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“PROCESSO E PROCEDIMENTOS PENAIS ATUAIS:

PROCESSO E PROCEDIMENTOS PENAIS DE EXECUÇÃO”Dr. Renato Luís Benucci

Juiz Federal Titular da 5ª. Vara de Campinas. Mestre e Doutorando em Direito Processual pela USP.

I - SISTEMAS EXECUTIVOS PENAIS

Alguns sistemas legislativos atribuem a execução penal ao

juiz (sistemas jurisdicionais), outros atribuem a órgão do poder executivo (sistemas

administrativos). Como exemplo de sistemas administrativos temos a Inglaterra,

Estados Unidos, América Latina e França (este com tendência à mitigação). Pelo

sistema administrativo, o Estado esgota a função jurisdicional na prolação da

sentença penal condenatória, passando a execução a ser função administrativa.

Assim, o condenado suporta a pena como uma série de deveres administrativos, seja

a habitação forçada em prédio penitenciário ou prestação de serviços, etc. Em

sistemas administrativos é característico a falta de uma ênfase legislativa nas

garantias da execução penal, colocando o condenado sob regramentos

administrativos. Na Inglaterra, uma decisão judicial de 1943, segundo informa

Heleno Cláudio Fragoso1, nega aos presos o direito de peticionar aos tribunais sobre

a legalidade de tratamento, decisão que tem a força característica de um precedente

na “common law”. O mesmo autor informa também que o maior número de

reclamações de presos no Tribunal da Comunidade Européia ,quanto à aplicação da

Convenção Européia dos Direitos Humanos, é da Inglaterra2. Os EUA também

adotam o sistema administrativo, ficando a jurisdição alheia aos condenados,

embora o nível de respeito aos direitos dos presos seja considerado excelente.

A compreensão de que a execução penal tem natureza

puramente ou prevalentemente administrativa provêm da concepção política e

1 Direitos dos presos, Rio de Janeiro, Ed. Forense, pg. 19 2 Ob. cit., pg. 23

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jurídica haurida da clássica tripartição de Montesquieu. Segundo René Ariel Dotti:

“um dos clamorosos erros históricos dentro de tal panorama consistia em sustentar

que, a exemplo da teoria de Montesquieu sobre a divisão dos poderes, ao

Legislativo caberia editar as normas, ao Judiciário aplicá-las e ao Executivo se

reservaria a função de tornar efetivas as disposições da sentença”3. Na concepção

atual, no entanto, o Direito de Execução Penal é de natureza complexa, desviando-

se da entonação clássica radicada na separação dos poderes do Estado, pois mesmo

ao tempo de sua formulação, a teoria de Montesquieu jamais pregou rígida e

inflexível demarcação dos poderes do Estado, que devem ser autônomos, porém

harmônicos e integrados.

Quanto aos sistemas jurisdicionais, temos como exemplos

os sistemas de execução da Alemanha, Espanha, Portugal e Brasil4. Do ponto de

vista estritamente técnico, não há dúvida que o melhor sistema é o jurisdicional,

pois na execução das penas a relação jurídica existente entre o Estado e o detido não

desaparece por completo, subsistindo e originando uma série de direitos e

obrigações que só podem ser devidamente regulados através de um procedimento

jurisdicional, pois o poder jurisdicional é o que melhor garante os direitos humanos.

II - EVOLUÇÃO DO SISTEMA BRASILEIRO DE EXECUÇÃO PENAL

A doutrina admite que a jurisdicionalização em nosso

sistema de execução penal vem desde a legislação do Império5 . A Constituição do

Império de 1824, em seu art. 179, afirmava os direitos civis e políticos dos cidadãos

brasileiros, nutrida pelo liberalismo. No entanto, a legislação processual penal,

materializada no Código de Processo Criminal, possuía, no dizer de Frederico

Marques a “fraqueza de falta de regulamentação da organização judiciária”, que é a

base de um seguro sistema jurisdicional de execução de penas.

3 Execução Penal no brasil: aspectos constitucionais e legais in Revista dos Tribunais, São Paulo, 1991, nº 664, pág. 2394 BENETI, Sidnei Agostinho, O Processo de Execução Penal, tese de Doutorado, não publicada, 1994, pp. 27-43. 5 MIOTTO, Armida Bergamini, Execução Penal in Enciclopédia Saraiva do Direito, 1977, vol. 35, pág. 69.

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Seguiu-se a Lei 261, de 3/12/41 e o Regulamento 120, de

31/01/1842, que se destinaram a debelar o liberalismo, permitindo ao Império o

controle da criminalidade e apresentando o que Frederico Marques, no seu

“Elementos de Direito Processual Penal” chamou de “policialismo exagerado”6, que

é incompatível com a jurisdicionalização da lei penal. Este policialismo foi

abrandado pela Reforma Rio Branco, Lei 2033, de 20/9/1871, que foi

regulamentada pelo Dec. 4824, de 22/11/1871, não trazendo especial atenção com a

matéria de execução das penas.

A Constituição Republicana de 24/2/1891 estabeleceu a

pluralidade processual, disseminando a normatividade da matéria entre os Estados,

ficando portanto a execução penal à espera de regulagem. Posteriormente, com o

retorno do processo federalizado, o Código de Processo vigente (Decreto 3689 de

03/10/1941) cristalizou a orientação jurisdicional na execução da pena já antes

sedimentada pela prática, no art. 668 do Código de Processo Penal: “a execução,

onde não houver juiz especial, incumbirá ao juiz da sentença, se a decisão for do

Tribunal do Júri, ao seu presidente”.

A Constituição de 1946, que foi fiel a princípios liberais,

adotou os princípios da acusatoriedade, contraditório, devido processo legal e juiz

natural, o que implicitamente reforça a idéia de jurisdicionalização no processo

penal.

Segundo informação de René Ariel Dotti7, antes da Lei de

Execução Penal, muitos projetos foram elaborados no sentido de regulamentar a

execução penal, sendo os mais importantes: anteprojeto de Oscar Stevenson (1957);

anteprojeto de Roberto Lyra (1963); anteprojeto de Benjamin de Moraes Filho

(1970), revisto por José Frederico Marques, José Salgado Martins e José Carlos

Moreira Alves. Estes anteprojetos não negaram a tradição brasileira, firmada na

jurisdicionalização da execução. Na realidade, todos estes anteprojetos visavam

preencher uma grande lacuna no ordenamento jurídico positivo, pois há muito se

6 FREDERICO MARQUES, Elementos de Direito Processual Penal, 1º vol, Rio de Janeiro, 1965, pág. 97. 7 “Processo Penal Executório” in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, 1983, vol. 20, pp. 90-92.

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aguardava a edição de um diploma autônomo para regular as etapas de aplicação e

execução das penas e das medidas de segurança. Os problemas prisionais de então

não tinham nenhum combate legislativo pois havia uma crença de que a União

somente poderia editar normas gerais sobre o regime penitenciário, advinda da regra

contida no art. 5º, XV, “b”, da CF/46 que atribuía esta competência à União, e que

acabou sendo um obstáculo a que o país tivesse uma lei federal de execução.

Houve a Lei 3274/57, que dispunha sobre normas gerais do

sistema penitenciário, mas que em nada contribuiu para atenuar a crise

penitenciária8, pois apenas repetia regras mínimas e programáticas instituídas pela

ONU, não possuindo sequer sanção para o descumprimento de seus comandos.

Posteriormente, houve a Lei 6416/77, que introduziu modificações no CP, Código

de Processo Penal e Lei das Contravenções Penais, que pretendeu atenuar o

problema carcerário, mas que quanto à execução penal, revelou-se equivocada, pois

ao introduzir o § 6º no art. 30 do CP, atribuiu vários incidentes de execução como

“concessões a serem outorgadas pelo juiz”, o que trouxe uma incerteza muito

grande à execução, pois o magistrado poderia distribuir arbitrariamente favores:

trabalho externo, permissões de saída, prisão albergue, etc.

A verdade é que não se pode falar, até o advento da Lei

7210/84, em uma regulamentação específica sobre a execução da pena, não se

podendo falar em um verdadeiro procedimento executivo, que só seria sistematizado

com a Lei de Execuções Penais.

A Lei de Execução Penal foi elaborada por comissão de

juristas designados pelo Ministério da Justiça, e cristalizou a idéia da

jurisdicionalidade, especificando concretamente as diversas hipóteses de atuação da

autoridade judiciária. O regramento dos direitos do preso na Lei de Execução Penal

é pormenorizado, traduzindo a idéia da jurisdicionalização de que o preso, mesmo

após a condenação, continua titular de todos os direitos não atingidos pela sentença

condenatória. Note-se que com a Lei de Execução Penal houve a implantação da

8 “A Lei de Execução Penal” in Revista de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, vol. 1, 1988, pág. 201.

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jurisdicionalização em termos amplos, de forma muito mais abrangente do que

ocorria até então (o que a doutrina denomina de “judicialização contínua”9), em que

pese a tradição de jurisdicionalização presente em nosso sistema anteriormente, mas

ainda de forma incipiente.

A atual CF/88 não inovou no aspecto penal e processual

penal, apenas incorporando algumas garantias usuais da legislação ordinária ao

texto constitucional, contendo também algumas garantias importantes que se

refletem na execução penal, como a individualização da pena (5, XLVI); a proibição

de penas desumanas (5, XLVII); a distinção de estabelecimentos penais de acordo

com a natureza o delito, sexo, e idade do condenado (5, XL e VIII); garantia de

integridade física e moral dos presos (5, LIX); as garantias especiais da mãe lactente

(5, L); as garantias do contraditório e do devido processo legal (5, LIV e LV), a

proibição de provas ilícitas; a comunicação de prisão; os direitos do preso em calar-

se e ter assistência de família e advogado (5, LXIII).

III - PROCESSO E PROCEDIMENTOS EXECUTIVOS PENAIS

III.1 - A ação penal executiva

Convém antes de falarmos de processo e procedimentos

executivos penais, nos posicionarmos acerca da existência ou não da ação penal

executiva, tendo em vista a importância da ação como categoria processual. O prof.

Rogério Lauria Tucci, não reconhece a existência de uma ação na execução penal,

exceto no tocante à pena de multa: “pareceria difícil, senão temerário, por isso,

estabelecer-se a possibilidade de existência de uma ação penal de execução.

Especialmente porque se inicia esta, em nosso direito, independentemente de

qualquer provocação dos órgãos de persecução penal: assim que formado o título

executivo, procede o juiz “ex-officio”., ordenando a expedição da carta de guia

para cumprimento da pena, consoante o disposto no art. 674 do Código de

Processo Penal. Acontece, porém, que, de “lege constituenda”, se pode cogitar de

9 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Execução Penal, São Paulo, Atlas, 1993, pág. 445.5

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ação penal executiva referentemente à execução de pena pecuniária, estatuída no

art. 688, I, do aludido Código, e em que a iniciativa é do Ministério Público”10.

Esta opinião é também de Vicente Greco Filho, em seu Manual de Processo Penal,

para o qual a execução penal não é ação, porque não há tutela jurisdicional

específica, tratando-se apenas de um procedimento complementar à sentença com

incidentes próprios. O prof. Vicente Greco vai mais longe, não admitindo sequer o

processo de execução, pois não haveria a instauração de nova relação processual11.

Pela existência da ação executória penal há o

posicionamento de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e

Cândido Rangel Dinamarco em Teoria geral do Processo, o argumento é a

impossibilidade de se afirmar a existência de processos sem ação e pela

peculiaridade da instauração “ex officio”, que também ocorre na execução

trabalhista, na concordata convolada em falência, etc12. Sidnei Agostinho Beneti, em

tese de doutorado sobre a processo de execução penal oferecida aqui nesta

Faculdade, que teve como orientador o prof. Rogério Lauria Tucci, admite a

existência da ação penal executiva, observando: “em seguida à condenação no

processo da ação penal condenatória, surge tipicamente outra ação, com base na

pretensão do Estado, titular do “ius puniendi”, sem lhe concretizar o comando na

execução, de modo que à pretensão condenatória procedente segue-se a pretensão

executória para a concretização do ‘ius puniendi”, pretensão que só se pode

provocar em nova ação, provocada ou “de ofício”, e indo a provocação oficial à

condição de mero contingente, que não afeta as categorias do sistema”13.

Bem, eu gostaria de ouvir a opinião do prof. Tucci, para

saber se o eu entendimento anterior se mantém, mas minha posição é que, se

entendermos ação como o direito ou o poder de invocar o aparelho judicial,

buscando o reconhecimento, assecuração ou satisfação de apregoado direito

subjetivo material, creio que é possível se falar em ação executiva penal, mesmo

com a característica de instauração de ofício.

10 Jurisdição, Ação e processo Penal, Belém, CEJUP, 1984, pp. 58-5911 Manual de processo Penal, São Paulo, Saraiva, 1991, pág. 101.12 Teoria Geral do Processo, São Paulo, Ed. Revista dos tribunais, 1991, pág. 281.13 Ob. cit, pág. 70

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III.2 - O processo executivo penal

O processo penal não visa somente a solução do conflito

entre o interesse punitivo do Estado e o interesse de liberdade do ser humano

(processo penal de conhecimento), mas também à satisfação do “ius puniendi”

reconhecido na sentença penal condenatória (processo penal de execução).

Assim, o processo de execução penal não é mera fase do

processo de conhecimento, mas um processo novo, que objetiva a satisfação do

título executório. Esta é a posição do prof. Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, que

afirma: “A execução consiste em modalidade de tutela jurisdicional, correspondente

à atuação do órgão judiciário, aplicando norma jurídica especificada à satisfação

do poder-dever estatal de punir ou sancionar reconhecido em sentença

condenatória penal”, mais adiante: “A execução penal ostenta um processo

autônomo”14.

A existência de um processo novo também evidencia a

existência de uma nova ação, a ação penal de execução, pois se assim não fosse,

teriam-se maiores dificuldades na congruência teórica do sistema, “pois se teria de

admitir uma única relação processual que prosseguisse depois de esgotado seu

objetivo, que era o de servir de base ao julgamento previsto pelo Estado de Direito,

isto é, segundo direitos e deveres constantes da ordem jurídica e mais, seria preciso

admitir que a pretensão ao reconhecimento da existência do delito, imputação de

autoria e dosagem da pena (sentença condenatória) já trouxesse em seu bojo a série

de providências práticas da execução, o que equivaleria a dizer que, assim que

iniciado o processo de conhecimento, já se estaria pensando no réu como

condenado, no aguardo da definição da medida condenatória, já antes pressuposta,

isto é, ao se iniciar o processo de conhecimento, que visa à análise isenta do caso

para eventual condenação, já se teria o prejulgamento condenatório, porque

pressuposta a condenação à própria ação penal de conhecimento”15. Efetivamente, a

autonomia do processo de execução é uma decorrência do próprio Estado de Direito

14 “Execução penal” in Revista de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, vol. 1, 1988, pág. 22015 BENETI, Sidnei Agostinho, ob. cit., pp. 71-72

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e da regra de não consideração prévia da culpabilidade, pois pensar-se de modo

diferente seria admitir a existência de um pressuposto condenatório prévio de

suspeitos e acusados em geral.

III.3 - Procedimentos executivos penais

O processo pode adotar várias formas procedimentais,

vários esquemas formais, entendendo-se procedimento como a exteriorização do

processo, como seqüência de atos que tendem à sentença.

A Lei de Execução Penal disciplina o procedimento em três

blocos distintos. A disposição central está Título VIII, que estabelece o

procedimento judicial, em quatro artigos. Temos também a disciplina dos incidentes

de execução, alem de disposições processuais esparsas, por exemplo, relativamente

à execução da pena de multa, revogação do “sursis”, etc.

Denota-se que Lei de Execução Penal traçou uma

orientação processual mínima, mas que contém as garantias essenciais à execução

da pena, como a jurisdicionalização e o contraditório, ainda que em sede de

execução este seja normalmente restrito, mas que é determinado em vários

dispositivos que prevêem a manifestação do Ministério Público (arts. 67, 146, 187,

195) e do condenado (art. 196), inclusive com previsão de assistência jurídica.

O legislador optou por não regrar detalhadamente os

procedimentos diferenciados, atinente à cada espécie de pena, nem em constituir-se

em Código de Processo de Execução Penal. Esta opção legislativa, se por um lado

pode em alguns casos, conforme nota Sidnei Agostinho Beneti “dificultar o

andamento de processos nas Varas de Execução Penal”16, tem o inegável mérito de

evitar a multiplicidade de procedimentos, improdutiva e complicadora, cuja

dificuldade é evidenciada pelo sistema procedimental adotado pelo Código de

Processo Penal de 1941, que criou uma série de procedimentos especiais, que ainda

foi ampliado por leis especiais.

16 Ob. cit., pág. 578

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Embora se possa distinguir os procedimentos executivos

penais em tipos adequados à natureza da sanção imposta ao acusado por sentença

condenatória transitada em julgado (procedimento referente à execução de pena

privativa de liberdade; procedimento relativo à execução de penas restritivas de

direitos; procedimento atinente à execução de pena pecuniária; procedimento

alusivo às medidas de segurança; aos quais poderiam ser incluídos o procedimento

referente à aplicação da suspensão condicional da pena (que na nova disciplina da

Lei de Execução Penal é espécie de pena ou forma de execução de pena); além dos

procedimentos estabelecidos para os incidentes de execução), entendo como Sidnei

Agostinho Beneti, que a Lei de Execução Penal cuidou de apenas um único

procedimento para todas as espécies de execução penal (unidade procedimental), de

estrutura bastante simples, que é disciplinado em quatro arts. (194 a 197 Lei de

Execução Penal)17.

A este procedimento unitário, que forma o quadro geral, é

que se formarão os procedimentos específicos. O procedimento unitário é simples e

flexível justamente para servir de parâmetro às diversidades procedimentais. Pode-

se então estudar as fases procedimentais (introdutória, preparatória e satisfativa) do

procedimento unitário, e apenas acrescentar as peculiaridades de cada procedimento

específico.

A fase introdutória inicia o procedimento judicial mediante

Portaria do juiz, ou ainda petição do requerente, manifestando-se ainda o Ministério

Público e o sentenciado quando não requerentes. É comum que, com o requerimento

e a manifestação já venham todos os elementos necessários ao conhecimento da

execução, de forma a eliminar a necessidade de provas, podendo-se passar

imediatamente ao julgamento. Documento importante ao início da execução é a

chamada carta de guia ou guia de recolhimento. Tal carta é remetida do juízo do

processo de conhecimento ao Juízo de execução competente, que deve baixar

Portaria, ou caso não faça, deverá lhe ser requerida a instauração do processo de

execução, registrando-se e autuando-se a Portaria ou o requerimento, que inicia o

processo de execução propriamente dito.17 Ob. cit., pp. 167-170

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Em seguida, tem-se a fase preparatória, que não se trata de

um procedimento instrutório, pois quando necessária a produção de prova na

execução, esta não visa formar o convencimento do juiz sobre a culpa do acusado,

que já foi definida no processo de conhecimento, mas apenas para determinar o

adequado cumprimento da pena. Assim, prepara-se a execução com a vinda dos

documentos necessários, seguindo-se a liquidação e o cálculo da pena ou medida de

segurança, podendo haver necessidade de perícia ou prova oral, seguindo-se a

decisão, proferida em audiência designada. Tem especial relevância nesta fase o

exame criminológico e o parecer do Conselho Penitenciário, que são peças de

instrução procedimental, que são livremente apreciadas pelo Juiz de execução.

Por último, tem-se a fase satisfativa do procedimento de

execução, onde se desenvolvem os atos materiais de cumprimento de penas ou

medida de segurança. Nesta fase, por interferir na realidade concreta atinente à

liberdade do condenado, ou na disponibilidade das condições de saúde mental do

indivíduo, em que avulta o papel da administração pública, é que se dá a maioria

dos incidentes processuais, em função de cada espécie de pena ou medida de

segurança aplicada. Assim, excetuada a pena de multa, que possui particularidades e

rito próprio, a fase satisfativa observa o procedimento judicial comum, com as

especialidades típicas de cada pena ou medida de segurança. O recurso cabível das

decisões proferidas no juízo de execução é o agravo de instrumento.

Cabe frisar que não significa início de execução a prisão do

condenado, devido a sentença condenatória sujeita a recurso, tendo em vista a

presunção e inocência, constitucionalmente estabelecida. Assim, não se trata de

“execução provisória” da sentença penal, mas medida inspirada no poder de cautela,

pois reconhece a existência de indícios suficientes de autoria desencadeadores da

conseqüência de prisão, sendo presumível a tentativa de frustração da execução

penal.

Cada procedimento de execução possui então suas

peculiaridades, que modificarão o procedimento comum, conforme suas

características (exceto o procedimento de execução da penas de multa, que é 10

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diferenciado). Embora o objetivo aqui não seja o aprofundamento em cada espécie

de procedimento, pois haverá um seminário específico sobre os procedimentos

executivos penais, podemos citar brevemente alguns traços distintivos entre os

procedimentos de execução penal.

O procedimento referente à execução das penas privativas

de liberdade possui determinadas características que lhe são próprias: o livramento

condicional, que é a última etapa da pena privativa de liberdade (não mais incidente

de execução); a remição; a detração; progressão e regressão de regimes; visitas; etc.

O procedimento referente à aplicação da pena de multa é

diferenciado, e se dá por meio da propositura de execução pelo promotor de justiça,

no juízo de execução, diante de certidão expedida pelo juízo da condenação. No

caso de não pagamento, a execução segue de acordo com a lei processual civil no

tocante à penhora e execução, exceto quanto aos embargos do executado, que não

são previstos na Lei de Execução Penal. Se a penhora recair sobre bem imóvel será

realizada no juízo cível, podendo ainda a multa ser descontada do salário do

condenado.

Temos ainda o procedimento de execução relativo às penas

restritivas de direitos; o procedimento de execução relativo às medidas de

segurança; o procedimento de execução da suspensão condicional da pena (que

possui como principal peculiaridade a decisão poder ser proferida diretamente pelo

Tribunal, sem que implique em supressão de grau de jurisdição - art. 159 Lei de

Execução Penal) e ainda os procedimentos relativos aos incidentes processuais

(conversões, excesso ou desvio de execução e “a anistia e indulto”, enumeração que

não é “numerus clausus”, sendo que inúmeros incidentes podem ser argüíveis no

juízo de execução: prescrição; aplicação de lei mais benéfica, etc.).

IV - CONCLUSÃO

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O Brasil, quanto ao sistema utilizado na execução penal,

adota o sistema jurisdicional. Não há dúvida de que é o melhor, do ponto de vista

estritamente técnico, o sistema jurisdicional, pois é o que melhor garante os direitos

humanos.

Até o advento da Lei 7210/84, não se pode falar em uma

regulamentação específica sobre a execução da pena, que só seria sistematizado

com a Lei de Execuções Penais. Foi a Lei de Execução Penal que cristalizou a idéia

da jurisdicionalidade, especificando concretamente as diversas hipóteses de atuação

da autoridade judiciária, que já existia de forma incipiente em nosso sistema

jurídico. O regramento dos direitos do preso na Lei de Execução Penal é

pormenorizado, traduzindo a idéia da jurisdicionalização de que o preso, mesmo

após a condenação, continua titular de todos os direitos não atingidos pela sentença

condenatória.

A atual Constituição Federal de 1988 incorporou algumas

garantias usuais da legislação ordinária ao texto constitucional, além de incluir

outras garantias importantes, que tem incidência na execução penal.

É muito importante esta previsão constitucional, pois

elevando a status constitucional estas garantias e direitos do condenado na execução

da pena, e prevendo-os no capítulo que trata dos direitos e deveres individuais e

coletivos, o legislador privilegia estes dispositivos, tornando impossível sua

derrogação, por força do art. 60, § 4º, IV da CF/88, que prescreve: “§ 4º não será

objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e

garantias individuais”.

No entanto, apesar de nosso ordenamento jurídico abraçar o

sistema jurisdicional, e de elevar à categoria constitucional as garantias do

condenado, é notório o divórcio histórico entre a realidade de nossos presídios e o

ordenamento jurídico, em que o desrespeito às condições mínimas compatíveis com

a dignidade humana é a regra.

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Faz-se mister um esforço de toda a sociedade para que as

garantias e direitos do condenado, contido na Lei de Execução Penal e na

Constituição Federal de 1988, não se torne letra morta. Como bem prega René Ariel

Dotti, “A luta das gerações do presente e do futuro deve ser caracterizada pela

permanente e corajosa luta visando a reduzir o descompasso entre as proclamações

de direitos e garantias e sua negação sistemática tanto por ação como por omissão

do Estado”18.

Afinal, a negação prática de direitos e garantias

fundamentais constitucionais é a negação do próprio Estado de Direito, que só

existe quando o Estado respeita de forma estrita o ordenamento jurídico vigente.

V - BIBLIOGRAFIA

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publicada, 1994.

DOTTI, René Ariel. “A Lei de Execução Penal” in Revista de Política Criminal e

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Antonio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo, São Paulo, Ed. Revista dos

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18 Execução Penal no brasil: aspectos constitucionais e legais in Revista dos Tribunais, São Paulo, 1991, nº 664, pág. 248

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TUCCI, Rogério Lauria. Jurisdição, Ação e processo Penal, Belém, CEJUP, 1984.

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