Produção de cana-de-açúcar para obtenção de etanol hidratado no Rio Grande do Sul : uma...

88
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PRODUÇÃO DE CANA-DE-AÇÚCAR PARA OBTENÇÃO DE ETANOL HIDRATADO NO RIO GRANDE DO SUL: UMA ANÁLISE UTILIZANDO DINÂMICA DE SISTEMAS ANDRÉ DEMCZUK Porto Alegre – RS 2012

description

Produção de cana-de-açúcar para obtenção de etanol hidratado no Rio Grande do Sul : uma análise utilizando dinâmica de sistemas

Transcript of Produção de cana-de-açúcar para obtenção de etanol hidratado no Rio Grande do Sul : uma...

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    ESCOLA DE ADMINISTRAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO

    DISSERTAO DE MESTRADO

    PRODUO DE CANA-DE-ACAR PARA OBTENO DE ETANOL HIDRATADO NO RIO GRANDE DO SUL: UMA ANLISE UTILIZANDO

    DINMICA DE SISTEMAS

    ANDR DEMCZUK

    Porto Alegre RS

    2012

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    ESCOLA DE ADMINISTRAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO

    DISSERTAO DE MESTRADO

    PRODUO DE CANA-DE-ACAR PARA OBTENO DE ETANOL HIDRATADO NO RIO GRANDE DO SUL: UMA ANLISE UTILIZANDO

    DINMICA DE SISTEMAS

    Dissertao de mestrado apresentada ao programa de Ps-Graduao em

    Administrao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obteno do Ttulo de Mestre em Administrao.

    Orientador: Prof. Dr. Antnio Domingos Padula

    Porto Alegre RS

    2012

  • RESUMO

    O Brasil destaca-se internacionalmente pela utilizao do etanol derivado de cana-de-acar em sua matriz energtica. O crescimento da frota de veculos flex-fuel gera uma demanda potencial crescente de etanol hidratado combustvel. Os nveis de consumo deste combustvel no so homogneos em todo pas. Longe dos centros de produo de cana-de-acar e com

    uma das maiores alquotas de ICMS do pas, o Rio Grande do Sul frequentemente apontado como o estado que possui o etanol hidratado mais caro do pas. Como o preo nas bombas de

    combustvel raramente atinge um nvel para torn-lo competitivo com a gasolina, o Rio Grande do Sul possui tambm um dos menores consumos de etanol hidratado, j que os proprietrios de veculos flex raramente optam pelo abastecimento com este combustvel. Um novo zoneamento agrcola, publicado pelo Ministrio da Agricultura, Pecuria e

    Abastecimento em 2009, incluiu 182 municpios do Rio Grande do Sul como aptos para a produo de cana-de-acar com fins de produo de etanol. A partir da publicao deste

    zoneamento iniciou-se uma discusso sobre a possibilidade do aumento da produo de cana-de-acar e de etanol combustvel no estado. Para auxiliar nesta discusso, este trabalho prope um modelo de dinmica de sistemas que aborda o relacionamento entre as principais variveis que compem a cadeia de produo do etanol hidratado. Atravs de simulaes, realizadas com o software VENSIM, envolvendo diferentes valores de produtividade de cana-de-acar e da alquota de ICMS para o etanol hidratado, obtemos diferentes cenrios para o crescimento da rea colhida de cana-de-acar no Rio Grande do Sul com base no retorno financeiro dos produtores.

    A anlise dos cenrios levandados mostrou que a produo de cana-de-acar no Rio Grande do Sul, com os atuais nveis de produtividade e com a atual alquota de ICMS para o etanol hidratado combustvel no economicamente vivel a longo prazo. As simulaes do modelo mostraram que, mesmo no cenrio mais favorvel, considerando aumento de produtividade,

    reduo na alquota de ICMS e aumento do preo da gasolina, ainda haveria oscilaes e instabilidade para o aumento de rea plantada de cana-de-acar.

  • ABSTRACT

    Brazilian use of sugar cane ethanol in its energy matrix has been gaining international

    recognition. With a growing fleet of flex fuel vehicles, Brazil has been building an each year greater demand for ethanol. Nevertheless, consumption levels throughout the country are not

    homogeneous. Far from sugar cane production centers and with one of the nations higher ethanol selling tax, state of Rio Grande do Sul is frequently pointed as the state that has the higher ethanol selling price in the country. As its price at fuel stations seldom reach a competitive price against gasoline, the demand of fuel ethanol in Rio Grande do Sul is also one of the lowest in the country, as the owners of flex-fuel vehicles rarely chose ethanol to fill

    their tanks. A new agricultural zoning act, published by Brazil Agriculture Ministry in 2009, included 182 Rio Grande do Sul counties as able to produce sugar cane for ethanol production. The counties listed on the zoning act can apply for official public policies,

    insurance and financing. Upon the publication of this zoning act a discussion began about the increasing of sugar cane and ethanol production in Rio Grande do Sul. For better understanding and analysis of sugar cane business in Rio Grande do Sul, this work purposes a system dynamics model, involving the relationship among the main variables that constitutes

    the fuel ethanol supply chain. Using VENSIM software, different arrangements for sugar cane productivity and fuel ethanol sales tax were simulated and different outputs for sugar cane

    area and ethanol production were obtained.

    The analysis of the results showed that considering actual productivity and state tax on ethanol fuel levels, the production of sugar cane in the state of Rio Grande do Sul is not sustainable. Model simulations yielded, even in the most positive scenario, considering

    productivity increase, tax reduction and gasoline price increase, unstable and swinging behavior for acreage increase.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO........................................................................................................ 7 2 OBJETIVO................................................................................................................. 16 3 REVISO BIBLIOGRFICA................................................................................ 17 3.1 CADEIA DE PRODUO E CADEIAS DE SUPRIMENTOS...................... 17 3.2 PENSAMENTO SISTMICO..................................................................... 18 3.3 DINMICA DE SISTEMAS E MODELAGEM COMPUTACIONAL............ 25 4 MTODO............................................................................................................... 29 4.1 IDENTIFICAO DAS VARIVEIS CHAVES........................................... 29 4.2 TRAADO DOS PADRES DE COMPORTAMENTO............................... 30 4.3 DESENHO DO MAPA SISTMICO............................................................. 30 4.4 REALIZAO DE CENRIOS E MODELAGEM EM COMPUTADOR.... 31 5 CARACTERIZAO DO SETOR DE ETANOL................................................. 5.1 PRODUO DE CANA DE ACAR PARA OBTENO DE ETANOL COMBUSTVEL.......................................................................................................

    32

    33 5.2 PRODUO DE CANA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL............ 35 5.3 CUSTOS DE PRODUO DE CANA-DE-ACAR.................................. 36 5.4 VALOR DA TONELADA DE CANA............................................................ 38 5.5 REFORMA DO CANAVIAL.......................................................................... 40 5.6 TRIBUTAO DO ETANOL HIDRATADO................................................. 41 6 RESULTADOS....................................................................................................... 43 6.1 CONSTRUO DO MAPA SISTMICO PARA O PROCESSO DE PRODUO DE CANA DE ACAR..................................................................

    43 6.2 TRANSCRIO DO MAPA SISTMICO PARA UM MODELO DE DINMICA DE SISTEMAS....................................................................................

    48 6.3 DEFINIO DAS VARIVEIS CRTICAS DENTRO DO MODELO DE DINMICA DE SISTEMAS....................................................................................

    54 6.4 SIMULAO DO MODELO DE DINMICA DE SISTEMAS UTILIZANDO O SOFTWARE VENSIM................................................................

    55 7 CONCLUSO........................................................................................................ 65 8 CONSIDERAES FINAIS................................................................................. 67

  • REFERNCIAS............................................................................................................. 69 ANEXO 1-A.............................................................................................................. 73 ANEXO 1-B.............................................................................................................. 74

    ANEXO 2................................................................................................................... 75

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1: Evoluo da demanda de combustveis no Brasil.................................................................. 9 FIGURA 2: Evoluo das vendas de veculos flex-fuel no Brasil............................................................. 10

    FIGURA 3: Letreiro com os dizeres Brazil has the technology to run all of its cars on green biofuel. Aeroporto de London City, novembro/2007..........................................................................

    11

    FIGURA 4: Concentrao da produo de cana-de-acar em dois clusters regionais............................. 12

    FIGURA 5: Grfico da demanda etanol hidratado x produo de cana-de-acar.................................... 12 FIGURA 6: Grfico da demanda etanol hidratado x produo de cana-de-acar escala ampliada. 13 FIGURA 7: Relao de Preos entre o etanol hidratado e a gasolina........................................................ 14 FIGURA 8: Grfico da relao de preos entre o etanol anidro e a gasolina C nos postos de

    combustvel do Rio Grande do Sul

    14

    FIGURA 9: Quadro comparativo Pensamento Sistmico x Pensamento Mecanicista.............................. 20 FIGURA 10: Notao do efeito direto e inverso da varivel independente sobre a varivel

    independente...........................................................................................................................

    22

    FIGURA 11: Enlace Reforador.................................................................................................................. 23 FIGURA 12: Enlace Balanceador................................................................................................................ 23

    FIGURA 13: Mapa conceitual do pensamento sistmico............................................................................ 25 FIGURA 14: Convenes esquemticas de um diagrama de fluxo............................................................. 28 FIGURA 15: Grfico da produo de etanol no Brasil................................................................................ 32 FIGURA 16: Grfico da produo de cana-de-acar no Brasil................................................................. 33 FIGURA 17: Demanda de etanol hidratado e gasolina C............................................................................ 34

    FIGURA 18: Custos de produo de cana-de-acar de fornecedores das regies Centro-Sul Tradicional, Centro-Sul Expanso e Nordeste, para o fechamento da safra 2010/11............

    38

    FIGURA 19: Equao para clculo do preo da cana-de-acar................................................................. 39 FIGURA 20: Alquotas estaduais de ICMS sobre o etanol hidratado.......................................................... 42 FIGURA 21: Primeiro enlace reforador..................................................................................................... 44 FIGURA 22: Custos..................................................................................................................................... 44

    FIGURA 23: Valor da tonelada de cana...................................................................................................... 45 FIGURA 24: Segundo enlace reforador..................................................................................................... 46 FIGURA 25: Terceiro enlace reforador..................................................................................................... 47 FIGURA 26: Enlace balanceador................................................................................................................. 48 FIGURA 27: Modelo de Dinmica de Sistemas para produo de cana-de-acar.................................... 49 FIGURA 28: Cculo do valor da tonelada de cana (VTC).......................................................................... 51 FIGURA 29: Cculo da produo de etanol hidratado e market share do etanol........................................ 52 FIGURA 30: Descrio das simulaes 1, 2, 3 e 4...................................................................................... 55 FIGURA 31: Grfico do resultado das simulaes 1, 2, 3 e 4 para a rea colhida...................................... 56 FIGURA 32: Grfico da produo de Etanol Hidratado para as simulaes 1, 2, 3 e 4.............................. 57

  • FIGURA 33: Grfico do market share do etanol hidratado para as simulaes 1, 2, 3 e 4......................... 58 FIGURA 34: Valores de produtividade inicial, alquota de ICMS e preo da gasolina C para as

    simulaes 5, 6, 7 e 8.............................................................................................................

    59 FIGURA 35: Grfico do resultado das simulaes para a rea colhida com aumento do preo da

    gasolina...................................................................................................................................

    60 FIGURA 36: Grfico de produo de etanol hidratado com aumento do preo da gasolina....................... 61 FIGURA 37: Grfico do market share do etanol hidratado com aumento do preo da gasolina................. 61 FIGURA 38: Grfico do resultado da simulao para a rea colhida considerando o aumento do preo

    da gasolina, produtividade inicial de 120 ton/ha, alquota de ICMS de 12% e incremento de novas reas de 25 mil ha por ano.......................................................................................

    62 FIGURA 39: Grfico do resultado da simulao para a produode etanol hidratado considerando o

    aumento do preo da gasolina, produtividade inicial de 120 ton/ha, alquota de ICMS de 12% e incremento de novas reas de 25 mil ha por ano........................................................

    63 FIGURA 40: Grfico do resultado da simulao para o market share do etanol hidratado, considerando

    o aumento do preo da gasolina, produtividade inicial de 120 ton/ha, alquota de ICMS de 12% e incremento de novas reas de 25 mil ha por ano........................................................

    64

  • 7

    1 INTRODUO

    J h alguns anos que a intensidade do uso de combustveis fsseis para a produo de energia fator de preocupao para humanidade, sendo que os principais impactos de sua queima em automveis so o aumento da poluio nos centros urbanos e as alteraes climticas em todo planeta originadas pelo aumento da concentrao de gases de efeito estufa. A concentrao da produo de petrleo em pases politicamente instveis, suscetveis a conflitos e interrupes

    de produo outro fator gerador de grande preocupao. Por estes motivos, a continuidade do emprego da gasolina e do leo diesel como principal fonte de energia para locomoo,

    fundamental para a difuso do uso dos automveis ao longo do sculo XX, vem sendo amplamente discutida nos ltimos anos. A busca pela substituio dos combustveis fsseis por combustveis de origem renovvel hoje uma tendncia observada em praticamente todas as regies do globo. Sejam movidos por interesses ambientais, econmicos, polticos ou sociais, diversos pases j demonstraram interesse na substituio dos derivados de petrleo por biocombustveis em suas matrizes energticas. Dentre eles, os maiores destaques so os

    Estados Unidos e o Brasil. Juntos, estes dois pases so responsveis 89% da produo e 88% do consumo de etanol no mundo (F. O. LICHTS, 2009)

    O governo norte-americano possui metas explcitas de substituio de combustveis fsseis

    por biocombustveis desde 2005, quando lanou seu primeiro padro para combustveis renovveis (RFS Renewable Fuel Standard). Este documento, emitido pela Agncia de Proteo Ambiental (EPA), tornou mandatria a mistura crescente de combustvel renovvel gasolina at que se atingisse uma quantidade anual de 28,4 bilhes de litros 2012. Em 2007, uma atualizao deste padro (RFS2) aumentou a quantidade de mistura para 57,6 bilhes de litros por ano em 2012, devendo crescer at 136 bilhes de litros por ano em 2022 (RABOBANK, 2012). Desde o lanamento do RFS a produo de etanol nos Estados Unidos, baseada no cultivo de milho, vem crescendo fortemente, sendo que, j em 2005, superou o Brasil, historicamente o maior produtor mundial deste biocombustvel.

    No Brasil, o histrico de utilizao do etanol misturado gasolina bem mais remoto. Desde o tempo de colnia, o Brasil destaca-se pelo cultivo da cana-de-acar para a produo de acar, que continua sendo at hoje uma das principais moedas de troca do pas. Alm do acar, a cana uma cultura muito propcia para a obteno do etanol. Enquanto a cana-de-acar gera oito unidades de energia para cada unidade utilizada para produzi-la, o milho,

  • 8

    matria prima do etanol norte-americano, gera pouco mais de uma unidade de energia para cada unidade utilizada em sua produo (EPE, 2008). Isso fez com que o uso do etanol nos veculos no Brasil estivesse presente praticamente desde a chegada do primeiro automvel ao pas, ainda no sculo XIX.

    De forma oficial, a mistura de etanol gasolina no Brasil est regulamentada desde 20/02/1931 atravs do decreto n 19.717, que impunha ao importador de gasolina a aquisio de um volume etanol de origem nacional equivalente a 5% do volume importado de gasolina. J em 1966, o governo brasileiro define, atravs do decreto n 59.190, que a produo de lcool anidro, estimulada por poltica de elevado interesse nacional, necessita de normal

    escoamento, garantido mediante adio gasolina. Este decreto delega ao Instituto do Acar e do lcool a funo de entrega do lcool nos centros de distribuio de combustveis e de controle das quantidades misturadas gasolina que poderiam chegar at 25% do volume. Ao longo da dcada de 1970, surgem regulamentaes especficas para os estados produtores, onda h maior oferta, aumentando a quantidade mnima de mistura de etanol gasolina para valores superiores a 10% em estados como So Paulo, Pernambuco, Alagoas e Paran (MAPA, 2012).

    Um dos benefcios obtidos com a mistura de etanol gasolina o aumento do poder antidetonante capacidade de um combustvel de resistir presso dentro do pisto sem sofrer uma auto-ignio, permitindo a utilizao de maiores taxas de compresso e, por

    conseqncia, maior potncia do motor. A capacidade de um combustvel resistir auto-ignio medida atravs de sua comparao a um padro. O padro mundialmente utilizado

    o iso-octano, o que conferiu medida da capacidade de resistncia auto-ignio de um combustvel o nome de octanagem. Um combustvel de octanagem igual a 100, ou de 100 octanas, possui a mesma capacidade de resistir auto-ignio do que o iso-octano. Desde o incio da indstria do automvel, um dos principais aditivos utilizados para aumentar a octanagem da gasolina era o chumbo tetraetila. O uso deste produto comeou a ser descontinuado, e inclusive proibido em alguns pases, devido sua toxicidade. Devido

    disponibilidade do lcool anidro para aumentar a octanagem da gasolina, o Brasil foi um dos primeiros pases a banir o uso do chumbo tetraetila.

    Com o aumento demanda de lcool anidro gerada pela reduo do uso do chumbo tetraetila na gasolina o governo brasileiro, atravs do Instituto do Acar e do lcool, lanou em 1975 o Programa Nacional do lcool, tambm conhecido como Prolcool, visando incentivar o

  • 9

    aumento da produo de lcool anidro. A partir da, a quantidade de lcool anidro misturado gasolina passou para 20% em praticamente todo territrio nacional.

    O Prolcool ganhou ainda mais fora a partir de 1979 com a elevao dos preos do petrleo. Em meio Revoluo Iraniana, Ayatollah Khomeini assume o poder do pas e passa a controlar a produo de petrleo, causando uma segunda disparada nos preos do produto - potencializada pelos temores de racionamento energtico nos EUA. O valor do barril chegou perto dos US$ 40, o pico da dcada. No Brasil, houve aumento no custo dos combustveis e racionamento. A dvida do Pas inchou com os crescentes custos da importao do petrleo. Este cenrio motivou o incio da segunda fase do Prolcool. J com ndices elevados de

    mistura de lcool anidro gasolina, a soluo encontrada pelo governo para a substituio das caras importaes de gasolina pelo etanol produzido localmente foi o lanamento de veculos movidos 100% a lcool. Assim, alm de misturado gasolina, o lcool passava a ser comercializado puro nos postos de combustveis, destinado a uma frota de veculos especialmente adaptados que cresceria at o incio da dcada de 90. Com os preos controlados pelo governo e incentivos fiscais nas vendas de veculos, o lcool mostrava-se uma alternativa vantajosa ao consumidor, como mostra a ascenso da curva que descreve as vendas de etanol entre os anos de 1980 e 1989 na Figura 1. No ano de 1985, 96% dos veculos novos vendidos eram movidos exclusivamente a etanol (FRANK, 1996).

    FIGURA 1: Evoluo da demanda de combustveis no Brasil.

    FONTE: Balano Energtico Nacional 2009

  • 10

    Com a queda do preo do petrleo a partir da segunda metade dos anos 80, os baixos preos pagos aos produtores de lcool impediram a elevao da produo interna do produto. Por outro lado, a demanda pelo etanol, por parte dos consumidores, continuou sendo estimulada por meio da manuteno de preo relativamente atrativo ao da gasolina e da manuteno de

    menores impostos nos veculos a lcool. Essa combinao de desestmulo produo de lcool e de estmulo sua demanda gerou a crise de abastecimento da entressafra 1989-90. A crise de abastecimento de lcool do fim dos anos 1980 afetou a credibilidade do Prolcool, que, juntamente com a reduo de estmulos ao seu uso, provocou, nos anos seguintes, um significativo decrscimo da demanda e a consequente queda nas vendas de automveis movidos exclusivamente a lcool.

    Dez anos mais tarde, no incio dos anos 2000, o preo do petrleo voltou a subir e o preo do lcool voltou a ser atrativo para o abastecimento de veculos, porm, praticamente, j no mais existiam carros movidos a lcool. O consumo de etanol hidratado combustvel s voltou a subir a partir da introduo dos veculos flex-fuel no mercado brasileiro de combustveis, com o lanamento do modelo Gol Total Flex pela Volkswagen em maro de 2003. So chamados de flex-fuel os automveis ou utilitrios leves, que operam com gasolina, lcool ou

    quaisquer misturas destes combustveis. O usurio escolhe o combustvel na hora de abastecer, considerando a disponibilidade e o custo do combustvel ou o desempenho do

    veculo (PETROBRAS, 2010). Esta nova tecnologia veio a dar novo flego ao consumo interno de lcool, conquistando rapidamente o consumidor.

    FIGURA 2: Evoluo das vendas de veculos flex-fuel no Brasil.

    FONTE: MME Boletim Mensal dos Combustveis Renovveis, abril de 2012

  • 11

    Com o rpido crescimento da frota de veculos flex (Figura 2), o uso do lcool hidratado como combustvel automotivo voltou a crescer. Esta evoluo pode ser vista na retomada do

    crescimento da curva que descreve a demanda de lcool a partir de 2003 na Figura 1. O uso do lcool combustvel no Brasil ganhou as manchetes internacionais que destacavam a capacidade do pas em fazer sua frota de automveis rodar com combustveis renovveis (Figura 3).

    FIGURA 3: Letreiro com os dizeres Brazil has the technology to run all of its cars on green biofuel. Aeroporto de London City, novembro/2007

    FONTE: Acervo pessoal

    Apesar do etanol produzido no Brasil, a partir da cana-de-acar, ser apontado como o

    biocombustvel mais vivel economicamente em todo o mundo e o pas estar em destaque no cenrio internacional por apresentar uma das maiores propores de combustveis renovveis

    em sua matriz energtica, a produo e a utilizao do etanol nos diferentes estados brasileiros esto longe de ser homogneas. A produo de etanol est concentrada nas regies produtoras de cana-de-acar (Figura 4), fazendo com que custos logsticos e diferentes cargas tributrias causem distores de oferta e preo em diferentes regies do Brasil.

  • 12

    FIGURA 4: Concentrao da produo de cana-de-acar em dois clusters regionais.

    FONTE: UNICA (2011)

    O maior consumo de etanol hidratado est concentrado nos estados produtores de cana de

    cana-de-acar. O estado de So Paulo, sozinho, concentra 58% da produo nacional de cana-de-acar e 60% do consumo de etanol hidratado (Figura 5).

    FIGURA 5: Grfico da demanda etanol hidratado x produo de cana-de-acar

    FONTE: Elaborado pelo autor com dados de ANP (2011) e MAPA (2011).

    -

    50,0

    100,0

    150,0

    200,0

    250,0

    300,0

    350,0

    400,0

    - 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0

    Pro

    du

    o

    de

    ca

    na

    -de

    -a

    car

    (mil

    h

    es

    t/a

    no

    )

    Demanda de etanol hidratado (milhes m3/ano)

    SP

    PR

    GOMG

  • 13

    Apesar de ter a quinta maior frota de automveis do pas, com mais de 4,5 milhes de veculos (DETRAN-RS, 2010), o estado do Rio Grande do Sul possui um dos menores consumos de etanol hidratado do pas (Figura 6). Com uma produo de apenas 2 mil metros cbicos anuais (MAISTRO, 2011), a maior parte do etanol hidratado consumido no Rio Grande do Sul produzida em So Paulo e os custos logsticos, que envolvem transporte rodovirio e ferrovirio, encarecem o produto, retirando parte de sua competitividade em

    relao gasolina. Outro fator que encarece o etanol hidratado a alquota de ICMS. Enquanto que em estados produtores de cana-de-acar, como So Paulo e Paran, a alquota

    do ICMS de 12% e 18% respectivamente, no Rio Grande do Sul ela de 25%.

    FIGURA 6: Grfico da demanda etanol hidratado x produo de cana-de-acar escala ampliada

    FONTE: Elaborado pelo autor com dados de ANP (2011) e MAPA (2011).

    A relao de preos entre o etanol hidratado e a gasolina (Figura 7) mostra o quanto o etanol representa do preo da gasolina C. Considerando a diferena entre o poder calorfico dos componentes de cada combustvel e o fator de desempenho mdio dos motores, quando o

    etanol representar menos de 0,7 (ou 70%) do preo da gasolina C, ele passa a ser mais vivel economicamente. A relao de preos entre o etanol hidratado e a gasolina C nos ltimos anos nos postos de combustveis no Rio Grande do Sul raramente ficou abaixo de 0,7 (Figura 8).

    -

    10,0

    20,0

    30,0

    40,0

    50,0

    60,0

    70,0

    - 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0

    Pro

    du

    o

    de

    ca

    na

    -de

    -a

    car

    (mil

    h

    es

    t/a

    no

    )

    Demanda de etanol hidratado (milhes m3/ano)

    PRGO

    MG

    RS

    RJ

    MTPE

    MSAL

    BA

  • 14

    =

    FIGURA 7: Relao de Preos entre o etanol hidratado e a gasolina

    FONTE: Elaborado pelo autor

    FIGURA 8: Grfico da relao de preos entre o etanol anidro e a gasolina C nos postos de combustvel do Rio Grande do Sul

    FONTE: Elaborado pelo autor com dados de ANP (2011)

    Levando isto em considerao, frequentemente a utilidade e a convenincia dos veculos flex-

    fuel so questionadas no Rio Grande do Sul: o consumidor acaba adquirindo um produto que lhe d uma opo de abastecimento, mas esta opo raramente pode ser exercida devido

    diferena de preos entre os combustveis (HAMMES 2006, HAMMES 2011, SFREDO, 2011, COLUSSI 2011, COLUSSI 2012).

    Em 2009, o governo brasileiro, atravs do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento, publicou uma portaria aprovando o zoneamento agrcola da cana-de-acar para o Rio Grande do Sul. A Portaria n 54 daquele ano relaciona os tipos de solo aptos produo, divulga tabela de perodos indicados para o plantio e dispe sobre os requisitos das cultivares indicadas para a regio. So 182 municpios considerados aptos para o cultivo de cana de acar com fins de produo de etanol e acar e 216 municpios autorizados a plantar cana para outros fins. Em funo da publicao do zoneamento, os produtores dos municpios indicados podero contar com polticas pblicas oficiais, financiamento e seguros

    0,00

    0,10

    0,20

    0,30

    0,40

    0,50

    0,60

    0,70

    0,80

    0,90

    1,00

    jan

    -08

    ab

    r-0

    8

    jul-

    08

    ou

    t-0

    8

    jan

    -09

    ab

    r-0

    9

    jul-

    09

    ou

    t-0

    9

    jan

    -10

    ab

    r-1

    0

    jul-

    10

    ou

    t-1

    0

    jan

    -11

    ab

    r-1

    1

    jul-

    11

    ou

    t-1

    1

    Pre

    o E

    tan

    ol

    Hid

    rata

    do

    / P

    reo

    da

    Ga

    soli

    na

  • 15

    agrcolas, caso sejam necessrios. Esperava-se que, com o zoneamento, a capacidade produtiva do estado fosse ampliada. Alm do zoneamento da cana-de-acar, resultados promissores de pesquisas com novas variedades de plantas tambm trazia boas expectativas para o aumento da produo de cana do estado (EMBRAPA, 2012).

  • 16

    2 OBJETIVO

    O anncio do aumento da produo de cana-de-acar no estado do Rio Grande do Sul sempre causa grande repercusso na sociedade, uma vez que carrega junto a expectativa dos consumidores em encontrar preos mais baixos nas bombas de combustvel. Levando em considerao esta expectativa de aumento de rea plantada de cana-de-acar no estado do Rio Grande do Sul e que a produtividade das lavouras e a carga tributria sobre o etanol

    hidratado combustvel so peas chave nesta discusso, fez-se o seguinte questionamento:

    como a evoluo da rea plantada de cana-de-acar no estado do Rio Grande do Sul responde diferentes combinaes de produtividade e de alquota de ICMS para o etanol hidratado combustvel?

    O objetivo deste trabalho analisar as relaes entre as principais variveis que atuam sobre a cadeia de produo do etanol hidratado e como a combinao destas pode retrair ou expandir a area plantada de cana-de-acar no estado do Rio Grande do Sul.

    Por meio da parametrizao e simulao do comportamento das diferentes variveis que compem a cadeia produtiva do etanol, buscou-se identificar em quais condies a produo

    de cana-de-acar para obteno de etanol hidratado combustvel no estado do Rio Grande do Sul poderia apresentar-se economicamente vivel a longo prazo.

  • 17

    3 REVISO BIBLIOGRFICA

    3.1 CADEIAS DE PRODUO

    O conceito de cadeia de produo comeou a ser aplicado para sistemas agroindustriais com a

    definio do conceito de agribusiness por John Davis e Ray Goldberg, em 1957. Segundo estes dois pesquisadores de Harvard, agribusiness soma das operaes de produo e distribuio de suprimentos agrcolas, das operaes de produo nas unidades agrcolas, do armazenamento, processamento e distribuio dos produtos agrcolas e itens produzidos a partir deles. A partir da definio de agribusiness, em um trabalho posterior, Goldbergh utiliza pela primeira vez a noo de commodity system approach (CSA). Os trabalhos de Goldberg buscavam incorporar certo aspecto dinmico atravs da considerao das mudanas que ocorrem no sistema ao longo do tempo. Este enfoque dinmico ressaltado pela

    importncia assumida pela tecnologia como agente indutor destas mudanas. A sucesso de etapas produtivas e o aspecto tecnolgico so tambm bastante enfatizados pela analyse de filiere, noo de cadeia de produo agroindustrial (CPA) desenvolvida na dcada 60 pela escola industrial francesa.

    Uma cadeia de produo definida a partir da identificao de determinado produto final, sendo uma sucesso de operaes de transformao dissociveis, capazes de ser separadas e

    ligadas entre si por um encadeamento tcnico. A cadeia de produo tambm um conjunto de relaes comerciais e financeiras que estabelecem, entre todos os estados de transformao, um fluxo de troca entre fornecedores e clientes. A cadeia de produo um conjunto de aes econmicas que presidem a valorao dos meios de produo e asseguram a articulao das operaes (BATALHA, 1997).

    Uma cadeia de produo agroindustrial pode ser dividida em, basicamente, trs macrossegmentos: comercializao, industrializao e produo de matrias primas. Uma cadeia de produo definida a partir da identificao de determinado produto final, encadeando as vrias operaes tcnicas, comerciais e logsticas, necessrias a sua produo.

    As CPA no so estanques entre si, apresentando operaes ou estados intermedirios de produo comuns a vrias CPA que compem o complexo agroindustrial no qual esto

    inseridas. Um complexo agroindustrial tem como ponto de partida determinada matria-prima de base. A arquitetura deste complexo agroindustrial seria ditada pela exploso da matria-

  • 18

    prima principal que o originou, segundo os diferentes processos industriais e comerciais que ela pode sofrer at se transformar em diferentes produtos finais. Estas operaes comuns dentro do complexo agroindustrial so muito importantes do ponto de vista estratgico, pois representam lugares privilegiados para a obteno de sinergias dentro do sistema, alm de

    funcionarem como pontos de partida eficientes para a diversificao das firmas.

    Dentro de uma cadeia de produo agroindustrial tpica podem ser visualizados no mnimo quatro mercados com diferentes caractersticas: mercado entre produtores rurais e

    agroindstria, mercado entre agroindstria e distribuidores e, finalmente, mercado entre distribuidores e consumidores finais.

    O posicionamento da firma dentro do sistema agroindustrial, bem como o da concorrncia, facilmente identificvel atravs da observao das operaes pelas quais a firma responsvel no conjunto das atividades necessrias elaborao do produto final. O sistema agroindustrial (SAI) pode ser considerado o conjunto de atividades que concorrem para a produo de produtos agroindustriais, desde a produo dos insumos (sementes, adubos, mquinas agrcolas etc.) at a chegada do produto final ao consumidor (BATALHA, 1997).

    3.2 PENSAMENTO SISTMICO

    O mundo complexo ricamente interconectado, exigindo uma viso do todo, de sua rica interconexo e da fora de nossos modelos mentais na raiz de tudo. Uma forma alternativa de

    abordar os problemas necessria. Uma forma que permita enxergar o todo, os relacionamentos, que no seja reducionista, que enxergue o contexto, que reconhea a histria, que permita ultrapassar a crise de percepo originada pela forma cartesiana de pensar. Nesse sentido amplo movimento ocorre desde os primrdios do Sculo XX em diferentes reas, e chega gesto no final desse sculo. As organizaes mecanicistas j no so suficientemente flexveis e adaptativas aos novos tempos (ANDRADE et al., 2006).

    Desde pequenos somos ensinados que cada evento possui uma causa que, por sua vez, um efeito de outra causa anterior. Tal explicao baseada em eventos pode se estender

    indefinidamente em uma contnua e linear cadeia de causas e efeitos, at que se chegue causa inicial ou, mais provavelmente, se desista na metade do caminho. Esta viso de mundo

    orientada por eventos nos conduz a uma abordagem orientada por eventos para solucionar problemas. O problema desta abordagem linear para a soluo de problemas no considerar

  • 19

    que o sistema como um todo reage soluo o resultado de nossas aes define uma situao que teremos de encarar no futuro. Esta nova situao altera a abordagem do problema, e as decises que tomaremos no futuro. A soluo do passado se torna o problema do presente (STERMAN 2000).

    Segundo Peter Senge (2006), o pensamento sistmico uma estrutura conceitual, um corpo de conhecimento e ferramentas que vem se desenvolvendo ao longo dos ltimos cinqenta anos, esclarecendo a compreenso de padres complexos e nos indicando como podemos alter-los

    com eficincia.

    As caractersticas que o Pensamento Sistmico incorporou ao longo desses anos de estudo nos

    levaram a perceber o mundo de uma maneira especfica e a tentar a resolver os problemas desta maneira. Abaixo vemos um quadro comparando a abordagem do Pensamento Sistmico com o pensamento mecanicista tradicional (Figura 9).

    PENSAMENTO MECANICISTA

    PENSAMENTO SISTMICO

    DAS PARTES PARA O TODO

    O processo analtico funo primordial. Decomposio do todo em partes menores de mais simples compreenso.

    Maior nfase ao todo do que parte. Estabelecimento de fronteiras de sistema e incluso de relacionamentos com o ambiente e com outros sistemas.

    DOS OBJETOS PARA OS RELACIONAMENTOS

    nfase nos objetos, pouco atento ao relacionamento entre eles.

    Busca de um entendimento da realidade no por meio de colees de objetos, mas por meio de redes de relacionamento incorporadas em redes maiores.

    DAS HIERARQUIAS PARA AS REDES

    Objetos so decompostos hierarquicamente em partes, que so novamente decompostos em partes menores, inferiores dentro da hierarquia.

    Deslocamento da ateno de um lado para outro entre nveis sistmicos, por meio de uma ampla rede de relaes. Uma srie de descries interconectadas de fenmenos construda por meio da descrio do funcionamento da rede, na medida em que percebemos a realidade como relacionamentos.

    DA CAUSALIDADE LINEAR PARA A CIRCULARIDADE

    O entendimento da realidade cientfica passa do levantamento de dados para o reconhecimento de padres, e da para explicaes causais dos fenmenos.

    Busca um entendimento integral da realidade por meio dos fluxos circulares, em vez de apenas por meio de relaes lineares de causa e efeito.

  • 20

    DA ESTRUTURA PARA O PROCESSO

    A estrutura de um sistema complexo o influenciador fundamental do funcionamento dos seus processos. So os processos fundamentais que estabelecem padres de organizao e que acabam por se materializar em uma estrutura.

    Busca essencial do entendimento dos processos subjacentes que organizam um padro, e que, por fim, do origem a uma estrutura materializada. Toda estrutura vista como a manifestao de processos subjacentes, em um pensamento de processo, que considera a natureza dinmica da realidade.

    DA METFORA MECNICA PARA A METFORA DO ORGANISMO VIVO E OUTRAS NO-MECNICAS

    A metfora mecanicista para a compreenso e construo de organizaes comea a dar sinais de esgotamento quando vivemos em um mundo cada vez mais interconectado, dinmico e em mudana

    O sistema vivo tem se mostrado uma metfora til na compreenso da nova cincia, pois conceitos como contexto, ambiente, relaes, mutualidade, fluxos, fronteiras permeveis, processos, desenvolvimento e evoluo so muito mais prximos dos objetos de estudo da biologia e ecologia do que das mquinas.

    DO CONHECIMENTO OBJETIVO PARA O CONHECIMENTO CONTEXTUAL E EPISTMICO

    Campo da experincia independente dos interesses e emoes do observador individual. Conhecimento obtido por mtodos acordados por diversos especialistas, em que as subjetividades so apartadas do processo.

    O prprio entendimento sobre o processo de conhecimento tem que ser includo explicitamente na descrio dos fenmenos. Como os pressupostos relacionados ao processo de conhecimento, suas teorias, modelos e formas de mensurao dependem do paradigma em uso, e como h diferentes paradigmas disponveis, precisa-se explicitamente declarar sua epistemologia em uso. A epistemologia parte do processo de observao e, ao mesmo tempo, o influencia.

    DA VERDADE PARA AS DESCRIES APROXIMADAS

    Busca da verdade. Busca de descries aproximadas teis dentro de um contexto.

    DA QUANTIDADE PARA A QUALIDADE

    nfase na mensurao quantitativa dos objetos.

    Como relacionamentos, formas e padres so difceis de serem mensurados, torna-se necessria uma atitude mais flexvel, envolvendo visualizao e mapeamento.

    DO CONTROLE PARA COOPERAO, INFLUENCIAO E AO NO-VIOLENTA

    Atitude de dominao e controle da natureza, incluindo os seres humanos.

    Comportamento cooperativo e de no-violncia, tanto na cincia quanto na tecnologia, nas organizaes e na sociedade.

    FIGURA 9: Quadro comparativo Pensamento Sistmico x Pensamento Mecanicista

    FONTE: adaptado de ANDRADE et al. (2006)

    A chave para a compreenso da realidade sistmica enxergar crculos de influncia ao invs de linhas retas. Este o primeiro passo para quebrar a postura reativa oriunda do pensamento linear. Cada crculo conta uma histria. Seguindo os fluxos de influncias, podemos visualizar

  • 21

    padres que se repetem de tempos em tempos, trazendo resultados melhores ou piores (SENGE, 2006).

    Nesse sentido, as ideias sistmicas so expressas em uma linguagem prpria, uma linguagem

    que satisfaz as necessidades de pensar sistematicamente, levando-nos a pensar mais nas partes do que no todo, enfatizando mais os relacionamentos que os objetos, promovendo o entendimento da realidade mais como redes do que como hierarquias, permitindo ver crculos maiores de causalidade, focalizando a dinmica e os processos subjacentes em vez de uma estrutura esttica.

    Usualmente nos referimos a efeitos colaterais como se fossem feies da realidade, quando,

    na realidade, no existem efeitos colaterais, apenas efeitos. Quando tomamos uma ao ocorrem diversos efeitos. Os efeitos que antecipamos, ou so benficos, chamamos de principais ou efeitos esperados. Os efeitos que no antecipamos, que vo contra nossos objetivos, os efeitos que prejudicam o sistema, so os efeitos a que nos referimos como colaterais. Efeitos colaterais no so feies da realidade e sim um sinal de que nosso entendimento sobre o sistema curto e falho (STERMAN, 2000).

    A linguagem sistmica utiliza-se de poucos smbolos, suficientes para representar as variveis

    de um sistema e o relacionamento entre elas. Variveis so partes ou elementos componentes de um sistema, so os elementos centrais da linguagem sistmica. Certas variveis afetam ou

    influenciam outras, evidenciando a existncia de relaes de causa e efeito. As variveis relacionam-se aos pares, de maneira que variaes na varivel causadora (ou independente) provocam variaes na varivel efeito (ou dependente). Um mapa construdo a partir das relaes de causa e efeito capaz de nos mostrar uma viso do todo de um sistema, bem como nos leva a enxergar esse todo principalmente a partir dos relacionamentos. Formam-se redes de relaes de causa e efeito, que mapeiam a estrutura do todo (ANDRADE et al., 2006).

    As variveis esquerda da seta provocam mudanas nas variveis da direita. Esta influncia pode ser diretamente proporcional, como um aumento na produo provocando um aumento no estoque, como tambm pode ser de proporcionalidade inversa, como um aumento na

    influenciaVarivel

    independente

    Varivel

    dependente

  • 22

    produo provocando uma reduo na ociosidade das mquinas. Na figura 10 vemos um exemplo da notao para as proporcionalidades diretas e inversas.

    FIGURA 10. Notao do efeito direto e inverso da varivel independente sobre a varivel independente.

    FONTE: adaptado de ANDRADE et al. (2006)

    Um mapa construdo a partir das relaes de causa e efeito capaz de nos mostrar uma viso do todo de um sistema, bem como nos leva a enxergar esse todo a partir dos relacionamentos. Formam-se redes de relaes de causa e efeito que mapeiam a estrutura do todo.

    Dentro da linguagem sistmica, duas figuras so importantes para a visualizao de crculos

    maiores de causalidade: os enlaces reforadores e os enlaces balanceadores. No enlace reforador, uma varivel importante acelera-se com crescimento ou colapso exponencial. Os enlaces reforadores so os responsveis por situaes em que as mudanas apiam-se em si

    mesmas. Pequenas mudanas so amplificadas e transformam-se em grandes mudanas. Por outro lado, quando temos um movimento em direo a um alvo, ou ento oscilao flutuando em torno de um alvo nico, ocorre o chamado enlace equilibrador ou balanceador. Enlaces equilibradores so os tipos de estrutura que promovem a estabilidade, a resistncia ou os

    +

    -

    +

    -

    quanto menor

    investimento

    menor

    produtividade

    quanto menor

    investimento

    maior

    manuteno corretiva

    quanto maior

    produo

    maior

    estoque

    quanto maior

    produo

    menor

    ociosidade de mquinas

  • 23

    limites. Geram as foras de resistncia que limitam o crescimento, evitando que os sistemas percam o seu equilbrio natural (ANDRADE et al., 2006).

    FIGURA 11. Enlace Reforador.

    FONTE: adaptado de STERMAN et al. (2000)

    FIGURA 12. Enlace Balanceador.

    FONTE: adaptado de STERMAN et al. (2000)

    O Pensamento Sistmico nos ajuda a mapear a dinmica de um sistema a partir de enlaces de reforo e de equilbrio atuando intricada e simultaneamente para gerar a complexidade de sua realidade. O mapa sistmico nos comunica a dinmica estrutural, e o comportamento de um

    sistema um exerccio de modelagem de como se acredita que o mundo funciona sistematicamente. Pela dinmica das inter-relaes entre as variveis-chave geram-se padres

    de comportamento futuro, que so na verdade, cenrios que se configuraro se aquelas foras continuarem atuando tal como mapeadas ou simuladas. A aprendizagem obtida pela aplicao

    Galinhas Ovos+

    +

    Galinhas Abates+

    -

  • 24

    do mtodo sistmico e a compreenso da interao dos nossos modelos mentais nos do a segurana de que estamos no caminho das solues sustentveis.

    importante, porm, lembrarmos que um mapa sistmico um modelo e, como todo modelo, por definio, sempre simplificado e incompleto. Muitas outras foras externas e internas organizao podem emergir no futuro e modificar o padro de comportamento de variveis-chave que se encontram no mapa. Pelas suas inter-relaes, um novo padro de desempenho emergiria do nosso sistema. Novas variveis podem se mostrar relevantes a partir de

    determinado momento e podem ser agregadas ao mapa. O mundo interconectado. No conseguimos mapear todos os enlaces potenciais de reforo e equilbrio, at mesmo pela

    limitao dos nossos modelos mentais (ANDRADE et al., 2006).

    DOLCI, BERGAMASCHI e VARGAS (2008) estudaram o relacionamento entre as principais teorias e metodologias ligadas estruturao do pensamento sistmico, atravs da elaborao de um mapa conceitual (Figura 13). O material analisado por eles permitiu a construo de uma proposta de integrao dos conceitos existentes e os respectivos autores sobre pensamento sistmico.

  • 25

    FIGURA 13. Mapa conceitual do pensamento sistmico

    FONTE: DOLCI (2008)

    3.3 DINMICA DE SISTEMAS E MODELAGEM COMPUTACIONAL

    A modelagem computacional uma das ferramentas do Pensamento Sistmico que adicionam aprendizagem ao processo. Por meio da modelagem computacional, constroem-se micromundos do sistema real, de maneira que se possam avaliar as consequncias das aes

    no tempo e no espao. O micromundo simula a passagem do tempo, permitindo uma aprendizagem experiencial menos arriscada e difcil do que aquela realizada no mundo real.

    A modelagem computacional trata de partir de um modelo qualitativo (o mapa sistmico) para um modelo quantitativo (o modelo computacional). Para esse processo usam-se as tcnicas do campo de conhecimentos da Dinmica de Sistemas. A modelagem em Dinmica de Sistemas

  • 26

    consiste basicamente em representar os processos de um sistema que definem seu comportamento. Desenvolver modelos de estruturas de processos de sistema essencialmente reconhecer os fluxos que convertem recursos em diferentes estados. Implica reconhecer, no mapa sistmico, os recursos que esto fluindo atravs das setas, e em quais diferentes estados

    esses recursos podero se encontrar (ANDRADE et al., 2006).

    O primeiro modelo de simulao construdo para o estudo do comportamento dinmico de uma cadeia de suprimentos foi o estudo seminal de Jay Forrester (FORRESTER, 1961). Apesar de mencionado por muitos autores e consultores nos ltimos trinta anos, os insights de Forrester talvez ainda no tenham recebido a devida ateno. Muitas ideias de origem

    supostamente recente podem ser relacionadas com o modelo de Forrester se as relaes entre dinmica de sistemas e a reengenharia dos processos for propriamente compreendida (TOWILL, 1997).

    Anlises de sistemas dinmicos vem sendo realizadas h muitos anos atravs de diferentes

    mtodos, como a anlise de sries temporais e vrios tipos de modelagem estatsticas. Um mtodo ainda pouco utilizado no Brasil para a representao e anlise de sistemas dinmicos

    a dinmica de sistemas (Systems Dynamics SD), desenvolvida na dcada de 70 por uma equipe do MIT com a finalidade de abordar problemas socioeconmicos e tecno-socias. A dinmica de sistemas est baseada na ubiquidade dos processos de feedback nas interaes humanas: considerando um elevado nvel de abstrao um sistema socioeconmico ou tecno-

    social pode ser modelado como uma estrutura de feedback, cujo complexo comportamento gerado pela interao de vrios (possivelmente no-lineares) loops ao longo do tempo (PFAHL, 2000).

    Muito da arte da modelagem de sistemas dinmicos encontra-se na definio e representao dos enlaces balanceadores e reforadores (feedbacks), que, juntamente com as estruturas de estoque e fluxo, atrasos de tempo e no-linearidades, determinam a dinmica de um sistema. Apesar de existirem apenas dois tipos de enlaces, a interao entre eles pode se tornar complexa. Podemos pensar intuitivamente no comportamento de um enlace isolado, mas

    quando mltiplos enlaces interagem, a predio da dinmica do sistema no trivial. Nestas situaes, a simulao computacional frequentemente utilizada para a deduo do

    comportamento dos sistemas (STERMAN, 2000).

    A complexidade de nossos modelos mentais excede nossa capacidade de compreender suas implicaes. A maior parte dos modelos conceituais so muito grandes e complexos para

  • 27

    realizarmos uma simulao mental. Sem a simulao por computadores at mesmo os melhores modelos conceituais s podem ser testados e melhorados atravs de respostas apresentadas por situaes reais. Estas respostas so muito lentas e muitas vezes a experimentao praticamente impossvel ou os custos para a realizao de experimentos

    muito elevado. Nestas circunstncias a simulao se torna a nica maneira confivel de testar hipteses e avaliar os efeitos das alteraes propostas ao sistema (STERMAN, 2000).

    Segundo PFAHL e LEBSANFT (2000), o uso de apenas intuio e experincia geralmente no eficiente para a compreenso das implicaes dinmicas de diversos enlaces que se inter-relacionam atravs da estrutura do sistema. Quando ocorrem problemas, seus diagnsticos no so triviais. As pessoas geralmente falham ao pensar em termos de relaes circulares de causa e efeito, confundindo sintomas e causas. Como consequncia, as polticas de correo implementadas geram resultados pobres por trs razes principais:

    o tratamento dos sintomas no aborda as causas estruturais do problema;

    sistemas de feedback resistem a polticas de mudana atravs de mecanismos internos de compensao;

    efeitos de longo prazo podem ser muito diferentes dos efeitos de curto prazo, fazendo

    com que a poltica implementada possa at agravar o problema com o tempo.

    A soluo sustentada pelos estudiosos de sistemas dinmicos a construo de modelos formais (matemticos) e a realizao intensiva de simulaes. Os modelos formais capturam os mecanismos de feedback mais importantes que geram os padres de comportamento do sistema real. A anlise das simulaes proporciona um melhor entendimento da dinmica do

    problema e a possibilidade da descoberta experimental de polticas mais eficientes atravs da investigao dos efeitos de estruturas alternativas.

    Os modelos de dinmica de sistemas utilizam diagramas de fluxo como representao da

    estrutura dos sistemas. Um diagrama de fluxo oferece uma representao ilustrativa mais precisa, identificando explicitamente as variveis utilizadas nas equaes do modelo. Os

    smbolos bsicos utilizados em um diagrama de fluxo de dinmica de sistemas so mostrados na Figura 14.

  • 28

    FIGURA 14. Convenes esquemticas de um diagrama de fluxo

    FONTE: Adaptado de PFAHL e LEBSANFT (2000)

    O desenvolvimento de um modelo dinmico possibilita a percepo de comportamentos ocultos de cada stakeholder e proporciona a habilidade de identificar pontos chave de

    alavancagem e testa os impactos de iniciativas no desempenho ao longo do tempo, sob diferentes cenrios. O modelo dinmico proporciona a possibilidade de testar e analisar possveis resultados de estratgias em um ambiente livre de riscos e sem comprometimento de

    recursos, poupando tempo e dinheiro (FINSKUD, 2002).

    EstoqueTaxa

    Variveisauxiliares Constantes

    Fluxo

    links deinformaes.

    fontes ou sumidouros foradas fronteiras do modelo

  • 29

    4 MTODO

    Este trabalho est dividido basicamente em trs etapas. A primeira etapa a elaborao de um mapa sistmico do negcio de produo de cana-de-acar, descrevendo as relaes de causa e efeito entre seus principais componentes. A segunda etapa a transcrio do mapa sistmico para um modelo de dinmica de sistemas, com a quantificao de suas variveis e formulao das relaes entre elas. A terceira etapa a simulao matemtica do modelo de dinmica de

    sistemas com a utilizao do software VENSIM, obtendo-se uma projeo para a expanso da produo de cana-de-acar para fabricao de etanol hidratado combustvel no estado do Rio

    Grande do Sul para o horizonte de vinte anos. Diferentes simulaes para diferentes valores das variveis selecionadas resultaram em diferentes cenrios para expanso da produo de cana-de-acar no estado do Rio Grande do Sul.

    Para a elaborao deste trabalho foram tomados como base os passos do mtodo sistmico descritos por Andrade (2006):

    identificao das variveis chaves

    traado dos padres de comportamento

    desenho do mapa sistmico

    realizao de cenrios

    modelagem em computador

    4.1 IDENTIFICAO DAS VARIVEIS CHAVES

    Como uma primeira abordagem para a compreenso do problema e com o objetivo de identificar as variveis mais relevantes que influenciam a produo de cana-de-acar no estado do Rio Grande do Sul, foi realizada uma primeira rodada de entrevistas com

    especialistas do setor envolvendo diferentes ramos de atividade. Foram consultados profissionais pesquisadores da EMBRAPA Clima Temperado, Gerncia de Novas

    Tecnologias da Petrobras Biocombustveis, Gerncias de Planejamento de Marketing de Combustveis Claros e Planejamento Estratgico da Petrobras, consultores da Informa e Safras e Mercado. O questionrio utilizado como base para as entrevistas com os especialistas

  • 30

    encontra-se no Anexo 1-A. Esta primeira entrevista definiu as principais varveis que estaro envolvidas no mapa sistmico e no modelo.

    4.2 TRAADO DOS PADRES DE COMPORTAMENTO

    Uma segunda rodada de entrevistas, com os mesmos especialistas, foi realizada no sentido de detalhar os pontos levantados durante a primeira entrevista. Nesta segunda entrevista buscou-

    se levantar novas variveis importantes dentro do sistema, visualizar como as variveis se relacionam e estabelecer os enlaces reforadores e balanceadores que iro compor o mapa sistmico. As questes que serviram como base para esta segunda entrevista encontram-se no Anexo 1-B.

    Em paralelo realizao das entrevistas, foi feita uma coleta de dados para compor sries histricas das variveis e o desenho dos padres de comportamento, buscando o entendimento do comportamento de longo prazo das variveis. Para este tipo de anlise foram utilizadas fontes secundrias como o Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA), Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (EMBRAPA), Petrobras, Associao Nacional dos Fabricantes de Veculos Automotores (ANFAVEA), Unio das Indstrias de Cana-de-Acar (UNICA), Departamento Estadual de Trnsito do Rio Grande do Sul (DETRAN-RS), Empresa de Pesquisa Energtica (EPE), entre outras.

    4.3 DESENHO DO MAPA SISTMICO

    O mapa sistmico elaborado com a identificao das relaes causais entre os fatores, a partir da comparao dos dados, hiptese preliminares, intuies e conhecimento especializado a respeito das influncias recprocas, desvendando as estruturas sistmicas. O

    mapa sistmico, local onde se mapeiam as variveis e as relaes de causa e efeito entre elas, construdo a partir da linguagem sistmica. Cria-se uma espcie de mapa, modelo ou

    representao do terreno ligado ao assunto (ANDRADE, 2006).

  • 31

    4.4 REALIZAO DE CENRIOS E MODELAGEM EM COMPUTADOR

    Modelagem computacional o processo de construo de modelos em softwares de Dinmica de Sistemas, visando o desenvolvimento de micromundos gerenciais. Neles pode-se testar

    estratgias e obter aprendizagens, o que, de outra forma, seria mais arriscado e mais demorado. A modelagem computacional parte de duas entradas bsicas: o mapa sistmico e os cenrios. O mapa sistmico d uma idia sobre o escopo de modelagem. No mapa sistmico, determina-se o conjunto de variveis, juntamente com seus relacionamentos, que far parte do modelo, de acordo com os objetivos do trabalho. Os cenrios identificam quais variveis de entrada e de sada faro parte do painel de controle do modelo. A vantagem do

    usos do computador a possibilidade de alterar parmetros ou simular a passagem do tempo, alm de avaliar as influncias mtuas de uma maneira dinmica. A principal funo da modelagem a possibilidade de reavaliao dos modelos mentais, uma vez que o computador oferece um local seguro para experimentaes que geram aprendizagem.

    A montagem do modelo de dinmica de sistemas e as simulaes matemticas foram feitas utilizando-se o software Vensim PLE Plus for Windows Version 5.11A da Ventana Systems Inc. Este software foi escolhido dentre os programas que realizam simulaes de modelos de sistemas dinmicos por ter um custo acessvel, uma interface simples e possibilitar diversas possibilidades de clculo gerando uma razovel apresentao dos resultados.

    O horizonte de tempo estudado na modelagem foi de 20 anos. Duas variveis foram escolhidas como crticas para a avaliao do negcio de produo de cana-de-acar: a produtividade inicial e a alquota de ICMS sobre a venda do etanol hidratado combustvel. A partir de diferentes combinaes destas duas variveis foram gerados diferentes cenrios para as variveis de sada estudadas: rea colhida e produo de etanol hidratado.

  • 32

    5 CARACTERIZAO DO SETOR DE ETANOL

    5.1 PRODUO DE CANA-DE-ACAR PARA A OBTENO DE ETANOL COMBUSTVEL

    A produo da cana-de-acar sempre foi uma das locomotivas da economia agrcola brasileira. Desde a poca colonial, o acar de cana um dos principais produtos de exportao do pas. O acar era produzido em grandes canaviais, com forte integrao

    vertical. Por diversas dcadas o acar foi a principal atividade econmica do Brasil. O uso energtico, a partir da produo de etanol combustvel, comeou a ganhar mais relevncia a

    partir do primeiro choque de preos do petrleo no incio da dcada de 70, quando o governo incentivou a produo do etanol em substituio cada vez mais cara gasolina importada naquela poca (Figura 15). A produo de etanol de cana-de-acar comeou a receber massivos investimentos em cincia e tecnologia, tanto com recursos pblicos quanto privados. Com a maior necessidade de etanol, a produo de cana-de-acar tambm teve um forte avano a partir do final da dcada de 1970 (Figura 16).

    FIGURA 15. Grfico da produo de etanol no Brasil

    FONTE: Anurio Estatstico da Agroenergia 2010 (MAPA)

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    19

    49

    19

    52

    19

    55

    19

    58

    19

    61

    19

    64

    19

    67

    19

    70

    19

    73

    19

    76

    19

    79

    19

    82

    19

    85

    19

    88

    19

    91

    19

    94

    19

    97

    20

    00

    20

    03

    20

    06

    20

    09

    Evoluo da Produo de Etanol no Brasil

    (milhes m3)

  • 33

    FIGURA 16. Grfico da produo de cana-de-acar no Brasil

    FONTE: Anurio Estatstico da Agroenergia 2010 (MAPA)

    A indstria do etanol foi fortemente regulada at o incio dos anos 1990. Elaborada pelo governo militar, a lei 4870 de 1965 definia as regras do jogo desde a plantao da cana, passando pela produo do etanol at a distribuio e exportao. Os preos eram definidos para todas as etapas na cadeia de valor e uma cota de produo era designada para cada usina. Toda atividade era regulada pelo governo atravs do Instituto do Acar e do lcool (IAA), restringindo a ao de investidores e empreendedores, ficando as decises sobre

    investimentos e aumento de produo atrelados decises polticas.

    O restabelecimento da democracia, junto com a promulgao de uma nova constituio ao final da dcada de 1980, diminuiu a interferncia do governo na economia. No incio dos anos 90, o Brasil entra para o Mercosul e o governo lana o Plano Real, um passo importante para a conquista do controle sobre a inflao. A indstria sucroenergtica entrou em um processo

    gradual de desregulamentao, iniciando com a extino do IAA em 1990. Porm, somente em 1997 o controle sobre o preo do etanol no mercado interno foi extinto. Mesmo com a maior parte da atividade ser dirigida por empresas familiares, durante este perodo de transio, os setores envolvidos se tornavam cada vez mais voltados competitividade e lucratividade. (CHADDAD, 2010)

    O ano de 2003 entrou para a histria como uma das principais marcas da histria do consumo

    de etanol combustvel no Brasil. Neste ano foram lanados no mercado brasileiro de

    0

    100

    200

    300

    400

    500

    600

    700

    19

    49

    19

    52

    19

    55

    19

    58

    19

    61

    19

    64

    19

    67

    19

    70

    19

    73

    19

    76

    19

    79

    19

    82

    19

    85

    19

    88

    19

    91

    19

    94

    19

    97

    20

    00

    20

    03

    20

    06

    20

    09

    Evoluo da Produo de Cana-de-Acar no Brasil

    (milhes ton)

  • 34

    automveis os veculos flex-fuel. Esta tecnologia permitiu aos consumidores abastecer seus veculos com gasolina, etanol ou qualquer mistura entre eles. Isto significa que a escolha do combustvel pode ser feita no posto de abastecimento, de acordo com a diferena de preos entre os dois combustveis, permitindo ao mercado a auto regulao do preo de acordo com a

    oferta e a demanda. Os carros flex se popularizaram rapidamente e hoje mais de 90% das vendas de veculos novos possuem esta tecnologia (ANFAVEA, 2012). A demanda interna de etanol combustvel aumentou em ritmo similar ao crescimento das vendas dos veculos flex (Figura 17).

    FIGURA 17. Demanda de etanol hidratado e gasolina C

    FONTE: ANP (2012)

    O mpeto dos empresrios e investidores do setor sucro-energtico brasileiro foi freado pela

    crise financeira de 2008. Com a sada do capital estrangeiro do pas, diversos projetos de novas usinas e expanso de capacidade foram postergados. Mais grave do que o no

    crescimento da produo, a falta de investimento na renovao e tratos dos canaviais, combinada com a estiagem provocada pelo fenmeno La Nia em 2010 e 2011, diminuiu a produtividade das lavouras e, por consequncia, a produo de etanol, elevando os preos e reduzindo o consumo do etanol hidratado. Devido falta de investimento nos ltimos anos, a

    produtividade mdia nacional ainda levar alguns anos para retomar os valores alcanados antes de 2008.

    0

    500000

    1000000

    1500000

    2000000

    2500000

    3000000

    3500000

    4000000

    jan

    /00

    set/

    00

    ma

    i/0

    1

    jan

    /02

    set/

    02

    ma

    i/0

    3

    jan

    /04

    set/

    04

    ma

    i/0

    5

    jan

    /06

    set/

    06

    ma

    i/0

    7

    jan

    /08

    set/

    08

    ma

    i/0

    9

    jan

    /10

    set/

    10

    ma

    i/1

    1

    jan

    /12

    Demanda de Etanol Hidratado e Gasolina C -

    Brasil

    ETANOL HIDRATADO (m3) GASOLINA C (m3)

  • 35

    5.2 PRODUO DE CANA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

    Os conquistadores portugueses trouxeram para o Brasil as primeiras mudas de cana-de-acar da ndia e leste asitico logo aps o descobrimento do pas. Os primeiros canaviais foram estabelecidos na regio nordeste, onde at hoje a cana-de-acar cultivada. Porm, apesar de ser o bero do cultivo da cana no pas, a regio nordeste representa hoje apenas 10% da produo nacional. A maior parte da produo encontra-se concentrada na regio sudeste, especialmente nos estados de So Paulo, com 58% da produo brasileira e Minas Gerais, com 9%. O estado do Rio Grande do Sul est fora destes dois clusters de produo. Com apenas uma usina em operao, o Rio Grande do Sul representa menos de 0,2% da produo

    nacional de cana de acar. (MAPA, 2012).

    Em 2009, o governo brasileiro, atravs do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento, publicou uma portaria aprovando o zoneamento agrcola da cana-de-acar para o Rio Grande do Sul. A Portaria n 54 daquele ano relaciona os tipos de solo aptos produo, divulga tabela de perodos indicados para o plantio e dispe sobre os requisitos das cultivares indicadas para a regio. So 182 municpios considerados aptos para o cultivo de

    cana de acar com fins de produo de etanol e acar e 216 municpios autorizados a plantar cana para outros fins. Em funo da publicao do zoneamento, os produtores dos municpios indicados podero contar com polticas pblicas oficiais, financiamento e seguros agrcolas, caso sejam necessrios. Esperava-se que, com o zoneamento, a capacidade produtiva do estado fosse ampliada. Alm do zoneamento da cana-de-acar, resultados promissores de pesquisas com novas variedades de plantas tambm trazia boas expectativas

    para o aumento da produo de cana do estado (EMBRAPA, 2009).

    O anncio do aumento da produo de cana-de-acar no estado do Rio Grande do Sul sempre causa grande repercusso na sociedade, que espera encontrar preos mais baixos nas bombas de combustvel. O estado frequentemente eleito como um dos locais com preos de etanol hidratado combustvel mais caro do pas. Com uma das principais demandas de combustvel do pas, o etanol chega ao Rio Grande do Sul com o impacto do frete do produto

    vindo de So Paulo e de uma das maiores alquotas de ICMS do pas. Como resultado, dificilmente o consumidor que possui um veculo flex-fuel encontra nos postos de

    combustvel o etanol hidratado a um preo inferior a 70% do preo da gasolina (HAMMES 2006, HAMMES 2011, SFREDO, 2011, COLUSSI 2011, COLUSSI 2012).

  • 36

    5.3 CUSTOS DE PRODUO DA CANA-DE-ACAR

    A determinao dos custos de produo da cana-de-acar fundamental para a avaliao da viabilidade do negcio. Os custos variam por regio produtiva e impactam em todas as etapas

    do processo, envolvendo desde as despesas com mquinas, mo de obra, sementes e mudas, fertilizantes, defensivos agrcolas, transporte e armazenagem, entre outros. As despesas tendem ainda a ser impactadas pela restrio ao uso da terra, da gua, de fertilizantes ou defensivos agrcolas, ao uso de mo de obra especializada e novas tecnologias.

    Pela tica do produtor rural, os custos agrcolas tm tomado boa parte dos ganhos que o alto preo da cana viria a proporcionar. Os custos com o arrendamento de terra tm subido

    fortemente nos ltimos anos. Dados do PECEGE (ESALQ/USP, 2011) apontam para elevao em regies tradicionais. Especialistas estimam uma elevao superior a 70% nos custos por tonelada de cana nos ltimos cinco anos, quase o dobro da inflao acumulada no perodo. Em uma anlise geral, o aumento dos custos logsticos, dos terrenos e dos salrios,

    juntamente com novos investimentos em mecanizao, foi responsvel pela elevao em 43% no custo agrcola dos ltimos cinco anos. Segundo a Orplana (Organizao dos Plantadores de Cana do Centro- Sul), apenas a remunerao da terra foi responsvel pela elevao de 57% no custo agrcola no mesmo perodo.

    A expectativa para o futuro de que os custos continuem em ascenso. O setor

    sucroenergtico brasileiro est deixando de ser puramente agrcola para incorporar conceitos de eficincia operacional e integrao logstica, atravs do uso de ferramentas tecnolgicas que demandam uma mo de obra especializada e com salrios maiores. Este tem sido apontado como um dos maiores desafios a ser enfrentado pelo setor nos prximos anos. Segundo alguns especialistas do setor, caso no tivssemos passado pela crise econmica de 2008 e consequente desacelerao da oferta, provavelmente estaramos hoje limitados por uma falta de mo de obra no setor. Em poucos anos a produo de cana-de-acar no Brasil deixou de ser intensiva em mo de obra para atender uma meta ousada de mecanizao que estabelece que at 2014, no estado de So Paulo, a colheita dever estar 100% mecanizada.

    Desta forma, a formao de pessoal qualificado para avanar na cadeia de suprimento do etanol passa a ser determinante para o sucesso ou insucesso do negcio.

    Devido ao pequeno nmero de produtores no Rio Grande do Sul, os dados de custo de

    produo de cana-de-acar neste estado so escassos. Por outro lado, h abundncia de informao disponvel para o estado de So Paulo. Um levantamento muito completo e

  • 37

    detalhado realizado anualmente pelo Programa de Educao Continuada em Economia e Gesto de Empresas PECEGE, elaborado pelo Departamento de Economia, Administrao e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz ESALQ/USP.

    A metodologia aplicada para a elaborao deste relatrio segue os procedimentos delineados por Marques (2009) e Xavier et al (2009), mediante o levantamento dos custos agrcolas (cana-de-acar) de fornecedores autnomos e usinas, e dos custos industriais destas (produo de acar e etanol). Para o levantamento dos custos da safra 2010/11, 174,31 milhes de toneladas foram amostrados, em 101 unidades industriais espalhadas por 10 estados brasileiros, sendo classificadas em trs regies distintas: Centro-Sul Tradicional do

    pas, Centro-Sul Expanso e Nordeste. De maneira geral, para o Brasil como todo, a amostra desenvolvida pelo PECEGE/CNA abrangeu 23,22% das usinas instaladas e registradas, e 28,84% da moagem de cana da safra 2010/11. Em relao aos principais produtos industriais, a amostragem representou 34,85% e 26,07% das produes nacionais de acar e etanol, respectivamente. A Figura 18 mostra o resultado apurado para os custos de produo de cana-de-acar de fornecedores nas regies Centro-Sul Tradicional, Centro-Sul Expanso e Nordeste para o fechamento da safra 2010/2011.

  • 38

    FIGURA 18: Custos de produo de cana-de-acar de fornecedores das regies Centro-Sul Tradicional, Centro-Sul Expanso e Nordeste, para o fechamento da safra 2010/11

    FONTE: ESALQ/USP PECEGE (2011)

    5.4 VALOR DA TONELADA DE CANA

    O valor pago aos produtores de cana-de-acar equivale a quase 70% do custo da produo do etanol. O preo da cana adotado no Centro-Sul do Brasil em grande parte determinado pelo sistema de pagamentos Consecana. Este sistema estabelece o preo com base na quantidade

  • 39

    de Acar Total Recupervel (ATR) medido pelo teor de acares contido na cana fornecida pelo agricultor e no preo dos seus derivados principais (acar e etanol) no mercado interno e externo, sendo as altas ou quedas nos preos desses produtos repassadas ao fornecedor.

    Com a liberao dos preos do setor da agroindstria da cana-de-acar ocorrida em 1991 (lei n 8.178, de 1 de maro de 1991), todos os produtos passariam a ter seus preos formados no livre mercado. No entanto, os preos foram sendo liberados gradativamente, sendo que o

    preo do etanol hidratado ao produtor somente foi liberado no incio de 1999. Com a preocupao de remunerar o produtor de cana-de-acar foi criado o sistema Consecana de

    Pagamento (Conselho dos Produtores de Cana-de-acar, Acar e Etanol do Estado de So Paulo), implantado na safra 1998/99, no estado de So Paulo e seguido por outros estados, como Alagoas, Pernambuco e Paran.

    O Consecana veio para resolver a questo da remunerao do fornecedor de cana de acar e,

    a princpio, pareceu ser bastante complexo, mas ao mesmo tempo simples, quando se associava rentabilidade dos produtos gerados pela cana com o pagamento da mesma. Esse

    sistema tem passado por reformulaes a fim de adequar a realidade do mercado aos custos do fornecedor. O preo da cana-de-acar pelo modelo Consecana calculado pela seguinte equao:

    Preo da cana-de-acar = kg de ATR/t de cada produtor * Preo mdio do kg de ATR da

    unidade industrial ou do grupo de comercializao

    FIGURA 19: Equao para clculo do preo da cana-de-acar

    FONTE: MAISTRO (2011)

    O preo do kg de ATR calculado com base na participao do custo da matria-prima nos

    custos de produo do acar e do etanol, nos preos do acar e do etanol praticados nos mercados interno e externo e nos fatores de converso do acar e do etanol em ATR. Para

    estabelecer um critrio adequado de repartio da receita obtida com a venda dos produtos finais foi realizado um levantamento de todos os custos envolvidos na produo de etanol e de acar a fim de definir-se a participao dos custos das reas agrcola (produo de cana-de-

  • 40

    acar) e industrial (processamento da cana e produo do acar e do etanol) no custo total e a parcela da receita que cada rea ir receber. De acordo com os custos de produo elaborados em 2005, da receita obtida com a venda do acar, a rea agrcola recebe 59,5%, e a rea industrial 41,5% e, com a receita obtida com a venda do etanol, a rea agrcola recebe 62,1%, e a rea industrial 47,9%. Para o etanol hidratado o fator de converso 1,6913 kg de ATR por litro, ou seja, para produzir 1 litro de etanol hidratado necessita-se de 1,6913 kg de ATR. (MAISTRO, 2011)

    Portanto, para calcular o preo a ser pago pela cana-de-acar so necessrias as seguintes informaes:

    produo e comercializao de acar e etanol da unidade industrial (mix de produo);

    preos mdios acumulados do kg de ATR divulgados pelo Consecana;

    quantidade de ATR por tonelada de cana de cada produtor.

    5.5 REFORMA DO CANAVIAL

    A reforma dos canaviais uma prtica comum e necessria no setor agrcola sucroalcooleiro. A cana-de-acar considerada uma cultura semi-perene, ou seja, ela no necessita ser replantada a cada safra, porm apresenta um rendimento inferior a cada corte. A continuidade

    do ciclo de produo do acar e do lcool exige, portanto, uma renovao da lavoura de tempos em tempos a fim de que se mantenha uma produtividade mdia adequada e assim uma

    oferta compatvel com as necessidades de suprimento de matria prima da indstria. A longevidade do canavial depende basicamente das caractersticas biolgicas das variedades plantadas. Estudos e pesquisas nos ltimos anos tm contribudo para o aumento no ciclo de produo da cana-de-acar. No passado recente este ciclo era composto por uma mdia de trs cortes, sendo que hoje em dia o ciclo mais comum de cinco cortes (BORBA, 2009). A reforma do canavial uma atividade complexa que envolve fatores de ordem tcnica,

    operacional e financeira, afetando o planejamento de variedades, reas de viveiros para as mudas, rea de colheita e volume de produo para atender a demanda industrial. Sendo a

    renovao dos canaviais uma atividade que necessita um considervel investimento pelo produtor, o correto equacionamento do nmero de cortes com o rendimento adequado de vital importncia para a sustentabilidade do negcio. A falta de investimento em reforma pode

  • 41

    ter consequncias muito prejudiciais para o negcio sucroalcooleiro, podendo interferir na produo de cana-de-acar por diversas safras consecutivas.

    Em uma situao ideal, uma lavoura teria sua rea dividida em seis reas iguais. Uma frao

    teria o canavial no primeiro corte, outra no segundo corte e assim sucessivamente at o quinto corte. A sexta poro seria rea de reforma, que seria preparada para uma nova plantao. Operando neste rodzio, a lavoura manteria uma produtividade mdia constante. Porm, principalmente por questes de dificuldades financeiras nem sempre as reformas so

    realizados no tempo esperado, causando modificaes na produtividade mdia que no podero ser corrigidas a curto prazo.

    5.6 TRIBUTAO DO ETANOL HIDRATADO COMBUSTVEL

    A tributao dos combustveis produzidos no Brasil um assunto complexo que j rendeu muito material para estudos e discusses (MAISTRO, 2011; LIMA, 2011; CAVALCANTI, 2011). No objetivo deste trabalho a discusso da validade, adequao ou funo dos tributos vinculados aos combustveis no Brasil e sim apenas diferenciar quais tributos incidem sobre o preo de venda e, principalmente, avaliar qual impacto eles iro exercer sobre o valor

    que o produtor de cana-de-acar ir receber com a venda de seus produtos.

    Os tributos atualmente incidentes sobre as operaes envolvendo as vendas de etanol hidratado combustvel no Brasil so:

    Imposto sobre operaes relativas circulao de mercadorias e sobre prestaes de

    servios de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicao (ICMS); Contribuio para o programa de integrao social do trabalhador e de formao do

    patrimnio do servidor pblico (PIS/PASEP); Contribuio social para o financiamento da seguridade social (COFINS);

    O PIS/PASEP e a COFINS so tributos federais, definidos em lei, com alquotas especficas

    para combustveis. A lei 9.9718/98 em conjunto com o decreto 6573/08 estabelecem o regime especial para o recolhimento de PIS e COFINS sobre as vendas de etanol hidratado, onerando

    ao produtor o recolhimento de R$ 48 por cada metro cbico vendido, para aqueles que adotarem a alquota especfica. As alquotas da contribuio para o PIS/PASEP e da COFINS

  • 42

    incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda de lcool etlico hidratado carburante, realizada por distribuidor e revendedor varejista foram reduzidas a zero pela lei n 10.833/2003.

    O ICMS um tributo de competncia estadual cujas alquotas so estabelecidas no mbito do Conselho Nacional de Poltica Fazendria Confaz (constitudo pelos Ministros da Fazenda e do Planejamento e pelos Secretrios de Fazenda dos estados e distrito federal). Alguns estados brasileiros incentivam as vendas de etanol hidratado atravs de diferenciao da alquota em

    relao gasolina C. A diferenciao das alquotas de ICMS entre etanol e gasolina influencia o crescimento desigual da demanda pelo etanol hidratado nos estados da federao. As

    diferentes alquotas de ICMS entre os estados so umas das principais fontes de distoro entre os preos de etanol hidratado em diferentes regies do pas (Figura 20).

    FIGURA 20: Alquotas estaduais de ICMS sobre o etanol hidratado

    FONTE: MAISTRO (2011)

  • 43

    6 RESULTADOS

    Como resultado da primeira rodada de entrevistas foram levantadas como sendo os fatores mais relevantes que influenciam a produo de cana-de-acar no estado do Rio Grande do Sul as seguintes variveis:

    Produtividade da lavoura (toneladas por hectare) Custos de produo

    Valor recebido pela cana

    Realizao das reformas no perodo correto, no sentido de manter-se uma produtividade mdia elevada

    A partir da segunda rodada de entrevistas, foram adicionadas mais variveis e montado o mapa sistmico como mostrado em 6.1.

    6.1 CONSTRUO DO MAPA SISTMICO PARA O PROCESSO DE PRODUO DE CANA DE ACAR

    As palavras marcadas em negrito identificam variveis utilizadas no mapa sistmico e no modelo de dinmica de sistemas.

    O raciocnio para a construo do mapa sistmico parte de uma premissa bsica que

    expectativa dos produtores de cana de acar em obter um resultado financeiro positivo. Quanto maior for o resultado financeiro maior ser a rea plantada, quem j produz ir querer plantar mais e novos entrantes sero atrados em busca de lucro. Quanto maior a rea plantada, maior ser a produo, em toneladas de cana de acar. Quanto maior a produo, maior ser a receita oriunda da venda da cana de acar, que, por sua vez ir aumentar o resultado financeiro dos produtores, iniciando um novo ciclo. Este enlace

    reforador est descrito na Figura 21. O inverso tambm vlido: a queda do resultado financeiro diminui a rea plantada (com o mau resultado, o produtor decide investir em outras culturas), diminuindo a produo e diminuindo a receita.

  • 44

    FIGURA 21: Primeiro enlace reforador

    FONTE: Elaborado pelo autor

    O resultado financeiro , porm, funo dos custos. Quanto maiores forem os custos, menor ser o resultado financeiro. Para uma correta avaliao do resultado financeiro, no apenas os custos operacionais devem ser levados em conta, mas tambm a depreciao e os custos

    de oportunidade (Figura 22).

    FIGURA 22: Custos

    FONTE: Elaborado pelo autor

    A receita depende do valor da tonelada de cana pago ao produtor (Figura 23). Neste trabalho estamos considerando que o produtor ir receber o valor calculado a partir da metodologia do Consecana. A metodologia utilizada para valorizar a cana definida pelo

    Consecana est descrita no captulo 5.4. Dentre outros elementos, a equao do Consecana leva em considerao o preo do etanol hidratado recebido pela usina, que por sua vez funo do preo da gasolina nos postos (este trabalho considera que o preo do etanol hidratado na bomba igual a 70% do valor cobrado pela gasolina, valor mximo recebido

    pelo etanol hidratado que o torna competitivo com a gasolina C) e da alquota de ICMS

  • 45

    vigente no Estado (quanto maior o valor do ICMS, menor ser o valor recebido pela usina pelo etanol hidratado). O preo da gasolina chave neste processo, pois ele define o preo de venda do etanol hidratado ao consumidor.

    FIGURA 23: Valor da tonelada de cana

    FONTE: Elaborado pelo autor

    Por sua vez, a produo varia conforme a produtividade. Quanto maior a produtividade, maior a produo. A produtividade varia de acordo com a regio, o solo, o clima, os tratos

    culturais e a qualidade das mudas, sendo seu controle muito importante para o sucesso do negcio. Quando no so realizados investimentos em mquinas, insumos e tratos culturais muito provvel que a produtividade sofra alguma consequncia. Estes investimentos dependem do resultado financeiro: se o resultado financeiro for muito baixo ou negativo no h verba suficiente para os cuidados com a lavoura. Em outras palavras, quando cai o resultado financeiro, caem os investimentos, cai a produtividade e cai a produo (Figura 24).

  • 46

    FIGURA 24: Segundo enlace reforador

    FONTE: Elaborado pelo autor

    Como visto no captulo 5.5, a produtividade tambm varia conforme a idade mdia do canavial. A cada corte a produtividade cai, fazendo-se necessria a reforma do canavial. Para realizar a reforma necessrio investimento e, se no houver recursos para estes

    investimentos a idade mdia do canavial aumenta, reduzindo a produtividade (Figura 25).

  • 47

    FIGURA 25: Terceiro enlace reforador

    FONTE: Elaborado pelo autor

    A produo, porm, no pode crescer indefinidamente. Considerando o foco no atendimento da demanda local de veculos flex, o limite de crescimento da produo de cana para obteno

    de etanol hidratado reside no atendimento total da demanda. Na medida em que a produo se aproxima da demanda, com o excesso de oferta o preo cai, reduzindo o valor recebido pelo

    produtor de cana, formando um enlace balanceador (Figura 26).

  • 48

    FIGURA 26: Enlace balanceador

    FONTE: Elaborado pelo autor

    A combinao destes trs enlaces reforadores com o enlace balanceador podero acarretar aumentos ou decrscimos na rea plantada conforme a variao do resultado financeiro.

    6.2 TRANSCRIO DO MAPA SISTMICO PARA UM MODELO DE DINMICA DE SISTEMAS

    Para transcrever o mapa sistmico demonstrado anteriormente para um modelo de dinmica de sistemas a associao mais importante foi considerar estoques de reas plantadas de cana

    com diferentes idades (nmero de cortes), cada uma com uma produtividade diferente associada. A cada passagem de ano o estoque de rea plantada (hectares) no ensimo corte flui para o estoque de rea plantada com ensimo+1 cortes. A partir do 5 corte, a rea poder fluir para um estoque de rea de reforma, voltando a compor um estoque de plantio, somando-se a possveis novas reas (Figura 27).

  • 49

    FIGURA 27: Modelo de Dinmica de Sistemas para produo de cana-de-acar

    FONTE: Elaborado pelo Autor

    A descrio de cada varivel, bem como a equao que governa cada relao entre as

    variveis, encontra-se no Anexo 2.

    A cada ano apurado um estoque de cana que aumenta conforme a colheita e decresce com o fluxo de cana vendida. Para facilitar a compreenso, foi definido que o percentual de cana vendida ser sempre 1, no ocorrendo portanto o acumulo de estoque de um ano para outro. A colheita o resultado do somatrio das reas do ensimo corte multiplicadas pela produtividade associada a cada corte.

    Plantio

    Nova rea

    rea 1corte

    1 corte

    rea 2corte

    2 corte

    rea 3corte

    3 corte

    rea 4corte

    rea 5corte

    rea 6corte

    rea 7corte

    rea 8corte

    rea 9corte

    rea 10corte

    4 corte

    5 corte

    7 corte

    8 corte

    9 corte

    10 corte

    11 corte

    rea deReformaReforma 5 anos

    Reforma 6 anos

    Reforma 7 anos

    Reforma 8 anos

    Reforma 9 anos

    Reforma 10 anos

    Reforma P1 P2 P3 P4P5

    P6P7

    P8

    P9

    P10

    Receita

    COE

    COTCT

    Impacto do Lucro naProdutividade

    ProdutividadeInicial

    6 corte

    LOTLT

    Estoque deCanaColheita Cana Vendida

    Percentual doestoque vendido

    PC

    PR

    LOE

  • 50

    =

    A apurao da receita dada pela multiplicao de cana vendida a cada ano pelo valor da tonelada de cana (VTC). Dividindo a receita pela rea colhida tem-se a receita anual em R$/ha. Ao compararmos a receita separadamente com o custo operacional efetivo (COE), custo operacional total (COT, considera depreciaes) e o custo total (CT, considera custos de oportunidade) obtemos trs resultados diferentes: o lucro operacional efetivo (LOE), o lucro operacional total (LOT) e o lucro total (LT). A partir do clculo destes trs valores seguem-se trs importantes inferncias que iro direcionar o modelo atravs dos quatro enlaces descritos no captulo 6.1.

    Se o lucro operacional efetivo for menor que zero, ou seja, a receita no cobre nem os custos operacionais efetivos, haver queda na produtividade (dificuldade em pagar salrios, fornecedores e comprar insumos) e no sero realizadas as reformas previstas para os canaviais acima do 5 corte (a idade mdia dos canaviais sobe, diminuindo a produtividade)

    Se o lucro operacional efetivo for maior que zero, mas o lucro operacional total for menor que zero, ou seja, as despesas operacionais forem cobertas, mas a receita no for suficiente para cobrir as depreciaes, as reformas sero realizadas, havendo, porm, uma pequena queda na produtividade devido no reposio de mquinas e equipamentos.

    Se o lucro total for maior que zero, ou seja, a receita cobre todos os custos, inclusive os custos de oportunidade, o negcio se mostra rentvel e novas reas so adicionadas ao plantio.

    A referncia adotada para a quantidade de rea adicionada em nova rea de 5 mil hectares por ano. Este valor foi considerado um valor razovel, considerando a ausncia de novas reas de fronteira agrcola no Rio Grande do Sul. O clculo do valor da tonelada de cana (VTC) segue as diretrizes do Consecana, como visto no captulo 5.4. As relaes entre as variveis que compem o clculo do VTC esto descritas na Figura 28.

  • 51

    FIGURA 28: Cculo do valor da tonelada de cana (VTC)

    FONTE: Elaborado pelo autor

    O valor pago ao produtor pela cana de acar definido a partir do valor dos produtos obtidos

    com seu processamento. Como aqui no estamos considerando a fabricao de acar nem etanol anidro, o valor da cana obtido somente pela produo do etanol hidrat