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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA POLÍTICA PÚBLICA DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL BÁSICA NO ESTADO DE SÃO PAULO Alan Pereira de Oliveira Laís Schalch Maria Helena de Castro Lima

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS NA

CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA POLÍTICA PÚBLICA DE

QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL BÁSICA NO ESTADO

DE SÃO PAULO

Alan Pereira de Oliveira Laís Schalch

Maria Helena de Castro Lima

II Congresso Consad de Gestão Pública – Painel 18: O novo desenho da política pública de qualificação profissional no estado de São Paulo

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA POLÍTICA

PÚBLICA DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL BÁSICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Alan Pereira de Oliveira Laís Schalch

Maria Helena de Castro Lima

RESUMO O propósito do texto é apresentar as transformações metodológicas na implementação do Programa Estadual de Qualificação no estado de São Paulo, seus avanços e perspectivas no período compreendido entre 2007 e 2010. Para tanto, partiu-se de um diagnóstico da situação do emprego e do mercado de trabalho para eleger o público prioritário a ser atendido; de uma diretriz metodológica de integração de conhecimentos básicos e específicos, que incluiu a construção de material didático de cunho interativo, capaz de dialogar com diferentes tipos de público e envolvendo diferentes mídias, como forma de tornar o processo de construção do conhecimento mais adequado a um público distanciado dos bancos escolares.

Hoje, sob o pretexto de que é preciso formar os estudantes para obter um lugar num mercado de trabalho afunilado, o saber prático tende a ocupar todo o espaço da escola, enquanto o saber

filosófico é considerado como residual ou mesmo desnecessário, uma prática que, a médio prazo, ameaça a democracia, a República, a cidadania e a individualidade. Corremos o risco de ver o ensino

reduzido a um simples processo de treinamento, a uma instrumentalização das pessoas, a um aprendizado que se exaure precocemente ao sabor das mudanças rápidas e brutais das formas

técnicas e organizacionais do trabalho exigidas por uma implacável competitividade.

(...)

O debate deve ser retomado pela raiz, levando a educação a reassumir aqueles princípios fundamentais com que a civilização assegurou a sua evolução nos últimos séculos -os ideais de

universalidade, igualdade e progresso-, de modo que ela possa contribuir para a construção de uma globalização mais humana, em vez de aceitarmos que a globalização perversa, tal como agora se

verifica, comprometa o processo de formação das novas gerações.

(Milton Santos)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................ 03

DIRETRIZES METODOLÓGICAS.............................................................................. 06

IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE QUALIFICAÇÃO 2008-2010......................... 15

REFERÊNCIAS...........................................................................................................19

3

INTRODUÇÃO

No ano de 2007, durante o processo de planejamento e redefinição da

forma de gestão da política de qualificação profissional da Secretaria do Emprego e

Relações do Trabalho do governo do Estado de São Paulo, foram também

redefinidas as diretrizes pedagógicas e metodológicas para implementação dos

cursos.

Nesse processo, foi considerado o histórico de intervenção da SERT no

campo da qualificação, buscando-se resgatar o que fora desenvolvido de forma

exitosa, na segunda metade dos anos 1990.

Destaca-se que, sobretudo a partir de 1996, as ações da Secretaria são

estruturadas para enfrentar um novo cenário no mundo do trabalho: o da

reorganização produtiva; o qual é acompanhado de altos índices de desemprego.

Inserindo-se em um movimento mais abrangente estabelecido pelo

Ministério do Trabalho e Emprego, com a implantação do Plano Nacional de

Qualificação do Trabalhador (PLANFOR)1, a SERT estabelece convênios com várias

instituições (com tradição ou não), para a realização de formação profissional. Mas

também, paralelamente, buscou desenvolver alternativas ao tradicional modelo de

formação profissional.

Um amplo seminário, ocorrido em 1996 com representantes da educação,

dos sindicatos, do patronato e do poder público, teve como objetivo discutir novos

caminhos para a educação profissional no estado de São Paulo e deu corpo às

novas propostas que estavam sendo gestadas. Surge daí, a proposição do

Programa Aprendendo a Aprender, composto por três projetos:

� Observatório do futuro do trabalho, com o papel de analisar o mercado

de trabalho de forma prospectiva e não simplesmente diagnóstica,

indicando os principais focos de contratação de pessoal e, dessa

maneira, antecipar o planejamento para a formação profissional;

1 Criado em 1995 o PLANFOR tinha como objetivos: requalificar os trabalhadores desempregados e ou ameaçados de desemprego; ampliar as vias de formação profissional existentes no país e incorporar novas experiências nesse campo (Posthuma, 1999). Era meta do plano, em 1999, qualificar 20% da População Economicamente Ativa (PEA), ou seja, 3 milhões de trabalhadores.

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� Habilidades básicas, específicas e de gestão, cujo intuito era discutir

novas metodologias de forma a articular conhecimentos específicos aos

de formação integral; e,

� Centro público de formação profissional, caracterizado como um espaço

de articulação da comunidade na elaboração e execução da formação

profissional local.

Nesse modelo, as análises elaboradas pelo Observatório eram

qualificadas pelas comunidades, que traziam reflexões sobre a realidade local.

Baseados nesse processo, os experimentos a serem desenvolvidos nos Centros

Públicos eram priorizados.

Somente após o desenvolvimento dos experimentos e o debate sobre

seus acertos e dificuldades, estes eram sistematizados, impressos e disponibilizados

para instituições executoras da formação profissional.

O intuito com esse novo desenho era que ele fosse, gradativamente,

incorporado ao Plano Estadual de Qualificação, como forma de associar às medidas

de cunho quantitativo, previstas no PLANFOR, as de natureza qualitativa,

promovendo a adequação dos cursos.

A revisão da política no nível federal de governo, no início dos anos 2000

– com a reestruturação do PLANFOR; e a limitação dos convênios para a execução

da formação profissional, bem como do uso do FAT no financiamento de programas

de qualificação profissional desvinculados de planos concretos de geração de postos

de trabalho – induz a uma reorientação das estratégias dos vários atores para dar a

continuidade aos programas de formação.

Em São Paulo, a descontinuidade na política nacional se fez ainda mais

presente com a paralisação do Programa Aprendendo a Aprender e a realização de

ações de qualificação de forma desintegrada e pulverizada entre várias entidades

executoras, sem considerar as reais necessidades do mercado de trabalho, e sem a

devida preocupação quanto à sua efetividade.

Esse quadro persistiu até o ano 2007, momento no qual, conforme já

citado, foram mais uma vez reformuladas as diretrizes para o desenvolvimento da

política de qualificação profissional no âmbito da SERT.

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No que se refere aos aspectos pedagógicos e metodológicos, foram

consideradas, nessa redefinição, um conjunto de premissas, buscando, sobretudo,

caminhar para a formação integral dos participantes.

Embora para a definição das novas diretrizes tenham sido considerados

os aprendizados da organização nos anos 90, acredita-se que o modelo de

intervenção e as ações propostas para o triênio 2008-2010 representam um avanço

em direção a uma proposta de formação profissional consistente com a construção

de uma cidadania plena para os trabalhadores excluídos do mercado de trabalho,

conforme veremos a seguir.

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DIRETRIZES METODOLÓGICAS

A. Focalização da política

Uma das primeiras definições com relação aos cursos de qualificação

profissional, e que o diferencia das proposições do passado, esteve relacionada à

focalização da política.

Optou-se, nesse sentido, por dar prioridade à qualificação da parcela da

população desempregada com menor escolaridade formal e que apresenta faixas

etárias mais elevadas.

Essa escolha pautou-se na constatação de que a população de 30 a 59

anos combina características de plena maturidade para o trabalho – o que poderia

facilitar sua inserção no mercado – com um importante déficit educacional, o que

tende a alijá-la desse mesmo mercado.

Ressalta-se, com base nas estatísticas oficiais, que a despeito da

universalização da escolaridade presente na população mais jovem, recém inserida

no mercado de trabalho, há, ainda, parcela expressiva da PEA que apresenta

lacunas importantes de formação básica, conforme observado no gráfico a seguir.

Gráfico 1: Escolaridade da População com 15 anos e mais

Fonte: Pesquisa de Condições de Vida, Fundação SEADE, 2006.

B. Formação integral

Como não poderia deixar de ser, as demais premissas metodológicas

levaram em conta a prioridade dada à qualificação desse perfil de desempregados,

além de refletir uma concepção de que os trabalhadores devem estar cada vez mais

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Total

15 a 29 Anos

30 a 44 Anos

45 a 59 Anos

60 a 74 Anos

75 Anos ou +

Fundamental Incompleto

Fundamental Completo ou Médio Incompleto

Médio Completo ou Superior Incompleto

Superior Completo

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preparados para o exercício da cidadania e conscientes de seus direitos no mundo

do trabalho.

Assim, buscou-se construir uma metodologia que se pauta na formação

integral do indivíduo, onde o preparo para o ingresso ou re-inserção no mercado de

trabalho é apenas um dos ganhos daquele que participa do programa de

qualificação, mas não o único.

Essa visão de formação integral – além de se mostrar adequada às

necessidades de um público com baixa escolaridade formal – se constitui como uma

crítica às formas de pensar a qualificação profissional a partir da flexibilização do

trabalho.

É importante resgatar aqui o histórico do conceito de qualificação, que

começa a ser utilizado nos anos 1940, juntamente com o surgimento do sistema de

educação profissional mais estruturado. Na década de 1960, a ênfase teórica

tradicional volta suas atenções para a preparação do capital humano, fundado na

atribuição da importância da instrução como ferramenta essencial para a expansão

do sistema produtivo. Trata-se, nesse sentido, de proposta de qualificação focada,

sobretudo no atendimento ao mercado de trabalho e, portanto, restrita ao

desenvolvimento de valores congruentes com a classe dirigente.

O conceito de competências, por sua vez, nasce no interior das empresas

e visa conformar determinadas atitudes para atender às novas demandas do modelo

produtivo. Isto é, emprega a subjetividade do trabalhador aos atos relativos à

capacidade de intervir em situações imprevisíveis na produção, ao saber trabalhar

em equipe, entre outros.

Neste sentido, nota-se que a educação, sobretudo no campo profissional,

vem acompanhando as mudanças do mercado de trabalho, e a elas se adaptando

de forma progressiva. O caráter adaptativo ao mercado da chamada pedagogia das

competências é bem apontado por Newton Duarte (2001)2. Segundo o autor, o

indivíduo é formado de acordo com as competências necessárias ao mercado de

trabalho; cabendo aos educadores conhecer a realidade social, não para fazer a

crítica a essa realidade e construir uma educação comprometida com as lutas por

uma transformação social radical, mas sim para saber melhor quais competências a

realidade social está exigindo do indivíduo. Trata-se, dessa forma, de uma

2 DUARTE, N., As pedagogias do “aprender a aprender” e algumas ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento, 2001.

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qualificação que busca a adaptação à sociedade capitalista, sem uma crítica

consistente aos padrões de trabalho e exigências colocados pelas empresas.

Marise Nogueira Ramos (2001)3 constrói uma crítica bastante semelhante

a de Duarte. A autora afirma que as mudanças tecnológicas e de organização do

trabalho – entre outras: a flexibilização da produção e reestruturação das

ocupações; integração de setores da produção; multifuncionalidade e polivalência

dos trabalhadores; valorização dos saberes dos trabalhadores não ligados ao

trabalho prescrito ou ao conhecimento formalizado – se refletem na educação tanto

formal quanto profissional.

Nesse contexto, há um reforço da ética individualista, que no campo da

pedagogia se manifesta sob as noções da competência, competitividade, habilidade,

qualidade total e empregabilidade. E no âmbito social mais amplo se define por

noções constitutivas de um suposto novo paradigma, aparentemente sem origem e

que compõem um jargão ideológico utilizado de forma indiscriminada, a saber:

globalização, flexibilidade, governabilidade, empregabilidade, underclass, exclusão,

multiculturalismo, entre outros.

Trata-se, segundo a autora, de uma concepção que subordina a

subjetividade do trabalhador às necessidades de reprodução do capital. Melhor

dizendo, a noção de competência é limitada em relação à perspectiva da formação

humana; ela contribui ainda para a adaptação dos indivíduos a sistemas marcados por

desequilíbrio. Apoiada nesse conceito, a pedagogia das competências é uma

pedagogia experiencial que objetiva promover essa adaptação. A validade do

conhecimento passa então a ser compreendido por sua viabilidade e utilidade. A

institucionalização da noção de competência, por fim, funda um novo profissionalismo:

“estar preparado para a mobilidade permanente entre diferentes empresas, para o

subemprego ou para o trabalho autônomo. Em outras palavras, o novo

profissionalismo é o desenvolvimento da empregabilidade”. (RAMOS: 2001, p. 284).

O trabalho de Françoise Ropé e Lucie Tanguy – “Saberes e

competências; o uso de tais noções na escola e na empresa” – também questiona o

conceito de competência, que vem sendo utilizado nos processos formativos, sem

uma maior problematização.

3 RAMOS, M.N., A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação?, 2001.

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O artigo de Lucie Tanguy é particularmente interessante, uma vez que a

autora, se preocupa em elucidar a passagem de um ensino centrado em saberes

disciplinares para um ensino definido pela produção das competências verificáveis

em situações e tarefas específicas e que visa à produção.

Ao propor um modelo de qualificação que busca aliar aprendizagens de

diferentes naturezas – o Programa Estadual de Qualificação tende a se distanciar da

pedagogia das competências senso estrito.

Ressalta-se que há, nas proposições do PEQ, um espaço reservado ao

desenvolvimento / aprendizagem de competências, mas essa abordagem é

relativizada, na medida em que combinada com conteúdos que buscam, antes de

qualquer coisa, trabalhar dentro de uma lógica de emancipação do trabalhador, e

não de sua adaptação acrítica ao modelo de organização do trabalho.

Assim, o Programa Estadual de Qualificação procura,

metodologicamente, um afastamento progressivo em relação a esta pedagogia,

dando ênfase, como já apontado, à formação do cidadão de maneira integral, e

buscando aportar conhecimentos teóricos e técnicos para que o trabalhador

compreenda e questione a sociedade em que vive.

Além da prioridade dada ao desenvolvimento de conteúdos gerais, em

relação ao “savoir faire” de uma ou outra ocupação, essa perspectiva fica

evidenciada em várias das diretrizes e características do Programa. Entre elas:

� a preocupação com a integração entre conteúdos gerais e específicos;

� o incentivo aos alunos trabalhadores para a retomada da escolarização

formal, possibilitando, tanto a abertura de novas possibilidades de

inserção no mercado, como a ampliação de seu universo cultural e

político, e, desta maneira, de sua atuação como indivíduo autônomo e

crítico.

C. Desenvolvimento do material didático: importância da adequação da

linguagem

Este tipo abordagem do PEQ, pautada no reconhecimento do trabalhador

como sujeito de direitos e nas suas peculiaridades, também se reflete na

composição do material didático produzido para o Programa, tendo-se optado pelo

uso de um registro de linguagem que promovesse a apreensão dos conteúdos a

partir da aproximação com o aluno trabalhador.

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Isto é, o registro lingüístico no qual estão construídos os textos didáticos

possui características próprias para dialogar com uma faixa de público afastada das

práticas mais formais dos usos da linguagem; seja por não ter tido oportunidade de

inserção ou permanência na escola; seja por ter se distanciado há muito do universo

da escola regular – lugar de apreensão da linguagem formal por excelência.

Importante ressaltar que as particularidades da linguagem do material

desenvolvem-se de maneira a não promover um rebaixamento do registro

lingüístico. Trata-se, sim, de promover um universo que reconhece a peculiaridade

do público que se quer atingir, levando em conta suas características de

escolaridade e de diversidade de origens sociais e mesmo regionais.

A heterogeneidade é marca premente das turmas do programa e o

reconhecimento oficial desta característica passa pelo uso adequado das formas de

linguagem que foram escolhidas para compor o material, tanto em sua versão

impressa quanto nos vídeos didáticos que acompanham cada módulo de conteúdo.

Uma das marcas lingüísticas mais fortes dos textos didáticos do material é

a interlocução direta que se faz com o trabalhador que se encontra na sala de aula.

Essa interlocução é promovida já nos textos de abertura de cada módulo – que

“chamam” o trabalhador para dentro do material, fazendo uso não só de vocativos

(“Caro(a) trabalhador(a)”) e expressões verbais apropriadas, mas principalmente

chamando a atenção para a proximidade do tema que será desenvolvido com as

suas possíveis vivências relacionadas ao assunto.

A relação de aproximação que o material busca desenvolver com o aluno

trabalhador também se dá pela quebra de situações mais formais, típicas de

materiais institucionais, substituindo-as pelo uso de representações mais informais

da realidade. Nesse contexto, são utilizados enunciados próximos da conotação

lingüística, típicos de situações cotidianas, conforme demonstra o recorte abaixo,

extraído de um dos “Cadernos do Trabalhador” (2008).

Caro(a) trabalhador(a),

Bem-vindo(a) a mais uma etapa do caminho de sua qualificação profissional.

Para muitos, a estrada em busca de um lugar no mercado de trabalho tem sido poeirenta, cheia de buracos, sem sombra para relaxar, não é mesmo? Aí, dá vontade de encontrar um atalho com uma sombra fresquinha, mais adiante um riacho de água limpa para matar a sede, uma árvore com manga madura ao alcance da mão!

Neste módulo, você vai perceber, com a ajuda do professor, dos colegas e dos amigos, que é possível encontrar esse atalho, que tornará sua caminhada mais fácil. (Como se preparar para o mercado de trabalho)

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Estes textos de abertura também chamam a atenção do trabalhador para

a necessidade de se fazer uma reflexão sobre o tema em questão, buscando

promover, através de questionamentos diretos, a desconstrução de percepções

associadas ao senso comum; ao mesmo tempo em que se promove a necessidade

de que se crie um olhar menos natural e acomodado para os fenômenos da

realidade. Procura-se indicar, dessa forma, que a aprendizagem pode se dar, entre

outros meios, pela busca de um olhar crítico e questionador que o indivíduo lança ao

mundo que o rodeia.

Caro(a) trabalhador(a),

Você já foi informado de que seu programa de formação terá diversos módulos.

Neste vamos trabalhar a comunicação. Veremos as formas corretas de nos comunicarmos no trabalho e na vida pessoal, como compreender um texto, como redigirum bilhete, uma carta.

Nós nos comunicamos todos os dias, não é mesmo? E fazemos isso de modo tão natural que, muitas vezes, nem nos perguntamos se estamos utilizando a melhor forma de comunicação ou, ainda, se podemos falar ou escrever de determinada maneira em qualquer situação. Você já pensou nisso? Tenha pensado ou não, é importante saber como melhorar a escrita e a forma de falar.

Este módulo de comunicação é muito útil para quem procura trabalho ou emprego, para quem quer continuar no trabalho atual ou mesmo para quem deseja melhorar sua condição.” (Comunicar é preciso)

Estas características lingüísticas se fazem presente em todo o material e

é dentro deste registro que vão se desenvolvendo os textos explicativos que versam

sobre conteúdos específicos ou aqueles que compõem a introdução e

desenvolvimento de atividades e exercícios de sala de aula.

Finalmente, cabe atentar que a interação a que o material se propõe é

construída também na linguagem não-verbal do material: além do material

multimídia (desenvolvido em vídeos e na web), as imagens e a própria composição

gráfica no material Cadernos do Trabalhador (2008) dialogam diretamente com o

aluno trabalhador.

As ilustrações, compostas exclusivamente para o material, são

claramente relacionadas ao tema desenvolvido, promovendo o reconhecimento das

situações que o texto leva a questionar.

As imagens provenientes de outras fontes e os textos construídos às

margens das páginas – em que a interlocução com o trabalhador também aparece –

servem, via de regra, para trazer informações que aprofundam ou esclarecem o

tema principal, buscando um enriquecimento do universo cultural do aluno; e ou que

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direcionam o aluno para um assunto que ele pode desenvolver em atividades fora da

sala de aula.

De modo geral, pode-se dizer que a preocupação com a adequação da

linguagem na composição do material apóia-se na percepção de que a interação

com o mundo se dá sempre através da linguagem; e que, conforme constata Marcos

Bagno (2009): “…a prática da reflexão lingüística é importante para a formação

intelectual do cidadão.” Assim, imagina-se que o uso da linguagem, tal como feito

neste material, corrobora com um aprendizado garantidor da formação integral a que

o Programa se propõe.

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D. Reconhecimento e respeito à diversidade

Outra premissa metodológica na qual o Programa se apóia refere-se ao

respeito à diversidade e ao reconhecimento da heterogeneidade de formação /

escolaridade como geradora de oportunidades de conhecimento.

Ainda que fosse prevista a dificuldade que os docentes teriam de

trabalhar essa dimensão, buscou-se, junto a estes, uma compreensão reflexiva

acerca dos ganhos pedagógicos de se trabalhar com turmas heterogêneas no que

se refere à escolaridade e backgrounds culturais. Entre estes ganhos, aponta-se a

possibilidade de se contar com alunos monitores, promovendo o compartilhamento

de conhecimentos e a integração solidária entre os participantes.

Além dessa discussão acerca da heterogeneidade de formação, a

preparação adequada dos docentes para trabalhar com as diferenças sócio-

econômicas e étnicas também é objeto de reflexão constante.

O modelo desejável para o profissional que atua no programa aproxima-

se das pelas definições de Paquay, Perrenoud et al.:

“O que um professor profissional deve ser capaz de fazer? A partir de diversos

modelos (entre os quais o de Donnay e Charlier, 1990), admite-se que este

profissional deva ser capaz de:

� analisar situações complexas, tomando como referência diversas

formas de leitura;

� optar de maneira rápida e refletida por estratégias adaptadas aos

objetivos e às exigências éticas;

� escolher, entre uma ampla gama de conhecimentos, técnicas e

instrumentos, os meios mais adequados, estruturando-os na forma de

um dispositivo;

� adaptar rapidamente seus projetos em função da experiência;

� analisar de maneira crítica suas ações e seus resultados;

� enfim aprender, por meio dessa avaliação contínua, ao longo de toda a

sua carreira.

(…)

É preciso acrescentar a isso as posturas necessárias ao ofício, tais como

a convicção na educabilidade, o respeito ao outro, o conhecimento das próprias

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representações [grifo nosso], o domínio das emoções, a abertura à colaboração, o

engajamento profissional. (Paquay et al., 2001)

E. Formação dos Formadores

No processo de formação dos formadores do PEQ, a opção é abordar,

por um lado, os princípios metodológicos que orientam o programa, combinando

com esta abordagem o resgate efetivo da vivência de cada participante.

Na construção deste processo de capacitação específico, constatou-se

também a necessidade de se promover a familiarização dos monitores com os

conteúdos do programa, priorizando aqueles mais distantes do cotidiano escolar

formal e, portanto, de maior complexidade na apreensão por parte dos formadores.

São eles: história do trabalho, trabalhar por conta própria, competição ou

cooperação, cidadania e uso da informação.

Uma opção de trabalho neste processo é a de reforçar, nas ações

formativas, a própria concepção que permeia o Programa, promovendo, nas oficinas

de formação, debates, a partir da compreensão e vivência dos participantes, acerca

dos princípios metodológicos a serem adotados na educação de jovens e adultos.

Nesta concepção, mostra-se como importante elemento de formação, o processo

reflexivo de desconstrução dos preconceitos no processo de ensino-aprendizagem.

Outro aspecto significativo na formação diz respeito à reflexão entre os

formadores sobre como compreendem os trabalhadores desempregados.

Considera-se importante levá-los a perceber que estes indivíduos de processos de

adaptações constantes do capitalismo e não podem ser responsabilizados

diretamente pela situação em que se encontram.

Há, ainda que desvencilhá-los da imagem que comumente se faz desta

parcela da população: a de que são indivíduos que preferem ser assistidos, por meio

de recursos públicos, do que buscar alternativas de renda.

Por fim, há, no processo de formação dos formadores, o desafio de

mostrar-lhes a importância de levar à prática uma metodologia que capte e valorize

a experiência, vivência pessoal e profissional dos participantes e que permita, ao

mesmo tempo, o reconhecimento dos preconceitos a serem superados.

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IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE QUALIFICAÇÃO 2008-2010

Tendo em vista a dimensão e complexidade dessa proposta, e seu

caráter de ruptura em relação à política de qualificação profissional desenvolvida no

âmbito do governo do Estado de São Paulo nos anos recentes, mostrou-se

adequado implementar a proposta metodológica do PEQ de forma progressiva.

A. Primeira Fase de Implantação do PEQ: 2008 / 2009

Na primeira etapa dessa implantação – nos anos de 2008 e 2009 – os

esforços de mudança estiveram concentrados: na definição de uma carga horária

média padrão para os cursos; na determinação de que estes fossem ministrados por

instituições reconhecidamente capacitadas para a qualificação profissional 4; e na

elaboração de novos conteúdos e materiais didáticos, voltados à formação integral e

adequados ao perfil sócio-educacional dos trabalhadores.

Nesse sentido, uma das primeiras decisões residiu em considerar a

complementaridade de dois campos de conhecimento: um relativo à ocupação

profissional, e outro de formação geral.

Os cursos promovidos nesta etapa do PEQ – que ainda mantém várias

características do modelo de qualificação elaborado no interior da própria SERT na

segunda metade dos anos 90 – trabalham, como já enfatizado, com a metodologia

horizontal, de valorização do conhecimento prévio do aluno e de aperfeiçoamento de

sua compreensão da realidade em que está inserido. Tratou-se de buscar tanto a

conscientização e valorização de seus próprios conhecimentos, como ampliar o

horizonte de oportunidades de trabalho, por meio de uma definição mais clara de

seus anseios profissionais, voltada à lapidação de sua comunicação verbal e escrita,

ou ainda à aquisição de contato com a informática.

Neste momento, o material didático produzido restringiu-se aos conteúdos

de caráter geral, tendo em vista criar um padrão uniforme de abordagem para as

unidades executoras. Assim foram desenvolvidos os “Cadernos do Trabalhador”

4 Em que pese as executoras escolhidas tendam a pauta sua atuação na pedagogia das competências, a premissa que orientou tal decisão foi baseada na convicção da necessidade de se romper com um tipo de execução pulverizada da qualificação profissional, processo que, em anos anteriores, resultou em cursos realizados por entidades com desigual capacidade técnica em termos de qualidade e que guardavam coerência limitada frente às necessidades dos trabalhadores e às demandas do mercado de trabalho.

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com enfoque na compreensão do mundo do trabalho; valorização de seus

conhecimentos; cidadania, igualdade e inclusão; noções básicas de comunicação

verbal e escrita; informática e matemática, possibilidades de trabalho autônomo,

entre outros.

Uma equipe técnica foi contratada para o desenvolvimento desses

conteúdos, dando-se igual ênfase aos conteúdos e a linguagem, conforme já

explicitado anteriormente. Ou seja, tanto o conteúdo quanto o projeto gráfico foram

planejados de forma a ampliar o capital cultural dos participantes, reproduzindo

poemas, obras de arte e excertos de obras literárias.

O material, organizado com o apoio da Fundação Padre Anchieta, foi

disposto em quatro livros, contendo textos conceituais articulados à proposta de

realização de exercícios, construídos de forma a propiciar a participação oral e

escrita, visando ampliar a desenvoltura no campo da comunicação e na percepção

da cidadania.

A partir desse material foram também produzidos 14 filmes para uso

didático e 1 jogo interativo. Neste, o trabalhador decide os destinos do personagem

na busca por um emprego, tendo como objetivo: apresentar situações inusitadas que

demandem uma reflexão capaz de ser transposta às decisões dos participantes;

promover o diálogo no grupo e a percepção de novas formas de se relacionar com o

outro; e construir e aprimorar sua própria argumentação.

Foi ainda desenvolvido um site sobre o Programa Estadual de

Qualificação dirigido ao trabalhador, que noticia e informa sobre eventos

relacionados ao mundo do trabalho; disponibiliza o material didático produzido pela

SERT para uso e reprodução dos interessados; e oferece uma webgincana, que traz

textos e exercícios complementares desenvolvido, contudo, de forma lúdica.

B. 2009: novos conteúdos

Nos anos de 2008 e 2009, o PEQ foi implementado com esse formato.

Entretanto, coerente com a perspectiva de avançar na implementação dos

pressupostos metodológicos citados, no ano de 2009, estão sendo desenvolvidos

novos conteúdos para a produção de materiais didáticos, nos seguintes temas:

� História;

� Geografia;

� Meio ambiente;

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� Saúde do trabalhador e segurança no trabalho;

� Artes;

� Língua Portuguesa II – reconhecimento, interpretação e redação de

diferentes tipos de texto.

A escolha desses temas vem no sentido de ampliar, ainda mais, o

universo cultural dos alunos do PEQ, além de possibilitar que trabalhadores, que já

participaram do Programa, tenham acesso a novos conhecimentos, sem repetição

de conteúdos.

Paralelamente, estão sendo desenvolvidos conteúdos didáticos que

articulam conhecimentos gerais e específicos para ocupações inseridas em um

mesmo arco ocupacional.

Esta forma de organização do material didático representa um avanço em

relação ao modelo anterior na medida em que se promove uma integração entre os

conteúdos gerais e específicos, no mínimo no que tange aos conteúdos de língua

portuguesa, matemática, meio ambiente, saúde e segurança no trabalho e

informática.

Ou seja, os conteúdos gerais são desenvolvidos de acordo com o que é

demandado por cada ocupação, mas sem que se perca de vista a perspectiva de

formação integral do trabalhador.

Diante da impossibilidade de produção de conteúdos para um conjunto

abrangente de ocupações de forma imediata, será considerada, para a definição dos

arcos ocupacionais que serão desenvolvidos e implantados entre 2009 e 2010, a

movimentação do mercado de trabalho no Estado de São Paulo no ano de 2008.

Ressalta-se, ainda, que se tem como perspectiva o desenvolvimento de

conteúdos para dois tipos de arcos ocupacionais: um de caráter horizontal, em que

os cursos podem ser combinados de diferentes formas, sem hierarquia entre eles; e

outro, denominado de misto, em que as ocupações podem ser combinadas de

diferentes formas, mas onde há uma seqüência que potencializa a aprendizagem.

C. Visão de Futuro

Resultante desse processo de implementação em fases e da produção

desses novos conteúdos, pretende-se a convivência – a partir do no ano de 2010 –

de três modelos de curso de qualificação.

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� PEQ I ou PEQ Inicial: dirigido aos trabalhadores que estão participando

do Programa pela primeira vez. Este público participará de cursos com

uma média de 200 horas, sendo 120 horas dirigidas para conteúdos

gerais relativos aos seguintes temas: língua portuguesa; matemática;

história do trabalho; cidadania; resolução de problemas; cooperação ou

competição; preparação para o mercado de trabalho; informação;

informática; trabalho por conta própria; aprender a aprender.

� PEQ II: dirigido aos trabalhadores que participaram do PEQ Inicial. Os

cursos manterão a característica de 200 horas, em média, sendo 120

dirigidas aos conteúdos de: história; geografia; artes; língua

portuguesa; meio ambiente; saúde e segurança no trabalho.

� PEQ III: dirigido a trabalhadores que já tenham ou não participaram do

PEQ, optantes por ocupações que integram os arcos.

Embora nos modelos PEQ I e PEQ II haja, ainda, uma separação formal

entre conteúdos gerais e específicos, a perspectiva é que, progressivamente, se

avance na premissa metodológica de integração destes conteúdos, conforme

apontado ao longo do texto.

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REFERÊNCIAS

BAGNO, M. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999. DUARTE, N. As pedagogias do “aprender a aprender” e algumas ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento. Revista Brasileira de Educação, n. 18, 2001. PAQUAY, L.; PERRENOUD, P.; ALTET, M.; CHARLIER, É. (Org.) Formando professores profissionais: Quais estratégias? Quais Competências? Porto Alegre: Artmed, 2001. POSTHUMA, A. C. Transformando o sistema de formação profissional brasileiro. In: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego e Organização Internacional do Trabalho/OIT. Brasil: abertura e ajuste do mercado de trabalho no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1999. RAMOS, M. N. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001. ROPÉ, F.; TANGUY, L. Saberes e competências. Campinas: Papirus, 1997. SANTOS, M. Os deficientes cívicos. Extraído do Jornal Folha de São Paulo. Disponível em: <http://geografiaeconjuntura.sites.uol.com.br/brasil/br05.htm>. Acesso em:6 abr. 2009. SECRETARIA DE ECONOMIA E PLANEJAMENTO, FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS e SECRETARIA DO EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO – GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diagnóstico para o Programa Estadual de Qualificação Profissional. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008. SECRETARIA DO EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO. Cadernos do Trabalhador. Volumes de 1 a 4. São Paulo: Fundação Padre Anchieta, 2008. VENCO, S. et al. Aspectos da história e da atualidade da educação profissional paulista. Plano Decenal. Mimeo, 2008.

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AUTORIA

Alan Pereira de Oliveira – Aluno do Curso de Especialização em Gestão Pública Legislativa da Universidade de São Paulo. Graduado em Letras da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Executivo Público do Governo do Estado de São Paulo – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. Endereço eletrônico: alancords @yahoo.com.br

Laís Schalch – Mestranda do Programa de Literatura da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Graduada em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Consultora da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP). Endereço eletrônico: [email protected]

Maria Helena de Castro Lima – Graduada em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Consultora da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP). Endereço eletrônico: [email protected]