“PROCESSO E PROCEDIMENTOS PENAIS ATUAIS:
PROCESSO E PROCEDIMENTOS PENAIS DE EXECUÇÃO”Dr. Renato Luís Benucci
Juiz Federal Titular da 5ª. Vara de Campinas. Mestre e Doutorando em Direito Processual pela USP.
I - SISTEMAS EXECUTIVOS PENAIS
Alguns sistemas legislativos atribuem a execução penal ao
juiz (sistemas jurisdicionais), outros atribuem a órgão do poder executivo (sistemas
administrativos). Como exemplo de sistemas administrativos temos a Inglaterra,
Estados Unidos, América Latina e França (este com tendência à mitigação). Pelo
sistema administrativo, o Estado esgota a função jurisdicional na prolação da
sentença penal condenatória, passando a execução a ser função administrativa.
Assim, o condenado suporta a pena como uma série de deveres administrativos, seja
a habitação forçada em prédio penitenciário ou prestação de serviços, etc. Em
sistemas administrativos é característico a falta de uma ênfase legislativa nas
garantias da execução penal, colocando o condenado sob regramentos
administrativos. Na Inglaterra, uma decisão judicial de 1943, segundo informa
Heleno Cláudio Fragoso1, nega aos presos o direito de peticionar aos tribunais sobre
a legalidade de tratamento, decisão que tem a força característica de um precedente
na “common law”. O mesmo autor informa também que o maior número de
reclamações de presos no Tribunal da Comunidade Européia ,quanto à aplicação da
Convenção Européia dos Direitos Humanos, é da Inglaterra2. Os EUA também
adotam o sistema administrativo, ficando a jurisdição alheia aos condenados,
embora o nível de respeito aos direitos dos presos seja considerado excelente.
A compreensão de que a execução penal tem natureza
puramente ou prevalentemente administrativa provêm da concepção política e
1 Direitos dos presos, Rio de Janeiro, Ed. Forense, pg. 19 2 Ob. cit., pg. 23
1
jurídica haurida da clássica tripartição de Montesquieu. Segundo René Ariel Dotti:
“um dos clamorosos erros históricos dentro de tal panorama consistia em sustentar
que, a exemplo da teoria de Montesquieu sobre a divisão dos poderes, ao
Legislativo caberia editar as normas, ao Judiciário aplicá-las e ao Executivo se
reservaria a função de tornar efetivas as disposições da sentença”3. Na concepção
atual, no entanto, o Direito de Execução Penal é de natureza complexa, desviando-
se da entonação clássica radicada na separação dos poderes do Estado, pois mesmo
ao tempo de sua formulação, a teoria de Montesquieu jamais pregou rígida e
inflexível demarcação dos poderes do Estado, que devem ser autônomos, porém
harmônicos e integrados.
Quanto aos sistemas jurisdicionais, temos como exemplos
os sistemas de execução da Alemanha, Espanha, Portugal e Brasil4. Do ponto de
vista estritamente técnico, não há dúvida que o melhor sistema é o jurisdicional,
pois na execução das penas a relação jurídica existente entre o Estado e o detido não
desaparece por completo, subsistindo e originando uma série de direitos e
obrigações que só podem ser devidamente regulados através de um procedimento
jurisdicional, pois o poder jurisdicional é o que melhor garante os direitos humanos.
II - EVOLUÇÃO DO SISTEMA BRASILEIRO DE EXECUÇÃO PENAL
A doutrina admite que a jurisdicionalização em nosso
sistema de execução penal vem desde a legislação do Império5 . A Constituição do
Império de 1824, em seu art. 179, afirmava os direitos civis e políticos dos cidadãos
brasileiros, nutrida pelo liberalismo. No entanto, a legislação processual penal,
materializada no Código de Processo Criminal, possuía, no dizer de Frederico
Marques a “fraqueza de falta de regulamentação da organização judiciária”, que é a
base de um seguro sistema jurisdicional de execução de penas.
3 Execução Penal no brasil: aspectos constitucionais e legais in Revista dos Tribunais, São Paulo, 1991, nº 664, pág. 2394 BENETI, Sidnei Agostinho, O Processo de Execução Penal, tese de Doutorado, não publicada, 1994, pp. 27-43. 5 MIOTTO, Armida Bergamini, Execução Penal in Enciclopédia Saraiva do Direito, 1977, vol. 35, pág. 69.
2
Seguiu-se a Lei 261, de 3/12/41 e o Regulamento 120, de
31/01/1842, que se destinaram a debelar o liberalismo, permitindo ao Império o
controle da criminalidade e apresentando o que Frederico Marques, no seu
“Elementos de Direito Processual Penal” chamou de “policialismo exagerado”6, que
é incompatível com a jurisdicionalização da lei penal. Este policialismo foi
abrandado pela Reforma Rio Branco, Lei 2033, de 20/9/1871, que foi
regulamentada pelo Dec. 4824, de 22/11/1871, não trazendo especial atenção com a
matéria de execução das penas.
A Constituição Republicana de 24/2/1891 estabeleceu a
pluralidade processual, disseminando a normatividade da matéria entre os Estados,
ficando portanto a execução penal à espera de regulagem. Posteriormente, com o
retorno do processo federalizado, o Código de Processo vigente (Decreto 3689 de
03/10/1941) cristalizou a orientação jurisdicional na execução da pena já antes
sedimentada pela prática, no art. 668 do Código de Processo Penal: “a execução,
onde não houver juiz especial, incumbirá ao juiz da sentença, se a decisão for do
Tribunal do Júri, ao seu presidente”.
A Constituição de 1946, que foi fiel a princípios liberais,
adotou os princípios da acusatoriedade, contraditório, devido processo legal e juiz
natural, o que implicitamente reforça a idéia de jurisdicionalização no processo
penal.
Segundo informação de René Ariel Dotti7, antes da Lei de
Execução Penal, muitos projetos foram elaborados no sentido de regulamentar a
execução penal, sendo os mais importantes: anteprojeto de Oscar Stevenson (1957);
anteprojeto de Roberto Lyra (1963); anteprojeto de Benjamin de Moraes Filho
(1970), revisto por José Frederico Marques, José Salgado Martins e José Carlos
Moreira Alves. Estes anteprojetos não negaram a tradição brasileira, firmada na
jurisdicionalização da execução. Na realidade, todos estes anteprojetos visavam
preencher uma grande lacuna no ordenamento jurídico positivo, pois há muito se
6 FREDERICO MARQUES, Elementos de Direito Processual Penal, 1º vol, Rio de Janeiro, 1965, pág. 97. 7 “Processo Penal Executório” in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, 1983, vol. 20, pp. 90-92.
3
aguardava a edição de um diploma autônomo para regular as etapas de aplicação e
execução das penas e das medidas de segurança. Os problemas prisionais de então
não tinham nenhum combate legislativo pois havia uma crença de que a União
somente poderia editar normas gerais sobre o regime penitenciário, advinda da regra
contida no art. 5º, XV, “b”, da CF/46 que atribuía esta competência à União, e que
acabou sendo um obstáculo a que o país tivesse uma lei federal de execução.
Houve a Lei 3274/57, que dispunha sobre normas gerais do
sistema penitenciário, mas que em nada contribuiu para atenuar a crise
penitenciária8, pois apenas repetia regras mínimas e programáticas instituídas pela
ONU, não possuindo sequer sanção para o descumprimento de seus comandos.
Posteriormente, houve a Lei 6416/77, que introduziu modificações no CP, Código
de Processo Penal e Lei das Contravenções Penais, que pretendeu atenuar o
problema carcerário, mas que quanto à execução penal, revelou-se equivocada, pois
ao introduzir o § 6º no art. 30 do CP, atribuiu vários incidentes de execução como
“concessões a serem outorgadas pelo juiz”, o que trouxe uma incerteza muito
grande à execução, pois o magistrado poderia distribuir arbitrariamente favores:
trabalho externo, permissões de saída, prisão albergue, etc.
A verdade é que não se pode falar, até o advento da Lei
7210/84, em uma regulamentação específica sobre a execução da pena, não se
podendo falar em um verdadeiro procedimento executivo, que só seria sistematizado
com a Lei de Execuções Penais.
A Lei de Execução Penal foi elaborada por comissão de
juristas designados pelo Ministério da Justiça, e cristalizou a idéia da
jurisdicionalidade, especificando concretamente as diversas hipóteses de atuação da
autoridade judiciária. O regramento dos direitos do preso na Lei de Execução Penal
é pormenorizado, traduzindo a idéia da jurisdicionalização de que o preso, mesmo
após a condenação, continua titular de todos os direitos não atingidos pela sentença
condenatória. Note-se que com a Lei de Execução Penal houve a implantação da
8 “A Lei de Execução Penal” in Revista de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, vol. 1, 1988, pág. 201.
4
jurisdicionalização em termos amplos, de forma muito mais abrangente do que
ocorria até então (o que a doutrina denomina de “judicialização contínua”9), em que
pese a tradição de jurisdicionalização presente em nosso sistema anteriormente, mas
ainda de forma incipiente.
A atual CF/88 não inovou no aspecto penal e processual
penal, apenas incorporando algumas garantias usuais da legislação ordinária ao
texto constitucional, contendo também algumas garantias importantes que se
refletem na execução penal, como a individualização da pena (5, XLVI); a proibição
de penas desumanas (5, XLVII); a distinção de estabelecimentos penais de acordo
com a natureza o delito, sexo, e idade do condenado (5, XL e VIII); garantia de
integridade física e moral dos presos (5, LIX); as garantias especiais da mãe lactente
(5, L); as garantias do contraditório e do devido processo legal (5, LIV e LV), a
proibição de provas ilícitas; a comunicação de prisão; os direitos do preso em calar-
se e ter assistência de família e advogado (5, LXIII).
III - PROCESSO E PROCEDIMENTOS EXECUTIVOS PENAIS
III.1 - A ação penal executiva
Convém antes de falarmos de processo e procedimentos
executivos penais, nos posicionarmos acerca da existência ou não da ação penal
executiva, tendo em vista a importância da ação como categoria processual. O prof.
Rogério Lauria Tucci, não reconhece a existência de uma ação na execução penal,
exceto no tocante à pena de multa: “pareceria difícil, senão temerário, por isso,
estabelecer-se a possibilidade de existência de uma ação penal de execução.
Especialmente porque se inicia esta, em nosso direito, independentemente de
qualquer provocação dos órgãos de persecução penal: assim que formado o título
executivo, procede o juiz “ex-officio”., ordenando a expedição da carta de guia
para cumprimento da pena, consoante o disposto no art. 674 do Código de
Processo Penal. Acontece, porém, que, de “lege constituenda”, se pode cogitar de
9 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Execução Penal, São Paulo, Atlas, 1993, pág. 445.5
ação penal executiva referentemente à execução de pena pecuniária, estatuída no
art. 688, I, do aludido Código, e em que a iniciativa é do Ministério Público”10.
Esta opinião é também de Vicente Greco Filho, em seu Manual de Processo Penal,
para o qual a execução penal não é ação, porque não há tutela jurisdicional
específica, tratando-se apenas de um procedimento complementar à sentença com
incidentes próprios. O prof. Vicente Greco vai mais longe, não admitindo sequer o
processo de execução, pois não haveria a instauração de nova relação processual11.
Pela existência da ação executória penal há o
posicionamento de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e
Cândido Rangel Dinamarco em Teoria geral do Processo, o argumento é a
impossibilidade de se afirmar a existência de processos sem ação e pela
peculiaridade da instauração “ex officio”, que também ocorre na execução
trabalhista, na concordata convolada em falência, etc12. Sidnei Agostinho Beneti, em
tese de doutorado sobre a processo de execução penal oferecida aqui nesta
Faculdade, que teve como orientador o prof. Rogério Lauria Tucci, admite a
existência da ação penal executiva, observando: “em seguida à condenação no
processo da ação penal condenatória, surge tipicamente outra ação, com base na
pretensão do Estado, titular do “ius puniendi”, sem lhe concretizar o comando na
execução, de modo que à pretensão condenatória procedente segue-se a pretensão
executória para a concretização do ‘ius puniendi”, pretensão que só se pode
provocar em nova ação, provocada ou “de ofício”, e indo a provocação oficial à
condição de mero contingente, que não afeta as categorias do sistema”13.
Bem, eu gostaria de ouvir a opinião do prof. Tucci, para
saber se o eu entendimento anterior se mantém, mas minha posição é que, se
entendermos ação como o direito ou o poder de invocar o aparelho judicial,
buscando o reconhecimento, assecuração ou satisfação de apregoado direito
subjetivo material, creio que é possível se falar em ação executiva penal, mesmo
com a característica de instauração de ofício.
10 Jurisdição, Ação e processo Penal, Belém, CEJUP, 1984, pp. 58-5911 Manual de processo Penal, São Paulo, Saraiva, 1991, pág. 101.12 Teoria Geral do Processo, São Paulo, Ed. Revista dos tribunais, 1991, pág. 281.13 Ob. cit, pág. 70
6
III.2 - O processo executivo penal
O processo penal não visa somente a solução do conflito
entre o interesse punitivo do Estado e o interesse de liberdade do ser humano
(processo penal de conhecimento), mas também à satisfação do “ius puniendi”
reconhecido na sentença penal condenatória (processo penal de execução).
Assim, o processo de execução penal não é mera fase do
processo de conhecimento, mas um processo novo, que objetiva a satisfação do
título executório. Esta é a posição do prof. Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, que
afirma: “A execução consiste em modalidade de tutela jurisdicional, correspondente
à atuação do órgão judiciário, aplicando norma jurídica especificada à satisfação
do poder-dever estatal de punir ou sancionar reconhecido em sentença
condenatória penal”, mais adiante: “A execução penal ostenta um processo
autônomo”14.
A existência de um processo novo também evidencia a
existência de uma nova ação, a ação penal de execução, pois se assim não fosse,
teriam-se maiores dificuldades na congruência teórica do sistema, “pois se teria de
admitir uma única relação processual que prosseguisse depois de esgotado seu
objetivo, que era o de servir de base ao julgamento previsto pelo Estado de Direito,
isto é, segundo direitos e deveres constantes da ordem jurídica e mais, seria preciso
admitir que a pretensão ao reconhecimento da existência do delito, imputação de
autoria e dosagem da pena (sentença condenatória) já trouxesse em seu bojo a série
de providências práticas da execução, o que equivaleria a dizer que, assim que
iniciado o processo de conhecimento, já se estaria pensando no réu como
condenado, no aguardo da definição da medida condenatória, já antes pressuposta,
isto é, ao se iniciar o processo de conhecimento, que visa à análise isenta do caso
para eventual condenação, já se teria o prejulgamento condenatório, porque
pressuposta a condenação à própria ação penal de conhecimento”15. Efetivamente, a
autonomia do processo de execução é uma decorrência do próprio Estado de Direito
14 “Execução penal” in Revista de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, vol. 1, 1988, pág. 22015 BENETI, Sidnei Agostinho, ob. cit., pp. 71-72
7
e da regra de não consideração prévia da culpabilidade, pois pensar-se de modo
diferente seria admitir a existência de um pressuposto condenatório prévio de
suspeitos e acusados em geral.
III.3 - Procedimentos executivos penais
O processo pode adotar várias formas procedimentais,
vários esquemas formais, entendendo-se procedimento como a exteriorização do
processo, como seqüência de atos que tendem à sentença.
A Lei de Execução Penal disciplina o procedimento em três
blocos distintos. A disposição central está Título VIII, que estabelece o
procedimento judicial, em quatro artigos. Temos também a disciplina dos incidentes
de execução, alem de disposições processuais esparsas, por exemplo, relativamente
à execução da pena de multa, revogação do “sursis”, etc.
Denota-se que Lei de Execução Penal traçou uma
orientação processual mínima, mas que contém as garantias essenciais à execução
da pena, como a jurisdicionalização e o contraditório, ainda que em sede de
execução este seja normalmente restrito, mas que é determinado em vários
dispositivos que prevêem a manifestação do Ministério Público (arts. 67, 146, 187,
195) e do condenado (art. 196), inclusive com previsão de assistência jurídica.
O legislador optou por não regrar detalhadamente os
procedimentos diferenciados, atinente à cada espécie de pena, nem em constituir-se
em Código de Processo de Execução Penal. Esta opção legislativa, se por um lado
pode em alguns casos, conforme nota Sidnei Agostinho Beneti “dificultar o
andamento de processos nas Varas de Execução Penal”16, tem o inegável mérito de
evitar a multiplicidade de procedimentos, improdutiva e complicadora, cuja
dificuldade é evidenciada pelo sistema procedimental adotado pelo Código de
Processo Penal de 1941, que criou uma série de procedimentos especiais, que ainda
foi ampliado por leis especiais.
16 Ob. cit., pág. 578
Embora se possa distinguir os procedimentos executivos
penais em tipos adequados à natureza da sanção imposta ao acusado por sentença
condenatória transitada em julgado (procedimento referente à execução de pena
privativa de liberdade; procedimento relativo à execução de penas restritivas de
direitos; procedimento atinente à execução de pena pecuniária; procedimento
alusivo às medidas de segurança; aos quais poderiam ser incluídos o procedimento
referente à aplicação da suspensão condicional da pena (que na nova disciplina da
Lei de Execução Penal é espécie de pena ou forma de execução de pena); além dos
procedimentos estabelecidos para os incidentes de execução), entendo como Sidnei
Agostinho Beneti, que a Lei de Execução Penal cuidou de apenas um único
procedimento para todas as espécies de execução penal (unidade procedimental), de
estrutura bastante simples, que é disciplinado em quatro arts. (194 a 197 Lei de
Execução Penal)17.
A este procedimento unitário, que forma o quadro geral, é
que se formarão os procedimentos específicos. O procedimento unitário é simples e
flexível justamente para servir de parâmetro às diversidades procedimentais. Pode-
se então estudar as fases procedimentais (introdutória, preparatória e satisfativa) do
procedimento unitário, e apenas acrescentar as peculiaridades de cada procedimento
específico.
A fase introdutória inicia o procedimento judicial mediante
Portaria do juiz, ou ainda petição do requerente, manifestando-se ainda o Ministério
Público e o sentenciado quando não requerentes. É comum que, com o requerimento
e a manifestação já venham todos os elementos necessários ao conhecimento da
execução, de forma a eliminar a necessidade de provas, podendo-se passar
imediatamente ao julgamento. Documento importante ao início da execução é a
chamada carta de guia ou guia de recolhimento. Tal carta é remetida do juízo do
processo de conhecimento ao Juízo de execução competente, que deve baixar
Portaria, ou caso não faça, deverá lhe ser requerida a instauração do processo de
execução, registrando-se e autuando-se a Portaria ou o requerimento, que inicia o
processo de execução propriamente dito.17 Ob. cit., pp. 167-170
9
Em seguida, tem-se a fase preparatória, que não se trata de
um procedimento instrutório, pois quando necessária a produção de prova na
execução, esta não visa formar o convencimento do juiz sobre a culpa do acusado,
que já foi definida no processo de conhecimento, mas apenas para determinar o
adequado cumprimento da pena. Assim, prepara-se a execução com a vinda dos
documentos necessários, seguindo-se a liquidação e o cálculo da pena ou medida de
segurança, podendo haver necessidade de perícia ou prova oral, seguindo-se a
decisão, proferida em audiência designada. Tem especial relevância nesta fase o
exame criminológico e o parecer do Conselho Penitenciário, que são peças de
instrução procedimental, que são livremente apreciadas pelo Juiz de execução.
Por último, tem-se a fase satisfativa do procedimento de
execução, onde se desenvolvem os atos materiais de cumprimento de penas ou
medida de segurança. Nesta fase, por interferir na realidade concreta atinente à
liberdade do condenado, ou na disponibilidade das condições de saúde mental do
indivíduo, em que avulta o papel da administração pública, é que se dá a maioria
dos incidentes processuais, em função de cada espécie de pena ou medida de
segurança aplicada. Assim, excetuada a pena de multa, que possui particularidades e
rito próprio, a fase satisfativa observa o procedimento judicial comum, com as
especialidades típicas de cada pena ou medida de segurança. O recurso cabível das
decisões proferidas no juízo de execução é o agravo de instrumento.
Cabe frisar que não significa início de execução a prisão do
condenado, devido a sentença condenatória sujeita a recurso, tendo em vista a
presunção e inocência, constitucionalmente estabelecida. Assim, não se trata de
“execução provisória” da sentença penal, mas medida inspirada no poder de cautela,
pois reconhece a existência de indícios suficientes de autoria desencadeadores da
conseqüência de prisão, sendo presumível a tentativa de frustração da execução
penal.
Cada procedimento de execução possui então suas
peculiaridades, que modificarão o procedimento comum, conforme suas
características (exceto o procedimento de execução da penas de multa, que é 10
diferenciado). Embora o objetivo aqui não seja o aprofundamento em cada espécie
de procedimento, pois haverá um seminário específico sobre os procedimentos
executivos penais, podemos citar brevemente alguns traços distintivos entre os
procedimentos de execução penal.
O procedimento referente à execução das penas privativas
de liberdade possui determinadas características que lhe são próprias: o livramento
condicional, que é a última etapa da pena privativa de liberdade (não mais incidente
de execução); a remição; a detração; progressão e regressão de regimes; visitas; etc.
O procedimento referente à aplicação da pena de multa é
diferenciado, e se dá por meio da propositura de execução pelo promotor de justiça,
no juízo de execução, diante de certidão expedida pelo juízo da condenação. No
caso de não pagamento, a execução segue de acordo com a lei processual civil no
tocante à penhora e execução, exceto quanto aos embargos do executado, que não
são previstos na Lei de Execução Penal. Se a penhora recair sobre bem imóvel será
realizada no juízo cível, podendo ainda a multa ser descontada do salário do
condenado.
Temos ainda o procedimento de execução relativo às penas
restritivas de direitos; o procedimento de execução relativo às medidas de
segurança; o procedimento de execução da suspensão condicional da pena (que
possui como principal peculiaridade a decisão poder ser proferida diretamente pelo
Tribunal, sem que implique em supressão de grau de jurisdição - art. 159 Lei de
Execução Penal) e ainda os procedimentos relativos aos incidentes processuais
(conversões, excesso ou desvio de execução e “a anistia e indulto”, enumeração que
não é “numerus clausus”, sendo que inúmeros incidentes podem ser argüíveis no
juízo de execução: prescrição; aplicação de lei mais benéfica, etc.).
IV - CONCLUSÃO
11
O Brasil, quanto ao sistema utilizado na execução penal,
adota o sistema jurisdicional. Não há dúvida de que é o melhor, do ponto de vista
estritamente técnico, o sistema jurisdicional, pois é o que melhor garante os direitos
humanos.
Até o advento da Lei 7210/84, não se pode falar em uma
regulamentação específica sobre a execução da pena, que só seria sistematizado
com a Lei de Execuções Penais. Foi a Lei de Execução Penal que cristalizou a idéia
da jurisdicionalidade, especificando concretamente as diversas hipóteses de atuação
da autoridade judiciária, que já existia de forma incipiente em nosso sistema
jurídico. O regramento dos direitos do preso na Lei de Execução Penal é
pormenorizado, traduzindo a idéia da jurisdicionalização de que o preso, mesmo
após a condenação, continua titular de todos os direitos não atingidos pela sentença
condenatória.
A atual Constituição Federal de 1988 incorporou algumas
garantias usuais da legislação ordinária ao texto constitucional, além de incluir
outras garantias importantes, que tem incidência na execução penal.
É muito importante esta previsão constitucional, pois
elevando a status constitucional estas garantias e direitos do condenado na execução
da pena, e prevendo-os no capítulo que trata dos direitos e deveres individuais e
coletivos, o legislador privilegia estes dispositivos, tornando impossível sua
derrogação, por força do art. 60, § 4º, IV da CF/88, que prescreve: “§ 4º não será
objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e
garantias individuais”.
No entanto, apesar de nosso ordenamento jurídico abraçar o
sistema jurisdicional, e de elevar à categoria constitucional as garantias do
condenado, é notório o divórcio histórico entre a realidade de nossos presídios e o
ordenamento jurídico, em que o desrespeito às condições mínimas compatíveis com
a dignidade humana é a regra.
12
Faz-se mister um esforço de toda a sociedade para que as
garantias e direitos do condenado, contido na Lei de Execução Penal e na
Constituição Federal de 1988, não se torne letra morta. Como bem prega René Ariel
Dotti, “A luta das gerações do presente e do futuro deve ser caracterizada pela
permanente e corajosa luta visando a reduzir o descompasso entre as proclamações
de direitos e garantias e sua negação sistemática tanto por ação como por omissão
do Estado”18.
Afinal, a negação prática de direitos e garantias
fundamentais constitucionais é a negação do próprio Estado de Direito, que só
existe quando o Estado respeita de forma estrita o ordenamento jurídico vigente.
V - BIBLIOGRAFIA
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