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Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 9, V. 18, p. 274 – 298, jul./dez. 2001. 274 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N.º 63293-4 ARINDA FERNANDES Procuradora de Justiça Primeira Turma Recorrente: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e Assistente de Acusação Recorridos: M.G.S.S. e J. Q. A. J. Origem: Tribunal do Júri de Brasília Ementa: Penal e processual penal. Recurso em sentido estrito. Júri. Homicídio qualificado e lesão corporal seguida de morte. Pronúncia. Desclassificação. 1. Havendo nos autos dúvida quanto ao elemento subjetivo dos agentes, impõe-se a pronúncia, por vigorar a regra in dubio pro societate. 2. A desclassificação na fase do iudicium accusationis só pode ocorrer quando o suporte fático for cristalino. 3. Não pode o juiz, nessa fase, incursionar no conjunto probatório, dirimindo as controvérsias e decidir o mérito da causa em afronta ao princípio do juiz natural – tribunal do júri. PARECER N.º 78/01-PJ13 Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e T erritórios contra a r. sentença proferida pela M.M. Juíza Substituta da Vara do Tribunal do Júri (fls. 413/431), que desclassificou a conduta imputada na denúncia aos ora Recorridos, tendo, em conseqüência, declinado ex oficio de sua competência para o Juízo de uma das Varas Criminais desta Circunscrição Judiciária. O Órgão Ministerial, na denúncia, imputou a conduta prevista no art. 121, § 2º, incisos II e IV, e art. 129, caput, c/c art. 29 do CPB para M. G. S. S. e aquela prevista no art. 129, caput, e 121, § 2º, incisos II e IV, c/c art. 29 do Código Penal Brasileiro (CPB) para J. Q. A. J., asseverando que:

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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N.º 63293-4

ARINDA FERNANDESProcuradora de Justiça

Primeira Turma

Recorrente: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e

Assistente de Acusação

Recorridos: M.G.S.S. e J. Q. A. J.

Origem: Tribunal do Júri de Brasília

Ementa: Penal e processual penal. Recurso em sentido estrito.

Júri. Homicídio qualificado e lesão corporal seguida de morte.

Pronúncia. Desclassificação.

1. Havendo nos autos dúvida quanto ao elemento subjetivo dos

agentes, impõe-se a pronúncia, por vigorar a regra in dubio pro

societate.

2. A desclassificação na fase do iudicium accusationis só pode

ocorrer quando o suporte fático for cristalino.

3. Não pode o juiz, nessa fase, incursionar no conjunto probatório,

dirimindo as controvérsias e decidir o mérito da causa em afronta

ao princípio do juiz natural – tribunal do júri.

PARECER N.º 78/01-PJ13

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Públicodo Distrito Federal e Territórios contra a r. sentença proferida pela M.M. JuízaSubstituta da Vara do Tribunal do Júri (fls. 413/431), que desclassificou a condutaimputada na denúncia aos ora Recorridos, tendo, em conseqüência, declinadoex oficio de sua competência para o Juízo de uma das Varas Criminais destaCircunscrição Judiciária.

O Órgão Ministerial, na denúncia, imputou a conduta prevista no art. 121,§ 2º, incisos II e IV, e art. 129, caput, c/c art. 29 do CPB para M. G. S. S. eaquela prevista no art. 129, caput, e 121, § 2º, incisos II e IV, c/c art. 29 doCódigo Penal Brasileiro (CPB) para J. Q. A. J., asseverando que:

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“Consta dos autos do Inquérito que, por volta das 02:00 horas dodia 09 de agosto do ano de 2000, o primeiro denunciado, de formalivre e consciente, nas proximidades da Boate Music Hall, emplena via pública da 411 Sul, agrediu fisicamente, utilizando-sedos próprios membros, com intenso animus necandi, a vítima J. C.C. L., devidamente qualificada nos autos, provocando nesta osferimentos descritos no laudo de exame cadavérico de fls. 50/54,que foram eficientes para provocar a sua morte.

O segundo denunciado contribuiu para o crime de homicídioemprestando apoio moral e material ao conduzir o seu veículo deforma sorrateira até o local onde poderiam colher a vítima desurpresa, além de sua agressão ofensiva contra um companheirodesta vítima, fato este que também é ora denunciado.

Consta nos autos do inquérito que na mesma condição de tempoe lugar, o segundo denunciado, de forma livre e consciente, agrediufisicamente, também utilizando-se dos próprios membros, a vítimaG. L. E. M., devidamente qualificada nos autos, provocando nestaos ferimentos descritos no laudo de fls. 63.

O primeiro denunciado também concorreu para este crimeemprestando apoio moral à conduta pelo outro réu praticada.

O crime ocorreu porque momentos antes, ainda dentro da boateacima referida, as vítimas, juntamente com outros amigos, flertavamcom moças que compunham a turma dos réus, o que causouinjustificada ira, caracterizando o motivo fútil.

As vítimas foram colhidas de surpresa, sendo agredidas já noestacionamento, em local escuro, quando se preparavam para deixaraquele lugar, o que dificultou sobremaneira a possibilidade de defesa”.

Durante a instrução criminal, foram ouvidas as testemunhas F. A.D. C. D.(fls. 248/249), C. N. S. (fls. 250/252), J. K. J. (fls. 253/254), R. A. G. R. (fl.255), D. M. C. (fl. 256/258), C. O. (fls. 259), R. N. S. (fls. 260/261) e a vítimaG. L. E. M. (fls. 262/263).

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Constam ainda do acervo probatório um Laudo de Exame Cadavérico (fls.55/59, 296, 344/347 e 363/368), um Laudo de Exame de Embriaguez (fls. 67,212, 301/302 e 372), Laudo de Exame de Lesões Corporais (fls. 68, 213/214,297/300, 315/316 e 369/371), bilhetes de entrada e comandas de consumo noestabelecimento Music Hall (fls. 128/132), fotografias da vítima J. C. C. L. (fls.266/270), um Laudo de Avaliação Indireta (fl. 307), um Laudo de Exame deVeículos (fls. 310/312, 318/326, 327/329, 374/376), um Laudo de Exame deLocal e de Veste (fls. 330/343), além de Pareceres Técnicos (fls. 228/232 e491/500).

Devidamente citado, o Recorrido M. G. S. S. (fls. 197/200) confirmou adinâmica dos acontecimentos e negou a intenção de ceifar a vida da vítima. Porseu turno, o réu J. Q. A. J. – também regularmente citado – confirma,parcialmente, a denúncia, negando ter agredido a vítima fatal.

O processo teve trâmite regular ao feito, sendo resguardados o devidoprocesso legal, o contraditório e a ampla defesa.

A sentença recorrenda está acostada às fls. 413/431, afastando acapitulação de homicídio qualificado e lesões corporais inserta na denúncia paradesclassificar a conduta dos acusados para lesão corporal seguida de morte elesões leves. Assim entendendo, a MM. Juíza a quo, por não restar caracterizadoo animus necandi por parte dos agentes, repeliu, de pronto, tanto o dolo diretoquanto o eventual.

Inconformado com o r. decisum, o Representante do Ministério Públicointerpôs Recurso em Sentido Estrito, a fim de reformá-la.

Como fundamentação do recurso (fls. 437/452), aduz que a decisãodesclassificatória só poderia ser prolatada se não houvesse, nos autos, qualquerprova em sentido contrário, “pois a simples consideração sobre o valor de umaou outra prova, rejeitando alguns trechos de depoimento ou afastando informaçõesinteiras prestadas por uma ou outra testemunha, já demonstram a subtração doprincípio in dubio pro societate” (fl. 440).

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Assevera, ainda, que é defeso ao magistrado incursionar-seprofundamente na análise das provas dos autos para delas abstrair o elementosubjetivo dos agentes, subtraindo-o da apreciação do Egrégio Conselho deSentença.

Arremata, alegando que, diante da dúvida quanto ao elemento subjetivodo tipo – as diferenças existentes nos depoimentos das testemunhas da fasepolicial para a jurisdicionalizada e a controvérsia instalada com o cotejo doslaudos periciais – , o juízo singular não poderia subtrair a competência do EgrégioTribunal do Júri.

A Assistência de Acusação (fls. 479/490), corroborando com osargumentos esposados pelo Parquet, acrescenta que, em sede de pronúncia,não cabe ampla análise probatória, devendo imperar o princípio in dubio prosocietate.

Colaciona ainda, às fls. 491/500, parecer técnico, apontando apossibilidade de ocorrência de espancamento e asfixia da vítima fatal, aumentandoa controvérsia instalada nos autos.

Em Contra-razões (fls. 506/511), a defesa do réu J.Q. pugna pelamanutenção do decisum, considerando-o irreparável e impugnando o ParecerTécnico acostado pela Assistência de Acusação.

A defesa de M. G., em Contra-razões de fls. 513/527, também reputairretocável a r. sentença desclassificatória, ancorada no princípio do livreconvencimento do juiz e defendendo o profundo mergulho na prova para aprolação da sentença e aferição do elemento subjetivo. Também refuta o LaudoPericial acostado pela Assistência de Acusação e colaciona novo parecer técnico(fls. 528/529).

A MM. Juíza da Vara do Tribunal do Júri manteve a sentença por seuspróprios fundamentos, determinando a subida dos autos ao Egrégio Tribunal deJustiça do Distrito Federal e Territórios (fls. 534-537).

É o Relatório.

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PARECER

O recurso merece ser conhecido por preencher todos os pressupostos deadmissibilidade.

Quanto ao mérito, assiste razão ao Recorrente.

A controvérsia instalada, nos presentes autos, cinge-se, fundamentalmente,aos limites do iudicium accusationis.

Nessa fase processual, ao juiz se apresentam quatro possibilidades:pronunciar o réu, impronunciá-lo, absolvê-lo sumariamente ou desclassificar-lheo crime, declinando, nesta última hipótese, de sua competência.

In casu, merece destaque e análise a desclassificação.

O questionamento opera-se, basicamente, neste aspecto do decisum: adesclassificação do crime de homicídio para o de lesão corporal seguida demorte. É exatamente aí que se instala a discussão, objeto do Recurso em SentidoEstrito, ensejando a formulação de algumas perguntas.

A MM. Juíza agiu em conformidade com as provas coletadas, aodesclassificar a conduta dos Réus? As provas autorizam a prolação de tal decisão?O suporte fático em que se baseou a nobre magistrada para determinar o elementosubjetivo é inquestionável e detectável de plano?

Entende este Órgão Ministerial negativamente, visto que a prova colhida– tanto a testemunhal quanto a técnica – aponta para a autoria e a materialidadede um crime de homicídio.

A escolha do caminho a ser seguido pelo magistrado passa por seuconvencimento, seja o da existência ou não do crime ou de indício suficiente deautoria, seja o da existência de crime diverso.

Todavia, cumpre, aqui, sublinhar e destacar que o convencimento do juiz,de que tratam os arts. 408 usque 411 do Código de Processo penal (CPP), sópode ser estabelecido no patamar do juízo de admissibilidade e não no do juízo

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da causa. A partir do momento em que os autos dão conta da existência dematerialidade e indícios suficientes de autoria, impõe-se a pronúncia.

A desclassificação, na oportunidade do iudicium accusationis, só se operaquando o crime doloso imputado ao acusado for absolutamente inadmissível,detectável de plano e isento de polêmica relevante. E esse, decididamente, não éo caso dos autos, como, mais adiante, será explicitado.

Sobre o tema, farta é a jurisprudência nacional:

“Quando as provas dos autos não permitem seja de planoreconhecida a desclassificação de homicídio para lesõescorporais, deve o juiz pronunciar, pois cabe ser resolvidapelo Conselho de Sentença a matéria da culpabilidade.”(TJSP, RT 648/275)

“ O que impende considerar, para que se venha adesclassificar o delito para outro não doloso contra a vida, éa inexistência de dolo do tipo como 'resolução para o fato' enão a dúvida da existência de dolo do tipo como 'resoluçãopara o fato'. É que a dúvida, na fase do judiciumaccusationis, milita em favor do júri popular e não em proldos réus”. (TJRS, RJTERGS 166/87).(grifos nossos)

Se admissível a acusação, mesmo que haja dúvida ou ambigüidade, o réudeve ser pronunciado. Tal o entendimento da Suprema Corte.1

Nesse passo, igualmente, segue posição do STJ:

“O juízo de pronúncia é, no fundo, um juízo de fundadasuspeita e não um juízo de certeza. Admissível a acusação,ela, com todos os eventuais questionamentos, deve sersubmetida ao juiz natural da causa, em nosso sistema, oTribunal do Júri”2 .(grifos nossos)

1 HC n°75433-3 – CE, 2ª Turma, STF – Rel. Ministro Marco Aurélio, in RT 648/275.

2 Extrato do voto proferido pelo Ministro Felix Fischer, relator do RE n° 192049.

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Assim sendo, a sentença de pronúncia exerce apenas um juízo deadmissibilidade da acusação levada a termo na denúncia (iudicium accusationis),verificando se estão presentes materialidade e indícios de autoria.

O r. decisum, sub examen, desrespeitou, em suma, os limites que lhe sãoimpostos, ao operar a desclassificação para crime de competência do juízosingular, porquanto o suporte fático não está isento de polêmica e muito menosé detectável de plano.

É da própria decisão (fl. 417) que se extrai tal conclusão:

“Na verdade, a controvérsia instalada nos autos, cinge-se ao

elemento subjetivo ou normativo do tipo, ao animus com o que se

houveram os acusados, a intenção que impulsionou suas

condutas, a subsunção das condutas ao tipo penal

correspondente (...)”.

Ora, se existia controvérsia, na prova colhida, não poderia jamais S. Exa.proceder à desclassificação do crime de homicídio para o de lesão corporalseguida de morte.

A insigne Juíza, dessa forma, agiu fora dos limites estabelecidos,especialmente quando se aprofundou no exame do elemento volitivo, comparandoe esmiuçando depoimentos, analisando a prova técnica oficial, cotejando-a compareceres médico-legais juntados, aos autos, pela defesa e assistência deacusação.

ELEMENTO SUBJETIVO

A nobre signatária do decisum tece considerações acerca do elementosubjetivo (fls. 418-419), fazendo uma percuciente explanação a respeito dodolo direto e eventual, tratando da diferenciação entre este último e a culpaconsciente, concluindo com o preterdolo, incorrendo, dessa forma, em indevidaapreciação.

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E, nessa indevida e inoportuna análise dos elementos de prova, afirma:

“Se os acusados pretendessem ou tivessem assumido o risco de

matar as vítimas teriam espancado, literalmente, os dois, de formaa quebrar-lhes todos ou quase todos os ossos, provocar-lhes

traumatismos em todos ou quase todos os órgãos internos, como

fizeram, por exemplo, os algozes de M. A. V. ...” (fl. 423).

Ora, tal afirmativa é absolutamente despida de lógica, pois se sabe quetécnicas de lutas existem demonstradoras de que, com apenas um único golpe,pode imobilizar-se uma pessoa ou até mesmo ceifar-lhe a vida.

Um golpe em forma de cutelo — tão comum, hoje, nas manobras depraticante de lutas marciais, como bem acentuou o Professor NILSONSANT’ANNA FILHO, em seu parecer (fl. 497) — pode não deixar sinais ouferimentos externos.

Assim é que a comparação efetuada pela digníssima Juíza do homicídiode M.A.V. nada tem de pertinente com o caso em tela. São dois casos comsuportes fáticos distintos.

Outro dado que merece relevo é o de que não é somente pela multiplicidadede lesões externas e internas ou numerosas fraturas ósseas que se pode apontarpara o animus necandi, uma vez que técnicas de tortura existem, especialmenteem tempo de guerra, que não deixam lesões aparentes. Está aí a comprovar nãosó a literatura médico- jurídica, como também a divulgação, pela mídia, de filmescom cenas de violência e tortura.

Daí porque inconsistente e sem lógica, sob esse aspecto, a conclusão aque chegou a nobre Juíza a quo.

Mas não é só.

S. Exa., mais adiante, dando continuidade à análise do elemento volitivo,refere-se ao depoimento de C. N. S. (fls. 250-252) – onde esta declara que oRéu M. G. S. S. ficara desesperado e chorara, ao saber pelo noticiário televisivo,da morte da vítima J. C. – e conclui:

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“Tenho para mim que a reação de “desespero” e “choro” não

se coaduna com quem quer o resultado morte ou quem assume

o risco de produzi-lo, mas sim, [sic] com quem espera

sinceramente que ele não ocorra, máxime quando cotejada

com as afirmações do réu M., no sentido de que “em momento

algum teve a intenção de matar a vítima J. C.”, ou, ainda,

“ eu nunca soube que ninguém tivesse morrido com um soco”

(a primeira afirmação, a meu ver, afasta do dolo direto e, a

segunda, o dolo eventual). Some-se a isso, [sic]as afirmações

do réu J. Q., segundo as quais “em momento algum passou

pela sua cabeça matar as vítimas; que não imaginou que as

vítimas pudessem morrer; que a intenção do interrogando e

do co-réu era a de proteger K.”. Essa é uma das razões pelas

quais entendo que as condutas dos acusados não se adequam

à tipificação dada na denúncia” (fl. 424).

Ao declarar S. Exa. que a conduta do Réu M. é indicadora de culpae não de dolo no fato conseqüente (morte da vítima), em face da“perplexidade com que ele se houve ante a ocorrência do advento morte,a qual, sem sombra de dúvidas, não é compatível com a conduta de quemdeseja ou assume o risco de produzir o resultado morte” (fl. 424), deixoude observar, uma vez mais, os limites estabelecidos, precipitando-seindevidamente na aprofundada apreciação. Sua valoração dos fatos, porconseguinte, deu-se de forma tecnicamente equivocada, até porque o doloeventual não deve ser extraído da mente do autor, mas sim dascircunstâncias do crime.

Doutrinariamente, a configuração do dolo eventual tem, antes de maisnada, como pressuposto que o sujeito aja sem o fim de cometer o crime,porque, do contrário, ele estaria agindo com dolo direto.

E para explicar o dolo eventual, têm-se diversas teorias: teoria dapossibilidade, teoria da probabilidade, teoria do consentimento e a teoriada aceitação do risco. Contudo, a que melhor satisfaz o polêmico tema éexatamente a última – a da aceitação do risco.

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A propósito desse argumento, magnífico ensinamento nos dãoFIANDACA e MUSCO3 , em sua obra, verbis:

“È necessario, piuttosto, che l’atteggiamento interiore manifestatodal soggetto si avvicini il più possibile ad una presa di posizionedessa volontà capace di influire sullo svolgimento degliaccadimenti. A questa esigenza soddisfa meglio la c.d. teoriadell’accettazione del rischio, che riflette a tutt’oggi il punto divista della dottrina dominante. Secondo questa teoria, perchè ilsoggetto agisca con dolo eventuale non basta la rappresentazionementale della concreta possibilità di verificazione dell’evento: èaltresì necessario che egli faccia seriamente i conti con questapossibilità e, ciononostante, decida di agire anche a costo diprovocare un evento criminoso; questa consapevole accettazionedel rischio si aprossima, in sede di valutazione penalistica, allavera e propria volizione del fatto. E ciò perchè l’accettazione delrischio non si limita ad un’accettazione del pericolo in quanto tale,ma si traduce alla fine in una accettazione (sia pure tormentata osofferta) dello stesso evento lesivo che può verificarsi; in altritermini, il soggetto, decidendo di agire a costo di provocarel’evento, finisce con consentire all’evento stesso”4 .

De qualquer modo, qualquer que seja a teoria escolhida ou adotada éinegável que a verificação do dolo eventual dá lugar a graves e sérias dificuldadesem sede processual:

3FIANDACA, Giovanni; MUSCO, Enzo. Diritto penale : Parte generale. Bologna :Zanichelli , 1999,p. 322-323.

4A tradução do trecho que se segue foi realizada pela signatária deste parecer.“É necessário, antes, que o propósito interior manifestado pelo sujeito se aproxime o máximopossível de uma tomada de posição dessa vontade capaz de influir sobre o desenvolvimento dosacontecimentos. A essa exigência satisfaz melhor a chamada teoria da aceitação do risco, que refleteaté hoje o ponto de vista da doutrina dominante. Segundo essa teoria, para que o sujeito aja com doloeventual, não basta a representação mental da concreta possibilidade de verificação do evento: éigualmente necessário que ele faça de modo sério as contas com essa possibilidade e, apesar disso,decida também agir a custo de provocar um evento criminoso; essa consciente aceitação do risco seaproxima, em sede de valoração penalística, ao verdadeiro e próprio querer do fato. E isso porque aaceitação do risco não se limita a uma aceitação do perigo enquanto tal, mas se traduz, no final, emuma aceitação (seja também atormentada ou sofrida) do mesmo evento lesivo que se possa verificar;em outras palavras, o sujeito, decidindo agir a custo de provocar o evento, termina em consentir opróprio evento.”

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“il giudice si trova infatti costretto ad esplorare complessi processi

psicologici che si manifestano nel mondo interiore dell’agente,

senza che spesso ne sia visibile la traccia nella realtà esterna.

Nella pratica, è perciò inevitabile il ricorso a generali regole di

esperienza: il dolo eventuale sarà di regola da escludere nel caso

di rischi lievi e ordinari, mentre sará da affermare in presenza di

rischi gravi e tipici"5 .

No caso sub examen, os riscos eram graves e típicos. Portanto, jamais anobre magistrada de primeiro grau poderia ter concluído pela culpa, como o fez.

Mas o que se extrai dos autos, sobretudo da fase inquisitorial, é a versãoainda fresca retirada do calor dos acontecimentos, qual seja a de que o acusadoM., após surpreender a vítima J. C., golpeou-lhe a cabeça, fazendo-a cair aochão, tendo, na seqüência, continuado a aplicar-lhe golpes na mesma regiãocorporal.

Ora, a parte do corpo visada pelo Réu foi, indiscutivelmente, a cabeça.As declarações de uma testemunha, em juízo, dão conta também desse alvo, aodizer que viu o agressor abaixar-se e socar ou "sujigar" a cabeça da vítima,apontando, por conseguinte, outro elemento denunciador da existência – não deum dolo eventual, mas sim de um dolo direto.

Tudo isso somado à prova técnica – laudo de exame cadavérico (fl. 364v.) que concluiu pelo traumatismo cranioencefálico como causa mortis –, tem-se presente a cena do crime absolutamente montada e direcionada à prática dehomicídio, imputado não a título de dolo eventual, mas por um dolo direto, a seconsiderar a parte do corpo da vítima eleita pelo Réu.

5Fiandaca eMusco, op. cit., p. 324.Segue tradução do trecho citado: “o juiz acha-se de fato constrito a explorar complexos processospsicológicos que se manifestam no mundo interior do agente, sem que freqüentemente seja visível otraço na realidade exterior. Na prática, é por isso inevitável o recurso às regras gerais de experiência:o dolo eventual será de regra excluído no caso de riscos leves e ordinários e, ao contrário, seráadmitido na presença de riscos graves e típicos”.

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A esse fato inicia, extraído da fase inquisitorial, aderem-se outrascircunstâncias de caráter pessoal – por exemplo, a de que o Réu, durante cincoanos, praticou judô e é portador de personalidade agressiva e violenta, comonoticiam os autos.

E a propósito de sua personalidade violenta, consta, também, do conjuntoprobatório, a informação de que teria ele, certa feita, agredido fisicamente suacompanheira (fls. 233-234).

Ora, a mais ignorante das pessoas sabe que a cabeça é ponto vulnerávele letal do corpo humano. Agredir alguém com brutalidade nessa região é, nomínimo, assumir o risco de produzir o resultado morte. E agredir alguém nacabeça, mormente quando o agressor aprendeu defesa pessoal e técnicas deluta, não é mais assumir o resultado morte. É muito mais do que isso. É quererproduzir o resultado morte.

Esses os fatos noticiados nos autos que, encaminhados ao Órgão doMinistério Público, subsidiaram a denúncia.

A controvérsia, segundo a preclara Juíza, sobre o elemento volitivo instalou-se a partir do momento em que os Réus, obviamente orientados por seuspatronos, fornecem versões defensivas, com a eliminação do animus necandi.

Nota-se, sem muito esforço, que, a partir do recebimento da denúncia atéa fase da pronúncia, a controvérsia dos autos ficou adstrita ao elemento subjetivodos agentes, sendo certo que a MM. Juíza, em profunda análise probatória,dirimiu-a, em flagrante substituição ao juízo natural – o Júri.

A aludida discussão exsurge exatamente quando do cotejo dos elementosde prova carreados aos autos.

Os depoimentos das testemunhas dos fatos não são uníssonos, podendo,eventualmente, incutir, no ânimo do julgador, dúvidas quanto ao real elemento subjetivo.

Diante, então, da situação processual instalada, impôs-se essa análisedetalhada do elemento volitivo. Entretanto, é imperioso que se apontem, também,as contradições das provas orais autorizadoras da pronúncia dos Réus.

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DA PROVA TESTEMUNHAL

A vítima G. L., em suas declarações, perante a autoridade policial (fls. 38/41), sobre o cerne da questão, declarou:

“(...) Que o declarante e a vítima perderam a moça de vista naquele

rápido deslocamento da boate até o estacionamento e ao se

dirigirem para o veículo do declarante de marca Pálio, o declarantetomando posição para abrir a porta do lado do motorista e a vítimaJ. C. no outro sentido tomando posição para adentrar do lado dobanco do motorista, oportunidade em que o declarante foisubitamente abordado por uma pessoa forte, de cor branca, cabeloscurtos e escuros, altura aproximada de 1,70m, o qual proferiu asseguintes palavras : “ TÁ MECHENDO[sic] COM A MULHERDOS OUTROS ? ” tendo o declarante respondido : “ O QUE ÉISSO ? ”, após este fato o declarante foi agredido na sua facelateral direita na altura do ouvido, cuja região encontra-se bastantedolorida até a presente data, tendo caído ao chão e desmaiado poraproximadamente dois minutos e ao retomar os sentidosimediatamente percebeu que a vítima J. C. estava caído ao chãocomo se estivesse desmaiado estando na lateral do lado domotorista estando o seu corpo em diagonal (...)". (grifo nosso)

Já, em juízo (fls. 262/263), a vítima assim se manifestou:

“ (...) que o declarante não se recorda se chegou a abrir a porta do

seu veículo recordando-se, porém, que nesse momento aproximou-

se um rapaz que disse o seguinte : 'tá mexendo com a mulher dos

outros ?' e em seguida começou a bater no declarante; que o

declarante alega que apanhou muito; que o declarante cambaleou

e caiu ao solo; que nesse momento o declarante recebeu um chute

na região lombar que o deixou “atordoado quase um nock out”;

que o declarante alega que não chegou a desmaiar; que mesmo

atordoado o declarante pode ver que a vítima J. C. também estava

caída ao solo e duas pessoas a estavam chutando, sendo certo

que uma delas foi a mesma pessoa que agrediu o declarante (...)”.

(Grifo nosso)

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Não bastassem tais informações, uma testemunha presencial do fato – R.N. S. – também modificou parte de suas declarações entre a fase policial (fls.97/99) e a jurisdicionalizada (fls. 260/261).

Confira-se:

“Que o declarante viu quando um outro rapaz se dirigiu para o

condutor do veículo de cor verde, disse-lhe rapidamente algumas

palavras e aplicou-lhe um golpe na cara, não sabendo especificar

em que região, tendo aquele rapaz dado umas “cambaleadas” para

trás, não tendo o declarante certeza se o mesmo foi ao chão; Que

ato contínuo o declarante observou também quando aquele mesmo

rapaz agressor partiu contra o outro rapaz do carro verde que se

encontrava naquelas imediações, na lateral do veículo que dá

acesso ao passageiro e o agrediu, desferindo-lhe um murro certeiro

que pegou no pescoço, embaixo de uma das orelhas, vindo aquele

rapaz a cair imediatamente ao solo; QUE O DECLARANTE PELA

SUA EXPERIÊNCIA, ACREDITA QUE O RAPAZ AGRESSOR

SABIA ONDE ESTAVA BATENDO, VISTO QUE O GOLPE FOI

CERTEIRO...” (fl. 98. Grifos nossos).

E, em Juízo, declarou:

“que um dos rapazes deu um soco em uma das vítimas a qual

cambaleou, não tendo o depoente condições de precisar se ela

caiu, pois as portas que estavam abertas impediram-lhe a visão;

que em seguida a outra vítima caminhou de encontro ao agressor “

como se quisesse se defender”, momento em que o agressor desferiu

um soco nesta outra vítima que caiu ao solo; que o depoente

observou que o agressor abaixou-se e deu para ver que ele ainda

agrediu a vítima caída cerca de duas ou três vezes, não sabendo se

com soco ou “sujigando” a cabeça da vítima contra o solo...;” (Fl.

260-Grifos nosos).

De qualquer modo, as declarações não divergem substancialmente. Ofato testemunhado permanece praticamente inalterado. Por isso, é relevante

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considerar o depoimento da testemunha como importante dado informativoquanto ao elemento subjetivo.

Eventual dúvida só poderia ser dirimida pelo Conselho de Sentença.

DA PROVA TÉCNICA

Outro ponto controvertido formou-se com relação à prova técnicarealizada.

É bem verdade que a i. magistrada a quo não tomou conhecimento doParecer Técnico (fls. 491/500) juntado pela Assistência de Acusação apenasquando do oferecimento das razões recursais.

Todavia, deve ser ele apreciado por esta Procuradoria, não podendo, emabsoluto, ser desconsiderado, mormente quando seu subscritor – ProfessorDoutor NILSON SANT'ANA FILHO, médico legista do Instituto Medico-Legal ( IML) do Rio de Janeiro – é, também, Professor Livre-Docente deMedicina Legal da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio deJaneiro.

Do cotejo entre os pareceres técnicos apresentados pela defesa do réuM. G. (fls. 228/232) e pela Assistência de Acusação (fls. 491/500), a conclusãoinarredável é a de que não há a menor certeza se houve uma infeliz briga(indicadora da forma culposa) ou um covarde e cruel espancamento (indicadordo dolo direto ou eventual).

O Ilustre parecerista da defesa, Professor Doutor. HELCIO MIZIARA,deixou assente em sua conclusão que:

“(...) Quanto ao suposto espancamento não há a mínima

possibilidade de sequer ser cogitado, diante do acima exposto e

baseado no laudo pericial e nas fotos (...)”.

Contudo, o subscritor do laudo ofertado pela Assistência de Acusação apontaelementos indicativos de que haveria possibilidade de espancamento, em verbis:

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“(...) Embora o leigo tenda sempre a associar fraturas com

espancamento, em medicina legal, não existe nenhuma relação

entre um e outro. É perfeitamente possível que uma vítima de

espancamento não sofra nenhuma fratura, do mesmo jeito que

uma pessoa pode sofrer fraturas sem que tenha sido vítima de

espancamento(...)”.

Aqui, também, a controvérsia deve ser afastada pelos juízes naturais dacausa – os senhores jurados –, sob pena de usurpação do institutoconstitucionalmente estabelecido.

DA NECESSIDADE DA PRONÚNCIA

Já é entendimento consolidado, tanto em doutrina quanto na jurisprudência,que a sentença de pronúncia é proferida em juízo de fundada suspeita.

Havendo dúvidas quanto ao elemento subjetivo dos agentes, evidenciadaspelos depoimentos testemunhais e pela prova técnica, surge o vetusto brocardoin dubio pro societate.

Segundo TOURINHO FILHO6:

“Mesmo que o juiz fique na dúvida quanto à pronúncia, a

jurisprudência entende deva ele proferi-la, porquanto não exige

ela juízo de certeza. A pronúncia encerra, isto sim, juízo de

fundada suspeita. Daí porque, na dúvida, deve o juiz

pronunciar”.

A desclassificação operada pela ilustre Magistrada só se apresentariapossível se a discrepância entre os fatos e a capitulação em relação ao agenteemergisse de plano, prima facie.

6 Código de Processo Penal Comentado, São Paulo : Saraiva, v. 2, p. 25

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Havendo qualquer controvérsia (e essa foi a palavra utilizada pela nobrejuíza, em sua decisão) nos autos, devem os réus ser pronunciados e os fatossubmetidos à apreciação do Tribunal do Júri.

Ainda sobre o tema, sublinha-se decisão do Superior Tribunal de Justiça(STJ), em habeas corpus, que teve como relator o Ministro LUIZ VICENTECERNICCHIARO:

"RHC - PROCESSUAL PENAL DECISÃO JUDICIAL –

FUNDAMENTAÇÃO – SENTENÇA – PRONÚNCIA – Todadecisão judicial deve ser fundamentada (Const., art. 93, IX), exigência

do Estado de Direito Democrático. Fundamentar é explicitar as razões

fáticas e normativas pertinentes ao caso sub judice. Cumpre, porém,distinguir 'sentença de mérito' e 'sentença de pronúncia'. A primeira

aprecia o meritum causae: condenatória quando, reconhecendo o

crime, impuser a sanção; declaratória se, repelindo a imputação,absolver o réu. A sentença de mérito julga a causa. A sentença de

pronúncia limita-se a evidenciar indícios de existência do delito e

indícios de autoria. Logicamente, a fundamentação de ambos édiferente. Na primeira, exaustiva. Na segunda, porque própria do

juízo de delibação, o juiz não pode apreciar o mérito. Este é de

análise exclusiva do Tribunal do Júri. Indício, na passagem,empregado no rigor técnico, qual seja, fato demonstrado do qual

decorre, ou possa decorrer a demonstração do outro”7 .

O texto legal (art. 408, caput do Código de Processo Penal) éabsolutamente claro ao estabelecer que o juiz, diante de seu convencimento daexistência do crime (vale dizer, existência da materialidade – esta provada pelolaudo técnico pertinente) e indícios suficientes de que o réu seja o seu autor,pronunciá-lo-á.

No caso sub examen, a prova da materialidade é inequívoca, não podendo,neste momento processual, ficar inerte esta Procuradoria diante do teor do laudode exame cadavérico.

7 Recurso de Habeas Corpus nº 3818-7, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.

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Mensura-se, indiscutivelmente, o elemento subjetivo do autor não só porsuas declarações e as das testemunhas, mas também – e sobretudo – pela provatécnica existente.

Assim, causa espécie a este Órgão Ministerial que a eminente Magistradatenha realizado análise tão superficial, procurando minimizar as lesões sofridaspela vítima, não só por ocasião da sentença ora combatida (fls. 413/431), comotambém no despacho que a manteve (fls. 534/537).

Declarou S. Exa. (fls. 421-422) que:

"A descrição das lesões levadas a efeito pelos peritos oficiais

que elaboraram o laudo oficial é, a meu ver, a pedra angular da

versão defensiva, porquanto através dela pode-se afirmar

inequivocamente que não ocorreu o 'espancamento' a que alude

a acusação. Não houve fratura de calota e/ou base craniana, não

houve alteração da coluna, nem do coração. Não houve lesões

traumáticas intratorácicas, nem intrabdominais.

Basta conjugar a descrição dos peritos com as fotografias da

vítima J. C., as quais encontram-se acostadas às fls. 266/270,

principalmente aquela acostada à fl. 267 e reproduzida à fl. 345,

para se concluir que as lesões por ele experimentadas são

absolutamente compatíveis com os três socos que Marcelo

afirmou ter desferido.

Lamentavelmente, os socos desferidos provocaram hematoma

subgaleal que, por sua vez, causou a hemorragia subaracnóidea

nas regiões parietais do cérebro e no cerebelo e tronco cerebral, a

qual foi suficiente para causar a morte de J. C. Apesar de entender

que o resultado letal estava em suas esferas de conhecimento,

não posso admitir que eles tenham assumido o risco de provocar

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o resultado morte, diante de todo o contexto fático com que sehouveram”. (Grifos, nossos).

E, no despacho mantenedor (fls. 536-537), afirma:

Deixo de apreciar as demais argumentações, porque entendo que

o laudo oficial elaborado pelos dois peritos oficiais, os quais,repita-se por necessário, efetivamente viram e examinaram o corpo

de J. C., é claro, preciso e não carece de quaisquer interpretações

paralelas. Basta examinar o laudo cadavérico e as fotografias queo acompanham para concluir que não houve fratura intracraniana,

nem lesões intratoráxicas, nem intraabdominais. Não houve

alteração macroscópica da coluna cervical ou do coração. Aslesões efetivamente experimentadas pela vítima fatal concentraram-

se, basicamente, no seu rosto. Além delas, os peritos oficiais

descrevem e as fotografias exibem apenas a existência deescoriações na face posterior dos dois punhos e na face anterior

do joelho esquerdo. Nenhuma lesão, interna ou externa, foi

constatada na região do pescoço.

Os socos desferidos por um dos réus contra a vítima fatal J. C.

foram suficientes para, por si só, lamentavelmente, causar a mortedesta. As lesões descritas no cadáver não se coadunam com 'bater

a cabeça contra o solo'. É de se ver que o cotejo do laudo

cadavérico, das fotografias e do depoimento prestado peloTenente do Corpo de Bombeiros, Ten DANIN, que primeiramente

examinou a vítima e constatou os sinais vitais e 'não verificou

nenhum afundamento, nenhuma lesão palpável', aponta na direçãosegura de que a hipótese de espancamento e, repita-se, de

lançamento da cabeça da vítima fatal contra o solo, deve ser de

pronto afastada. Nenhuma prova foi produzida nos autos nosentido de que o agressor fosse pugilista ou praticante de arte

marcial para conhecer, previamente, a potência do seu soco, de

forma que não há falar em dolo direto ou eventual”.

Tais considerações não autorizam a desclassificação do crime e oconseqüente declínio da competência.

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DA MATERIALIDADE INQUESTIONÁVEL DO CRIME DEHOMICÍDIO

Dúvidas não há quanto à materialidade do crime imputado, sobejamentedemonstrada pelo Laudo de Exame Cadavérico (fls. 55/59, 296, 344/347 e363/368) e fotografias do corpo da vítima J. C. (fls. 266/270).

Cumpre, porém, tecer algumas considerações a propósito do tema.

Diante da avaliação judicial equivocada e despida de embasamento técnico,esta Procuradoria, com o fito de aclarar a prova técnica, oficiou (doc. j. nº 1) àPromotoria de Justiça de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (PRÓ-VIDA), solicitando a formação de uma junta médica-legal, para análise do laudooficial e, particularmente, para responder à quesitação formulada por este ÓrgãoMinisterial de Segunda Instância.

Registre-se, por oportuno, que os Doutores MARIA LEONOR DESOUZA KUHN e RODRIGO N. DE AVELLAR FONSECA – signatários doparecer técnico (doc. j. nº 2) – são médicos legistas do Instituto de MedicinaLegal do Distrito Federal e, atualmente, encontram-se lotados no MinistérioPúblico do Distrito Federal e Territórios, requisitados que foram para prestarassessoria técnica aos Membros do Parquet. São, portanto, peritos oficiais ecolegas dos médicos legistas signatários do laudo oficial.

A ínclita Juíza — Dra. LEILA CURY — em sua decisão, a fl. 422, faz aseguinte afirmação:

“Lamentavelmente, os socos desferidos provocaram hematomasubgaleal que, por sua vez, causou a hemorragia subaracnoidéianas regiões parietais do cérebro e no cerebelo e no tronco cerebral,a qual foi suficiente para causar a morte de J. C.”.

Com essa afirmação, estabeleceu S. Exa. uma cadeia causal determinanteda morte da vítima J. C. C. L.

À pergunta formulada, se seria possível um hematoma subgaleal causarum quadro de hemorragia subaracnoidéia como descreveu S. Exa., responderamos Senhores Médicos Legistas negativamente, esclarecendo que, tratando-se o

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hematoma subgaleal8 de lesão corporal leve e circunscrita, “não pode fazer partede uma cadeia causal que conduza um indivíduo à morte, ou seja, o hematomasubgaleal não é causa de hemorragia subaracnoidéia ou qualquer outra lesãocraniana ou encefálica”.

O segundo quesito formulado, na consulta médico-legal, diz respeito àslesões que teriam produzido a morte da vítima. A resposta dos expertos foiconclusiva, após brilhante explanação, acerca de hemorragia subaracnoidéia,hemorragia intraventricular e edema cerebral.

Eis o teor destacado:

“1. Hemorragia subaracnoidéia e hemorragia intraventricular,

causadas por golpe que produziu um movimento rotacional do

encéfalo, rompendo as pontes venosas dentro do espaço

subaracnóide. A prova disto é que o sangramento era mais

acentuado a nível das regiões parietais, cerebelo e tronco cerebral.2. Edema cerebral severo, causando inclusive herniação dasamígdalas cerebelares, produzido por uma lesão importante dacabeça.3. A morte foi rápida, quase imediata, decorrente da associaçãoentre o volume do sangue na fossa posterior e o edema cerebralneste mesmo local, comprimindo as estruturas vitais do troncocerebral”. (Nossos, os grifos)

E, por fim, em resposta à pergunta de como poderiam ter sido produzidastais lesões, colocam os Senhores Peritos uma pá de cal na discussão médico-legal, ao afirmarem que:

“J. C. saiu da boate consciente, lúcido, deambulando pelospróprios meios. As lesões encontradas não são decorrentes dehemorragia subaracnóide espontânea, pois neste casoencontraríamos rotura de um grande vaso aneurismático, o quefoi definitivamente afastado pelo exame necroscópico.

8 O hematoma subgaleal é vulgarmente conhecido como “galo”.

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J. C. não caiu da própria altura diretamente ao solo. A prova disto

também está no laudo cadavérico. Ele apresentava escoriações

no dorso dos punhos e na face anterior do joelho esquerdo. Estas

lesões demonstram que ele caiu de joelhos e se amparou nos

punhos.

Excluídas as hipóteses anteriores, só resta ter sofrido um golpe

(um ou mais golpes) após estar no solo, golpe este de grande

intensidade, de intensidade suficiente para provocar um

movimento rotatório do encéfalo que produziu a severa hemorragia

subaracnóide e o importante edema cerebral que o conduziram à

morte quase que imediatamente”. (Nossos, os grifos).

Os Senhores Legistas, ao afirmarem que J. C. não caiu da própria alturae que a ferida contusa encontrada na região frontal – hematoma subgaleal – nãoconduziria à cadeia causal estabelecida pela ínclita Magistrada, corroboramraciocínio desenvolvido pelo ilustre Professor Doutor NILSON SANT’ANNAFILHO, no parecer médico-legal acostado aos autos pela Assistência deAcusação (fls. 491 usque 500).

Eis a análise pertinente à discussão:

“A ferida contusa encontrada na região frontal9 não seria suficiente

para causar tamanhas lesões nas regiões mais profundas.

As lesões encontradas no exame interno, mostram claramente que

foram produzidas, sim, por um impacto provocado pelo choque.

A intensidade do traumatismo exclui totalmente a possibilidade

de que o choque da cabeça com superfície plana tenha decorrido

de queda do corpo ao solo, estando a vítima de pé, no mesmo

plano da superfície.

9Nota deste Órgão Ministerial: a ferida contusa a que se refere o Professor Nilson Sant’Anna Filho éo hematoma subgaleal mencionado no laudo de exame cadavérico e amplamente descrito pelosSenhores Peritos Médicos Legistas no trabalho que instrui o presente parecer.

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A severidade do traumatismo indica que a ação traumática sobre

a cabeça da vítima ocorreu com ela em posição de repouso sobre

o solo” (fl. 495).

A reforçar a tese da violência das agressões, apresenta-se um dadointeressante que levou esta Procuradoria a questionar a existência de outra lesãomostrada nas fotos que instruem o laudo de exame cadavérico, com a solicitaçãode parecer técnico ao perito em criminalística Doutor ANTONIO JORGELUNARDI10 (doc. j. nº 5).

A referida lesão foi mencionada por duas testemunhas: J. K J e R. A. G.R., de cujos depoimentos são extraídos os seguintes trechos, respectivamente:

“...que o depoente pode observar que a vítima J. C. exibia um corte

sobre o supercílio direito contendo mancha de sangue; que seu

nariz estava inchado e também estava com sangue; que os lábios

estavam roxos e também continham sangue; que o pescoço da

vítima estava inchado...” (fl. 253 Grifo nossos).

“... que o depoente chegou ao local dos fatos, nas proximidades do

BRB, e verificou que a vítima fatal J. C. estava deitada no banco

traseiro do veículo pertencente a V., sendo certo que ele ostentava

um corte acima do supercílio, salvo engano direito, sobre o qual

havia um pouco de sangue; que o corte era grande; que a vítima

estava com o nariz e os lábios inchados; que o pescoço dela também

estava bastante inchado...” (fl. 255. Grifo nosso).

Diante desses elementos, solicitou esta Procuradoria (doc. j. nº 3) que lhefosse informado se, na segunda fotografia acostada à fl. 267, o aumento devolume na lateral esquerda do pescoço do cadáver seria simples efeito fotográfico,na região de sombreamento.

10O Dr. Antonio Jorge Lunardi é perito oficial do Instituto de Criminalística do Distrito Federal e estáatualmente, por força de requisição, lotado no MPDFT, onde chefia a Divisão de Perícias e DiligênciasComplementares.

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A resposta foi negativa, como a seguir se transcreve:

“V – CONCLUSÃO

Em face do exposto e após análise comparativa de todas as

fotografias, concluímos que o “aumento de volume” da lateral

esquerda do pescoço do cadáver de J. C. C. L. não é proveniente

de “efeito fotográfico” (região de sombreamento).

A análise das fotografias que seguem em anexo indicam uma

pequena área de sombra, a qual está indicada por setas próprias”.

De tudo quanto foi analisado, sobressai, de forma cristalina, que o jovemJ. C., após ter sido golpeado, caiu de joelhos e amparou-se nos próprios punhose, nessa posição, continuou a ser violentamente agredido pelo Réu M.

Essa é a verdade sobre o ocorrido traduzida pelo depoimento testemunhal(supra-analisado) e sobretudo pela prova técnica.

DA PARTICIPAÇÃO DO RÉU JOSÉ QUIRINO ALVES JÚNIOR

Com referência à participação do Réu J. Q. nos crimes, deverá o Conselhode Sentença manifestar-se. A análise pertinente ao tema concurso de agentes,especialmente a unidade de desígnios, é questão a ser discutida no plenário dojúri, razão pela qual deixa esta Procuradoria de efetuá-la.

CONCLUSÃO

Por derradeiro, sublinha-se a imperiosa necessidade de a sociedade deBrasília – representada pelo Júri – manifestar-se sobre os crimes praticadospelos Réus, mormente neste momento em que a Capital do País vê-se assoladapela prática de violência entre os jovens. Muitas vezes é a certeza da impunidadee a constante proteção de pais e/ou responsáveis que impulsionam adolescentesà prática de condutas altamente violentas. Um basta deve ser dado. Há quehaver intimidação para que outros jovens não tenham comportamentossemelhantes. É necessária a certeza de que a justiça será perseguida e finalmente

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realizada.

Assim sendo, diante de todo o exposto, conclui esta Procuradoria pelaexistência de autoria e materialidade de um crime de homicídio doloso praticadocontra J. C. C. L., a ser apreciado pelo juiz natural da causa – o Júri – oficiando,conseqüentemente, pelo conhecimento e provimento do Recurso em SentidoEstrito, culminando com a PRONÚNCIA dos Réus.

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