Prof. Dayse Serra,

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1 Prof. Dayse Serra, Desculpe se a assustei com versão anteriormente postada, incompleta e sem revisão. Todavia, creio q estava tão agoniada para enviar algo, q resolvi fazer um envio prévio, com vistas a que a Sra. soubesse que algo já estava encaminhado. Quanto ao capítulo das “conclusões”, preferi, para dar uniformidade ao trabalho, tratá-lo, efetivamente, como um capítulo, ao invés de considerá-lo à parte da fundamentação do trabalho. Contudo, como não consegui formatar o título de molde a constar da mesma página, acabei escrevendo o nome do capítulo ao lado dessa inscrição, apenas separada por hífen. Tentei saber o seu endereço de email, com vistas a lhe enviar essas explicações logo após a postagem da versão anterior, incompleta, mas não logrei êxito. Sendo assim, utilizei essa página inicial, que acresci ao modelo fornecido pela Universidade, com vistas a poder lançar aqui essas considerações. Grata. Rosimere Reis

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Prof. Dayse Serra, Desculpe se a assustei com versão anteriormente postada, incompleta e sem revisão. Todavia, creio q estava tão agoniada para enviar algo, q resolvi fazer um envio prévio, com vistas a que a Sra. soubesse que algo já estava encaminhado. Quanto ao capítulo das “conclusões”, preferi, para dar uniformidade ao trabalho, tratá-lo, efetivamente, como um capítulo, ao invés de considerá-lo à parte da fundamentação do trabalho. Contudo, como não consegui formatar o título de molde a constar da mesma página, acabei escrevendo o nome do capítulo ao lado dessa inscrição, apenas separada por hífen. Tentei saber o seu endereço de email, com vistas a lhe enviar essas explicações logo após a postagem da versão anterior, incompleta, mas não logrei êxito. Sendo assim, utilizei essa página inicial, que acresci ao modelo fornecido pela Universidade, com vistas a poder lançar aqui essas considerações. Grata. Rosimere Reis

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

DA ADMISSÃO E ATUAÇÃO DO AMICUS CURIAE NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

AUTORA

ROSIMERE DA LUZ REIS

ORIENTADORA

PROF. DAYSE SERRA

RIO DE JANEIRO 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

DA ADMISSÃO E ATUAÇÃO DO AMICUS CURIAE NO PROCESSO CIVIL

BRASILEIRO Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes – Instituto a Vez do Mestre, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Processual Civil. Por: Rosimere da Luz Reis.

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Ao Marcos Aurélio, valioso companheiro de trabalho e incansável revisor das minhas ideias...

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RESUMO

A expressão amicus curiae é de origem latina e quer dizer “amigo da corte”. Sua intervenção, no processo civil brasileiro, foi inicialmente prevista através da Lei n. 6.385, de 07/12/76, que admitiu a participação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, nos feitos envolvendo matéria de sua competência. Todavia, foi a partir da sua inclusão na Lei n. 9.868/99, que trata do controle concentrado de constitucionalidade de atos normativos, que esse agente processual tem tido sua atuação cada vez mais ampliada no sistema jurídico pátrio. Essa ampliação decorre de múltiplos fatores, mas, sobretudo, de uma tendência jurídica mais moderna, no sentido de pluralizar a interpretação das normas jurídicas, contribuindo, assim, para uma maior legitimação das decisões judiciais. Essa tendência de “abertura” democrática na interpretação das normas jurídicas vem ganhando força, sobretudo, a partir de uma maior complexidade tecnológica que dia após dia vem predominando na vida social moderna, vindo a permear, consequentemente, também, as normas jurídicas. É dizer, cada vez mais o texto das normas vêm perdendo o seu caráter puramente jurídico, para ganhar feição tecnológico-jurídica. Vejam-se como exemplo as normas sobre telecomunicações, energia nuclear, mercado financeiro, e outros tantos temas que integram a vida social moderna, não sendo suficientemente conhecidos, entretanto, da experiência de um magistrado comum. De par com isso, quando se tem em vista o controle de constitucionalidade, procedimento objetivo, a inadmitir a intervenção de terceiros pela falta de titulação própria de direito subjetivo, vislumbra-se sobremaneira a necessidade de pluralização do debate que permeia o exame da (in)constitucionalidade de atos normativos, em atendimento ao postulado básico do Estado Democrático de Direito, tornando a oitiva de entidades representativas dos interesses que envolvem o ato inquinado inconstitucional cada vez mais importante, como uma forma de captar melhor os anseios e interesses difundidos nos diversos setores da sociedade. Recentemente, essa intervenção tem sido admitida também em incidentes produzidos em procedimentos de natureza subjetiva, tais como recursos extraordinários e especiais, tendo em vista não só o controle difuso de constitucionalidade, como também a inclusão, no sistema processual brasileiro, de normas a respeito da repercussão geral e de recursos repetitivos. Desse ponto, essa intervenção tem se ampliado ainda mais, havendo notícias de sua admissão, inclusive, em feitos relacionados a habeas corpus e ações ordinárias. Todavia, essa ampliação deve ser entendida como possível apenas quando se relacionar a processos que tratem de matéria de relevante interesse público, sob pena de se fazer tábula rasa da legitimidade ad causam exigida para o processo, e mesmo quando ela é admitida, sua atuação não deve equivaler à da parte legitimada para o feito, sendo imperioso estabelecerem-se limitações à atuação do amicus curiae, sob pena de a sua aceitação ilimitada e incondicional resultar na negativa ao princípio da razoável duração do processo, insculpido em norma constitucional pela Emenda n. 45/2004.

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METODOLOGIA

O presente trabalho é um estudo sobre a intervenção da figura do

amicus curiae no Direito Processual Civil Brasileiro. Constitui-se em um exame

das hipóteses de sua intervenção, tanto nos processos de índole objetiva, quanto

naqueles de cunho subjetivo, fundados em relação jurídica concreta de direito

material. Esse exame visa a uma proposta de tratamento jurídico da atuação

desse interveniente, inclusive nos processos de índole subjetiva, nos quais sua

intervenção não é, ainda, prevista no Direito Positivo Brasileiro, exceto

pontualmente.

Para tanto, o presente estudo foi realizado a partir do método da

pesquisa bibliográfica, que visou abranger diferentes meios de publicações, como

livros e artigos em periódicos especializados, além de publicações oficiais da

legislação e da jurisprudência, bem como de textos jurídicos publicados na rede

mundial de computadores - internet.

Por outro lado, a investigação da qual resultou esta monografia não foi

fundamentada exclusivamente na dogmática desenvolvida pelos estudiosos,

posto que o tema transborda os limites dogmático-positivistas tradicionais e a sua

inserção no Direito Positivo Nacional parte de uma visão do Direito Processual a

partir de seus princípios, estabelecidos constitucionalmente, bem como de uma

abertura de sua interpretação à luz de outros elementos que não aqueles

tradicionalmente postos à disposição do intérprete pelo Direito Positivo.

De par com isso, à míngua de uma construção legislativa

particularmente dedicada ao tema, o presente trabalho resultou, em grande parte,

do cotejo entre o que se construiu até hoje sobre o tema – do ponto de vista

doutrinário e jurisprudencial.

Por último, não é demais dizer que o estudo que culminou neste

trabalho identifica-se, também, com o método de pesquisa aplicada, por visar

construir conhecimento para aplicação prática, assim como com a pesquisa

exploratória, porque buscou proporcionar maior conhecimento sobre a questão

7

proposta, e não se restringiu, todavia, a uma pesquisa descritiva, porque, ao final,

apresenta uma análise crítica do tema.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 8

CAPÍTULO I

DO CONCEITO E DA ORIGEM DO AMICUS CURIAE........................................10

1.1 – DO CONCEITO DO AMICUS CURIAE ......................................................10

1.2. DA ORIGEM DO AMICUS CURIAE...............................................................13

CAPÍTULO II

2. DO AMICUS CURIAE NO DIREITO COMPARADO ........................................15

2.1 - DO AMICUS CURIAE NO DIREITO INGLÊS ..............................................15

2.2 – DO AMICUS CURIAE NO DIREITO NORTEAMERICANO ........................16

CAPÍTULO III

DA EVOLUÇÃO DA INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE NO DIREITO

PROCESSUAL BRASILEIRO ........................................................................... 19

CAPÍTULO IV

DAS LIMITAÇÕES À ATUAÇÃO DO AMICUS CURIAE .................................. 35

CONCLUSÃO...................................................................................................... 46

BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 49

9

INTRODUÇÃO

A escolha do tema deste trabalho se deu a partir da leitura de diversos

processos subjetivos em que havia sido deduzido pedido de intervenção no feito,

na qualidade de amicus curiae. Tendo em vista a falta de previsão normativa

para tal intervenção, realizaram-se pesquisas sobre o tema, resultando na

presente dissertação sobre as hipóteses e limites de intervenção do amicus curiae

no Direito Processual Civil Brasileiro, perpassando, inicialmente, pelos processos

de índole objetiva, em cuja intervenção o amicus curiae tem expressa previsão

legal.

Nesse contexto, o trabalho visa propor um tratamento jurídico para o

tema, evidenciando as origens e motivações que fizeram o legislador adotar a

intervenção do amicus curiae nos processos objetivos, bem como estender essa

atuação aos processos subjetivos relacionados a temas de repercussão geral e a

recursos repetitivos, assim como examinar a possibilidade de sua intervenção nos

processos de índole subjetiva não relacionados aos anteriores, mas que, ainda

assim, tratam de matéria de relevante interesse social, econômico e/ou jurídico.

Para tanto, no primeiro capítulo, é apresentada uma conceituação

inicial e uma breve exposição sobre as origens da intervenção do amicus curiae.

O segundo capítulo traz o modo de sua atuação nos sistemas jurídicos

inglês e americano que, para efeitos do presente estudo, consistem em ponto de

partida básico para compreensão da atuação desse interveniente processual.

No terceiro capítulo é traçada a evolução legislativa desse agente

processual na nossa legislação, bem como as circunstâncias jurídicas que

propiciaram um reavivamento da figura do amicus curiae no Direito Positivo

Brasileiro, partindo das hipóteses de procedimentos objetivos, assim como da

ampliação de sua atuação no âmbito processual contemporâneo.

10

O capítulo quarto tratará das limitações da intervenção do amicus

curiae, quer sob os aspectos subjetivos – exigência de representatividade e

pertinência temática, quer sob o aspecto objetivo – relevância social, bem como

relevância das informações prestadas por aquele interveniente. De par com isso,

tratará de limitações a sua própria capacidade de intervenção, como, por

exemplo, a sua falta de legitimação recursal.

O capítulo quinto trará uma proposta, a título de conclusão, de

tratamento do tema, no que diz respeito à sua efetiva admissão nos processos

subjetivos, bem como à limitação de sua atuação em relação aos poderes

conferidos processualmente às partes nos feitos em que tal intervenção é

admitida.

11

CAPÍTULO I

DO CONCEITO E DA ORIGEM DO AMICUS CURIAE

1.1 – DO CONCEITO DO AMICUS CURIAE

A expressão amicus curiae é proveniente do latim e significa “amigo da

corte”. O objetivo, neste capítulo, é se proceder a uma conceituação inicial do

amicus curiae, que vai sendo aperfeiçoada ao longo do trabalho, posto que essa

modalidade de intervenção processual ainda se encontra em construção no direito

brasileiro, seja no campo legislativo, doutrinário ou jurisprudencial.

A dificuldade dessa conceituação já começa quando se tenta identificar

quais seriam os casos de efetiva admissão de terceiro como amicus curiae, visto

que nenhum diploma legislativo, até aqui, traz essa intervenção com esse nome.

Tal interveniente tem vindo sempre nos diplomas legislativos como “terceiros

interessados”, “outros órgãos” etc, havendo, inclusive, divergência entre doutrina

e jurisprudência a respeito de algumas hipóteses de intervenção prevista na

legislação, se se trataria, ou não, de amicus curiae.

É o caso, por exemplo, da intervenção do Instituto Nacional da

Propriedade Industrial - INPI nos litígios envolvendo nulidade de patente de

invenção, desenho industrial, ou marca comercial, em que Cássio Scarpinella

Bueno sustenta que pode se dar na posição de autor, litisconsorte passivo

necessário ou amicus curiae1, enquanto vários Tribunais do País afirmam que nas

ações que têm por objeto a invalidação de atos administrativos praticados pelo

INPI, tais como a concessão de direitos da propriedade industrial (patente,

modelo de utilidade ou marca comercial, por exemplo), o INPI é réu, porquanto é

quem praticou o ato impugnado e também o legitimado para corrigi-lo, não

1 Bueno, Cássio Scarpinella, Amicus Curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2008, págs. 291 a 302.

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fazendo, a jurisprudência, nenhuma distinção quanto às hipóteses em que o INPI

teria, ou não, contribuído para a nulidade, ou se poderia tê-la evitado2.

A segunda dificuldade que se vê dos vários debates travados no

campo da doutrina, como na jurisprudência, diz respeito à neutralidade, ou não,

do amicus curiae. Há um segmento da jurisprudência que entende necessária a

neutralidade, para justificar a nomenclatura de “amigo da corte”3, exigindo que o

2 Tome-se como exemplo a Apelação Cível n. 97.02.19185-8, TRF- 2ª Região, 1ª Turma Especializada, Rel. Juíza Federal Convocada Márcia Helena Nunes, Julgamento em 13/07/2005: ADMINISTRATIVO – INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – LEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM” - REGISTRO DA MARCA “LESTECENTER” – IMPOSSIBILIDADE – ARTS. 65, ITEM 17 E 79 DA LEI Nº 5.772/71 – ANTERIORIDADE E COLIDÊNCIA ENTRE MARCAS. - Legitimidade passiva “ad causam” do INPI nas ações de nulidade de registro de marca ou patente, já que é a Autarquia responsável pela concessão do registro de marcas e patentes. - (...) 3 Exemplo é o Agravo de Instrumento n. 2007.02.01.015039-2 – TRF-2ª Região, Julgado em 16/12/2008: PROPRIEDADE INDUSTRIAL. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO QUE RETIFICOU O PRAZO DE VIGÊNCIA DE PATENTE. PEDIDO DE INGRESSO COMO AMICUS CURIAE. IMPOSSIBILIDADE. I – Nos processos em que se discutem questões com relevância fática a respeito de pretensão resistida entre partes, somente devem ser admitidas as figuras tradicionais de intervenção de terceiros previstas no Código de Processo Civil, se forem cabíveis à espécie. II – Dificilmente será possível compatibilizar-se a admissão de amicus curiae com o entendimento jurisprudencial histórico de que o interveniente deverá comprovar interesse jurídico, não se admitindo o mero interesse econômico. Assim, haverá incoerência na manutenção da postura de ser indeferido o ingresso de assistente que somente tenha demonstrado interesse econômico e, por outro lado, permitir-se ingresso de amicus curiae nas mesmas condições. III – Enquanto nos feitos de decisão de questões abstratas a abertura de manifestação a grandes grupos de interesse democratiza o processo e torna mais evidente ao órgão decisório a necessidade de considerar as conseqüências de seu julgamento, os feitos de julgamento concreto não necessitam desse apoio e a intervenção de grupos de interesse ou pressão ameaça conduzir exatamente ao contrário, à falta de substrato democrático pelo desequilíbrio entre as partes. IV – O ingresso de amici curiae em feitos normais privilegia o poder econômico, torna o processo individualmente mais custoso, dificulta o acesso real à Justiça e sobre-valoriza as questões jurídicas em detrimento da análise dos fatos. V – Como argumento pragmático, a médio prazo, a aceitação desse tipo de intervenção tende a inviabilizar o sistema judiciário normal, com o ingresso de dezenas ou centenas de amici curiae nos feitos que, sem embargo, devem observar a determinação constitucional que garante o direito individual à duração razoável do processo (art. 5o, LXXVIII). VI – Agiu bem o legislador em não prever autorização à entidade associativa ou a instituto jurídico para representar o interesse de seus associados como amicus curiae (art. 5o, XXI, da Constituição da República) nos processos da jurisdição ordinária e, como não sofre lesão com interesse juridicamente delineado, não se lhe deve permitir acesso ao Judiciário nessa condição (art. 5o, XXXV, da Constituição). VII – Não é possível o uso da analogia para admitir o amicus curiae no processo comum sem previsão legal, tendo em vista que inexiste lacuna a ser preenchida no ordenamento, mas sim silêncio eloqüente. O legislador muito bem dimensionou a possibilidade de ingresso dessas entidades somente nas instâncias de julgamento em tese. VIII - Ressalte-se que a intervenção foi deferida em procedimento de mandado de segurança, em relação ao qual, tradicionalmente, a jurisprudência tem se alinhado no sentido de prestigiar o princípio da celeridade. A multiplicação de intervenções em procedimentos desse jaez acaba por atentar contra o mencionado princípio, pedra de toque do rito do mandado de segurança.

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interesse que sustenta a intervenção do amicus curiae seja coincidente com o

interesse público, enquanto há doutrinadores que afirmam que o interesse público

deve consistir na pluralização, em si, do debate judicial, com vistas a alcançar

uma melhor decisão sobre assunto de relevância social4.

Ademais disso, a legislação que prevê a intervenção do amicus curiae

não lhe chega a minudenciar ou mesmo que referir, minimamente, um regime

jurídico próprio, havendo hesitação na jurisprudência, por exemplo, a respeito do

prazo de oitiva desse interveniente, se coincidente, ou não com o prazo de

informações das autoridades ouvidas nas ações relativas ao controle concentrado

de constitucionalidade, ou se, até mesmo, ela pode vir em outro momento5.

De outro lado, há doutrinadores que procuram classificar a intervenção

do amicus curiae, do ponto de vista da sua natureza processual. Cássio

Scarpinella Bueno relata referências na doutrina, afirmando que a intervenção do

amicus curiae é uma espécie de “assistência especial”6, posto que não é parte no

processo, mas, todavia, pode intervir concordando com autor ou com o réu, sem

que para isso se lhe exija a titulação de um interesse jurídico próprio. Entretanto,

casos há em que o amicus curiae intervém defendendo posição inteiramente

diversa daquelas defendidas pelas partes. Chama a atenção do juízo para fatos e

IX – Agravo de instrumento conhecido e provido. Decisão reformada para não admitir a inclusão da interveniente como amicus curiae.” 4 Bueno, Cássio Scarpinella in op. cit. Págs. 28 a 36, Del Pra, Carlos Gustavo Rodrigues, “Amicus Curiae: um instrumento democrático”, publicado na Revista de Processo em 2002 5 Confira-se a decisão a seguir, proferida na ADI n. 2.316, pelo Min. Gilmar Mendes, publicada em 01/02/2010: “(...) Assim, em princípio, a manifestação dos amici curiae haveria de se fazer no prazo das informações. No entanto, especialmente diante da relevância do caso ou, ainda, em face da notória contribuição que a manifestação possa trazer para o julgamento da causa, é possível cogitar de hipóteses de admissão de amicus curiae, ainda que fora desse prazo. Necessário é ressaltar, contudo, que essa possibilidade não é unânime na jurisprudência do STF. A esse respeito, vale mencionar a ADI n. 2.238, Relator Ilmar Galvão. Nesse caso, o relator considerou ser impossível a admissão do amicus curiae quando o julgamento do feito já estiver em andamento, por considerar essa manifestação destinada, unicamente, a instruir a ADI. Na ADI n. 2.690, de minha relatoria, considerando a conversão da ação pra o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/1999, admiti a participação do Distrito Federal, dos Estados de Goiás, de Pernambuco e do Rio de Janeiro e da Associação Brasileira de Loterias Estaduais (ABLE), determinando, ainda, uma nova audiência da Procuradoria-Geral da República. Essa construção jurisprudencial sugere a adoção de um modelo procedimental que ofereça alternativas e condições para permitir, de modo cada vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de sujeitos, argumentos e visões no processo constitucional.” 6 Op. Cit. Pág. 127.

14

argumentos, às vezes, totalmente desconsiderados pelas partes. Sendo assim,

não seria lógico concluir que a sua intervenção se classificaria como uma

assistência, tendo em vista que, como é sabido, a assistência pressupõe a

submissão da defesa do assistente às teses jurídicas do assistido.

Todas essas incertezas, como visto, traçam um perfil um tanto

“impressionista” desse interveniente processual. Sopesados todos esses

elementos, a conclusão deduzida no presente trabalho, quanto a uma

conceituação inicial, é a de que o amicus curiae é um interveniente processual sui

generis previsto na legislação, até aqui, precariamente, e sem uma nomenclatura

específica, cuja atuação, por lei, é admitida em processos objetivos, e, por

extensão jurisprudencial, tem sido admitida nos processos subjetivos7, desde que

tratem de relevante interesse público ou transindividual, ou mesmo individual

homogêneo, com vistas a ensejar a pluralização do debate sobre a questão

relacionada a esses interesses.

De toda sorte, as dúvidas acima referidas serão melhor elucidadas no

decorrer no capítulo III, sendo pertinente, no presente momento, como se disse

acima, apenas uma conceituação inicial do tema.

1.2 – DA ORIGEM DO AMICUS CURIAE

7 RE n. 416.827, Informativo 402/STF: “O Tribunal iniciou julgamento de dois recursos extraordinários interpostos pelo INSS nos quais se pretende cassar acórdão de Turma Recursal de Juizado Especial Federal que determinara a revisão da renda mensal de benefício de pensão por morte, com efeitos financeiros correspondentes à integralidade do salário de benefício da previdência geral, (...). Por maioria, o Tribunal, considerando a relevância da matéria, e, apontando a objetivação do processo constitucional também em sede de controle incidental, especialmente a realizada pela Lei 10.259/2001 (arts. 14 § 7º e 15), resolveu questão de ordem no sentido de admitir a sustentação oral da Confederação Brasileira dos Aposentados, Pensionistas e Idosos – COBAP e da União dos Ferroviários do Brasil. Vencidos, no ponto, os Ministros Marco Aurélio, Eros Grau e Cezar Peluso que não a admitiam, sob o fundamento de que o instituto do amicus curiae restringe-se ao processo objetivo, não sendo extensível, ao Supremo, que não é Turma de Uniformização, o procedimento previsto no § 7º do art. 14 da Lei 10.259/2001” (RE 416.827/SC e 415.454/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, 21.09.2005)

15

A origem da intervenção do amicus curiae, de acordo com alguns

estudiosos8, está no direito inglês, mais precisamente, direito penal inglês

medieval. De lá, esse interveniente processual teria sido importado para outros

países, especialmente para os Estados Unidos, onde se desenvolveu mais

amplamente. Há ainda, quem sustente a sua origem no direito romano, a título de

colaborador neutro do magistrado, nas hipóteses cuja solução exigia

conhecimento extra jurídico.

Para Giovanni Criscuoli, a figura do amicus curiae teria sido originada

do consilliarius romano e, daí, aproveitada pelo direito inglês, que o desenvolveu,

adaptando-o às necessidades próprias de seu sistema. De acordo, ainda, com o

referido autor, o juiz romano podia complementar o seu conhecimento jurídico

com a opinião de um técnico ou com o auxílio de um consilium, cuja composição

era variável e tinha funções consultivas em geral, tais como administrativa, militar,

legislativa, política, religiosa, financeira e judiciária.

A intervenção do consilliarius era caracterizada fundamentalmente por

dois aspectos principais: dependia da convocação do magistrado e era prestada

de acordo com o seu próprio e livre convencimento.

8 Bueno, Cássio Scarpinella, pág 87

16

CAPÍTULO II

DO AMICUS CURIAE NO DIREITO COMPARADO

Tendo em vista que a figura do amicus curiae se firmou, inicialmente,

no direito estrangeiro, e só posteriormente foi introduzida na legislação brasileira,

necessária se faz uma referência, mínima que seja, das suas hipóteses de

intervenção e limites de atuação alhures, com vistas a se estabelecer, nos

capítulos seguintes, uma proposta de tratamento jurídico para tal interveniente no

direito positivo brasileiro, à vista, inclusive, da experiência que outros países têm

e tiveram com tal intervenção.

Para efeitos do presente trabalho, tem-se por despiciendo o

desenvolvimento de outras referências no direito comparado, tais como a

experiência francesa ou italiana, restando deduzir apenas os exemplos inglês e

americano, posto que o primeiro, basicamente, contribui para a explicitação da

origem de dita intervenção, enquanto o segundo exemplifica ricamente o

desenvolvimento dessa manifestação, com vistas a se introduzir o que aqui se

pretende acerca da interveniência desse terceiro.

2.1. Do Amicus Curiae no Direito Inglês

A despeito da possibilidade de sua origem no direito romano, é no

direito inglês que a figura do amicus curiae se desenvolveu mais amplamente e,

em seus primórdios, tinham os tribunais ampla liberdade para admitir a

intervenção do amicus curiae, definindo as hipóteses e limites de sua atuação9.

Atualmente, a intervenção do amicus curiae no direito inglês é

equivalente àquela que, entre nós, era exercida pelo Procurador Geral da

9 Op. Cit., pág. 91

17

República e pelo Advogado Geral da União, a saber, em favor dos interesses

públicos ou com vistas a tutelar os interesses da Coroa.

2.2. Do Amicus Curiae no Direito Norteamericano

Inicialmente, a intervenção do amicus curiae no direito norte americano

era restrita aos casos em que presentes interesses da administração federal ou

de algum ente federado em confronto com interesses privados. Nesse passo, é de

se concluir que a intervenção do amicus curiae, primordialmente, no direito norte

americano, se dava em virtude da presença e defesa dos interesses públicos10.

Até então, os amici curiae eram pessoas jurídicas de direito público ou órgãos a

elas relacionados.

Com o passar do tempo, passou-se a admitir a intervenção de entes

particulares como amici curiae, inclusive na defesa de interesses privados.

Com o aumento de casos de admissão de amicus curiae, a

jurisprudência americana passou a exigir o prévio consentimento das partes para

a intervenção perseguida, apenas dispensados os entes estatais dessa exigência.

A partir de então, fala-se, na doutrina americana, do surgimento dos

amici de direito privado, a pretender a tutela de interesses seus, passando, mais

recentemente, a serem denominados de “litingant amici”, significando terceiros em

juízo a buscar a tutela de seus interesses, e afastando-se, portanto, da figura

inglesa do amicus curiae neutro, como auxiliar imparcial do juízo.

A doutrina e a jurisprudência norte americanas, recentemente,

passaram a reagir ao aumento de casos de intervenção de amici curiae, bem

como à ampliação de seus poderes de atuação, o que resultou na alteração das

regras da Suprema Corte Americana sobre a intervenção desse terceiro, a

destacar que “o que se espera do amicus curiae é que ele traga ao conhecimento

10 Op. Cit., pág. 93 e 94.

18

do tribunal novas considerações ou novas questões não suficientemente

discutidas pelas partes, sob pena de sua intervenção não ser aceita”11.

Demais disso, passou aquela Corte a exigir que o amicus curiae

informe, no ato de seu requerimento de intervenção, se o advogado de uma ou

outra parte participou da elaboração de sua manifestação, além de indicar quem,

de alguma forma, contribuiu economicamente para ela12.

Segundo disciplina ditada pela Suprema Corte Americana, os entes

governamentais não necessitam da anuência das partes ou autorização do

tribunal para atuar, ao contrário dos entes privados que, quando não convocados

pelo tribunal, necessitam afirmar o consentimento das partes, descrever seu

interesse na causa, justificar a conveniência da sua intervenção, e, demais disso,

a sua petição não pode ultrapassar a metade das laudas autorizadas às

manifestações de quem é parte no feito, sendo-lhe permitida sustentação oral de

suas razões.13

No entender de Cássio Scarpinella Bueno, “a posição da doutrina

norte-americana parece inclinar-se para o lado oposto, no sentido de criticar a

intervenção dos amici curiae privados – sobretudo os que pretendem atuar como

verdadeiros “litigantes” -, porque, no fundo, trata-se de uma forma de burlar os

mecanismos que a lei processual dispôs sobre a possibilidade da participação de

um terceiro no processo e, mais do que isso, em que condições o “terceiro” pode,

ou não, ser representado em um processo. De resto, há fundada dúvida quanto à

possibilidade de os amici demonstrarem suficientemente em que condições

comparecem em juízo para a tutela de “interesses públicos” e não de seus

próprios interesses privados.”14

Aponta, ainda, aquele estudioso, que “entre 1970 e 1980, 53,4% de

todos os casos não comerciais pendentes de julgamento na Suprema Corte

americana receberam, de alguma forma, petições (manifestações) de amici

11 Op. Cit. Pág. 100. 12 Op. Cit., pág. 101. 13 Op. Cit., pág. 103. 14 Op. Cit., pág. 106.

19

curiae. Em 1993 e 1995, o número passou para 89% dos casos e, não obstante,

eles continuam a ser admitidos perante aquela corte, em função da qualidade da

prestação jurisdicional. No ano judiciário de 1998 a 1999, 95% dos casos

apreciados pela Suprema Corte Americana tinham pelo menos um amicus

curiae”. “São crescentes os casos em que o amicus curiae comparece em juízo

muito mais para defender o interesse ou direito de uma das partes ou, ainda, para

tutelar um interesse ou direito próprio seu que, embora não esteja em juízo, pode

ser afetado de alguma forma, nem que seja pela força dos precedentes, típica do

sistema da common law.”15

15 Op. Cit. Págs. 107 e 108.

20

CAPÍTULO III

DA EVOLUÇÃO DA INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE NO

DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO

No Brasil, a primeira notícia de inclusão da figura desse interveniente

no processo civil, é aquela da Lei n. 6.385/76, que admitiu a participação da

Comissão de Valores Mobiliários – CVM, nos feitos cujo objeto consistisse em

matéria de sua competência16.

Todavia, foi com o advento da Lei n. 9.868/99, que trata do controle

concentrado de constitucionalidade, que a figura do amicus curiae passou a

ganhar mais destaque e, por conseguinte, a ser mais debatida no cenário jurídico

nacional.

Há não muitas leis, mas algumas, prevendo intervenção ou oitiva de

terceiros – que se poderiam supor amici curiae. Contudo, para os fins do presente

trabalho, o ponto de partida do estudo é a legislação que diz respeito com o

controle de constitucionalidade e as questões de repercussão geral e recursos

repetitivos, tendo em vista a sua importância no cenário nacional, bem como a

sua ampla abrangência a todos os setores sociais.

Diferentemente da legislação sobre mercado mobiliário ou sobre o

Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, que abrange segmentos,

16 Art. 31 da Lei n. 6.385/76: “Art. 31. Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação. § 1º A intimação far-se-á, logo após a contestação, por mandado ou por carta com aviso de recebimento, conforme a Comissão tenha, ou não, sede ou representação na comarca em que tenha sido proposta a ação. § 2º Se a Comissão oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, será intimada de todos os atos processuais subseqüentes, pelo jornal oficial que publica expedientes forenses ou por carta com aviso de recebimento, nos termos do parágrafo anterior. § 3º A comissão é atribuída legitimidade para interpor recursos, quando as partes não o fizeram. § 4º O prazo para os efeitos do parágrafo anterior começará a correr, independentemente de nova intimação, no dia imediato aquele em que findar o das partes.”

21

de certa forma, elitizados, do cenário jurídico nacional, as ações que tutelam o

controle direto de constitucionalidade, bem como os feitos que tratam de

repercussão geral ou recursos repetitivos podem dizer respeito a um espectro

bem maior não só de interesses, como também de interessados.

Inicialmente, convém aqui observar que antes da Constituição de 1988,

era considerada parte legítima para propor ação de inconstitucionalidade apenas

o Procurador Geral da República.

Com o advento da Constituição de 1988, passaram a ser consideradas

legítimas para as ações de controle direto de constitucionalidade as pessoas

enumeradas no seu art. 103, num total de 09 (nove), quais sejam, o Presidente da

República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a

Mesa da Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal, o

Governador do Estado ou do Distrito Federal, o Procurador Geral da República, o

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com

representação no Congresso Nacional, bem como confederação sindical ou

entidade de classe de âmbito nacional.

Não é o objetivo deste trabalho discutir o caráter aberto ou fechado da

referida previsão, tampouco sua extensão quanto aos Tribunais de Justiça

Estaduais. A referência é feita aqui para demonstrar, de uma forma que se

observa evidente, uma tendência clara de abertura e democratização da atividade

interpretativa da Constituição.

Seguindo jurisprudência consolidada de longa data, do Supremo

Tribunal Federal, a Lei n. 9.868/99 deixou clara a inadmissibilidade da intervenção

de terceiros nas ações que tratam do controle direto de constitucionalidade, tendo

em vista, por suposto, a falta de interesse subjetivo próprio ou de uma relação

jurídica de direito material concreta, subjacente àquelas ações, a justificar a

22

intervenção de um assistente ou litisconsorte ou outro terceiro, titular de direito

subjetivo, naqueles feitos17.

Todavia, admitiu que “o relator, considerando a relevância da matéria e

a representatividade dos postulantes”, admitisse, “por despacho irrecorrível”, “a

manifestação de outros órgãos ou entidades” (parágrafo 2º, do art. 7º, da Lei n.

9.868/99).

Antes mesmo da edição dessa Lei, o Supremo Tribunal Federal já

vinha admitindo a manifestação de amicus curiae em controle direto de

constitucionalidade, determinando a juntada da petição por linha, a título de

memoriais. Deve prover daí, supõe-se, a referência a “despacho irrecorrível” na

Lei n. 9.868/99, posto que, tendo a parte, em determinada ocasião, se insurgido

contra a referida juntada, o Plenário daquela Corte não conheceu do recurso, ao

argumento de que despacho que determina a juntada por linha de memoriais é

insuscetível de ser desafiado pela via recursal18.

Todavia, naquela época, o debate acerca da inserção do amicus curiae

nos debates constitucionais ainda era incipiente e as ocorrências de efetiva

intervenção, ainda tímidas.

Deve-se aqui abrir parênteses para dizer que até o início dos anos 90,

o intérprete jurídico pensava a norma, sobretudo, do ponto de vista puramente

jurídico, sem ponderar muito em quê poderia resultar, no mundo físico, real, a sua

interpretação e aplicação. Era corrente, inclusive, dizer, que o Poder Judiciário

17 Lei n. 9.868/99: “Art. 7º - Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.” 18 ADI 748 AgR / RS, Rel. Min. Celso de Mello, Julgamento em 01/08/1994, Tribunal Pleno “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - INTERVENÇÃO ASSISTENCIAL - IMPOSSIBILIDADE - ATO JUDICIAL QUE DETERMINA A JUNTADA, POR LINHA, DE PECAS DOCUMENTAIS - DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE - IRRECORRIBILIDADE - AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. - O processo de controle normativo abstrato instaurado perante o Supremo Tribunal Federal não admite a intervenção assistencial de terceiros. Precedentes. Simples juntada, por linha, de peças documentais apresentadas por órgão estatal que, sem integrar a relação processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como colaborador informal da Corte (amicus curiae): situação que não configura, tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvandum. - Os despachos de mero expediente - como aqueles que ordenam juntada, por linha, de simples memorial expositivo -, por não se revestirem de qualquer conteudo decisorio, não são passiveis de impugnação mediante agravo regimental (CPC, art. 504).”

23

não poderia se imiscuir em questões políticas ou fazer políticas públicas através

de suas decisões, sob pena de aviltar o princípio constitucional da separação dos

Poderes da República, bem como o princípio da imparcialidade do magistrado.

Todavia, o aumento de complexidade da vida moderna gerou, também

como resultado, o desgaste do mito do juiz imparcial como sinônimo de ser

apolítico (apolítico aqui, em acepção originária, distinta da “partidária”). À luz do

Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo, como ser um juiz apolítico

em face das inúmeras crianças que se vêem abandonadas nas ruas e nos sinais

de trânsito no Brasil?

Como ser apolítico diante da degradação do meio ambiente e dos seus

notórios e tão debatidos efeitos mesmo sobre a vida humana?

De par com isso, o Direito Constitucional, após a Carta de 1988,

passou por profunda alteração, provocada por longos debates a respeito de suas

cláusulas fundamentais. É dizer, a forma de pensar o Direito Constitucional

modificou-se, passando o constitucionalista a pautar sua compreensão da norma

partindo muito mais dos princípios que a informam do que do entendimento literal

do seu próprio texto.

Esse é o momento em que o jurista deixa de ser positivista “purista”,

para passar a interpretar o sistema jurídico a partir de seus princípios. É dizer, o

jurista passa a enxergar ou depreender a norma sob o enfoque dos valores que

ela visa proteger. Não se pergunta mais, aqui, o que quis o legislador dizer, ou o

que significa a letra da lei, mas qual o valor que ela pretende tutelar.

E casos vários há em que diversos serão os valores envolvidos, todos

juridicamente tutelados, e o aplicador do direito deverá eleger qual, naquele

momento, deve resultar prevalecente. Por exemplo, o que é mais importante: o

direito à incolumidade física do suposto pai que se recusa a apresentar-se a

exame em ação de investigação de paternidade, ou o direito à personalidade do

24

indivíduo que reclama o seu reconhecimento, com vistas a construir sua própria

identidade?

Não é demais também notar que, a partir da Constituição de 1988, o

número de ações judiciais aumentou sobremaneira, graças, não somente à

chamada “Constituição Cidadã”, como também à promulgação do Código de

Defesa do Consumidor19, assim como o advento da legislação que prestigiou as

ações de pequeno valor, as denominadas “pequenas causas”, contribuindo para

popularizar enormemente o acesso do cidadão comum à Justiça20.

Sendo assim, à apreciação do Poder Judiciário passou-se a submeter,

de forma bem mais ampla e variada, uma enorme gama de interesses sociais.

Antes disso, o acesso era mais elitizado, inobstante a legislação sobre gratuidade

judiciária datar de 1950. Não se pode olvidar, todavia, ainda mais um dado, qual

seja o da disseminação dos cursos de nível superior no Brasil. Até os idos de

1980, a formação educacional do brasileiro médio era representada por uma

pirâmide em que os graduados ou graduandos em cursos universitários

representavam o topo bem estreito dessa pirâmide. Atualmente, ainda são

representados no topo, embora bem mais alargado do que antes21. Isso repercute

em disseminação de informação a respeito dos direitos concernentes ao exercício

da cidadania, bem como outros de repercussão no patrimônio jurídico das

pessoas em geral.

Demais disso, também insta ressaltar a importância dos meios de

comunicação de massa, nos quais se insere, atualmente, a internet, com

divulgação rápida e, muitas vezes, em tempo real, antes mesmo da publicização

pela imprensa oficial, de vários eventos ocorridos no mundo.

19 Lei n. 8.078, de 11/09/90. 20 A Lei n. 10.259/2001 dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal; A Lei n. 7.244/84, que dispunha sobre os Juizados Especiais de Pequenas Causas no âmbito estadual foi revogada pela Lei n. 9.099/99. 21 De acordo com o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (ligado ao Ministério da Educação), em 1995, havia 894 (oitocentas e noventa e quatro) instituições de ensino superior no Brasil. Em 2008, o número de instituições subiu para 2.252 (duas mil, duzentas e cinqüenta e duas). Fonte: http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/sinopse/default.asp, consulta em 25/04/2010.

25

Considera-se, por último que, paralelamente a tudo isso e à tendência

democrática de abertura do processo interpretativo constitucional, o Brasil se

envolveu, ao longo dos últimos anos, no processo de globalização, que

disseminou um acentuado avanço tecnológico (em poucos anos, passou-se da

tecnologia do transistor à nanotecnologia), resultando em inúmeras

transformações sociais subjacentes a isso, bem como no advento de uma maior

complexidade de regulação dessas ocorrências. Vide a criação das agências

reguladoras de serviços públicos, a telefonia 3G, a internet banda larga, a

biotecnologia com seus desafios éticos e morais relacionados à clonagem até

mesmo humana e ao estudo das células tronco, o avanço da medicina com a

possibilidade de diagnóstico prévio ao nascimento até mesmo de bebês

anencefálicos, e o correspondente questionamento acerca do seu aborto, haja

vista resultarem em natimortos ou bebês de efemeríssima sobrevida.

Todas essas questões, que foram permeando normas jurídicas cujos

debates sobre a sua constitucionalidade, ineludivelmente, foram desaguando no

Plenário do Supremo Tribunal Federal, questões morais graves, cujo

questionamento seria de causar perplexidade a qualquer sexagenário

experientemente vivido, tudo isso foi exigindo daquele Tribunal uma reflexão

muito mais ampla, bem como repercutindo na necessidade de se ouvirem amplos

e variados setores da sociedade a respeito de questões tão importantes.

Demonstrando sabedoria ao perceber que as normas jurídicas, há

muito, deixaram no passado seu arcabouço puramente jurídico positivista, para

serem permeadas por questões científicas, técnicas, éticas e morais,

insuscetíveis de serem plenamente conhecidas por um magistrado de formação

eminentemente jurídica, o Supremo Tribunal Federal passou a, inclusive, ampliar

e estender a participação dos amici curiae (órgãos e entidades representativos da

sociedade) nas ações de sua competência, tudo com vistas a uma melhor

instrução do feito, a uma formação de uma convicção o quanto mais possível

resultante de um amplo debate a respeito das suas futuras e eventuais

implicações políticas, éticas, morais, econômicas, financeiras e sociais22. Essa é a

22 Veja-se, por exemplo, o caso da ADPF 54/DF (DJ 05/10/2004), que trata do aborto dos bebês anencefálicos. O Relator daquele processo, Min. Marco Aurélio, que, por uma tendência anterior

26

visão de que o que se decide no mundo jurídico, inegavelmente, repercute no

mundo concreto das pessoas de carne e osso, que trabalham, que vivem, que

morrem e para as quais é concebido o ordenamento jurídico.

Trata-se de um repensar da interpretação normativa, partindo dos

princípios fundamentais bem como das garantias individuais traçadas

constitucionalmente.

Nesse momento, a intervenção que havia sido concebida apenas para

ser uma “juntada de memoriais”23, passou a ser admitida também como

sustentação oral na sessão de julgamento24, havendo notícia, inclusive, de ações

em que se admitiram diversos amici curiae25.

de uma interpretação constitucional mais “fechada”, havia indeferido a intervenção de várias entidades na qualidade de amicus curiae. Tendo em vista, entretanto, a singularidade da hipótese sob apreciação, assim decidiu: “Em 21 de junho de 2004, consignei, à folha 151, a confecção de relatório e voto em fita magnética, declarando-me habilitado a submeter o pedido acautelador ao Plenário. Em peça protocolizada em 23 de junho de 2004, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reportando-se ao parágrafo 1º do artigo 6º da Lei n. 9.882/99, solicitou fosse admitida no processo como amicus curiae, o que foi indeferido por meio da decisão de folha 156. (...) A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ainda durante as férias coletivas de julho, requereu a reconsideração do ato mediante o qual não foi admitida como amicus curiae, havendo despachado o Presidente no sentido de se submeter tal requerimento ao relator. Com a decisão de folhas 171 e 172, foi mantido o indeferimento. (...) Católicas pelo Direito de Decidir pleiteou também a integração ao processo. Seguiu-se a decisão de folha 202, a resultar no indeferimento do pedido. Teve idêntico desfecho pretensão semelhante externada pela Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família e pela Associação do Desenvolvimento da Família. (...) A matéria em análise deságua em questionamentos múltiplos. A repercussão do que decidido sob o ângulo precário e efêmero da medida liminar redundou na emissão de entendimentos diversos, atuando a própria sociedade. Daí a conveniência de acionar-se o disposto no artigo 6º, parágrafo 1º, da Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999. (...) Então, tenho como oportuno ouvir, em audiência pública, não só as entidades que requereram a admissão no processo como amicus curiae, (...) como também as seguintes entidades: Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Sociedade Brasileira de Genética Clínica, Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, Conselho Federal de Medicina, Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Socieais e Direitos Representativos, Escola de Gente, Igreja Universal, Instituto de Biotécnica, Direitos Humanos e Gênero, bem como o hoje deputado federal José Aristodemo Pinotti, este último em razão da especialização em pediatria, ginecologia, cirurgia e obstetrícia e na qualidade de ex-Reitor da Unicamp, onde fundou e presidiu o Centro de Pesquisas Materno-Instantis de Campinas – CEMICAMP.” 23 ADI 2321, Informativo 208: “Ainda no julgamento da ADIn 2.321-DF, o Presidente do Tribunal, Min. Carlos Velloso, entendeu não ser possível a sustentação oral de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade na qualidade de amicus curiae (...)” ADInMC 2.321-DF, Rel. Min. Celso de Mello, 25.10.2000. 24 RE 415.454-4/SC 25 ADI 3772/DF

27

Convém repisar que, no início de aplicação da Lei n. 9.868/99, o

Plenário do Supremo Tribunal Federal inadmitia, expressamente, a sustentação

oral, restringindo a manifestação do amicus curiae apenas à apresentação de

memoriais juntados por linha ao feito. Posteriormente, aquele Tribunal modificou

sua orientação, procedendo, inclusive a uma alteração em seu Regimento

Interno26, com vistas a permitir a sustentação oral desse interveniente.

Trata-se de clara tendência daquele Tribunal à ampliação da

participação democrática no controle de constitucionalidade.

E é aqui que à figura do amicus curiae, se deixa de exigir aquele

caráter de neutralidade ou imparcialidade exigidos no direito inglês ou nos

primórdios do direito romano, posto que são chamados a esse debate órgãos e

instituições representativos dos interesses potencialmente contrapostos na norma

cuja constitucionalidade se afere, com vistas a se produzir a melhor decisão sobre

a sua validade e interpretação.

Demais disso, entenda-se que num país capitalista como o Brasil, não

é nem razoável nem lógico exigir-se como pressuposto de admissibilidade do

amicus curiae, a imparcialidade esperada dos peritos e outros auxiliares judiciais.

É que, como é de se imaginar, a mobilização de advogados e pessoal

técnico para emissão de pareceres como amicus curiae exige, como tudo na vida

atual, o dispêndio de numerário para esse fim. Seria fantasioso pensar em

altruísmo quando se exigem altos investimentos para capacitação de corpo

técnico e jurídico com vistas ao enfrentamento de questões complexas perante o

Supremo Tribunal Federal, ou mesmo o Superior Tribunal de Justiça. E não

apenas para a formulação de argumentos, como também para a locomoção com

26 RISTF, “Art. 131 - Nos julgamentos, o Presidente do Plenário ou da Turma, feito o relatório, dará a palavra, sucessivamente, ao autor, recorrente, peticionário ou impetrante, e ao réu, recorrido ou impetrado, para sustentação oral. § 1º(...). § 2º (...). § 3º Admitida a intervenção de terceiros no processo de controle concentrado de constitucionalidade, fica-lhes facultado produzir sustentação oral, aplicando-se, quando for o caso, a regra do § 2º do artigo 132 deste Regimento. (Acrescentado pela ER-000.015-2004)”

28

vistas ao comparecimento em sessão de julgamento, com vistas à sustentação

oral.

Tudo isso, nos dias de um país em desenvolvimento, em que grande

parte da população, das empresas e demais instituições ainda estão a se

preocupar com o básico da sobrevivência e da garantia de direitos fundamentais,

seria um luxo ao qual só se permitem os que têm interesses envolvidos ou

patrimônio jurídico a ser atingido, ainda que reflexamente, em decorrência do

resultado do julgamento a advir no processo em que o amicus curiae intervém.

Sendo assim, tem-se claro que extrapola os limites da razoabilidade

qualquer decisão que exija, como pressuposto de admissibilidade, a ausência de

interesse por parte de quem pleiteia sua intervenção como amicus curiae.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal tem entendido essa questão de

forma parecida com a admissibilidade das ações relacionadas ao controle direto

de constitucionalidade, no que se refere à legitimidade ativa.

Reiteradamente, o STF tem exigido não só a demonstração do

interesse do amicus curiae na causa, como também inadmitido a intervenção de

qualquer órgão ou entidade que, em seus estatutos, não guarde pertinência

temática com a questão discutida no bojo da ação27.

27 RE 586.995/MG, Rel. Min. Carmen Lúcia, DJe 095, de 22/05/09: “PEDIDO DE INTERVENÇÃO NOS AUTOS COMO AMICUS CURIAE. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA À MUCOVISCIDOSE – ABRAM. PERTINÊNCIA TEMÁTICA COMPROVADA. PEDIDO DE INTERVENÇÃO DEFERIDO. 1. A Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose – Abram requer a sua inclusão no feito na condição de amicus curiae. Sustenta que: (...) Tem como principal objetivo a defesa dos portadores de fibrose cística, em âmbito nacional. (...) 2. O recurso extraordinário foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que condenou o Recorrente ao fornecimento de medicamentos para tratamento de fibrose cística ou mucoviscidose (...). 3. Assim, demonstrada está a pertinência temática entre a natureza jurídica e as finalidades institucionais da Requerente e a matéria objeto deste recurso extraordinário, razão pela qual deve ser admitida a Requerente na condição de amicus curie. 4. Pelo exposto, admito o ingresso da Requerente neste recurso extraordinário, na condição de amicus curiae, observando-se, quanto à sustentação oral, o disposto no art. 131, parágrafo 3º, do mesmo Regimento Interno.”

29

Posteriormente à Lei n. 9.868/99, veio a Emenda Constitucional n.

45/2004, inserindo na ordem jurídica constitucional os institutos da eficácia

imediata e vinculante das decisões proferidas em sede de controle de

constitucionalidade28, da repercussão geral em sede de recursos extraordinários29

e da súmula vinculante30.

A pretexto de regular a matéria da repercussão geral nos recursos

extraordinários, veio a Lei n. 11.418/2006, acrescer dispositivos ao Código de

Processo Civil (art. 543, 543-A, do CPC)31, valendo ressaltar a previsão da

28 Art. 102, § 2º: “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do poder Judiciário e à administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.” 29 § 3º: “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.” 30 Art. 103 – A: “O supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º: “A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º: “Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º: “Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. 31 Art. 543-A: “O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1º: Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. § 2º: O recorrente deverá demonstrar, em preliminar de recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral. § 3º: Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. § 4º: Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. § 5º: Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 6º: O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

30

admissão do amicus curiae na análise da repercussão geral (§ 6º do art. 543-A,

do CPC) e inserindo o conceito de “recursos repetitivos”32, ao prever a escolha de

apenas um feito para o julgamento do recurso extraordinário, e o sobrestamento

de todos os demais, tudo isso supostamente a atender o princípio da celeridade

processual, bem como o da razoável duração do processo, alçado à esfera

constitucional pela Emenda Constitucional n. 45/200433.

Apesar de o art. 543, aparentemente, prever a oitiva de interessados

apenas quanto à existência, ou não, de questão relevante, a possibilitar o

conhecimento do recurso extraordinário34, o Supremo Tribunal já tem admitido a

intervenção de amicus curiae também na instrução quanto ao mérito que envolve

o processo, nos casos de reconhecimento dessa relevante questão social, com

vistas a melhor orientar o julgamento de tais questões35

§ 7º: A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão. 32 Art. 543-B: “Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. § 1º: Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2º: Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. § 3º: Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. § 4º: Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. § 5º: O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral. 33 CF/88, inciso LXXVIII, art. 5º: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. 34 No dizer de Aderbal Torres de Amorim, “o amicus curiae – que pode vir ao processo a requerimento ou a convite da Corte – é admissível “na análise da repercussão” geral e só nesta. . A lei que o introduziu como figurante no recurso extraordinário bem estabeleceu, em um só e único dispositivo, sua área de atuação. De igual sorte fez o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a despeito da censurável irrecorribilidade da decisão da qual nem mesmo a lei cogitara.”, in O novo recurso extraordinário: hipóteses de interposição, repercussão geral, amicus curiae, processamento, jurisprudência, súmulas aplicáveis, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2010, págs, 54/55. 35 Vejam-se como exemplo trechos do relatório lançado no julgamento do RE n. 565.714/SP, Rel. Min. Carmen Lúcia, Julgado em 30/04/2008, Plenário, que resultou na admissão à sustentação oral da Confederação Nacional da Indústria, como amicus curiae: “A norma parece ter limitado a presença do amicus curiae apenas à fase de reconhecimento de existência ou inexistência de repercussão geral. Esse seria o raciocínio simplório a que chegaria o

31

Posteriormente, adveio a Lei n. 11.672/2008, que incluiu o art. 543-C

no Código de Processo Civil, emprestando, ao recurso especial, o mesmo

tratamento que deu ao recurso extraordinário quando se trata de recurso

repetitivo36, e inserindo, também quanto ao recurso especial repetitivo, dispositivo

intérprete se este considerar os dois dispositivos legais transcritos como base para manifestação de terceiros. Os artigos 543-A, § 6º, do Código de Processo Civil e o art. 323, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal têm por objetivo deixar claro que a presença do amicus curiae será admitida mesmo em se tratando de fase em que não se examinará o mérito submetido ao controle de constitucionalidade (momento em que a manifestação de terceiros é mais comum), mas apenas se avaliará a existência dos requisitos de relevância e transcendência que configuram a existência da repercussão geral. A presença do amicus curiae no momento em que se julgará a questão constitucional cuja repercussão geral fora reconhecida não só é possível como é desejável. 11. A exigência de repercussão geral da questão constitucional tornou definitiva a objetivação do julgamento do recurso extraordinário e dos efeitos dele decorrentes, de modo a que a tese jurídica a ser firmada pelo Supremo Tribunal Federal seja aplicada a todos os casos cuja identidade de matérias já tenha sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (art. 328 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) ou pelos juízos e tribunais de origem (art. 543-B do Código de Processo Civil), ainda que a conclusão de julgamento seja diversa em cada caso. Essa nova característica torna mais legítima a presença de amicus curiae, ainda que não se tenha disposição legal expressa, circunstância já examinada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.321-MC, DJ 10.6.2005 (...). A pertinência entre o tema a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal e as atribuições institucionais da Requerente legitimam a sua atuação como amicus curiae. 12. Por isso é que admiti a Confederação Nacional da Indústria na condição de amicus curiae, no estado em que se encontra o feito.”” 36 CPC, art. 543-C: “Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. § 1º: Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. § 2º: Não adotada a providência descrita no § 1º deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida. § 3º: O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia. § 4º: O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia. § 5º: Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4º deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias. § 6º: Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. § 7º: Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça. § 8º: Na hipótese prevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.

32

a permitir a intervenção de amicus curiae, segundo o qual “O relator, conforme

dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a

relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou

entidades com interesse na controvérsia” (§ 4º, do art. 543-C, do CPC).

Observa-se do regime a que se submetem os recursos especiais

repetitivos ou os extraordinários, a exigir a repercussão geral, a transcendência

dos interesses puramente individuais que envolvem tais processos. Daí a

importância da manifestação dos diversos setores interessados na questão em

exame.

Apesar da previsão específica da intervenção do amicus curiae,

apenas nos recursos extraordinários e nos recursos especiais repetitivos, bem

assim nas ações relacionadas ao controle direto de constitucionalidade, várias

ações já existem, relacionadas a procedimentos ordinários, cuja admissão como

amicus curiae diversos órgãos ou entidades têm pleiteado perante os juízes de

primeiro grau, o que vem sendo, inclusive, discutido em grau de recurso perante

os tribunais de segundo grau37, bem como no Supremo Tribunal Federal38 e no

Superior Tribunal de Justiça39.

§ 9º: O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo. 37 Apelação Cível n. 2003.51.01.023477-8, Rel. Juiz Federal Convocado Luiz Paulo S. Araújo Filho, 5ª Turma Especializada do TRF-2ª Região, Julg. 11/11/2009. 38 HC 92.257-MC-AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Julg. 08/10/2007, deferindo a intervenção do titular do direito em litígio, na hipótese, prestação alimentícia, sob o argumento de que “a intervenção requerida tem como objetivo principal a apreciação de recurso que, de qualquer modo, seria manifestamente incabível, pois, conforme pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal, não cabe agravo regimental contra decisão fundamentada que defere ou indefere medida liminar em habeas corpus.” Também de se referirem os acórdãos proferidos nos Agravos Regimentais nos Mandados de Segurança ns. 26.552/DF e 26.553/DF, ambos julgados em 22/11/2007, assim ementados: “Não se revela juridicamente possível a invocação da Lei n. 9.868/99 (art. 7º, parágrafo 2º) para justificar o ingresso de terceiro interessado, em mandado de segurança, na condição de “amicus curiae”. É que a Lei n. 9.868/99 – por referir-se a processo de índole eminentemente objetiva, como o são os processos de controle normativo abstrato – não se aplica aos processos de caráter meramente subjetivo, como o processo mandamental.” 39 AgRg no Mandado de Segurança n. 12.459/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Julg. 24/10/2007. O agravo foi manejado contra decisão que indeferiu a intervenção de amicus curiae, que foi reformada ao seguinte fundamento: “Cuida-se de dois agravos regimentais interpostos pela UNIÃO e por Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA e outro contra decisões monocráticas proferidas nos autos do Mandado de Segurança n. 12.459/DF, impetrado por Eternit S/A e outros contra ato atribuído ao

33

Vale observar que as decisões referidas nas notas de rodapé da

presente dissertação tiveram suas fundamentações transcritas, de molde a

evidenciar como a figura do amicus curiae, juntamente com os temas que têm

sido submetidos à apreciação dos Tribunais, têm trazido uma espécie de

“desbalanço”, como se se pisasse em terreno movediço, arenoso, em que

sobretudo não se tem a certeza, de antemão, da orientação a se seguir.

Todos os arestos ora trazidos à baila dão essa demonstração, de

dúvida, de hesitação, que, com certeza, só vêm evidenciar a seriedade com que o

tema tem sido tratado, de forma que mesmo diante de situações jurídicas já

conhecidas e sedimentadas, como é o caso do mandado de segurança40 e do

Ministro de Estado de Saúde, (...) que, fazendo referência aos artigos 5º da Lei n. 9.055/95 e 12 do Decreto n. 2.350/97, aprova procedimentos e critérios para envio ao Sistema Único de Saúde (SUS) da listagem de trabalhadores expostos e ex-expostos ao asbesto-amianto nas atividades de extração, industrialização, utilização, manipulação, comercialização, transporte e destinação final de resíduos, bem como aos produtos e equipamentos que o contenham. (...) Ao indeferir monocraticamente o pleito de admissão no mandamus formulado por Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA e outro, assim fundamentei: “(...) verifico que não comporta deferimento o pleito de admissão dos requerentes como litisconsortes passivos, porquanto não esclarecido em que consiste a relação de direito material que mantém com as partes envolvidas n a demanda, bem assim em que medida essa relação poderia ser afetada pela decisão que vier a ser proferida, não servindo a tal desiderato motivações de cunho institucional, econômico ou corporativo da entidade. (...) Do mesmo modo, não vejo como acolher o pedido de ingresso sob a perspectiva do instituto do amicus curiae, espécie de intervenção especial de terceiros no processo importada do direito norteamericano e cabível em hipóteses excepcionais, envolvendo, de regra, a defesa de matéria considerada de relevante interesse social, inovação trazida no bojo da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Primeiro, por não estarem configurados os requisitos do art. 7º, parágrafo 2º, da Lei n. 9.868/99, em particular, o da relevância da matéria, sendo certo que não se encaixa nesse perfil a temática envolvendo a adequação jurídica dos critérios e procedimentos técnicos desenvolvidos pelo Ministério da Saúde com vista a regulamentar a Lei n. 9.055/95.” Entretanto, reexaminada a questão, entendo, como medida de coerência jurídica, por considerar em parte o julgado, de modo a admitir o ingresso dos agravantes no feito na condição de amicus curiae, presente, sobretudo, o fato de o STF ter acolhido tal pleito no bojo das ADI ns. 3.356/PE, 3.357/RS e 3.937/SP, cujo objeto é a declaração de inconstitucionalidade de leis estaduais proibitivas do uso do amianto.” 40 STF. AgRg na Suspensão de Segurança 3.273-9/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, Plenário, Julg. 16/04/2008: “AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. ASSISTÊNCIA. AMICUS CURIAE. DESCABIMENTO.

1. Consolidação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de não ser admissível assistência em mandado de segurança, porquanto o art. 19 da Lei 1.533/51, na redação dada pela Lei 6.071/74. restringiu a intervenção de terceiros no procedimento do writ ao instituto do litisconsórcio.

2. Descabimento de assistência em suspensão de segurança, que é apenas uma medida de contracautela, sob pena de desvirtuamento do arcabouço normativo que disciplina e norteia o instituto da suspensão (Leis 4.348/64, 8.437/92 e 9.494/97).

3. Pedido de participação em suspensão na qualidade de amicus curiae que não foi objeto da decisão ora agravada, além de ser manifestamente incabível.

4. Agravo regimento improvido.”

34

habeas corpus41, a jurisprudência, muitas vezes, tem indeferido, para depois

deferir.

Interessante, ainda, observar que nas duas hipóteses de intervenção

de amicus curiae em mandado de segurança trazidas a lume, na primeira (AgRg

no MS 26.552 e 26.553), o STF a indeferiu ao argumento de que ela é incabível

em procedimentos desse jaez. Já na segunda (AgRg no MS 12.459), o STJ a

deferiu, ao argumento do seu deferimento pelo STF, em matéria semelhante, em

sede de ação direta de inconstitucionalidade. E o segundo julgamento ocorreu

apenas cerca de 32 (trinta e dois) dias após o primeiro.

Não se trata de vacilar na hora de decidir, nem aqui se está afirmando

que as decisões não seriam consistentes. Ao contrário, o que sobressai é o

compromisso daqueles Tribunais com o que pode ser considerado interesse

social relevante, a permitir o afastamento de regras tão cristalizadas na

jurisprudência, como a não intervenção de terceiros em ação mandamental, bem

assim a não intervenção de amicus curiae em processos de natureza subjetiva

etc.

Talvez na história do Direito Brasileiro, nunca o precedente judicial teve

tanta importância como nos dias atuais, por força das modificações legislativas

havidas a partir da EC 45/2004.

Por isso, o extremado zelo nas decisões judiciais sobre o tema. Está

comprovado que o desenvolvimento tecnológico acelerado, as transformações

sociais acentuadas, os processos que envolvem a globalização, os “zilhões” de

informações disponíveis42 em todos os “cantos” sobre os quais o ser humano

41 STF. HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Julg. 04/03/2006: “HABEAS CORPUS. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. IMPROPRIEDADE. INDEFERIMENTO. MEMORIAL. RECEBIMENTO.

1. (...) Conectas Direitos Humanos e Instituto Pro Bono requerem as respectivas admissões na qualidade de amicus curiae, no habeas corpus acima citado, bem como o deferimento de sustentação oral. Alternativamente, pleiteiam o recebimento da petição como memorial.

2. Descabe implementar a intervenção de terceiros em habeas corpus, pouco importando que se faça em benefício do paciente, cujos interesses estão sendo defendidos mediante impetração própria. (...)”

42 Segundo informações colhidas no Censo de Ensino Superior/INEP, em 2002, existiam disponíveis, em todo o Brasil, 14.399 cursos de graduação presencial. No ano de 2008, esse quantitativo chegou a 24.719 – quase o dobro do existente 6 anos antes...

35

lança o olhar, tudo isso junto tem sido muito difícil de ser assimilado e

acompanhado pelo Homem. Tendo em vista a repercussão e, portanto, a

responsabilidade que carregam os Tribunais, tudo isso deve ser visto com muita

parcimônia, posto que, por detrás de todos os papéis e textos de norma, existem

as pessoas, cuja vida e dignidade importa resguardar como valor fundamental de

qualquer sistema. E num mundo em que tudo se encontra tão massificado –

economia de massa, comunicação de massa, recursos repetitivos, repercussão

geral, súmula vinculante, todo cuidado deve ser redobrado.

Como diria Humberto Theodoro Júnior, “Tal como BARBOSA

MOREIRA, também me convenço, cada vez mais, “de que, de vez em quando, o

processualista deve deixar de lado a lupa com que perscruta os refolhos de seus

pergaminhos e lançar à sua volta um olhar desanuviado. O que se passa cá fora,

na vida da comunidade, importa incomparavelmente mais do que aquilo que lhe

pode proporcionar a visão de especialista. E, afinal de contas, todo o labor

realizado no gabinete, por profundo que seja, pouco valerá se nenhuma

repercussão externa vier a ter... O processo existe para a sociedade, e não a

sociedade para o processo”.43

43 In Celeridade e Efetividade da Prestação Jurisdicional. Insuficiência da Reforma das Leis Processuais, http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo51.htm, consulta em 25/04/10.

36

CAPÍTULO IV

DAS LIMITAÇÕES À ATUAÇÃO DO AMICUS CURIAE

Todavia, a perplexidade que assoma vários magistrados é relacionada

a que o amicus curiae pudesse vir a se manifestar no processo como se parte

fosse, não sujeita, entretanto, ao regime de sucumbência processual, intervindo

em processos de todas as ordens. Então a pergunta que se faz é: “Pode o amicus

curiae intervir em qualquer momento do processo, fazer sustentação oral, recorrer

e praticar todos os demais atos, inclusive aqueles relacionados à produção de

prova com vistas à instrução do julgamento da causa?

Como se viu no capítulo anterior, os Tribunais Superiores, sobretudo o

Supremo Tribunal Federal, apesar de vir flexionando bastante alguns

entendimentos já sedimentados, ainda assim tem se preocupado em manter uma

sorte de limitação à atuação do amicus curiae.

Não se falará, aqui, em limitação temporal da intervenção, porque já se

viu no capítulo anterior que, num primeiro momento, essa intervenção era

admitida no prazo de informações da autoridade – 30 (trinta) dias44.

Posteriormente, em atenção à relevância da matéria tratada, passou-se a admitir

44 STJ. AgRg na Medida Cautelar n. 5.328/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Julg. 17/09/2002: “AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR. PROCESSO CIVIL. REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE. ART. 7º, § 2º, DA LEI Nº 9.868/99. INSTRUÍDO E PRONTO PARA JULGAMENTO. ULTRAPASSAGEM DO MOMENTO OPORTUNO. ARGUIÇÃO DE ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. PRETENSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL. INDEFERIMENTO DA LIMINAR. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Não se afigura plausível, a essa altura, o direito arguído, mormente tendo em vista a superação do momento processual oportuno para a admissão da manifestação pretendida, que é justamente o prazo inicial de trinta dias destinado à instrução do feito com a colhida das informações pertinentes.

2. O processo em questão, como se sabe, é de natureza objetiva, onde não se discutem situações individuais, pelo que não há que se falar em “seríssimo cerceamento de defesa”.

3. Agravo Regimental improvido.”

37

fora desse prazo, tendo como limite a data em que o relator incluía o processo em

pauta de julgamento45.

Depois, passou-se à discussão de se admitir, ou não, amicus curiae, no

dia do julgamento, e, então, a intervenção, se admitida, se daria também em sede

de manifestação oral46.

45 Informativo STF n. 543. ADI 4071: “A possibilidade de intervenção do amicus curiae está limitada à data da remessa dos autos à mesa para julgamento. Ao firmar essa orientação, o Tribunal, por maioria, desproveu o agravo regimental interposto contra decisão que negara seguimento a ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB (...). Preliminarmente, o Tribunal, também por maioria, rejeitou o pedido de intervenção dos amici curiae, porque apresentado após a liberação do processo para a pauta de julgamento. Considerou-se que o relator, ao encaminhar o processo para a pauta, já teria firmado sua convicção, razão pela qual os fundamentos trazidos pelos amici curiae pouco seriam aproveitados, e, que já é excepcional, às vésperas do julgamento poderia causar problemas relativamente à quantidade de intervenções, bem como à capacidade de absorver argumentos apresentados e desconhecidos pelo relator. Por fim, ressaltou-se que a regra processual teria de ter uma limitação, sob pena de se transformar o amicus curiae em regente do processo. Vencidos, na preliminar, os Ministros Cármen Lúcia, Carlos Britto, Celos de Mello e Gilmar Mendes, Presidente, que admitiam a intervenção, no estado em que se encontra o processo, inclusive para o efeito de sustentação oral. Ao registrar que, a partir do julgamento da ADI 2777 QO/SP (j. em 27/11/2003), o Tribunal passou a admitir a sustentação oral do amicus curiae – editando norma regimental para regulamentar a matéria -, salientavam que essa intervenção, sob uma perspectiva pluralística, conferiria legitimidade às decisões do STF no exercício da jurisdição constitucional. Observavam, entretanto, que seria necessário racionalizar o procedimento, haja que vista o concurso de muitos amici curiae implicaria a fragmentação do tempo disponível, com a brevidade das sustentações orais. Ressaltavam, ainda, que, tendo em vista o caráter aberto da causa petendi, a intervenção dos amicus curiae, muitas vezes, mesmo já incluído o feito em pauta, poderia invocar novos fundamentos, mas isso não impediria que o relator, julgando necessário, retirasse o feito da pauta para apreciá-los(...)”. AgR/DF, Rel. Min. Menezes Direito, 22/04/2009. 46 STF. Informativo nº 349. HC 83.020, Rel. para acórdão Min. Sepúlveda Pertence: “ADI 2777 QO/SP* REL. P/ O ACÓRDÃO: MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE Voto: Sr. Presidente, cheguei a sustentar, na questão de ordem na Petição 2.223, que a lei não admitia a sustentação oral dos amici curiae. Fundei-me, para isso, numa interpretação do art. 7º da Lei nº 9.868, em combinação, aliás, com um parágrafo anterior vetado, que fora, de certo modo, até uma sugestão minha, na discussão da ADC 1, de um procedimento-edital pelo qual se desse ciência aos legitimados do ingresso de uma ação direta de inconstitucionalidade, ou de uma ação declaratória de constitucionalidade, para que pudessem eles intervir no processo e, eventualmente, propor uma ação em sentido contrário. Esse parágrafo foi vetado (um dia vou contar, nas memórias, que espero não escrever, por influência de quem). Mas o certo é que nele se previa que, naquele prazo, é que o Relator admitiria a manifestação do amicus curiae. Enquanto corria o prazo do edital para que os outros legitimados viessem ao processo, o Relator poderia, além deles, que teriam o ingresso assegurado, admitir os outros, como amici curiae. Hoje me convenço que a questão, a rigor, não é legal; é menor, é regimental. Basta ler a L. 9.868. Ela, impondo uma virada na orientação regimental anterior, previu, como direito do requerente e do requerido, a sustentação oral no julgamento cautelar, mas não se previu no julgamento de mérito. Então, se reduzíssemos o problema da sustentação oral ao plano da interpretação literal, chegaríamos à solução paradoxal de que, mesmo as partes formais, nesse processo sui generis de controle abstrato, só poderiam falar no julgamento liminar, não no definitivo. O que mostra, rigorosamente, que a lei pode impor sustentações orais em determinados momentos que considere essenciais. Mas, deixa sempre em aberto o que não regulou, para que o Tribunal a admita, ou não, em outras fases. Comovido sinceramente pelos valores que os Ministros Celso de Mello, Carlos Britto e Gilmar Mendes realçaram hoje nessa questão, aparentemente menor tenho,

38

Afora isso, como os julgamentos no STF são, por vezes, realizados em

vários dias, diferidos por pedidos de vista de seus membros, já aconteceu de se

apresentar pleito de intervenção como amicus curiae em dia de prosseguimento

de julgamento, para prolação de voto após já feito o relatório e colhido o voto do

relator. Aí a discussão já era se podia, ou não, ser admitida a intervenção de

amicus curiae após iniciado o julgamento47.

A tendência que se vê de toda a jurisprudência até aqui produzida, é de

ampliação da participação do amicus curiae, no que se refere não apenas ao

momento dessa admissão, como também à diversidade de procedimentos em

que se lhe admite48. Como se observou no capítulo anterior, já se tem admitido,

inclusive, a intervenção de amicus curiae em mandados de segurança e habeas

corpus. A limitação que o STJ tem feito à atuação do amicus curiae em sede de

habeas corpus, todavia, é de admiti-la somente naqueles fundados em ação penal

porém - talvez pela responsabilidade de estar sentado agora nesta cadeira de decano, tenho de recordar, também - como o faria o meu insigne antecessor nela - uma outra responsabilidade do Tribunal: a responsabilidade com a sua sobrevivência, sua viabilidade e sua funcionalidade. Com as manifestações havidas, vou admitir, hoje, a sustentação requerida para provocar o Tribunal. Mas entendo urgente, que, mediante norma regimental, venhamos a encontrar uma fórmula que, sem comprometer a viabilidade do funcionamento do Tribunal - nesta, que é a sua função mais nobre: o julgamento dos processos objetivos do controle de constitucionalidade -, possamos, ouvir, o que me parece extremamente relevante, o amicus curiae admitido. Admito, hoje, a sustentação oral e insto o Tribunal a que imaginemos uma fórmula regimental que a discipline, em especial, para as hipóteses em que sejam muitos os admitidos à discussão da causa.” 47 STF. Informativo n. 267. ADI 2238. Rel. Min. Ilmar Galvão, Julg. 09/05/2002: “Retomado o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B, Partido Socialista Brasileiro - PSB e pelo Partido dos Trabalhadores - PT contra a Lei Complementar 101/2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências (v. Informativos 204, 206 e 218). Por maioria, o Tribunal, preliminarmente, deixou de referendar a admissibilidade, no processo, da Associação Paulista dos Magistrados na qualidade de amicus curiae (Lei 9.868/99, art. 7º, § 2º), uma vez que a mesma formulara o pedido de admissão no feito depois de já iniciado o julgamento da medida liminar. Considerou-se que a manifestação de amicus curiae é para efeito de instrução, não sendo possível admiti-la quando em curso o julgamento. Vencidos os Ministros Ilmar Galvão, relator, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, que referendavam a decisão.” 48 Vide AgRg nos Embargos de Divergência em REsp n. 827.194/SC, Rel. Min. Humberto Martins, Julg. 09/09/2009: “PROCESSUAL CIVIL. DEFERIMENTO DE INGRESSO DE SINDICATO COMO AMICUS CURIAE. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA AS PARTES. Esta Corte tem reiteradamente aceito o ingresso do amicus curiae nos feitos em que haja relevância da matéria como o presente, no qual se discute a incidência de PIS e COFINS sobre o faturamento das empresas locadoras de mão de obra.”

39

pública49, com base em jurisprudência sedimentada no sentido de que nem

mesmo o assistente de acusação pode ser admitido naquele procedimento.

49 STJ, HC 048375, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ 11/11/2005: “O COMITÊ NACIONAL DE VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA PARCEIROS DA PAZ – CONVIVE, organização não governamental de defesa dos direitos humanos da vítima, requer, por meio da petição de n.º 151305, a sua admissão no presente habeas corpus como amicus curiae, com a possibilidade de juntada de memorial e realização de sustentação oral quando da sessão de julgamento pelo órgão colegiado. Para tanto, sustenta-se que os genitores da vítima de homicídio MARCELO SILVA NÓBREGA, cujo autor seria, em tese, o ora paciente VALÉRIO DE ALMEIDA SANTANA, seriam integrantes da referida ONG. O requerente refere que, no intuito de alcançar justiça e evitar a impunidade, pretende o deferimento da pretensão, afirmando que a sua representatividade é de âmbito nacional, nos casos de vítimas dos crimes mais dolorosos ocorridos na Capital Federal. Nesse contexto, aduz que os objetivos da organização não governamental tornaram-se “reféns da habilidade oratória de um competente advogado, tanto que, por ele malferidos e contrariamente a toda prova produzida no feito principal, se alcançou do Tribunal do Júri teratológica absolvição do assassino, ora paciente”. (...) Por outro lado, sustenta-se que a Sexta Turma desta Corte já admitiu a intervenção de um querelante em habeas corpus, bem como o Supremo Tribunal Federal, aplicando analogia ao processamentos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, admitiu a intervenção de terceiro, que era pessoa jurídica, na qualidade de amicus curiae, no HC 82.424/RS. Por fim, ressalta-se que “o ataque articulado nesta ação de habeas corpus não se dirige a restrição imediata de liberdade, senão por conseqüência, de sorte que não se trata de preservação, stricto sensu, da possibilidade de ir e vir, admitindo, portanto, a intervenção de terceiros”. Decido. De fato há precedentes desta Corte no sentido da admissibilidade da intervenção de terceiros em habeas corpus. Entretanto, apenas nos casos de writ impetrado em razão de suposto constrangimento ilegal decorrente de ação penal privada, conforme se verifica do HC 27.540/RJ, Rel. Min. Paulo Medina, citado pelo requerente, e do HC 29.861/SP, de minha Relatoria. Tratando-se, o presente habeas corpus, de impetração oriunda de ação penal pública, o requerente não possui legitimidade para figurar como terceiro interveniente na relação processual firmada com o manejo do writ, não se vislumbrando a ocorrência de excepcionalidade hábil a autorizar o abrandamento do referido entendimento jurisprudencial e doutrinário. Sequer o assistente da acusação regularmente habilitado nos autos originários poderá ingressar no processo de habeas corpus, tendo em vista a sua natureza de ação constitucional livre de aprofundado exame fático-probatório, que visa a tutelar o direito de ir e vir, o direito de locomoção, a liberdade. A respeito, as seguintes decisões da Suprema Corte e deste Superior Tribunal de Justiça: “DECISÃO: (...) De qualquer maneira, no entanto, e mesmo que assim não fosse, cumpre assinalar que os ora requerentes – que são irmãos da vítima - não dispõem de legitimidade para intervir, formalmente, na relação processual instaurada com o ajuizamento da ação de 'habeas corpus'. Como se sabe, nem mesmo o assistente do Ministério Público, ainda que regularmente habilitado (CPP, art 268), pode intervir no processo de 'habeas corpus', consoante tem advertido a jurisprudência dos Tribunais em geral (RT 376/230 – RT 545/307 - RT 546/318 - RT 557/350 - RT 598/325) e a desta Suprema Corte (RTJ 56/693-695 - RTJ 112/1095, 1101 - RTJ 126/154 – RTJ 176/1148, v.g.): "No processo de 'Habeas Corpus' não é admissível a intervenção do Assistente da Acusação, mesmo que este haja sido admitido no processo da ação penal pública condenatória. Pela mesma razão não tem direito a sustentar oralmente suas razões contrárias à concessão do 'writ'. Precedentes." (HC 72.710/MG, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - grifei) (...) (HC 84156/MT, Ministro CELSO DE MELLO) “EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS: INTERVENÇÃO DO ASSISTENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE.

40

De toda sorte, a jurisprudência tem imposto algumas limitações à

atuação do amicus curiae no processo brasileiro, mas não tem exigido expressa

previsão legal para essa intervenção. A par disso, A questão que a jurisprudência

dos Tribunais Superiores tem deixado clara para a admissão do amicus curiae em

diversas sortes de procedimentos, é a presença de relevante interesse social, a

tornar útil e desejável essa intervenção. Essa deve ser a questão central a nortear

a admissibilidade de qualquer amicus curiae em processo.

Outra condição a se verificar diz respeito à representatividade desse

interveniente em relação aos interesses envolvidos. Essa aferição só pode ser

feita casuisticamente. Todavia, deve-se ter em vista o caráter da entidade

interveniente e suas finalidades, conforme seu estatuto social, a traduzir a relação

da interveniente com os interesses envolvidos na norma em exame50.

I. - O assistente de acusação não possui legitimidade para intervir no processo de habeas corpus ajuizado pelo réu em crime de ação penal pública. II. - Precedentes da Corte. III. - Agravo não provido. (HC 84022 AgR/CE, Relator Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 20/08/2004) (...) Prevalece o entendimento de que em sede de habeas corpus não é admissível a intervenção do assistente de acusação, ainda que este haja atuado na ação originária. Nesse sentido: HC nº 74203/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 22/09/2000; HC nº 72710/MG, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU de 27/10/1995 e AEDRHC nº 505/SP, Rel. Min. Assis Toledo, DJU de 17/09/1990. Diante do exposto, não conheço dos embargos. P. e I.”. (Edcl no HC 43.127/GO, Rel. FÉLIX FISCHER, DJ de 13/09/2005 ) Por tais razões, não há que se admitir a entrega de memoriais por parte do requerente, tampouco de realização de sustentação oral quando da apreciação do mérito pela Turma. Isso posto, indefiro o pedido do requerente de intervenção no presente habeas corpus.” Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 04 de novembro de 2005” 50 STF. Informativo n. 384. ADI 3311, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU 25/04/2005: “ADI: Intervenção de Terceiros e Amicus Curiae (Transcrições) ADI 3311/DF* RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA DESPACHO: O SINDICATO DOS MÉDICOS DO DISTRITO FEDERAL - SINDIMÉDICO requer sua admissão na presente ação direta de inconstitucionalidade, na qualidade de amicus curiae. A intervenção de terceiros no processo da ação direta de inconstitucionalidade é regra excepcional prevista no art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999, que visa a permitir "que terceiros - desde que investidos de representatividade adequada - possam ser admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. - A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 - que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual

41

Afora o requisito da representatividade, deve-se perquirir também a

pertinência temática da intervenção, a ser depreendida do exame dos fins sociais

da entidade que pretende a intervenção51.

Interessante observar que na ADI 3311, o eminente Ministro Joaquim

Barbosa, relator, indeferiu a intervenção do SINDIMEDICO, ao argumento de sua

falta de representatividade, afirmando que suas finalidades sociais diziam mais

respeito aos interesses corporativos da categoria do que, efetivamente, à saúde

social, que era tema da norma cuja constitucionalidade se discutia naquela ação.

Tal afirmação diz mais respeito à pertinência temática ou aos interesses

envolvidos. Ou seja, quando os interesses envolvidos na causa não guardarem

correspondência com as finalidades sociais da entidade interveniente, é o caso de

se lhe inadmitir a intervenção.

Todavia, no Recurso Especial n. 1.003.955, a Primeira Seção do STJ

indeferiu a intervenção de pessoas jurídicas contribuintes do empréstimo

compulsório, ao argumento da existência de interesses subjetivos a obstaculizar-

lhes a intervenção. O fundamento veio com imprecisão técnica. Como se viu

anteriormente, não há um interveniente sequer, que venha voluntariamente aos

do amicus curiae - tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional." (ADI 2.130-MC, rel. min. Celso de Mello, DJ 02.02.2001). Vê-se, portanto, que a admissão de terceiros na qualidade de amicus curiae traz ínsita a necessidade de que o interessado pluralize o debate constitucional, apresentando informações, documentos ou quaisquer elementos importantes para o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade. A mera manifestação de interesse em integrar o feito, sem o acréscimo de nenhum outro subsídio fático ou jurídico relevante para o julgamento da causa, não justifica a admissão do postulante como amicus curiae. Ademais, o SINDIMÉDICO não logrou demonstrar que detém experiência e autoridade em matéria de saúde social, uma vez que dentre as suas "prerrogativas", elencadas no art. 2º de seu Estatuto, figuram apenas disposições de caráter eminentemente coorporativas e de interesse próprio da categoria, como por exemplo: "(a) representar, perante autoridade administrativas e judiciárias os interesses gerais e individuais da categoria dos médicos, podendo promover ações de representação e substituição processual de toda a categoria, médicos sócios e não sócios, inclusive da defesa dos direitos difusos e dos direitos do consumidor; (b) celebrar convenções e acordos coletivos de trabalho e colaborar nas comissões de conciliação e tribunais de trabalho; (c)adotar medidas de utilidade e beneficência para os seus associados de acordo com os regulamento que forem elaborados", entre outros. Do exposto, indefiro o pedido.” 51 STJ. REsp nº 1.003.955/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, Julg. 12/08/2009: “TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO – EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA – DECRETO-LEI 1.512/76 E LEGISLAÇÃO CORRELATA – RECURSO ESPECIAL: JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE – INTERVENÇÃO DE TERCEIRO NA QUALIDADE DE AMICUS CURIAE – PRESCRIÇÃO: PRAZO E TERMO A QUO – CORREÇÃO MONETÁRIA – JUROS REMUNERATÓRIOS – JUROS MORATÓRIOS – TAXA SELIC. I. AMICUS CURIAE: As pessoas jurídicas contribuintes do empréstimo compulsório, por não contarem com a necessária representatividade e por possuírem interesse subjetivo no resultado do julgamento, não podem ser admitidas como amicus curiae.(...)”

42

autos, que não tenha um interesse subjetivo subjacente, reflexo que seja, na

causa. O que na hipótese das empresas contribuintes do empréstimo compulsório

estaria a retirar-lhes legitimidade para intervir na qualidade de amicus curiae seria

a falta de representatividade em relação à causa. Deter apenas interesse

coincidente com a matéria versada na causa, como era o caso do empréstimo

compulsório, não basta. Faltou representatividade, posto que algumas empresas

contribuintes de empréstimo compulsório se podem considerar como

interessadas, mas não como representativas, socialmente, dos interesses em

litígio. Note-se que se tratava de julgamento de recurso especial, e, portanto,

envolvendo relação jurídica de direito material e concreta, subjacente à

controvérsia. Nesse passo, ainda mais se qualificariam aquelas empresas como

“assistentes simples”, mas não como amicus curiae.

A eventual titularidade de direitos subjetivos dos intervenientes não

deve ser encarada como impeditiva da sua admissão. Veja, por exemplo, o

Informativo n. 553, que informa a admissão do Tribunal de Contas do Estado do

Rio de Janeiro em ação de inconstitucionalidade em que se discute matéria

relacionada a crime de responsabilidade de seus conselheiros52. Óbvio o

interesse direto daquela Corte na matéria debatida.

52 STF. Informativo nº 553. ADI 4190.Rel. Min. Celso de Mello. Julg. 1º/07/2009: “Tribunal de Contas Estadual - Conselheiro - Crime de Responsabilidade (Transcrições) ADI 4190 MC/RJ* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO EMENTA: CONSELHEIROS DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. A QUESTÃO DAS INFRAÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS E DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PARA TIPIFICÁ-LOS E PARA ESTABELECER O RESPECTIVO PROCEDIMENTO RITUAL (SÚMULA 722/STF). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. PRERROGATIVA DE FORO DOS CONSELHEIROS DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL, PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NAS INFRAÇÕES PENAIS COMUNS E NOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE (CF, ART. 105, I, “a”). EQUIPARAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS À MAGISTRATURA. GARANTIA DA VITALICIEDADE: IMPOSSIBILIDADE DE PERDA DO CARGO DE CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS LOCAL, EXCETO MEDIANTE DECISÃO EMANADA DO PODER JUDICIÁRIO. A POSIÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS. ÓRGÃOS INVESTIDOS DE AUTONOMIA. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER VÍNCULO DE SUBORDINAÇÃO INSTITUCIONAL AO PODER LEGISLATIVO. ATRIBUIÇÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS QUE TRADUZEM DIRETA EMANAÇÃO DA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PROMULGAÇÃO, PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, DA EC Nº 40/2009. ALEGADA TRANSGRESSÃO, POR ESSA EMENDA CONSTITUCIONAL, AO ESTATUTO JURÍDICO-INSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL E ÀS PRERROGATIVAS CONSTITUCIONAIS DOS CONSELHEIROS QUE O INTEGRAM. SUSPENSÃO CAUTELAR DA EFICÁCIA DA EC Nº 40/2009. DECISÃO DO RELATOR QUE, PROFERIDA “AD REFERENDUM” DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, TEM PLENA EFICÁCIA E APLICABILIDADE IMEDIATA. LIMINAR DEFERIDA. (...) Admiti, na condição de “amicus curiae”, a E. Corte de Contas do Estado do Rio de Janeiro (...)”

43

Outro exemplo da presença desse interesse direto relacionado à causa

é o da ação direta de inconstitucionalidade que discute sobre o reconhecimento

formal das centrais sindicais, em que se admitiram como amici curiae diversos

sindicatos53. É de se concluir, portanto, que a presença de interesse diretamente

relacionado à causa é pressuposto de validade da intervenção desse agente

processual, e não o contrário.

Ainda outra limitação, como se viu, é a do momento processual dessa

manifestação. A jurisprudência do STF muito já se flexibilizou nesse aspecto.

Todavia, continua prevalecendo o entendimento de que, uma vez iniciado o

julgamento, lido o relatório, colhidos votos, não se admite mais a intervenção de

amicus curiae54. Exceção parcial é quando o exame de inconstitucionalidade

53 STF. Informativo nº 578. ADI 4067. Rel. Ministro Joaquim Barbosa, Julg. 10/03/2010: “O Tribunal retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Democratas - DEM contra os artigos 1º, II, e 3º, da Lei 11.648/2008, bem como os artigos 589, II, b e seus §§ 1º e 2º e 593 da CLT, na redação dada pela referida lei, a qual dispõe sobre o reconhecimento formal das centrais sindicais para os fins que especifica, e dá outras providências — v. Informativos 552 e 577. O Min. Joaquim Barbosa, relator, de início, negou provimento a agravo regimental interposto por sindicato — que ingressara como amicus curiae quando os autos já se encontravam no gabinete do Min. Eros Grau com pedido de vista —, no que foi acompanhado pelos demais Ministros da Corte. Em seguida, o relator reiterou o voto que proferira anteriormente, rememorando os fundamentos expendidos no ponto relativo à possibilidade de as centrais sindicais serem sujeitos ativos da contribuição social. O Min. Marco Aurélio, por sua vez, tendo em conta que a interpretação conforme dada ao art. 1º, caput, e inciso II, e ao art. 3º, da Lei 11.648/2008, seria apenas no sentido de a representação pelas centrais não excluírem a representação pelas entidades que estão na pirâmide sindical, reajustou seu voto, para aderir à posição externada pelos Ministros Cármen Lúcia e Eros Grau. Explicou o Min. Marco Aurélio que, no voto que proferira, já estava embutida essa visão, ou seja, o fato de não se afastar do campo da representação nos diversos órgãos aquelas entidades que integram a pirâmide sindical. Acrescentou que, no tocante à contribuição, não se teria na Carta da República preceito algum que, interpretado e aplicado, levasse à exclusão das centrais quanto ao rateio dessa mesma contribuição. Após, pediu vista dos autos o Min. Ayres Britto. 54 STF. ADI 2139/DF, Rel. Min. Octávio Gallotti. Decisão proferida pela Presidência em 10/09/2007: “A Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Nordeste - FETRACAN requer, por meio de petição protocolizada em 05.09.2007, o ingresso na ADI 2.139-MC na qualidade de amicus curiae. Observo que o pedido foi apresentado após proferidos, no julgamento plenário do pedido de medida cautelar, os votos do relator, Ministro Octavio Gallotti, e do Ministro Marco Aurélio, em 30.06.2000, bem como dos Ministros Sepúlveda Pertence, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Eros Grau, em 16.08.2007, quando,então, o Ministro Joaquim Barbosa pediu vista dos autos. É certo que esta Corte, na interpretação do art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99, tem destacado a importância de uma maior participação do amicus curiae nos processos de fiscalização abstrata da constitucionalidade dos atos normativos. Conforme asseverou o eminente Ministro Gilmar Mendes em despacho proferido na ADI 3.599 (DJ 22.11.05), "essa inovação institucional, além de contribuir para a qualidade da prestação jurisdicional, garante novas possibilidades de legitimação dos julgamentos do Tribunal no âmbito de sua tarefa precípua de guarda da Constituição". Exatamente pelo reconhecimento da alta relevância do papel em exame é que o Supremo Tribunal Federal tem proferido decisões admitindo o ingresso desses atores na causa após o término do prazo das informações (ADI 3.474, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 19.10.05), após a inclusão do feito na pauta de julgamento (ADI 2.548, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 24.10.05) e, até mesmo, quando

44

envolve também medida cautelar. Iniciado o julgamento da cautelar, não se

admite mais a intervenção de amicus curiae no curso daquele julgamento, senão

a título de juntada de memoriais, a serem considerados, posteriormente, tão

somente no julgamento de mérito da ação de inconstitucionalidade55.

já iniciado o julgamento, para a realização de sustentação oral, logo depois da leitura do relatório, na forma prevista no art. 131, § 3º do RISTF (ADI 2.777-QO, rel. Min. Cezar Peluso). No presente caso, todavia, a peticionária busca atuar formalmente no processo num momento do julgamento cautelar em curso em que já foram, como visto, prolatados em Plenário os votos de seis dos onze integrantes desta Suprema Corte. Noto, ainda, que o requerimento ora em exame encontra-se assinado pelo presidente da Federação solicitante, que não comprovou ter inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. Entendo que o veto ao art. 7º, § 1º, da Lei 9.868/99 não pode representar uma completa ausência de limitação temporal à atividade do amicus curiae. Trazidos à Corte todos os dados advindos dos diversos canais formais e informais abertos no processamento do controle concentrado de normas (petição inicial, informações das autoridades requeridas, manifestação da AGU, parecer da PGR, arrazoados e estudos dos amici curiae, memoriais, perícias, audiências públicas e sustentações orais), chega o momento em que se faz necessária a manifestação decisória e fundamentada dos componentes do Tribunal, pondo-se à parte, nesse instante, a dialética travada pelos grupos que defenderam ou que se opuseram ao ato normativo questionado. Obviamente, sempre será possível contrapor argumentos, razoáveis ou não, após cada fundamento lançado nos votos dos membros do Tribunal. Entretanto, cabe a essa Corte a responsabilidade de chegar a uma decisão final, que deve ser naturalmente obtida por meio da discussão entre seus pares e do pronunciamento último de cada um deles. Nessa mesma direção, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de dispositivo do Estatuto da Advocacia que previa a possibilidade de realização de sustentação oral após o voto do relator, por ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal (ADI 1.105 e ADI 1.127, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julg. em 17.05.06, Informativo STF nº 427). Ante o exposto, seja pela falta de capacidade postulatória, seja pelo momento em que se encontra o julgamento em curso, 6. Ante o exposto, seja pela falta de capacidade postulatória, seja pelo momento em que se encontra o julgamento em curso, indefiro o pedido de admissão formulado.” 55 STF. ADI 1923/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão. Decisão proferida pela Presidência. Julg. 29/06/2007: “A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências requerem, por meio de petição protocolizada em 18.06.2007, o ingresso na ADI 1.923-MC na qualidade de amici curiae. Observo que o pedido foi apresentado após proferidos, no julgamento plenário do pedido de medida cautelar, os votos do relator, Ministro Ilmar Galvão, em 05.08.1999, do Ministro Nelson Jobim, em 29.03.2006, e dos Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, em 02.02.2007, quando, então, o Ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos. Alegam as peticionárias serem possuidoras de suficiente representatividade da comunidade científica brasileira e ressaltam a estreita correlação entre as finalidades institucionais que perseguem e o objeto da presente ação. Quanto ao momento em que apresentada a postulação, asseveram sê-lo oportuno, já que "o processo encontra-se em etapa prévia de apreciação de pedido de medida cautelar", não tendo sequer iniciado o julgamento de mérito da causa. (...) Nessa mesma direção, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de dispositivo do Estatuto da Advocacia que previa a possibilidade de realização de sustentação oral após o voto do relator, por ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal (ADI 1.105 e ADI 1.127, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julg. em 17.05.06, Informativo STF nº 427). Ante o exposto, indefiro, nesse momento, o pedido formulado, sem prejuízo de que, após o término do julgamento em curso, possam as peticionárias, para o início da apreciação de mérito, formular novo pedido de admissão no feito, inclusive para a realização de oportuna sustentação oralodavia, considerando a relevância da matéria, a representatividade das peticionárias e a consistência do materal oferecido, admito a manifestação escrita que acompanha a presente petição, que deverá ser, de imediato, juntada por linha aos autos.”

45

Contudo, o único aspecto dessa atuação sobre o qual o Supremo

Tribunal Federal tem se manifestado de forma inflexível e contundente, diz

respeito à falta de capacidade recursal do amicus curiae. Esse entendimento não

tem se alterado ao longo dos anos56. Mas a essa ausência de capacidade

recursal é excetuada a hipótese de enfrentamento da decisão que indefere a

intervenção desse ator processual. Vale relembrar a decisão lançada pelo

Ministro Marco Aurélio na arguição de descumprimento de preceito fundamental

que tem por objeto a questão dos fetos anencefálicos. Houve a inadmissão de

vários postulantes a essa intervenção. Foi interposto agravo pela Associação de

Desenvolvimento da Família, ao qual foi negado seguimento. Contudo, o então

relator reviu seu entendimento, admitiu todos os postulantes à intervenção como

amicus curiae e determinou a realização de audiência pública57. Dessa forma, o

que sobressai é a inflexão do STF quanto à capacidade recursal em geral,

flexibilizando esse entendimento apenas quando o recurso enfrenta a própria

56 STF. EDCL na ADI 2.591-1/DF, Rel. Min. Eros Grau, Plenário, Julg. 14/12/2006: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. LEGITIMIDADE RECURSAL LIMITADA ÀS PARTES. NÃO CABIMENTO DE RECURSO INTERPOSTO POR AMICI CURIAE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA CONHECIDOS. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO. ALTERAÇÃO DA EMENTA DO JULGADO. RESTRIÇÃO. EMBARGOS PROVIDOS. 1. Embargos de declaração opostos pelo Procurador Geral da República, pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - BRASILCON e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC. As duas últimas são instituições que ingressaram no feito na qualidade de amici curiae. 2. Entidades que participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, não possuem legitimidade para recorrer, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos. Decisões monocráticas no mesmo sentido. 3. Não conhecimento dos embargos de declaração interpostos pelo BRASILCON e pelo IDEC. 4. (...). 5. (...) STF. AgRg nos EDCL na ADI n. 2.359-4/ES, Julg. 03/08/2009: “EMENTA: AGRAVOS REGIMENTAIS NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR AMICUS CURIAE. NÃO-CONHECIMENTO DOS EMBARGOS POR AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE RECURSAL. PRETENSÃO, DA AUTORA DA ADI, DE CONHECIMENTO DOS EMBARGOS "COMO SE SEUS FOSSEM". NÃO-CABIMENTO. 1. Agravo regimental interposto pelo Sindicato Nacional das Empresas distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo - SINDIGÁS. O entendimento desta Corte é no sentido de que entidades que participam dos processos objetivos de controle de constitucionalidade na qualidade de amicus curiae não possuem, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos, legitimidade para recorrer. Precedentes. 2. Agravo regimental interposto pela Confederação Nacional da Indústria contra decisão que não conheceu dos embargos declaratórios opostos pelo amicus curiae. Não-oposição de embargos de declaração pela requerente da ADI no prazo legal. É desprovida de fundamento legal a pretensão da requerente que, por via transversa, postula o acolhimento dos embargos de declaração opostos pelo amicus curiae "como se seus fossem", com efeitos infringentes, para revolver a discussão de mérito da ação direta. 3. Agravo regimental interposto pelo amicus curiae, Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo - SINDIGÁS, não conhecido. Agravo regimental da Confederação Nacional da Indústria - CNI a que se nega provimento.” 57 STF. ADPF 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Julg. 31/07/2008.

46

inadmissão do amicus curiae58. Todavia, uma vez admitido, não se lhe é permitido

recorrer como se parte fosse.

58 STF, EDCL na ADI 3.615-7/PB, Rel. Min. Cármen Lúcia, Julg. 17/03/2008: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR AMICUS CURIAE. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE. INTERPRETAÇÃO DO § 2º DA LEI N. 9.868/99. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é assente quanto ao não-cabimento de recursos interpostos por terceiros estranhos à relação processual nos processos objetivos de controle de constitucionalidade. 2. Exceção apenas para impugnar decisão de não-admissibilidade de sua intervenção nos autos. 3. Precedentes. 4. Embargos de declaração não conhecidos. “

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CAPÍTULO V - CONCLUSÃO

A questão central posta na presente dissertação diz respeito à atuação

do amicus curiae nos processos judiciais de índole subjetiva, a se relacionar a

uma relação jurídica de direito material, subjacente à questão controvertida.

A falta de previsão legal expressa não é suficiente a concluir pela

negativa dessa intervenção, posto que, conforme bem ressalta Cássio Scarpinella

Bueno, “o direito não se esgota nas previsões normativas”59.

Ao contrário do que concluíram alguns segmentos da jurisprudência

nacional, a conclusão deste trabalho é no sentido de que a intervenção do amicus

curiae prescinde de expressa previsão legal, podendo ser admitida sempre que

houver relevante interesse social envolvido e, desde que seu pretendente detenha

representatividade suficiente e seus objetivos sociais guardem pertinência

temática com a questão debatida, resultando em que sua manifestação seja

desejável e útil para trazer subsídios ao amplo debate sobre a questão

controvertida.

Alias, a jurisprudência dos Tribunais Superiores parece se assentar no

mesmo sentido, ao já permitir sua intervenção, como se disse, em procedimentos

de habeas corpus, mandado de segurança e ações ordinárias, bem como

processos oriundos de juizados especiais.

Se a questão constitucional controvertida, cujo controle pode ser

exercido de forma difusa pelo STF pode ser, de forma definitiva, debatida em

sede de recurso extraordinário, nada obsta a que essa intervenção seja

possibilitada desde a origem, perante o juiz originário da causa.

Também pode atuar como amicus curiae a pessoa física – como foi

admitido, por exemplo, na ADPF 54/DF, o “deputado federal José Aristodemo

Pinotti, este último em razão da especialização em pediatria, ginecologia, cirurgia

48

e obstetrícia e na qualidade de ex-Reitor da Unicamp, onde fundou e presidiu o

Centro de Pesquisas Materno-Instantis de Campinas – CEMICAMP”, desde que,

conforme fundamentado na decisão que o admitiu, essa pessoa tenha um

conhecimento considerável sobre o objeto da lide, de forma que a sua intervenção

possa sobressair como útil e desejável, a ampliar o debate sobre a questão

controvertida na ação.

Todavia, de tudo que se verifica dos julgados colacionados ao longo da

dissertação, a grande preocupação é a de que o amicus curiae, cuja intervenção

é permitida com vistas a ensejar um melhor e mais amplo debate sobre a questão

controvertida, acabe trazendo tumulto processual e prejuízo à celeridade,

infirmando a cláusula constitucional de razoável duração do processo.

Daí que, como afirmado em diversos acórdãos ao longo da presente

dissertação, é necessário impor alguns limites a essa atuação, sob pena de sua

intervenção indiscriminada resultar no desvirtuamento dos objetivos fundados nos

quais ela tem sido admitida.

Assim que também é eloqüente a experiência dos norteamericanos. Lá

se chegou-se a admitir o que aqui alguns doutrinadores (Cássio Scarpinella

Bueno é um deles) defende, a saber, a atuação ampla dessa intervenção, sem

nenhuma implicação em ônus sucumbencial. Mas após o que se entendeu como

alguns abusos, a Suprema Corte Norte Americana decidiu restringir a atuação do

amicus curiae, justamente nas hipóteses em que ele assume as feições do que se

convencionou chamar “litigant amicus”.

Com vistas a inibir eventual tumulto processual, a conclusão que aqui

se depreende é a de que deve haver limitação à capacidade recursal do amicus

curiae, de forma que, vindo ao feito apenas para oferecer informações relevantes

sobre a questão controvertida, não se lhe confira direito subjetivo a recursos

outros que não sejam estritamente relacionados com a decisão que inadmite a

sua intervenção.

59 Op. cit. Pág. 127.

49

Concluir de outra forma resultaria em conferir ao amicus curiae poderes

de atuação processual equivalentes aos das partes, sem que se lhe fossem

impostos, contudo, os mesmos ônus – como os sucumbenciais, por exemplo.

Seria trazer desequilíbrio à relação processual e fazer tábula rasa do requisito da

legitimidade processual para a causa.

Afinal, as perguntas que merecem resposta para admitir-se, ou não, tal

intervenção são: Existe questão de relevante interesse social no feito? As

informações trazidas pelo pretendente à intervenção são úteis e desejáveis à

instrução da causa?

Óbvio que a resposta, positiva ou negativa, terá sempre um cunho de

subjetividade, como todos os julgamentos que se passam na vida. A subjetividade

faz parte da vida moderna, muito mais que antes. O que deve dar tintas de

constitucionalidade e legalidade a tais respostas é a fundamentação clara e

objetivamente deduzida, de forma que a resposta não resulte discricionária, mas

fundada em critérios objetivos e claros para a sua afirmação.

Admitida a intervenção de amicus curiae em processo de natureza

subjetiva, o que se propõe como conclusão dessa dissertação é que, tal como

ocorre nos processos de índole objetiva, essa manifestação se dê só até o

julgamento da causa, não sendo de se permitir a interposição de recursos como

se parte fosse, à exceção daquele manejado contra a decisão que inadmite a

intervenção. Admissível a renovação da manifestação apenas se supervenientes

fatos ou argumentos outros que não aqueles já deduzidos no momento de sua

intervenção.

50

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51

BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo

Civil. Atualizada até a Lei n. 12.195, de 14 de janeiro de 2010.

BRASIL. Lei n. 6.385, de 07/12/1976. Dispõe sobre o mercado de valores

mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Atualizada até a Lei n.

10.303, de 31/10/2001.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção e a

defesa do consumidor. Atualizada até a Lei nº 10.962, de 11 de outubro de 2004.

BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e

julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de

constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Atualizada até a Lei n.

12.063, de 27 de outubro de 2009.

BRASIL. Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Atualizada

até a Lei n. 11.313, de 28 de junho de 2006.

BRASIL. Lei n. 11.418, de 19 de dezembro de 2006. Acrescenta à Lei no 5.869,

de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, dispositivos que

regulamentam o § 3o do art. 102 da Constituição Federal.

BRASIL. Lei n. 11.672, de 08 de maio de 2008. Acresce o art. 543-C à Lei no

5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, estabelecendo o

procedimento para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior

Tribunal de Justiça.

INEP. Disponível em: http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/sinopse/default.asp Acesso em 25/04/2010.

Jurisprudência do STJ disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/. Acesso em

10/02/2010.

52

Jurisprudência do STF disponível em

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp. Acesso em

12/02/2010.

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_fevereiro_2010.pdf. Acesso em 25/04/2010.

53

ÍNDICE

RESUMO............................................................................................................... 4

METODOLOGIA.................................................................................................... 5

SUMÁRIO.............................................................................................................. 7

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 8

CAPÍTULO I

DO CONCEITO E DA ORIGEM DO AMICUS CURIAE...................................... 10

1.1 – DO CONCEITO DO AMICUS CURIAE...................................................... 10

1.2 – DA ORIGEM DO AMICUS CURIAE........................................................... 13

CAPÍTULO II

DO AMICUS CURIAE NO DIREITO COMPARADO........................................... 15

2.1 – DO AMICUS CURIAE NO DIREITO INGLÊS ........................................... 15

2.2 – DO AMICUS CURIAE NO DIREITO NORTEAMERICANO ...................... 16

CAPÍTULO III

DA EVOLUÇÃO DA INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE NO DIREITO

PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO.................................................................. 19

CAPÍTULO IV

DAS LIMITAÇÕES À ATUAÇÃO DO AMICUS CURIAE .................................. 35

CAPÍTULO V

CONCLUSÃO...................................................................................................... 46

BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 49