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154 AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – CONTRATOS ADMINISTRATIVOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE PUBLICIDADE Ivaldo Gonçalves Lemos Júnior Promotor de Justiça do MPDFT Juliana Ferraz da Rocha Santilli Promotora de Justiça Adjunta do MPDFT Libânio Alves Rodrigues Promotor de Justiça do MPDFT Vetuval Martins Vasconcelos Promotor de Justiça do MPDFT Capital da República, 17 de maio de 2002. Ipsen autem rex non debet esse sub homine sed sub deo et sub lege quia lex facit regem (Henri Acton) (tradução: não é o rei que faz a lei, mas a lei que faz o rei) EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(ÍZA) DE DIREITO DA ... V ARA DE F AZENDA PÚBLICA DO DISTRIT O FEDERAL O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, por seus membros abaixo assinados, em cumprimento de seu dever de defesa da Sociedade, da ordem jurídica e do patrimônio público, com base na Constituição da República, Lei Complementar n o 75/93, Lei Federal n o 8.429/92 e demais dispositivos legais, ajuiza perante Vossa Excelência a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em face: Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DEIMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – CONTRATOS

ADMINISTRATIVOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DEPUBLICIDADE

Ivaldo Gonçalves Lemos JúniorPromotor de Justiça do MPDFTJuliana Ferraz da Rocha SantilliPromotora de Justiça Adjunta do MPDFTLibânio Alves RodriguesPromotor de Justiça do MPDFTVetuval Martins VasconcelosPromotor de Justiça do MPDFT

Capital da República, 17 de maio de 2002.

Ipsen autem rex non debet esse sub homine sed sub deo et sub lege quia lexfacit regem (Henri Acton) (tradução: não é o rei que faz a lei, mas a lei que fazo rei)

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(ÍZA) DE DIREITO DA ...VARA DE FAZENDA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL ETERRITÓRIOS, por seus membros abaixo assinados, em cumprimento de seudever de defesa da Sociedade, da ordem jurídica e do patrimônio público, combase na Constituição da República, Lei Complementar no 75/93, Lei Federal no

8.429/92 e demais dispositivos legais, ajuiza perante Vossa Excelência a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DEIMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

em face:

Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 4, V. 8, p. 154 – 191, jan./jun. 2002.

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1 – do Excelentíssimo Senhor J.D.R., brasileiro, casado, domiciliado no DistritoFederal, Governador do Distrito Federal, a ser localizado no Palácio do Buriti,Brasília, DF;

2 – do Excelentíssimo Senhor W.L.M., brasileiro, estado civil ignorado,domiciliado no Distrito Federal, Secretário de Comunicação Social, a serlocalizado na Secretaria de Comunicação Social, Brasília, DF;

3 – do Excelentíssimo Senhor P.C.Á.S, brasileiro, casado, domiciliado no DistritoFederal, ex-Consultor Jurídico do Governo do Distrito Federal e atual Conselheirodo Tribunal de Contas do Distrito Federal, a ser localizado neste Tribunal;

4 – da pessoa jurídica de direito privado G. S/A, CGC no 146.516.712/0001-69, com sede na Praia do Botafogo, 228, 13o andar, Botafogo, Rio de Janeiro;e

5 – da unidade federativa do DISTRITO FEDERAL, como litisconsorte passivonecessário, na pessoa de seu Procurador Geral, com sede na Procuradoria-Geral do Distrito Federal.

1 PRELIMINAR: UM MODELO DE DEMOCRACIA “ABSURDOOU INCONCLUDENTE”

Por decisão do poder constituinte originário de 1988 e do plebiscitorealizado pelo eleitorado nacional, em 1993, foi adotada a República como aforma de governo do País, mantendo-se a tradição histórica que remonta à suaproclamação, em 1889, e todas as Constituições seguintes.

A essência do princípio Republicano consiste na representatividade eresponsabilidade dos detentores do poder, e temporariedade dos mandatos.

Inicialmente, tais características tinham por escopo opor-se ao absolutismodas Monarquias antigas (The King can do no wrong; Le Roi ne peut mal faire); e,mais modernamente, de quaisquer regimes não plasmados por valores democráticos.

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Nada mais natural em uma República Democrática, como é o caso doEstado Brasileiro, que haja revezamento dos órgãos superiores dasAdministrações Públicas e das Casas Legislativas, bem como responsabilidadedas autoridades e agentes respectivos.

Existe a possibilidade de se ter alterações ideológicas, algumas delasprofundas, entre uma e outra Administração. Mas não é menos verdade que, emsua fluência normal, um novo Governo não inicia sua investidura como se nadaherdasse dos Governos anteriores, vale dizer, atos administrativos em vigor,projetos em andamento, obras não concluídas, contratos de prestação de serviçosetc., incluindo-se aí direitos adquiridos de particulares.

É pública e notória a prática de se dar solução de continuidade entre umae outra troca da cúpula da Administração Pública em seguida ao término daseleições e posse dos novos governantes.

Esse costume decorre do fato de o novo Governo evitar repartir méritosde realizações com seus antecessores, à guisa de desfrutá-los com exclusividade,e não como resultado de uma parceria involuntária, no mais das vezes, comquem tem adversidade política.

Portanto, nos albores de uma nova Administração, não é raro que obrase serviços em pleno andamento sejam interrompidos ou extintos, sem que haja odevido critério de dar-se seqüência ao que for proveitoso para a coletividade.Mesmo quando isso acontece, o que se vê com freqüência é a troca do nome doprojeto, ou a modificação de um ou de outro detalhe, para se dar uma aparênciade novidade.

Nesse sentido, a relevância de divergências ideológicas não condiz comas mudanças que caracterizam uma verdadeira República Democrática, mas asua corrupção, na medida em que se restringe a um contexto partidário-eleitoralque interessa a uns poucos políticos profissionais e a ninguém mais.

Para se usar de uma metáfora, os jogadores mudam, mas o jogo continua,como continuam as regras do jogo. O sistema admite mudanças e até reclama

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por elas, desde que haja uma continuidade mínima na manutenção dos negóciospúblicos – entendida a palavra “negócios” em seu sentido mais amplo –, nãojustificada por rupturas institucionais, e sim pessoais.

NORBERTO BOBBIO explica melhor:

“Mais precisamente: um jogo consiste exatamente no conjuntode regras que estabelecem quem são os jogadores e como devemjogar, com a conseqüência de que, uma vez dado um sistema deregras do jogo, serão dados também os jogadores e osmovimentos que podem ser feitos. Qualquer pessoa pode preferirum jogo no qual os dois adversários troquem não apenas socosmas também pontapés, desde que perceba que está simplesmentepropondo um jogo diverso, contrapondo luta livre ao pugilato(A ninguém seria lícito, caso não queira ser tido por louco, inventare defender um jogo no qual um dos jogadores tenha o direito dedar apenas socos e o outro também pontapés; entretanto, nodebate político isso ocorre com freqüência)”.

Considerando, assim, que “regras do jogo, atores emovimentos fazem um todo único”, e que “não se pode separar uma dos outros”,o mestre italiano conclui:

“Neste sentido, regras do jogo, atores e movimentos sãosolidários entre si, pois atores e movimentos devem sua existênciaà regra. Em conseqüência, não se pode aceitar as regras, recusaros atores e propor outros movimentos. Ou melhor, pode-se, masdesde que se esteja consciente de que se está saltando pelajanela, e não saindo pela porta. O que é absurdo (ou melhor,inconcludente) é imaginar um modo diverso de fazer política comatores e movimentos diversos sem levar em conta que, para fazê-lo, é preciso mudar as regras que previram e criaram aquelesatores e organizaram aqueles movimentos, inclusive nos mínimosdetalhes” (grifos nossos; O Futuro da Democracia – Uma defesadas regras do jogo”, Paz e Terra, 6a ed., p. 68/69).

Na consagrada teoria de RENATO ALESSI, os interesses públicosdividem-se em primários, que são os da coletividade como um todo, e os doaparelho estatal apenas, chamados secundários.

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Quando os detentores do poder agem em função deles próprios, está-sediante de uma categoria de interesses “terciários”, por assim dizer, que nãoatendem à sociedade nem ao Estado e, portanto, não podem ser consideradosinteresses públicos, e sim interesses privados disfarçados.

Cai como uma luva a seguinte lição do mestre MIGUEL REALE, em suaTEORIA DO DIREITO E DO ESTADO:

“A compressão da natureza do poder torna-se mais clara quandolembramos que o bem comum não coincide com a idéia particularque cada homem faz de seu próprio bem. Como nos diz JeanDabin, a soberania é uma exigência do bem comum que nãopoderia se realizar pela simples benevolência dos indivíduos edos grupos – e não pode dispensar uma “conjugação obrigatóriados esforços de todos, sem distinção de classe, de sexo, dereligião, de partido etc.”, de maneira que “o empreendimento dacoisa pública reveste a forma de uma sociedade ao mesmo tempouniversal e necessária””(grifos originais, Saraiva, 5a ed., pág. 109).

O jurista CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO enriquece esseraciocínio:

“O interesse público, fixado por via legal, não está à disposiçãoda vontade do administrador, sujeito à vontade deste; pelocontrário, apresenta-se para ele sob a forma de um comando. Porisso mesmo a prossecução das finalidades assinaladas, longe deser um “problema pessoal” da Administração, impõe-se comoobrigação indiscutível” (in CURSO DE DIREITOADMINISTRATIVO, Malheiros, 12a ed., 2000, p. 41);

Para finalizar as citações doutrinárias desta preliminar, a palavra é doprofessor JOSÉ AFONSO DA SILVA:

“... os atos e provimentos administrativos são imputáveis não aofuncionário que os pratica mas ao órgão ou entidadeadministrativa em nome do qual age o funcionário. Este é ummero agente da Administração Pública, de sorte que não é ele oautor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente

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manifesta a vontade estatal. Por conseguinte, o administradonão se confronta com o funcionário X ou Y que expediu o ato,mas com a entidade cuja vontade foi manifestada por ele” (inCURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO, Malheiros,18a ed., p. 651).

Dessa obtusa e medíocre cultura política, advém graves conseqüênciashistóricas, sociais e econômicas, mas, antes de mais nada, jurídicas, porquantoprincípios nucleares do Direito Público, quais sejam, legalidade – incluindo ossubprincípios finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, motivação econtinuidade administrativa –, impessoalidade, moralidade e eficiência, ficamseriamente comprometidos.

Em casos tais, extravasa-se, e muito, o mérito discricionário dasconveniências e oportunidades do Governo Representativo, vale dizer, da FunçãoExecutiva do Estado, e se adentra na seara do ilícito jurídico, pelo que o MinistérioPúblico é chamado a intervir, invocando a tutela do Estado-Juiz, em defesa doordenamento, em especial do patrimônio público, que é interesse público difusode extrema relevância.

É disso o que cuida a presente ação, como se terá oportunidade dedemonstrar.

2 RESCISÃO UNILATERAL DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

É dado à Administração Pública alterar ou rescindir os contratosadministrativos unilateralmente.

Essa é uma das cláusulas exorbitantes do direito comum, típica do RegimeJurídico Administrativo, cujo fundamento é a supremacia do interesse públicosobre o particular.

Há previsão explícita sobre o assunto no Direito Positivo brasileiro: LeiFederal no 8.666/93, artigos 65, I; 58, II; 78 e 79, I.

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Ocorre que a rescisão unilateral não pode ser feita sem motivo nemmotivação, porque arbitrária e, assim, incompatível com Estado Democráticode Direito.

É imperioso que ocorra uma das hipóteses previstas na Lei (art. 78), a serverificada no bojo de um procedimento administrativo especificamente instauradopara tal fim.

Porém, em diversas ocasiões, o Poder Público maneja a prerrogativaexorbitante do direito comum justamente no intuito de não dar seqüência acontratos celebrados em Administrações passadas, dentro do contexto comentadono item anterior desta petição inicial.

A presente ação civil pública por improbidade administrativa trataexatamente dessa questão, pois, no caso concreto, não foram observadas asformalidades e, no mérito, não ocorreu nenhum dos motivos previstos no art.78, muito menos o alegado – razões de interesse público –, que pudesse justificara rescisão unilateral de contratos administrativos.

Tal ato não apenas significou falta grave aos princípios jurídicos que norteiama Administração Pública, como também provocou prejuízo aos cofres públicos.

É o que se vai explicar em detalhes, na análise do

3 CASO CONCRETO

Tudo começou em 1o de janeiro de 1999, quando o Excelentíssimo SenhorJ.D.R. tomou posse no cargo de Governador do Distrito Federal.

Na época, havia 50 (cinqüenta) contratos administrativos em vigor, cujoobjeto era a prestação de serviço de publicidade, celebrados pela Administraçãoanterior (vários órgãos do GDF) com quatro agências especializadas no assunto:ALÔ COMUNICAÇÃO S/C LTDA., ATUAL PROPAGANDA LTDA.,PROPEG BRASIL PROPAGANDA LTDA. e MAKPLAN MARKETING EPLANEJAMENTO LTDA.

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O contratos tinham vigência até 30 de junho de 1999.

Poucos dias após sua posse, mais exatamente em 14 de janeiro de 1999,o Exmo Sr. Governador J.D.R. expediu o Decreto no 20.005, publicado no diaseguinte no Diário Oficial do Distrito Federal (fl. 86/87 ou 599 ou 958/959),que rescindiu unilateralmente todos os 50 (cinqüenta) contratos (cf. listacompleta à fl. 1113, e mais os contratos nos 482/98 e 209/98).

O inteiro teor do Decreto é o seguinte:

DECRETO No 20.005, DE 14 DE JANEIRO DE 1999

Dispõe sobre a rescisão administrativa dos contratos de prestação de serviços eobras que menciona e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, no uso das atribuições quelhe confere o artigo 100, inciso VII, da Lei Orgânica do Distrito Federal e,

Considerando o disposto no artigo 78, inciso XII, da Lei no 8.666/93, que autorizaa rescisão administrativa por “razões de interesse público de alta relevância eamplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade daesfera administrativa”;

Considerando, ademais, que diante da mudança dos rumos da Administração, apartir de 1o de janeiro do corrente ano, faz-se necessário rever as prorrogaçõescontratuais levadas a efeito pelo governo anterior, e que podem gerar graveprejuízo ao Erário;

Considerando, ainda, que as prorrogações de alguns contratos, feitos ao talantedo governo findo, não atendem às exigências legais de comprovação da obtençãode preços e melhores condições para a Administração Pública;

Considerando, por fim, que a imperiosidade de se evitar danos ao patrimôniopúblico, sobretudo neste momento em que as contratações públicas devemadequar-se às exigências do interesse público e bem-estar da comunidade,

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DECRETA:

Art. 1o – Ficam rescindidos, com base no art. 78, inciso XII, da Lei no 8.666/93, os contratos de prestação de serviços e de obras a seguir enumerados:

I) Processo: 030.001.330/95 – Contratos nos 111 a 120/95 e 156/95 - firmadosentre DISTRITO FEDERAL/SECRETARIA COMUNICAÇÃO SOCIAL XALÔ COMUNICAÇÃO S/C LTDA., em 06 de julho de 1995;

II) Processo: 030.001.330/95 – Contratos nos 121 a 131/95 - firmados entreDISTRITO FEDERAL/SECRETARIA COMUNICAÇÃO SOCIAL XATUAL PROPAGANDA LTDA., em 06 de julho de 1995;

III) Processo: 030.001.330/95 – Contratos nos 132 a 145/95 e 159 a 160/95 -firmados entre DISTRITO FEDERAL/SECRETARIA COMUNICAÇÃOSOCIAL X P & N – PROPAGANDA E NEGÓCIOS S/C LTDA. em 06 dejulho de 1995;

IV) Processo: 030.001.330/95 – Contratos nos 146 a 155/95 - firmados entreDISTRITO FEDERAL/SECRETARIA COMUNICAÇÃO SOCIAL XMAKPLAN MARKETING E PLANEJAMENTO LTDA., em 06 de julho de1995;

V) Contrato no 482/98 - firmado entre a SUL AMÉRICA – AETNA SEGUROSE PREVIDÊNCIA S/A e a COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA –TERRACAP, em 30 de dezembro de 1998

VI) Contrato no 209/98 - firmado entre a ESMALE – REPRESENTAÇÃO DEPLANO DE SAÚDE E SERVIÇOS LTDA. e a COMPANHIA IMOBILIÁRIADE BRASÍLIA – TERRACAP, em 30 de dezembro de 1998.

Art. 2o – Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3o – Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 14 de janeiro de 1999.

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111o da República e 39o de Brasília.

J.D.R.

4 A ANÁLISE DO DECRETO No 20.005/99

Tal ato administrativo está contaminado por irregularidades graves einsanáveis.

Sem querer chocar com excesso de linguagem, pode-se dizer que oDecreto em questão chega às raias do escândalo.

Dispõem o artigo 78, parágrafo único, e inciso XII, e artigo 79 § 2o, I, IIe III, da Lei de Licitações, respectivamente:

“Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivadosnos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampladefesa”;

“Constituem motivo para rescisão do contrato: razões de interessepúblico, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas edeterminadas pela máxima autoridade a que está subordinado ocontratante e exaradas no processo administrativo a que se refereo contrato”;

“Quando a rescisão ocorrer com base nos incisos XII a XVII doartigo anterior, sem que haja culpa do contratado, será esteressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houversofrido, tendo ainda direito a: devolução de garantia, pagamentosdevidos pela execução do contrato até a data da rescisão;pagamento do custo de desmobilização”.

De todas as exigências legais, as únicas observadas foram o “amploconhecimento”, eis que o ato foi publicado no Diário Oficial, e a “determinaçãopela máxima autoridade a que está subordinado o contratante”, o Governadordo Distrito Federal.

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As demais prescrições legais foram desprezadas. Vejamos.

4.1 AUSÊNCIA DE PROCESSO, CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESAE OUTROS DIREITOS DO CONTRATADO

Não foi instaurado qualquer processo administrativo; tampouco foramassegurados contraditório e ampla defesa.

Ademais, na hipótese de rescisão unilateral, sem que haja culpa docontratado – o Decreto nada falou sobre culpa –, aplica-se o disposto no artigo79 § 2o, I, II e III, da Lei de Licitações, acima transcrito (ressarcimento e outrascompensações financeiras).

Daí por que a rescisão unilateral é possível; mas, dada sua gravidade, sópode ser feita em hipóteses plenamente recomendáveis, consoante a lição deMARÇAL JUSTEN FILHO, que foi desprezada pelo Decreto em estudo:

“A rescisão por inconveniência da contratação provoca, de modoinevitável, um prejuízo para a Administração Pública. As despesasjá efetivadas anteriormente e a indenização devida ao particularacarretarão uma perda para o patrimônio público. Logo, apenasse aplica a regra quando a continuidade da execução do contratoacarretar lesões ainda maiores. A perda da Administração deveconfigurar-se como um mal menor do que a continuação daexecução. A rescisão deverá ser precedida de todos oslevantamentos necessários e que comprovem, dentro dos limitesdo conhecimento dominado, a efetiva necessidade de extinçãodo contrato. (...) A decisão exige motivação e se sujeita a amplocontrole jurisdicional, inclusive na via da ação popular” (Dialética,8a ed., 2001, p. 591/2).

4.2 FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

Como não há referência a motivos constantes em qualquer outro ato ouprocedimento administrativo, a não ser os próprios consideranda do Decreto,são estes, pois, e somente estes, que nos permitem analisar a liceidade o ato (cf.item 7 desta petição inicial, infra).

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Por mais generosa que seja a interpretação do Decreto, em nenhumahipótese poder-se-ia afirmar que as alegadas “razões de interesse público” e“alta relevância” estejam suficientemente “justificadas”, tampouco que tenhamsido “exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato”.

Não basta se fazer menção a dizeres legais ou a fórmulas genéricas evagas como “se evitar danos ao patrimônio público” e “adequar-se àsexigências do interesse público e bem-estar da comunidade”.

Ao contrário, a motivação do ato exige algo de determinado, preciso,concreto.

É obrigatório que a autoridade fundamente com rigor e clareza em quemedida o interesse público reclama a rescisão do contrato administrativo – nocaso, de 50 contratos administrativos –, sob pena de invalidade.

O Decreto apenas sugeriu que a manutenção dos contratos “pode gerargrave prejuízo ao Erário”, e que “as prorrogações de alguns (sem dizer quais)contratos, feitos ao talante do governo findo, não atendem às exigênciaslegais de comprovação da obtenção de preços e melhores condições para aAdministração Pública”, mas não há qualquer demonstração objetiva a sustentartais afirmações.

É do escólio de MARÇAL JUSTEN FILHO, em seus “Comentários à leide licitações e contratos administrativos”, que encontra respaldo a unanimidadeda doutrina:

“A Lei expressamente reconheceu a insuficiência da simplesalegação do interesse público na rescisão do contrato.Primeiramente, condicionou a rescisão à existência de interessepúblico de alta relevância e amplo conhecimento. A adjetivaçãonão pode ser ignorada. A eventual dificuldade em definir, deantemão, o sentido de “alta relevância” não autoriza a ignorar aexigência legal. A Administração está obrigada a demonstrar quea manutenção do contrato acarretará lesões sérias a interessescuja relevância não é a usual. A “alta” relevância indica umaimportância superior aos casos ordinários. Isso envolve danos

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irreparáveis, tendo em vista a natureza da prestação ou do objetoexecutado. O risco da lesão ao interesse público afasta a invocaçãode “conveniência”. Há necessidade de extinguir-se o contratoporque sua manutenção será causa de conseqüências lesivas”(ob. cit., p. 592).

Para que as supostas razões de “interesse público” e “bem-estar dacomunidade” pudessem se restringir a um mérito de discricionariedade apenasadministrativa, infensa à apreciação judicial, o Decreto deveria ter demonstrado,com fundadas razões, a medida da razoabilidade do ato, e não se limitar a fórmulasabstratas e vazias.

O saudoso HELY LOPES MEIRELLES não nos deixa mentir:

“O Judiciário não poderá valorar o mérito da rescisão, mas deverásempre verificar a existência dos motivos e confrontá-los com anorma legal pertinente e com as cláusulas contratuais que osconsignam, para coibir o arbítrio e o abuso de poder nessasrescisões administrativas” (grifos originais, in LICITAÇÃO ECONTRATO ADMINISTRATIVO, Malheiros, 12a ed., 1999, p.236).

Mas a fundamentação deficiente – melhor seria dizer, falta de motivação –,submete-se ao controle jurisdicional.

Vale a pena transcrever parecer do então Procurador do Ministério Públicojunto ao Tribunal de Contas do DF, hoje Conselheiro, JORGE ULISSESJACOBY FERNANDES, que é especialista de renome do DireitoAdministrativo, especificamente sobre o Decreto em estudo (fl. 448):

“9. O decreto, ao menos na parte transcrita pela instrução, éextremamente ambíguo, na verdade silente, quanto às razões defundo que levaram ao desfazimento de relações jurídicas que sesupõe formalmente perfeitas. Um juízo hipotético como firmadodesserve como fundamento relevante, porque incapaz de imprimircerteza e convencimento à sociedade.10. O decreto em apreço é ilegal, o que, por si só, já macularia oprocedimento da recontratação”.

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Em verdade, a consideração “diante da mudança dos rumos daAdministração”, como consta do segundo “considerando” é verdadeiraconfissão de que não houve qualquer motivação técnica, mas tão somentepolítica, em virtude da mudança de Governo.

4.3 RESUMO

Em suma, a disciplina jurídica sobre rescisão unilateral de contratosadministrativos é a seguinte: a Administração Pública tem autoridade para fazê-lo, desde que instaure processo administrativo, em que assegure oportunidadede defesa ao contratado, fundamente o ato de maneira adequada e, não havendoculpa a ser imputada ao contratado, ressarça-o no que for de direito.

No caso concreto, o Decreto expedido pelo Exmo Sr. Governador doDistrito Federal contrariou todas essas prescrições, na forma e no mérito: nãoinstaurou processo, não ouviu os interessados, não justificou a rescisão, nãoapurou se havia ressarcimento cabível a algum ou alguns dos contratados, ou atodos eles, ou, se não havia, não fundamentou o porquê.

As conseqüências do malsinado Decreto foram funestas do ponto de vistajurídico, por sua incompatibilidade com os princípios da legalidade, moralidade,impessoalidade, eficiência e continuidade administrativa, o que, por si só, ésuficiente para caracterizar ato de improbidade.

Com efeito, não há necessidade de que haja dano efetivo, ou seja,econômico. Sobre isso, não deixam a menor dúvida os artigos 11 e 12, III, daLei 8.429/92, que tipificam como ato de improbidade administrativa aquele queatenta contra “os princípios da Administração Pública” e prevê graves sançõesainda quando não haja dano efetivo (“dano, se houver”).

É o que o JUAREZ FREITAS denomina de atentado às pautas moraisbásicas da Administração Pública. Confira-se, a esse propósito, as lúcidasobservações desse autor:

“Sob a ótica da Lei, ainda quando não se verifique oenriquecimento ilícito ou o dano material, a violação do princípioda moralidade pode e deve ser considerada, em si mesma, apta

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para caracterizar a ofensa ao subprincípio da probidadeadministrativa, na senda correta de perceber que o constituintequis coibir a lesividade à moral positivada, em si mesma, inclusivenaqueles casos em que não se vislumbram, incontrovertidos, osdanos materiais” (in DO PRINCÍPIO DA PROBIDADEADMINISTRATIVA E DE SUA MÁXIMA EFETIVAÇÃO, RDA204/65).

De qualquer sorte, houve, sim, prejuízos também de natureza econômica,o que será comentado adiante (item 8).

5 DISPENSA DE LICITAÇÃO

O mais grave está por vir.

O GDF não rescindiu os contratos diante da constatação de deles terprescindido, ou, em outras palavras, por estar cortando uma despesadesnecessária, o que seria coerente, razoável e, enfim, jurídico. Insurgir-se contraisso seria arrostar um juízo que cabe ao Administrador Público como tal, esomente a ele.

Mas o que ocorreu foi exatamente o contrário.

Logo em seguida – para ser mais exato, sete dias após –, o GDF celebrounovo contrato para realização dos mesmos serviços de publicidade, desta vezcom outra empresa e sob dispensa de licitação, à alegação de urgência.

Os fatos.

Como já se viu, a rescisão ocorreu em 15.1.1999. A partir desse momento,obviamente, o GDF não tinha como realizar campanhas publicitárias em nívelprofissional, pois os contratos em vigor foram extintos.

Por mais incrível que possa parecer, no mesmo dia 15.1.1999 (sexta-feira), o Exmo Sr. Secretário de Comunicação Social, W.L.M., encaminhou o

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ofício no 48/98 ao Exmo Sr. Governador J.R. (fls. 15/16), solicitando dispensade licitação para contratação de empresas publicitárias, argumentando urgênciapara realização de serviços!

Na terça-feira seguinte, 19.1.1999, a Consultoria Jurídica do GDF, peloentão consultor P.C.Á.S., lançou parecer favorável à consulta, mas ressaltouque a competência para dispensa de licitação não era do Governador, e sim dopróprio Secretário de Comunicação Social (fls. 17/19).

No dia seguinte, 20.1.1999, o Governador aprovou parecer daConsultoria, sem qualquer ressalva (fl. 20).

No mesmo dia 20.1.1999, a Secretaria de Comunicação Social deu inícioà contratação. A Chefia de Gabinete endereçou ofício a três empresas,AGÊNCIA PROPAGANDA LTDA. (fls. 983/4), MASTERCOMUNICAÇÃO E MARKETING LTDA. (fls. 985/6) e G. S/A (fls. 987/8),solicitando proposta de preço para prestação de serviços publicitários, por centoe oitenta dias.

As três empresas responderam no dia seguinte, 21.1.1999 (fls. 989/95,996/8 e 999/1004).

Nessa mesma data, o Exmo Sr. Secretário de Comunicação Social, W.L.M.autorizou (fl. 1007); a Chefe de Gabinete, P. F., dispensou a licitação, em favorda empresa G. S/A (fl. 1008); e o Secretário autorizou a dispensa (fls. 1008 e1009).

O contrato foi assinado no dia seguinte, 22.1.1999 (fl. 125/130 ou 1019/24), e seu extrato foi publicado no Diário Oficial de 8.2.1999 (fl. 61).

6 ANÁLISE DA DISPENSA DA LICITAÇÃO: CRASSAILEGALIDADE

A alegada situação de urgência é manifestamente improcedente eartificial, pois a mesma não surgiu de qualquer emergência ou calamidade pública

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(LL, art. 24, IV), e sim foi criada por fato – ou melhor, falta - da própriaAdministração, que havia dispensado seus parceiros publicitários ao rescindir,sem a devida justificativa, os contratos então em vigor.

Em outras palavras, a situação “urgente” a que se viu submetida decorreude sua própria conduta, exteriorizada por ato administrativo imotivado e, assim,ilegal.

Novamente o Dr. JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES vem nosauxiliar (fl. 287):

“11. A nobre unidade técnica do Tribunal afasta corretamente ajustificativa para a dispensa de licitação, sustentada no art. 24,IV, da Lei de Licitações, ou seja, por incidência de situaçãoemergencial ou calamitosa.

12. Não é possível à Administração alegar emergência que elamesma criou, fundada em decreto que não observou a exigênciado art. 78 da Lei no 8.666/93, que é a motivação”.

Na mesma linha de raciocínio, o entendimento do e. Tribunal de Contasda União, em caso análogo (fl. 1187/9):

“A SITUAÇÃO EMERGENCIAL OU CALAMITOSA que legitimao acionamento do permissivo contido no art. 24, IV, da Lei no

8.666/93 é aquela cuja ocorrência refuja às possibilidades normaisde prevenção por parte da Administração. Ou, dito de outro modo,é a que não possa ser imputada à desídia administrativa, à faltade planejamento, à má gestão dos recursos disponíveis etc. (...)Além da adoção das formalidades previstas no art. 26 e seu parágrafoúnico da Lei no 8.666/93, são pressupostos da aplicação do caso dedispensa preconizado no art. 24, inciso IV, da mesma Lei:a.1) que a situação adversa, dada como de emergência ou decalamidade pública, não se tenha originado, total ou parcialmente,da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da mágestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, emalguma medida, ser atribuída a culpa ou dolo do agente públicoque tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação;TC no 009.248/94-3, DOU 21.6.94, p. 9040”.

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Os termos do contrato dizem tudo, pois são extremamente vagos,genéricos, imprecisos, incompatíveis com a demonstração da urgência que ocaso requeria. Veja-se:

“O Contrato tem por objeto a prestação de serviços de contrataçãode agência de propaganda para estudar, planejar, criar, produzir,distribuir para veiculação e controlar os serviços e divulgação depublicidade, programas e campanhas promocionais sobreatividades desenvolvidas pelo Governo do Distrito Federal, emcaráter emergencial por 180 (cento e oitenta) dias, consoanteespecifica a Justificativa de Dispensa de Licitação de fls. 07 a 10e a Proposta de fls. 29 a 34, que passam a integrar o presenteTermo”.

No jargão do meio administrativo, tal contrato é conhecido como “guarda-chuva”, pois prevê tudo e tudo permite, inclusive “impressão de cartões parapáscoa” (fl. 340) e “confecções de convites, adesivos, cartões em 4 cores eenvelopes” (fl. 341) para a TERRACAP, serviços que poderiam até ser úteis,mas que nada tinham de urgentes.

Como não poderia deixar de ser, o TCDF teve por ilegal o ato de dispensada licitação, como será explicado em seguida.

7 POSTERIOR EXPLICAÇÃO DO GDF E APRECIAÇÃO DOTRIBUNAL DE CONTAS DO DF

Conforme se disse no item 4.1 (supra), os consideranda do decretoconstituem seus únicos fundamentos e, portanto, somente eles podem dizer se oato está ou não em conformidade com o Direito.

Como também já se demonstrou, os “considerandos” não eram mais quefundamentos anódinos, vazios, sem qualquer consistência para justificar o ato.

Ainda assim, posteriormente, o GDF teve oportunidade de explicar emdetalhes os motivos da rescisão, o que ocorreu no âmbito do e. Tribunal deContas do Distrito Federal.

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O tema foi objeto do processo no 404/1999, cuja cópia integral encontra-se anexa à presente petição inicial, às fls. 510/1162.

Por amor ao debate, vejamos o que o GDF disse sobre o assunto.

Em 12.3.1999, a 2a Inspetoria de Controle Externo do TCDF, pelosAnalistas E.V.P. e J.V. T.S., diante da “ausência... dos elementos especificadosno inciso XII, do artigo 78, da Lei no 8.666/93”, solicitou esclarecimentos aoExmo Sr. Secretário de Comunicação Social, W. L. M. (cf. nota de inspeção no

03 – fls. 1077/8).

Em resposta, na data de 22.3.99, Sua Exa, o Secretário, redigiu ofícioconsistente em uma única lauda (fl. 1102), em que explicou o seguinte:

Os motivos de alta relevância e interesse público tinham por base osprocessos nos 994/96, 995/96 e 999/96, e a decisão no 5954/97, todos doTCDF, que considerou ilegal a prorrogação dos contratos então em vigor, erecomendou à SCS (Administração anterior) a realização urgente de licitação, oque não foi feito. Que o prejuízo ao erário “decorreria” da não renegociaçãodos contratos de publicidade, no momento de sua prorrogação, em desacordocom o Decreto no 2.262/97, que regulamentou a Lei no 4.680/65, o que tambémnão aconteceu.

A justificativa foi rechaçada pelo parecer dos analistas acima mencionados(fls. 1129/1148), que foi encampado pelo MPjTCDF (fls. 1153/62) e, em parte,pela Corte de Contas.

Vejamos.

De fato, o TCDF havia condenado as prorrogações dos contratos depublicidade levadas a efeito na Administração anterior (decisões no 15.379, 9994,995, 996; proc. nos 4419/95, 4.160/96, 4.161/96, 4.162/96).

Mas o mesmo TCDF, posteriormente, mudou tal entendimento erecomendou a manutenção desses contratos até a conclusão do certame

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licitatório. É o que se resolveu no processo no 5.954, cuja decisão foi lavradaem 15.9.1997 – bem antes, portanto, da expedição do Decreto 20.005/99 –,nestes termos:

“... e) recomendar à Secretaria de Comunicação Social que adote,com urgência, providências com vistas à realização de novocertame, mantendo-se o contrato em vigor até conclusão doprocesso licitatório, atuando, doravante, na forma da Lei no 408/93, como órgão de controle, supervisão e coordenação dosprocedimentos licitatórios (art. 2o, III, “a”)... (grifo nosso).

De acordo com o Exmo Conselheiro JORGE CAETANO,

“Com isso, esta Casa mudou a orientação a partir daquela data,proporcionando, de certa forma, respaldo às três últimasprorrogações do prazo de vigência do contrato” (fl. 710).

Acrescente-se que o art. 57, II, da Lei no 8.666/93 – razão de decidir dosprecedentes –, havia sido alterado pela Medida Provisória no 1500/96, que seconverteu na Lei Federal no 9.648/98. Pela nova redação, os contratos deprestação de serviços continuados podem ser prorrogados por até 60 meses,desde que comprovada a obtenção de preços e condições mais vantajosas paraa Administração.

Quanto à não renegociação dos contratos pela Secretaria de ComunicaçãoSocial do Governo anterior, o argumento também não se sustenta, porquanto oTCDF aceitou as alegações do ex-Secretário (fls. 680 e 821/5) tanto quanto aprorrogação dos contratos (como se disse há pouco).

Em data posterior, 22.10.99, em uma etapa mais avançada doprocedimento no TCDF, o Exmo Secretário de Comunicação Social, W. L. M.,encaminhou novas explicações, desta vez para o Exmo Conselheiro JORGECAETANO, consistente em 28 laudas (fls. 826/853).

Apesar do maior apuro, a nova prestação de contas do Exmo Sr. Secretáriotampouco convenceu e não demonstrou o verdadeiro compromisso com ointeresse público quando da rescisão dos contratos.

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Como conseqüência, em sessão de 4.10.2001, o e. TCDF julgou asexplicações improcedentes, condenou a dispensa de licitação e aplicoupenalidade de multa a tal autoridade. A decisão ficou da seguinte maneiraementada (fl. 690):

“O Tribunal, por maioria, de acordo com o voto do Relator, tendoem conta a instrução, em parte, e o parecer do Ministério Público,decidiu: I – tomar conhecimento: a) das razões de justificativaapresentadas pelo sr. W. L. M. para, no mérito, rejeitá-las, porserem insubsistentes os fundamentos apresentados sobre adispensa de licitação na contratação da agência G. S/A; (...) III –aplicar, com base no inciso IV do art. 57 da Lei Complementar no

01/94 e no inciso I do art. 182 do Regimento Interno do Tribunal,com a redação dada pela Emenda Regimental no 3/99, multa de R$2.000,00 (dois mil reais) ao Secretário de Comunicação Social,Sr. W.L.M., a ser recolhida no prazo de 30 (trinta) dias, pordescumprimento do art. 24, inciso IV, da Lei no 8.666/93, nacontratação da agência G. S. A para prestação de serviço depublicidade e propaganda.

Confira-se trecho do voto do relator (fl. 680, em remissão a fl. 711):

“A contratação da agência G. S/A, com dispensa de licitação,com base no inciso IV do artigo 24 da Lei no 8.666/93, é queguarda sérios problemas de legalidade.A dispensa de procedimento licitatório, com respaldo no incisoIV do artigo 24 da Lei no 8.666/93, deve observar a existênciaconcomitante de quatro premissas básicas: situação emergencialou calamitosa, urgência no atendimento, risco e ser, a contrataçãodireta, o meio adequado para afastar o risco.A emergência não ficou caracterizada, uma vez que derivou deum ato da administração. Sobre calamidade não há o que falar.Quanto à urgência no atendimento, poderia ser, quando muito,substituída por conveniência de se ofertar informações úteis àcomunidade naquele momento. Também, nada foi anotado capazde demonstrar o risco alegado, assim como nenhuma justificativaevidencia ser a contratação direta o meio mais adequado de seafastar o risco iminente, sobretudo porque este não tevedemonstrada a sua existência. Em conseqüência, a simultaneidadeno atendimento desses requisitos ficou prejudicada”.

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8 DOS PREJUÍZOS ECONÔMICOS

O valor do contrato foi de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais),acrescidos de mais R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), apósalteração contratual (cf. item 11, supra), o que perfez o total de R$ 7.500.000,00(sete milhões e quinhentos mil reais).

As notas de fls. 131/137 dão parte que foram empenhados reforços novalor de R$ 6.435.000,00 (seis milhões, quatrocentos e trinta e cinco reais), daseguinte forma:

a) 23.3.1999 – R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);b) 15.4.1999 – R$ 700.000,00 (setecentos mil reais);c) 3.5.1999 – R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais);d) 4.5.1999 – R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);e) 13.5.1999 – R$ 340.000,00 (trezentos e quarenta mil reais);f) 27.5.1999 – R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);g) 2.7.1999 – R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);h) 2.8.1999 – R$ 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil reais);

Como o saldo remanescente do ano de 1999 anulou a mísera quantia deR$ 5.584,43 (fl. 143), pode-se afirmar que, em poucos meses do ano de 1999,foram gastos, no mínimo, R$ 6.429.415,57 (seis milhões, quatrocentos evinte e nove mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e sete centavos)em serviços de publicidade.

Só para se ter uma idéia, o prédio do Ministério Público do Distrito Federale Territórios em Taguatinga, que tem confortáveis – mas não luxuosas – instalações,em uma área de 4150 m2, teve o custo final de R$1.860.000,00 (em 1994). Oprédio da Promotoria da Infância e Juventude, de 5000 m2, está orçado em R$3.270.000,00.

Os gastos publicitários, por mais fabulosos que possam ser, estariam dentroda mais absoluta discricionariedade administrativa caso tivessem sido feitoslegalmente. Mas isso não ocorreu, pois os gastos tiveram origem na antijurídicadispensa da licitação. Logo, qualquer centavo pago em uma dispensa ilegalde licitação é também ilegal.

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Ao Ministério Público não cabe questionar gastos governamentais, mas lhe édado fiscalizar a forma como estes são feitos. Portanto, qualquer despesa feitailegalmente refoge à discricionariedade administrativa e se submete à tutela jurisdicional.

(* * *)

No que respeita à diferença de gastos entre os contratos rescindidos e ocontrato com a G., os peritos do TCDF fizeram cálculos acurados nesse sentido(ao contrário do Decreto 20.005, diga-se de passagem).

Para tanto, levaram em consideração a natureza dos trabalhos de publicidade,a ser dividida em interna (formulação de idéias, planos, leiaute de material a serdifundido ou veiculado, logotipos, chavões etc.) e externa (utilização de serviçoscomo subcontratação de equipe de filmagem para produção de comercial).

Os custos internos de produção são apurados com base na TabelaReferencial de Produção de Sindicatos das Agências de Propaganda do DistritoFederal. Na realização dos trabalhos externos, remunera-se de acordo com osmontantes gastos e comprovados (cf. fl. 1135).

Partindo de tais premissas, os peritos elaboraram o seguinte gráfico (fl. 1136):

E chegaram a estas conclusões (fls. 136/7):

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Agência CustoInterno

CustoExterno

Veiculação CustoTotal

Variação%

Pré-Recisão

AlôComuni-caçãoAtual Pro-pagandaP&N Pro-pagandaMarkplanMarketing

5% 15% 20% 2,10 (19,05)

40% 15% 20% 1,75 (2,86)

50% 15% 20% 1,65 3,03

30% 15% 20% 1,85 (8,11)

G. 40% 10% 20% 1,70 0,00Pós-Recisão

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“30. Em análise individual, o custo total da G. S/A foi 3,03%superior (grifo original) ao correspondente à P&N Propaganda,próximo ao da Atual Propaganda (2,86% menor) e inferior aosda Makplan Marketing (8,11%) e da Alô Comunicação (19,05%).31. Há que se considerar, todavia, que os preços ofertados pelaG. S/A basearam-se em condições diferentes daquelas vigentespara as demais agências relacionadas na tabela I. À G. foi propostaa totalidade de contas publicitárias distritais, enquanto que cadauma das outras empresas contaram, para elaboração de seuspreços, com apenas um grupo de contas.32. Dessa forma, é natural que uma empresa comercial (G. S/A)produza melhores condições ao cliente (Administração),reduzindo preços, em função de maior volume de contas, e,conseqüentemente, expectativa maior de lucros.33. Não se pode inferir, portanto, que os preços praticados pelaMakplan Marketing e Alô Comunicação estão superfaturadosem relação aos da G. S/A, à falta de uniformidade das condiçõesmotivadoras das propostas.34. Por outro lado, configura-se antieconômica a contratação daagência G. S/A em substituição à P&N Propaganda e Negócios(antiga Propeg – Brasil Propaganda, por conter condições epreços 3,03% maiores. Há ainda o agravante de que aquela agênciafoi contratada sem licitação, enquanto que a relação desta agênciacom a Administração derivou da Concorrência 01/95, queenglobou contas publicitárias das Adminstrações Direta eIndireta distritais, fl. 123/130”.

No entanto, o Conselheiro JORGE CAETANO, que foi seguido pelamaioria de seus pares, acolheu tais contas apenas em parte. Avaliou que ficoucaracterizada antieconomicidade somente em relação à empresa P&NPropaganda e Negócios, mas, “vista em seu conjunto, a nova contratação foimais econômica” (fl. 714).

Essa divergência leva a uma de duas possibilidades.

Ou os Peritos estão corretos em suas contas, e a rescisão dos contratos esubseqüente contratação da G. foram desvantajosas para a Administração emseu aspecto econômico; ou, na ponta do lápis, a rescisão foi economicamentemais proveitosa, pelo que o Decreto atendeu ao interesse público secundário.

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Tudo conduz ao entendimento quanto ao acerto da primeira hipótese.

A segunda hipótese implicaria, antes de mais nada, abstrair-se de que osfins não justificam os meios, ou seja, de que a utilidade econômica podecompensar uma ilicitude jurídica, o que não é possível se houver um mínimo derespeito ao ordenamento.

Nada melhor que transcrever estas palavras de CELSO ANTÔNIOBANDEIRA DE MELLO:

“Com efeito, o princípio da legalidade não visou simplesmente àmera estruturação formal de um aparelho burocrático tendo emvista balizar, de fora, mediante lei, sua composição orgânica eseus esquemas de atuação. O que se pretendeu e se pretende, atoda evidência, foi e é, sobretudo, estabelecer em prol de todosos membros do corpo social uma proteção e uma garantia”(grifos originais, ob.cit., p. 62).

A defesa do interesse público secundário só tem cabimento quando nãose choca com a do primário, porque aquele é meramente instrumental, ao passoque este é o interesse público propriamente dito.

É MIGUEL REALE quem novamente vem nos socorrer, desta vez emsua FILOSOFIA DO DIREITO:

“Há uma tensão constante entre os valores do indivíduo e osvalores da sociedade, donde a necessidade permanente decomposição entre esses grupos de fatores, de maneira que venhaa ser reconhecido o que cabe ao todo e o que cabe ao indivíduoem uma ordenação progressiva capaz de harmonizar as duasforças. (...) O indivíduo deve ceder ao todo, até e enquanto nãoseja ferido o valor da pessoa, ou seja, a plenitude do homemenquanto homem. Toda vez que se quiser ultrapassar a esfera da“personalidade” haverá arbítrio” (Saraiva, 16a ed., p. 278/9).

Por exemplo, a muitos pode parecer atraente o pagamento ínfimo dedesapropriações ou de vencimentos de servidores públicos; ou a tributaçãodesmesurada de alguns; ou a esquiva a responsabilidade extracontratual ou a

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pagamento de precatórios. Mas o dever do Estado não é enriquecer aqualquer título, e sim favorecer o bem-estar da sociedade e dos membrosda sociedade, sempre dentro do ordenamento jurídico.

Segundo RENATO ALESSI,

“Os interesses a que se aludiu são todos interesses secundáriose que a pessoa governamental tem apenas segundo os termosem que o teria qualquer pessoa. Não são interesses públicos.Não respondem à razão última de existir própria das pessoasgovernamentais em geral” (grifos originais, apud Celso AntônioBandeira de Mello, ob. cit., p. 65).

O pior é que, no caso concreto, o interesse sequer é secundário, e sim“terciário”, vale dizer, pessoal e político.

Ainda que a suposta vantagem econômica pudesse preponderar sobre osvalores jurídicos, tudo não teria passado de mera coincidência.

De fato. Quando a Administração rescindiu os ajustes – o que ocorreu,repita-se, com a publicação do Decreto, em 15.1.1999 –, não sabia se acontratação subseqüente seria mais cara ou mais barata, porquanto não haviasido feito qualquer cálculo ou orçamento nesse sentido.

Se havia, a Administração deveria tê-lo exposto às claras, mas afundamentação do Decreto é totalmente alheia a isso.

Fazê-lo não seria nenhum favor, e sim dar cumprimento ao disposto naLei no 8.666/93, art. 26, parágrafo único, III, que determina que

“o processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamentoprevisto neste artigo será instruído, no que couber, com osseguintes elementos: justificativa do preço”.

Onde, no Decreto, está a justificativa do preço? Não há qualquer preço,muito menos sua justificativa. Não há sequer processo de dispensa, como já sedisse.

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O Decreto não fez uma revisão dos preços anteriores; não trouxe novosnúmeros; não explicou objetivamente que a rescisão era vantajosa, nem queuma nova contratação era mais interessante. Isso, sim, seria uma fundamentaçãodecente, digna de respeito e inatacável em sua discricionariedade. Mas nada hánesse sentido, a não ser fórmulas vazias e explicações posteriores inconsistentes,conforme tanto já se falou.

O que existe em termos de justificativa de preço é a escolha da G. comoa empresa que apresentou orçamento mais barato entre outras duas, consoantese explicou no item 5 desta petição inicial.

Tal escolha, porém, além de ter sido feita grotescamente em momentoposterior à rescisão dos contratos, não ocorreu no bojo de um verdadeiroprocesso administrativo de dispensa de licitação, e sim de um arremedo, umaforma improvisada, inventada e, desnecessário dizer, ilegal.

Ad argumentandum, mesmo admitindo-se que o acerto das conclusõesestá com o Conselheiro JORGE CAETANO, e não com os Peritos, ou seja,que a manutenção de um dos contratos era desvantajosa, mas não a dos demais,é de se notar que foram todos rescindidos, sem exceção.

Na melhor das hipóteses, a rescisão foi temerária, pois faltou com o cuidadode discernir entre os ajustes bons e os ruins para que os primeiros fossem mantidose os últimos, somente estes, extintos. Estar-se-ia, assim, diante de culpa daAdministração, elemento subjetivo do tipo do art. 10 da Lei no 9.429/92. Nãode culpa leve, mas sim grave, gravíssima até, diante do descaso com os milhõesde reais que estavam em jogo.

Essa é a hipótese mais branda para a conduta das autoridades demandadas.Mas não é a mais pura verdade. A pura verdade é que a rescisão acarretou, sim,prejuízos econômicos à Administração Pública, como já se demonstrou e maisse falará em seguida.

10 OUTRAS CONSEQÜÊNCIAS DA DISPENSA DE LICITAÇÃO

Se avançarmos um pouco mais na análise das conseqüências dacontratação sem licitação, notaremos que posteriores ajustes feitos entre diversos

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órgãos do GDF - IDHAB, TERRACAP, CEB e CAESB, entre outros – coma empresa G. S/A, foram, também eles, da mesma forma e pelos mesmosmotivos, condenados pelo TCDF, por ilegais e antieconômicos, porque todospartiram dos mesmos princípios e seguiram a mesma sorte.

Antes de se entrar em detalhes, cabe uma explicação prévia: de acordocom o Decreto Distrital no 13.095, de 27.3.1991, a Secretaria de ComunicaçãoSocial concentra as licitações que versam sobre a publicidade de todo o GDF,seja a da Administração Direta, seja a da Indireta.

Assim, à época, todos os órgãos do GDF deviam necessariamente celebrarcontratos publicitários com a G. S/A, porquanto a Secretaria de ComunicaçãoSocial havia escolhido tal empresa como sua parceira “urgente”.

Melhor explicando, os órgãos públicos não tinham obrigação de celebrarcontrato de publicidade, mas, se desejassem fazê-lo, não havia outra opção anão ser com a G. S/A (cf. ofícios de fls. 14, 182, 426, entre muitos outros).

Feitos esses esclarecimentos, vejamos, então, os contratos, cujas redaçõesforam idênticas ao “contrato-mãe”, firmado entre a SCS e a G.

10.1 TERRACAP

Em 17.2.1999, a COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA(TERRACAP) celebrou contrato com a G. S/A, em dispensa de licitação, por180 dias. O valor foi de R$ 835.000,00 (oitocentos e trinta e cinco mil reais) –fls. 192/8.

Em 4.10.2001, o e. Tribunal de Contas do DF, aprovando parecer pericial(fls. 269/279) e do Ministério Público (fls. 285/289), nos termos do voto doConselheiro Relator, JORGE CAETANO (fls. 398/408), condenou a dispensade licitação, julgou improcedentes as explicações dadas pelos diretores A.G.,J.G. P.N., I. O. e R. L. E. (feitas em conjunto - fl. 356/361), e aplicou multa deR$ 1.000,00 (mil reais), para cada um (fl. 412).

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Cópia integral do processo (no 683) consta dos autos, fls. 166/412.

10.2 IDHAB

Em 26.2.2002, o INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTOHABITACIONAL DO DISTRITO FEDERAL (IDHAB) celebrou contratocom a G. S/A, em dispensa de licitação, por 180 dias. O valor era de R$ 35.000,00(trinta e cinco mil reais) – fls. 416/419. Notas de empenho às fls. 428/429.

Embora o valor tenha sido bem mais modesto, os procedimentos foramigualmente irregulares.

Em 4.10.2001, o e. Tribunal de Contas do DF, aprovando o parecer pericial(fls. 434/441 e 484/492) e o do Ministério Público (fls. 446/450 e 495/496), nostermos do voto do Conselheiro Relator (fls. 498/506), condenou a dispensa delicitação pelo IDHAB, julgou improcedentes as explicações dadas pelos diretoresP.C.C. (fls. 458/465), J.C. C.M. (fls. 475/481) e R. S. L. (fls. 482/3), e aplicoumulta de R$ 1.000,00 (mil reais), para cada um deles (fl. 509).

Cópia integral do processo (no 1586) consta dos autos, fl. 415/509.

10.3 CEB

Também foi celebrado contrato entre a COMPANHIA ENERGÉTICA DEBRASÍLIA (CEB) e G. S/A, em dispensa de licitação, por 180 dias. O valor era deR$ 1.277.500,00 (um milhão, duzentos e setenta e sete mil e quinhentos reais).

Pelos motivos já apontados, em 13.11.2001, o e. Tribunal de Contas doDF condenou a dispensa de licitação, julgou improcedentes as explicações dadaspor diretores R.V. B.T. C. e B.G., e aplicou multa de R$ 1.000,00 (mil reais),para cada um deles (Proc. 579/99, decisão no 3625, fls. 1183/4).

10.4 CAESB

Em 23.2.1999, foi celebrado contrato entre a COMPANHIA DEÁGUAS E ESGOTOS DE BRASÍLIA (CEB) e G. S/A, em dispensa de licitação,

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por 180 dias, no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) –fls. 35/42.

Pelos motivos já apontados, em 23.11.2002, o e. Tribunal de Contas doDF condenou a dispensa de licitação, julgou improcedentes as explicações dadaspor diretores F. R.F.L. e H. L. A.F., e aplicou multa de R$ 1.000,00 (mil reais),para cada um deles (Proc. 595/99, decisão no 3546, fls. 1185/6).

11 PRORROGAÇÃO DO CONTRATO

Posteriormente, em 8 de junho de 1999, o contrato celebrado entre aSCS e a empresa G. foi alterado, aumentando-se em 25% seu valor originário,o equivalente a R$ 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil reais), que perfezo total de R$ 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil reais) – fl. 138.

Novamente, as razões da prorrogação foram extremamente vagas.

Ademais, quase todas as despesas que o GDF considerou urgentes jáhaviam perdido o objeto, no momento da prorrogação do contrato.

Para demonstrar tal afirmação, cumpre relembrar o teor das despesasurgentes do GDF, anotadas no ofício no 40 – GAB/SCS, de 15.1.1999 (fls. 15/16):

Secretaria de Fazenda e PlanejamentoPagamento de impostos e taxas: IPTU e IPVA, com vencimentos previstos parao 1o trimestre de 1999.

Secretaria de EducaçãoCampanha de matrículas e de volta às aulas

Secretaria de SaúdeCampanha de prevenção à AIDS no período do Carnaval e prevenção paradoenças contagiosas

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Secretaria de Segurança PúblicaCampanha de prevenção de acidentes de trânsito durante o período de férias edurante o carnaval.

Secretaria de HabitaçãoCampanhas para leilões de terrenos através da TERRACAPCampanhas informativas sobre as invasões de áreas públicas no Distrito Federal

Governo em geralPublicações de atos legais como aviso de concorrência pública, para aquisiçãode equipamentos e materiais para a Secretarias de Saúde e Segurança etc (sic).

Como a prorrogação do contrato com a G. foi feita, repita-se, em 8.6.1999,a urgência alegada para quase todas as campanhas publicitárias já havia perdidoo objeto, nos termos da justificativa acima.

O contrato com a G. S/A só se encerrou, em definitivo, com a ulteriorhomologação de licitação, que também foi julgada pelo e. TCDF (proc. 823 e315), mas não é objeto da presente ação.

12 RESPONSABILIDADES

Para que a Administração pudesse rescindir as cinco dezenas de contratoscom seriedade, consistência e transparência, deveria ter feito uma análisepormenorizada de cada ajuste, um por um, no bojo de um procedimentoadministrativo.

Tal não ocorreu, nem havia como ocorrer, em razão da exigüidade dotempo utilizado – duas semanas –, justamente as duas primeiras semanas donovo Governo.

Em seguida, houve dispensa de licitação feita a toque de caixa, e posteriorcelebração de contratos entre órgãos públicos e a empresa G. Tudo gritantementeirregular.

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Sob a aparência de legalidade, a Administração agiu com desvio definalidade, para atender a – confessados – interesses políticos, uma aventura degraves conseqüências jurídicas e econômicas.

Uma contribuição desastrosa para um modelo de democracia “absurdoou inconcludente”.

Analisemos, agora, a conduta de cada demandado.

12.1 J. D. R.

A responsabilidade do Excelentíssimo Senhor Governador do DistritoFederal, J. D.R., consiste no fato de ter exarado o Decreto 20.005/99, querescindiu contratos administrativos em vigor, ato várias vezes acoimado de ilegal.Em seguida, responsabilizou-se pela dispensa de licitação, também ilegal. Nãofoi Sua Exa a autoridade que a determinou, mas foi consultado anteriormente porsubordinado e a ela não se opôs, ao contrário, aprovou parecer que opinava sera dispensa “perfeitamente factível”, quando era, na verdade, absolutamenteinviável.

Assim agindo, incorreu nas penas dos seguintes dispositivos legais da LeiFederal no 8.429/92:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causalesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa,que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidadesreferidas no art. 1o desta Lei, e notadamente:II - Permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídicaprivada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes doacervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1o destaLei, sem a observância das formalidades legais ouregulamentares aplicáveis à espécie;VIII - Frustar a licitude de procedimento licitatório ou dispensá-loindevidamente;Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atentacontra os princípios da Administração Pública qualquer ação

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ou omissão que viole os deveres de honestidade,imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, enotadamente:I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento oudiverso daquele previsto na regra de competência”.

12.2 W.L. M.

A responsabilidade do Excelentíssimo Senhor Secretário de ComunicaçãoSocial, W. L. M., consiste em ter promovido e, ao final, homologado a ilegaldispensa da licitação e contratação de empresa, em acordo lesivo ao patrimôniopúblico; e em ter levado ao conhecimento dos órgãos do GDF tal ato, o queensejou que vários deles celebrassem contratos igualmente lesivos ao patrimôniopúblico, todos condenados pelo Tribunal de Contas.

Assim agindo, incorreu nas penas dos seguintes dispositivos legais da LeiFederal no 8.429/92:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causalesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa,que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidadesreferidas no art. 1o desta Lei, e notadamente:II - Permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídicaprivada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes doacervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1o destaLei, sem a observância das formalidades legais ouregulamentares aplicáveis à espécie;VIII - Frustar a licitude de procedimento licitatório ou dispensá-loindevidamente;Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atentacontra os princípios da Administração Pública qualquer açãoou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento oudiverso daquele previsto na regra de competência”.

Em face do princípio processual da eventualidade, o Ministério Públicoimputa aos demandados, na conduta prevista no artigo 10, culpa grave, caso V.Exa tenha o remoto entendimento de que não houve dolo.

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12.3 P.C.Á.S.

A responsabilidade do Excelentíssimo Senhor P. C. Á. S. consiste em terlançado o malsinado parecer de fls. 17/19, que considerou “perfeitamentefactível” a dispensa de licitação, quando esta era absolutamente inviável, comose demonstrou.

O Direito é ciência compreensivo-normativa (REALE), e não matemática.Não existe precisão total e indiscutível. Mesmo nas situações aparentementesingelas, podem surgir controvérsias. Mesmo em questões pacíficas, quase nuncahá espaço para o absoluto.

Mas a relatividade tem limites.

No caso concreto, o parecer extrapolou qualquer noção do razoável, dojuridicamente aceitável, pois sugeriu dispensa de licitação em caso que jamaispoderia ser sequer cogitada se se agisse com boa-fé e com conhecimentosjurídicos mínimos.

O demandado fê-lo para dar uma aparência de legalidade ao ato e comisso “legitimar” os planos de se dispensar a licitação – ainda por cima noafogadilho, em questão de horas –, que era exatamente o que se pretendia.

Para tanto, o demandado até mesmo invadiu competência que é daProcuradoria-Geral do Distrito Federal, pelo disposto no artigo 111, VI, da LeiOrgânica do DF.

Ou o demandado agiu com dolo (má-fé) ou, no mínimo, com culpa grave,consistente no trato da questão jurídica, na qualidade de profissional, de modoteratológico.

Não foi o ex-Consultor Jurídico a autoridade que determinou a dispensada licitação, mas concorreu para tanto ao lançar grosseiro parecer que foi acatadopelo Governador, pois assim lhe interessava, e não por ser uma interpretaçãojurídica decente, o que acabou resultando na infeliz dispensa da licitação.

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Assim agindo, incorreu nas penas dos seguintes dispositivos legaisda Lei Federal no 8.429/92:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causalesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa,que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidadesreferidas no art. 1o desta Lei, e notadamente:II - Permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privadautilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervopatrimonial das entidades mencionadas no art. 1o desta Lei, sema observância das formalidades legais ou regulamentaresaplicáveis à espécie;VIII - Frustar a licitude de procedimento licitatório ou dispensá-loindevidamente;Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atentacontra os princípios da Administração Pública qualquer açãoou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento oudiverso daquele previsto na regra de competência”.

12.4 G. S/A

Este demandado é particular co-autor do ato de improbidade administrativa,qual seja: a dispensa ilegal de licitação, na qualidade de beneficiário direto.

Não há elementos para se dizer que a empresa tenha induzido ou concorridopara tal prática, mas esta usufruiu diretamente dos recursos públicos deladecorrentes.

A empresa não tem obrigação jurídica de fiscalizar os atos de governo;mas, por outro lado, jamais poderia ter celebrado contrato em dispensa de licitaçãotão grosseiramente ilícita, sob pena de responsabilidade.

Jamais poderia ter aceito um único centavo dos cofres públicos, da formacomo os fatos se passaram. Fê-lo, no entanto, por livre e espontânea vontade,sem tomar os cuidados mínimos de perquirir acerca da liceidade da dispensa, a

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começar pela análise do processo administrativo – que, repita-se, sequerfoi instaurado.

Com isso concorreu para a improbidade e para o desperdício de dinheiropúblico, o que não teria ocorrido se o contrato não tivesse sido firmado.

A conduta, portanto, é a acima descrita, acrescentada do artigo 3o da Lei8.429/92, nestes termos:

Art. 3o. As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber,àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorrapara a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sobqualquer forma direta ou indireta.

12.5 DISTRITO FEDERAL

Quanto ao DISTRITO FEDERAL, o Ministério Público não pretende acondenação. Mas deve este figurar no pólo passivo, como litisconsorte necessário,e poderá abster-se de contestar o pedido ou poderá atuar ao lado do autor,desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivorepresentante legal, nos termos do artigo 17 § 3o da Lei no 8.429/92, c/c artigo6o § 3o da Lei no 4.717/65.

13 PEDIDO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

13.1 J. D. R., W. L. M. e P. C.Á.S.

O pedido da presente ação é, quanto aos três primeiros demandados,para cada um, nos termos do artigo 12, II e III, da Lei de improbidadeadministrativa:

1) suspensão dos direitos políticos, de cinco a oito anos;2) perda de qualquer função pública que estiverem exercendo ao tempo daexecução da sentença, pelo mesmo período de suspensão dos direitos políticos;3) ressarcimento integral do dano material, em prol do erário do Distrito Federal,

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de forma solidária, no valor de R$ 6.429.415,57 (seis milhões, quatrocentose vinte e nove mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e sete centavos);4) pagamento de multa civil de duas vezes o valor do dano ou até cem vezes ovalor da remuneração percebida à época, o que for menor;5) proibição de contratarem com o Poder Público, receberem benefícios fiscaise creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermediário de pessoa daqual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

O Ministério Público requer aplicação das penas em conjunto oualternativamente, salvo os itens 2 e 3, que deverão ser impostas em caráterobrigatório e indeclinável. Ressalte-se que a pretensão do item 3 é imprescritível,nos termos do artigo 37 § 5o, da Constituição da República.

13.2 G. S/A

O pedido da presente ação é, quanto ao quarto demandado, nos termosdo artigo 12, II e III, da Lei de improbidade administrativa:

1) ressarcimento integral do dano material, em prol do erário do Distrito Federal,de forma solidária, no valor de R$ 6.429.415,57 (seis milhões, quatrocentos evinte e nove mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e sete centavos);2) pagamento de multa civil de duas vezes o valor do dano ou até cem vezes ovalor da remuneração percebida à época, o que for menor;3) proibição de contratar com o Poder Público, receber benefícios fiscais ecreditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermediário de pessoa daqual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

O Ministério Público requer aplicação das penas em conjunto. Ressalte-se que a pretensão do item 1 é imprescritível, nos termos do artigo 37 § 5o, daConstituição da República.

O Ministério Público promove a citação dos réus, para contestarem estaação, se o desejarem, sob pena de revelia, à exceção do Distrito Federal,conforme dito acima.

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Protesta demonstrar o alegado por todos os meios de provaadmissíveis em direito, em especial a prova documental já produzida queacompanha esta petição inicial, afora outros documentos cuja juntada sefizer necessária.

Dá à causa o valor de R$ 6.429.415,57 (seis milhões, quatrocentos evinte e nove mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e sete centavos).

Espera seja julgado procedente o pedido.

Brasília-DF, 17 de maio de 2002.

Ivaldo Gonçalves Lemos JúniorPromotor de Justiça do MPDFT

Libânio Alves RodriguesPromotor de Justiça do MPDFT

Vetuval Martins VasconcelosPromotor de Justiça do MPDFT

Juliana Ferraz da Rocha SantilliPromotora de Justiça Adjunta do MPDFT

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