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Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem(1) (2). Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) (3) (4). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Agravante que o objecto do presente recurso está circunscrito às questões de saber: Há litisconsórcio necessário, sempre que a lei ou o negócio jurídico exijam a intervenção de todos os interessados, seja para o exercício do direito, seja para reclamação do dever correlativo» (5). «Além dos casos em que seja directamente imposto por lei ou por negócio jurídico, o litisconsórcio torna-se ainda necessário, sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para que a decisão produza o seu efeito útil normal» (6). «O efeito útil normal da decisão, quando transitada em julgado, consiste na ordenação definitiva da situação concreta debatida entre as partes»(7). «A pedra de toque do litisconsórcio necessário é (…) a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas acções de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar»(8) . «Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças – ou outras providências – inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais»9.

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Pedidos implicitos

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Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem(1)(2). Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) (3) (4). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Agravante que o objecto do presente recurso está circunscrito às questões de saber:

Há litisconsórcio necessário, sempre que a lei ou o negócio jurídico exijam a intervenção de todos os interessados, seja para o exercício do direito, seja para reclamação do dever correlativo» (5). «Além dos casos em que seja directamente imposto por lei ou por negócio jurídico, o litisconsórcio torna-se ainda necessário, sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para que a decisão produza o seu efeito útil normal» (6). «O efeito útil normal da decisão, quando transitada em julgado, consiste na ordenação definitiva da situação concreta debatida entre as partes»(7).«A pedra de toque do litisconsórcio necessário é (…) a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas acções de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar»(8) . «Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças – ou outras providências – inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais»9.Entre os exemplos paradigmáticos, recolhidos da jurisprudência, de litisconsórcio natural (por contraposição ao litisconsórcio legal [o que é imposto por lei: art. 28º, nº 1, do CPC] e ao litisconsórcio convencional [o que é imposto pela estipulação das partes de um negócio jurídico: cit. art. 28º, nº 1, do CPC], figuram, precisamente, a anulação do contrato-promessa de compra e venda, que deve ser requerida por todos os promitentes compradores (Ac. do S.T.J. de 18/2/1988 in BMJ nº 374, p. 410) e a acção na qual se pede a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda, em que é necessário demandar todos os intervenientes nesse negócio (Ac. da Rel. de Coimbra de 17/4/1990, sumariado in BMJ nº 396, p. 447).

A legitimidade traduz-se no interesse directo da parte em demandar ou contradizer, e resulta concretamente para o autor, da utilidade derivada da procedência da acção (ns. 1 e 2 do artigo 26 do C.P.C.).

Mas o interesse, que assenta, em princípio na titularidade da relação material controvertida, (n. 3 do citado artigo) pode dizer respeito a várias

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pessoas. Se respeitar a uma pluralidade de partes principais que se unam no mesmo processo para discutirem uma só relação jurídica material, configura um litisconsórcio (Adelino da Palma Carlos,

É certo que a recorrente cita os artigos 1405 n. 1, 1407 e 985 do C.Civil.Mas o facto de o primeiro mencionar que os comproprietários exercem em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular não tem o sentido da necessidade do consentimento de todos para o exercício de quaisquer poderes relativamente à coisa, mas sim o de que, actuando todos em conjunto nenhuma razão há para se recusar ao conjunto, os poderes próprios do proprietário singular (A. Varela, Cód. Civ. Anot. III, 1984, p. 351 e 352). Com isto não se impede que em certas circunstâncias cada titular possa actuar autonomamente; ou que noutras, o exercício do direito esteja sujeito à deliberação da maioria, como referem os 1407 e 985 quanto à administração da coisa; e noutras, ainda, se torne indispensável a intervenção de todos (ibid.).Mas estas situações de intervenção colectiva não se vê que estejam legalmente impostas para o exercício do direito de indemnização por danos.Resta considerar a terceira hipótese em que o artigo 28 exige o litisconsórcio necessário, ou seja, quando pela própria natureza da relação jurídica a intervenção de todos os interessados seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal; e a decisão produz esse efeito, continua o citado artigo, sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.

Esclarece o Professor Anselmo de Castro nas lições indicadas, que esta concepção de "efeito útil normal", condizente com um entendimento mais restrito dos dois que se debatiam, e introduzida pela reforma de 1961, é a consagração explícita da doutrina de Manuel de Andrade, e tem o sentido de que só haverá litisconsórcio necessário quando a decisão que vier a ser proferida não possa persistir inalterada quando não vincule todos os interessados. Acrescenta: "o que se pretende é que não sejam proferidas decisões que praticamente venham a ser inutilizadas por outras proferidas

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em face dos restantes interessados, por virtude de a relação jurídica ser de tal ordem que não possam regular-se inatacavelmente as posições de alguns sem se regularem as dos outros. Por maior, portanto, que possa eventualmente, vir a ser a contrariedade lógica entre as decisões, desde que sejam susceptíveis de aplicação sem inconciliabilidade prática, a decisão produz o seu efeito útil normal e o litisconsórcio não se impõe pela naturaza da relação jurídica".Também o Professor Antunes Varela, designadamente na R.L.J 117, p. 380 e segs., num esforço de clarificação digno de realce, fixa os contornos do litisconsórcio voluntário e do necessário incluindo neste as relações indivisíveis por natureza, que têm de ser resolvidas de modo unitário para todos os interessados, sem a presença dos quais, a decisão não conduziria a nenhum efeito útil, como nas acções constitutivas em que a falta de alguns deles poria em causa a globalidade da própria relação jurídica; e bem assim aquelas em que só a intervenção de todos produzirá, não apenas algum efeito útil, mas ainda o considerado normal, definindo a situação concreta entre as partes, de tal modo que não possa vir a ser inutilizada por outros interessados a quem a decisão não seja oponível, como em casos de limitação de indemnização por responsabilidade objectiva.Trata-se de critérios, antes de tudo, prático mas não menos admissíveis, visto o direito se destinar a regulamentar a vida real e não dever ser dela divorciado.

Com tudo isto, encontra-se acautelado o caso julgado na sua eficácia relativa no atinente às partes, porque fica definitivamente definida a sua situação concreta, sem prejuízo de se poderem vir a obter decisões teoricamente divergentes no que respeita a outros interessados, o que a lei aceitou face às razões acima apontadas, tanto que instituiu como regra o litisconsórcio voluntário.Em resumo, desde que fique salvaguardado o efeito útil normal da decisão, isto é, que seja regulada em definitivo a situação concreta entre as partes, sem que ela venha a ser subvertida ou a sofrer perturbação intolerável na hipótese de outra decisão vir a ser eventualmente proferida relativamente aos demais sujeitos da relação, a acção pode ser proposta só por algum ou alguns dos interessados.Ora, a sentença que nestes autos se pronunciar sobre a responsabilidade por

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danos, uma vez transitada, fixa em definitivo a situação concreta das partes, e não será necessariamente alterada na hipótese de outra decisão vir a ser oportunamente proferida relativamente aos demais comproprietários.Trata-se pois de litisconsórcio voluntário, sendo os autores partes legítimas, embora só se deva conhecer do direito deles na medida da sua quota-parte na compropriedade no prédio urbano.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

O autor é comproprietário da nua propriedade de 1/7 do mesmo prédio, pertencendo os restantes 5/7 da raiz aos irmãos do demandante e do 1.º réu, e o usufruto vitalício a seu pai, sendo o adquirente, por seu lado, totalmente alheio à comunhão. Não obstante a sua posição de comproprietário, e de titular do direito de preferência na venda da quota do 1.º réu, à luz do artigo 1409.º do Código Civil, o alienante não lhe deu qualquer conhecimento, e bem assim aos demais comproprietários, dos termos essenciais do negócio, e o autor só teve conhecimento destes nos últimos dias de Janeiro de 2001. Pede, nos termos do artigo 1410, n.º 1, lhe seja reconhecido o direito de haver para si a quota alienada, nas mesmas condições da venda, substituindo-se ao 2.º réu na posição de adquirente, uma vez depositados no prazo legal os valores do preço, da sisa e da escritura, com o cancelamento dos registos efectuados na base da alienação. 2. Regularmente citados os réus não contestaram, e foi proferido despacho

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considerando confessados os factos articulados pelo autor, conforme o n.º 1 do artigo 484.º do Código de Processo Civil. Em cumprimento no disposto no n.º 2 do citado artigo, o 2.º réu apresentou alegação excepcionando, por um lado, a ilegitimidade plural do autor por agir desacompanhado dos demais comproprietários sem provar a renúncia destes; por outro lado, a caducidade da acção de preferência pelo facto de o depósito do preço ter sido efectuado fora do prazo legal. A sentença, proferida nos termos do mesmo normativo, em 16 de Julho de 2002, julgou improcedente a ilegitimidade, considerando que a titularidade da relação jurídica controvertida, tal como configurada pelo autor, lhe confere interesse directo em demandar (artigo 26.º do Código de Processo Civil). E inexigindo a lei a intervenção dos demais comproprietários para assegurar a legitimidade, não resultou preterido o litisconsórcio necessário activo (artigo 28.º). Qualquer um dos comproprietários pode por si só intentar a acção de preferência. No tocante, em segundo lugar, à caducidade, julgou-se precludida a sua apreciação por intempestividade. Entendeu-se efectivamente que a excepção em apreço, estabelecida no caso em matéria não excluída da disponibilidade das partes, não é cognoscível oficiosamente pelo tribunal, dependendo de invocação da parte (artigos 333.º e 303.º do Código Civil), a suscitar, todavia, na contestação, onde em princípio deve ser deduzida toda a defesa (artigo 489.º do Código de Processo Civil), e não na alegação final como na situação sub iudicio. Quanto ao fundo, julgando-se verificados todos os

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respectivos pressupostos substantivos e processuais, foi a acção considerada provada e procedente, declarando-se em suma a preferência do autor e o direito deste a fazer sua a quota alienada. Apelou o 2.º réu sem sucesso, tendo a Relação de Coimbra negado provimento à apelação, confirmando na íntegra a sentença do Tribunal da Anadia conforme o artigo 713.º, n.º 5, do Código de Processo Civil. 3. Do acórdão neste sentido proferido, em 9 de Julho de 2003, interpôs o mesmo réu vencido a presente revista, a processar nos termos dos artigos 732-A e 732-B do Código de Processo Civil, sintetizando a alegação respectiva nas conclusões que se reproduzam: 3.1. «A tese vertida no acórdão recorrido que o ‘exercício do direito de preferência é livre e individual e reveste carácter potestativo pelo que cada um dos preferentes, sem o litisconsórcio de todos, nem necessidade de afastar os demais preferentes, tem legitimidade activa para intentar a acção’ está em manifesta contradição com outros acórdãos, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer das Relações nacionais; 3.2. «As restrições ao direito de propriedade decorrentes da previsão de um direito legal de preferência não se justificam apenas com interesses ou pretensões de cariz subjectivo e privado, mas sim com o interesse colectivo e até razões de natureza económica; 3.3. «O entendimento de que a lei não exige a intervenção dos restantes comproprietários para assegurar a legitimidade do autor na acção de preferência frustará as finalidades da lei e por isso a decisão a obter não produzirá o seu efeito útil normal

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(artigo 28 do Código de Processo Civil); 3.4. «De acordo com este entendimento, a decisão nunca pode regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado; 3.5. «O artigo 419, n.° 1, do Código Civil prevê o caso de o direito de preferência pertencer a vários titulares conjuntamente e nesse caso só por todos, conjuntamente, poderá ser exercido; 3.6. «O mais alto Tribunal, em acórdão de 5 de Maio de 1988, não deixou de sublinhar que quando o direito de preferência pertence simultaneamente a vários titulares, aplica-se o artigo 1459-B do Código de Processo Civil que obriga ao exercício conjunto do mesmo direito, exemplificando com o caso do comproprietário que na acção de preferência tem de vir acompanhado dos restantes ou provocar a intervenção dos mesmos, sob pena de ilegitimidade.» Nestes termos, remata o recorrente, «deve dar-se provimento ao recurso, e julgar-se improcedente a acção, uniformizando a jurisprudência decidindo-se que numa situação de pluralidade de preferentes, respeitante ao mesmo direito de preferência, o comproprietário que pretenda instaurar acção de preferência e não possa provar a renúncia dos outros consortes, terá de propor a acção conjuntamente com estes ou provocar a sua intervenção na acção, sob pena de ilegitimidade activa». 4. O autor contra-alega, pronunciando-se pela confirmação do acórdão sub iudicio. E o objecto do recurso, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz da fundamentação da decisão em recurso, compreende a questão de saber se o

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comproprietário autor pode, por si só e desacompanhado dos demais, intentar acção de preferência na venda a um estranho, o 2.º réu, da quota do 1.º réu seu consorte, com os inerentes reflexos na decisão de mérito do acórdão recorrido. 5. O recorrente requereu, todavia, a ampliação da revista ao abrigo dos artigos 732- A e 732-B do Código de Processo Civil, para uniformização de jurisprudência, alegando contradição de julgados espelhada em acórdãos do Supremo e das Relações identificados na alegação. O Ministério Público e o relator emitiram, no entanto, pareceres desfavoráveis à ampliação, dignando-se Sua Excelência o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça concordar, determinando a prossecução do recurso como revista simples. Considerou-se, na verdade, inexistir necessidade ou conveniência na uniformização de jurisprudência, quando se verifica a assinalável uniformidade de entendimento sobre o tema no seio do Supremo que flui dos acórdãos desta estância jurisdicional citados pelo recorrente em ilustração da disparidade jurisprudencial: cinco desses arestos - de 6 de Novembro de 1979, 27 de Fevereiro de 1986, 22 de Janeiro de 1987, 14 de Abril de 1988, e 9 de Dezembro de 1999, adiante sumariamente vistoriados - perfilharam a tese segundo a qual, em suma, a preferência na alienação da quota de um dos comproprietários deve ser exercida por todos os demais em litisconsórcio necessário activo, respeitando as duas decisões restantes a distinta questão fundamental de direito. II 1. A Relação deu como assente a matéria de facto

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provada na 1.ª instância, para a qual, não impugnada e devendo aqui manter-se inalterada, desde já se remete nos termos do n.º 6 do artigo 713 do Código de Processo Civil. A partir dessa factualidade, à luz do direito aplicável, a sentença e o acórdão recorrido julgaram, como se referiu no intróito, que qualquer um dos comproprietários, e por conseguinte, o autor, tem legitimidade para, por si só, desacompanhado dos demais, intentar singularmente uma acção de preferência como a presente, a qual, por conseguinte, verificados todos os respectivos pressupostos substantivo-processuais, foi considerada procedente, condenando-se os réus no pedido. 2. A jurisprudência, porém, desde há muito seguida no Supremo Tribunal de Justiça, abstraindo da casuística envolvida, é nuclearmente no sentido do litiscosórcio necessário activo, como há momentos se deixou entrever. Examinem-se paradigmaticamente em breve escrutínio os cinco acórdãos referenciados pelo 2.º réu recorrente a propósito da pretensão de ampliação da revista. 2.1. Assim, do acórdão de 27 de Fevereiro de 1986 (1) recorta-se uma das premissas fundamentais da tese aludida (pág. 536): «O direito de preferência não se radica em qualquer dos comproprietários individualmente, mas no conjunto, como unidade, e, portanto, cada um daqueles não tem um direito autónomo, pertencendo ele a todos os comproprietários.» 2.2. Enquanto no acórdão de 22 de Janeiro de 1987 (2) já a referida doutrina aparece explicitamente enunciada (págs. 525/526): «Não pode o comproprietário preterido intentar,

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isoladamente, a acção de preferência sem a intervenção dos demais ou a sua prévia notificação, salvo se eles houverem renunciado ao seu direito. (..) «Portanto, dada a situação da pluralidade de preferentes, respeitante ao mesmo direito de preferência ou contitularidade de uma única relação de preferência, e não a direitos de preferência distintos, porventura, da mesma natureza, o comproprietário que pretenda instaurar a acção de preferência, em consequência de alienação de quota de um seu consorte a um estranho, e não possa provar a renúncia dos outros consortes, terá que propor a acção conjuntamente com estes ou provocar a intervenção deles na acção - artigo 356.° do Código de Processo Civil - sob pena de ilegitimidade activa.» 2.3. No mesmo sentido discorre o acórdão de 14 de Abril de 1988 (3) , louvando-se em Antunes Varela (pág. 572): «O comproprietário que se apresente isoladamente a preferir, sem provar a intervenção dos restantes ou sem provar a renúncia deles, não pode deixar de ser considerado parte ilegítima, por não ser o único titular da relação controvertida, no momento em que a acção é proposta.» 2.4. E numa formulação acabada da mesma teoria, ainda o acórdão de 9 de Dezembro de 1999 (4) , cujo sumário se transcreve: «I - O comproprietário que pretenda instaurar a acção de preferência contra a alienação da quota de um consorte e não possa provar a renúncia dos outros consortes terá de propor a acção conjuntamente com estes ou provocar a intervenção deles na acção, sob pena de ilegitimidade; II -

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Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário, tendo em conta que, se o comproprietário não interveniente na acção propusesse acção para obter a sua proporção na quota alienada, como tinha o direito de o fazer, verificar-se-ia, ou podia verificar-se, conflito de decisões e a decisão a favor dos autores não regulava definitivamente a questão (artigo 28, n.° 2, do Código de Processo Civil).» 2.5. Deixámos deliberadamente para o fim o acórdão de 5 de Novembro de 1979 (5) , pela sua flagrante afinidade com o nosso caso, propiciando o ensejo de clarificar a problemática ora em apreciação. Na linha da jurisprudência que vem de se examinar, entendera-se já no citado aresto que o direito de preferência pertence a todos os comproprietários e por todos deve ser exercido, tal implicando logicamente, observamos nós, a exigência da intervenção de todos para assegurar a legitimidade, em litisconsórcio necessário activo (artigo 28 do Código de Processo Civil). Considera, todavia, o acórdão que se o autor se arroga em exclusivo a titularidade do direito de preferência - como nitidamente sucede na presente acção, em que o demandante pede o reconhecimento do direito de haver para si a quota alienada, e de se substituir ao 2.º réu na posição de adquirente -, então está assegurada a sua legitimidade, posto que tem interesse directo em demandar, nos termos do artigo 26.º, por se apresentar como sujeito da relação material controvertida, tal como configurada na petição. Só que, pertencendo a preferência a todos os comproprietários, o autor não tem realmente o direito que

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se arroga, improcedendo a acção, por conseguinte, quanto ao fundo. A solução não pode, contudo, ser esta actualmente. A regra de aferição da legitimidade em função da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, extraída pelo Supremo do artigo 26.º na época em que proferiu o aresto, foi introduzida no n.º 3 do mesmo artigo pela Reforma de 1995/96, sob reserva, passe a expressão, de inaplicabilidade à legitimidade plural. É neste sentido elucidativo o seguinte excerto do relatório preambular do Decreto--Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro: «Circunscreve-se, porém, de forma clara, tal problemática ao campo da definição da legitimidade singular e directa - isto é, à fixação do ‘critério normal’ de determinação da legitimidade das partes, assente na pertinência ou titularidade da relação material controvertida - e resultando da formulação proposta que, pelo contrário, a legitimação extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta, não depende das meras afirmações do autor, expressas na petição, mas da efectiva configuração da situação em que assenta, afinal, a própria legitimação dos intervenientes no processo.» Pois bem. Não obstante a intencionalidade restritiva da Reforma que vem de se ilustrar, a sentença julgou positivamente a legitimidade plural do autor no presente processo segundo o artigo 26, tal como preconizava o acórdão de 5 de Novembro de 1979, considerando, por seu lado, a acção procedente. E a Relação de Coimbra confirmou a decisão mediante o

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acórdão recorrido, que assim não poderá manter-se em qualquer dos dois aspectos. 3. Na verdade, propendemos igualmente a subscrever o entendimento delineado na jurisprudência recenseada, não vislumbrando razões de tomo que nos movam a divergir. Pensa-se, aliás, ser essa a solução substantivamente consentânea com a natureza jurídica da compropriedade, na concepção, mais adequada às soluções legais e ao próprio conceito formulado no artigo 1403 do Código Civil, de um único direito de propriedade com pluralidade de titulares, pertencendo a cada um deles uma quota ideal do mesmo direito (6) . Consoante observa a doutrina italiana, não pode existir ao mesmo tempo mais de um direito de propriedade sobre o mesmo bem - duorum vel plurium in solidum dominium esse non potest -, mas de um mesmo direito podem ser titulares vários sujeitos conjuntamente, e nada impede, por consequência, que a propriedade, na sua natureza de domínio pleno e exclusivo, pertença simultaneamente a várias pessoas em conjunto. Então, nas relações internas da comunhão cada consorte detém uma quota ideal do direito, que exprime o quantum de poderes sobre a coisa comum enquanto dura a comunhão, e a medida do direito no momento da divisão (7) . Pois bem. Uma semelhante construção não permitiria, assim o cremos, explicar que o mais lesto quiçá dos consortes preferentes pudesse isoladamente agir e haver para si a quota alienada em detrimento dos demais. Pelo menos a sentença que a favor desse comproprietário se proferisse não produziria o seu efeito útil normal, como se

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mostrou, deixando de regular definitivamente a situação concreta dos interessados na fattispecie sub iudicio. Tais na realidade as consequências a que conduziria o entendimento adoptado nas instâncias, verdadeiramente tributário, se bem julgamos, de um concepção individualista do direito de propriedade - porventura tradicional, mas ultrapassada no vigente Código Civil -, conducente à qualificação da compropriedade como uma pluralidade de direitos de domínio, quer sobre quotas ideais ou intelectuais do objecto (Manuel Rodrigues), quer sobre todo o objecto da compropriedade concretamente considerado (Pinto Coelho/Windscheid) (8) .. Daí que a preferência devesse ter sido exercida por todos os comproprietários, em litisconsórcio necessário activo. 4. Duas objecções suscita o autor recorrido na contra-alegação. 4.1. A primeira relaciona-se com o disposto no n.º 2 do artigo 1405 do Código Civil. Se, na verdade, de acordo com este preceito, um «consorte, desacompanhado dos restantes, pode reivindicar de terceiro a coisa comum», não se compreenderia, objecta o recorrido, que não pudesse «preferir na venda que foi feita a terceiro sem o seu conhecimento». A dificuldade é, porém, meramente aparente. Desde logo, se a lei não estipulasse a norma especial do n.º 2 do artigo 1405.º, seguir-se-ia ficar a reivindicação sujeita à regra do exercício conjunto estabelecida no n.º 1, susceptível de suscitar aporias e de causar até danos irremediáveis na consistência prático--jurídica da compropriedade. Sendo esta a teleologia do

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normativo em apreço, o certo em todo o caso é que as duas situações, da reivindicação e da preferência, não devem ser assimiladas. No primeiro caso, ao consorte que age isolado de modo algum faculta a lei teleologicamente, como acabamos de mostrar, a reivindicação da coisa comum para integração na sua esfera jurídica individual, mas unicamente no interesse de todos, uma vez que a mesma não lhe pertence por inteiro, consoante sublinha o preceito legal. O mesmo não sucede com o exercício por natureza da preferência, que a própria lei, aliás, configura em contraponto como direito de o preferente - o preferente que seja único, evidentemente, porque no caso de pluralidade de comproprietários preferentes rege o n.º 3 do artigo 1409.º, a que de seguida aludiremos - «haver para si a quota alienada» (artigo 1410.º, n.º 1). 4.2. A segunda objecção tem a ver com a remissão delineada no n.º 2 do artigo 1409.º Mediante essa remissão, a lei manda aplicar à preferência do comproprietário os artigos 416.º a 418.º, excluindo, portanto, o artigo 419.º, cujo n.º 1 dispõe: «Pertencendo simultaneamente a vários titulares, o direito de preferência só pode ser exercido por todos em conjunto.» Sinal certo, no ponto de vista do autor recorrido, de que, afastado expressamente esse normativo do regime da preferência na compropriedade, o direito de preferência «não tem que ser exercido por todos os titulares, podendo sê-lo por qualquer um deles individualmente». Mas o argumento logicamente prova demais. O artigo 419.º deixou de ser incluído na remissão operada pelo n.º 2 do

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artigo 1409, não propriamente porque se quisesse excluir da compropriedade o exercício conjunto do direito de preferência previsto no seu n.º 1. Mas porque o n.º 3 do artigo 1409 definia do mesmo passo um específico regime na compropriedade - «sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas quotas» -, implicando a mesma regra do litisconsórcio necessário activo estabelecida no n.º 1 do artigo 419.º, e ademais antitético da solução da licitação consignada no n.º 2 deste artigo. 5. O autor carece, em conclusão, de legitimidade, porque desacompanhado, no exercício da preferência, dos demais comproprietários preferentes. E a decisão de mérito que julgou a acção procedente não pode consequentemente manter-se. III Nos termos expostos, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista, julgando procedente a excepção de ilegitimidade plural do autor, revogam o acórdão recorrido e absolvem os réus da instância. Custas pelo autor recorrido (artigo 446.º do Código de Processo Civil). Lisboa, 22 de Setembro de 2005 Lucas Coelho, (Relator) Bettencourt de Faria, Moitinho de Almeida. ------------------------------------------- (1) «Boletim do Ministério da Justiça», n.º 354 (Março de 1986), págs. 532 e seguintes. (2) «Boletim» citado, n.º 363 (Fevereiro de 1987), págs. 523 e segs., com outros subsídios doutrinários e jurisprudenciais na respectiva anotação (págs. 527/528). (3) «Boletim», n.º 376 (Maio de 1998), págs. 569 e seguintes. (4) «Boletim», n.º 492 (Janeiro de 2000), págs. 391 e seguintes. (5) «Boletim» n.º 291 (Dezembro de

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1979), págs. 396 e seguintes. (6) Neste sentido, Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, Sumários das lições ao curso de 1966-1967 (policopiados), Coimbra, 1967, págs. 245 e seguintes. (7) Alberto Trabucchi, Instituzioni di Diritto Civile, 41.ª edizione, a cura di Giuseppe Trabucchi, CEDAM, Padova, 2004, págs. 534/535. (8) Acerca da teorização sumariada, cfr., mais desenvolvidamente, Manuel Henrique Mesquita, op. cit., págs. 242 e seguintes.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:Tendo presente que:- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);- Nos recursos se apreciam questões e não razões;- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a resolver são as seguintes:- Da ilegitimidade activa do autor/comproprietário para a instauração da acção; - Da não audição, como testemunha, do liquidatário judicial da massa falida e se tal constitui nulidade nos termos do artº 201º do CPC;- Da procedência do pedido reconvencional.

II. 2. FACTOS PROVADOS:

No Tribunal a quo deram-se como provados os seguintes factos:1) Encontra-se descrito na Conservatória do registo Predial de Tarouca, sob o n.° 01109/300994, o prédio urbano sito em Tarouca, composto de casa com andar e loja,

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com a superfície coberta de 90 m2, a confrontar do norte com G………., sul e nascente com F………. e B………. e do poente com rua, inscrito na matriz sob o artigo 141 e com o valor patrimonial de 5.511.450$00 - (alínea A) da matéria de facto assente).2) Tal prédio foi objecto de apreensão na proporção de '/4 no processo de apreensão de bens por apenso ao processo de falência ../98, do 1° juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, em que foi declarada falida D………., encontrando-se a propriedade, naquela proporção, registada em nome da ré "C………., Lda." através da inscrição G-1, apresentação 03/060201 - (alínea B) da matéria de facto assente).3) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Tarouca, sob o n.° 01150/101194, o prédio rústico sito em Prado, composto por terreno de cultura com videiras, ramada e pomar, com a área de 700 m2, a confrontar do norte com F………., sul com H………., do poente com I………. e do nascente com J………., inscrito na matriz sob o artigo 5361 e com o valor patrimonial de 12.268$00 - (alínea C) da matéria de facto assente).4) Tal prédio foi objecto de apreensão na proporção de 1/4 no processo de apreensão de bens por apenso ao processo de falência ../98, do 1° juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, em que foi declara falida D………., encontrando-se a propriedade, naquela proporção, registada em nome da ré "C………., Lda." através da inscrição G-1, apresentação 03/060201 - (alínea D) da matéria de facto assente).5) Encontra-se descrito, na Conservatória do Registo Predial de Tarouca, sob o n.° 01151/101194, o prédio rústico, composto de terreno de cultura com videiras, vinha e fruteira, com a área de 4290 m2, a confrontar do norte com L………., sul e nascente com herdeiros de M………. e do poente com caminho, inscrito na matriz sob o artigo 5829 e com o valor patrimonial de 21.952$00 - (alínea E) da matéria de facto assente).6) Tal prédio foi objecto de apreensão na proporção de '/4 no processo de apreensão de bens por apenso ao processo de falência ../98, do 1° juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, em que foi declarada falida D………., encontrando-se a propriedade, naquela proporção, registada em nome da ré "C………., Lda." através da inscrição G-1, apresentação 03/060201 - (alínea F) da matéria de facto assente).7) Os prédios identificados em A), C) e E) foram adjudicados à ré pelo preço global de 1.200.000$00 em auto de transmissão de imóvel no âmbito do referido processo de apreensão de bens por apenso aos autos de falência ../98 do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, 1° juízo, em 11 de Novembro de 2000 - (alínea G) da matéria de facto assente).8) O autor é comproprietário dos prédios em questão - (alínea H) da matéria de facto assente).9) Em 29 de Março de 2001 o autor depositou na Caixa Geral de Depósitos, e à ordem destes autos, a quantia de 1.200.000$00 - (alínea 1) da matéria de facto assente).10) Com os registos da aquisição referida em G) a primeira ré teve despesas - (alínea J) da matéria de facto assente).

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11) O liquidatário judicial da massa falida ré não comunicou aos comproprietários o preço e as condições de pagamento no âmbito da adjudicação referida em G) - (resposta ao(s) quesito(s) 1).12) Não tendo sido comunicada aos comproprietários os precisos termos em que a adjudicação foi feita - (resposta ao(s) quesito(s) 2).

III. O DIREITO:

Os apelantes não impugnam a matéria de facto, pois não questiona a bondade da relação dos factos dada como assente na primeira instância.Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não vê razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC).

Apreciemos, então, as questões suscitadas nas conclusões recursórias.

- I. Primeira questão: DA ILEGITIMIDADE ACTIVA DO AUTOR/COMPROPRIETÁRIO PARA A INSTAURAÇÃO DA ACÇÃO:

A) - PODE A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE SER AGORA CONHECIDA?

Sustentam os Réus/apelantes, desde logo, que, apesar de não ter sido suscitada a ilegitimidade do autor para, desacompanhado dos demais comproprietários, instaurar a presente acção de preferência, deve tal excepção dilatória ser agora (ex officio) conhecida.Assim, impondo-se a intervenção de todos os comproprietários dos prédios objecto da preferência nesta acção que visava exercer essa mesma preferência, e não tendo tal intervenção sido requerida pelo autor, a acção não devia ter prosseguido para apreciação do seu mérito, devendo, antes, ter-se declarado o autor parte ilegítima com as legais consequências.

Em contraposição, nas contra-alegações o autor/apelado defende-seassim: por um lado, trata-se de matéria nova e, como tal, não passível de conhecimento por este tribunal de recurso; por outro, tal questão da legitimidade processual activa foi já decidida no despacho saneador com trânsito em julgado; finalmente defende que qualquer dos comproprietários podia, por si só—isto é, desacompanhado dos demais comproprietários—instaurar a acção de preferência, o que significa que nunca a pretensão dos apelantes podia vingar.Quid juris?

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Sem dúvida que a questão da ilegitimidade activa do autor é questão que não foi suscitada nos autos, sendo-o pela primeira vez neste recurso.

Talqualmente, não há dúvidas que, em princípio, o tribunal da Relação não pode conhecer de questões não invocadas nem decididas no tribunal recorrido (Acs. do STJ, Bol. M.J., 364º-849, CJ, 1990-13º-14º, 31, Col. Jur., 1993, III, 101, Relação de Lisboa, Col. Jur., 1985, II, 109, 1995-5-98 e de Évora, Col. 1986, IV, 313).Ou seja, as questões que não foram suscitada em 1ª instância não têm que ser ali tratadas, como o não têm que ser na instância de recurso, conforme jurisprudência, tanto anterior, como posterior à Reforma do Cód. Proc. Civil de 1995/96 (cfr. Rodrigues Bastos, Notas, vol. III, pág. 266 e Dr. Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos no Cód. Proc. Civil Revisto, pág. 52; Ac. STJ, de 29.4.98, n BMJ 476-400, Acs. STJ de 2.7.91, Bol. M.J. 409º-690 e de 18.01.94, Bol. M.J. 433-536); Manual dos Recursos em Proc. Civil , 3ª ed., Fernando Amâncio Ferreira, a págs. 133 ss.).

No entanto, tal regra tem e ser entendida e aplicada cum grano salis. Isto é, apesar de não levantadas no tribunal recorrido, pode, no entanto, o tribunal de recurso conhecer de questões novas desde que sejam de conhecimento oficioso e ainda não estejam decididas com trânsito em julgado (cfr., por todos, o Ac. STJ de 6.05.93, BMJ, 427º, p. 456). E tais questões podem referir-se quer à relação processual (v.g. a quase totalidade das excepções dilatórias, nos termos do artº 495º CPC), quer à relação material controvertida (v.g., nulidade do negócio jurídico, ante o estatuído no artigo 286º do CC, e o abuso de direito, tal como se encontra caracterizado no artº 334º do mesmo Código, ut Ac. STJ de 7.01.93, BMJ, 423, pág. 539) [Cfr. Manual dos Recursos em Proc.Civil, 3ª ed., de Amâncio Ferreira, págs. 133/134]—isto sem embargo, ainda, do estatuído nos arts. 706º, nº1 e 743º, nº3 e 712º, nº3, do CPC.

Ora, in casu, está em causa uma excepção dilatória: a ilegitimidade (ut artº 494º, al. e) CPC), logo de conhecimento oficioso (artº 495º CPC).Com tal, há apenas que ver se tal questão já foi decidida nos autos e por decisão transitada em julgado.É patente que não!

No despacho saneador tabelar, de fls. 91, escreveu-se, quanto a este pressuposto processual, apenas isto: “as partes……, têm legitimidade para a presente acção,…”.Pergunta-se: qual o valor desse despacho?

O artº 510º, nº1, al. a) do CPC dispõe que o juiz profere despacho saneador destinado a “conhecer excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar

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oficiosamente”.Continua a discutir-se sobre a necessidade de haver uma pronúncia afirmativa quanto à existência dos pressupostos processuais cuja falta seja susceptível de determinar a absolvição da instância.Porém, continuam os tribunais a proceder a uma enunciação da generalidade dos pressupostos processuais verificados, sem apreciar em concreto as questões atinentes àqueles pressupostos processuais quando não tenham sido suscitadas pela(s) parte(s).E, então, qual o valor desse despacho saneador tabelar ou genérico quanto à verificação dos pressupostos processuais?

A questão veio ser solucionada pelo nº 3 do artº 510º do CPC [Que dispõe: “No caso previsto na alínea a), o despacho constitui, logo que transite, caso julgado quanto às questões concretamente apreciadas;….”—o negrito é da nossa autoria], o qual afastou o perigo de transformar esse saneador numa decisão sujeita ao caso julgado formal, tendo, assim, sido decidida por via legislativa uma das questões que anteriormente dividia a doutrina e a jurisprudência [A questão apenas se encontrava expressamente resolvida, no sentido afirmativo, quanto à matéria da legitimidade, por força do Assento do STJ de 1-2-63, BMJ 124.°/414, e no sentido negativo, no tocante à competência absoluta, a partir do Assento do STJ, de 27-11-92, D. R. de 11-1-92. Quanto às demais excepções ou nulidades processuais existia clara divergência doutrinal e jurisprudencial, entendendo uns que o caso julgado formal apenas abarcava as excepções ou nulidades expressa e concretamente resolvidas no despacho saneador e defendendo outros a formação de caso julgado independentemente de tal concretização, aplicando extensivamente a doutrina do Assento sobre o pressuposto processual da legitimidade.No primeiro sentido, cfr. ANTUNES VARELA, Manual de Proc. Civil, pág. 393, e RLJ, ano 121º/285 e segs., ALBERTO DOS REIS, CPC anot. vol. III, pág. 198, ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 266, o Ac. da Rel. de Lisboa, de 15-2-94, CJ, tomo V, pág. 133 (verificação, na sentença, da admissibilidade da reconvenção), e o Ac. da Rel. de Lisboa, de 2-10-97, CJ, tomo IV, pág. 97 (patrocínio judiciário).No sentido afirmativo, cfr. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. II, págs. 632 e segs., RODRIGUES BASTOS, Notas ao CPC, vol. III, pág. 77, e os Acs. do STJ, de 1-6-93, BMJ 328.°/588, e de 19-6-84, BMJ 338.°/391. Cfr. ainda, sobre um caso de falta de personalidade judiciária, o Ac. do STJ, de 17-5-95, BMJ 447.°/422.A partir da revisão do CPC ficou claro que o despacho saneador apenas constitui caso julgado formal em relação às questões concretamente apreciadas. Não ficou, todavia, esclarecido se a mesma solução deve aplicar-se às excepções peremptórias, embora pareça que não faz sentido atribuir a uma decisão genérica sobre o mérito da causa valor superior ao que a lei atribui a decisões tabelares que apensa visam a relação

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processual, tal como já antes fora decidido (Acs. in BMJ 375º-403, Col. Jur., 94, T. II, 38 e Rev. Trib., ano 81º-68 e A. Varela, Manual cit., 396, nota 1)].Assim, portanto, como escreve Lebres de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. 2º, págs. 370-371, “Se, porém, o juiz referir genericamente que determinados pressupostos, dos constantes do artº 494º (por exemplo, a competência, a capacidade, a legitimidade ou os da coligação) ou outros (por exemplo, os que tornam admissível a reconvenção, ou o pedido genérico: respectivamente, arts. 274º-2 e 471º-1), se verificam, o despacho saneador não constitui , nessa parte, caso julgado formal (artº 672º), pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade”—sublinhado nosso.

Antes das aludidas alterações ao CPC e depois do referido Assento de 1.2.63, in DR de 21.2.63 e BMJ, 124, p. 414, não era mais possível, depois do despacho saneador que, sem mais, declarasse as partes legítimas, levantar questão que pusesse em causa a legitimidade do autor ou do réu, a menos que, como ocorre no Ac. do STJ de 5.7.84, BMJ, 339, p. 370, factos supervenientes pusessem em causa a legitimidade da parte, entendida como Alberto dos Reis a entendia.O actual nº 3 do artº 510º, como vimos, pôs termo à contenda, sendo certo que já o Anteprojecto (artº 402º-2) e o Projecto (artº 405º-2) da comissão Varela propunham a consagração da norma do actual 510º-3, em sintonia com o entendimento de Antunes Varela, Anotação ao acórdão de 1.6.83, RLJ, 121.

Assim, portanto, o tribunal de recurso pode—e deve—conhecer das questões novas-- ou seja, não levantadas no tribunal recorrido--, desde que não tenham sido decididas com trânsito em julgado e versem sobre questões de conhecimento oficioso.

Como tal, e voltando ao caso sub judice, conclui-se que, não obstante a questão da ilegitimidade do autor não ter sido suscitada nos autos, nada impede que este tribunal de recurso se pronuncie sobre ela, visto que, sendo de conhecimento oficioso, ainda não se encontra decidida com trânsito em julgado por se encontrar inserida em mero despacho saneador tabelar ou genérico.

- I. B)- O AUTOR/COMPROPRIETÁRIO É PARTE LEGÍTIMA PARA A INSTAURAÇÃO DA ACÇÃO DESACOMPANHADO DOS DEMAIS COMPROPRIETÁRIOS DOS IMÓVEIS A QUE RESPEITA A PREFERÊNCIA?

Sendo afirmativa a resposta, obviamente que decai a primeira questão suscitada nas alegações recursórias; sendo negativa, essa questão vingará, tendo como consequência a absolvição dos réus da instância (ut artº 493º/2 CPC).

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Vejamos, pois.

Vem o autor com a presente demanda, ao abrigo do estatuído no artº 1409º do Cód. Civil, lograr obter o reconhecimento do seu direito de preferência na venda judicial de ¼ dos prédios identificados nas alíneas A), C) e E) da matéria de facto assente, alegando, para tal, que é comproprietário de ¼ indiviso de tais prédios.Efectivamente, assente está que o autor é comproprietário, na proporção e ¼, dos aludidos prédios -- urbano e rústico—, dos quais, nos autos de falência de D……… a correr termos pelo 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia sob o nº ../98, foi adjudicado à primeira ré—estranha à relação de compropriedade--, por instrumento de venda e auto de transmissão de imóveis, uma quarta parte indivisa.

Como é sabido, há posições doutrinais diversas no que tange à natureza da compropriedade.Assim, a doutrina tradicional sustenta que cada comproprietário é titular de um direito (pleno e absoluto) de propriedade sobre uma quota ideal ou intelectual da coisa.Para outra tese, a compropriedade é uma pluralidade de direitos de propriedade iguais sobre toda a coisa.Para outros, a titularidade do domínio, dentro da compropriedade, estaria na colectividade dos consortes; cada comproprietário, isoladamente considerado, não seria titular dum direito autónomo, concorreria apenas para a formação do sujeito do direito.Estas, e outras, teses são passíveis de críticas, como se pode ver, desenvolvidamente, em CCAnotado, de P. Lima e A. Varela, anotação ao artº 1403º.Como quer que seja, afirmando que a compropriedade é uma comunhão num único direito de propriedade e que os direitos dos consortes (sobre a coisa comum) são qualitativamente iguais, a lei permite distinguir entre a compropriedade, de um lado, e o concurso de direitos e o condomínio, do outro.Veja-se que os contitulares perdem quase por completo a autonomia que caracteriza o domínio, só podendo exercer os poderes compreendidos no direito de propriedade com a colaboração dos demais contitulares, à excepção do poder de uso (artº 1406º CC).

Avançando, vejamos, então, se o autor (mero comproprietário dos prédios em questão—al. H) da matéria assente) podia instaurar a presente acção (de preferência) desacompanhado dos demais comproprietários, não provando a renúncia destes.Cremos que não podia.

Com efeito, entendemos que a lei exige a intervenção dos restantes comproprietários para assegurar a legitimidade do autor na acção de preferência. Só assim não sairão frustradas as finalidades da mesma lei e a decisão a obter produzirá o seu efeito útil normal (ut artigo 28 do Código de Processo Civil)—só assim, portanto, regulando

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definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.Vejamos melhor.

No art. 1409.° CC dispõe-se que o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda ou dação em cumprimento a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes.E o seu n.° 3 acrescenta que sendo dois ou mais os preferentes a quota alienada é adjudicada a todos na proporção das suas quotas. Por sua vez, dispõe o n.° 1 do art. 1410º que o comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e deposite o preço devido nos oito dias seguintes ao despacho que ordene a citação dos réus.

Ora, aceitar que o comproprietário possa accionar sozinho—isto é, desacompanhado dos demais comproprietários e sem lograr obter a renúncia destes caso não tenham perdido esse direito de preferência – é aceitar a possibilidade de um prejuízo para esses comproprietários não intervenientes ou que não deram tal consentimento. É que não se trata só da defesa da comunhão, porque o preferente mais lesto, ao ver aumentada a sua quota, pode ser beneficiado numa eventual divisão de coisa comum.Há que atender aqui ao efeito útil e normal das decisões judiciais a que alude o n.° 2 do art. 28.° do Cód. Proc. Civil.Com efeito, dispõe o artº 28º do CPC:“(Litisconsórcio necessário)1. Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade. 2. É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.”.

É o que ocorre no caso presente.Na verdade, a sentença proferida nos autos a dar razão ao autor, mesmo desacompanhado dos demais comproprietários, de forma alguma regulará definitivamente a situação concreta sujeita a apreciação judicial—não produzirá o seu «efeito útil normal», ut artº 28º, nº2 CPC. Com efeito, os demais comproprietários dos prédios em questão e de que o autor não logrou provar que renunciaram à preferência, têm, em princípio, a possibilidade legal de vir demandar o ora autor, com base na mesma relação jurídica. Assim, para não haver risco de ser inoperante a decisão a proferir,

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parece que não pode deixar de haver lugar no caso sub judice ao litisconsórcio necessário activo, em conformidade com o aludido n.° 2 do art. 28.° do Cód. Proc. Civil (neste sentido ver o Ac. STJ de 6-11-79, in Bol. 291/396).

Poder-se-ia objectar que o comproprietário que deseja exercer a preferência fica, desse modo, dependente da vontade dos outros comproprietários, arriscando-se a ser prejudicado, não aparecendo ninguém a defender a comunhão.A questão, porém, será resolvida seguindo a solução apontada, v.g., pelo Ac. Rel. Coimbra de 26-1-68, in Jur. Rel., ano 14.°, pág. 164 e Rev. dos Tribunais, ano 86.°, pág. 362. Ou seja, o autor—ou outro comproprietário--, se queria exercer a preferência deveria, muito simplesmente, ter-se acautelado, munindo-se de documentos de renúncia dos que não o desejassem fazer, assim se habilitando a pedir (com segurança) a adjudicação da quota, ou quotas, alienada (s). É claro que podia não conseguir obter tais documentos de renúncia dos demais comproprietários. Mas, então, socorrer-se-ia da intervenção provocada a que alude o artº 325º do CPC, assim provocado a citação para a acção de preferência dos que com ele não quiserem ou não puderem coligar-se.

Ensina Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. de Proc. Civil, vol. I, pág. 118, que a decisão produz o «efeito útil normal» de que fala o artº 28º, nº2 CPC quando regule definitivamente a situação concreta sujeita à apreciação judicial. Sempre que, por não intervirem certas pessoas, seja abalada essa estabilidade que se procura e se deseja, deixando a porta aberta à possibilidade de outros interessados na mesma relação jurídica suscitar nova demanda, em que poderão obter decisão diferente, o litisconsórcio impõe-se como obrigação.É, como vimos, o que ocorre no caso sub judice: os demais comproprietários podem vir demandar o aqui autor com base na mesma relação jurídica. O que basta para haver o risco de a decisão a proferir poder vir a abalar a aludida estabilidade que se deseja, dada a eventual instauração de nova(s) demanda(s) que a altere e impeça de se tornar definitiva.Estamos, portanto, perante caso de litisconsórcio necessário activo, nos sobreditos termos.

A esta solução igualmente se chegaria com aplicação do disposto no artº 1409º, nº3 do PCP, ao dispor que sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos na proporção das suas quotas, quer estas sejam iguais, quer desiguais.Portanto, havendo mais que um interessado na adjudicação, dado haver vários comproprietários, há tantos interessados com igual direito de preferência e possibilidade de qualquer deles intentar as respectiva acção, razão porque a quota nos bens aqui em questão não podia ser adjudicada apenas ao autor, antes se impunha

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acautelar os interesses dos demais comproprietários—fazendo-os intervir na acção, pelo lado activo--, adjudicando-a a todos eles na proporção supra apontada, caso pretendam, também, exercer a preferência e tal direito seja reconhecido por verificação de todos os pressupostos legais.

No mesmo sentido se poderia apontar o artº 419ºdo CC, que dispõe:“(Pluralidade de titulares)1. Pertencendo simultaneamente a vários titulares, o direito de preferência só pode ser exercido por todos em conjunto; mas, se o direito se extinguir em relação a algum deles, ou algum declarar que não o quer exercer, acresce o seu direito aos restantes.2. Se o direito pertencer a mais de um titular, mas houver de ser exercido apenas por um deles, na falta de designação abrir-se-á licitação entre todos, revertendo o excesso para o alienante.

Mas tal nem é necessário, dado o regime já previsto especificamente para a compropriedade. Além de se poder objectar que tal normativo é inaplicável à compropriedade, já que o artº 1409º, nº2 apenas refere ser aplicável à preferência do comproprietário o disposto nos arts. “416º a 418º”. E, assim sendo, o direito de preferência não tem que ser exercido, na compropriedade, por todos os titulares, antes pode sê-lo por qualquer um deles individualmente.Não é assim, porém,A não inclusão (expressa) do artº 419º na remissão do artº 1409º, nº2, não visou afastar da compropriedade o exercício conjunto do direito de preferência que o nº 1 daquele preceito prevê, mas ocorreu apenas porque já no nº 3 do artº 1409º se previa um regime específico para a compropriedade, fazendo seguir a regra do litisconsórcio necessário activo que o nº 1 do artº 419º prevê.

Poder-se-á, também, objectar que a solução aqui propugnada não se compagina com o estatuído no artº 1405º do CC, que dispõe:“(Posição dos comproprietários)1. Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção da suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.2. Cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.”

Uma coisa, porém, é a reivindicação, outra, bem diferente, é o exercício da preferência por banda do comproprietário na venda de quota indivisa do bem.Na reivindicação a lei não faculta ao consorte a reivindicação da coisa comum para integração na sua esfera jurídica individual, mas apenas no interesse de todos, pois a

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coisa não lhe pertence por inteiro.O que não ocorre no exercício da preferência.

Portanto, o direito de preferência tinha que ser exercido, em conjunto, por todos os comproprietários dos prédios em questão, em litisconsórcio necessário (activo)-- em conformidade com o princípio segundo o qual, nas situações de compropriedade ou comunhão, os direitos nelas integrados devem ser exercidos conjuntamente por todos os contitulares (cfr. arts. 1404 e 1405, n.º 1 do Cód. Civil).[Na doutrina pode ver-se: Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 165; António Pires Henriques da Graça, A Legitimidade na Acção de Preferência, CJ Ano IX, Tomo I, p. 30. Na jurisprudência: Ac. do STJ de 5 de Maio de 1988, BMJ 377-476; Ac. do STJ de 7 de Novembro de 1989, BMJ 391-574; Acs. do STJ de 9 de Dezembro de 1999, BMJ 492-391, de 19 de Fevereiro de 2004, e de 1 de Julho de 2004, (Conselheiro Dr. Moitinho de Almeida, estes dois últimos, disponíveis em www.dgsi.pt.].

Esta posição tem sido, de forma especial, abundantemente sufrada pelo nosso mais alto Tribunal, podendo citar-se, ainda, os seguintes arestos:- Ac. de 9 de Dezembro de 1999 (Bol. M.J., nº 429, págs. 391 e segs), sumariado nos seguintes termos:«I - O comproprietário que pretenda instaurar a acção de preferência contra a alienação da quota de um consorte e não possa provar a renúncia dos outros consortes terá de propor a acção conjuntamente com estes ou provocar a intervenção deles na acção, sob pena de ilegitimidade;II - Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário, tendo em conta que, se o comproprietário não interveniente na acção propusesse acção para obter a sua proporção na quota alienada, como tinha o direito de o fazer, verificar-se-ia, ou podia verificar-se, conflito de decisões e a decisão a favor dos autores não regulava definitivamente a questão (artigo 28, n.° 2, do Código de Processo Civil).»- Acórdão de 14 de Abril de 1988 (Bol. M.J., nº 376, págs. 569 e ss.) que, seguindo o Prof. Antunes Varela (pág. 572), escreve:«O comproprietário que se apresente isoladamente a preferir, sem provar a intervenção dos restantes ou sem provar a renúncia deles, não pode deixar de ser considerado parte ilegítima, por não ser o único titular da relação controvertida, no momento em que a acção é proposta.»- Acórdão de 22 de Janeiro de 1987 (Bol. M.J., nº 363, págs. 523 ss. e doutrina e jurisprudência referidas a págs. 527/528), onde se escreveu (págs. 525/526):«Não pode o comproprietário preterido intentar, isoladamente, a acção de preferência sem a intervenção dos demais ou a sua prévia notificação, salvo se eles houverem renunciado ao seu direito (…)».«Portanto, dada a situação da pluralidade de preferentes, respeitante ao mesmo direito

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de preferência ou contitularidade de uma única relação de preferência, e não a direitos de preferência distintos, porventura, da mesma natureza, o comproprietário que pretenda instaurar a acção de preferência, em consequência de alienação de quota de um seu consorte a um estranho, e não possa provar a renúncia dos outros consortes, terá que propor a acção conjuntamente com estes ou provocar a intervenção deles na acção - artigo 356.° do Código de Processo Civil - sob pena de ilegitimidade activa.».

Estes últimos arestos vêm também citados no recente Ac. do STJ de 22.09.2005 (relator Consº Lucas Coelho), disponível no site da dgsi.pt, com o seguinte sumário:“I- O comproprietário que pretenda instaurar acção de preferência em consequência de alienação de quota de um seu consorte a estranho e não possa provar a renúncia dos outros consortes, deve propor acção conjuntamente com estes - ou provocar a sua intervenção na acção -, em litisconsórcio necessário activo, sob pena de ilegitimidade;II - Trata-se de solução consentânea substantivamente com a natureza jurídica da compropriedade, na concepção, mais adequada às soluções legais e ao próprio conceito formulado no artigo 1403.º do Código Civil, de um único direito de propriedade com pluralidade de titulares, pertencendo a cada um deles uma quota ideal do mesmo direito, que exprime o quantum de poderes sobre a coisa comum enquanto dura a comunhão, e a medida do direito no momento da divisão;[…………………………………]”.

Neste último acórdão aborda-se, ainda, outra questão atinente à legitimidade:Tendo-se o autor/comproprietário arrogado em exclusivo a titularidade do direito de preferência - como ocorre na presente acção, em que o demandante pede o reconhecimento do direito de haver para si as quotas alienadas, e de se substituir à 1ª ré na posição de adquirente -, então poder-se-ia dizer que estava assegurada a sua legitimidade, posto que tinha interesse directo em demandar, nos termos do artigo 26.º do CPC, por se ter apresentado como sujeito da relação material controvertida, tal como configurada na petição?Sobre esta questão, escreve-se no citado acórdão do STJ: “Só que, pertencendo a preferência a todos os comproprietários, o autor não tem realmente o direito que se arroga, improcedendo a acção, por conseguinte, quanto ao fundo.A solução não pode, contudo, ser esta actualmente.A regra de aferição da legitimidade em função da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, extraída pelo Supremo do artigo 26.º na época em que proferiu o aresto, foi introduzida no n.º 3 do mesmo artigo pela Reforma de 1995/96, sob reserva, passe a expressão, de inaplicabilidade à legitimidade plural.É neste sentido elucidativo o seguinte excerto do relatório preambular do Decreto--Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro:«Circunscreve-se, porém, de forma clara, tal problemática ao campo da definição da

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legitimidade singular e directa - isto é, à fixação do “critério normal’ de determinação da legitimidade das partes, assente na pertinência ou titularidade da relação material controvertida - e resultando da formulação proposta que, pelo contrário, a legitimação extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta, não depende das meras afirmações do autor, expressas na petição, mas da efectiva configuração da situação em que assenta, afinal, a própria legitimação dos intervenientes no processo.».

Assim, portanto, entendeu, também, o aresto que vimos de citar que o autor/comproprietário não tinha legitimidade para, por si só, vir exercer o direito de preferência nos sobreditos termos.Ali se escreveu:“Pensa-se, aliás, ser essa a solução substantivamente consentânea com a natureza jurídica da compropriedade, na concepção, mais adequada às soluções legais e ao próprio conceito formulado no artigo 1403 do Código Civil, de um único direito de propriedade com pluralidade de titulares, pertencendo a cada um deles uma quota ideal do mesmo direito” (neste sentido, Manuel Henrique Mesquita, Direitos reais, Sumários das lições ao curso de 1966-1967 (policopiados), Coimbra, 1967, págs. 245 ss).E continua:“Consoante observa a doutrina italiana, não pode existir ao mesmo tempo mais de um direito de propriedade sobre o mesmo bem - duorum vel plurium in solidum dominium esse non potest -, mas de um mesmo direito podem ser titulares vários sujeitos conjuntamente, e nada impede, por consequência, que a propriedade, na sua natureza de domínio pleno e exclusivo, pertença simultaneamente a várias pessoas em conjunto. Então, nas relações internas da comunhão cada consorte detém uma quota ideal do direito, que exprime o quantum de poderes sobre a coisa comum enquanto dura a comunhão, e a medida do direito no momento da divisão” (Alberto Trabucchi, Instituzioni di Diritto Civile, 41ª edizione, a cura di Giuseppe Trabucchi CEDAM, Padova, 2004, págs. 534/535).E remata:“Pois bem. Uma semelhante construção não permitiria, assim o cremos, explicar que o mais lesto quiçá dos consortes preferentes pudesse isoladamente agir e haver para si a quota alienada em detrimento dos demais. Pelo menos a sentença que a favor desse comproprietário se proferisse não produziria o seu efeito útil normal, como se mostrou, deixando de regular definitivamente a situação concreta dos interessados na fattispecie sub iudicio”.[………………].Daí que a preferência devesse ter sido exercida por todos os comproprietários, em litisconsórcio necessário activo”—os sublinhados e negritos são da nossa autoria.

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Em suma, não tendo a acção sido instaurada por todos os contitulares do direito de preferência—apenas o foi por um dos comproprietários-- e nem tendo sido alegado (e comprovado) que os demais contitulares do mesmo direito concreto de preferência não pretendem preferir nem tendo o autor provocado a intervenção na acção dos demais comproprietários, nos termos do art. 325, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, é claro para nós, salvo melhor opinião, que se impõe concluir pela ilegitimidade activa do autor nesta demanda.

Sobre a matéria da legitimidade activa, na acção de preferência, ver, ainda, RLJ Ano 115, p. 282 e Ano 116, p. 282.Em particular, sobre a contitularidade de direitos subjectivos, ver Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, 3.ª ed., p. 676.Sobre a necessidade de intervenção de todos os sujeitos da relação jurídica, para que a decisão possa produzir efeito definitivo entre as partes (artº 28º, nº2 CPC) pode ver-se, ainda, os acórdãos do STJ de 11 de Julho de 1985, Bol. M.J., nº 349º, pág. 405, e de 9 de Fevereiro de 1993, Col. Jur., STJ, Tomo I, pág. 143.Finalmente, sobre a temática em discussão, e na doutrina, pode consultar-se, também, os seguintes autores: A.Varela, «Exercício do direito de preferência», na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 100º, págs. 209 a 243, e ano 115º, págs. 286 e segs.; Galvão Telles, «O Direito de Preferência», Colectânea de Jur., 1984, tomo I, págs. 51 ss; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 76 e segs, e Sá Carneiro, Revista dos Tribunais , ano 93º, pág. 140.

Procede, assim, a primeira questão suscitada pelos apelantes— e, como tal, prejudicado fica a apreciação das demais.

CONCLUINDO:- A regra de aferição da legitimidade em função da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, foi introduzida no n.º 3 do artigo 26º do CPC pela Reforma de 1995/96 “sob reserva” de inaplicabilidade à legitimidade plural (legitimação extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta).- Assim, apesar de o autor/comproprietário se ter arrogado em exclusivo a titularidade do direito de preferência—apresentado-se, assim, como sujeito da relação material controvertida configurada na petição--, tal, por si só, não assegura a sua legitimidade activa.- Pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas desde que sejam de conhecimento oficioso e ainda não estejam decididas com trânsito em julgado, quer sejam referentes à relação processual (v.g. a quase totalidade das excepções dilatórias, nos termos do artº 495º CPC), quer à relação material controvertida.

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- Resulta do nº 3 do artº 510º do actual CPC que o despacho saneador tabelar ou genérico quanto à verificação dos pressupostos processuais não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamnete referido afinal não ocorre ou que há nulidade. - O comproprietário que pretenda instaurar acção de preferência em consequência de alienação de quota de um seu consorte a estranho, deve propor a acção conjuntamente com os seus consortes, em litisconsórcio necessário activo, sob pena de ilegitimidade, a não ser que prove a renúncia dos outros consortes, ou—não o provando-- provoque a sua intervenção na acção. - Com efeito, a sentença que dê razão ao autor quando desacompanhado dos demais comproprietários, não regulará definitivamente a situação concreta sujeita a apreciação judicial—não produzirá o seu «efeito útil normal» (ut artº 28º, nº2 CPC).

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se o autor parte ilegítima para a presente acção, nos sobreditos termos, absolvem os réus/apelantes da instância.Custas, em ambas as instâncias, a cargo do Autor/apelado.

Porto, 14 de Setembro de 2006Fernando Baptista OliveiraJosé Manuel Carvalho FerrazNuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

É conhecida a controvérsia sobre as duas posições doutrinárias acerca do

pressuposto processual da legitimidade das partes (art. 26º do CPC ). Para

uns, a legitimidade é aferida pela pretensa relação material controvertida, tal

como a configura o autor (tese de Barbosa de Magalhães ). Para outros, ela é

definida pela relação jurídica submetida à apreciação do tribunal, sendo

legítima a parte que efectivamente for titular dessa relação jurídica (tese de

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Alberto dos Reis ). Durante anos a jurisprudência encontrou-se dividida,

sendo prevalecente a que se inclinava pela tese de Barbosa de Magalhães,

sufragada por Castro Mendes (Direito Processual Civil, vol.I, pág.487) e

Miguel Teixeira de Sousa ( Estudo sobre a legitimidade singular em Processo

Declarativo, BMJ 292, pág.52 e segs.). Entre outras vantagens, permite

extremar com mais clareza o que pertence à relação processual e o que é do

foro da relação substantiva, pelo que quando o Tribunal declara a parte

legitima pronuncia-se sobre um pressuposto processual e não sobre uma

condição de procedência da acção ou de legitimação substantiva. Com a

actual redacção dada ao nº 3 do art. 26 do CPC, pelo art.1º do DL 180/96 de

25/9, o legislador veio tomar posição expressa sobre a “vexata questio”

quanto ao critério de determinação da legitimidade das partes, conforme

resulta do próprio relatório, aderindo à posição doutrinária de Barbosa de

Magalhães. Nesta perspectiva, a legitimidade deve ser apreciada e

determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou

improcedência da acção possa derivar para as partes, face aos termos em

que o Autor configura o direito invocado e a posição que as partes,

considerando o pedido e a causa de pedir, assumem na relação jurídica

controvertida, tal como a apresenta o autor. Ou seja, a ilegitimidade de

qualquer das partes só se verifica quando em juízo se não encontrem os

titulares da relação jurídica material controvertida – tal como é retratada na

acção - ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela

relação. Como elucida Manuel de Andrade ( Noções Elementares de Processo

Civil, 1963, pág. 83), a legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes,

mas uma certa posição delas em face da relação material litigada,

correspondendo "grosso modo" ao conceito civilista de poder de disposição:

é o poder de dispor do processo, de o conduzir ou gestionar no papel de

parte. Como o poder de dispor da relação jurídica deduzida em juízo cabe,

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em geral, aos respectivos sujeitos, e só a eles, analogamente se passam as

coisas, quanto à legitimidade, que é o poder de dispor do processo, cuja

sorte vai influir naquela relação. Assim, o poder de dispor dessa relação por

via processual deve competir a quem dela pode dispor por via

extraprocessual.

A excepção de ilegitimidade é uma excepção dilatória, é de conhecimento

oficioso e implica a absolvição da instância ( arts.288 nº1 d), 493 nº2, 494 e),

495 e 660 nº1 do CPC ). Muito embora não tenha sido arguida na

contestação, nem na réplica, quanto ao pedido reconvencional, o Tribunal

pode dela conhecer enquanto não a apreciar em concreto. Defendem os

recorrentes que uma vez que o Tribunal no despacho saneador já tinha

declarado que as partes eram legítimas, tal decisão constituiria caso julgado

formal e consequentemente a questão não poderia ter sido de novo

apreciada. Assim será de facto se aquela declaração não consistir numa

simples declaração genérica e tabular, como sucede as mais das vezes e

como ocorre nos presentes autos. Efectivamente no despacho saneador não

houve uma apreciação concreta a qualquer questão de legitimidade activa ou

passiva, mas apenas um despacho tabular. Ora neste caso não se forma caso

julgado formal porquanto nada foi decidido em concreto. Por outro lado e ao

contrário do que afirmam os recorrentes, a declaração genérica no saneador

sobre a legitimidade das partes não faz hoje caso julgado, como se extrai do

art. 510 nº3 do CPC, caducando, assim, a doutrina do Assento do STJ de

1/2/63[3] ( BMJ 124, pág.414), entretanto transformado em acórdão de

uniformização de jurisprudência ( cf., por ex., Ac do STJ de 3/5/2000, C.J. ano

VIII, tomo II, pág.41 ).

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XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

XXX

A legitimidade é um pressuposto processual (geral) que “exprime a relação entre a parte no processo eo objecto deste (a pretensão ou o pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possaocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.” (Dr. Lebre de Freitas, in Código de ProcessoCivil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, pág. 51).Regulada nos artigos 26º e 31º do Código de Processo Civil (doravante, apenas CPC), a legitimidadeprocessual é legalmente definida como interesse directo em demandar ou em contradizer, consoantese reporte ao autor ou ao réu, interesses esses que se exprimem, respectivamente, pela utilidadederivada da procedência da acção ou pelo prejuízo que dessa procedência advenha (cfr. art. 26º, nºs 1e 2). O nº3 do mesmo artigo esclarece que, “na falta de indicação da lei em contrário, sãoconsiderados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relaçãomaterial controvertida tal comi é configurada pelo autor.”A falta deste pressuposto processual configura uma excepção dilatória (cfr. art.º 494, n.º1, al. e)),que, nos termos dos artigos 493º, nº2 e 288º, todos do CPC, acarreta a absolvição da instância.

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Ora, no caso sub júdice, atenta a forma como o autor configura a presente acção, mormente a relaçãomaterial controvertida aqui em causa, tendo este tornado desde logo evidente na sua petição inicialque era o ora réu não é proprietário da fracção em causa, sem contudo e por qualquer meio invocadoou sequer demonstrado a existência de qualquer acordo entre o efectivo proprietário da mesma e o oraréu, dúvidas não restam que o réu se revela parte ilegítima na presente acção.Efectivamente o autor alega tão somente que o réu é titular de um “direito propriedade resolúvel dafracção “F” (qualificação essa a que o tribunal não se encontra vinculado) sendo que por outro ladoalega no art. 3º da sua petição inicial que o réu será apenas outorgante de um “contrato de compra evenda da posse e propriedade resolúvel da fracção “F”, o que consubstancia apenas um direitoobrigacional e não um direito real sobre a mesma (podendo ainda aferir-se tal das alegações do réu,bem como dos documentos juntos aos autos, os quais o autor, alias não refutou, apesar dedevidamente notificado para tal).Assim, não sendo o réu, de acordo com a versão da relação material controvertida avançada pelopróprio autor, proprietário da fracção em causa, o mesmo não reveste a qualidade de condómino, e

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,por conseguinte, não lhe incumbe o pagamento das despesas inerentes a um condómino como aspedidas na presente acção.Na realidade, o direito de propriedade horizontal, caracteriza-se e distinga-se pelo seu objecto, sendoque a questão que lhe atribui especificamente é precisamente o facto de existir uma ligação incindívelentre a propriedade uma fracção autónoma dum edifício e a comunhão das restantes partes, rezandoneste sentido o art. 1420º do CC que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhepertence e comproprietário das partes comuns do edifício.E consoante o refere Moitinho de Almeida (in Propriedade Horizontal, 2ª Ed., 1997) as despesas deconservação e fruição de cada fracção autónoma pertencem, como é óbvio, ao respectivo condómino.Tal obrigação de pagar encargos está assim ligada à propriedade da fracção autónoma de cadacondómino, pelo que é uma obrigação real.A este respeito o art. 1424º, nº1 do CC, estipula quer salvo disposição em contrário, as despesasnecessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços deinteresse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.E como ensina M. Henrique Mesquita (in Propriedade Horizontal, revista de Direito e Estudos Sociais,

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Ano XXIII, 1976, 130) as obrigações referidas no art. 1424º do CC constituem exemplo típico deobrigações “proter rem” ou “obrem”, isto é de obrigações impostas, em atenção a certa coisa, a quemfor titular do direito desta.Deste modo face à conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigadoé determinada através da titularidade da coisa, o que significa que será obrigado quem for titular dodireito real, o qual como que se afere da alegação do próprio autor não será o ora réu.Decisão:Nos termos e fundamentos expostos, julgo a invocada excepção de ilegitimidade processualpassiva do réu procedente, considerando-o parte ilegítima na presente acção, e, emconsequência, nos termos dos artigos 493º (nº1 e 2, 494º, al. e 288º, nº1, al. d) todos doCPC, absolvo o réu (...) da instância.