mudos, a quem as perguntas serão formuladas em linguagem gestual ou, conforme o caso, por escrito.

Art. 69. Quando o interrogando quiser confessar a autoria da infração penal, a autoridade indagará se o faz de livre e espontânea vontade.

(...)

Seção II Da prisão em flagrante Art. 537. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Art. 538. Considera-se em flagrante delito quem:

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I – está cometendo a infração penal; II – é perseguido ou encontrado, logo após, pela autoridade, pela vítima ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da infração; Parágrafo único. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

Art. 539. É nulo o flagrante preparado pela polícia, com ou sem a colaboração de terceiros, quando seja razoável supor que a ação, impossível de ser consumada, só ocorreu em virtude daquela provocação. Parágrafo único. As disposições do caput deste artigo não se aplicam aos casos em que seja necessário o retardamento da ação policial, para fins de obtenção de mais elementos informativos acerca da atividade criminosa.

Art. 540. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do preso sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada inquirição, suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto. §1º Fica terminantemente vedada a incomunicabilidade do preso. §2º O interrogatório será realizado na forma do art. 64 e seguintes. §3º Resultando dos indícios colhidos fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de prestar fiança ou de cometimento de infração de menor potencial ofensivo, e prosseguirá nos atos do inquérito, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja. §4º A falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante; mas, nesse caso, com o condutor, deverão assiná-lo pelo menos 2 (duas) pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade. §5º Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por 2 (duas) testemunhas, que tenham ouvido sua leitura na presença deste. §6º A autoridade policial, vislumbrando a presença de qualquer causa excludente da ilicitude, poderá, fundamentadamente, deixar de efetuar a prisão, sem prejuízo da adoção das diligências investigatórias cabíveis.

Art. 541. Observado o disposto no art. 533, dentro em 24 (vinte e quatro) horas depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas. §1º O advogado ou defensor público que tiver acompanhado o interrogatório a pedido do preso receberá cópia integral do auto. §2º No mesmo prazo de 24 (vinte e quatro) horas, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas.

Art. 542. Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo. Art. 543. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá: I – relaxar a prisão ilegal;

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II – converter a prisão em flagrante em preventiva, fundamentadamente, quando presentes os seus pressupostos legais; ou III – arbitrar fiança ou aplicar outras medidas cautelares mais adequadas às circunstâncias do caso; ou IV – conceder liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.

(...)