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2013 1 a Edição PSICOLOGIA SOCIAL Prof. Fernando Scheeffer

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2013

1a Edição

Psicologia social

Prof. Fernando Scheeffer

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Copyright © UNIASSELVI 2013

Elaboração:

Prof. Fernando Scheeffer

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

Impresso por:

S315p Scheeffer, Fernando

Psicologia social / Fernando Scheeffer. Indaial: Uniasselvi, 2013.

192 p.; il.

ISBN 978-85-7830-747-9

1. Psicologia social. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

CDD 301.1

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III

aPresentação

Caro acadêmico!

Iniciamos neste momento os estudos referentes à disciplina Psicologia Social e a partir de agora temos um interessante caminho a ser percorrido. A Psicologia Social enquanto área da Psicologia talvez seja uma das áreas mais emblemáticas e intrigantes dadas as divergências e os entraves que a acompanham. Estas especificidades podem ser exemplificadas a partir da dificuldade de delimitação do seu objeto de estudo ou até mesmo diante da dificuldade de definição da mesma.

A Psicologia Social vê o social, ou seja, o que circunda o ser humano, algo a ser privilegiado ao se buscar a compreensão do comportamento humano e aí reside a sua principal contribuição para a Psicologia e para as ciências humanas como um todo. Esta importância se dá por propor compreender o ser humano a partir de um enfoque histórico-cultural, diferente do individualizante, que acompanhou a Psicologia por longo tempo e que acreditava que os mais variados aspectos relacionados ao comportamento humano poderiam ser desvendados a partir do acesso aos próprios sujeitos pura e simplesmente.

Diante dessas palavras iniciais, o presente Livro de estudos apresenta três momentos distintos, organizados em uma sequência lógica, ou seja, as ideias apresentadas em cada unidade são essenciais para a compreensão dos seguintes e à continuação do estudo.

A partir dessa ressalva, a primeira unidade busca explorar alguns elementos introdutórios indispensáveis a quem se aventura a explorar a Psicologia Social. Primeiramente, busca-se defini-la e delimitar seu objeto de estudo, para daí então compreender sua origem tanto a nível mundial como no Brasil. Feito isso são apresentadas as diferentes “Psicologias Sociais”, que não passam de leituras de mundo diferenciadas e, consequentemente, propostas diferentes de intervenção na realidade social.

A segunda unidade traz uma reflexão a respeito do desenvolvimento humano por uma perspectiva chamada, neste material, de enfoque psicossocial, enfoque este que busca encontrar no “outro” explicações para o que somos e como nos desenvolvemos. Nesta seção, além de ser discutida esta abordagem, são feitas algumas inferências a respeito da infância, adolescência, idade adulta e velhice, etapas do desenvolvimento humano.

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IV

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

NOTA

A terceira unidade busca propiciar a aproximação com conceitos extremamente relevantes em Psicologia Social, como: subjetividade, identidade, atividade, consciência, representações sociais, ideologia e alienação. Estas categorias são chamadas de fundamentais, pois possibilitam que tenhamos um referencial teórico e técnico que nos instrumentaliza a analisarmos vários fenômenos à luz da Psicologia Social.

Prontos para entrar em contato com este campo de estudo?

Mãos à obra!

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UNIDADE 1 – PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO..............................................1

TÓPICO 1 – PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO ...................................31 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................32 A PSICOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA ......................................................................................33 DEFINIÇÃO E OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL ........................................74 RELAÇÃO COM ÁREAS AFINS .....................................................................................................105 O SIGNIFICADO DO TERMO “SOCIAL”: POSSIBILIDADES DE INTERPRETAÇÃO ...12LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................15RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................18AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................19

TÓPICO 2 – A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL ..............................................................211 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................212 PSICOLOGIA SOCIAL MODERNA: UM FENÔMENO CARACTERISTICAMENTE

AMERICANO ......................................................................................................................................223 A PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL ..........................................................................................24LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................29RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................30AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................31

TÓPICO 3 – A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA ....................................................................331 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................332 O MODELO ESTADUNIDENSE DE PSICOLOGIA SOCIAL ..................................................343 ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS ..................................................................................363.1 PERCEPÇÃO OU COGNIÇÃO SOCIAL ....................................................................................363.2 ATITUDES .........................................................................................................................................383.3 PRECONCEITO, ESTEREÓTIPOS E DISCRIMINAÇÃO ......................................................413.4 INFLUÊNCIA SOCIAL ...................................................................................................................443.5 PAPÉIS SOCIAIS ............................................................................................................................46LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................48RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................49AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................50

TÓPICO 4 – A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA ......................................................................511 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................512 A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA PSICOLOGIA SOCIAL ...................................................523 A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA...........................................................................................544 A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA .................................................................................59LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................65RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................66AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................67

sumário

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UNIDADE 2 – DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL ..........69

TÓPICO 1 – O LUGAR DO OUTRO NO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........................711 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................712 DESENVOLVIMENTO HUMANO: PRINCÍPIOS GERAIS .....................................................713 O PAPEL DO OUTRO E DAS RELAÇÕES SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO HUMANO ................................................................................................75LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................79RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................80AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................81

TÓPICO 2 – INFÂNCIA1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................832 A INFÂNCIA ENQUANTO CONSTRUÇÃO SOCIAL ..............................................................833 O INTERACIONISMO DE PIAGET E VYGOTSKY ...................................................................85LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................93RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................94AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................95

TÓPICO 2 – ADOLESCÊNCIA ...........................................................................................................971 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................972 DEFININDO ADOLESCÊNCIA ......................................................................................................973 A INVENÇÃO DA ADOLESCÊNCIA ............................................................................................98LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................104RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................105AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................106

TÓPICO 4 – IDADE ADULTA E VELHICE ......................................................................................1071 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1072 IDADE ADULTA .................................................................................................................................1073 VELHICE ..............................................................................................................................................110LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................114RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................115AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................116

TÓPICO 5 – COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL E PRÓ-SOCIAL ........................................1171 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1172 O COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL: AGRESSÃO .............................................................1173 O COMPORTAMENTO PRÓ-SOCIAL: ALTRUÍSMO ..............................................................120RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................124AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................125

UNIDADE 3 – CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL ......................127

TÓPICO 1 – SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE ............................................................................1291 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1292 SUBJETIVIDADE: UM DOS OBJETOS DA PSICOLOGIA ......................................................1293 IDENTIDADE .....................................................................................................................................133LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................137RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................138AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................139

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TÓPICO 2 – ATIVIDADE E CONSCIÊNCIA ..................................................................................1411 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1412 ATIVIDADE .........................................................................................................................................1413 CONSCIÊNCIA ...................................................................................................................................143LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................146RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................148AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................149

TÓPICO 3 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ....................................................................................1511 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1512 COMO NASCE A TEORIA ...............................................................................................................1513 CONCEITO ..........................................................................................................................................1524 COMO SÃO CRIADAS AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .....................................................1545 COMO AS INVESTIGAMOS ..........................................................................................................155LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................157RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................160AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................161

TÓPICO 4 – IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO ......................................................................................1631 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1632 IDEOLOGIA ........................................................................................................................................1633 ALIENAÇÃO .......................................................................................................................................168LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................171RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................174AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................175

TÓPICO 5 – COMUNIDADE E SOCIEDADE .................................................................................1771 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1772 O CONCEITO DE COMUNIDADE ................................................................................................1773 COMUNIDADE VERSUS SOCIEDADE: DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS .......................180LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................182RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................185AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................186

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................187

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UNIDADE 1

PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• compreender a origem e a evolução da Psicologia Social;

• defini-la e diferenciá-la das áreas afins;

• apresentar as diferentes perspectivas em Psicologia Social.

A Unidade 1 está dividida em quatro tópicos. Ao final de cada um deles, você terá a oportunidade de fixar seus conhecimentos realizando as atividades propostas.

TÓPICO 1 – PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO

TÓPICO 2 – A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL

TÓPICO 3 – A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA

TÓPICO 4 – A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

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TÓPICO 1UNIDADE 1

PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO

1 INTRODUÇÃO

A ideia deste primeiro tópico é trazer princípios fundamentais que contribuam para a compreensão de todo o caderno. Em um primeiro momento serão trazidos elementos que permitam compreender o surgimento da Psicologia enquanto ciência. Você tem noção do que é a Psicologia? Qual o seu objeto de estudo? Por que é possível afirmar que não existe uma única Psicologia e sim “Psicologias”? É importante que estas e outras questões estejam claras para adentrarmos na Psicologia, uma divisão ou campo da Psicologia. É importante que você tenha claro que mais do que trazer respostas prontas ou verdades, pretenderemos problematizar várias questões que ainda permeiam a Psicologia Social. Dentre as várias divergências ainda existentes, encontraremos uma diversidade enorme de definições, de compreensão a respeito do seu objeto de estudo, bem como sua relação com outras ciências humanas.

Ao final da leitura deste tópico é importante que você consiga perceber qual a intenção da Psicologia social, bem como se aproprie dos principais dilemas presentes neste campo de estudo, dentre eles o significado do termo “social”, questões essenciais para uma primeira aproximação com essa área do conhecimento.

2 A PSICOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA

FIGURA 1 – PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

FONTE: Disponível em: <http://psicologia-fadeup-jpgf.webnode.com.pt/materia-/>. Acesso em: 31 out. 2011.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

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O termo Psicologia talvez seja um dos que, para o leigo, tenha um sentido mais controverso e pouco definido. Qualquer pessoa se dispõe a falar sobre e acredita se apropriar dela em vários momentos. O fato é que no cotidiano ela acaba tendo vários sentidos, poucos ancorados em uma sistemática mais rigorosa. Esta Psicologia “despreocupada” costumeiramente é denominada de “Psicologia do senso comum”, muito diferente da Psicologia dos psicólogos ou esta compreendida enquanto ciência.

Esta breve contextualização não pretende desconsiderar o saber popular, mas sim deixar claro que nesse momento a intenção é apresentar a Psicologia científica.

A partir de uma análise mais rigorosa e sistemática, percebe-se que um primeiro desafio é defini-la. De acordo com a origem grega da palavra, Psicologia significa o estudo (logos) acerca da alma ou espírito (psique). A etimologia da palavra não traduz a dificuldade e a diversidade de possibilidades de interpretação do objeto de estudo e do próprio conceito de Psicologia.

Típico das ciências humanas são as diversas leituras da realidade e isso, no caso da Psicologia, é percebido diante da diversidade de abordagens presentes na mesma. Essas diferentes abordagens trazem consigo divergentes teorias e formas de analisar e intervir diante de um mesmo fenômeno. De forma unificada, normalmente se define a Psicologia como a ciência que estuda o comportamento. Nesse sentido não há consenso, visto que para a Psicanálise (uma das abordagens em Psicologia), por exemplo, o objeto de estudo da Psicologia é o inconsciente.

Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2002), as três mais importantes tendências teóricas da Psicologia neste século são o Behaviorismo, chamado também de Psicologia comportamental, a Gestalt e a Psicanálise. O Behaviorismo, de base americana, tornou-se bastante importante por ter definido o fenômeno psicológico como algo bastante concreto, o comportamento (behavior). A Gestalt tem seu berço na Europa, a partir da premissa de que o todo é maior que a soma das partes. Esta encontra no fenômeno da percepção as condições para a compreensão do comportamento humano. A Psicanálise teve como principal precursor Sigmund Freud e surge da prática médica propondo um objeto de estudo totalmente inusitado, o inconsciente, se contrapondo à tradição da Psicologia em voga entendida como ciência da consciência e da razão. Abaixo é apresentada uma síntese dos principais achados e contribuições das escolas psicológicas citadas anteriormente.

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TÓPICO 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO

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QUADRO 1 – PRINCIPAIS ABORDAGENS PSICOLÓGICAS DO SÉCULO XX

Principais representantes Objeto e método de estudo Fatores determinantesBehaviorismo

Watson (1878-1958) - EUASkinner (1904-1990)

Comportamento humano o b s e r v á v e l . S e u t i l i z o u frequentemente de pesquisas sobre estímulos e respostas em animais em laboratório.

Somos governados pelas consequências dos nossos atos. Reforços e punições promovem condicionamento e modelam o comportamento e o desenvolvimento humano.

GestaltKoffka (1886-1941) - Alemanha Pe r c e p ç ã o e c o n s c i ê n c i a

humana. Promoviam situações exper imenta is com seres humanos e animais.

A percepção humana possui leis próprias. O ser humano não atende de forma direta à lógica estímulo–resposta.

Psicanálise

Freud (1856-1939) – ÁustriaLacan (1901-1981) – França Jung (1875-1961) – Suíça

Relação entre inconsciente e consciente. Principal método: associação livre (escuta pela fala), análise dos sonhos e atos falhos.

A subjetividade humana é determinada pelos vínculos afetivos estabelecidos ao longo da vida.

FONTE: O autor

DICAS

Para melhor compreender as diversas teorias em Psicologia é válido o contato com a obra “Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia”, organizada por Bock, Furtado e Teixeira (São Paulo: Saraiva, 2002) ou então “A diversidade da Psicologia: uma construção teórica”, organizada por Kahhale (São Paulo: Cortez, 2008), uma das poucas obras que se dedica exclusivamente a essa questão.

O fato é que o próprio termo comportamento atualmente tem um sentido bem mais amplo do que no passado. O comportamento inclui muito mais do que movimentos ou ações flagrantes, como os que fazemos ao andar. Inclui os chamados comportamentos incobertos, atividades muito mais sutis, como perceber, pensar, sentir. A Psicologia se ocupa desta infinidade de formas dos sujeitos se expressarem e se apresentarem para o mundo. A Psicologia, nesta ótica, trata e se atém a todas as formas de manifestação do ser humano.

Ouve-se muito a ideia de que a Filosofia é a mãe de todas as ciências. Isto é um fato e no caso da Psicologia não é diferente. Muito antes de se tornar uma ciência, o homem já buscava explicações sobre si mesmo. As primeiras explicações sobre o ser humano e sua conduta foram de natureza sobrenatural, assim como todos os eventos. Aos poucos a Filosofia toma as rédeas e os mais variados eventos passam a ser analisados por uma ótica racional. Desta forma, a matriz

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

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da Psicologia é a Filosofia, e já por volta de 500 a.C. temas como alma, espírito, já eram discutidos na Grécia por filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles. O primeiro tratado de Psicologia é considerado Da anima, redigido por Aristóteles. Seguem abaixo as principais contribuições destes para a Psicologia.

QUADRO 2 – CONTRIBUIÇÕES DOS FILÓSOFOS GREGOS PARA A FORMAÇÃO DA PSICOLOGIA

Filósofo Contribuições para a formação da Psicologia Influência nasa b o r d a g e n s a t u a i s d a Psicologia

Sócrates (469 - 399 a.C.)

Postula que a principal característica do homem é a razão e que esta o diferencia de outros animais.

Teorias Psicológicas que se apoiam no estudo da razão e da consciência, como, por exemplo, o Cognitivismo.

Platão(427 - 347 a.C.)

Concebe a razão (alma) separada do corpo, tendo como elemento de ligação a medula. A razão se localizaria na cabeça. Para ele, as ideias ou características humanas eram geradas a partir do próprio interior do homem.

Teorias Psicológicas que se apoiam no inconsciente, como, por exemplo, a Psicanálise de Freud e a Psicologia Analítica de Jung.

Aristóteles (384 - 322 a.C.)

Alma e corpo não podem ser dissociados. Para ele, a psyche seria o princípio ativo da vida. O homem possuiria a alma racional, com a função pensante. Estuda os fenômenos de sensação e percepção (órgãos dos sentidos). Reconhece a influência dos fatores externos que são percebidos pelos órgãos sensoriais. Considerado o pai da Psicologia por ter escrito o tratado Da Anima.

Te o r i a s q u e a t r i b u e m destaque às influências do ambiente na constituição d o h o m e m , c o m o o Comportamentalismo.

FONTE: Bock (2002)

Já a Psicologia, enquanto ciência, nasce tendo como marco histórico o ano de 1875, quando Wilhelm Wundt (1832-1926) criou o primeiro Laboratório de Psicologia experimental, em Leipzig, na Alemanha. Wundt se ateve ao estudo das reações a estímulos realizados sob condições controladas por ele. Ao estudar as sensações e as percepções adotando o método experimental, o mesmo abandonou ideias abstratas expressas no conceito de alma em voga para se arraigar aos princípios e métodos científicos, um tipo de conhecimento extremamente rigoroso e sistemático.

IMPORTANTE

Segundo o Oxford American Dictionary, ciência é a atividade intelectual e prática que abarca a estrutura e o comportamento do mundo físico e natural por meio da observação e da experimentação. Esta parece ser uma forma bastante objetiva, mesmo que simplificada, de conceituar ciência.

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TÓPICO 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO

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Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2002), na Psicologia o status de ciência é obtido à medida que a mesma se liberta da Filosofia e passa a se pautar em novos padrões de produção de conhecimento, ao:

• Definir claramente seu objeto de estudo (comportamento, consciência etc.).• Delimitar seu campo de estudo, diferenciando-o de outras áreas do conhecimento.• Formular métodos de estudo do seu objeto.• Formular teorias enquanto um corpo consistente de conhecimento na área.

As variadas teorias psicológicas, a partir desse momento, passam a obedecer aos critérios básicos do método científico, isto é, buscar a neutralidade, os dados passam a ser passíveis de comprovação e o conhecimento acaba sendo acumulativo, ou seja, permite a continuação de pesquisas na área.

Embora a Psicologia tenha nascido na Alemanha, é nos Estados Unidos que ela encontra condições para crescer rapidamente. A partir do que foi apresentado, uma constatação interessante é que as primeiras ciências a se desenvolverem foram justamente as que tratam do que está mais distante do homem, como, por exemplo, a Astronomia. As que se referem ao que está mais próximo são as que tiveram desenvolvimento mais tardio. Nesse sentido, a Psicologia é uma das áreas mais novas da Ciência, com, aproximadamente, 135 anos. Em termos de história, isso é muito pouco e exemplifica a fragilidade da mesma em explicar ainda muitas coisas.

3 DEFINIÇÃO E OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL

FIGURA 2 – GENEALOGIA DO GÊNERO, RAÇA, ESPÉCIE

FONTE: Disponível em: <http://permissaveniablogspotcom.blogspot.com/2010/06/cotacao.html>. Acesso em: 31 out. 2011.

A partir do conceito de Psicologia parece óbvio que a Psicologia Social deveria então estudar o comportamento social, porém, como afirma Lane (2008), surgem algumas polêmicas: quando o comportamento se torna social? São possíveis comportamentos não sociais nos seres humanos?

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

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Para Ramos (2003), a dificuldade de definição da Psicologia Social pode ser explicada na imprecisão de seus objetivos. Sendo uma disciplina relativamente recente, ainda não há consenso no sentido de delimitação dos seus objetivos de forma precisa e ainda da extensão da sua aplicação.

Considerada por muitos como um mix entre Psicologia e Sociologia, no polo da Psicologia a impressão que se tem é que tudo que não pertence à Psicologia fisiológica seria Psicologia social: suas funções psíquicas só se compreenderiam no jogo das suas relações sociais. O comportamento humano é social pela sua natureza e/ou pelos seus fins. No polo da Sociologia todo estudo dos fatos sociais, tendo o homem como centro, converter-se-ia em uma Psicologia Social.

Kimbal Young (apud RAMOS, 2003) traz uma concepção de Psicologia Social bastante interessante e completa. Segundo ele, o estudo da personalidade é o grande objetivo da Psicologia Social, no entanto, enquanto que a Psicologia individual estuda os aspectos organopsicológicos da personalidade, a Psicologia Social trata do estudo da personalidade e do desenvolvimento em relação à ambiência social. Essa definição deixa claro o grande objetivo e o recorte bastante específico da Psicologia Social: estudar a personalidade como expressão da interação do indivíduo em seu meio social e cultural.

Lane (2008) afirma que o enfoque da Psicologia Social é estudar o comportamento no que ele é influenciado socialmente. Isso acontece desde o momento que nascemos ou até mesmo antes do nascimento. Essa influência histórico-social se faz sentir, primordialmente, pela aquisição da linguagem. Podemos perceber, então, que é bastante difícil encontrarmos comportamentos humanos que não envolvam componentes sociais, embora sejam estes os elementos que se tornaram o enfoque da Psicologia Social. Em outras palavras, a Psicologia Social estuda a relação entre o indivíduo e a sociedade.

Para Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999), a Psicologia Social é a área da Psicologia que procura estudar a interação social. Segundo os mesmos autores (1999, p. 24), “[...] a Psicologia Social é o estudo científico de manifestações comportamentais de caráter situacional suscitadas pela interação de uma pessoa com outras pessoas ou pela mera expectativa de tal interação [...]”. Para os autores, a Psicologia Social estuda os fenômenos sociais, comportamentais e cognitivos decorrentes da interação entre as pessoas.

O que caracteriza o aspecto social do comportamento estudado é a importância dada à influência de fatores situacionais. Todas as definições, em maior ou menor grau, acabam por acentuar os fatores psicológicos individuais, ora os fatores sociológicos presentes na interação social. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2002), a interação social, a interdependência entre os indivíduos, o encontro social são os objetos investigados por essa área da Psicologia.

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TÓPICO 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO

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IMPORTANTE

Fenômenos cognitivos ou mesmo o termo cognição significam “aquisição de conhecimento” ou a forma como as pessoas processam as informações. Cognição é sinônimo de processos mentais que estão por detrás dos comportamentos. São exemplos: atenção, percepção, memória etc. Esse termo é bastante presente na Psicologia Social de base norte-americana (Psicologia social cognitiva), vertente que será apresentada no tópico seguinte.

Para Ramos (2003), após o exercício de buscar definir Psicologia Social, normalmente se chega à conclusão de que ela acaba por estudar três ordens gerais de fenômenos: em primeiro lugar, a Psicologia Social estuda as bases psicológicas do comportamento social e, nesse sentido, aproxima-se da Psicologia do indivíduo. Em seguida, estuda as interações psicológicas dos indivíduos na vida social. Por último, a Psicologia Social se atém à influência dos grupos sobre a personalidade, acaba então sendo uma espécie de Sociologia psicológica ou uma Psicologia cultural.

DICAS

Para aprofundar algumas questões introdutórias em relação à Psicologia Social, um livro de fácil compreensão é: LANE, Silvia T. M. O que é Psicologia social. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2008.

Partindo da convicção de que ela não é uma ciência autônoma, e mais do que isso, diante da dificuldade de delimitação de suas especificidades, a seguir, buscaremos fazer algumas relações, apontaremos semelhanças e diferenças com áreas que de alguma forma “disputam” o mesmo objeto de estudo, até por fazerem também parte das chamadas ciências humanas.

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4 RELAÇÃO COM ÁREAS AFINS

FIGURA 3 – COMUNICAÇÃO – FALAR EM PÚBLICO

FONTE: Disponível em: <http://www.babado.org/tag/medo>. Acesso em: 31 out. 2011.

Dificilmente, ao entrar em contato com a Psicologia Social, não surge dúvida em relação à diferença entre Psicologia Social e outros setores afins do conhecimento, tais como: Sociologia, Antropologia, Filosofia e até mesmo as demais áreas da Psicologia. Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999) relatam as aproximações e os distanciamentos da Psicologia Social com outros campos do saber de maneira bastante perspicaz.

Uma primeira área do conhecimento que tem relações bastante próximas com a Psicologia Social e que, provavelmente, acaba sendo a área que gera mais dúvida em relação às diferenças é a Sociologia. De maneira bastante breve, podemos afirmar que a Sociologia é a ciência que tem como objeto de estudo a sociedade, as instituições sociais e as relações sociais. Podemos dizer que é uma “teoria da sociedade”. A Sociologia pode ser considerada uma ciência social cujo objeto de estudo é a sociedade moderna. Em outros termos, é uma teoria da modernidade.

Dificilmente se encontra um psicólogo social ou um sociólogo que afirme, categoricamente, que Psicologia Social e Sociologia são ramos totalmente distintos. A maioria se inclina a acreditar que tem um objeto formal até distinto, embora reconheçam que exista algo em comum de maneira bastante nítida.

É comum e coerente, inclusive, a afirmação de que quando temos um campo de interseção entre Psicologia e Sociologia, é exatamente aí que encontramos a Psicologia Social, que estudaria não só o indivíduo nas suas reações sociais como também a sociedade nos seus aspectos psicológicos. Dessa forma, a Psicologia Social e a Sociologia têm um objeto idêntico ou quase idêntico, no entanto, diferem na maneira pela qual estudam esse objeto, formulando perguntas diferentes aos seus processos investigativos. Talvez uma afirmação possível e simples para delimitar a diferença seria a de que enquanto o psicólogo social estuda o indivíduo no grupo, o sociólogo considera o grupo como um todo. Não há como negar, porém, uma área de interseção grande entre essas duas disciplinas e, em alguns momentos alguns estudos, acabam por pouco ou nada diferirem.

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Já a distinção entre a Psicologia Social e a Antropologia é bem mais nítida. De forma extremamente simplificada, é possível dizer que a Antropologia se refere à ciência que estuda as culturas humanas nos mais variados aspectos. Normalmente, ela é dividida em Antropologia biológica e Antropologia cultural. A primeira, como o nome já indica, dedica-se aos aspectos biológicos dos seres humanos e, por isso, normalmente, é classificada como uma ciência natural, enquanto que a segunda busca analisar e compreender o desenvolvimento das sociedades humanas ao redor do mundo e é considerada uma ciência social.

Não se tem dúvida de que os estudos antropológicos fornecem dados valiosos para o entendimento do comportamento humano em diferentes culturas, principalmente os ligados à Antropologia cultural, entretanto, a Antropologia estuda as produções humanas nas diferentes culturas, embora não faça isso de forma individualizada tal como pretende em alguns momentos fazer a Psicologia Social. Em suma, a Antropologia é uma área de importância incontestada para a Psicologia Social, embora tenha nuances e características bastante distintas.

Diferente da Psicologia Social, da Sociologia e da Antropologia, citadas anteriormente e que compartilham o método científico (observação – hipótese – experimentação – generalização), a Filosofia coloca-se em um patamar diferente. Embora trabalhe com enunciados precisos e rigorosos, por ter como objeto de estudo coisas abstratas, ela busca encadeamentos lógicos a partir da utilização da razão. Mais importante do que as respostas alcançadas via experimentação, a Filosofia contenta-se em suscitar perguntas e questionar aquilo que comumente se tem como natural.

Dessa forma, em relação à Psicologia Social, a primeira diferença consiste exatamente na diferença entre objetividade por parte da Psicologia Social e especulação por parte da Filosofia. Vale ressaltar que nos referimos a métodos e a objetos de estudo diferentes, o que faz com que seja inconveniente a terminologia melhor/pior. Embora todo psicólogo ou mesmo toda pessoa tenha suas convicções filosóficas, como a melhor organização da sociedade, finalidade da vida em sociedade etc., a Psicologia Social acaba por se ater a questões mais superficiais, diferente da Filosofia, que busca e faz questão de ser radical (ir à raiz das coisas). A grande diferença reside, então, sobretudo, no grau de abstração de uma e de outra.

Outra dúvida que aparece com frequência quando se entra em contato com a Psicologia Social é a da diferença entre ela e os demais setores ou áreas da Psicologia. Como será colocado a seguir, ao se discutir o significado do termo “social”, não há consenso em relação a isso. Por um lado, é possível dizer que em comum com as demais áreas da Psicologia (Psicologia Clínica, Psicologia Organizacional, Psicologia Escolar etc.), temos o fato de que todas se veem constantemente às voltas com o estudo das interações humanas. Por outro lado, a distinção entre as várias áreas da Psicologia parecem se dar pela ênfase posta no estudo de certos fenômenos psicológicos em detrimento de outros. No caso da Psicologia Social parece evidente o fato de que o que a caracteriza, como colocado no item 2 (definição e objeto de estudo), é a ênfase dada às relações sociais, ao estudo da influência dos fatores situacionais no comportamento humano.

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5 O SIGNIFICADO DO TERMO “SOCIAL”: POSSIBILIDADES DE INTERPRETAÇÃO

Muitas poderiam ser as áreas nas quais as comparações teriam sentido e importância, no entanto, foram escolhidas algumas em que as dúvidas são mais comuns, com o intuito de exercitarmos as relações, a partir da compreensão da definição e objeto de estudo expostos no item 2 desse tópico. Feito isso, para encerrar esse primeiro contato com a Psicologia Social, buscaremos aprofundar o significado do termo “social” a seguir.

FIGURA 4 – ECONOMIA CRIATIVA

FONTE: Disponível em: <http://www.papocriativo.com.br/tag/economia-criativa/>. Acesso em: 31 out. 2011.

Reflexão interessante é a trazida por Moreira (2007) a respeito da formação em Psicologia Social e as primeiras perguntas que os alunos fazem ao entrar em contato com a disciplina: “O que é Psicologia Social?”, “O que faz um psicólogo social?”. Aparentemente essas perguntas e as respectivas respostas deveriam ser trabalhadas como conteúdo obrigatório e como introdução da disciplina de Psicologia Social, no entanto, o autor revela que, na prática cotidiana, o que se percebe é que essas questões permanecem pouco claras.

Moreira (2007) expõe que, ao lecionar a disciplina de Psicologia Social, propôs aos alunos que expusessem o significado da palavra “social” para eles. Vale ressaltar que esses alunos não tinham qualquer contato anterior com a disciplina. Suas visões foram construídas a partir dos comentários de outros alunos que cursaram alguma disciplina afim ou mesmo pelo que já haviam lido ou escutado a respeito, nos mais diversos meios de informação. Moreira percebeu que algumas ideias estão frequentemente associadas à Psicologia Social e que as respostas podiam ser agrupadas em três categorias básicas, entre elas a de que “toda psicologia é social”, a de que “a psicologia social trabalha com os pobres” e, finalmente, que “a psicologia social é essencialmente crítica”. Buscaremos, a seguir, analisar as seguintes proposições, tentando esclarecer o que há de verdade e mito nessas afirmações.

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A primeira ideia presente e expressa por parte dos alunos se refere à opinião de que “toda psicologia é social”. Freud, em 1921, na sua obra “Psicologia de grupo e análise do ego”, aponta que toda a psicologia individual pode ser considerada uma psicologia social, pelo fato de que não é possível pensar o sujeito fora de suas relações com o outro. Em consonância com essa afirmação, Silvia Lane, em várias obras, faz exatamente essa afirmação: toda psicologia é social ou pelo menos deveria ser. “[...] esta afirmação não significa reduzir as áreas específicas da Psicologia à Psicologia Social, mas sim cada uma assumir dentro da sua especificidade a natureza histórico-social do ser humano”. (LANE, 1984, p. 19). O que está implícita nessa afirmação é o fato de ela defender que não há a possibilidade de conhecer e compreender qualquer comportamento humano isolando-o ou fragmentando-o, como se existisse em si e por si.

O sujeito com o qual a Psicologia trabalha é um ser relacional e histórico e, nesse sentido, as explicações que tomam como base a natureza, a herança genética e o comportamento inato acabam sendo colocadas em xeque nessa concepção. Diante do exposto, a afirmação de que “toda psicologia é social” parece ter sentido ao se compartilhar a premissa colocada até então. Como não existe uma única Psicologia e sim “psicologias”, temos dificuldade de colocar um ponto final nessa discussão, visto que algumas abordagens não compartilham esses pressupostos.

Outra proposição recorrente é a de que “a psicologia social trabalha com os pobres”. Nesse caso o “social” acaba estando bastante atrelado à Assistência Social e na qual a Psicologia teria, nesse caso, a função de intervir no meio social, a fim de “ajudar” as classes menos favorecidas. É interessante o fato de que a universalidade da expressão “toda psicologia é social” se perde, pois é a Psicologia Social que se dedica e trabalha com os pobres. O “social”, nesse caso, acaba sendo quase um sinônimo de “carente”.

É fato que a Psicologia Social produziu e produz constantemente metodologias para a intervenção em grupos e comunidades das periferias das grandes cidades e para a população em situação de vulnerabilidade social, sobretudo com o intuito de incluir esses grupos e comunidades, em defesa da cidadania. No entanto, o grande equívoco talvez esteja no ponto em que se reduz o campo de atuação da Psicologia Social a somente isso.

A Psicologia Social debruça-se sobre todo e qualquer fenômeno coletivo da sociedade e às relações sociais existentes. Entretanto, a partir de uma perspectiva crítica, em uma sociedade desigual e produtora de desigualdades de toda ordem como no Brasil, ela acaba por se ater a esta problemática de forma significativa, com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade de vida de grande parte da população que vive em condições precárias.

A última ideia presente no estudo relatado por Moreira (2007) é a de que a Psicologia Social tem natureza crítica. Nesse sentido, essa concepção parece ser equivocada, já que parte do princípio de que todas as outras psicologias e suas práticas seriam alienadas e alienantes. Não seriam se fizessem a almejada

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crítica social. Nessa ótica, a Psicologia Social seria o “certo”, enquanto as outras psicologias seriam “erradas”, dando à Psicologia Social um status superior e, inclusive, autorizando-a a criticar os mais diversos campos da Psicologia. Outro problema reside na dificuldade, a partir dessa suposta superioridade, de ser feita uma crítica interna, um olhar sobre a própria Psicologia Social, acertos e equívocos.

Diante do que foi apresentado até então sobre o significado do “social” acrescido ao termo Psicologia, é importante notarmos que facilmente podemos cair em armadilhas, visto que não é raro esse termo significar muitas coisas e, em alguns momentos, totalmente distintas. No caso da nomenclatura “Psicologia Social”, e voltando às discussões expostas no início desse tópico, o “social” acaba por significar “relações sociais” ou até mesmo “sociedade”, adjetivo que designa o que é relativo à sociedade, como é trazido por vários dicionários da língua portuguesa.

O termo “social” exprimiria a aplicação da Psicologia aos fatos sociais, assim como a Psicologia educacional se voltaria à educação e a Psicologia organizacional às organizações. Em síntese, o termo “social” traz a ideia de um “olhar para fora”, contrário à cegueira que fez por muito tempo parte da Psicologia e que levou à mesma a falácia de achar que o ser humano pode ser explicado e compreendido a partir dele mesmo, ignorando o entorno, as várias variáveis externas que acabam por interferir no desenvolvimento humano e na construção da subjetividade.

ESTUDOS FUTUROS

Na Segunda Unidade, abordaremos a temática desenvolvimento humano por um viés psicossocial, que é o da Psicologia Social. Na Terceira unidade, entraremos em contato com vários conceitos importantes em Psicologia Social, dentre eles a subjetividade.

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OS OUTROS

S. T. M. Lane

O ser humano ao nascer necessita de outras pessoas para a sua sobrevivência, no mínimo de mais uma pessoa, o que já faz dele membro de um grupo (no caso, de uma díade – grupo de dois). E toda a sua vida será caracterizada por participações em grupos, necessárias para a sua sobrevivência, além de outros, circunstanciais e esporádicos, como os de lazer ou aqueles que se formam em função de um objetivo imediato.

Assim, desde o primeiro momento de vida, o indivíduo está inserido num contexto histórico, pois as relações entre o adulto e a criança recém-nascida seguem um modelo ou padrão que cada sociedade desenvolve e que considera correta. São práticas consideradas essenciais e, portanto, valorizadas; se não forem seguidas, dão direito aos “outros” de intervirem direta ou indiretamente. E, quando se fala em “dar o direito”, significa que a sociedade tem normas e/ou leis que institucionalizam aqueles comportamentos que historicamente vêm garantindo a manutenção desse grupo social.

Em cada grupo social encontramos normas que regem as relações entre indivíduos, algumas são mais sutis, ou restritas a certos grupos, como as consideradas de “bom-tom”, outras são rígidas, consideradas imperdoáveis se desobedecidas, até aquelas que se cristalizam em leis e são passíveis de punição por autoridades institucionalizadas. Essas normas são o que, basicamente, caracteriza os papéis sociais, e que determinam as relações sociais: os papéis de pai e de mãe se caracterizam por normas que dizem como um homem e uma mulher se relacionam quando eles têm um filho, e como ambos se relacionam com o filho e este, no desempenho de seu papel com os pais.

Do mesmo modo, o chefe de uma empresa só o será, em termos de papel, se houver chefiados que, exercendo seus respectivos papéis, atribuam um sentido à ação do chefe, ou seja, um complementa o outro: para agir como chefe tem que ter outros que ajam como chefiados. Essa análise poderia ser feita em todas as relações sociais existentes em qualquer sociedade – amigos, namorados, estranhos

LEITURA COMPLEMENTAR

UNI

No texto a seguir fica clara a importância dada aos outros, às relações sociais. Buscando explicar como nos tornamos sociais, a autora ressalta a importância dos “outros” na construção do que somos. Leia com atenção, pois além de se relacionar com o conteúdo apresentado anteriormente, também é importante para a leitura da Unidade 2.

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na rua, que interagem circunstancialmente, balconista e freguês – em relação a todos existem expectativas de comportamentos mais ou menos definidos e quanto mais a relação social for fundamental para a manutenção do grupo e da sociedade, mais precisas e rígidas são as normas que a definem.

E a pergunta que sempre ocorre é: e a individualidade? Aquelas características peculiares de cada indivíduo? Afinal, se nós apenas desempenhamos papéis, e tudo que se faz tem sua determinação social, onde ficam as características que individualizam cada um de nós?

A resposta é, mais ou menos, como aquela estória do pai dizendo à filha: “Você pode se casar com quem quiser, desde que seja como o João...”. Em outras palavras, podemos fazer todas as variações que quisermos, desde que as relações sejam mantidas, isto é, aquelas características do papel que são essenciais para que a sociedade se mantenha tal e qual.

Existem teorias que definem os papéis sociais em termos de graus máximos e mínimos, de variações possíveis, e exemplificam com fatos como: a rainha Elizabeth (Inglaterra), na abertura do Parlamento, desempenha um papel totalmente definido; qualquer ação ou não ação que saia fora do protocolo gera confusão. Por outro lado, quando Zé da Silva está em um país estranho, se aventurando por conta própria (sem ser um “turista” o que já é um papel), atuando como um cidadão comum, sem ter as determinações daquela sociedade e, sabendo que a qualquer momento ele poderá se explicar como sendo estrangeiro, ele se dá o direito de fazer como sente, como gosta, “ele pode ser ele mesmo”, ou seja, fazer coisas que não faria se as pessoas o conhecessem, o identificassem como filho de “fulano”, casado com “sicrana”, que trabalha na firma X.

Agora podemos pensar em toda a variedade de situações que nós vemos cotidianamente e reconhecermos situações em que somos mais determinados e outras em que somos menos determinados, ou seja, “livres”.

Essa liberdade de manifestarmos a nossa personalidade também tem a sua determinação histórica: naquelas atividades sociais que não são importantes para a manutenção da sociedade, ou, às vezes, até o contrário, a contravenção necessária para reforçar o considerado “correto”, “normal” – os grupos considerados “marginais” reafirmam os sérios e trabalhadores, desde que não ponham em risco a ordem da sociedade; então a ordem é: façam como quiserem, sabendo que o “querer” é limitado; porém, naquelas situações, as quais podem abalar todo o sistema de produção da sobrevivência social, a liberdade se restringe a um “estilo” (ser mais ou menos sorridente, mais ou menos sério, mais expansivo ou mais tímido, entre outros). Assim como a rainha Elizabeth na abertura do Parlamento, o trabalhador se relaciona com suas ferramentas e máquinas, com seus chefes e mesmo com seus colegas de trabalho segundo um protocolo muito bem definido, pois, afinal, se ele não o fizer, o outro se sairá melhor ou ele perderá o emprego.

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O viver em grupos permite o confronto entre as pessoas e cada um vai construindo o seu “eu” nesse processo de interação, através de constatações de diferenças e semelhanças entre nós e os outros. É nesse processo que desenvolvemos a individualidade, a nossa identidade social e a consciência de si mesmo.

FONTE: Lane (2008, p. 12-16)

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Neste tópico, que pretendeu aproximá-lo(a) do conceito de Psicologia Social (definição e objeto de estudo), as principais informações podem ser agrupadas nos seguintes itens:

• É possível definir a psicologia como a ciência que estuda o comportamento.

• É clara a dificuldade de definição da Psicologia Social por não se ter consenso em relação aos seus objetivos e aplicação.

• Psicologia Social pode ser definida como a área da Psicologia que estuda a relação entre indivíduo e sociedade ou, então, a interação social.

• A Psicologia Social compartilha com as demais ciências humanas o estudo do homem e, por esse motivo, as diferenças e semelhanças com as demais áreas em alguns momentos gera dúvida por grande parte dos que se atrevem a conhecê-la com mais afinco. A maior dúvida está na diferença entre Psicologia Social e Sociologia, porque é comum o fato dela ser colocada entre a Psicologia e a Sociologia.

• O termo “social” desperta vários significados e conotações. Em seu sentido “puro” se refere às relações sociais, à sociedade: Psicologia Social seria então a aplicação da Psicologia aos fatos sociais.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 A partir das informações trazidas neste tópico, defina Psicologia Social, diferencie-a das demais áreas da Psicologia e da Sociologia e, por último, explique o significado do termo “social” presente nesta nomenclatura.

AUTOATIVIDADE

DICAS

Para um aprofundamento destes temas, sugiro que você leia os seguintes livros:

RAMOS, A. Introdução à Psicologia Social. 4. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

FIGUEIREDO, Luís Cláudio Mendonça; DE SANTI, Pedro Luiz Ribeiro. Psicologia: uma nova introdução. 2.ed. São Paulo: EDUC, 2004.

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TÓPICO 2

A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

FIGURA 5 – PSICOLOGIA SOCIAL

FONTE: Disponível em: <http://psicologiaadm.blogspot.com/2011/04/psicologia-social-do-que-se-trata.html>. Acesso em: 1 nov. 2011.

Falar em invenção da Psicologia Social não significa acreditar que seu surgimento se deve a um mero acaso ou “capricho” de algum intelectual buscando evidência, mas invenção a partir da premissa de que é fruto de uma necessidade histórica, em que se exige um novo campo do saber, que possa trazer respostas e propor soluções até então inacessíveis e inconcebidas. A partir dessa constatação, explicar o aparecimento relativamente recente de um campo de conhecimento e de um conjunto de práticas, para se ocupar das “relações sociais” entre os indivíduos, é o que nos propomos a seguir.

Iniciaremos buscando melhor compreender seu surgimento em nível mundial, para daí, então, refletirmos sobre as peculiaridades do surgimento e construção da Psicologia Social no Brasil.

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2 PSICOLOGIA SOCIAL MODERNA: UM FENÔMENO CARACTERISTICAMENTE AMERICANO

FIGURA 6 – MEDITAÇÃO

FONTE: Disponível em: <http://prcardson.blogspot.com/2011/03/confissao-positiva-realmente-vale-pena.html>. Acesso em: 1 nov. 2011.

São infindáveis as controvérsias ou mesmo a ênfase dada na bibliografia da área a respeito do histórico da Psicologia Social. Temos desde os que ignoram essa temática a alguns poucos que se atrevem a fazer algumas inferências. Muito poucos são os que buscam aprofundar essa questão de forma consistente.

Entre os que consideram esse tema relevante, há o consenso de que existem resquícios da Psicologia Social tal como é concebida hoje, desde o momento em que se buscou estudar e compreender a natureza social do homem ou mesmo a formação da sociedade. No entanto, de forma mais sistemática, normalmente, tem-se sua demarcação, enquanto área do conhecimento, no final do século passado ou mesmo durante este século. Buscaremos melhor compreender esse momento em específico, deixando de lado a “pré-história” da Psicologia Social (as bases filosóficas que serviram como alicerce ao momento que vivenciamos hoje).

Em se tratando de marcos, datas e nomes, ao final do século XIX, encontramos grande produção no que foi denominado “Psicologia das massas”. Nessa época surgem livros como “As leis da imitação”, de Gabriel Tarde (1890), “A Psicologia das multidões”, de Gustave Le Bon (1895), “As representações individuais e coletivas”, de Émile Durkheim (1898) e, ainda, os dez volumes de “Psicologia dos povos”, de Wundt, entre 1900 e 1920 (MAYORGA; PRADO, 2007).

Nesse sentido, não há consenso em relação ao seu surgimento exatamente, no entanto, muitos autores acabam por considerar como marco inaugural da Psicologia Social, e inauguração da denominação “psicologia social”, a publicação, em 1908, de “Social psychology” pelo sociólogo Edward A. Ross, e “An introduction

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to social psychology”, pelo psicólogo William McDougall. O que parece ser consenso é que a Psicologia Social surge no século XX como uma área da Psicologia que faz uma ponte entre a Psicologia e a Sociologia. Sua formação está muito atrelada aos movimentos ideológicos e conflitos presentes nesse período.

Já ao se referir a acontecimentos recentes que contribuíram para a solidificação da Psicologia Social enquanto estudo científico e sistemático, temos um desenvolvimento bastante grande após a Primeira Guerra Mundial. Juntantemente com outras ciências sociais, buscou-se procurar compreender as crises e as convulsões que abalavam o mundo naquela ocasião. No entanto, seu reconhecimento e o período de maior produção se dão, segundo Farr (1999), após a Segunda Guerra Mundial.

A guerra, com suas nuances e consequências, acabou por impulsionar de forma avassaladora o desenvolvimento da Psicologia Social, semelhante ao que a Primeira Guerra Mundial fez com os testes psicométricos. Nessa perspectiva, a Segunda Guerra Mundial é um elemento-chave para a compreensão da construção da Psicologia Social e, a partir dela, é possível significar as características da mesma tal qual conhecemos hoje.

Na Segunda Guerra Mundial são inúmeras as pesquisas realizadas pelos cientistas sociais, com o intuito de buscar respostas para várias questões que se colocavam naquele momento. Como exemplo, foram realizados inúmeros levantamentos sociais com o objetivo de adequar os soldados à vida do exército, bem como entender a participação nos combates e as consequências associadas.

As várias pesquisas realizadas naquele momento foram importantes por uma série de razões, sobretudo para o desenvolvimento de programas conjuntos de pesquisa entre Psicologia e Sociologia. Vários programas interdisciplinares têm início nesse período, em várias universidades. Esse fato em específico é de suma importância para o desenvolvimento da Psicologia Social na era moderna. Em muitas disciplinas, inclusive em Psicologia Social, a geração de estudantes de pós-graduação após a guerra foi qualitativamente e quantitativamente rica.

É possível afirmar que foram muitos os fatores que moldaram e interferiram no desenvolvimento histórico da Psicologia Social. Acontecimentos da vida real podem e acabam tendo uma influência marcante e, muitas vezes, dramática no desenvolvimento histórico das disciplinas acadêmicas. Em relação à Psicologia Social isso não foi diferente. Para Cartwright (apud FARR, 1999, p. 24) “[...] se fôssemos obrigados a nomear uma pessoa que teve o maior impacto nesse campo, essa deveria ser Adolf Hitler”. O que fica claro é a importância e os grandes reflexos da Segunda Guerra Mundial para a Psicologia Social.

Além dos estudos anteriormente citados, o próprio surgimento do nazismo na Alemanha fez com que vários intelectuais migrassem para a América, dentre eles, Kurt Lewin, Heider, Kohler, Wertheimer etc. Foi de particular importância a migração dos psicólogos da Gestalt da Áustria e da Alemanha para a América. A presença desses personagens e de muitos outros nos Estados Unidos, mais especificamente, foi crucial para o engrandescimento da Psicologia Social.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

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Nesse sentido, ao buscarmos compreender a origem e as raízes da Psicologia Social, percebemos que, apesar de encontrarmos resquícios em toda a tradição ocidental, seu florescimento atual é reconhecido como um fenômeno caracteristicamente americano. As raízes são vistas como europeias e as flores como especificamente americanas. É nos Estados Unidos que ganha um status experimental e surge inclusive a primeira forma estruturada de Psicologia Social, conhecida como Psicologia Social Cognitiva.

Embora entremos em maiores detalhes em um tópico posterior é importante deixar claro, nesse momento, que a Psicologia Social americana pode ser considerada uma forma psicológica de Psicologia Social. Embora seja incontestável que faça parte do nascimento da Psicologia Social a relação com a Sociologia e outras ciências sociais, o enfoque emergente tem uma natureza bastante individual, típica da tradição psicológica dominante da Psicologia Social nos EUA, e alvo de críticas por muitos que atestam seu caráter ideológico e mantenedor das relações sociais existentes, ou seja, uma Psicologia claramente conservadora.

ESTUDOS FUTUROS

As características bem como as diferenças entre as considerada Psicologia social psicológica e a Psicologia social sociológica serão abordadas em breve quando buscarmos compreender as diferentes “psicologias” sociais: Psicologia social cognitiva e Psicologia sócio-histórica.

3 A PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL

FIGURA 7 – PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL

FONTE: Disponível em: <http://ucha.blogia.com/2009/061601-psicologia-do-esporte-no-brasil-uma-historia-a-ser-contada....php>. Acesso em: 1 nov. 2011.

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TÓPICO 2 | A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL

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No Brasil, semelhante ao que ocorreu em toda a América Latina, a influência maior na Psicologia foi a norte-americana. É pertinente a afirmação de que a primeira obra em Psicologia Social foi publicada em 1921. De autoria de Francisco José de Oliveira Viana e intitulada “Pequenos estudos de Psicologia”, foi composta de vários artigos, dentre eles alguns com temas enfatizando o meio social e o meio político.

É importante ressaltar que nessa época já havia um pensamento psicossocial no Brasil. Dentre os autores mais relevantes, destacam-se, ainda no século XIX e na passagem para o século XX, Sylvio Romero, Raimundo Nina Rodrigues e Manoel Bomfim, todos frutos de um momento no qual se tinha o predomínio das ideias positivistas de forma bastante evidente. O regime escravocrata era uma questão bastante discutida em suas obras.

IMPORTANTE

Positivismo: termo complexo e com reflexos em várias áreas, designa uma corrente de pensamento que prevê que a ciência é a única explicação legítima da realidade. A Psicologia, assim como nas demais ciências humanas defende a noção de que se deve adotar os mesmos métodos nas ciências da natureza, como a objetividade e a mensuração.

Na década de 30 surgem os primeiros cursos superiores em Psicologia Social, dos quais se destaca o ministrado em 1935 por Arthur Ramos e que resultou na edição do livro “Introdução à Psicologia Social”, em 1936.

Ao tentar compreender a origem da Psicologia Social no Brasil, exercício interessante é, primeiramente, analisar o que a Psicologia buscou explicar e fazer através dos tempos. Antunes (1999) expõe que já no Brasil Colonial encontramos estudos sobre fenômenos psicológicos embutidos em outras áreas, como: Teologia, Pedagogia, Política e Arquitetura.

A produção daquele momento se debruçava sobre o estudo das emoções, sentidos, autoconhecimento, adaptação ambiental, diferenças raciais, entre outros temas. Escritos por autores de formação jesuítica, a intenção claramente detectável era a de contribuir para o controle dos indígenas.

Mais tarde, com a vinda da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, são muitas as alterações sociais associadas. O crescimento das cidades, sem infraestrutura e preparo apropriado, faz emergir problemas até então não tão alarmantes, como: doenças, miséria, prostituição e loucura. Surge uma demanda de serviços até então inexistentes, como: educação em seus diversos níveis.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

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É nesse período (século XIX) que se desenvolvem, no país, as ideias de saneamento (físico e moral) e higienização das cidades. Os conteúdos psicológicos aparecem nas produções médicas para caracterizar as doenças mentais e morais presentes nas prostitutas, nos pobres e nos loucos. É o período da criação dos grandes hospícios. Buscava-se uma sociedade livre da desordem e dos desvios.

O final do século XIX trouxe a República e no século XX tem-se a modernização da sociedade brasileira, a Psicologia começa a se separar como área. Acontece a efetivação da Psicologia enquanto ciência autônoma e a produção da Psicologia se atém à Educação, as escolas transformam-se em verdadeiros laboratórios e surge o movimento chamado Escola Nova.

IMPORTANTE

Escola Nova foi o nome dado ao movimento que ganhou impulso na década de 1930 que pregava a Educação como elemento-chave para o crescimento do país. Buscou uma renovação na Educação a partir da defesa de métodos ativos e criativos, diferente do que era feito até então.

As ideias psicológicas nesse período podem ser caracterizadas pelo interesse em diferenciar as pessoas, pois a predominância é a de que as capacidades são inerentes ou não aos indivíduos. Com esse intuito, percebe-se o desenvolvimento dos testes psicológicos, instrumentos que permitiam essa prática diferenciadora e categorizadora da Psicologia. O chavão “o homem certo no lugar certo” também está presente, principalmente associado à Administração e à gestão do trabalho, no qual se busca, a todo custo, a seleção de trabalhadores para as empresas.

Em síntese, para Bock (2003), temos o controle como marca fundamental no período colonial, a higienização no início do século XIX e a diferenciação no século XX. Já no século XX a institucionalização da Psicologia torna-se evidente e, em 1962, tem-se como marco a Lei nº 4.119, que regulamentou a profissão no país. Nos anos que se seguem, proliferaram, no país, os cursos de Psicologia, associações profissionais e científicas, assim como a abertura de campos de trabalho, indicando que a Psicologia passa a se desenvolver com vigor.

Diante do que foi colocado até então, fica claro que a tradição da Psicologia no Brasil foi marcada por um compromisso com as elites, a partir da constatação de que o interesse maior era controlar, higienizar, categorizar e diferenciar, objetivos claramente de uma minoria e necessários à manutenção e/ou incremento do lucro, dentre outros interesses secundários.

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Assim, a Psicologia se institui como uma ciência extremamente conservadora, pouco ou praticamente nada preocupada com qualquer tipo de projeto de transformação social. Adotou no seu início uma perspectiva essencialmente naturalizante de homem e de seu desenvolvimento psíquico (BOCK, 2003).

UNI

Você deve se perguntar: o que significa isso? Vamos lá!

O que fica evidente até esse momento é uma concepção de fenômeno psicológico como algo possível de ser explicado a partir do próprio sujeito. O fenômeno psicológico pode ser considerado naturalizado e universal, por se ter a prevalência da ideia de que está em todos nós, ao nascermos, e se desenvolverá conforme o homem for entrando em contato com o meio no qual está inserido. Essa concepção teve como resultado uma Psicologia de costas para a realidade social, já que naquele momento não se sentiu necessidade de fazer referência ao cotidiano vivido pelas pessoas, à cultura, às relações sociais, para compreender o mundo psíquico. Nessa concepção predominante até então, a sociedade não tem papel algum, já que é vista como algo externo ao sujeito, que nada tem a ver com seu desenvolvimento.

Nesse sentido a Psicologia se instituiu na sociedade como uma profissão basicamente corretiva, utilizada apenas quando desvios ou patologias fossem detectados. Caso tudo esteja bem, é sinal de que a natureza fez o seu trabalho e não há necessidade da contribuição da área. A Psicologia nasce, então, associada a patologias, desvios, doenças, conflitos, desequilíbrios e desajustes, pouco contribuindo para a qualidade de vida ou mesmo promoção de saúde da maioria da população.

As coisas começam a mudar no final da década de 70 diante dos novos acontecimentos sociopolíticos, como a luta pela redemocratização do país, as grandes greves operárias e a ascensão dos movimentos sociais, sobretudo como forma de protesto à ditadura militar.

Na Psicologia ocorre a criação de vários sindicatos e os conselhos da categoria passam a ser ocupados por grupos mais progressistas. A partir desse momento é dada a largada para um período em que a Psicologia e os próprios psicólogos se perguntarão sobre a relação de seu trabalho ou do próprio fenômeno psicológico com a realidade social. A preocupação e a importância dadas à realidade social passam a ser algo inusitado, o que impulsiona o desenvolvimento da Psicologia social de forma importante. Nessa perspectiva, a grande divergência está em defini-la enquanto uma área ou campo da Psicologia ou uma perspectiva em disputa com a própria Psicologia, pressupostos e fazeres predominantes.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

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Assim, como afirmam Bock, Furtado e Teixeira (2002), a Psicologia Social, como área do conhecimento, passa a estudar o psiquismo humano, objeto da Psicologia, agora por uma nova ótica, tentando compreender como se dá a construção da subjetividade a partir das relações sociais vividas pelo homem.

O mundo objetivo passa a ser visto como um fator a ser levado em conta ao buscar compreender o psiquismo humano. Esse enfoque, distinto da Psicologia “tradicional”, justificou o surgimento dessa nova área da Psicologia: a Psicologia Social, que no Brasil, principalmente na década de 80, buscou autonomia científica, com um aumento significativo de estudos realizados. Nessa década, ainda, foram criados os primeiros cursos de doutorado específicos na área, várias associações científicas, dentre elas a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), em julho de 1980.

Segundo Bomfim (2003), muitos são os fatores relacionados ao surgimento e à produção de conhecimento em Psicologia Social no Brasil. A autora destaca três: o progresso de áreas afins, como: Sociologia, Antropologia, Educação, dentre outras; o avanço da Psicologia Social em países da Europa, nos Estados Unidos e, mais recentemente, na América Latina; e, ainda, as condições nacionais que, aliadas às novas demandas, abriram caminho nesse campo do conhecimento, agora um enfoque psicossocial.

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TÓPICO 2 | A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL

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LEITURA COMPLEMENTAR

Por que a Psicologia Social é considerada uma subdisciplina da Psicologia? Questão importante, sim, pois como uma especialidade pode ser entendida na diversidade a partir de um tronco comum. Se voltarmos ao seu desenvolvimento, descobriremos que no seu início, não só na Europa ou nos Estados Unidos, mas também em diversos países latino-americanos, as menções de algo como uma Psicologia Social ou que represente temas considerados como próprios a ela, era produzida por pessoas que pertenciam não só à Psicologia, mas também e com muita frequência à Sociologia, à Filosofia Social, ao campo da Ciência política ou da História e da Antropologia.

Sociólogos como Gabriel Tarde e Émile Durkheim, na França do final do século XIX e início do século XX, fizeram importantes contribuições à Psicologia coletiva. No entanto, para muitos, Augusto Comte ainda é considerado o antecessor.

Na história da Psicologia Social estadunidense, aparecem como fundadores um psicólogo, W. McDougall, e um sociólogo, E. Ross. O interacionismo simbólico tem início com a obra de um filósofo: G. H. Mead; e na segunda metade do século XX, Stryker já alardeava a existência social de uma Psicologia social psicológica e outra sociológica. Para fazer uma história breve, cabe dizer que quase todos os temas abordados pela Psicologia Social se enriquecem com os aportes provenientes de outras ciências sociais, com as quais mantém diálogos frutíferos, ou seja, é certo que a história dessa disciplina pode ser contada desde dentro, mas também de fora dela mesma. Se as origens da Psicologia social são pluridisciplinares, então, como são suas fronteiras? São claras essas fronteiras?

FONTE: Montero apud Mayorga; Prado (2007, p. 8)

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No texto a seguir, você perceberá que a Psicologia Social não é uma área totalmente nova, mas sim um novo recorte feito e com semelhanças e diferenças um tanto confusas em relação a outras ciências humanas. Fique atento a esta peculiaridade da Psicologia Social e que servirá como uma primeira reflexão do que trataremos no próximo tópico, em que procuraremos conceituá-la, diferenciá-la de áreas afins, assim como delimitar seu objeto de estudo.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico são trazidas algumas informações a respeito da origem da Psicologia Social, sendo que as informações mais significativas podem ser resumidas nos seguintes itens:

lA Psicologia Social tal qual a conhecemos hoje surge a partir de uma necessidade histórica.

lTem-se como marco inaugural da Psicologia Social a publicação, em 1908, de “Social psychology”, pelo sociólogo Edward A. Ross, e “An introduction to social psychology”, pelo psicólogo William McDougall.

lA Psicologia social cognitiva, assim como a Psicologia social moderna, é principalmente um produto do após-guerra.

lNo Brasil, a primeira obra em Psicologia Social data de 1921, embora a Psicologia Social enquanto área do conhecimento tenha crescido e se desenvolvido de forma significativa na década de 70, a partir da vinculação do fenômeno psicológico com a realidade social.

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1 A partir do que foi colocado até então, relate os marcos de início da Psicologia Social no mundo e no Brasil. Feito isso, exponha os momentos históricos que alavancaram seu desenvolvimento e acabaram por contribuir para seu formato atual.

AUTOATIVIDADE

DICAS

Para um aprofundamento destes temas, sugiro que você leia o seguinte livro:BRAGHIIROLLI, E. Psicologia geral. Petrópolis: Vozes, 2004.

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TÓPICO 3

A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

FIGURA 8 – PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA

FONTE: Disponível em: <http://carlospsicologo.blogspot.com/>. Acesso em: 1 nov. 2011.

O estudo dos processos mentais (cognição) se dá em várias áreas da Psicologia e inclusive na Psicologia Social. De base norte-americana, a Psicologia social cognitiva é a primeira vertente de Psicologia Social existente, tendo como principal representante, no Brasil, Aroldo Rodrigues. A seguir, compreenderemos melhor as características desta Psicologia Social, origem, principais conceitos e sobre que tipo de questões ela vem se preocupando recentemente.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

2 O MODELO ESTADUNIDENSE DE PSICOLOGIA SOCIAL

FIGURA 9 – REESTRUTURAÇÃO COGNITIVA

FONTE: Disponível em: <http://psicomental.com/category/emocoes/page/4/>. Acesso em: 1 nov. 2011.

Em se tratando de Psicologia, não só Psicologia Social, é fato que o modelo estadunidense influenciou significativamente a Psicologia brasileira a partir de 1930, buscando dar a ela um caráter de neutralidade e, com isso, automaticamente, levou-a a certo afastamento da realidade social, o que mais tarde inclusive será alvo de críticas ferrenhas.

ESTUDOS FUTUROS

A chamada crise da relevância da Psicologia Social será aprofundada no tópico seguinte, ao entrarmos em contato com a outra vertente da Psicologia Social, a Psicologia sócio-histórica.

Essa Psicologia Social que nos referimos é denominada Psicologia social cognitiva e, como afirma Vilela (2007), seus princípios situam-se em F. Alport e são institucionalizados pelos discípulos de K. Lewin.

Kurt Lewin (1890-1947), dentre outras coisas, pensou a dinâmica de grupo como um dispositivo facililtador da pesquisa-ação, daquela que produz conhecimento ao mesmo tempo em que intervém no campo em análise. Buscou explorar as consequências psicológicas dos fenômenos em grupo e, nesse sentido, a pesquisa em Psicologia Social ainda hoje se inspira nas suas descobertas e teorias. O estudo de pequenos grupos, segundo ele, permitiria que se pudesse

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TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA

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esclarecer questões mais macro a respeito dos fenômenos grupais presentes na nossa sociedade. Devido a essa iniciativa, foi um dos responsáveis a tornar a Psicologia Social uma ciência experimental.

Como colocado na introdução, no Brasil, o principal nome e difusor da Psicologia social cognitiva é Aroldo Rodrigues, psicólogo formado na primeira turma da PUC-Rio. Inicia sua carreira acadêmica com pós-graduação nos Estados Unidos. Entre o final dos anos 60 e início dos anos 80, firma-se como um importante personagem da Psicologia Social, defendendo a neutralidade e o apolitismo da mesma.

É a partir do trabalho de F. H. Allport que se estabelece uma dicotomia que se tornou clássica: a distinção entre uma Psicologia social psicológica e uma Psicologia social sociológica. A Psicologia social cognitiva é considerada uma espécie de Psicologia social “psicológica”, pois é centrada no indivíduo, em seus processos cognitivos e/ou em seu comportamento e, recentemente, volta-se ao estudo das emoções e aos processos internos.

O que fica evidente nesse enfoque é uma ênfase no indivíduo em detrimento a aspectos externos/sociais. A sociedade é um elemento ou fator “a mais” a ser levado em conta, uma espécie de coadjuvante dos fenômenos e processos individuais. Outra forma de explicar o significado dessa terminologia é afirmar que a Psicologia social psicológica enfatiza prioritariamente os processos psicológicos individuais, compreendendo o social como um mero somatório de indivíduos.

DICAS

A respeito da distinção entre a chamada Psicologia social psicológica e Psicologia social sociológica, obra que permitiu ampla divulgação no Brasil dessa distinção é a publicação brasileira de Raízes da Psicologia social, de Robert Farr (1998).

Esse enfoque da Psicologia Social fica claro na própria definição de Psicologia Social trazida por Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999, p. 21) no qual, segundo esses autores, a “Psicologia Social é o estudo científico da influência recíproca entre as pessoas (interação social) e do processo cognitivo gerado por esta interação”. Embora se fale em interação social, o foco está no indivíduo que reage a esse processo, o foco está nos processos cognitivos decorrentes da interação social pura e simplesmente.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

3 ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS

FIGURA 10 – HUMOR E COGNIÇÃO

FONTE: Disponível em: <http://www.antidrogas.com.br/mostraartigo.php?c=607&msg=Efeitos%20dos%20ester%F3ides%20sobre%20o%20humor%20e%20a%20

cogni%E7%E3o>. Acesso em: 1 nov. 2011.

Em se tratando de Psicologia Social Cognitiva, é necessário entender alguns conceitos de suma importância para a compreensão dessa vertente da Psicologia Social, assim como para se ter ideia das questões que ela costuma se ater em seus estudos.

Dentre os vários conceitos, destacam-se: percepção ou cognição social, atitudes, influência social e papéis sociais. A seguir, nos aproximaremos dessas terminologias presentes no vocabulário dessa ênfase em Psicologia Social.

3.1 PERCEPÇÃO OU COGNIÇÃO SOCIAL

FIGURA 11 – COGNIÇÃO SOCIAL

FONTE: Disponível em: <http://popteen-lna.blogspot.com/2011/05/beneficos-da-danca.html>. Acesso em: 1 nov. 2011.

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TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA

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Quando nos encontramos com o outro, um dos primeiros processos desencadeados é o da percepção social. Percebemo-nos um ao outro, o que nos possibilita ter uma impressão dele. A partir de nossos contatos com o mundo, vamos organizando essas informações em nossa cognição (organização do conhecimento no nível da consciência) e é essa organização que será a responsável e nos permitirá compreender o que nos rodeia.

Assim, como exemplo, se vermos uma pessoa de calça jeans, camiseta, tênis e com cadernos e livros nas mãos, essas informações nos levarão a pensar que esse indivíduo é um estudante. E assim sucessivamente, tendemos a categorizar e a classificar os eventos que nos rodeiam a partir da nossa forma de “enxergar” os mesmos. Vale ressaltar que essa forma, princípio particular de cada um ver e interpretar as coisas, não é algo tão particular ou individual como imaginamos.

Somos sobrecarregados de informações no cotidiano que nos fazem julgar o que é certo e errado, feio e bonito. Utilizando como exemplo esses dois adjetivos, consideramos certo ou bonito o que é “normal” e errado ou feio aquilo que é “anormal”. Somos tomados por padrões e regras sociais que, na maioria das vezes, sem nos darmos conta, nos induzem a termos determinadas convicções.

NOTA

Pouco refletido, o conceito de “normal” e “anormal” pode ter vários significados. O significado mais comum é o da chamada normalidade estatística. É considerado “normal” o que é mais comum, o que ocorre com maior frequência, e “anormal” o que é raro ou pouco frequente.

Termo com significado semelhante é o de cognição social, trazido por Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999). Esse pode ser entendido como o estudo de como as pessoas fazem inferências a partir da informação obtida no ambiente social.

A partir do nosso processo de socialização (intercâmbio com pessoas na família, escola e demais instituições), acabamos coletando informações, processando as mesmas e, por último, fazemos julgamentos. Nesse sentido, cognição social se refere a esse processo cognitivo no qual, em contato com o ambiente social que nos circunda, acabamos formando uma ideia de nós mesmos (autoconceito) e categorizamos tudo que está ao nosso redor.

Em relação à percepção social, voltada para o que está ao nosso redor, o que está despertando maior interesse nos psicólogos sociais é o fenômeno de como percebemos as outras pessoas, muito mais do que como percebemos as coisas. Assim, rotulamos pessoas e grupos (João é mau caráter, italianos são

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

“pães-duros”), discriminamos (os velhos tem ideias tradicionais, as mulheres não têm algumas habilidades), esperamos que determinados profissionais ajam de uma forma preestabelecida (bibliotecários são meticulosos, matemáticos são um tanto “loucos”), ou, então, com base nas primeiras impressões que temos, tendemos a elaborar teorias a respeito da personalidade das pessoas, o que fará com que aceitemos com facilidade tudo aquilo que confirme nossas teorias e a rejeitar qualquer informação contrária ao que nós pressupomos.

Em relação ao autoconceito, para a Psicologia Social é de particular relevância a influência da interação social na formação do mesmo. Sempre fomos e somos avaliados pelos outros e isso nos dá, em certa medida, a consciência do que somos. Para sabermos quem somos “por dentro”, é preciso que dirijamos nosso olhar para “fora” de nós. Nossas crenças a respeito de nós mesmos são em grande parte resultado do processo de interação social a que estamos submetidos diariamente em nossas vidas.

Os psicólogos sociais têm estudado esse processo de constituição das nossas impressões sobre nós mesmos e em relação ao que nos rodeia, seja utilizando o termo percepção social ou cognição social. Esses termos denotam claramente o quão social são as nossas percepções e compreender a raiz das mesmas é tarefa árdua, que cabe à Psicologia Social realizar.

3.2 ATITUDES

FIGURA 12 – ATITUDES

FONTE: Disponível em: <http://www.blogbrasil.com.br/atitudes-femininas-que-podem-fazem-um-homem-desistir-do-relacionamento/>. Acesso em: 1 nov. 2011.

Um dos conceitos mais explorado, ao se referir à Psicologia social cognitiva, é o de atitudes. Diferentemente do senso comum, que a compreende como comportamento, ação, ou seja, nós tomaríamos atitudes, para a Psicologia Social nós desenvolvemos atitudes (crenças, valores, opiniões, sentimentos) em relação ao que nos rodeia.

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TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA

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Para Bock, Furtado e Teixeira (2002), a partir da percepção que temos do meio social e dos outros, o indivíduo vai organizando essas informações e relacionando-as com afetos (positivos ou negativos) e desenvolvendo uma predisposição para agir (favorável ou desfavoravelmente) em relação às pessoas e aos objetos presentes no meio social. A essas informações, com forte carga afetiva e que predispõem o indivíduo para uma determinada ação, dá-se o nome de atitudes. Atitudes seriam, então, sentimentos pró ou contra pessoas ou coisas com quem entramos em contato. Segundo Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999, p. 98), atitude social seria “[...] uma organização duradoura de crenças e cognições em geral, dotada de carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, que predispõe a uma ação coerente com as cognições e afetos relativos a este objeto”. Essas atitudes, em sua grande parte, são aprendidas e servem para nos ajudar a lidar com o ambiente social.

Fica evidente que as atitudes são anteriores à ação. Nossas ações teriam relação direta com as atitudes que temos. Se tivermos uma atitude positiva em relação à determinada pessoa, por exemplo, é bastante provável que nosso comportamento em relação à mesma seja amistoso, a trataremos bem. Vale a ressalva de que nem sempre temos uma relação direta entre atitude e comportamento, nem sempre é possível prevermos o comportamento de alguém a partir do conhecimento de sua atitude. Nosso comportamento é resultante também da situação dada, ao contexto na qual nos encontramos com os outros. A título de exemplificação, imaginemos uma situação na qual estamos extremamente atrasados para algum compromisso importante. Com essa variável, é bastante provável que você não se comporte da forma prevista em relação ao seu melhor amigo ao encontrá-lo na rua. A situação, nesse momento, apresenta elementos que interferem no comportamento esperado.

Segundo Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999), embora existam inúmeras formas de conceituar atitude, as atitudes sociais contam com três componentes claramente discerníveis: o componente cognitivo, o componente afetivo e o componente comportamental.

O componente cognitivo diz respeito à representação cognitiva que criamos a respeito das coisas. As crenças, o conhecimento, a maneira de “ver” ou “encarar” o objeto em questão constituem o componente cognitivo da atitude. Para que se tenha uma carga afetiva pró ou contra alguma coisa é necessário que tenhamos alguma representação cognitiva a respeito. Pensando em pessoas preconceituosas, é evidente que é necessário que tenham uma série de cognições a respeito do grupo que é objeto de discriminação. Alguém que não gosta de índios vê sentido esse parecer por considerá-los selvagens, ameaçadores, preguiçosos etc., por exemplo.

O componente afetivo pode ser definido como o sentimento pró ou contra um determinado objeto social, é o componente característico das atitudes sociais. O componente cognitivo e o comportamental são apenas importantes para que se tenha acesso às atitudes propriamente ditas (sentimentos envolvidos). O componente afetivo, então, dá uma conotação afetiva às coisas e nos leva ao componente comportamental.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

Posição aceita por grande parte dos psicólogos sociais é a de que as atitudes possuem um componente ativo e coerente com as cognições e afetos envolvidos, o chamado componente comportamental. As atitudes (componente afetivo) seriam a força motivadora para a ação e a relação entre atitude e o comportamento acaba por ser um dos grandes campos de interesse da Psicologia Social.

Apesar de serem relativamente estáveis, as atitudes podem ser modificadas. A partir do que foi colocado até então, dá-se, para a Psicologia social cognitiva, ao elemento cognitivo, um papel fundamental. A mudança no elemento cognitivo resultará em mudança no componente afetivo e no comportamental. Se pegarmos como exemplo a ação preconceituosa em relação aos negros percebe-se que o elemento-chave está nas crenças construídas em relação a esse grupo. Percebidas que as crenças não têm sentido, serão modificados os componentes afetivos e os comportamentos relacionados, a discriminação em si. A seguir, a relação entre os três componentes:

QUADRO 3 – RELAÇÃO ENTRE OS TRÊS COMPONENTES DAS ATITUDES

Componente cognitivo → Componente afetivo (atitude propriamente dita) → Componente comportamental

FONTE: O autor

É importante ressaltar, como expõem Bock, Furtado e Teixeira (2002), que existe uma forte tendência a mantermos os componentes das atitudes em consonância. Informações positivas em relação às mulheres, por exemplo, levarão ao afeto positivo. Informação positiva e afeto positivo levarão a um comportamento favorável em direção a elas.

IMPORTANTE

É chamado de dissonância cognitiva (teoria desenvolvida por Festinger) o processo no qual se tem crenças divergentes, cognições contraditórias, que estimulam a pessoa a substituir sua cognição, atitude ou comportamento, buscando um equilíbrio entre essas instâncias.

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3.3 PRECONCEITO, ESTEREÓTIPOS E DISCRIMINAÇÃO

FIGURA 13 – DISCUSSÃO

FONTE: Disponível em: <http://www.inclusive.org.br/?p=19051>. Acesso em: 1 nov. 2011.

Vamos agora buscar refletir a respeito de três termos que relacionados referem-se a comportamentos negativos direcionados a pessoas ou grupos específicos, baseados em um julgamento prévio mantido mesmo diante de fatos que mostrem a incoerência dos mesmos.

Pelo fato de o preconceito ainda estar bastante entranhado nas relações humanas, dilema decorrente é a sua origem. Embora a facilidade com que o adquirimos nos faça pensarmos que há uma predisposição inata, a aprendizagem pode ser responsabilizada em grande parte por este fenômeno.

É um fato que o preconceito não é fruto da nossa época. Ele talvez seja tão velho quanto a humanidade, como bem coloca Rodrigues (1999). Independente do momento no qual ele ocorre, o que é notório e bastante preocupante são os males decorrentes do mesmo. Temos como exemplo mais estarrecedor de todos o holocausto, momento em que milhões de judeus foram aniquilados, grupo politicamente indesejado pelo movimento nazista chefiado por Adolf Hitler.

De forma bastante simplificada, pode-se afirmar que o preconceito revela-se por meio de comportamentos hostis contra indivíduos pelo fato de os mesmos fazerem parte de um grupo socialmente desvalorizado. Falamos então de preconceito contra as mulheres ou sexismo, preconceito contra os homossexuais, homofobia, preconceito contra os idosos ou ageísmo, etc. Dentre as várias formas possíveis de preconceito, destaca-se a que se dirige a grupos em função de características físicas ou fenotípicas herdadas: trata-se do preconceito racial ou étnico. Seja por raça, credo ou cor, qualquer grupo social (e não apenas minorias) pode ser alvo de preconceito.

Segundo Rodrigues (1999), apenas por volta dos anos 20 é que o preconceito passa a ser uma questão discutida, principalmente pelo fato de que até esse momento praticamente toda a comunidade científica americana e europeia partia da premissa de que realmente havia diferenças significativas entre as raças e que

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

naturalmente algumas seriam inferiores a outras. As teorias da época buscavam comprovar a suposta inferioridade dos negros a partir de um “atraso evolutivo”. Somos diferentes não por questões culturais, mas por questões biológicas. Vários estudos justificavam as diferenças encontradas de desempenho entre brancos e negros a uma base genética diferente.

Conceitos estritamente relacionados com o de preconceito são o de estereótipo e discriminação. Embora haja tantas definições quanto estudiosos do tema, a maioria dos psicólogos sociais considera o estereótipo como a base cognitiva do preconceito e a discriminação como o componente comportamental. O preconceito estaria relacionado aos sentimentos negativos em relação a um grupo. Alguns teóricos consideram desnecessária essa divisão, já que o termo preconceito estaria relacionado a estes três componentes. De qualquer forma, para fins didáticos segue uma diferença possível, onde temos uma sequência lógica da esquerda para a direita. Os estereótipos levariam ao preconceito, que levaria à discriminação.

QUADRO 4 – POSSIBILIDADE DE DIFERENÇAS ENTRE OS TERMOS ESTEREÓTIPOS, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO

Estereótipos (crenças irracionais)

Preconceito (sentimentos negativos)

Discriminação(comportamento discriminatório)

FONTE: O autor

IMPORTANTE

Como você pôde notar, o quadro acima tem relação direta com o conceito de atitudes apresentado anteriormente. Estão presentes os três componentes, componentes centrais para a compreensão do comportamento humano segundo a Psicologia social cognitiva.

O estereótipo estaria relacionado à nossa visão a respeito de determinado grupo. Rodrigues (1999), para exemplificar, cita a imagem que se tem em outros países de uma brasileira típica. Esta brasileira, cogitada por italianos, por exemplo, poderia ser mulata, sensual, com senso de ritmo, expansiva e carnavalesca, imagem construída a partir dos meios de comunicação de massa, dentre outras fontes de informação. Agora pense um pouco. Quantas brasileiras semelhantes a este relato você conseguiu detectar? O que fica evidente é que, muitas vezes, construímos crenças irracionais a partir de generalizações infundadas. Os psicólogos sociais costumeiramente se utilizam de lista de adjetivos para detectar estereótipos.

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TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA

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NOTA

O termo estereótipo normalmente é tido como sinônimo de representação social. O conceito de representação social será discutido na Unidade 3. Em se referindo a preconceito, parte-se do princípio de que os estereótipos se referem a crenças irracionais ou leituras incorretas da realidade, embora eles possam ser condizentes com a mesma.

Gordon Allport (1954) é considerado um dos autores fundamentais na discussão a respeito do preconceito. Em sua obra “The nature os prejudice” ele expõe que estereotipar é fruto da “lei do menor esforço”. Dada a complexidade de entendimento de muitas coisas, não raramente preferimos economizar energia desenvolvendo opiniões baseadas em poucas informações ou informações duvidosas.

Conceito trazido por Allport como um processo bastante similar, um caso especial de estereótipo é a rotulação. A colocação de um rótulo de certa forma facilita nossos relacionamentos, ao permitir que antecipemos certos comportamentos. Quando rotulamos alguém de “folgado”, por exemplo, prevemos a forma desse sujeito se comportar diante de diversas situações. O grande problema deste fenômeno é que a atribuição de um rótulo ao nos predispor a pressupor comportamentos compatíveis com o rótulo dado pode distorcer nossa percepção. Tendemos a ignorar comportamentos que contradigam o rótulo imposto, bem como inconscientemente podemos induzir o rotulado a se comportar da maneira que esperamos. Em síntese, uma vez atribuído, tendemos a perceber os comportamentos da pessoa à luz do rótulo.

De forma geral, tomados por um certo otimismo, podemos dizer que o preconceito já não é o mesmo de outrora. Isso pode ser constatado inclusive experimentalmente, ao detectar que grupos historicamente discriminados começam a ser tratados de forma diferenciada. Entretanto, os progressos devem ser olhados com cautela. O preconceito pode ter se tornado apenas mais sutil, menos explícito, até porque foram gigantes os avanços legais na tentativa de barrar comportamentos dessa natureza.

DICAS

A fim de melhor compreender as novas formas de expressão do preconceito e do racismo à luz da Psicologia social, vale a leitura do artigo referenciado a seguir: LIMA, M. E. O.; VALA, J. As novas formas de expressão do preconceito e do racismo. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 9, n. 3, Dec. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2004000300002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1 out. 2011.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

Na tentativa de se ter uma raça pura, foram realizadas verdadeiras atrocidades, nada compatíveis com o caráter racional do ser humano. Partindo do pressuposto de que a única coisa natural em se tratando de ser humano é a diferença, parece extremamente coerente não supormos comportamentos e características individuais a partir de “fachadas”. Se somos diferentes, nos fazemos diferentes nas relações que estabelecemos, melhores ou piores, e este deve ser o princípio primeiro para conseguirmos nos despir de certas amarras que historicamente nos envolvem.

3.4 INFLUÊNCIA SOCIAL

FIGURA 14 – INFLUÊNCIA SOCIAL

FONTE: Disponível em: <http://www.socialmib.com/>. Acesso em: 1 nov. 2011.

Como exposto por Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999), um dos fenômenos mais corriqueiros no relacionamento interpessoal e por isso um dos fenômenos mais estudados pela Psicologia Social é o da influência social. A todo momento estamos sendo influenciados pelos outros e sendo por eles influenciados, inclusive nossas atitudes, conceito explorado no tópico anterior, são em grande parte influenciadas pelas pessoas que estão a nossa volta.

Tal a importância da influência social para a Psicologia Social que, segundo Zadone (apud RODRIGUES; ASSMAR; JABLOSNKI, 1999, p. 179) a Psicologia Social pode ser caracterizada como “[...] o estudo da dependência e a interdependência entre as pessoas”. Em outras palavras, a Psicologia Social acaba por estudar exatamente isso, a influência recíproca entre as pessoas.

Em relação ao significado de influência social, podemos afirmar que está relacionado ao fato de uma pessoa induzir outra a um determinado comportamento. A diferença em relação a atitudes está no fato dela se referir a mudanças internas e não necessariamente comportamentais, como no caso da influência social.

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TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA

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Robert Cialdini (apud RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 1999), em sua monografia, apresentou uma série de táticas utilizadas para influenciar as pessoas. A seguir serão apresentadas algumas delas.

lTática ou técnica do “um pé na porta”: é comum vendedores oferecerem brindes para que possam apresentar seus produtos. Uma vez com “um pé na porta” buscam persuadir para vender determinado produto ou serviço. Essa tática torna o recebedor predisposto a aceitar bem o vendedor.

lTática ou técnica da “bola baixa”: aqui o persuasor começa solicitando algo que leve a uma fácil adesão para depois apresentar outras ações que a pessoa tenha dificuldade de recusar. Normalmente se omitem algumas informações essenciais para que essa técnica funcione.

lTática ou técnica da “porta na cara”: essa técnica consiste em fazer um pedido que provavelmente será negado (porta fechada na cara), para em seguida fazer o pedido realmente desejado, o qual é muito mais modesto do que o que foi rejeitado.

lContraste perceptivo: o contraste perceptivo é utilizado como tática de influência social quando, por exemplo, um vendedor mostra ao cliente vários produtos bastante inferiores, antes de mostrar o que realmente quer vender. Baseado nos inferiores, o produto que quer ser vendido acaba adquirindo características muito mais atraentes.

lReciprocidade: fazendo um favor a alguém acabamos nos autorizando a solicitar favor igual ou semelhante no futuro.

Ao nos referirmos à influência social, não podemos esquecer que as bases de poder se mostram com um alto potencial de influência social. São exemplos de tipo de bases de poder: o poder de recompensa (influência exercida pela capacidade do influenciador em administrar recompensas), poder de coerção (uso de sanções por A, caso B não atenda ao solicitado), poder de referência (as pessoas podem desempenhar papel de ponto de referência positiva ou negativa), poder de conhecimento (a influência depende do reconhecimento de que o influenciador tem mais conhecimento a respeito) etc.

O conteúdo anteriormente apresentado demonstra as inúmeras possibilidades de estudo em se tratando de influência social. No campo da interação social, o tema “influência social” é presente e mais do que isso, indispensável, dada a sua importância.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

3.5 PAPÉIS SOCIAIS

FIGURA 15 – REDES SOCIAIS

FONTE: Disponível em: <http://www.i9socialmedia.com/as-redes-sociais-e-a-sua-saude>. Acesso em: 1 nov. 2011.

O último conceito que veremos é o de papel social. Quando pensamos na sociedade como um todo, percebemos que ela pode ser entendida enquanto um conjunto de posições sociais (médico, professor, aluno, filho, pai etc.). Segundo Newcomb (apud CORNICK; SAVOIA, 1989, p. 51) “[...] papel social consiste de expectativas de comportamento, ou seja, como devemos nos portar de acordo com a função ou status que temos em um grupo social”. Denomina-se papel prescrito as expectativas de comportamento estabelecidas pelo conjunto social para os ocupantes de diferentes posições sociais. Os comportamentos desempenhados são chamados, pela Psicologia Social, de papel desempenhado. Tais comportamentos podem ou não estar de acordo com os papéis prescritos. Quando esses dois aspectos não coincidem, percebe-se que há um entrave no processo de interação social.

Desenvolvemos, em nossas vidas, simultaneamente, múltiplos papéis, sendo que eles se inter-relacionam e alguns acabam tendo menor e outros, maior importância. No processo de socialização, configuramos nosso conjunto de papéis. Munné (apud CORNICK; SAVOIA, 1989), para exemplificar como em nossas vidas podemos nos deparar com os conflitos de papéis, traz a seguinte situação: imaginemos um honrado e prestigiado militar, pai de família, além de jogador de golfe, vizinho, católico praticante etc. No caso do seu filho ser chamado para a guerra ele poderia usar sua influência e conseguir evitar esse fato a partir da convicção de que um pai deve proteger os filhos, no entanto seu senso de dever militar lhe prescreve outra coisa. Temos duas condutas contrárias (a prescrita pelo papel familiar de um lado, e a exigida pelo papel militar), nesse caso, prevalecerá

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TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA

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aquela que for dada maior importância pelo sujeito. Os diferentes papéis sociais que desempenhamos deixam clara nossa enorme plasticidade de nos adaptarmos a diferentes situações, comportando-nos de forma diferente em cada uma delas.

É importante termos consciência que, além dos papéis, também o status é nos ensinado pelo processo de socialização. O status é uma forma de imagem social que um indivíduo recebe de seus pares a partir de uma comparação social feita com os demais membros da sociedade. As fontes de status são diversas, como: sexo, raça, religião e, foco do nosso estudo, os papéis sociais assumidos. Comparando os dois conceitos, podemos dizer que papel se refere a comportamento, realização de ação, já status é o prestígio que se tem a partir do papel desempenhado.

Nos dias de hoje esse tema é mais do que atual, haja vista que se percebem mais do que nunca os chamados conflitos de papéis. Esses acabam podendo ser explicados por inúmeros fatores, dentre eles, a proliferação de papéis recentemente, a existência de inconsistência nos papéis, como no caso dos adolescentes que agem como crianças em determinadas situações e como adultos em outras, assim como a própria evolução dos papéis, como no caso do papel da mulher contemporânea (CORNICK; SAVOIA, 1989).

Encerramos, nesse momento, a apresentação da Psicologia social cognitiva, que se volta à compreensão do papel ativo do homem em reagir aos estímulos do meio, interpretando correta ou distorcidamente, antes de responder aos mesmos. Alvo de críticas contribuiu para que surgisse uma nova Psicologia Social e nessa entraremos em contato a seguir.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

LEITURA COMPLEMENTAR

PERCEPÇÃO E ESQUEMAS COGNITIVOS DA PESSOA

H. GleitmanD. Reisberg

J. Gross

Sempre que fazemos atribuições causais, vamos além das informações disponíveis aos nossos sentidos, preenchendo as lacunas com nossas expectativas. Isso é evidente no fato de que diferentes pessoas fazem diferentes atribuições para o mesmo comportamento, cada uma interpretando as evidências à sua maneira. Essa variação de um observador para outro deixa claro que a atribuição, na verdade, está no olho de quem vê, e não se baseia diretamente nos comportamentos que observamos.

As mesmas questões surgem quando consideramos o amplo processo pelo qual, dito de forma simples, tentamos entender outra pessoa, ou seja, perguntamos a nós mesmos: “Que tipo de pessoa ela é?”. Às vezes, fazemos essa pergunta ampla, porque estamos tentando obter uma sensação geral de como uma pessoa é – talvez porque estejamos avaliando a pessoa como uma possível colega de quarto, um possível amigo ou empregado. Porém, também podemos fazer a pergunta ampla como parte do processo atributivo (p. ex., “Por que ele está atrapalhado hoje? Será que ele sempre é atrapalhado?” Todavia, em todos os casos, fazemos essas avaliações gerais de modo que, mais uma vez, nos leva muito além das informações disponíveis, forçando-nos a usar todo tipo de atalhos e regras gerais em nossas interpretações.

FONTE: GLEITMAN, H.; REISBERG, D.; GROSS, J. Psicologia. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009, p. 472-473.

UNI

Segue um texto importante por tratar sobre “cognição”, elemento--chave para a compreensão do que é e dos objetivos da Psicologia social cognitiva.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, não se esqueça que:

lA Psicologia Social Cognitiva consiste no primeiro formato de Psicologia Social existente e é de base americana.

lA Psicologia Social Cognitiva é considerada uma espécie de Psicologia social psicológica por centrar seus estudos prioritariamente no indivíduo, em seus processos cognitivos, comportamentos e processos internos.

lSão inúmeras as questões da qual se ocupa a Psicologia Social Cognitiva, dentre elas se destacam os fenômenos da percepção ou cognição social, atitudes, preconceito, influência social e papéis sociais.

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1 A partir das questões apresentadas neste tópico, procure definir cognição, bem como alguns processos frequentemente estudados pela Psicologia Social cognitiva: percepção ou cognição social, atitudes, preconceito, influência social e papéis sociais.

AUTOATIVIDADE

DICAS

Para um aprofundamento destes temas, sugiro que você leia os seguintes livros:

EYSENCK, Michael W.; KEANE, Mark T. Manual de psicologia cognitiva. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.

LANE, Sívia T. M. (Org.); CODO, Wanderley (Org.); ANDREY, Alberto A.; NAFFAH NETO, Alfredo; CIAMPA, Antônio da C.; ...[et al.]. Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 2004.

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TÓPICO 4

A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

FIGURA 16 – PROCESSO GRUPAL E PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

FONTE: Disponível em: <http://psicologiaereflexao.wordpress.com/2011/03/07/identidade-processo-grupal-e-psicologia-socio-historica/>. Acesso em: 26 mar. 2012.

Para encerrar esta unidade, conheceremos a chamada nova Psicologia Social, que surge enquanto crítica à Psicologia Social Cognitiva ou Psicologia Social Norte-americana, que conhecemos no tópico anterior. Conhecida como Psicologia Sócio-histórica, ela propõe uma Psicologia Social distinta, com um objeto de estudo e um método de análise diferenciado, assim como prega um compromisso social até então inexistente. Essas e outras questões serão abordadas a seguir.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

2 A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA PSICOLOGIA SOCIAL

FIGURA 17 – DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO

FONTE: Disponível em: <http://insightsdapsicologia.blogspot.com/2010/12/desenvolvimento-psicologico-segundo.html>. Acesso em: 26 mar. 2012.

É fato que por muito tempo teve-se a hegemonia da Psicologia social cognitiva em todo o mundo, no entanto, a partir dos anos de 1960 são colocados em xeque muitos dos seus pressupostos, o que foi chamado de “crise de relevância da Psicologia Social”.

Vilela (2007) propõe-se a refletir sobre algumas questões, destacando duas, e que são centrais para compreendermos melhor esse momento específico: a que se refere essa crise? O que seria a tão falada relevância da Psicologia Social? Segundo o mesmo autor, as críticas se dirigem tanto à metodologia da Psicologia Social quanto às formas de teorização até então utilizadas.

Em relação a esses dois aspectos, questiona-se o método experimental, sobretudo pela artificialidade da situação experimental que, na maioria das vezes, não dá conta de simular as inúmeras variáveis que acabam estando presentes no dia a dia dos sujeitos pesquisados. Sobretudo em Psicologia Social, questiona-se o método experimental no sentido de, a partir dele, poderem ser feitas generalizações confiáveis. Em relação à relevância social, é afrontado o modelo estadunidense, que defende a chamada neutralidade e o afastamento da realidade social. Esse modelo ficou claro na Psicologia social cognitiva que acabou “virando as costas” para os problemas sociais que se colocavam nesse período e pouco comprometida com a transformação social.

O problema principal, nesse caso, seria a relevância social, a aplicabilidade da Psicologia às questões sociais emergentes. A partir dessa crítica, tem-se uma mudança de rumo e, pela primeira vez, passam a ser objeto de estudo não apenas determinados espaços físicos (clínica, indústria, escola), mas situações concretas de vida (relações de gênero, o jovem em conflito com a lei, a saúde do trabalhador etc.).

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TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

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Para Rosa e Andriani (2008), durante muito tempo a Psicologia Social esteve marcada por um caráter e uma tradição pragmáticos. Seus trabalhos se resumiam ao estudo das atitudes, sua mensuração e suas alterações, bem como a aspectos ligados ao funcionamento grupal. A crítica a essa tradição pragmática de base americana consistia principalmente no seu caráter ideológico e reprodutor de interesses da classe dominante, assim como ao embasamento positivista que, em nome da objetividade, acabou fazendo uma compreensão reduzida do ser humano, perdendo a dimensão da sua totalidade.

Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2002), as principais críticas em relação à Psicologia Social de base americana ou Psicologia Social Cognitiva podem ser resumidas nos seguintes pontos:

lÉ uma Psicologia Social que se apoia no método descritivo (a descrever aquilo que é observável) e, nesse sentido, volta-se a organizar e dar nome aos processos observáveis dos encontros sociais.

lÉ uma Psicologia Social que tem seu desenvolvimento diretamente ligado aos objetivos da sociedade norte-americana do pós-guerra, que necessitava de conhecimentos e instrumentos que garantissem o aumento da produtividade na intenção de recuperar a nação (comunicação persuasiva, mudança de atitudes, dinâmica grupal são exemplos de temas nesse período). Buscou-se, sobretudo, fórmulas de ajustamento e adequação de comportamentos individuais ao contexto social.

lÉ uma Psicologia Social que parte de uma noção reduzida do social. Esse é considerado basicamente a relação entre as pessoas, a interação social, e não como um conjunto de produções humanas que ao mesmo tempo que vão construindo a realidade social constroem também o indivíduo. Esse será o alicerce rumo à construção de uma nova Psicologia Social.

Com uma posição bem mais crítica em relação à realidade social e com o intuito de contribuir para a transformação da sociedade vem sendo desenvolvida uma nova Psicologia Social, buscando a superação dos limites apontados até então pela Psicologia Social Americana e se atendo a construir conhecimentos sobre a natureza social do fenômeno psíquico.

O comportamento humano deixa de ser o objeto de estudo para ser uma das expressões do mundo psíquico e uma fonte de dados importantes para a compreensão da subjetividade já que se encontra no nível empírico e pode ser observado. Entretanto, essa nova Psicologia Social pretende ir além do que é observável, buscando compreender o homem nos seus mais diversos aspectos e em constante movimento. Essa tendência na Psicologia Social é conhecida como Psicologia Sócio-histórica.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

ESTUDOS FUTUROS

Os principais conceitos da Psicologia Sócio-histórica serão apresentados na Unidade 3. São conceitos que servem para apreender o ser humano a partir desta perspectiva de análise.

FIGURA 18 – A PSICOLOGIA E O MUNDO

FONTE: Disponível em: <http://www.pedagogiaaopedaletra.com/posts/a-psicologia-e-o-mundo/>. Acesso em: 26 mar. 2012.

A Psicologia, como já deve ter ficado claro diante do que foi colocado até então, apresenta-se em constante movimento, isto é, a todo momento surgem novos conhecimentos na área e, mais do que isso, novas abordagens vão sendo construídas. Uma das abordagens mais recentes na Psicologia e que se torna referência para a Psicologia do Desenvolvimento, para a Educação e, nosso foco nesse momento, para a Psicologia Social, é a Psicologia Sócio-histórica.

Para Bock, Furtado e Teixeira (2002), a Psicologia Sócio-histórica é uma vertente teórica da Psicologia, que nasce no início do século XX na ex-União Soviética, embalada pela Revolução de 1917 e pela teoria marxista. Dentro dessa perspectiva, destaca-se o nome de Vygotsky (1896-1934) e seus principais seguidores: Luria (1902-1977) e Leontiev (1903-1979).

Vygotsky, por volta de 1924, mostra-se insatisfeito com as correntes psicológicas soviéticas e aponta uma crise mundial da Psicologia. Na tentativa de compreender o que é o homem e como se constrói sua subjetividade, permeado

3 A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

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TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

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pela dualidade objetividade versus subjetividade, mundo interno versus mundo externo, a compreensão das funções superiores por intermédio da psicologia animal e a concepção de desenvolvimento humano natural, essas funções seriam resultado de um processo de maturação. Essas e outras questões passam a ser superadas com a chamada teoria histórico-cultural de Vygotsky.

Vygotsky e seus seguidores buscaram construir uma Psicologia que superasse as tradições positivistas, estudando o homem e seu mundo psíquico como uma construção histórica e social da humanidade.

ESTUDOS FUTUROS

Na Unidade 2, no primeiro tópico, ao pensarmos o desenvolvimento humano na infância, teremos contato com mais afinco com a teoria Vigotskiana e seus pressupostos.

A contribuição marxista está no método, o chamado materialismo histórico e dialético. A produção de Karl Marx (1818-1883) está intimamente relacionada ao momento histórico em que viveu e construiu sua teoria. Ele presencia a ascensão e os inúmeros problemas sociais do capitalismo e acaba sendo o precursor do chamado socialismo científico.

IMPORTANTE

Diferente dos socialistas utópicos que sonhavam com uma sociedade ideal, mas não tinham clareza de como chegar nela, Karl Marx e seu parceiro Friedrich Engels acabaram sendo considerados pertencentes à outra categoria, a do socialismo científico, por sugerir o que deveria ser feito para se chegar à tão almejada sociedade igualitária.

A obra marxista constituiu-se em análises sociais, históricas, econômicas e políticas que buscaram alertar para o momento crítico em que, principalmente, a classe trabalhadora se encontrava e, em termos mais gerais, questionou o modo de produção capitalista.

Em síntese e muito apressadamente, pode-se dizer que para Marx a única forma de acabar com a estrutura capitalista seria a classe operária (os trabalhadores) conquistar o Estado, instaurando o que ele denomina de ditadura do proletariado (socialismo), para terminar com todo o resquício de burguesia

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

que existe e depois, finalmente, o Estado desapareceria. Chegaríamos, então, ao comunismo. O sonho comunista prevê uma sociedade na qual todos sejam iguais, não haja exploradores e explorados, oprimidos e opressores.

A partir do referencial marxista, fica claro que a Psicologia sócio-histórica pode ser caracterizada como uma Psicologia crítica e, nesse contexto, conceitos como alienação, ideologia e dominação acabam se tornando essenciais para a compreensão da subjetividade humana e de sua relação com a realidade social. Segundo Lane (1984, p. 15-16):

É dentro do materialismo histórico e da lógica dialética que vamos encontrar os pressupostos epistemológicos para a reconstrução e um conhecimento que atenda à realidade social e ao cotidiano de cada indivíduo e que permita uma intervenção efetiva na rede de relações sociais que define cada indivíduo – objeto da Psicologia Social.

UNI

Você deve estar se perguntando: qual o significado de materialismo histórico? Dialética? Vamos buscar responder essas questões a partir de agora.

A Psicologia Sócio-histórica fundamenta-se no marxismo e compartilha com o mesmo, o materialismo histórico e dialético, teoria e método. Por materialismo entendemos a defesa da ideia de que “[...] o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral”. (MARX, 1983, p. 24).

Falar da subjetividade humana é falar da objetividade em que vivem os homens. O termo histórico traz com ele a ideia de que os homens, interagindo para satisfazer suas necessidades, desencadeiam o processo histórico e que é algo dialético. Embora, dependendo do contexto, possa significar outras coisas, dialética se refere a movimento, a contradições e a transformações as quais a sociedade e as pessoas estão submetidas, a partir do momento em que nos construímos historicamente.

Em síntese, o materialismo histórico e dialético traz consigo a concepção do homem como ativo, social e histórico. Ter claro esse método é essencial para entendermos melhor as proposições teóricas e metodológicas da Psicologia Sócio-histórica.

Se a Psicologia Social Cognitiva é considerada uma forma de Psicologia Social Psicológica (como colocado no tópico anterior), a Psicologia Sócio-histórica é considerada uma Psicologia Social Sociológica. O que isso quer dizer? Ela se preocupa menos com as condutas particulares e mais com a interação social, os processos situacionais e a relação da estrutura social com os indivíduos.

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TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

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A Psicologia Sócio-histórica pode ser considerada, então, uma espécie de Psicologia Social Sociológica por não conseguir compreender o homem a partir dele mesmo. Falar do fenômeno psicológico é obrigatoriamente falar da sociedade. Ela se volta à compreensão do “macro”, do que está ao seu redor, e por isso se aproxima da Sociologia ao apreender a sociedade em que o homem está inserido, complexificando algo que a Psicologia simplificou ao buscar, por exemplo, fazer uma relação direta entre causa e efeito. Para a Psicologia Sócio-histórica o homem é multideterminado, constituído nas suas relações sociais e de forma menos sistemática do que foi pensado até então.

Como afirmam Rosa e Andriani (2008), a Psicologia Sócio-histórica fundamenta-se basicamente na concepção de homem como um ser histórico-social. Ele não nasce formado ou possuindo uma essência pronta e imutável; ao contrário, ele se constrói como homem a partir das relações que estabelece com o meio e com os outros homens em um processo dialético.

O homem, ao nascer, é candidato à humanidade, no entanto, a adquire no processo de apropriação do mundo. Através das atividades que desenvolve e das relações que estabelece torna-se homem e se individualiza. Nesse processo a linguagem acaba sendo um instrumento fundamental. Juntamente com a atividade, é através dela que o homem desenvolve o seu pensamento, o pensamento objetiva-se, permitindo a comunicação, bem como o desenvolvimento humano.

A compreensão do “mundo interno” exige a compreensão do “mundo externo”, visto que são dois aspectos de um mesmo movimento, de um processo no qual o homem atua e constrói/modifica e, por sua vez, interfere na constituição psicológica do homem. Subjetividade e objetividade se constituem uma à outra. O homem é, portanto, um ser ativo, histórico e social. É essa sua condição humana. O homem constrói sua existência a partir de sua ação sobre a realidade. Seu desenvolvimento se dá na relação com os outros homens, através do contato com a cultura e das atividades que realiza.

É importante ressaltar o fato de não nos constituirmos a partir de uma absorção imediata do meio, mas por um processo de subjetivação da realidade que nos torna únicos. Nesse processo de subjetivação o mundo objetivo é convertido em subjetivo. O psiquismo constrói-se pela transformação do plano social em plano psicológico, a partir das significações que damos para as coisas. É chamado de sentido pessoal essa forma bastante particular de interpretarmos e lidarmos com o que está à nossa volta.

ESTUDOS FUTUROS

Relacionado ao conceito de sentido pessoal temos algumas categoriasfundamentais estudadas pela Psicologia Sócio-histórica como identidade, consciência esubjetividade. Essas categorias serão abordadas na Unidade 3.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

Diante dessa perspectiva, a construção do psiquismo humano está diretamente ligada à relação desse sujeito com a realidade, se constitui em um contexto social, histórico e cultural. Por cada um ter uma história particular, isso justifica o fato de cada um significar suas relações de um modo bastante peculiar, dando um sentido pessoal, único e singular que a Psicologia Sócio-histórica não nega.

Em síntese, é possível afirmar que a Psicologia Sócio-histórica se interessa em compreender as atividades do homem vinculadas às suas significações. Ambas irão constituir o psiquismo humano e é a partir dessa compreensão que sua preocupação consiste na transformação da atuação e das relações desse ser humano em seu meio. Para a Psicologia Sócio-histórica, a Psicologia não foi capaz de, ao falar do fenômeno psicológico, falar da vida, das condições econômicas, sociais e culturais nas quais se inserem os homens. Como afirma Bock (2007, p. 25):

A Psicologia tem, ao contrário, contribuído significativamente para ocultar essas contradições. Fala-se da mãe e do pai sem falar da família como instituição social marcada historicamente pela apropriação dos sujeitos; fala-se da sexualidade sem falar da tradição judaico-cristã de repressão à sexualidade; fala-se da identidade das mulheres sem se falar das características machistas de nossa cultura; fala-se do corpo sem inseri-lo na cultura; fala-se de habilidade e aptidões de um sujeito sem se falar das suas reais possibilidades de acesso à cultura; fala-se do homem sem falar do trabalho; fala-se do psicológico sem falar do cultural e do social.

A partir dessa constatação é que a Psicologia Sócio-histórica propõe redefinir o fenômeno psicológico. O mundo social e o mundo psicológico caminham juntos. Para compreender o mundo psicológico, a Psicologia terá, obrigatoriamente, de se aproximar da realidade social na qual o fenômeno psicológico se constrói. Por outro lado, ao estudar o mundo psicológico, estará contribuindo para a compreensão do mundo social.

A Psicologia Sócio-histórica, nascida na ex-União Soviética, com os trabalhos de Vygotsky, Luria e Leontiev, posteriormente passou a ser estudada em outros países. Na América Latina, mais especificamente no Brasil, gradativamente acabou sendo incorporada à Psicologia Social, voltando-se para a realização de trabalhos comunitários e teve como principal incentivadora a professora Dra. Silvia Lane, que se colocou à frente desde movimento com produções guiadas pelos pressupostos marxistas. A contribuição dos trabalhos desenvolvidos pela PUC/SP são de suma importância para a consolidação da Psicologia Sócio-histórica no Brasil. Se revela crítica, posicionada e sua forma de pensar a realidade e o mundo psicológico demonstram isso. Mais do que um reflexo, para a Psicologia Sócio-histórica essa é uma necessidade, ela pode e deve ser utilizada para a construção de uma sociedade mais justa, uma Psicologia que responda às reais necessidades de nossa população e de nossa realidade.

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TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

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4 A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

FIGURA 19 – A PSICOLOGIA NO CINEMA

Disponível em: <http://cinemaconsciencia.blogspot.com/2009/06/psicologia-no-cinema-i.html>. Acesso em: 26 mar. 2012.

É por volta de meados da década de 60 que, no Brasil, a Psicologia coloca em prática muitas de suas teorias e métodos em comunidades de baixa renda, com dois objetivos principais. De um lado pretende deselitizar a profissão e, de outro, contribuir para a melhoria das condições de vida da população trabalhadora. Bairros populares, favelas, associações de bairro, movimentos populares, dentre outros espaços, passam a fazer parte do cotidiano de uma Psicologia crítica e comprometida socialmente.

Frente à Psicologia Social tradicional, preocupada com o estudo de grupos, atitudes, estereótipo, etc., e sem a preocupação de os vincular ao contexto histórico-cultural, surge um movimento alternativo questionando esta postura e concepção. Surgem novos conceitos e categorias de análise, dentre elas: mudança social, ideologia, alienação, representação social, identidade social, empoderamento, atividade, consciência crítica, conscientização etc.

Se nos Estados Unidos a Psicologia Comunitária originou-se principalmente como negação ao modelo médico tradicional, sobretudo em contraposição à concepção acerca da saúde mental comunitária, na América Latina surgiu da problematização e da crítica à própria Psicologia Social. Claro que o contexto socioeconômico da América do Sul, carregado do peso de uma longa histórica de colonização, de governos autoritários, de exploração e de miséria, justifica as diretrizes da Psicologia Comunitária latino-americana. Surgem nesse momento indagações do tipo: que conhecimentos socialmente relevantes temos produzido? Que tipo de compromisso temos assumido e que alianças temos estabelecido? Estas e outras questões colocam em xeque a contribuição da Psicologia na perspectiva da construção de relações mais justas e dignas. A insatisfação com as péssimas condições de vários setores da população, bem como um contexto patológico de submissão e exploração, deixam clara a necessidade de se promover a mudança social.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

Segundo Campos (2008), a perspectiva da Psicologia Social Comunitária evidencia vários problemas da Psicologia tradicional, e contribuindo para a solução ao enfatizar:

• Em termos teóricos, a problematização da relação entre produção teórica e aplicação do conhecimento ao partir do pressuposto de que o conhecimento se produz na interação entre profissional e os sujeitos da investigação. É uma Psicologia próxima da realidade, muito diferente do que era feito até então;

• Em termos de metodologia, utiliza-se sobretudo de pesquisa participante, onde o pesquisador e os sujeitos da pesquisa trabalham juntos na busca de explicações e soluções para os problemas colocados;

• Em termos de valores, os trabalhos de psicologia comunitária enfatizam a ética da solidariedade, os direitos humanos fundamentais e a busca incessante da melhoria da qualidade de vida da população-alvo.

Vasconcelos (1985) apresenta um quadro comparativo na tentativa de sistematizar as diferenças entre a Psicologia Tradicional e a Psicologia Comunitária.

QUADRO 5 – SISTEMATIZAÇÃO COMPARATIVA ENTRE A PSICOLOGIA TRADICIONAL E A PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

Psicologia Tradicional Psicologia Comunitária1. As abordagens enfatizam o enfoque do psicólogo como esfera predominantemente independente do social. As análises são essencialmente unidiscipl inares , e o trabalho realizado é predominantemente uniprofissional.

1. As divisões do saber são fruto da história das instituições acadêmicas e profissionais. A realidade se apresenta como uma integração dos aspectos orgânicos, psíquicos e sociais. A abordagem é interdisciplinar, e o trabalho é feito em equipes multiprofissionais.

2. Enfatiza a abordagem individual do psíquico. 2. A ênfase está nas pessoas enquanto seres sociais, onde o conteúdo psicológico tem conotações também institucionais, sociais, culturais e políticas, e vice-versa.

3. A abordagem é desarticulada de uma visão mais ampla do social e, muitas vezes, pretende-se neutra com relação aos problemas sociais.

3. É uma abordagem articulada a uma visão totalizante do social e busca a explicitação de um compromisso político e social.

4. A prática desenvolvida é dirigida prioritariamente para os grupos sociais mais privilegiados, tanto do ponto de vista econômico quanto cultural.

4. A prioridade básica são as classes populares, ainda sem acesso a serviços básicos de saúde mental.

5 . N a s f a c u l d a d e s , a f o r m a ç ã o é predominantemente teórica, intramuros, e desvinculada da prática.

5. A formação só é coerente se baseada na prática concreta no campo social, com reflexão teórica e pesquisas concomitantes.

6. As técnicas são predominantemente curativas.

6. Integração de recursos curativos e preventivos, com ênfase na prevenção.

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TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

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7. A teorização e o conjunto de técnicas são dirigidos principalmente para consultórios, hospitais e gabinetes separados da vida social, e em locais concentrados nas áreas dos grandes centros urbanos.

7. Teorização e técnicas são dirigidas para situações institucionalizadas e de campo, junto aos locais de trabalho e moradia da população, proporcionando maior acessibilidade e coerência com a realidade vivida por ela.

8. A prática profissional é altamente especializada por técnicas de trabalho (principalmente na clínica). A clientela se adapta ao esquema teórico e técnico do profissional. Raramente se buscam práticas alternativas.

8. Formam-se profissionais mais generalistas, envolvidos com faixa mais ampla de técnicas e práticas adequáveis à variedade de situações sociais. Há uma busca constante de pesquisa e sistematização de práticas alternativas.

9. A prática predominante exige sempre a presença do profissional, e é mantenedora do monopólio do saber profissional. O lugar do poder é fixo e constantemente centrado no profissional.

9. O profissional atua primordialmente como assessor, transmissor de habilidades e treinador de agentes de saúde mental. O objetivo é a desmonopolização gradativa do saber, com a integração da saúde mental na vida cotidiana e na cultura do povo. O lugar do poder é alternado e distribuído.

10. A abordagem não reconhece o conhecimento difuso e as práticas informais populares em saúde mental.

10. Há um reconhecimento e busca de constante coaprendizagem com o saber e as práticas autônomas da população que têm implicações ou que são diretamente ligadas à saúde mental.

11. As práticas têm alto nível de especialização e sofisticação. A formação é longa, demorada, de alto custo, que é repassado aos serviços, e daí sua elitização.

11. Propõe-se pesquisa e síntese de práticas mais simplificadas, apropriadas às condições sociais e culturais populares. Um dos objetivos básicos é a extensão da cobertura com manutenção da qualidade.

12. As práticas são planejadas e executadas pelo profissional sem qualquer participação da clientela.

12. Busca-se efetiva participação da clientela na definição das prioridades de atuação, planejamento, execução e avaliação das atividades. Ou seja, participação comunitária efetiva.

13. A ação do psicólogo é restrita aos consultórios, seções de contato ou trabalho na escola ou empresa.

13. A ação do psicólogo envolve também o conhecimento da saúde pública, a administração, gestão e supervisão dos serviços. Assim, as técnicas em Psicologia comunitária são de três tipos: a) técnicas ligadas diretamente à intervenção em saúde mental com a clientela; b) técnicas voltadas ao treinamento de pessoal para atuar em saúde mental; c) técnicas administrativas e de gestão dos serviços em saúde mental.

FONTE: Vasconcelos (1985, p. 38-42)

Este quadro sintetiza a Psicologia Comunitária enquanto uma perspectiva crítica e com um campo de atuação ampliado. No Brasil a principal representante desta corrente é Sílvia Lane, que com outros autores trouxe à tona um enfoque sociopolítico para a Psicologia. Com a criação da Associação Brasileira de Psicologia Social – ABRAPSO – em julho de 1980, pela autora, surge um espaço de discussão importante em Psicologia Social/Psicologia Social Comunitária.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

A Psicologia Comunitária pode ser definida, de forma bastante simplificada, como um campo da Psicologia social que se propõe a contribuir para a resolução dos problemas sociais no lugar dos problemas particulares de cada indivíduo. Segundo Góis (2004), a Psicologia Social Comunitária está centrada em dois grandes modelos: o do desenvolvimento humano e o da mudança social (busca de alternativas sociopolíticas). Nos dois modelos está presente o reconhecimento da capacidade do indivíduo e da própria comunidade de serem responsáveis por suas vidas, mesmo que para isso seja necessária a existência de uma facilitação social alcançada na ação local e na conscientização.

NOTA

Um pressuposto básico da Psicologia Social Comunitária é que entre sujeito e realidade não existiria uma separação radical. Não se tratam de entidades separadas e independentes. Fazem parte de uma mesma dimensão onde há uma relação de mútua influência. O sujeito constrói uma realidade que, por sua vez, o transforma.

Para Góis (2004), a Psicologia Social Comunitária estuda o modo de vida da comunidade e como esta se apresenta no imaginário dos seus moradores, sem perder de vista a importância de compreender as necessidades dos mesmos. Ela tem como foco as condições psicossociais da vida da comunidade, sobretudo aquelas que impedem os moradores de se construírem como sujeitos de sua comunidade. O objetivo central é contribuir para que os moradores se tornem responsáveis por sua história e pela história da comunidade, ao serem capazes de transformá-la em seu próprio benefício e no de toda a coletividade. Tem-se a efetivação de moradores-sujeitos.

O que tem se observado é que o papel da Psicologia Social Comunitária primordialmente tem sido o de educar e o de politizar. Para Freitas (2003), é o educar relacionado a um forte compromisso coletivo expresso em valores como solidariedade, dignidade, justiça e sem tolerância a qualquer tipo de preconceito, e o politizar ligado às diferentes possibilidades de ação cotidiana e ao processo de conscientização. Nesse caso, o grande objetivo passa a ser contribuir para a construção de sujeitos coletivos, atores da transformação social. A partir desta vertente crítica é possível afirmar que os maiores objetivos da área são:

a) O desenvolvimento dos moradores enquanto sujeitos da comunidade (potenciação, empoderamento e desenvolvimento humano);

b) O desenvolvimento da comunidade como instância ativa do poder local, da autossustentabilidade e do crescimento endógeno do lugar, município ou região;

c) A construção da Psicologia Comunitária dentro do encaixe teoria-prática-compromisso social. (GÓIS, 2004, p. 146-147).

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TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

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Bonfim (apud CAMPOS, 2008), ao analisar a situação da Psicologia social no Brasil, afirma que as atividades, em sua grande maioria, resumem-se a atuações em equipes multidisciplinares que agem a partir das demandas locais. As estratégias de ação detectadas consistiram em reuniões com moradores para análise das necessidades e possíveis soluções. Nesse sentido, a Psicologia Social acaba tendo uma função primordialmente analítica-facilitadora.

O fato é que a Psicologia Comunitária tem se consolidado como uma importante área da Psicologia Social. Desenvolve-se no interior da Psicologia Social e, de acordo com Góis (2004), responde com bastante especificidade às questões psicossociais decorrentes da vida comunitária, às ações interdisciplinares de desenvolvimento comunitário e desenvolvimento local (trabalho e renda, saúde, educação, assistência social, ação política, ação cultural, urbanização, organização da comunidade, planejamento social, orçamento participativo e outros) e à necessidade de um novo olhar da Psicologia.

Vale ressaltar que as possibilidades de atuação são gigantescas. Muita coisa foi feita, mas muito há de se fazer. Freitas (2003, p. 84-85) busca sintetizar as variadas práticas possíveis e com características bastante distintas. Segundo ela:

a) Dirigem-se aos mais diversos segmentos da população (como bairros; cortiços; favelas; mangues; alagados; diferentes grupos populares, civis, religiosos; diversos movimentos populares; segmentos ou setores de entidades civis, profissionais, comunitárias; comissões e/ou fóruns em educação, saúde, direitos humanos; entre outros).

b) Localizam o objeto de investigação e/ou ação dentro de um enquadre teórico diversificado (indo do individual, passando pelo familiar, por pequenos grupos, até organizações e movimentos comunitários e/ou populares de dimensões maiores).

c) Selecionam algum tema como central e prioritário em suas proposições (provenientes da área da saúde, educação, trabalho; relações comunitárias e organizativas; direitos humanos, violência e cidadania; formação profissional; qualidade de vida; relações de exclusão e inclusão social; emprego, desemprego e falta de perspectiva de vida, entre outros).

d) Empregam aportes teórico-metodológicos diferentes e, em algumas ocasiões, antagônicos entre si (podem se distribuir em um continuum em que em um dos polos há a adoção de referenciais mais objetivistas, quantitativos e supostamente imparciais, e no outro extremo há, somente, a adoção de perspectivas analíticas qualitativas e participativas, excluindo qualquer tipo de recurso e/ou material quantitativo.

e) Estabelecem um tipo de relação de conhecimento entre o profissional e a comunidade que imprime rumos para o trabalho desenvolvido (o foco da decisão recai em um dos polos da relação ou na síntese de ambos).

O que se percebe é que a possibilidade de práticas em Psicologia Comunitária é bastante ampla. Por esta razão teria sentido falar que existem várias psicologias (sociais) comunitárias.

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UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO

IMPORTANTE

Diante da enorme gama de possibilidades de atuação da Psicologia Social Comunitária, um cuidado deve ser tomado: o de não achar que todo o trabalho realizado nas comunidades necessariamente está atrelado à Psicologia Social Comunitária. Esta leitura revela-se bastante simplista e pouco rigorosa.

Em se tratando de Brasil, é evidente que a Psicologia Social Comunitária se desenvolve em terreno fértil, haja visto que o contexto socioeconômico brasileiro e seus contrastes justificam sua ação. Independente de questões ideológicas que, querendo ou não, nos levam a diferentes soluções na sociedade na qual estamos inseridos, o mais importante parece ser colocar na pauta da discussão temas que até pouco tempo atrás eram negligenciados. Se o sentido último da Psicologia Comunitária é contribuir para que tenhamos cada vez mais cidadãos, o que é consenso é que ainda hoje uma parcela significativa da população ainda não conseguiu atingir esse status.

UNI

Nas linhas a seguir há um texto que pretende diferenciar a nova Psicologia Social da Psicologia Social descrita no tópico anterior. Atente-se às diferenças!

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TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

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LEITURA COMPLEMENTAR

UMA ÚLTIMA QUESTÃO

A. M. B BockO. Furtado

M. de L. T. Teixeira

Que diferença há entre essa nova Psicologia Social e aquela do início do capítulo?

Há muitas diferenças. A do início do capítulo é uma Psicologia descritiva. Procura organizar e dar nome aos processos observáveis que ocorrem nas interações sociais. A nova proposta busca ser explicativa ou compreensiva. Deseja-se explicar/compreender a relação que o indivíduo mantém com a sociedade e os processos subjetivos que vão ocorrendo nessa relação.

Outro aspecto bastante significativo, que merece destaque nessa diferenciação, é a maneira de conceber o homem. A Psicologia social tradicional pensa o homem como um ser que reage às estimulações externas, atribui-lhes significado e se comporta. O homem é um ser no espaço social. A nova Psicologia Social o concebe como um ser de natureza social. O homem é um ser social, que constrói a si próprio, ao mesmo tempo que constrói, com os outros homens, a sociedade e sua história.

A nova Psicologia Social desvincula-se da tradição norte-americana de ciência pragmática, com intenções de prever o comportamento e manipulá-lo, optando por uma ciência que, ao melhorar a compreensão que se tem da realidade social e humana, permita ao homem transformá-la. Assim, é um conhecimento que se busca produzir para ser divulgado, distribuído, discutido por um número maior de pessoas, extrapolando os muros das universidades. Esses aspectos são muito importantes, porque abrem a possibilidade para uma ciência comprometida com a transformação, abandonando de vez os modelos de ciência que servem para justificar a desumanidade existente em nossa sociedade, por considerar naturais todas as desigualdades e formas de exploração.

Essa nova Psicologia Social permite que se compreenda o que acontece conosco na sociedade brasileira, pois ela parte dessa realidade para compreender os elementos do mundo interno que estão sendo construídos: como estamos representando a juventude ou infância? Como estamos representando a nossa sexualidade? Nosso trabalho? Quem somos nós, os brasileiros? Para responder a questões como essas, a Psicologia Social vai recorrer aos conceitos de atividade, consciência e identidade, promovendo um estudo sobre o fazer, o pensar e o agir dos homens em nossa sociedade, e será a articulação entre esses elementos que permitirá a resposta à questão.

FONTE: Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 146)

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, dentre outras questões, lembre-se de que:

lA chamada “crise da relevância da Psicologia social” consistiu na afronta ao modelo estadunidense de Psicologia Social que defendia a neutralidade da Psicologia e, por consequência, o afastamento da realidade social.

lA Psicologia Sócio-histórica é uma vertente teórica da Psicologia, que nasce no início do século XX na ex-União Soviética, embalada pela Revolução de 1917 e pela teoria marxista. Por essa razão é considerada uma perspectiva crítica em Psicologia.

lDiferente da Psicologia Social Cognitiva, a Psicologia Sócio-histórica é considerada uma Psicologia Social Sociológica, ou seja, se preocupa menos com as condutas particulares das pessoas e mais com a interação social, os processos situacionais e a relação da estrutura social com os indivíduos.

lA Psicologia Sócio-histórica fundamenta-se basicamente na concepção de homem como um ser histórico-social. Falar da subjetividade é falar da objetividade em que vivem os homens. Para compreender o mundo psicológico, a Psicologia terá obrigatoriamente de se aproximar da realidade social na qual o fenômeno psicológico se constrói.

lVinculada fundamentalmente à Psicologia Sócio-histórica, a Psicologia Comunitária caracteriza-se como a formalização de um novo paradigma de prática profissional do psicólogo.

DICAS

Para conhecer melhor a Psicologia Sócio-histórica e desvendar os principais dilemas ligados a ela, consulte o livro “Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia”, organizado por Bock, Gonçalves e Furtado (São Paulo: Cortez, 2007).

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AUTOATIVIDADE

1 A partir da leitura desse tópico, faça dois exercícios: o primeiro consiste em diferenciar a Psicologia Social Tradicional da dita “nova Psicologia Social”. Quais as divergências fundamentais? O segundo exercício facilitará a compreensão das noções básicas trazidas neste tópico a respeito da Psicologia Sócio-histórica. Busque refletir a respeito do que sente, pensa e age, identificando em seu mundo social, os espaços nos quais essas formas se fazem presentes. Feito isso, você conseguirá identificar a matéria-prima da sua forma particular de ser.

DICAS

Para um aprofundamento destes temas, sugiro que você leia o seguinte livro:Este livro se destina a psicólogos, estudantes de Psicologia e interessados no debate da construção social do indivíduo e de sua subjetividade. Os temas e questões que estão aqui apresentados são fruto da construção coletiva da equipe de Psicologia Sócio-Histórica da Faculdade de Psicologia da PUC de São Paulo. A psicologia sócio-histórica vem se desenvolvendo, no Brasil, nos últimos 20 anos e tem suas raízes na obra de pensadores russos como Vygotsky, Luria, Leontiev e outros. Esta obra pretende ser introdutória na Psicologia Sócio-Histórica, trazendo os fundamentos teóricos da abordagem, assim como a discussão metodológica e o debate sobre a prática a partir dessa perspectiva.

BOCK, Ana M. M. B.; GONÇALVES, Graça M.; FURTADO, Odair. Psicologia sócio-histórica. São Paulo: Cortez, 2001.

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UNIDADE 2

DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• conceituar desenvolvimento humano;

• analisar e refletir sobre as diferentes etapas do desenvolvimento humano.

A Unidade 2 está dividida em cinco tópicos. Ao final de cada um deles, você terá a oportunidade de fixar seus conhecimentos realizando as atividades propostas.

TÓPICO 1 – O LUGAR DO OUTRO NO DESENVOLVIMENTO HUMANO

TÓPICO 2 – INFÂNCIA

TÓPICO 3 – ADOLESCÊNCIA

TÓPICO 4 – IDADE ADULTA E VELHICE

TÓPICO 5 – COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL E PRÓ-SOCIAL

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TÓPICO 1

O LUGAR DO OUTRO NO DESENVOLVIMENTO HUMANO

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico será apresentada a possibilidade de interface entre a Psicologia do Desenvolvimento e a Psicologia Social, ou melhor, do estudo do desenvolvimento humano a partir de um enfoque psicossocial, enfoque este que norteará toda a unidade. Existem inúmeras teorias psicológicas a respeito do desenvolvimento humano, entretanto, a grande distinção entre elas se dá no privilégio de alguns fatores de influência em detrimento de outros. No caso da Psicologia Social, seu olhar se volta para a importância dada ao estudo do outro, para compreendermos o que somos e como nos constituímos. Esta possibilidade será apresentada a seguir.

2 DESENVOLVIMENTO HUMANO: PRINCÍPIOS GERAIS

Falar em desenvolvimento humano é, sem dúvida, desafiador, intrigante e nos faz buscar respostas para várias perguntas, como: Por que os seres humanos são, em alguns aspectos, tão semelhantes e, ao mesmo tempo, tão diferentes? Por que algumas pessoas são tão amigáveis e extrovertidas, enquanto outras são tímidas e introvertidas? O ambiente familiar influencia na personalidade? Se sim, por que as crianças de uma mesma família são frequentemente tão diferentes umas das outras? Essas e outras questões nos remetem indiscutivelmente à Psicologia, mais especificamente, à Psicologia do desenvolvimento humano, área da Psicologia que busca responder estas e outras perguntas.

Para Shaffer (2005), desenvolvimento se refere a continuidades sistemáticas e mudanças ocorridas no ser humano, que vão desde a concepção até a morte. O termo sistemáticas é empregado devido ao fato de estas mudanças serem, de certa forma, padronizadas e até previsíveis. O campo do desenvolvimento humano se volta a estas mudanças estáveis, não se atendo a mudanças ocasionais de humor, pensamentos e comportamentos, que seriam alterações momentâneas e muito pouco sistemáticas. Se desenvolvimento representa a continuidade e as mudanças que um indivíduo sofre “do berço ao túmulo”, a Psicologia do desenvolvimento é exatamente o estudo deste fenômeno.

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UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL

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Ao nos referirmos ao desenvolvimento, é quase que consenso a importância dada a dois processos subjacentes ao mesmo: maturação e aprendizagem. A maturação corresponde ao desenvolvimento biológico, fruto de um plano contido no código genético, material hereditário passado de pai para filho ou de geração para geração.

O processo maturacional humano nos torna capazes de andar por volta de 1 ano de idade, atingir a maturidade sexual entre os 11 e 15 anos, até envelhercermos e morrermos. Pelo fato de o cérebro passar por muitas mudanças maturacionais, a maturação é, em parte, sem dúvida, responsável por mudanças psicológicas, como a capacidade de concentração, resolução de problemas etc. Já a aprendizagem está relacionada ao processo pelo qual nossas experiências produzem mudanças relativamente constantes em nossos sentimentos, pensamentos e comportamentos.

No que diz respeito à relação entre essas duas esferas, é possível afirmarmos que, embora certo grau de maturação física seja necessária para que uma criança possa tocar um instrumento musical, horas de prática e a devida instrução serão essenciais para que em algum momento ela possa ser extremamente habilidosa neste quesito. Desta forma, grande parte das mudanças no desenvolvimento são resultado da relação entre maturação e aprendizagem. Hoje, raros estudiosos desmerecem qualquer uma dessas instâncias. A grande divergência, no entanto, reside em qual a porcentagem de importância de cada uma dessas instâncias no processo de desenvolvimento.

A Psicologia Genética e a Psicologia Evolucionista, por exemplo, ressaltam o que trazemos de inato para explicar o comportamento humano, enquanto a Psicologia Social ressalta o que aprendemos e o contexto histórico-cultural em que estamos inseridos.

Para Bock, Furtado e Teixeira (2002), vários fatores indissociados e em constante interação afetam todos os aspectos do desenvolvimento. São eles:

lHereditariedade: carga genética de cada um, que estabelece nosso potencial, podendo ou não se desenvolver. De nada adianta alguém ter uma certa aptidão inata para ser músico, por exemplo, se nunca tiver contato com um instrumento musical. Neste caso, este sujeito não saberá disso e nunca exercitará esta facilidade. É chamado de gatilho ambiental a situação ambiental que aciona qualquer predisposição que temos.

lCrescimento orgânico: diz respeito ao aspecto físico. O aumento da altura e a estabilização do esqueleto, por exemplo, permitem, ao indivíduo, comportamentos e uma relação com o mundo que até então eram impossíveis de serem imaginados.

lMaturação neurofisiológica: refere-se ao desenvolvimento neurológico, o que é condição para a aquisição de determinado padrão de comportamento. A alfabetização é um exemplo disso. Para segurar o lápis e manejá-lo, é necessário à criança uma maturação neurológica, que uma criança de 2 ou 3 anos não tem.

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TÓPICO 1 | O LUGAR DO OUTRO NO DESENVOLVIMENTO HUMANO

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lMeio: falar de meio é falar do conjunto de influências ambientais que interferem significativamente nos padrões de comportamento do indivíduo. Como exemplo, podemos imaginar uma criança de 3 anos. Se a estimulação verbal for bastante intensa, ela pode adquirir um repertório verbal muito maior do que a média das outras crianças de sua idade. Por outro lado, isso não garantirá que ela desça e suba uma escada com facilidades, pois esta situação pode não ter feito parte da sua rotina diária.

Em se tratando de Psicologia Social, é óbvio que ela acaba por privilegiar o último aspecto citado: o meio. Isso não significa que ela não considere os demais aspectos, mas que ela se atenha ao último por considerá-lo fundamental e, por isso, digno de ser estudado com maior ênfase.

Antigamente, era comum o fato de os estudiosos do desenvolvimento se agruparem em grupos distintos: (1) aqueles que estudavam o crescimento e desenvolvimento físico; (2) aqueles que estudavam os aspectos cognitivos, incluindo percepção, linguagem, aprendizagem e pensamento; e (3) aqueles que se concentravam nos aspectos psicossociais, emoções, personalidade e relações interpessoais. Hoje, está claro que essa classificação acaba sendo equivocada, já que mudanças em um aspecto do desenvolvimento acabam por interferir e ter implicações nos outros aspectos.

Desta forma, quando falamos em desenvolvimento humano, falamos do desenvolvimento em todos os seus aspectos: físico-motor, intelectual, afetivo-emocional e social; aspectos que sofrem alterações do nascimento até a nossa morte. Todas as teorias do desenvolvimento compartilham do pressuposto de que esses quatro aspectos são indissociados, no entanto, elas podem enfatizar aspectos diferentes, isto é, estudar o desenvolvimento a partir da ênfase em um desses aspectos. A psicanálise, por exemplo, estuda o desenvolvimento a partir do aspecto afetivo-emocional (desenvolvimento da sexualidade), Jean Piaget enfatiza o desenvolvimento intelectual etc.

O que parece ser consenso é que existem características um tanto semelhantes em cada período do desenvolvimento e que nós temos ideias de como as pessoas são em diferentes idades. As crianças de dois anos têm reputação de “terríveis”, os adolescentes de “problemáticos”, estudantes universitários de idealistas etc. Estas representações sociais revelam que é possível afirmarmos que existem em cada idade características que, na maioria das vezes, estão presentes.

Não podemos esquecer, no entanto, que o curso “normal” do desenvolvimento mudou drasticamente em questão de décadas, isso muito em decorrência das gigantes transformações societárias presentes nos últimos tempos. O quadro a seguir traz uma possibilidade de nomenclatura das fases do desenvolvimento humano. Vale ressaltar que há divergência entre os teóricos do desenvolvimento e algumas vezes se percebem discrepâncias significativas entre um autor e outro, no que se refere ao início e término de cada fase.

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QUADRO 6 – UMA VISÃO CRONOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Uma visão cronológica do desenvolvimento humanoPeríodo de vida Idade aproximada

Período pré-natal Concepção ao nascimentoInfância Primeiros dois anos de vida

Período pré-escolar Dos 2 aos 6 anos de idadeMeninice Dos 6 aos 12 anos aproximadamente

Adolescência Dos 12 aos 20 anosAdulto jovem Dos 20 aos 40 anos

Meia-idade Dos 40 aos 65 anosVelhice A partir dos 65 anos

FONTE: SHAFFER, D. R. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.

Então, desenvolvimento humano trata-se de um processo contínuo e a relevância de seu estudo está no fato de podermos ter acesso às características de cada etapa de nossas vidas, nos permitindo prevermos e compreendermos os comportamentos típicos em cada faixa etária. Tem-se, desta forma, a emergência do termo “ciclo de vida”, presente no estudo do desenvolvimento e relacionado à sucessão de estágios, padrões de mudanças ocorridas ao longo da vida. Erik Erikson (psicanalista alemão) consagrou o uso do termo na Psicologia, quando o utilizou em sua teoria do desenvolvimento, definida por ele como epigenética, palavra que etimologicamente significa algo que se revela ou se desdobra sucessivamente, sendo que os estágios mais avançados estão contidos nos anteriores.

Ele se destaca nesta área por ter sido inovador em vários aspectos importantes, dentre eles, por ter sido um dos primeiros a contemplar a vida humana em toda a sua extensão, o que pode ser considerado uma novidade ao nos voltarmos à Psicologia do desenvolvimento em seu início.

ESTUDOS FUTUROS

A seguir, abordaremos o enfoque psicossocial do desenvolvimento humano, enfoque compartilhado por Erik Erikson e por isso ele será retomado em breve.

É possível afirmar que o grande objetivo do estudo do desenvolvimento está em descrever, explicar e melhorar o desenvolvimento. Ao buscar descrever, observa-se o comportamento das pessoas em diferentes idades, procurando especificar as características típicas de cada período, mesmo tendo claro que não existem duas pessoas exatamente iguais, ou seja, existem variações individuais e, muitas vezes, bastante significativas.

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TÓPICO 1 | O LUGAR DO OUTRO NO DESENVOLVIMENTO HUMANO

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As descrições permitem que se busque explicar as mudanças observadas. Finalmente, os pesquisadores da área concentram esforços para otimizar o desenvolvimento e direcionando, de certa forma, para direções consideradas positivas. Se quisermos nos compreender melhor, a nós próprios e aos outros, o estudo do desenvolvimento humano poderá desempenhar aí um papel crucial.

3 O PAPEL DO OUTRO E DAS RELAÇÕES SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO HUMANO

De acordo com Martínez e Simão (2004), as diferentes teorias do desenvolvimento humano foram fortemente influenciadas pelas representações epistemológicas que dominaram a Psicologia no século XX, sobretudo o positivismo acompanhado da visão naturalista e evolucionista do desenvolvimento.

Um exemplo é a teoria piagetiana voltada ao estudo do desenvolvimento do intelecto e das operações lógicas. Piaget deixa claro o forte cognitivismo e individualismo hegemônico na compreensão de desenvolvimento. O que se percebe é que as teorias do desenvolvimento, de forma geral, acabam por ignorar os contextos sociais e culturais nos quais o desenvolvimento acontece. Diferentemente, o caráter cultural do processo de desenvolvimento foi marcado fortemente nos trabalhos de M. Mead na Antropologia, assim como pelos de Vygotsky na Psicologia. Neste, o conceito de cultura faz emergir uma nova concepção da psique (palavra de origem grega e que significa mente, alma) e que marca uma diferença qualitativa entre o homem e o animal. O outro acaba tendo um papel fundamental nas teorias de inspiração sociocultural e nas chamadas teorias construtivistas pós-piagetianas e socioconstrucionistas.

Nestas teorias o contexto histórico e cultural têm papel fundamental a partir da constatação de que cada cultura, subcultura e classe social transmitem um padrão particular de crenças, costumes, valores e habilidades passadas de geração para geração e o conteúdo desta socialização cultural tem forte influência nos atributos e competências que os indivíduos apresentam.

O desenvolvimento também é influenciado pelo contexto histórico a que estamos submetidos. Eventos históricos, como: guerras, avanços tecnológicos e movimentos sociais presentes em momentos específicos da história, por exemplo, acabam por interferir significativamente no processo de desenvolvimento humano e na construção da subjetividade dos sujeitos inseridos em cada contexto histórico específico.

Desde que chegamos ao mundo, por essa perspectiva, estamos implicados com o outro, inclusive em um primeiro momento, no qual garantimos a sobrevivência. Humanizamo-nos nas relações sociais e com a cultura a partir das suas múltiplas possibilidades de significações e implicações históricas. Nas relações sociais tranformamos e somos transformados continuamente em um processo constante, enquanto existimos. Falar de relações sociais é falar de pessoas

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e, portanto, falar de relacionamentos nos mais diversos espaços relacionais: família, comunidade, associações, instituições, todos eles sempre tendo como pano de fundo valores, crenças e ideologias. Compreender quem somos nos leva ao encontro do “outro”.

A ideia do “outro” nos remete à premissa básica que está presente no termo “psicossocial”, a ideia de que não há possibilidade de compreendermos o comportamento humano sem nos atermos ao social, ou melhor, a constituição humana é, em grande parte, decorrente do nosso contato com o outro.

Buscar compreender o ser humano é buscar compreender as relações que este estabelece com o meio no qual está inserido, em determinado tempo e espaço. Esta acaba sendo a proposta da Psicologia Social, estudar o psiquismo humano, objeto da Psicologia, mas procurando compreender como se dá a construção deste a partir das relações sociais que o homem estabelece. Por isso, é comum termos a Psicologia Social como sinônimo de enfoque psicossocial, já que esta busca estudar o homem e o meio ambiente em suas interações recíprocas.

Um autor importante e considerado o precursor da chamada “teoria do desenvolvimento psicossocial”, foi Erik Erikson, por divergir dos psicanalistas que até então pregavam que o comportamento era resultado única e exclusivamente de fatores pulsionais, biológicos e inatos. Segundo ele, os fatores sociais tinham também um papel fundamental, o que a Psicanálise até então havia desconsiderado. Nossa personalidade é uma estrutura aberta e dinâmica, construída ao longo do tempo e mediante a influência das situações a que o indivíduo está submetido.

IMPORTANTE

Erik Erikson, em sua teoria do desenvolvimento, propôs que o desenvolvimento humano ocorre em oito estágios, que, no seu conjunto, formam o que ele denominou ciclo de vida. Em cada estágio será constituído um aspecto importante da personalidade. Segundo ele, ainda será inevitável a existência de crises e conflitos no decorrer da nossa existência, embora possamos resolvê-los positiva ou negativamente, com ganhos ou perdas.

Ao analisar o desenvolvimento humano enfatizando o outro, este acaba sendo uma fonte de produção de sentido. Temos então um processo integral que acontece em torno de sistemas de sentido subjetivo, que comprometem, de forma simultânea, várias esferas de nossa vida.

Esta noção rompe com a ideia de que o desenvolvimento humano se dá de forma fragmentada e de acordo com os tipos de atividade e de áreas da vida. Essa representação permitiu falarmos em desenvolvimento intelectual, moral, profissional etc. Contrário a essa perspectiva, temos a categoria “sujeito”,

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TÓPICO 1 | O LUGAR DO OUTRO NO DESENVOLVIMENTO HUMANO

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categoria que traz consigo a ideia de ativo, presente, pensante, que se posiciona no próprio curso de sua atividade, superando o determinismo, que buscou situar as causas ou construir leis que servissem a todos, e menosprezando a trajetória de cada sujeito e o processo de significação envolvido nisso tudo.

Em uma perspectiva histórico-cultural, o sujeito ganha destaque. Sem sujeito, teríamos uma subjetividade assujeitada, não superando o essencialismo que, por muito tempo, esteve presente em várias tendências do pensamento moderno. O outro é significativo para o desenvolvimento, quando o sujeito se relaciona com esse outro, de modo que esse vínculo o carrega de sentido. O sentido subjetivo, como produção singular, pressupõe um posicionamento diferenciado, que entra em tensão com várias possibilidades de escolha e influencia no rumo do seu desenvolvimento e processo de construção subjetiva.

IMPORTANTE

O termo essencialismo traz consigo uma discussão bastante presente tanto na Filosofia quanto na Psicologia por muito tempo. A questão é: a essência precede a existência ou a existência precede a essência? O que isso quer dizer? Na primeira afirmação defende-se que nascemos com uma essência e a partir dela existimos (essencialismo). Nesse sentido somos determinados por esta essência inata. Na segundo construímos nossa essência (o que vamos ser) a partir da nossa existência. Essa corrente de pensamento foi chamada de Existencialismo e ao ressaltarmos o outro e o papel das relações sociais no curso do desenvolvimento fica claro que partimos desta convicção.

Na nossa existência nos construímos e um dos fatores de maior influência acaba sendo o processo de socialização. Se não dá para se negar os fatores inatos, basicamente a herança genética, por outro lado, muitos são os fatores adquiridos, fatores de natureza social e cultural. Desde o momento do nosso nascimento aprendemos comportamentos que são próprios da nossa cultura.

Tradicionalmente, quando se fala em socialização, tem-se a clássica distinção entre a chamada socialização primária e secundária. A primária refere-se aos contatos que estabelecemos com pessoas na qual temos uma forte ligação emocional. Normalmente a família é responsável por essa socialização e na qual as primeiras experiências se fazem, prioritariamente a partir desses contatos que estabelecemos. Por outro lado, temos a chamada socialização secundária, na qual é baseada em contatos mais impessoais e formais, pois, normalmente, é posterior à primária e começa a ocorrer quando a criança já tem interiorizado um conjunto de comportamentos, a partir da mediação presente desde seu nascimento. A escola é um bom exemplo desse segundo momento.

A partir das grandes inovações tecnológicas presentes na história contemporânea, fica difícil falarmos em socialização sem citarmos o papel

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UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL

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socializador dos meios de comunicação de massa. Por mais que no caso da família e da escola se tenha uma relação dialógica, no caso da televisão, por exemplo, a comunicação é direta e extremamente impessoal, o que não desmerece a influência desses novos agentes socializadores que se fazem presentes atualmente.

Para Martínez e Simão (2004), o grande diferencial da perspectiva histórico-cultural e que, de certa forma, revolucionou as concepções dominantes da Psicologia da época, é o buscar compreender o desenvolvimento humano e colocar em primeiro plano a significação do social na constituição do homem. Vygotsky defendeu que os processos psicológicos superiores, ou seja, aqueles que diferenciam qualitativamente o homem do animal, são constituídos a partir das condições de vida e existência, não sendo possível a humanização sem a apropriação da cultura humana no interjogo das relações sociais, que o sujeito estabelece com os outros sociais. A ideia da constituição social e cultural da psique humana trouxe inúmeros desdobramentos, entre eles a relevância dada à linguagem e à tentativa de compreender os mecanismos pelas quais essa constituição social do homem acontece. Por essa razão, ao falarmos do desenvolvimento humano, é impossível deixar de citar o autor soviético Vygotsky. Por suas premissas serem compartilhadas pelo enfoque psicossocial ou pela Psicologia Social, a seguir analisaremos a infância e o desenvolvimento infantil a partir desta perspectiva.

UNI

O texto seguinte trará uma síntese da perspectiva de desenvolvimento adotada neste caderno, o desenvolvimento a partir da apropriação da cultura e a partir das relações sociais estabelecidas, enfoque privilegiado pela Psicologia Social.

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TÓPICO 1 | O LUGAR DO OUTRO NO DESENVOLVIMENTO HUMANO

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LEITURA COMPLEMENTAR

O HOMEM APRENDE A SER HOMEM

A. M. B. BockO. Furtado

M. L. T. Teixeira

Não queremos dizer com isso que o homem esteja subtraído do campo de ação das leis biológicas, mas que as modificações biológicas hereditárias não determinam o desenvolvimento sócio-histórico do homem e da humanidade: dão-lhe sustentação. As condições biológicas permitem ao homem apropriar-se da cultura e formar as capacidades e funções psíquicas. A única aptidão inata no homem é a aptidão para a formação de outras aptidões. [...] H. Piéron resume esse pensamento em uma frase bastante interessante: “A criança, no momento do nascimento, não passa de um candidato à humanidade, mas não a pode alcançar no isolamento: deve aprender a ser um homem na relação com os outros homens”.

[...] Se retomarmos agora a formação biológica de cada indivíduo, com cargas genéticas diferentes, poderemos postular aqui que as disposições inatas que individualizam, deixando marcas no seu desenvolvimento, não interferem no conteúdo ou na qualidade das possibilidades de desenvolvimento, mas apenas em alguns traços particulares da sua atividade. Como exemplo, a partir do aprendizado ou da apropriação de uma língua tonal, os indivíduos, independentemente de suas cargas hereditárias, formarão o ouvido tonal (capaz de discernir a altura de um complexo sonoro e distinguir as relações tonais). No entanto, nessa população, alguém poderá ter herdado de seus pais ouvido absoluto, o que lhe dará uma acuidade auditiva diferenciada, possibilitando-lhe tornar-se um músico brilhante.

Essas diferenças entre os indivíduos existem, mas não são elas que justificam as grandes diferenças que temos em nossa sociedade. Pois, repetindo, essas diferenças biológicas geram apenas alguns traços particulares na atividade dos indivíduos. Ou seja, todos aprendem a fazer, só que colorem seu fazer com alguns traços particulares, singulares, individuais. As nossas diferenças sociais são muito maiores – temos crianças que sabem fazer e outras que não aprenderam e, portanto, não desenvolveram certas aptidões. Essas diferenças estão fundadas no acesso à cultura, que em nossa sociedade se dá de forma desigual. Existem crianças que não têm brinquedos sofisticados, e até aquelas que não têm os mais comuns; crianças que não manuseiam talheres ou lápis; crianças que não andam de bicicleta, ou que nuca viajaram. Temos até muitos adultos que não aprenderam a ler e escrever e, portanto, nunca leram um livro; que nunca saíram do local onde nasceram e não sabem que o homem já vai à Lua; nunca viram um avião, nem imaginam o que seja um computador. Esses são alguns exemplos. Não precisamos nos alongar, por que você, com certeza, já percebeu essas diferenças. Ora, se desenvolvemos nossa humanidade a partir da apropriação das realizações do progresso histórico, é claro que, numa sociedade em que essa igualdade não ocorre, fica excluída a possibilidade de igualdade entre os indivíduos.

FONTE: Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 170-172)

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RESUMO DO TÓPICO 1

Deste tópico é importante que você tenha claro que:

lO estudo do desenvolvimento humano é o estudo das mudanças de certa forma sistemáticas, padronizadas e estáveis, ocorridas do nascimento até a morte.

lEm se tratando de desenvolvimento humano, têm-se dois processos subjacentes: maturação e aprendizagem. O desenvolvimento é resultado da relação entre esses dois processos.

lÉ comum, no estudo do desenvolvimento humano, o estudo dos chamados ciclos de vida, da sucessão de estágios, padrões de mudanças ocorridas ao longo da vida.

lO grande objetivo do estudo do desenvolvimento está em descrever, explicar e melhorar o desenvolvimento.

lPara o enfoque psicossocial do desenvolvimento humano, o outro tem um papel fundamental. Para estudar o desenvolvimento, temos que nos voltar às relações sociais que estabelecemos, à cultura em que estamos inseridos e ao contexto histórico que vivenciamos.

lNa nossa existência nos construímos e um dos fatores de maior influência é o processo de socialização.

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AUTOATIVIDADE

Após a leitura deste tópico busque responder às seguintes questões:

1 Qual é o objetivo do estudo do desenvolvimento humano?

2 Qual é o significado do termo “psicossocial” e qual é o papel do outro e das relações sociais implícito no termo?

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TÓPICO 2

INFÂNCIA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Por muito tempo o estudo do desenvolvimento humano era sinônimo de estudo da infância, visto a importância dada a esse período: a infância seria, por este ideário, a responsável pela formação da personalidade do adulto. Embora hoje se perceba que o ser humano se constrói em um processo que se inicia no nascimento e acaba na morte, fica difícil negar que os acontecimentos e aprendizados ocorridos neste período têm uma relevância ímpar.

A partir desta constatação, este tópico apresentará uma breve discussão da infância enquanto período significativo do desenvolvimento humano.

2 A INFÂNCIA ENQUANTO CONSTRUÇÃO SOCIAL

Apesar de ser um termo comum e presente no nosso cotidiano, é válido primeiramente definirmos infância, para, a partir daí, analisarmos a forma que a concebemos. Embora não seja tarefa fácil, faz-se imprescindível esse exercício inicial, dada a complexidade dessa temática e alicerce para o estudo do desenvolvimento infantil.

Etimologicamente falando, a palavra infância tem origem latina e é construída a partir do prefixo in que indica negação e fante que significa falar, dizer. Infante traria, então, a ideia de ausência de fala. Talvez, por isso, por não falar, essa etapa foi desconsiderada por muito tempo, bem como foram desrespeitadas as especificidades deste período. Essa discussão faremos em breve.

Embora exista divergência nesse sentido, de forma mais sistemática e mais simplista, como colocado no Quadro nº 1, presente no tópico anterior, a infância pode ser compreendida como o período do nascimento até aproximadamente dois anos. Se nos atermos ao significado etimológico da palavra, entretanto, vários autores optam em, ao se referir à infância, falarem da criança.

Com a mesma dificuldade de respeitarmos esses limites nessa seção, ao falarmos de infância, estaremos falando da criança e, dessa forma, buscaremos adentrar em características e especificidades presentes neste sujeito até o surgimento da adolescência, período que será apresentado no próximo tópico.

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Se fosse realizado um levantamento dos trabalhos de investigação que tratam sobre o desenvolvimento, verificaríamos com muita facilidade que a maior parte desses se centram nos primeiros anos e este fato revela a importância dada aos primeiros anos de vida no que diz respeito ao que seremos quando adultos. Essa premissa se faz presente em muitos pensamentos, provérbios e ditados bem conhecidos sobre o desenvolvimento, como: “é de pequeno que se torce o pepino”, “cão velho não aprende truques novos”, “educa a criança no caminho que deve seguir, pois quando envelhecer não se desviará dele”.

A essência de todos esses dizeres está na crença de que os primeiros anos ou a infância acabam por moldar o adulto e torná-lo naquilo que será. Outro exemplo da ênfase dada à infância parte de Freud, precursor da Psicanálise e do estudo do inconsciente. Ao estudar as causas e o funcionamento das neuroses, afirmou que a maioria das neuroses podem ser explicadas a partir de conflitos de ordem sexual presentes nos primeiros anos de vida dos indivíduos. A vida infantil, segundo ele, deixa marcas profundas na estruturação da pessoa.

Para Shaffer (2005), embora não se possa afirmar precisamente o que reserva a vida adulta de alguém com base em uma análise meticulosa de sua infância, a grande maioria dos desenvolvimentalistas concordam que os primeiros doze anos de vida são extremamente importantes, pois interferem substancialmente na adolescência e na vida adulta.

Em contraposição ao que se pode imaginar, o interesse no estudo do desenvolvimento humano e a ideia da infância ser um período importante e valioso é um fenômeno relativamente recente. Até pouco tempo atrás, as crianças eram consideradas adultos em miniatura ou até mesmo como adultos inferiores.

Até o final da Idade Média, a criança não tinha espaço no seio familiar. Ela era entendida como um ser incompleto, inacabado, que precisava evoluir para se tornar completa quando adulta. Essa visão adultocêntrica teve como principal agravante o desrespeito a esse período e à compreensão da criança apenas como um “vir a ser”, um futuro adulto.

Somente entre os séculos XVII e XVIII a criança é tida como diferente do adulto. Dessa forma, enquanto convenção social, semelhante ao que temos hoje, a infância é um produto moderno. A partir desse momento, a infância é tida como um período no qual prevalece a inocência e a fragilidade e, por isso, exige uma série de incentivos e regalias (“paparicação”). Esses dois extremos acabaram por despertar uma série de questionamentos no que toca ao tão almejado desenvolvimento infantil saudável.

Essas duas concepções distintas (Idade Média e Séculos XVII e XVIII) se fazem válidas para compreendermos que, embora as crianças existam desde sempre, a infância enquanto construção social é um produto recente. A infância, enquanto categoria construída histórica e socialmente, acaba sendo um resultado das relações sociais estabelecidas em determinado tempo e espaço. Teremos tantas infâncias quantas forem as ideias, práticas e concepções a respeito dela.

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NOTA

Em “História social da criança e da família” Philippe Ariés faz uma análise minunciosa de como a criança veio historicamente sendo tratada e compreendida. Esta obra é fundamental por problematizar a infância a partir dos perigos e consequências das relações e aspectos culturais presentes em diversos momentos da história.

Atualmente, percebemos que são outras as questões que se colocam quando nos referimos às crianças, fruto do nosso tempo. Nascimento (2010) afirma que as condições de vida moderna contribuíram para a emergência de crianças-objeto, que precisam se adequar ao ritmo dos pais, que, por sua vez, acabam não tendo tempo para se relacionarem com elas. Outro ponto que merece uma ressalva é o fato de hoje as crianças passarem a ter responsabilidades até então nunca vistas. As mesmas passam a não ter tempo para serem apenas crianças, em decorrência de uma agenda repleta de compromissos, como inglês, natação, computação, uma necessidade precoce de inserção no mundo adulto. Voltamos à ideia do pequeno adulto.

Embora, como falado anteriormente, temos diversas e diferentes infâncias, até em um mesmo tempo e espaço, enquanto convenção social e não um estado natural, a Psicologia vem se ocupando da infância e propondo leituras diversas a respeito da mesma. Na Psicologia, autor com importância indiscutível é Piaget, visto que a partir dele a criança passou a ser considerada um sujeito epistêmico, ou seja, capaz de construir conhecimentos e que se tornam mais complexos na medida em que seus esquemas mentais também se complexificam. Outro autor bastante significativo é Vygotsky, por compreender que a criança é um sujeito histórico, social e cultural. O desenvolvimento humano seria, então, resultado sobretudo das relações sociais que esse sujeito estabelece. Buscar melhor compreender essas e outras questões é o que nos propomos a seguir.

3 O INTERACIONISMO DE PIAGET E VYGOTSKY

Em se tratando de desenvolvimento humano, constata-se que, atualmente, as teorias que adotam a perspectiva interacionista ganham destaque por grande parte dos desenvolvimentistas, bem como dos educadores, por acreditarem que essa perspectiva garante uma explicação satisfatória de como ocorre o processo de conhecimento. Nesse sentido, acabam ganhando força Piaget e Vygotsky, considerados os dois grandes nomes nessa categoria, embora sejam modelos interacionistas bastante distintos.

Diante dessa primeira afirmação, é indispensável que discutamos em que consiste uma abordagem interacionista. Discussão bastante presente no campo da epistemologia (área da Filosofia voltada ao estudo de como se dá o conhecimento),

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através da aprendizagem, bem como do desenvolvimento humano, é como se dá o processo de conhecimento, ou melhor, como ocorre a relação entre o sujeito que busca conhecer e o objeto a ser conhecido (meio).

Nesse sentido, a perspectiva interacionista prevê que ambos estabeleçam relações recíprocas, que modificam tanto o primeiro quanto o segundo. De outra forma, as teorias interacionistas não enfatizam um ou outro polo e, sim, compartilham da premissa de que há uma interação entre ambos e que essa deve ser levada em conta.

Entretanto, embora as teorias interacionistas se caracterizem por considerar a interação enquanto condição para que o desenvolvimento e o conhecimento se realizem, há uma distinção significativa entre elas. Mesmo sendo interacionistas, as mesmas acabam por divergir na ênfase dada ao sujeito ou ao objeto ou, ainda, à dialética constituída entre esses dois elementos. Piaget e Vygotsky, embora compartilhem da noção de que o sujeito é ativo na construção do conhecimento, adotam condutas reconhecidamente diferentes. Essas diferenças buscaremos conhecer ou aprofundar daqui pra frente: começaremos por Piaget.

Jean Piaget é leitura obrigatória para qualquer um que busque se aventurar na área do desenvolvimento humano, por ter organizado um conhecimento extremamente sistemático e estruturado, o que de um lado lhe trouxe visibilidade e, por outro atualmente é alvo de críticas. Piaget é considerado um grande estudioso do desenvolvimento intelectual da criança, ao defender a ideia de que o desenvolvimento ocorre em etapas ou fases. Segundo ele há quatro estágios bem definidos no desenvolvimento intelectual da criança e em cada um há o aparecimento de novas qualidades do pensamento o que, por sua vez, interfere no desenvolvimento global. Para Piaget, cada período é caracterizado por aquilo de melhor que o indivíduo consegue fazer nessas faixas etárias. Todos os indivíduos passam por todas essas fases ou períodos, embora haja diferença no início e término de cada uma delas.

O quadro a seguir elenca as quatro fases apresentadas por Piaget e as respectivas faixas etárias correspondentes.

QUADRO 7 – AS QUATRO FASES DE PIAGET

Período Faixa etária1º - Sensório-motor 0 a 2 anos2º - Pré-operatório 2 a 7 anos

3º - Operações concretas 7 a 11 ou 12 anos4º - Operações formais 11 ou 12 anos em diante

FONTE: O autor

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Tanto Braghirolli et al. (1990) quanto Bock, Furtado e Teixeira (2002) apresentam um resumo das características apresentadas pelas crianças em cada estágio designado por Piaget.

O primeiro estágio é denominado de sensório-motor, pelo fato de a percepção estar diretamente relacionada aos movimentos. O desenvolvimento físico acelerado favorece o aparecimento rápido de novas habilidades. Nesse período, a criança aprende a diferenciar o seu corpo dos demais objetos, compreendidos através do seu uso ou manipulação e, aliás, eles só existem quando estão à vista. Embora compreenda algumas palavras, mesmo no final do período, só é capaz de uma fala imitativa.

O próximo estágio é denominado de pré-operatório e o que se tem de mais importante é o aparecimento da linguagem, o que irá interferir em todos os demais aspectos (intelectual, afetivo e social). O desenvolvimento do pensamento se acelera significativamente e, no plano afetivo, a criança passa a respeitar e considerar as pessoas que considera superiores. Em suma, tem-se nesse período a completa maturação neurofisiológica, o que permite o desenvolvimento de habilidades até então inimagináveis como a coordenação motora fina.

O terceiro estágio é o das operações concretas. Esse nome provém do surgimento de uma nova capacidade mental, a das operações, ou seja, a criança é capaz, agora, de pensar logicamente, mesmo que ainda tenha que ter por base fatos e objetos concretos. Ela ainda não é capaz de abstrair, no entanto consegue, por exemplo, em um quebra-cabeça na metade do jogo, descobrir um erro, desmanchar uma parte e retomar até terminá-lo. No aspecto afetivo surge a vontade, ou certa autonomia em relação aos adultos, e o sentimento de pertencer a um grupo se torna cada vez mais forte. A cooperação é uma capacidade que é aprimorada nesse período e facilita o relacionamento em grupo.

O quarto e último estágio é o das operações formais. Nesse período, a criança/adolescente já consegue realizar as operações no plano das ideias, sem necessitar mais de manipulações ou de referências concretas para tal. Nessa fase, o já adolescente desenvolve a capacidade de abstrair e generalizar, criar teorias sobre o mundo, ou seja, tirar suas próprias conclusões e formular hipóteses à revelia. No campo das relações sociais ocorre um certo distanciamento em relação aos outros, o que, aparentemente, nos leva a caracterizá-lo como antissocial, isso provavelmente por colocar em xeque a maioria das coisas da qual tem contato. O aspecto afetivo é tomado por conflitos por inúmeros fatores, como o desejo de liberdade, por um lado, e a dependência que ainda tem dos pais, por outro. A estabilidade chega com a proximidade da idade adulta. Nessa fase não surge nenhuma nova estrutura mental, caminhando o indivíduo para um gradual desenvolvimento cognitivo, afetivo e social.

Três conceitos são fundamentais em Piaget: esquemas, assimilação e acomodação. Esquemas se referem a estruturas mentais ou cognitivas a partir das quais o indivíduo se adapta e organiza as informações do meio. Assimilação

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é o processo cognitivo caracterizado pela inserção de uma nova informação (perceptual, motor ou conceitual) às estruturas cognitivas prévias. Quando a criança tem novas experiências, ela busca adaptar esses novos estímulos às informações que já possui. A acomodação ocorre quando a criança não consegue assimilar um novo estímulo, ou seja, quando não existe uma estrutura cognitiva que suporte a nova informação, restando duas saídas: modificar o esquema existente ou criar um novo esquema. Em ambos os casos, tem-se uma modificação da estrutura cognitiva. Em outros termos, a assimilação refere-se a uma mudança quantitativa enquanto a acomodação, a uma mudança qualitativa, processos que juntos resultam na mudança e no desenvolvimento das estruturas cognitivas.

Para exemplificar, pensemos em uma criança que por estar aprendendo a reconhecer animais conheça apenas o animal cachorro. Em sua estrutura cognitiva, ela tem o esquema de um cachorro. Quando apresentado a essa criança um outro animal, um cavalo, por exemplo, ela o terá também como um cachorro, por ter características semelhantes (quadrúpede, marrom, rabo, formato do corpo semelhante etc.). Temos, nesse momento, o processo de assimilação. A partir do momento em que ocorrer a diferenciação entre o cachorro e o cavalo, teremos a chamada acomodação.

NOTA

Entre as inúmeras obras de Piaget, “Seis estudos de Psicologia” (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985), é um dos livros de leitura mais acessível. O primeiro capítulo apresenta um resumo dos períodos de desenvolvimento, com suas principais características.

Outro autor que não pode ser esquecido, ao falarmos de desenvolvimento humano, é o soviético Vygotsky (Lev Semenovich Vygotsky). Com uma teoria menos sistemática que a de Piaget, ao lado de Luria e Leontiev, Vygotsky construiu propostas inovadoras sobre temas, como: relação entre pensamento e linguagem e o papel da instrução no desenvolvimento.

Vygotsky dedicou-se principalmente ao estudo das funções psicológicas superiores ou processos mentais superiores (pensamento, memória, atenção voluntária etc.). Buscou compreender os mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos, típicos do ser humano e o que lhe diferenciam dos outros animais. Para isso, buscou explicações nas relações sociais que o homem mantém no seu dia a dia, um processo ativo, no qual a história da sociedade e o desenvolvimento do homem caminham juntos. Nessa perspectiva estuda o desenvolvimento infantil.

Oliveira (1997) apresenta os principais conceitos elaborados por Vygotsky. Um primeiro conceito e talvez o mais importante na concepção vygotskyana sobre

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o funcionamento psicológico é o de mediação. A mediação pode ser interpretada como o processo de intervenção de um elemento intermediário em uma relação. Nesse sentido, ao longo do desenvolvimento do indivíduo, as relações mediadas passam a predominar sobre as relações diretas e ele vê uma importância fundamental no aprofundamento desse aspecto relacionado ao desenvolvimento (apud OLIVEIRA, 1997). O indivíduo se relaciona com o meio social através da mediação e é através dela que são desenvolvidas suas funções psicológicas. A mediação não é necessariamente a presença física do outro. Ocorre através dos signos, da palavra, dos instrumentos de mediação. A presença física do outro não garante a mediação.

Vygotsky distingue dois tipos de elementos mediadores: os instrumentos e os signos, instrumentos materiais e instrumentos psicológicos. Os instrumentos são elementos interpostos entre o trabalhador e o objeto do seu trabalho. Os instrumentos são elementos externos ao indivíduo e que têm como função provocar mudanças nos objetos. Por outro lado, temos os signos, chamados por Vygotsky de instrumentos psicológicos, que são orientados para o próprio sujeito. São ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos.

Como exemplo, podemos imaginar o uso de varetas ou pedras para registro e controle da contagem de cabeças de gado. Assim como o machado (instrumento) corta melhor que a mão humana, as varetas permitem que o ser humano armazene informações e quantidades muito superiores as que ele poderia guardar na memória.

Para Vygotsky, no decorrer do desenvolvimento humano ocorrem mudanças qualitativas no uso dos signos. Talvez a mais importante delas seja o momento em que a utilização das velhas marcas externas dão lugar aos processos internos de mediação, chamado de processo de internalização, ou seja, representações mentais que substituem os objetos do mundo real e que dizem respeito à nossa capacidade de lidar com representações, possibilitando, ao homem, libertar-se do espaço e do tempo presentes, fazer relações mentais na ausência das coisas, imaginar, fazer planos etc.

Em se tratando de processos superiores e que caracterizam o funcionamento psicológico tipicamente humano, as representações mentais da realidade são nossos principais mediadores na nossa relação com o mundo. Um exemplo seria o momento em que o indivíduo aprende o significado de “cavalo”. A ideia de cavalo fará a mediação entre o cavalo real (que pode estar ausente) e a atividade psicológica (pensar sobre o cavalo, imaginá-lo em determinadas ações etc.).

A linguagem é considerada um sistema de signos e com uma função primordial: o intercâmbio social. Através dela transmitimos ideias, planejamos ações, expressamos sentimentos. É a principal mediadora do homem com o mundo e é indispensável no nosso processo de humanização, já que sem ela não há aprendizagem. Através da linguagem o homem cria cultura e organiza o mundo simbolicamente.

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Para Vygotsky, a interação face a face entre os indivíduos desempenha um papel fundamental na construção do ser humano. É através da relação interpessoal que o indivíduo internaliza as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Dessa forma, a interação social fornece a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo. A partir dessa perspectiva, ele busca aprofundar a relação entre pensamento e linguagem, com origens e trajetórias diferentes e independentes. Em determinado momento essas duas trajetórias se unem e o pensamento se torna verbal e a linguagem racional (domínio da linguagem propriamente dita pela criança), momento crucial no desenvolvimento da espécie humana, momento em que o biológico se transforma no sócio-histórico.

IMPORTANTE

O choro, o riso e o balbucio da criança podem ser considerados uma forma de linguagem, mesmo que enquanto sistema simbólico. Essas reações têm clara função de alívio emocional, mas também contato social, uma forma de comunicação ainda difusa com as outras pessoas.

Na análise que Vygotsky faz entre pensamento e linguagem, a palavra acaba tendo um lugar privilegiado. No significado da palavra se percebe claramente a união entre o pensamento e a fala (pensamento verbal). Os significados estão em constante transformação em todo o desenvolvimento do indivíduo, ganhando contornos peculiares quando a criança começa a frequentar a escola. Isso nos aproxima de outros conceitos fundamentais em sua obra: o de desenvolvimento real, desenvolvimento potencial e desenvolvimento proximal.

Vygotsky denomina de desenvolvimento real a capacidade que a criança tem de realizar tarefas de forma independente. No entanto, para compreendermos adequadamente o desenvolvimento devemos também considerar o nível de desenvolvimento potencial, isto é, a capacidade que a criança tem de desempenhar tarefas com a ajuda dos adultos. Esta possibilidade de alteração no desempenho pela interferência do outro é fundamental na teoria de Vygotsky. Representa um momento significativo de desenvolvimento, já que não é qualquer indivíduo que, a partir da ajuda do outro, realiza uma tarefa.

A partir destes dois níveis, real e potencial, chegamos ao chamado desenvolvimento proximal, que nada mais é do que a distância entre o que a criança consegue fazer sozinha (desenvolvimento real) e o que será possível realizar com a ajuda dos adultos (desenvolvimento potencial). A zona de desenvolvimento proximal acaba sendo um lugar em constante transformação, visto que o que uma criança é capaz de fazer hoje com o auxílio de um adulto

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ela conseguirá fazer sozinha amanhã. Vale a ressalva de que o brinquedo e as brincadeiras para Vygotsky têm um papel importante, já que fazem com que a criança se comporte de forma mais avançada do que é habitual para a sua idade. A criação de uma situação imaginária (faz de conta) e/ou de regras imaginárias acaba criando uma zona de desenvolvimento proximal na criança.

A partir dos conceitos apresentados anteriormente, é importante termos claro que sua teoria, formulada em seu pouco tempo de vida, não é uma teoria muito bem estruturada e talvez nem tenha essa intenção. Seu trabalho, muito mais do que organizar, inspira a reflexão sobre o desenvolvimento humano. Para ele, no início, as respostas dadas pelas crianças podem ser explicadas por processos naturais, especialmente pela herança genética. No entanto, é a partir da mediação dos adultos que os processos psicológicos superiores mais complexos tomam forma. O desenvolvimento está, dessa forma, pautado nas interações, em que as funções psicológicas emergem, consolidam-se e são internalizadas.

NOTA

Para conhecer melhor Vygotsky, uma boa escolha é ter um contato com suas próprias obras, “Formação social da mente” (São Paulo: Martins Fontes, 1984).

A partir do que foi apresentado até o momento, acaba sendo necessário buscarmos aproximações e distanciamentos entre as teorias piagetiana e vygotskyana, o que proporcionará uma melhor compreensão das mesmas. A título de curiosidade, é interessante o fato que Piaget e Vygotsky nasceram no mesmo ano (1896), embora Vygotsky tenha tido uma vida bem mais curta. Vygotsky chegou a ler e discutir em seus textos os dois primeiros trabalhos de Piaget. Piaget tomou conhecimento da obra de Vygotsky aproximadamente 25 anos após a sua morte e acabou escrevendo o texto “Comentários sobre as observações críticas de Vygotsky”, apêndice da edição norte-americana de 1962 do livro “Pensamento e linguagem”. Ambos nos deixaram uma produção vasta, densa e merecedora de um estudo aprofundado.

Palangana (1998) propõe-se a discutir as principais diferenças entre esses autores e, segundo ele, Piaget tem um viés mais biológico, o que faz com que ele postule sua teoria a partir de um caráter universal dos estágios de desenvolvimento. Diferentemente, Vygotsky se atém à interação entre o biológico e o cultural. Pautado na dialética marxista, vê no organismo humano alto grau de plasticidade, a partir do momento que enfatiza o efeito diferencial que o ambiente sócio-histórico pode exercer sobre o desenvolvimento.

É na e pela interação social que as funções cognitivas são elaboradas. Vygotsky acaba sendo considerado mais do que um interacionista. É considerado um autor sociointeracionista, dada a ênfase colocada no estudo das relações

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recíprocas que se estabelecem entre sujeito e objeto. Exatamente por este fato, Vygotsky tem uma aproximação maior com a Psicologia Social e é referência ao estudo do desenvolvimento humano, partindo de um enfoque psicossocial.

Analisadas as informações expostas até agora, percebe-se com clareza que na perspectiva interacionista de Piaget e Vygotsky, o papel do social sofre alterações significativas. Em Piaget, tem-se um meio ambiente extremamente genérico, abstrato e a-histórico. É nesse ambiente, concebido de forma imediata e descontextualizada, que o sujeito interage com os objetos físicos e com as pessoas, construindo seu conhecimento. A ênfase maior é colocada na interação do sujeito com os objetos físicos. Vygotsky, por sua vez, refere-se ao meio social como sendo o contexto das relações que os homens estabelecem entre si e com a natureza na luta pela sobrevivência e em que a linguagem ocupa um papel central. Nesse sentido, por essas e outras razões, é comum termos acesso à ideia de que Vygotsky supera Piaget, exatamente por predominar uma visão de homem, mundo e sociedade mais dinâmica, flexível e contextualizada.

Embora pautada em uma matriz epistemológica diferenciada e de certa forma mais totalizadora (não ignora nenhum dos aspectos presentes no desenvolvimento), temos na teoria sociointeracionista um longo caminho a ser percorrido. Vygotsky nos oferece várias reflexões a respeito do desenvolvimento humano, embora não seja uma teoria estruturada e que consiga nos dar suporte para o complexo processo de construção psicológica. Temos um quadro esboçado com sugestões e caminhos, embora tenhamos ainda que buscar maiores informações para compreendermos os mecanismos presentes no complexo processo de desenvolvimento.

UNI

O texto a seguir enfatiza a abordagem interacionista do desenvolvimento e da aprendizagem, bem como a ligação e o distanciamento entre os dois principais teóricos dessa corrente: Piaget e Vygotsky.

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LEITURA COMPLEMENTAR

[...] uma autêntica abordagem interacionista deve estar voltada prioritariamente para a relação, para a interação entre indivíduo e meio. Isso significa tomar esta interação como sendo o fator no e pelo qual se produz aprendizagem e desenvolvimento. Quando analisados por esse prisma, esses dois processos, sem perder suas respectivas identidades, são inseparáveis. Desenvolvimento e aprendizagem condicionam-se mutuamente: o sujeito se constrói e se desenvolve à medida em que interage socialmente, apropriando-se e recriando a cultura elaborada pelas gerações precedentes. As trocas sociais incidem, por um lado, sobre processos maturacionais em via de se realizarem, completando-os. De outro, tais processos, por se completarem, propiciam condições para aprendizagens mais complexas, e assim sucessivamente. Nesse sentido, o papel do social no processo de construção do conhecimento é extremamente relevante: sua contribuição na constituição das funções superiores do pensamento é tão profunda e significativa quanto a que se atribui ao sujeito. De acordo com esse raciocínio, homem e sociedade compõem de fato uma totalidade, em cujo movimento dialético se produz aprendizagem e desenvolvimento. Trata-se, portanto, de uma unidade em que os dois polos se completam e se influenciam reciprocamente, em uma situação de troca e complementariedade, que se manifesta e se concretiza por intermédio de interações sociais e históricas, dos homens e destes com a natureza.

Não se trata aqui de assinalar todos os possíveis encontros e desencontros entre Piaget e Vygotsky, no que se refere ao papel e à função do social nos processos de desenvolvimento e aprendizagem. Pretende-se, isto sim, mostrar que, mesmo sendo dois autores considerados interacionistas, eles desenvolvem leituras fundamentalmente divergentes dos mesmos fenômenos. Portanto, investir na abordagem interacionista como uma forma de promover o conhecimento implica em se ter consciência de tais sutilezas teóricas que, se para alguns podem parecer insignificantes, são, na verdade, suficientes para produzirem condutas pedagógicas potencialmente muito distintas.

FONTE: Palangana (1998, p. 163-164)

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, dentre outras questões, lembre-se de que:

• Etimologicamente, a palavra infância significa ausência de fala, embora em diversos momentos signifique o período do desenvolvimento referente à criança.

• Embora hoje se tenha claro que o desenvolvimento é um processo que se inicia no nascimento e caminha até a morte, é inegável a importância dos primeiros anos de vida na constituição do que somos.

• Se a criança sempre existiu, a infância tal qual conhecemos hoje é uma construção social. Nesse sentido nem sempre existiu.

• Atualmente as teorias interacionistas ganham destaque ao buscar explicar como se dá o desenvolvimento e a aprendizagem e como Piaget e Vygotsky se destacam.

• Piaget é leitura obrigatória por ter construído uma teoria extremamente sistemática. Para ele o desenvolvimento intelectual ocorre em etapas ou fases universais.

• Vygotsky, diferente de Piaget, buscou analisar o desenvolvimento infantil, voltando-se à compreensão das relações sociais que este estabelece. Estas são matérias-primas principais para o desenvolvimento psicológico do indivíduo.

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AUTOATIVIDADE

O que significa a afirmação de que “embora as crianças existam desde sempre, a infância é uma construção social”? Embora seja uma pergunta complexa, qual a diferença fundamental entre Piaget e Vygotsky (ambos considerados interacionistas) ao buscar compreender como se dá o desenvolvimento infantil?

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TÓPICO 3

ADOLESCÊNCIA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

A adolescência pode ser considerada uma das fases do desenvolvimento humano mais curiosa e isso nos leva a uma infinidade de materiais à disposição para consulta e a uma diversidade de teorias explicativas e concepções a respeito da mesma. Três questões centrais estão presentes e são de enorme valia nesse sentido: a adolescência existe? Há características naturais na adolescência? O que é a adolescência?

Estranhamente, a concepção apresentada a seguir acaba não ganhando destaque na literatura vigente e faz um contraponto à maioria do material disponível e produzido pela Psicologia e ciências médicas. Na Psicologia Social, e mesmo na Antropologia, é concepção predominante e defende a ideia de que a adolescência é um produto recente e característico da sociedade moderna.

2 DEFININDO ADOLESCÊNCIA

Parece bastante óbvio que uma primeira questão que se coloca, ao buscarmos adentrar no estudo da adolescência, é a sua definição, bem como a idade cronológica em que esse período ocorre. Há ainda autores que defendem uma subdivisão desse período como é o caso de Stone e Church (apud CARMEN, 1988). Para eles, ocorrem três momentos distintos com os respectivos termos: pubescência, puberdade e adolescência.

Por pubescência entende-se o período que antecede a puberdade e as mudanças físicas nela ocorridas. A principal característica desse período é o crescimento físico intenso, trazendo mudanças drásticas na estrutura e proporção corporal. A puberdade é compreendida como o clímax das mudanças corporais iniciadas na pubescência. Nesse período, ocorrem a primeira menstruação na garota e a produção e ejaculação de espermatozoides no garoto. Já a adolescência propriamente dita acaba envolvendo a conquista da maturidade social, ou seja, acaba sendo um processo mais psicológico, enquanto os outros dois períodos têm contornos nitidamente mais biológicos.

Exatamente por isso, mesmo tendo consciência da importância dos dois primeiros períodos e do fato que as mudanças físicas associadas acabam por acarretar alterações no nível psicológico, nossa análise se dará em um nível mais

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psicológico, até porque em Psicologia Social é comum a explicação das mudanças comportamentais presentes nessa fase se darem mais em razão de uma invenção cultural do que em razão de uma turbulência hormonal.

Para Carmen (1988), fica difícil fixar com precisão em termos de idade o início e término da adolescência. Segundo ela, uma possibilidade seria a de compreendê-la em três etapas: adolescência inicial (11 aos 15 anos), adolescência mediana (11 aos 17 anos), e a adolescência terminal ou tardia (17 aos 24 anos). Não há consenso em relação a esses números, embora a maioria dos teóricos compartilhe que a adolescência é o estágio intermediário do desenvolvimento, aquele situado entre a infância e a adultez ou, como afirmam Bock, Furtado e Teixeira (2002), é a fase caracterizada sobretudo pela aquisição de conhecimentos necessários para o ingresso do jovem no mundo do trabalho e constituição da sua própria família.

Esse período acaba, na nossa cultura, tendo importância incontestável, dadas às novas situações que são colocadas (novo corpo, intensidade do contingente amoroso, dúvidas em relação ao projeto de vida etc.). Segundo alguns autores aí está a explicação para as dificuldades encontradas nesse período. Se, por um lado, busca-se e há uma aproximação da identidade adulta, por outro, gradativamente, abandona-se a identidade infantil, tendo que lidar com essa espécie de luto. Como afirmam Bock, Furtado e Teixeira (2002), as inquietações da juventude caminham entre a loucura e a liberdade contraposta ao controle e responsabilidade, assim como uma vontade de criança e adulto ao mesmo tempo.

O fato é que a grande maioria dos autores compartilha a ideia de que, por si só, as mudanças corporais e biológicas não dão conta de explicar todas as reações e a chamada crise adolescente, bem como admitem ser a adolescência, pelo menos na cultura ocidental, um período crítico.

3 A INVENÇÃO DA ADOLESCÊNCIA

A definição de adolescência nos leva à discussão central e que atormenta de certa forma a maioria dos estudiosos nesse campo. Seria a adolescência algo natural e universal ou uma invenção cultural? O que seria exatamente adolescência? Essas perguntas nos levam a uma série de reflexões bastante valiosas sobre o tema. Infelizmente, a Psicologia tradicionalmente não teve dúvida em relação a estas respostas e optou por acreditar que a adolescência é algo natural e, por isso, a pergunta o que é adolescência acaba não tendo sentido. Isso pode ser explicado em grande parte pela própria formação que acaba por ignorar a relação entre adolescência e a sua determinação histórica e cultural. Tanto as ciências médicas quanto psicológicas acabaram por historicamente naturalizar, universalizar e até patologizar a adolescência.

Ozella (2003) apresenta os resultados de uma pesquisa realizada no final da década de 1990 e que teve como objetivo entender os significados que

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os profissionais de Psicologia tinham dos adolescentes, que acabam sendo seus objetos de intervenção. Os resultados foram surpreendentes. A grande maioria relatou ter uma visão naturalizante, universalizante e negativa em relação à adolescência.

Natural, por fazer parte indiscutivelmente do nosso ciclo de vida; universal, por ocorrer em todos os lugares e todos os tempos; e negativa, por ser caracterizada como uma crise e, por isso, trará para o adolescente vários sintomas maléficos associados. A fala dos entrevistados nada mais é do que um reflexo da concepção que a Psicologia tem acatado sobre o adolescente e tem uma marca pontual da Psicanálise.

A partir do século XX, o adolescente começa a ocupar um espaço enquanto objeto de estudo e é nesse momento que começam a ser construídas várias teorias, que em comum têm a crença de que esta seria uma etapa marcada por tormentos e conturbações, vinculadas à emergência da sexualidade. Essa visão predominante pode ser resumida na fala de Bock (apud OZELLA, 2003, p. 205) em que a adolescência:

[...] como fase do desenvolvimento, as características são universais e inevitáveis. Tomadas como fruto do desenvolvimento são também naturalizadas. É da natureza do homem e de seu desenvolvimento passar por uma fase como a adolescência. As características desta fase, tanto biológicas quanto psicológicas, são naturais. Rebeldia, desenvolvimento do corpo, instabilidade emocional, tendência à bagunça, hormônios, tendência à oposição, crescimento, desenvolvimento do raciocínio lógico, busca da identidade, busca da independência, enfim, todas as características são equipadas e tratadas da mesma forma, porque são da natureza humana.

Esta concepção é compartilhada pela Psicanálise, em especial a assumida por Aberastury e Knobel (1989), que introduziram o conceito de “síndrome normal da adolescência”. Segundo eles, a adolescência pode ser caracterizada por uma sintomatologia expressa em uma série de itens. Nesta concepção fica evidente um enfoque naturalizador, universalizador e ainda patologizador por ser carregada de conflitos naturais.

Osório (1992) é outro autor que apresenta a postura típica da Psicologia em relação à adolescência. Também adepto da abordagem psicanalítica, segundo ele “[...] sem rebeldia e sem contestação não há adolescência normal” ou então “[...] o adolescente submisso é que é exceção à normalidade”. (OSÓRIO, 1992, p. 47). Todas estas afirmações pecam por apresentarem alguns riscos. Para Blasco (apud AGUIAR; BOCK; OZELLA, 2007), o primeiro risco seria rotular de patológico o adolescente não rebelde ou o que não apresente as dificuldades previstas nesse período. Um segundo risco se refere considerar saudável o ser “anormal” e no qual problemas sérios podem acabar passando despercebidos ao serem considerados “bobagens da idade”, por exemplo. Outro risco seria o de estudos dessa natureza se pautarem em algum tipo de jovem, como: homem branco, burguês e ocidental, o que já em primeira instância mostraria suas limitações.

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Entretanto, existem saídas para estes equívocos e alternativas para superar estas visões ainda bastante presentes e dominantes na Psicologia. Em outra perspectiva, embora não possamos negar as alterações biológicas e corporais presentes neste período e que isto possa ser algo natural e universal (ocorra em todos os lugares), o fato de a adolescência, como compreendida por nós, não se fazer presente em algumas sociedades, leva-nos à ideia de ela ser uma invenção cultural.

Em muitas sociedades primitivas, tinham-se os chamados “ritos de iniciação” e estes não duravam mais do que algumas semanas. Terminados esses rituais, os jovens adquiriam o status de adultos, sem que fossem verificados conflitos ou tensões nesse intermédio. Isso nos leva a crer que o nosso modo de convívio incrementa e dificulta essa passagem para o estado adulto.

Além de ser uma passagem demasiadamente longa (vários anos), há uma tensão e sobrecarga que justifica o termo tão utilizado: crise. Como afirmam Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 292), “[...] quando uma sociedade exige de seus membros uma longa preparação para entrar no mundo adulto, como na nossa, teremos de fato o adolescente e as características psicológicas que definirão a fase”. E nesse sentido Freud (apud CARMEN, 1988, p. 16) nos coloca um desafio: “[...] já que se invocaram os fantasmas, não é o caso de sair correndo quando eles aparecem”, ou seja, se a nossa cultura criou a crise adolescente, cabe a ela se encarregar de entendê-la.

UNI

Para entender melhor a ideia de invenção cultural, segue o relato de um estudo realizado pelo etnólogo Bronislaw Malinowski acerca da cultura dos nativos trobriandeses, povo morador das ilhas do noroeste da Nova Guiné na Oceania.

De acordo com Bock; Furtado; Teixeira (2002, p. 292):

No caso dos jovens trobriandeses, a puberdade começa antes que na nossa sociedade, mas, nessa fase, as meninas e os meninos trobriandeses já iniciaram sua atividade sexual. Não há, como em outras culturas primitivas, um determinado rito de passagem para a vida adulta. Apenas, gradualmente, o rapaz vai participando cada vez mais das atividades econômicas da tribo e até o final de sua puberdade será um membro pleno da tribo, pronto para se casar, cumprir as obrigações e desfrutar dos privilégios de um adulto.

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Essa fase descrita pelo etnólogo, se é possível estabelecer um paralelo, estaria para a nossa sociedade, em termos etários, definida como pré-adolescente. Entretanto, no nosso caso, as relações sexuais vêm depois dessa fase. Outra diferença é que os nativos das ilhas Trobriand, devido ao tabu que representam as relações sociais com irmãs, saem de casa na puberdade, para uma espécie de república organizada por um jovem mais velho não casado, ou por um jovem viúvo. Essa “república” tem o nome de bukumatula, e lá os jovens, moças e rapazes moram sem controle dos pais. Mas, até que casem e organizem suas próprias casas, trabalham para as suas famílias.

Esse exemplo deixa claro que a adolescência não pode ser considerada uma fase natural do desenvolvimento humano. Não podemos negar a existência em qualquer cultura da passagem da infância para a fase adulta, embora ela se dê de forma muito diferente em um lugar e outro: duração, comportamentos associados etc. No caso dos trobriandeses, como há um salto da pré-adolescência para a fase adulta, poderíamos afirmar, sem medo, de parecermos ridículos que lá não existe adolescência.

A adolescência, dessa forma, é uma fase típica do desenvolvimento do jovem na nossa sociedade. Nessa sociedade altamente industrializada há uma exigência sem precedentes de um período específico para que os jovens se preparem para o ingresso no mundo do trabalho, dentre outras. Aguiar, Bock e Ozella (2007, p. 170), ao tentarem defini-la, afirmam que “[...] a adolescência se refere, assim, a esse período de latência social constituída a partir da sociedade capitalista gerada por questões de ingresso no mercado de trabalho e extensão do período escolar, da necessidade do preparo técnico”. Vale ainda o destaque de que a partir do momento que temos como determinante o fator econômico, jovens de diferentes classes sociais acabarão passando por essa transição de forma diferenciada. Em uma mesma cultura ainda assim teremos várias adolescências.

Diante dessas constatações fica claro que o “normal” em nossa sociedade nada mais é do que aquilo que hoje é valorizado e que a maioria acaba acatando: não é natural nem eterno e isso é válido também para o psiquismo humano. Tudo no psiquismo humano pode ser diferente, já que é constituído por um processo histórico. As características da adolescência somente podem ser entendidas se olharmos as relações sociais e a cultura nas quais estamos inseridos e não somente o desenvolvimento do adolescente considerado de forma isolada. Não há como negar a adolescência, mas sim devemos ter o cuidado de compreendê-la como uma produção humana.

Em termos genéricos é possível afirmar que temos várias questões colocadas, dentre elas a tendência do jovem se sentir confuso e “perdido” diante de muitas contradições ligadas ao fato de não ser mais menino, ao mesmo tempo que ainda não pode ser considerado um adulto propriamente dito. Estando no meio do caminho, tem dificuldade de abandonar os resquícios de uma infância

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que, querendo ou não, lhe traz segurança e proteção; e, por outro lado, sente-se atraído pelo mundo adulto, mesmo que ainda tenha dificuldade de gozá-lo plenamente. Por se perceberem no meio do caminho, acabam tendo muitas dúvidas.

Para Kahhale (2007), no que tange à sexualidade, ressaltada pela abordagem psicanalítica, esta deve ser analisada a partir de uma leitura histórica e contextualizada. Devemos buscar resgatar a gênese da sexualidade tal qual a vivemos e a concebemos atualmente em nossa sociedade. A sexualidade deve ser sempre pensada e debatida a partir do campo das relações sociais, da cultura, dos valores e formas sociais de vida, algo vivido no âmbito individual, mas cuja constituição nos sujeitos é regida pelas normas e valores sociais vigentes. A construção de tabus como a proibição do sexo antes do casamento pela Igreja católica, ou então, a heterossexualidade enquanto algo esperável são exemplos disso.

Se temos como adolescência o momento em que homens e mulheres começam a ingressar no universo adulto, não há como negarmos que a sexualidade acaba sendo um ingrediente presente. É evidente que a sexualidade, que tem seu lugar no corpo humano, deve ser considerada nos seus aspectos biológicos. Entretanto, as mudanças físicas ocorridas na adolescência devem ser significadas na cultura. Dessa forma, não podemos ignorar os processos de maturação fisiológica, ao mesmo tempo devemos compreendê-los na sua dinâmica sociocultural. Se tínhamos a sexualidade com uma função básica: a sobrevivência da espécie, hoje acaba tendo contornos muito mais complexos e que, por muito tempo, foram ignorados pela Psicologia ao naturalizar este fenômeno.

Para Bock, Furtado e Teixeira (2002), a sexualidade passa a ser uma incógnita por ser recoberta de preconceitos, de moralismo, de dúvidas. Na nossa cultura o sexo em si, por exemplo, acaba sendo um tabu por ser algo velado e em que o adolescente acaba tendo muitas perguntas e poucas respostas, o que gera uma ansiedade de certa forma esperada. Na adolescência, tem-se a emergência de várias questões ligadas à sexualidade, como: a opção sexual, o início da atividade sexual-afetiva, anticoncepção etc. Na juventude, em específico a questão sexual, é aflorada e se apresenta diante da contradição desejo/repressão.

De forma geral, como apresentam Aguiar, Bock e Ozella (2007), a contradição básica da adolescência está no fato de que os jovens apresentam todas as possibilidades de se inserir na sociedade adulta em termos cognitivos, afetivos, de capacidade de trabalho e de reprodução, no entanto, esse não é autorizado a essa inserção. Dessa relação e contradição será constituída grande parte das características daquilo que concebemos como adolescência: rebeldia, instabilidade, busca de identidade e conflitos. Por isso, não há como negar estas dificuldades, no entanto, elas foram e são construídas socialmente. O “ser” jovem é o “ser” vinculado nos meios de comunicação, fruto das relações que estabelecemos cotidianamente a partir da contradição condição/autorização.

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TÓPICO 3 | ADOLESCÊNCIA

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Em síntese, a nossa sociedade ocidental, além da infância, criou uma etapa do desenvolvimento como passagem do mundo infantil para o mundo adulto. Em outras épocas isso não se deu dessa maneira. De um simples ritual de iniciação, esse momento foi transformado em algo complexo, complexo como as relações dos homens entre si e com a natureza hoje.

UNI

A seguir, você lerá um trecho de um artigo publicado na Folha de São Paulo, em 20 de setembro de 1998, pelo psicanalista Contardo Calligaris e citado por Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 303-304). Em contramão com a psicanálise clássica, suas palavras revelam muito bem o contraposto entre a visão hegemônica da adolescência e a concepção de adolescência enquanto construção recente.

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UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL

LEITURA COMPLEMENTAR

A SEDUÇÃO DOS JOVENSContardo Calligaris

De qualquer forma, para que a adolescência seduza os adultos, é necessário primeiro que ela exista. Só recentemente ela se tornou uma ideia forte na nossa cultura. O conceito de um momento crucial e crítico da vida, entre a infância e a vida adulta, afirma-se no fim do século passado. A adolescência é vista como um momento difícil, arriscado, de preparação e acesso ao exercício da sexualidade e da plena autonomia social. Ela é concebida como o corolário psicológico e social de uma crise biológico-hormonal de crescimento.

As coisas mudam quando a antropóloga Margaret Mead publica, em

1928, Coming of Age in Samoa (crescendo em Samoa), com o intento específico de mostrar que os tempos da vida não são ciclos naturais ou biológicos, mas culturais. Mead mostra que a adolescência nas ilhas Samoa mal merece ser considerada um momento específico da vida, ou seja, a adolescência como nós parecemos concebê-la não é a tradução psicológica obrigatória das tempestades hormonais da puberdade. O estresse da adolescência – ela afirmava – “está em nossa cultura, não nas mudanças físicas pelas quais passam as crianças”.

Tornava-se então possível e necessário se perguntar por que, logo em

nossa cultura, a adolescência se constituiria numa época proverbialmente difícil e crucial. A resposta de Mead vale ainda hoje. Em resumo, ela dizia: em uma sociedade aberta como a nossa – na qual a função social de cada um não é decidida de antemão – a adolescência é um momento de grande intensidade dramática, por ser o tempo da possibilidade (e necessidade) de preparar e fazer escolhas decisivas para a vida futura.

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RESUMO DO TÓPICO 3

As informações principais deste tópico podem ser resumidas nos seguintes itens:

• A partir de uma perspectiva temporal é possível dizer que a adolescência é um estágio intermediário do desenvolvimento, se coloca entre a infância e a vida adulta.

• Tanto a Psicologia como as ciências médicas historicamente acabaram naturalizando, universalizando e patologizando a adolescência.

• Tanto a Psicologia Social como a Antropologia tendem a compreender a adolescência como uma invenção cultural já que, como compreendida por nós, não se faz presente em algumas sociedades.

• Na perspectiva adotada neste tópico, a adolescência pode ser considerada uma fase típica do desenvolvimento do jovem na nossa sociedade industrializada e que exige um período específico de preparo para o ingresso no mundo do trabalho, assim como se fazem presentes várias contradições como desejo/repressão e condição/autorização.

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1 Interprete a afirmação da antropóloga Margaret Mead presente no texto complementar anterior: “O estresse da adolescência está em nossa cultura, não nas mudanças físicas pelas quais passam as crianças”.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 4

IDADE ADULTA E VELHICE

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Normalmente, ao se referir à Psicologia do desenvolvimento, tem-se a ideia de que esta é uma área da Psicologia voltada a compreender como se dá o desenvolvimento humano do nascimento até a morte. Entretanto, ao entrarmos em contato com a literatura da área, percebemos que a maioria do material voltado a esta temática se volta à compreensão da infância. O que fica evidente no estudo do desenvolvimento humano é que este acabou sendo considerado por muito tempo como sinônimo de desenvolvimento infantil e isto mudou apenas recentemente.

A vida adulta e a velhice, enquanto etapas estudadas no campo do desenvolvimento humano, é algo verificável somente nas últimas décadas, e este surgimento tardio fica claro ao nos depararmos com a escassez de material voltado especificamente à maturidade, enquanto momento importante e merecedor de aprofundamento na Psicologia.

Mesmo com essa limitação, a seguir serão apresentadas e discutidas algumas nuances importantes presentes na vida adulta e velhice, períodos significativos do desenvolvimento humano.

2 IDADE ADULTA

A vida adulta e a velhice constituem desafios a todas as sociedades humanas, sobretudo no mundo moderno, cuja dimensão social se encontra centrada na juventude, como mito e como valor que orientam a percepção de mundo e a compreensão possível da vida. No entanto, como afirma Gusmão (2001), ao ser vivida, a própria vida se encarrega de destruir o mito e expor a realidade humana em sua fragilidade biológica e social.

Papalia, Olds e Feldman (2006) expõem que a idade adulta já foi considerada um período relativamente estável, no entanto, parece mais coerente termos que, assim como em outras fases do desenvolvimento humano, o debate deve ir além da questão estabilidade versus mudança, já que o desenvolvimento psicossocial envolve ambas e a questão central deve ser: que tipos de mudança ocorrem? O que os ocasiona?

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UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL

A palavra maturidade pode se referir tanto à vida adulta quanto à velhice, já que normalmente é compreendida como sinônimo de idade madura, estado em que há maturação, amadurecimento. Os dicionários trazem também outros aspectos como precisão, exatidão, prudência, perfeição, primor. Diante destes aspectos presentes na maturidade, fica evidente a mesma enquanto um rol de qualidades tanto objetivas como subjetivas. A maturidade, portanto, envolve várias dimensões: social, cultural, biológica, psicológica, dentre outras. No entanto, o desafio não está em definir o que é maturidade para entendê-la como uma época ou fase específica da vida, já que como afirma Iturra (apud GUSMÃO, 2001, p. 117), “[...] a maturidade tanto pode chegar aos 14 anos como aos 40, como aos 80, nada tem a ver com a idade, tem a ver com o entendimento do real [...]”.

Dessa forma, o desenvolvimento da personalidade adulta depende menos da idade e mais de eventos importantes da vida, como: o casamento, a vida profissional, o nascimento dos filhos, dentre outros bastante significativos. Lidz (apud MOSQUERA, 1978) afirma que se compararmos a vida com uma peça teatral, a adultez é o período no qual se chega ao ponto culminante do drama. Todas as personagens já apareceram em cena, já que se apresentou o tema e, ao findar o terceiro ato, chega-se ao desenlace que conduzirá à conclusão da peça no quarto ato. Na vida adulta, diferente da adolescência, que é repleta de alterações corporais e exigências das mais diversas, aparentemente, atinge-se certo grau de estabilidade. Nessa fase, normalmente, tem-se uma profissão, um lar, uma família, o que garante um novo lugar, uma nova relação até então não vivenciada pelo jovem. Por outro lado, como apresentado por Papalia, Olds e Feldman (2006), a idade adulta acaba sendo um período movimentado e, às vezes, até estressante, por ser repleta de muitas responsabilidades e se ter a emergência de múltiplos papéis, como: administrar o lar, departamentos ou empresas, ter filhos ou lidar com a independência dos mesmos, talvez cuidar de pais idosos e ainda iniciar novas carreiras.

Embora seja perigoso e, muitas vezes pouco interessante, é necessário buscar estabelecer uma certa padronização de comportamentos por faixa etária e se ter consciência disso. Isso pode nos ser útil para buscarmos pensar sobre algumas questões comuns e presentes na vida de muitas pessoas. Para Mosquera (1978), o adulto que tem por volta de trinta anos desfruta de certa estabilização, como citado no parágrafo anterior, por ter no âmbito pessoal e profissional mais certezas do que indefinições. Com quarenta anos de idade, chega-se ao auge de uma busca de consolidação, em que se colhem os frutos do esforço de uma vida repleta de buscas e de superação de desafios. Nesse momento, fica claro o que é realizável e o que agora já é visto como inalcançável ou inatingível, o que só é evidente ao se atingir uma certa maturidade. Com cinquenta anos de idade, a capacidade física decresce e começam a ser abandonadas atividades que antes faziam parte do repertório de comportamentos rotineiros. Tarefas sedentárias e contemplativas substituem gradativamente as atividades anteriormente bastante intensas. Com sessenta anos, o adulto aproxima-se da velhice, na qual se prepara para receber sua aposentadoria e, mais importante do que isso, de encerrar sua vida profissional, deixando esta a cargo de pessoas mais jovens.

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TÓPICO 4 | IDADE ADULTA E velhice

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Para Erikson, o funcionamento psicológico saudável na fase adulta depende do êxito na resolução da chamada crise de geratividade versus estagnação. Propõe a ideia de que saúde e doença são sinônimos de geratividade e estagnação e esta resolução ocorre nos relacionamentos sociais a partir do desempenho de vários papéis. A geratividade é fundamental para um ajustamento psicossocial bem-sucedido. Nesse sentido, a geratividade é algo que surge na idade adulta e pode ser definida como o interesse em guiar a geração seguinte. É mais do que a paternidade e a maternidade, embora esses processos sejam bons exemplos de geratividade e representem momentos cruciais do desenvolvimento afetivo humano. De forma geral, geratividade pode ser entendida como uma capacidade de cuidado e implica em responsabilidade para com os outros. Essa consciência gerativa se estrutura com o desenvolvimento e a maturidade do adulto e traz ao mesmo a noção de responsabilidade social, um sentimento de grande valia para o crescimento pessoal.

IMPORTANTE

O conceito de geratividade traz a noção de cuidado e atendimento e isso permite pensarmos em adultos gerativos, que se dispõem a “cuidar” de outros adultos. Profissões como a do médico, psicoterapeuta e a do professor podem ser exemplos típicos de geratividade.

Dentro da idade adulta, frequentemente, há ainda a necessidade de se distinguirem vários momentos, dentre eles a meia-idade, período entre as idades de 40 a 65 anos, aproximadamente. Outro critério de definição é o contexto da família. Nesse sentido, uma pessoa de meia-idade seria aquela que possui filhos crescidos e/ou pais idosos. Segundo Chazaud (1986), após os 40 anos, aproximadamente, temos um período de involução, no qual se verificam diferenças individuais significativas tanto na velocidade quanto na sua conotação mais ou menos patológica. Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006), a meia-idade é um período importante por ser uma época em que se olha tanto para frente quanto para trás, os anos já vividos e os anos que virão. Nesse momento é feito um balanço do que já foi vivido, com o intuito de reavaliar objetivos e aspirações e decidir os caminhos a serem percorridos desse momento em diante.

Esse período ímpar é chamado por muitos de crise da meia-idade, caracterizada por uma crise de identidade, que tem outro aspecto importante presente: a consciência da mortalidade. “Muitas pessoas nessa época percebem que não serão capazes de realizar os sonhos de sua juventude ou que a realização de seus sonhos não trouxe a satisfação que esperavam. Sabem que, se quiserem mudar de direção, precisam agir rapidamente” (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p, 630).

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UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL

Em suma, as dificuldades e/ou características da vida adulta estão longe de se limitar a questões sexuais e reprodutoras. A inserção na vida produtiva (trabalho) e nas diferentes formas de vida associativa repercutirão fortemente na construção da subjetividade do adulto. Se de um lado temos uma tendência à aquisição de certa estabilidade, por outro, a idade adulta começa a apresentar dados novos e inquietadores: passa-se por uma crise muito diferente da vivenciada pelo adolescente. Na idade adulta começam a ser percebidos indicativos de um gradual declínio físico e da capacidade de desempenho. Inicia-se, nesse momento, o envelhecimento propriamente dito, ou melhor, a perda de algumas habilidades e potencialidades, algo inusitado e causador de uma justificável angústia.

3 VELHICE

Se algumas sociedades tradicionais tinham a velhice como sinônimo de sabedoria, em que o ancião, por ter acumulado experiência, saber e ter algo a transmitir, era altamente respeitado e requisitado, entretanto, infelizmente, hoje é vista como sinônimo de afastamento e dificuldades das mais diversas.

Lidz (apud MOSQUERA, 1978) afirma ser algo um tanto arbitrário a proposição de que a velhice principia em torno dos sessenta e cinco anos de idade. Segundo ele, critério mais interessante é a aposentadoria, o que aprofundaremos em breve. Segundo Beauvoir (1990), é muito difícil precisar quando exatamente começa a decadência senil, visto que são muitos os fatores que acabam interferindo no envelhecer humano. Um destes é a classe a qual se pertence. Um mineiro, aos 50 anos, será um homem “acabado”, ao passo que entre os privilegiados, muitos carregarão alegremente seus 80 anos.

Bastante comum é a compreensão de velhice como terceira idade, caracterizada por um período no qual se olha muito mais para o passado do que para o futuro e o panorama o conduz a reflexões não muito otimistas, como as que a perspectiva do porvir produz no jovem. É comum, nesse momento, ser feito um certo balanço entre o que foi realizado e os frutos obtidos, o que, muitas vezes, acarreta um certo desengano. Dentre as várias dificuldades presentes nesse momento da vida, destacam-se as limitações físicas, mas, sobretudo, e de maior interesse nesse Livro de estudos, as de ordem psicológica e social. Novamente, é importante advertir que a medida e o tempo dos processos de envelhecimento estão submetidos a grandes diferenças individuais. Embora não seja possível negar que haja limitações corporais e dificuldades cognitivas, há casos em que se percebe assombroso vigor físico e mental, ao passo que outros se encontram muito debilitados e em alguns casos em processos de demência.

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TÓPICO 4 | IDADE ADULTA E velhice

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IMPORTANTE

Em contramão ao que normalmente se constata, surge o termo utilizado atualmente “melhor idade”. Esse termo parece ser equivocado diante das várias dificuldades e dos vários obstáculos presentes na velhice e que revela um movimento que pode ser chamado de “juvenização da velhice”, ou seja, em que cada indivíduo tenta construir para si uma idade desejada, que difere da idade que possui.

Para marco de início da velhice, vários autores têm a aposentadoria como algo com um significado importante. Associada a ela, surge um novo modo de vida que precisa ser bem assimilado. Se biologicamente a velhice é a etapa da vida caracterizada pela queda da força e degeneração do organismo, da mesma forma existem implicações sociais e psicológicas que não podem deixar de ser consideradas. Se o envelhecimento biológico pode ser considerado como inerente ao processo da vida, muitos reflexos psicológicos e sociais podem e devem ser contextualizados. É importante o fato de que o envelhecimento biológico por si só traz mudanças inevitáveis no campo psicológico. A dificuldade em realizar coisas, que anteriormente eram fáceis e consideradas significativas, acaba por despertar um sentimento de perda e inutilidade, típico nessa faixa etária.

Em relação à aposentadoria, citada no início do parágrafo anterior, o fato é que são vários os estudos que trazem os efeitos deletérios da aposentadoria da vida dos idosos e a perda de áreas de interesse, que acabam por dar sentido às suas vidas. De tão preocupante essa questão, tem-se observado mortes repentinas em pessoas que a pouco tempo são aposentadas.

Essas ocorrências são mais comuns naquelas que passaram quase toda a sua vida ocupadas em um trabalho especializado e acabaram não encontrando satisfação em outros aspectos da vida. Algumas empresas, diante da constatação de que uma aposentadoria brusca, em muitas pessoas, pode ser uma ameaça para a saúde, optaram por estabelecer aposentadorias parciais, promovendo, dessa forma, uma gradual transição no ato de aposentar. Para McKinney (apud MOSQUERA, 1978), a aposentadoria traz consigo o abandono ou a diminuição da força de trabalho, o que acaba por ameaçar a integração de si mesmo. Na nossa cultura, a aposentadoria é tida como o não emprego e, aliado a isso, são vários os reflexos sentidos pelo idoso, principalmente de ordem psicológica e social.

O que parece estar em voga nessa discussão é que uma das melhores garantias para a conservação de uma boa saúde na velhice é estar ocupado em coisas que despertam verdadeiro interesse. Para Beauvoir (1990), é exatamente esse o grande desafio para o idoso, continuar perseguindo fins que deem sentido à nossa vida: dedicação a indivíduos, a coletividades, a causas, trabalho social ou político, intelectual, criador.

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UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL

No campo relacional, como expõe Chazaud (1986), os apegos são geralmente questionados, assim como os papéis familiar, sexual e profissional. De forma geral, o grande drama, que parece estar presente no idoso, é a mudança brusca de seu padrão de vida. Seu modo habitual de se relacionar, de fazer, de se comportar, e que durante muito tempo fez parte do seu repertório, precisa ser agora reformulado e, por isso, gera medo e incerteza.

Outro grande drama é a morte. Embora inevitável e encerre a história de uma existência, para muitos acaba não sendo uma ameaça a ideia de uma ampulheta com a areia chegando ao fim e a impossibilidade de começar essa contagem novamente, despertando um sentimento único para o ancião.

O corpo passa a ser uma preocupação, principalmente no campo cognitivo, a partir do momento em que se constata a depreciação das funções intelectuais, como: a concentração, memória, fluidez mental e percepção. Estranhamente, o envelhecimento psicológico nem sempre é estreitamente relacionado à senilidade orgânica. Não há dúvida que há uma deterioração no nível orgânico, no entanto, a grande questão que se coloca é o que vem antes: o processo orgânico acarreta disfunções cognitivas ou o isolamento afetivo desencadeia essas alterações físicas? Vários estudos compartilham a ideia de que é uma via de mão dupla.

O fato é que a velhice assume um alto significado por trazer o fim de um processo. Se o ser nasce, cresce, amadurece, envelhece e morre, esse último período acaba sendo único, por ser pautado em um declínio no desenvolvimento, o que nos incumbe da responsabilidade de perceber e ter atitudes diante disso, surgindo, assim, um problema central. Para Beauvoir (1990), o que caracteriza a atitude prática do adulto para com os velhos é sua duplicidade. O adulto, por um lado, inclina-se a agir de acordo com a moral vigente e, por uma pressão societal de séculos, a respeitar os idosos, enquanto, por outro lado, há o interesse em tratá-los como inferiores e em convencê-los de sua decadência. Segundo Beauvoir (1990), de maneira dissimulada, o adulto tiraniza o velho que depende dele. A sociedade pré-fabrica a condição mutilada presente na última idade e, muito por culpa dela, a decadência senil começa prematuramente, explorados, alienados e considerados “refugos”, “destroços”, denunciando o fracasso de uma civilização.

Se não há como negarmos que a partir de certo número de anos o organismo humano sofre uma involução com uma redução das atividades do indivíduo, uma diminuição das faculdades mentais e uma mudança de atitude em relação ao mundo são impressionantes, que um grande número de animais morrem sem passar por um estágio degenerativo. Imaginada uma sociedade ideal, poderíamos afirmar que talvez a velhice não existisse. O indivíduo secretamente enfraquecido pela idade, mas não aparentemente debilitado, seria um dia acometido de uma doença e não resistiria. Infelizmente, a sociedade acaba se preocupando com o indivíduo somente na medida em que ele rende.

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TÓPICO 4 | IDADE ADULTA E velhice

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Para Lloret (apud GUSMÃO, 2001), o caráter do mundo moderno, em sua natureza capitalista, está dado pela ordem produtiva que torna o jovem e o adulto como úteis e compreende o velho e a velhice como uma irrupção perigosa da ordem, já que não são mais produtivos para o capital. Nesse sentido, os marginais da ordem devem ser postos sob controle, passando, agora a fazer parte de uma nova etapa da educação, que busca o enquadramento e a adaptação. O saber acumulado pelo velho o habilita a um lugar de destaque, porém, em uma sociedade centrada no jovem e no que representa sua força de trabalho e produção, o velho torna-se aquele que já não pode responder aos objetivos do sistema. São, pois, sujeitos reprimidos no contexto social, sem possuir ou ter uma forma particular de expressão.

UNI

A seguir será apresentado um texto de Antropologia, uma ciência “parceira” da Psicologia Social e que apresenta um conteúdo significativo tanto para a compreensão da velhice como do desenvolvimento humano considerado como um todo.

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UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL

LEITURA COMPLEMENTAR

MATURIDADE E VELHICE DA PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA

N. M. M. de Gusmão

De modo geral, entre os antropólogos, afirma-se que a idade é uma construção social. Para Debert (1998, p. 51), a idade não é um dado da natureza, nem um princípio natural dos grupos sociais, nem um fator explicativo dos comportamentos humanos. O processo biológico que nos constitui, afirma a autora, resulta da elaboração simbólica que define fronteiras entre as idades pelas quais os indivíduos passam e que não são necessariamente as mesmas em todas as sociedades. De igual modo, Motta (1998, p. 227) observa que as sociedades, em diferentes momentos históricos, atribuem um significado específico às etapas do curso de vida dos indivíduos, conferindo-lhes papéis e funções. Assim, alguém pode ser socialmente velho sem estar biologicamente velho ou vice-versa, ou, ainda, um fato pode corresponder ao outro.

Tais circunstâncias exigem que se olhe para determinadas realidades empíricas, a fim de fazer-lhes uma leitura que revele o lugar do velho e da velhice. Uma leitura que mostre alternativas de inserção social do velho, que rompa com papéis previstos e prescritos, impondo uma rebeldia que inove, conteste e mostre ser possível à velhice atitudes e comportamentos marcados por ações e iniciativas inteiramente outras e, portanto, transformadoras.

FONTE: Gusmão, (2001. p. 123)

UNI

O texto anterior deixa claro que a velhice, assim como as demais fases do desenvolvimento humano, não passa de construções sociais, logo é passível de mudanças e não se revela enquanto uma resposta direta à idade cronológica pura e simplesmente. No grupo indígena suyá, estudado por Seeger (apud GUSMÃO, 2001), os velhos são tomados por absoluta irreverência e têm atitudes cômicas, inclusive em relação a temas considerados privados ou pouco falados como a sexualidade. Espera-se que o comportamento do velho ou da velha seja o oposto daquele que o suyá moralmente correto deve ter. Além de representar o divertimento e a comédia, são respeitados e prestigiados ao adentrar à “classe de idade dos velhos”. Diante de uma realidade bastante diferente da nossa, podemos perceber que a velhice na nossa sociedade acaba tendo contornos bastante diferentes e característicos. A velhice e o envelhecimento em nossa sociedade fazem parte de um processo contraditório, no qual o velho transita entre ser e não ser parte integrante das relações sociais, ter e não ter um lugar e um papel que diga de si e diga de sua experiência consolidada pela maturidade. Se a velhice deveria ser o momento em que se coroa toda uma existência, no cotidiano percebemos que estamos longe disso.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Dentre as várias informações levantadas neste tópico, em relação à idade adulta e à velhice, destacam-se as seguintes:

• Por muito tempo o desenvolvimento humano se resumiu ao estudo do desenvolvimento infantil, em contramão à ideia de processo que se dá do nascimento à morte.

• A palavra maturidade prevê um estado em que há amadurecimento. Tanto a idade adulta quanto a velhice se enquadram nessa categoria.

• A idade adulta pode ser caracterizada como um período de estabilidade, por um lado, em que normalmente tem-se um lar, uma profissão, uma família. Por outro lado, juntamente surge uma carga de responsabilidades e a emergência de múltiplos papéis, algo até então inusitado.

• A velhice pode ser considerada um período de involução, no qual, além das limitações físicas, econtram-se outras de ordem psicológica e social.

• O grande dilema presente no idoso é a mudança e o abandono brusco de seu padrão de vida anterior. A aposentadoria é um exemplo disso. Compreendido como aquele que não “rende” mais, o grande desafio parece ser encontrar objetivos que deem sentido à sua vida.

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1 Depois de lido este tópico, faça uma síntese dos aspectos psicossociais mais importantes presentes na idade adulta e velhice.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 5

COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL E PRÓ-SOCIAL

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Em se tratando de desenvolvimento humano, além do estudo de características gerais decorrentes das chamadas fases ou ciclos de desenvolvimento, há também outras possibilidades de análise. Neste tópico trataremos do comportamento antissocial, mais especificamente da agressão, assim como o seu oposto, o comportamento pró-social, denominado altruísmo.

Por estarmos tratando de desenvolvimento humano a partir da perspectiva da Psicologia social, este tópico se faz relevante por serem foco da nossa análise os comportamentos a “favor” ou “contra” a coletividade, comportamentos estes que se dão nas relações sociais e com implicação direta aos que nos rodeiam.

2 O COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL: AGRESSÃO

Talvez um dos temas mais presentes nos mais diversos meios de comunicação seja o da agressão e o da violência. Inúmeros casos são apresentados, casos estes que revelam a capacidade do homem em ocasionar danos aos demais, muitas vezes de forma bastante fria e gratuita. Este passa a ser um fenômeno contemporâneo, universal, tendência não seguida por algumas comunidades isoladas do alcance da tecnologia e do progresso. Você já pensou nisso? Não seria o homem primitivo menos agressivo? Estas e outras questões nos fazem pensar sobre o rumo equivocado que estamos tomando e na capacidade ou não de mudarmos isso.

É alarmante a constatação de que, ao mesmo tempo em que vivenciamos intenso progresso e desenvolvimento construído pelo homem, somos tomados por atos até então nunca imaginados, atos que se contrapõem ao adjetivo “racional”. Pegando como exemplo o assassinato, temos a seguinte colocação que nos faz refletir exatamente sobre isso. “O assassinato dentro da própria espécie, seja em escala individual ou coletiva, é um fenômeno desconhecido no reino animal, exceto pelo homem e por algumas variedades de ratos e formigas”. (KOESTLER, apud RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 1999, p. 203).

Mesmo que tenhamos consciência de que principalmente a Psicologia busca analisar este fenômeno por um viés individual, e algumas abordagens inclusive defendem uma propensão natural dos homens para agredir (instinto),

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UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL

nossa intenção é refletir a respeito da construção desta problemática, visto que as ações humanas destrutivas parecem ter características e incidências diferentes através do tempo. Isolar estes fenômenos ou simplesmente responsabilizar os sujeitos envolvidos é irmos contra o enfoque psicossocial, enfoque este inclusive que ganha força e predomina atualmente na Psicologia.

Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999, p. 206) definem agressão como “qualquer comportamento que tem a intenção de causar danos, físicos ou psicológicos, em outro organismo ou objeto”. É importante destacar nesta definição a intencionalidade da ação por parte do agente da agressão. Só se caracteriza como agressivo o ato que deliberadamente se propõe a infligir um dano a alguém. Para Morais (1981), se refere a tudo o que é capaz de imprimir sofrimento ou destruição ao corpo do homem, bem como o que pode degradar ou causar transtornos à sua integridade psíquica. Sendo o ser humano uma integração entre físico e psíquico, o que está implícito neste conceito é a afronta à dignidade.

NOTA

Vale a ressalva de que não é tão simples a questão da intencionalidade ou não em se referindo à agressão. No Brasil isso fica evidente no incidente onde jovens de classe média em Brasília incendiaram um índio pataxó que dormia na calçada. Embora houvesse indignação generalizada por parte da população, surpreendentemente o juiz decretou que os jovens não seriam condenados, pois não houve intenção dos rapazes em queimar o índio. Ele interpretou o incidente como uma brincadeira malsucedida.

Adentrando no campo das raízes da violência, é notória a diversidade de perspectivas teóricas que se propõem a explicar o comportamento agressivo dos seres humanos. Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999) citam três categorias gerais de explicação da agressão. A primeira a tem como associada à natureza humana. Desta forma, inevitavelmente o ser humano terá que encontrar uma forma de expressá-la. A segunda parte do princípio de que a mesma é uma resposta à frustração. A terceira e última acredita que a agressão é essencialmente aprendida, resultado das relações sociais que estabelecemos e que se dá no processo de socialização. Em geral a Psicologia social acaba privilegiando a última, por ter severas restrições às teorias instintivas, o que não significa desmerecimento de uma base biológica. Já em relação à hipótese da frustração-agressão, o grande entrave parece estar na relação direta entre esta dicotomia. Não necessariamente a frustração gera agressão.

A partir de uma perspectiva bastante objetiva, Bandura (apud RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 1999) sugere dois tipos básicos de aprendizagem: a aprendizagem instrumental, que defende que qualquer

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TÓPICO 5 | COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL E PRÓ-SOCIAL

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comportamento que é reforçado ou recompensado tem maior probabilidade de ocorrer no futuro, e a aprendizagem observacional, que prevê que podemos aprender novos comportamentos pela observação das ações de outras pessoas tidas como modelos.

IMPORTANTE

Não há como negar a influência da mídia atualmente (televisão, internet etc.) no tocante à agressão. Não é possível dizer que há uma relação direta entre estímulos agressivos e comportamento agressivo, embora pareça que a mesma pode servir como amplificadora de padrões societários.

Quanto à possibilidade de controlarmos e prevenirmos a agressão, vislumbram-se perspectivas mais pessimistas ou mais otimistas, dependendo do ponto de vista adotado. Os que concebem a agressão como algo inerente ao ser humano serão pessimistas. Já os mais otimistas se valem de explicações sociopsicológicas. Se fatores ambientais e sociais são responsáveis pela aquisição e manutenção de comportamentos agressivos, mudanças nesse sentido levariam a decréscimos da agressão e da violência.

Os fatores ambientais e sociais são centrais para a Psicologia social, e isso nos faz questionar muitas coisas nas quais somos submetidos. Isto fica claro na colocação de Auzelle (apud MORAIS, 1981, p. 16):

O consumo faz as cidades e o excesso de consumo as desfaz. Os espaços das metrópoles estão literalmente tomados por uma noção comercial da vida. É ali que se fabricam febrilmente necessidades, é ali que os moradores se têm que render ao feitiço dos objetos, de possuir objetos. Especialistas afirmam que a objetalidade (consumo desvairado de coisas) excita a ambição, e esta instala a frustração. Há os que não podem seguir o ritmo terrível do consumo, mas, ao longo de sua história de vida, desenvolveram alguma possibilidade de assumir suas impossibilidades. Mas há também aqueles que, não podendo acompanhar a maratona do possuir, transformam a fragilidade que suas frustrações impõem num feroz potencial de agressividade.

Desta forma, embora possamos dizer que a agressividade, de alguma forma, sempre se fez presente, tal como compreendida hoje, está bastante arraigada ao homem moderno. Desta forma, sua nova face é um fenômeno típico de nossa época, está diretamente relacionada ao modo de ser do homem contemporâneo. Se antes tínhamos a violência como uma defesa para a sobrevivência, hoje ela se delineia diferentemente e se torna a maneira pela qual o homem passa a organizar sua vida em comum com outros homens (ODALIA, 1983).

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UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL

Villamarín (2002) afirma que parece haver acordo entre os cientistas sociais como também entre os psicólogos, e até mesmo da população em geral, quanto ao entendimento de que os fantásticos progressos alcançados pelo homem nos mais variados campos da ciência e da tecnologia não foram acompanhados pelo aperfeiçoamento psicológico e moral dos indivíduos.

Morais (1981) ressalta os aspectos sociais relacionados ao crime ao afirmar que a maior parte dos crimes (e até mesmo das doenças mentais) resulta da opressão das injustiças sociais, da miséria financeira ou afetiva. A partir desta concepção, descontados os distúrbios orgânicos e as doenças mentais com suas consequências, todos os demais crimes são políticos. Afirma ele que quisera ser um pessimista, pois este encontrou a verdadeira fórmula do descanso. Ora, se tudo está perdido, não nos resta outra coisa senão contemplar o espetáculo. O que está em jogo é a negação da tendência de naturalizarmos aquilo que é fruto da ação humana. Se, como diz José Ortega y Gasset, a violência é a retórica de nosso tempo, cabe a nós construirmos algo diferente do que presenciamos cotidianamente.

Segundo Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999), alguns psicólogos sociais consideram a necessidade de estimular o sentimento de empatia e altruísmo nas pessoas como forma de prevenir a agressão. Seria este o oposto da desumanização, comportamento que será melhor discutido a seguir.

3 O COMPORTAMENTO PRÓ-SOCIAL: ALTRUÍSMO

Oposto à agressão, temos os comportamentos em prol da coletividade, sejam eles chamados de generosidade ou mesmo solidariedade. São muitos os exemplos de atos humanos voltados ao bem dos outros, sejam eles indivíduos ou grupos. Esta outra perspectiva nos traz uma visão mais positiva e otimista acerca das possibilidades humanas de convívio e relacionamento social. Em Psicologia social estas e outras condutas se enquadram no rótulo comportamento pró-social, sendo o altruísmo uma de suas formas.

Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999) definem altruísmo como qualquer ato que beneficia alguém, sem trazer qualquer benefício para quem o faz. É comum envolver ainda algum custo social para aquele que ajuda. São exemplos de comportamentos dessa natureza o comportamento de alguém que arrisca a sua própria vida para salvar alguém sem se preocupar com qualquer tipo de recompensa ou com a possível imagem de herói decorrente da ação.

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TÓPICO 5 | COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL E PRÓ-SOCIAL

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NOTA

Não há como negar o dilema presente na definição de altruísmo. Pode o homem ser capaz de renunciar às suas necessidades e desejos em detrimento das necessidades dos outros?

Uma primeira questão parece ser fundamental nessa discussão: que motivos induzem as pessoas a fazer alguma coisa em favor de alguém em necessidade? Como no comportamento antissocial, o comportamento pró-social pode ser adquirido via reforçamento e modelação. Pelo princípio do reforço, repetimos e aumentamos a frequência dos comportamentos que trazem consequências positivas para nós. Desta forma, as crianças, por exemplo, aprendem a ajudar os outros quando são recompensadas por estes comportamentos. Embora para os críticos da teoria do reforço o altruísmo não passa de uma falácia, é possível dizer que este retorno pode ser bastante sutil, como um sentimento de bem-estar, não relacionado diretamente a um egoísmo ou desejo de uma recompensa imediata pela ação feita.

Para Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999), a partir do enfoque da sociobiologia ou da chamada teoria evolucionista que retoma a teoria de Charles Darwin, o altruísmo seria explicado como componentes constitutivos no nosso código genético. Esta teoria é passível de contestação, ao detectarmos uma certa incoerência. Se o objetivo maior dos seres humanos é garantir a própria sobrevivência, por que ajudar os outros com os custos e riscos envolvidos?

Para uma parcela significativa de teóricos em Psicologia social, o comportamento pró-social pode ser explicado, sobretudo, pela cultura na qual estamos inseridos. Isso fundamenta-se na constatação de que há diferenças significativas na tendência a manifestar comportamentos pró-sociais de uma cultura para outra. Segundo Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999), o altruísmo é fortemente estimulado nas chamadas culturas coletivistas (culturas latino-americana e asiática). Em sentido contrário, nas culturas individualistas, como a norte-americana e a canadense, esse tipo de comportamento já é bem menos visível. Enquanto na primeira temos que o bem-estar do grupo prevalece sobre os desejos individuais, na segunda a busca dos objetivos pessoais se sobrepõe à responsabilidade individual pelo bem coletivo.

A partir desta visão claramente antropológica, os padrões sociais predominantes em uma dada cultura acabam por interferir diretamente na tendência a nos comportarmos de forma mais ou menos altruísta. Desta forma, não há como negarmos que os indivíduos também ajudam os outros diante de certas normas que prescrevem o comportamento apropriado em determinadas situações. Nesses casos teríamos algo como: “algo me diz que devo ajudá-lo(s)”. De acordo com Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999), estas normas criam uma base sólida para o comportamento pró-social.

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UNIDADE 2 | DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL

Através do processo de socialização os indivíduos aprendem e incorporam normas que favorecem a se comportar pró-socialmente. Três normas sociais são consideradas por eles importantes na promoção do comportamento de ajuda: norma da reciprocidade, norma da justiça social e norma da responsabilidade social. A norma da reciprocidade prescreve sinteticamente que tendemos a retribuir os benefícios e favores que recebemos dos outros. Nesse sentido, geralmente ajudamos quem já nos ajudou ou quem esperamos que nos ajude no futuro. Já as normas de justiça social, principalmente a da equidade, nos pressionam a buscar promover relações justas entre as pessoas. Tendemos a promover a equidade nas relações que estabelecemos com os demais. Já a norma da responsabilidade social nos induz a ajudar as pessoas que dependem de nós ou que são incapazes de se autogerenciar. Em suma, as explicações normativas, aquelas as quais internalizamos padrões sociais de comportamento que nos motivam a agir segundo esses padrões, são úteis para o entendimento do comportamento de ajuda.

Infelizmente, há uma grave constatação a ser feita. Atualmente, tomados pela cultura ocidental que valoriza muito mais o “ter” do que o “ser”, o comportamento pró-social perde espaço. Diante da lógica do “salve-se quem puder”, o individualismo exacerbado nos faz ter dificuldade em se preocupar e agir em prol dos demais.

É importante destacar que, independente dos motivos que levam as pessoas a ajudarem os outros, não há como negar que existem outros tipos de fatores associados. Como explicar que, em determinadas situações, certas pessoas mostram-se mais altruístas e outras mais egoístas? Nestes casos é um tanto óbvio que apenas explicações culturais e societárias acabam sendo bastante restritivas. Estamos, nesse caso, falando de diferenças individuais que dizem respeito ao modo bastante particular de cada um ser e se comportar no mundo. Estamos falando de personalidade ou subjetividade, termo preferido neste material. Embora estejamos em um contexto “X”, isto não garante que seremos uma reprodução fiel do mesmo. Como afirma Sartre: somos livres porque fazemos escolhas. Temos capacidade de discernimento, não somos tão passivos quanto alguns imaginam, e nem tão autônomos como podemos julgar ser. A Psicologia social ressalta o papel das relações sociais que estabelecemos não por julgar que aí está a explicação do porquê somos o que somos, mas por perceber que a Psicologia em vários momentos de sua história negou este viés.

ESTUDOS FUTUROS

Conceito relacionado ao que estamos falando é o conceito de subjetividade, que será apresentado na última unidade.

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TÓPICO 5 | COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL E PRÓ-SOCIAL

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Para encerrar este tópico, segue um breve texto que nos faz refletir sobre as diversas possibilidades de nos apresentarmos no mundo a partir de uma perspectiva otimista que nos leva à ação.

Todos nós temos o potencial para nos tornarmos pessoas altruístas ou agressivas. Mas ninguém será altruísta se suas experiências lhe ensinarem a se preocupar apenas consigo mesmo. O relacionamento humano é intrinsecamente satisfatório e prestativo. Basta deixarmos que isso aconteça.

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RESUMO DO TÓPICO 5

Deste tópico é importante que você tenha claro que:

• Em se tratando de desenvolvimento humano, uma possibilidade de análise é o estudo dos comportamentos pró ou contra os outros seres humanos.

• A agressão, um tipo de comportamento antissocial, pode ser compreendido como qualquer comportamento que tem a intenção de causar danos, físicos ou psicológicos, em outro organismo ou objeto.

• Oposto à agressão temos os comportamentos pró-sociais. Um deles é o chamado altruísmo, normalmente entendido como o ato que beneficia alguém sem trazer qualquer benefício para quem o faz.

• Tanto a agressão como o altruísmo, para a Psicologia Social, têm base fundamentalmente social, embora não sejam descartados os componentes biológicos.

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1 Questão única: Defina agressão e altruísmo expondo a visão da psicologia social a respeito de como esses comportamentos fazem parte do repertório comportamental do homem contemporâneo.

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 3

CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• apresentar alguns conceitos básicos em Psicologia Social;

• propor uma leitura da realidade a partir de algumas categorias da Psicologia Social.

A Unidade 3 está dividida em cinco tópicos. Ao final de cada um deles, você terá a oportunidade de fixar seus conhecimentos realizando as atividades propostas.

TÓPICO 1 – SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE

TÓPICO 2 – ATIVIDADE E CONSCIÊNCIA

TÓPICO 3 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

TÓPICO 4 – IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO

TÓPICO 5 – COMUNIDADE E SOCIEDADE

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TÓPICO 1

SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Ao buscarmos nos aproximar dos estudos em Psicologia Social, não há como negarmos algumas categorias fundamentais, conceitos de extrema relevância e que servem como base aos estudos na área. Entre esses conceitos importantes, destacam-se “subjetividade” e “identidade”. Se tivermos a subjetividade como o “ser” e a identidade como o “pensar ser”, não há como negarmos a relação desses dois conceitos e o fato de que os mesmos acabam servindo para a análise e compreensão do homem, sobretudo, do homem moderno, um dos grandes objetivos da Psicologia Social contemporânea.

Neste tópico, entraremos em contato com esses conceitos a partir das suas definições, dos elementos que constituem a subjetividade e a identidade, assim como analisaremos essas categorias no contexto histórico-social atual.

2 SUBJETIVIDADE: UM DOS OBJETOS DA PSICOLOGIA

Como já discutimos anteriormente, temos vários objetos de estudo na Psicologia, ou melhor, cada abordagem encarrega-se de defender o estudo de algum componente em específico. Não há como negar que a Psicologia, considerada como um todo, colabora com o estudo da subjetividade e, exatamente, por isso esse termo é encontrado frequentemente nos materiais da área e tem uma importância indiscutível.

Você deve estar se perguntando: “certo, mas afinal, o que é subjetividade?” Bock, Furtado e Teixeira (2002) exploram esse conceito muito bem. Segundo esses autores, a subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós constrói ao longo da vida, a partir do nosso contato com a cultura e com as relações sociais que estabelecemos. Em síntese, a subjetividade diz respeito ao mundo de ideias, significados e emoções construídos internamente pelo sujeito e que nos diferencia dos outros por ser única; ao mesmo tempo que nos iguala, já que tendemos a ter características semelhantes expostas a um mesmo contexto histórico-social.

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UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL

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IMPORTANTE

Termo utilizado frequentemente como sinônimo de subjetividade é o de personalidade, que nos últimos tempos acabou por ser menos utilizado na Psicologia. O termo personalidade, diferente de subjetividade, é mais estático, prevê um conjunto de características fixas que nos acometem e, por isso, inclusive, buscou ser medido através de testes psicométricos.

Dessa forma, o mundo social e cultural, conforme é experienciado por nós, faz com que possamos construir nosso mundo interior. Esse mundo interior pode ser considerado a nossa subjetividade, a nossa maneira de sentir, pensar, fantasiar, sonhar, amar e fazer de cada um. Em suma, é o nosso modo de ser. Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 23) trazem de forma mais concreta o que consiste nossa subjetividade:

Sou filho de japoneses e militante de um grupo ecológico, detesto Matemática, adoro samba e black music, pratico ioga, tenho vontade, mas não consigo ter uma namorada. Meu melhor amigo é filho de descendentes de italianos, primeiro aluno da classe em Matemática, trabalha e estuda, é corinthiano fanático, adora comer sushi e navegar pela internet.

Esse exemplo deixa claro o quanto que cada um de nós tem suas singularidades. Essa síntese, que revela o que somos (subjetividade), é construída aos poucos, ao nos apropriarmos do mundo e, ao mesmo tempo, enquanto atuamos nesse mundo, ou seja, criando e transformando esse mundo (externo), o homem constrói e transforma a si próprio (interno). Dito de outra forma, o indivíduo é, ao mesmo tempo, personagem e autor: personagem de uma história que ele mesmo constrói. Nessa relação, o homem acaba sendo construtor ao mesmo tempo que é construído e, nesse sentido, podemos afirmar que a subjetividade não é fabricada, produzida, moldada pura e simplesmente. Ela é automoldável, ou seja, o homem tem um papel ativo nesse processo ao não assimilar e “digerir” de forma inerte tudo o que é vinculado nos meios de comunicação de massa, ao questionar criticamente muitos hábitos considerados “normais” ou “naturais” etc. Dessa forma, o ser humano não é um mero produto do meio, mas sim participa da construção de si próprio.

Essa perspectiva que nos convoca à ação é compartilhada por Sartre, um dos precursores do Existencialismo, que em várias de suas obras afirma que somos livres, porque fazemos escolhas. Nesta concepção, não importa o que fizeram de nós, mas sim o que fazemos com o que fizeram de nós. Essa afirmação tem o intuito de provocar o homem e convidá-lo para a ação. Se tendemos a ter atitudes “X” e crenças “Y” na nossa sociedade, diante das informações que nos são apresentadas, isso não significa que não há saída para isso ou que não há como nos comportarmos e crermos em coisas diferentes.

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A construção da subjetividade é um processo contínuo e isso fica claro nas palavras de Guimarães Rosa em “Grande sertão: Veredas”. “O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam”. (ROSA, apud BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002, p. 24).

A ideia de que as pessoas não foram terminadas, ou ainda, que nunca serão terminadas, é bastante válida, já que o que se percebe é que a subjetividade, nosso mundo interno, estará sempre em movimento e as novas experiências trarão sempre novos elementos para renová-la.

Essa ideia de constante modificação já foi expressa há muito tempo pelo filósofo Heráclito, quando afirmou que um homem jamais poderá entrar duas vezes no mesmo rio, pois nem o homem e nem o rio serão os mesmos. Embora seja comum a ideia de que não nos modificamos ou pouco mudamos, e isso possa ser explicado por acompanharmos de perto nossas próprias transformações, nós mudamos de vontades, de gostos, nossa subjetividade se transforma.

Posto de outra forma, subjetividade não é o ser, mas os modos de ser, uma emergência constituída em um determinado tempo e espaço e, por isso, convém falarmos em processos de subjetivação, já que se tem a constituição de um sujeito, de uma subjetividade, a partir das relações que esse estabelece cotidianamente ou, então, a subjetividade como produto da subjetivação da objetividade.

Em Psicologia Social, o estudo da subjetividade acaba sendo central, pois essa ciência busca frequentemente compreender como nos tempos atuais são produzidos novos modos de ser, isto é, as subjetividades emergentes, cuja fabricação é social e histórica. O estudo dessas novas subjetividades permite acessarmos ao ser humano, ao mesmo tempo que nos remete às condições que esses estão submetidos.

Segundo Mancebo (2003), nos dias atuais, multiplicam-se as possibilidades de organização subjetiva e novas exigências comportamentais se desdobram velozmente, ao ponto de afrontar os padrões subjetivos até então defendidos e verificados. Segundo essa mesma autora, por essa razão a discussão a respeito da subjetividade diante da complexidade que tem marcado a contemporaneidade é fundamental. Os efeitos dessa dinâmica múltipla e veloz são verificados em diversas áreas do cotidiano – trabalho, lazer, vida familiar, relacionamentos afetivos – e atingem em cheio as subjetividades. Essa constatação evidencia o fato da subjetividade não poder ser compreendida como uma coisa em si, uma essência imutável. Os modos de existência, ou de subjetivação, são históricos e têm estreitas relações com uma conjuntura dada.

Conforme Guattari (apud MANCEBO, 2003, p. 83), “[...] na era das revoluções informáticas, do surgimento das biotecnologias, da criação acelerada, de novos materiais, de uma “maquinização” cada vez mais fina do tempo, novas modalidades de subjetivação estão prestes a surgir”.

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Essa citação nos convida a refletir sobre a subjetividade nesse contexto. De acordo com Mancebo (2003), são vários os reflexos subjetivos verificados no mundo contemporâneo. O primeiro deles seria a convocação permanente de rearranjos e reconfigurações internas no sentido de dar conta de assimilar e se relacionar com um tempo no qual as mudanças surgem em uma velocidade nunca então vista.

Outro reflexo seria a tendência a um individualismo diante da aceleração do ritmo de vida e a falta de tempo para coisas agora consideradas supérfluas. Ao invés de perdermos tempo com conversas na rua, por exemplo, procuramos nos ater a nossos “amigos virtuais”.

Outra característica do homem moderno e que fica evidente mais do que nunca é a própria necessidade do consumo em demasia, verificado em massa, ou seja, irmos muito além da satisfação das nossas necessidades básicas. Constroem-se desejos e a necessidade desenfreada de satisfazê-los a todo custo. Essas seriam algumas características, dentre muitas possíveis de serem mencionadas, que permitem pensarmos e repensarmos sobre qual a configuração subjetiva emergente no nosso tempo.

Para vários autores, temos hoje a chamada “síndrome do loop”, somos tomados por instabilidade e velocidade (semelhante ao loop de uma montanha russa), que exige “deletarmos” muitos valores e estilos de vida até então ressaltados e adentrarmos ao que Jameson (apud MANCEBO, 2003) chama de “mentalidade esquizofrênica”, uma vida de impulsos momentâneos, sem rotinas sustentáveis, uma vida sem hábitos, uma existência até certo ponto irracional. Temos, então, a emergência de uma “mentalidade contemporânea”, em que o retorno ou a mudança passa por buscarmos uma certa desaceleração, um desprendimento do ritmo acelerado a que estamos submetidos.

Para Strey et al. (1998), atualmente tem-se uma certa padronização do modo de pensar, perceber, de sentir, de se relacionar e isso pode ser explicado a partir da análise do modo de produção capitalista, pautado especialmente na competição e no controle. Essa forma de organização da sociedade acaba por alicerçar o processo de constituição do mundo em todas as suas dimensões, inclusive a subjetiva. Tendemos a banalizar a vida, reduzindo-a ao trabalho, fazemos apologia ao individualismo, somos consumistas.

Essas e outras características do homem moderno se dão a partir do processo de subjetivação. A subjetividade, dessa forma, é um produto cultural complexo. Desvelar o conjunto de condições que possibilitam a emergência de instâncias individuais e/ou coletivas é um desafio.

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3 IDENTIDADE

Outro conceito importante em Psicologia Social é o de identidade, que não é exclusividade dessa ciência. Como afirma Strey et al. (1998), a música, a literatura, o cinema e as artes em geral têm se ocupado com frequência dessa temática e o que causa preocupação. O senso comum acaba atribuindo uma variedade bastante grande de significados a esse termo, o que acarreta constantemente uma certa confusão no uso e aplicação desse conceito.

É interessante também termos claro que a importância dada ao estudo da identidade foi variável ao longo da história e esteve muito atrelada à relevância atribuída à individualidade nesses diferentes momentos.

Para Bock, Furtado e Teixeira (2002), identidade é a denominação atribuída às representações e sentimentos que desenvolvemos a respeito de nós mesmos, a partir do conjunto de nossas vivências. Se a subjetividade é a síntese do que somos, a identidade pode ser entendida como a síntese das representações que temos de nós mesmos: representações por envolver várias instâncias (dados pessoais, trajetória pessoal, qualidades, defeitos etc.). Como expõe Strey et al. (1998), ao nos referirmos ao conceito de identidade, os diversos autores empregam expressões distintas, como: imagem, representação e conceito de si.

Em geral, a maioria dos conceitos refere-se ao conjunto de traços, de imagens, de sentimentos, que o indivíduo reconhece como fazendo parte dele próprio. Na literatura norte-americana, o termo utilizado é self ou self concept, o que corresponde a conceito de si. A tradição europeia privilegia a denominação “representação de si”.

Essas várias terminologias presentes na diversidade teórico-metodológica, como o interesse dessa temática pelas mais diversas áreas, expressam toda a dificuldade de exprimir conceitualmente sua complexidade. Nesse sentido, rotineiramente, há ainda uma classificação dos chamados sistemas identificatórios. Denomina-se de identidade pessoal os atributos específicos do indivíduo e/ou identidade social os atributos que assinalam a pertença a grupos ou categorias.

Com base no pressuposto de que essas duas esferas (individual e social) são diretamente relacionadas e inseparáveis, a expressão “identidade psicossocial” vem sendo empregada nos últimos tempos (NETO apud STREY et al., 1998).

Diante da complexidade embutida no termo e após a tentativa de conceituar identidade, faz-se necessário analisarmos algumas especificidades importantes nessa discussão. A primeira delas pode ser resumida em uma questão de suma importância: como se constitui a identidade?

Semelhante ao que foi discutido no Tópico 2 da Unidade 2, não há como negarmos os fatores biológicos e genéticos, entretanto, esse suporte biológico para a Psicologia Social não passa de um aparato que nos dá uma

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gama de potencialidades e limitações típicas do homo sapiens sapiens, ou seja, as características humanas só podem ser compreendidas a partir da verificação das relações sociais estabelecidas.

A utilização do termo apropriação no lugar de adaptação traz o caráter ativo desse processo individual com o contexto sócio-histórico. Nesse sentido, a constituição da identidade só pode ser compreendida a partir do contexto histórico e social em que o homem vive. É determinada de um lado, e determinante do outro, a partir do momento que esse processo é ativo a partir da sua inserção e apropriação dessa conjuntura que se faz presente.

Se partirmos do princípio de que o indivíduo é um eterno transformar-se, estamos nos transformando a cada momento, então, a consciência que desenvolvemos sobre quem somos também não é estática. As situações sociais que nos deparamos, as relações sociais que estabelecemos, dentre outros inúmeros fatores, farão com que mudemos a todo o momento a impressão que temos de nós mesmos, e essa ideia é transmitida por Ciampa (1994) – psicólogo social brasileiro que, de longa data, vem se dedicando ao estudo da identidade.

Ele propõe a presença de múltiplos personagens que ora coexistem, ora se alternam. Esses personagens garantem a processualidade da identidade e emergem constantemente um outro que também faz parte da identidade. O autor emprega o termo “metamorfose” para expressar esse movimento.

Ciampa (1994) apresenta relatos da vida de dois personagens, Severino (fictício) e Severina (real), e a partir desses discute o conceito de identidade enquanto algo nada estático. Segundo ele ser é ser metamorfoseada. A metamorfose é a expressão da vida. Como tal é um processo inexorável, tenhamos ou não consciência disso. Tanto Severino como Severina são exemplos de sujeitos que se transformam permanentemente, adquirem consciência disso e se reconhecem como ser humano, metamorfose essa que se concretiza em cada momento, dadas as condições históricas e sociais determinadas.

Temos, dessa forma, a temporalidade da identidade. O conteúdo que surgirá dessa metamorfose é subordinado à razão, ao que consideramos que merece ser vivido, é uma produção humana dotada de sentido. A partir dessa constatação, a busca da nossa identidade pode ser uma busca vazia, já que é metamorfose.

Cada indivíduo encarna as relações sociais configurando uma identidade pessoal, uma história de vida, um projeto de vida. A identidade traz consigo concomitantemente o ato de pensar e ser, uma articulação de vários personagens, articulação de igualdades e diferenças: identidade é história.

Ciampa (1994) dá um exemplo: se sou professor é por que me tornei professor. Se me identifico e sou identificado assim, tenho essa identidade, compreendida como uma posição (tal como filho). A posição que ocupo me identifica, discriminando-me como dotado de certos atributos que me dão uma identidade considerada, embora essa esteja sempre em constante movimento.

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Em sentido semelhante, Guareschi e Bruschi (2003) afirmam que hoje mais do que nunca o self passa a ser necessariamente incompleto, inacabado. Somos sujeitos em processo, não temos mais uma identidade essencial, mas várias identidades. Assim, “[...] à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiantes de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente”. (HALL apud GUARESCHI; BRUSCHI, 2003, p. 185). As características da sociedade contemporânea trazem consigo o dinamismo enquanto tônica. Precisamos saber lidar com uma variedade enorme de papéis que, diariamente, desenvolvemos e é a partir desses papéis que construímos nossa identidade, um somatório de “vários eus” e a forma como eu os vejo.

Desta forma, para Bruschi (2003) a identidade preenche o espaço entre o “interior” (mundo pessoal) e o “exterior” (mundo público), entretanto, em um mundo em constante movimento, o sujeito, que antes tinha uma única identidade e estável, passa a ter várias identidades, algumas até contraditórias. Ela será formada e transformada continuamente, a partir das formas pelas quais as pessoas entrarão em contato com os sistemas culturais que a rodeiam.

Kellner (apud BRUSCHI, 2003) defende ainda que a publicidade, a moda, o consumo e os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, favorecem instabilidade à mesma. Abandona-se a ideia de obrigatoriamente termos “uma identidade”, pois, segundo o mesmo autor, figuras como Michael Jackson e Madonna mostram como a identidade não passa de uma construção que pode ser constantemente mudada e não fixa. Michael Jackson, como exemplo, rompeu a fronteira entre branco e preto, masculino e feminino, adulto e jovem na sua construção de imagem. Abandona-se a ideia de “uma” identidade.

Diante do que foi apresentado até aqui, podemos afirmar que a identidade envolve escolha e ação e que cada indivíduo acaba produzindo sua própria e ímpar identidade, constituída de materiais das nossas situações de vida.

Para concluir este tópico, é notório que, na Psicologia, os estudos sobre identidade tendem a entender a identidade como produto do processo de socialização e garantida pela individualização (processo de diferenciação dos outros), embora a resposta da pergunta “quem sou” suscite dúvida e intranquilidade. A partir da proposta de compreensão apresentada até aqui, não há outra possibilidade que não esta, já que é constituída na relação interpessoal (eu-grupo). O “eu”, nesse sentido, acaba sendo o produto de como os outros me veem e como eu me vejo, ou melhor, fruto de uma articulação entre o individual e o social, da ação do indivíduo e das relações nas quais está envolvido concretamente, algo complexo sem dúvida.

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DICAS

Uma das poucas obras que explora o tema “identidade” em uma perspectiva semelhante a desenvolvida neste tópico é “A estória do Severino e a história da Severina”, escrita por Antônio da Costa Ciampa (São Paulo: Brasiliense, 1994). A partir do poema “Morte e vida Severina” de João Cabral de Melo Neto e da análise de uma história de vida, o autor apresenta uma série de considerações sobre o tema “identidade” sob a perspectiva da Psicologia Social.

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TÓPICO 1 | SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE

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LEITURA COMPLEMENTAR

A seguir, você terá acesso a um trecho do poema “Morte e vida Severina”. Leia com atenção e busque fazer uma conexão com os conceitos trabalhados neste tópico: subjetividade e identidade.

O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI

João Cabral de Melo Neto

O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos,

que é santo de romaria, deram então de me chamar

Severino de Maria; como há muitos Severinos

com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria

do finado Zacarias. Mas isso ainda diz pouco:

há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem falano mesmo ventre crescido

sobre as mesmas pernas finas, e iguais também porque o sangue

que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos

iguais em tudo na vida, morremos de morte igual,

mesma morte severina: que é a morte de que se morre

de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte,

de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença

é que a morte severina ataca em qualquer idade,

ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela,

limites da Paraíba. Mas isso ainda diz pouco:

se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias

mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias,

vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida:

na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra,

e até gente não nascida). Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina:

a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima,

a de tentar despertar terra sempre mais extinta,

a de querer arrancar algum roçado da cinza.

Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida,

passo a ser o Severino que em vossa presença emigra.

FONTE: Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/joaocabraldemelonetoo.htm>. Acesso em: 18 mar. 2010.

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Em relação aos conceitos de subjetividade e identidade discutidos neste tópico, é importante destacar que:

• Subjetividade é a síntese do que somos. Envolve nossa maneira de sentir, pensar, fantasiar, sonhar, amar e fazer de cada um.

• Temos a emergência de uma certa homogeneização de subjetividades ao vivermos em um mesmo momento histórico e compartilharmos os elementos da cultura. No modo de produção capitalista, tendemos a cativar o individualismo e o consumismo, assim como desempenhamos vários papéis ao mesmo tempo, para nos adequarmos às rápidas mudanças a que estamos submetidos.

• Identidade é a denominação dada às representações e sentimentos que desenvolvemos a respeito de nós mesmos.

• Tanto a subjetividade como a identidade só podem ser compreendidas no campo das relações sociais estabelecidas. A variabilidade de ambas pode ser explicada exatamente nessa perspectiva.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 A partir da leitura do texto complementar, o que queremos dizer ao nos referirmos à subjetividade e identidade de Severino?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

ATIVIDADE E CONSCIÊNCIA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Este tópico aborda dois conceitos aparentemente dissociados já que um se refere à prática humana, algo observável e palpável (atividade), e outro algo à primeira vista de difícil acesso por se referir a nosso mundo interno (consciência). Embora pareçam conceitos totalmente distintos, o objetivo deste tópico é apresentar os dois conceitos e, mais do que isso, mostrar o quanto que eles são interdependentes. A prática humana produz a consciência ao passo que a consciência explica a atividade humana. O objetivo deste tópico pode ser resumido na tentativa de desvendar essa relação.

2 ATIVIDADE

Outro conceito em Psicologia Social significativo e que nos permite vários planos de análise é o de atividade. Termo pautado no materialismo histórico (retomar Psicologia sócio--histórica), e utilizado sobretudo por Leontiev, busca superar o esquema estímulo-resposta e a passividade característica desse modelo, ao propor um papel ativo do homem e unificar sujeito e objeto em uma síntese inseparável. Por essa ótica, o mundo psíquico é resultado da atividade humana e não como algo deslocado dessa. A grande contribuição desse enfoque é o de superar a noção de subjetividade e consciência humana deslocadas das transformações sociais e históricas, ou seja, da ação humana.

Embora pouco explorado na Psicologia, para Bock, Furtado e Teixeira (2002), a prática humana, aqui chamada de atividade, é a base do conhecimento e do pensamento do homem. É através da atividade que o homem se apropria do mundo. Ao pensarmos em uma criança, isso fica mais evidente. Ela se apropria do mundo engatinhando, andando, analisando com seus olhos o mundo ou mesmo manuseando os objetos que a rodeia. Para a Psicologia Social, esse movimento é essencial para que essa consiga construir seu mundo interno. Somos convocados e necessitamos nos relacionar com o mundo externo e, ao fazermos isso, transformá-lo e nos construírmos. No processo de relação social com os outros, ou seja, a partir da atividade, o indivíduo apropria-se da linguagem e se humaniza.

Dessa forma, nos subjetivamos na medida em que atuamos e transformamos o mundo externo. Mundos externo e interno são, portanto, imbricados, já que são construídos em um mesmo processo e no qual um depende do outro. Atuar no mundo é uma propriedade do homem e essa diz muito do que ele é.

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UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL

Duarte (2010) apresenta vários aspectos que justificam que a atividade humana diverge substancialmente da atividade animal. Essas diferenças serão expostas nesse momento e a diferença entre elas explica a historicidade do ser humano.

Os animais, quando se relacionam com o meio ambiente, realizam atividades que buscam satisfazer suas necessidades e sobreviver nesse meio. Algumas atividades animais nos chamam a atenção, como o joão-de-barro e muitas outras espécies de pássaros que constroem seus ninhos, abelhas que constroem os favos ou, então, as formigas que constroem sua habitação coletiva. No entanto, essas consideradas engenhosidades dos animais não sofrem alterações, ou seja, esses animais constroem esses artefatos como a milhares ou milhões de anos. Aí temos uma primeira distinção em relação à diferença entre a atividade animal e a humana. O ser humano, diferente disso, tendo como exemplo nossas habitações, constrói as mesmas hoje de forma muito diferente do que antigamente.

Em relação à outra especificidade da atividade humana, o ser humano é o único que realiza uma atividade chamada “trabalho”. Se os animais agem para satisfazer suas necessidades, o seres humanos agem para produzir os meios de satisfação de suas necessidades. Qual a diferença entre essas duas afirmações? Diferente dos animais, o ser humano utiliza-se de instrumentos, de elementos intermediários, para satisfazer suas necessidades. Como exemplo, imaginemos nossos ancestrais: ao transformar uma pedra em um objeto perfurante ou cortante, esse será utilizado para caçar e, com o produto da caçada, poderá satisfazer sua necessidade de alimento. A atividade humana conta com uma estrutura diferente e mais complexa, consonante com uma complexa estrutura psicológica.

Outra característica peculiar da atividade humana diz respeito à própria diferença entre as necessidades humanas e as necessidades animais. Se os animais têm necessidades puramente biológicas como fome, sede etc., o ser humano busca transformar os objetos naturais em objetos sociais. Isso pode ser exemplificado pela própria atividade de caça, a partir do momento em que o próprio homem cria novas maneiras de se organizar para caçar. Nesse exemplo fica claro que, além da produção de instrumentos, temos também a “produção” de relações sociais. O ser humano constrói cultura e sofre interferência da mesma. Diferente dos animais, o homem sofre interferência do processo de transmissão da experiência social, apropria-se da produção dos outros. Esse processo fica claro na escola a partir da qual o indivíduo é levado a se apropriar das formas mais desenvolvidas do saber produzido historicamente pelo gênero humano.

Duarte (2010) apresenta uma pergunta essencial: o que dá sentido à atividade desse indivíduo, ou seja, o que conecta sua ação com o motivo dessa ação? Segundo ele, a resposta se dá no campo das relações sociais existentes entre o sujeito e o restante do grupo, o conjunto da atividade social. Somente fazendo parte desse conjunto é que a ação individual adquire um sentido racional. Duarte (2010, p. 59), ao se referir ao modo de produção capitalista, alerta que existem vários fenômenos importantes para serem analisados, inclusive os processos

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TÓPICO 2 | ATIVIDADE E CONSCIÊNCIA

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psicológicos decorrentes desse modo. Nesse sentido, afirma que “[...] no que se refere aos processos psicológicos, a ruptura entre o sentido e o significado das ações humanas tem como uma de suas consequências o cerceamento do processo de desenvolvimento da personalidade humana”.

Essa constatação parte do princípio de que ao vender sua força de trabalho, e como decorrência, o indivíduo tem o sentido de sua atividade como algo dissociado do conteúdo dessa atividade, esse acaba distanciando o núcleo de sua personalidade da atividade de trabalho. O trabalho, nesse caso, torna-se algo estranho ao indivíduo. O autor faz uma análise crítica e preocupada a respeito de alguns efeitos da sociedade capitalista contemporânea. Para ele, essa ruptura entre o significado e o sentido das ações humanas atinge níveis absolutamente destrutivos nos dias atuais.

ESTUDOS FUTUROS

Esse distanciamento entre o trabalhador e o que produz será melhor explorado no Tópico 4, ao abordarmos outra categoria em Psicologia Social: alienação.

Percebidas as características da atividade humana, podemos explorar outro conceito em Psicologia Social, conceito esse intimamente relacionado com o de atividade: consciência.

3 CONSCIÊNCIA

Atkinson et al. (2006), ao abordarem o termo consciência, afirmam que não existe um consenso em relação ao significado de consciência e, mais do que isso, preferem dizer que existem quase tantas teorias da consciência quanto indivíduos que teorizam sobre o assunto. Segundo esses autores, os primeiros psicólogos tinham consciência como sinônimo de mente e esse era o objeto de estudo da Psicologia: mente e consciência. Em relação à definição de consciência, afirmam que muitos textos didáticos a trazem como nossa percepção sobre estímulos internos e externos, ou seja, dos eventos do ambiente e das sensações corporais, memórias e pensamentos. Essa definição parece incompleta quando nos deparamos que estamos conscientes não apenas quando monitoramos nosso ambiente (interno e externo), mas também quando atuamos no mesmo.

Faz-se válida a ressalva de que nem todas as ações são guiadas por decisões conscientes e nem todas as soluções que encontramos se dão nesse plano. É praticamente consensuosa a ideia de que os eventos mentais envolvem tanto processos conscientes quanto inconscientes, e que muitas decisões e ações se dão fora da consciência.

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UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL

IMPORTANTE

A Psicanálise, uma das abordagens da Psicologia, e que tem como fundador e maior representante Sigmund Freud, propôs e ainda propõe uma leitura bastante diferenciada em relação às demais teorias psicológicas. Para a Psicanálise, a explicação da maioria dos comportamentos humanos se dá fora da consciência. A existência e a importância do inconsciente constituem um dos pilares básicos da teoria e prática psicanalítica, em que nessa instância se fariam presentes memórias, impulsos e desejos inacessíveis à consciência, mas que motivariam o comportamento humano. Em alguns momentos, o inconsciente poderia ser acessado como no caso dos chamados atos falhos (lapsos) e nos sonhos. No caso do sofrimento mental, o grande objetivo da Psicanálise seria tornar consciente o que está inconsciente, levando as pessoas a sofrer. Além dos atos falhos e da análise dos sonhos, a Psicanálise utiliza-se, hoje, do método da associação livre, no qual o paciente recebe instruções para dizer tudo o que lhe ocorrer no momento. O psicanalista interfere pouco (ouve e estimula com perguntas quando o paciente se cala) e por essas características esse método é chamado de “cura pela fala”.

Na perspectiva da Psicologia Social, um dos conceitos de maior destaque é o de consciência, visto que a consciência humana expressa a forma como o homem se relaciona com o mundo e, ao falarmos em desenvolvimento da consciência, a Psicologia Social se afasta de outros postulados da Psicologia tradicional, que concebe a consciência como um “estar ciente” ou, então, “ter consciência de”. Ao ver um sinal vermelho em um semáforo, se meu comportamento for parar, isso revela que estou ciente (tenho consciência) das leis e das regras de trânsito, por exemplo. Para a Psicologia Social, essa é uma leitura bastante simplista e que reduz o conceito a ter acesso a algumas informações ou não.

De acordo com Franco (2010), pelo contrário, temos acesso à consciência quando se exige investigarmos a própria vida das pessoas, as relações sociais, as condições sociais e históricas que essas estão submetidas, visto que o homem, como afirmam Bock, Furtado e Teixeira (2002), diferente dos animais, reage ao mundo, compreendendo-o através da formação de ideias e imagens, assim como estabelecendo relações entre essas informações. Nesse sentido, a consciência acaba sendo um certo saber a respeito das coisas, a partir do momento que reagimos ao mundo, compreendendo-o, “sabendo-o”. Como maneira de reagir ao mundo está em constante movimento.

Bock, Furtado e Teixeira (2002) buscam analisar como é formada a consciência e afirmam, categoricamente, que a consciência não é manifestação de alguma capacidade mística do cérebro humano. Pelo contrário, é produto das relações sociais que os homens estabelecem. Através delas, construímos nossa compreensão sobre o mundo, sobre si mesmo e os outros. Embora não se possam negar as características físicas do cérebro ou até mesmo o aperfeiçoamento do mesmo no decorrer dos tempos, a Psicologia Social procura dar maior ênfase às condições externas, como: o trabalho, a vida social e a linguagem.

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TÓPICO 2 | ATIVIDADE E CONSCIÊNCIA

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Sem dúvida, a grande contribuição da utilização dos termos “atividade” e “consciência” para a Psicologia reside na articulação entre subjetividade e objetividade. Essa relação é fundamental para o avanço da ciência psicológica, ao compreender o fenômeno psíquico a partir de um plano social e histórico.

Dessa forma, a atividade humana orienta a formação da consciência ao mesmo tempo que a consciência do homem explica a atividade humana. Em outras palavras, a consciência transforma-se com a atividade humana, é um produto social, assim como a atividade humana é produto da consciência, pode ser explicada através da consciência do(s) sujeito(s). Nesse sentido, a relação entre atividade e consciência pode ser assim esquematizada:

ATIVIDADE → CONSCIÊNCIA

CONSCIÊNCIA → ATIVIDADE

Para Codo et al. (1992), o grande mérito de Leontiev e da relação estabelecida por ele entre atividade e consciência foi a de explicitar e sistematizar a relação homem-mundo como algo constituinte da Psicologia. Nesse sentido, o conceito de atividade demarca um objeto de estudo da Psicologia ao situar o homem na realidade objetiva, ao mesmo tempo que transforma essa realidade em subjetividade.

Para Leontiev, citado por Codo et al. (1992), a consciência é constituída por um conjunto de representações formadas a partir da apropriação dos significados socialmente contituídos pelos grupos na qual o indivíduo se encontra em processo de relação contínua; por isso, o estudo das representações sociais para se ter acesso à consciência, como será exposto a seguir.

Outra questão pertinente duvidosa é: como podemos estudar a consciência dos indivíduos já que ela é invisível por se tratar do mundo interno? Para Bock, Furtado e Teixeira (2002), no mundo observável, conseguimos ter acesso a ela. Um exemplo disso é o estudo das representações sociais, que seriam uma espécie de expressões da consciência veiculadas pela linguagem.

Quando alguém discursa ou simplesmente fala sobre algum assunto, não deixa de estar se referindo ao mundo e esse movimento expressa sua consciência através das suas representações sociais, sentido construído coletivamente (crenças, valores, opiniões construídos no decorrer de nosssa vida a partir da nossa vivência em sociedade). Fica evidente, então, que o desenvolvimento da consciência é um produto social. Isso fica claro na fala de Lefébre (apud FRANCO, 2004. p. 183) quando afirma que “[...] as representações sociais e sua reconstrução, via desenvolvimento da consciência, formam-se pela construção de ideias, a partir das condições reais que, justamente, representam o primado econômico, social e político deste ou daquele grupo, ou desta ou daquela classe social”.

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UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL

ESTUDOS FUTUROS

No próximo tópico exploraremos melhor o significado de “representação social”, bem como a sua importância na Psicologia Social, sobretudo no campo da pesquisa.

LEITURA COMPLEMENTAR

Se atendermos a relação entre mundo interno e objetivo chegaremos em um termo que traz exatamente essa relação. Concebido como coerência ou união entre teoria e prática ou, no nosso caso, como convergência entre consciência e atividade, o conceito de práxis, construído principalmente por Marx, talvez seja o que mais deixa clara a relação sempre existente entre esses dois mundos que se autorregulam. Conceito tido como distinto para alguns autores e idêntico para outros, mostra que a atividade humana é algo intencional e relativa à consciência. O texto a seguir traz a práxis enquanto relação entre essas duas esferas.

O QUE É A PRÁXIS

A. S. Vázquez

Toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis. [...] Por atividade em geral entendemos o ato ou conjunto de atos em virtude dos quais um sujeito ativo (agente) modifica uma matéria-prima dada. Justamente por sua generalidade, essa caracterização da atividade não especifica o tipo de agente (físico, biológico ou humano) nem a natureza da matéria-prima sobre a qual atua (corpo físico, ser vivo, vivência psíquica, grupo, relação ou instituição social) nem determina a espécie de atos (físicos, psíquicos, sociais) que levam a certa transformação. O resultado da atividade, ou seja, seu produto, também se dá em diversos níveis: pode ser uma nova partícula, um conceito, um instrumento, uma obra artística ou um novo sistema social. [...]

A atividade propriamente humana apenas se verifica quando os atos dirigidos a um objeto para transformá-lo se iniciam com um resultado ideal, ou fim, e terminam com um resultado ou produto efetivo, real. Nesse caso, os atos não só são determinados causalmente por um estado anterior que se verificou efetivamente – determinação do passado pelo presente –, como também por algo que ainda não tem uma existência efetiva e que, no entanto, determina e regula os diferentes atos antes de desembocar em um resultado real; ou seja, a determinação não vem do passado, mas sim do futuro.

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TÓPICO 2 | ATIVIDADE E CONSCIÊNCIA

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Esse modo de articulação e determinação dos diferentes atos do processo ativo distingue radicalmente a atividade especificamente humana de qualquer outra que se encontre em um nível meramente natural. Essa atividade implica a intervenção da consciência, graças a qual o resultado existe duas vezes – e em tempos distintos: como resultado ideal e como produto real. O resultado real, que se quer obter, existe primeiro idealmente, como mero produto da consciência, e os diferentes atos do processo se articulam ou estruturam de acordo com o resultado que se dá primeiro no tempo, isto é, o resultado ideal. Em virtude dessa antecipação do resultado real que se deseja obter, a atividade propriamente humana tem um caráter consciente. Sua característica é que, por mais que o resultado real diste do ideal, trata-se, em todo caso, de adequar intencionalmente o primeiro ao segundo. Isso não significa que o resultado obtido tenha de ser necessariamente uma mera duplicação real de um modo ideal preexistente. Não; a adequação não tem por que ser perfeita. Pode assemelhar-se pouco, e/ou mesmo nada, ao fim original, já que este sofre mudanças, às vezes radicais, no processo de sua realização. Desse modo, para que se possa falar de atividade humana é preciso que se formule nela um resultado ideal, ou fim a cumprir, como ponto de partida, e uma intenção de adequação, independentemente de como se plasme, definitivamente, o modelo ideal originário. [...]

A atividade humana é, portanto, atividade que se orienta conforme a fins, e estes só existem através do homem, como produtos de sua consciência. Toda ação verdadeiramente humana exige certa consciência de um fim, o qual se sujeita ao curso da própria atividade.

FONTE: Vázquez (2007, p. 219-222)

Como afirmam Aranha e Martins (1993), o existir humano decorre do agir, visto que o homem se autoproduz à medida que transforma a natureza pelo trabalho. Como projeto humano, o trabalho depende da consciência que antecipa a ação pelo pensamento. Nesse movimento, estabelece-se a dialética homem-natureza e pensar-agir. Marx (1983, p. 242) chama de práxis a ação humana de transformar a realidade e faz questão de ressaltar a junção entre teoria e prática, atividade e consciência em uma via de mão dupla, isto é, “ao mesmo tempo que a consciência é determinada pelo modo como os homens produzem a sua existência, também a ação humana é projetada, refletida, consciente”. Por isso, a práxis é uma possibilidade apenas do ser humano. Um animal não tem medo da morte, não sente angústia, euforia diante da beleza, ou, então, planeja seus atos e reflete sobre sua prática.

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Ao tratar dos conceitos de atividade e consciência é importante se ter claro que:

• A prática humana (atividade) é a base do conhecimento e do pensamento do homem.

• O ser humano é o único que realiza a atividade chamada “trabalho”, essa é uma distinção fundamental entre a atividade humana e a animal.

• Em Psicologia Social, a consciência pode ser definida como um certo saber a respeito das coisas. Através dela construímos nossa compreensão sobre o mundo, sobre si mesmo e os outros.

• Os termos atividade e consciência revelam a relação indissociável entre homem e mundo, trazem de forma clara o quanto que o ser humano, ao mesmo tempo que é construtor, também é construído.

RESUMO DO TÓPICO 2

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AUTOATIVIDADE

1 Feita a leitura deste tópico, defina atividade e consciência, expondo a relação entre essas duas categorias utilizadas em Psicologia Social.

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TÓPICO 3

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Atualmente, as discussões em torno da teoria das representações sociais são uma constante no campo da Psicologia Social. Isso pode ser explicado por essa proporcionar novas formas de analisar, entender e interpretar os fenômenos sociais e, mais do que isso, ajudando-nos a compreender por que as pessoas fazem o que fazem.

O estudo das representações sociais é uma das ferramentas mais utilizadas em Psicologia Social e seu conhecimento é obrigatório, exatamente por isso e por proporcionar uma forma bastante peculiar de leitura dos fenômenos psicológicos e do comportamento humano.

2 COMO NASCE A TEORIA

Como apresentado por Oliveira e Werba (1998), embora possamos citar várias contribuições para a criação da teoria das representações sociais, sua origem se dá fundamentalmente na Sociologia e na Antropologia, através de figuras como Durkheim e de Lévi-Bruhl, respectivamente. O primeiro termo utilizado por Durkheim foi representação coletiva, pelo qual buscou compreender questões ligadas à religião, mitos, dentre outros conhecimentos compartilhados e inerentes à sociedade. Já o conceito representação social é mencionado pela primeira vez pelo psicólogo social francês Serge Moscovici em seu estudo sobre a representação social da psicanálise, como os grupos populares a viam e compreendiam. Moscovici (apud OLIVEIRA, WERBA, 1998) afirmava que sua ambição não era criar e consolidar um campo específico de estudos. Seu maior objetivo era redefinir os problemas e os conceitos da Psicologia Social a partir do estudo desse fenômeno.

A teoria das representações sociais surge na Europa, especialmente na França na década de 50. No Brasil, o interesse por essa teoria se inicia no final da década de 70, com estreita relação, inclusive, com o desenvolvimento da própria Psicologia Social, a partir do momento que essa assume uma postura mais crítica e preocupada com questões mais abrangentes, que extrapolavam o ser humano em si, ou seja, questões de ordem macrossocial.

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UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL

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Tal qual compreendida hoje, a teoria das representações sociais pode ser considerada uma forma sociológica de Psicologia Social, ou seja, conduz um modo de olhar a Psicologia Social, que exige a manutenção de um laço estreito entre a Psicologia e a Sociologia. Tendo origem em Durkheim, um sociólogo, contrapõe-se à vertente americana de Psicologia Social e acaba ampliando inclusive a noção de social. Moscovici (apud OLIVEIRA, WERBA, 1998) criou o conceito de representação social para enfatizar a visão de sujeito ativo e criativo na sociedade, em contraposição à passividade a que foi reduzido o homem na teoria cognitivista.

Como afirma Franco (2010):

[...] a decisão de valorizar o estudo das representações sociais enquanto categoria analítica e com aplicação nas mais diversas áreas está pautada na crença de que essa valorização representa um avanço, um ingrediente indispensável tanto para a compreensão do comportamento humano quanto para a melhor compreensão da sociedade ou, ainda, oferece um passo à frente comparada aos conceitos que historicamente fizeram parte da Psicologia Social.

3 CONCEITO

Muitas são as possibilidades de conceituação do termo “representação social”. Segundo Minayo (1995), o termo representação social é um termo que nos remete à reprodução de uma percepção. Utilizado nas ciências humanas com frequência, normalmente refere-se a categorias de pensamento do coletivo ou dos grupos em relação à realidade, explicando-a, justificando-a ou até questionando-a. Como material de estudo, essas percepções são consideradas consensualmente importantes.

Moscovici, embora não tenha apresentado um conceito definitivo de representações sociais, buscou se referir às mesmas como “[...] um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais. Elas, o equivalente, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crença das sociedades tradicionais: podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum”. (MOSCOVICI apud OLIVEIRA; WERBA, 1998, p. 106).

Dessa forma, as representações sociais podem ser consideradas “teorias do senso comum”, saber popular, elaboradas e partilhadas coletivamente por sujeitos pertencentes a grupos sociais específicos e com a finalidade de interpretar a realidade. Essas representações são dinâmicas e acarretam a produção de comportamentos e interações com o meio condizentes com elas.

Segundo Oliveira e Werba (1998), talvez seja Jodelet quem melhor e mais detalhadamente conceitua representação social, essa compreendida como “[...] uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e compartilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum

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TÓPICO 3 | REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

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a um conjunto social” (JODELET apud OLIVEIRA; WERBA, 1998, p. 106). Essa seria uma forma de pensamento social, um saber do senso comum, que revelaria processos socialmente marcados e que teriam relação direta com as condições e os contextos nos quais as representações sociais emergem.

De forma mais prática, Franco (2010) define as representações sociais como os elementos simbólicos que os homens expressam por diversas formas, a principal delas, pelo uso de palavras. No caso do uso de palavras (linguagem oral ou escrita), os homens deixam claro o que pensam, como percebem essa ou aquela situação, que opinião têm a respeito de determinado fato ou objeto, que expectativas desenvolvem a respeito disso ou daquilo. Essas representações são construídas socialmente e podem ser explicadas ao nos voltarmos à situação real e concreta dos sujeitos que as emitem.

Em síntese, as representações sociais surgem como consequência das relações sociais que estabelecemos. Por todo momento lidarmos com fenômenos e objetos desconhecidos, nos sentimos obrigados a de alguma forma construir interpretações para os mesmos no sentido de dar conta da angústica do não conhecimento, bem como para sabermos lidar com estes fatos novos. As representações sociais estão presentes nos espaços de comunicação interpessoal, na mídia ou em todos os lugares em que vigora o senso comum.

Desta forma, as representações sociais têm uma função bastante prática, que pode ser tipificada da seguinte forma:

• Função de saber: permite uma explicação e compreensão da realidade;• Função identitária: permite a constituição de uma identidade para o grupo.

As explicações são compartilhadas e favorecem a criação de normas e regras comuns;

• Função de orientação: guia os comportamentos e as práticas dos sujeitos e dos grupos;

• Função justificatória: possibilita que entendamos os motivos das ações dos sujeitos em um determinado contexto social.

Em relação à utilidade de estudar as representações sociais, Oliveira e Werba (1998) afirmam que conhecê-las significa conhecer o modo de como os grupos humanos constroem um conjunto de saberes que expressam sua identidade e, principalmente, o conjunto de códigos culturais que revelam as regras de uma comunidade, que busca dar significado às crenças coletivas, às ideologias, aos saberes populares e ao senso comum. Esses estudos são fundamentais já que, muitas vezes, praticamos determinadas ações, como, por exemplo, comprar e votar, não por razões lógicas e racionais, mas por razões afetivas, simbólicas, míticas, religiosas etc.

Allansdottir, Jovchelovitch e Stathoupoulou (apud GUARESCHI, 1995, p. 203), trazem três postulados que revelam a relevância do conceito:

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UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL

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a) É um conceito abrangente, que compreende outros conceitos tais como atitudes, opiniões, imagens, ramos de conhecimento.

b) Possui poder explanatório: não substitui, mas incorpora os outros conceitos, indo mais a fundo na explicação causal dos fenômenos.

c) O elemento social, na teoria das representações sociais, é algo constitutivo delas, e não uma entidade separada. O social não determina a pessoa, mas é parte substantiva dela. O ser humano é tomado como essencialmente social.

O estudo das representações sociais nos leva a várias dimensões, como: o que as forma e quais os efeitos dessas representações. Isso faz dela um conceito amplo, dinâmico, político-ideológico (valorativo) e, por isso tudo, social. A teoria das representações sociais sugere que as conheçamos para compreendermos o comportamento das pessoas. O conceito de representação social aponta a necessidade de partirmos das relações sociais para compreender como e por que os homens agem e pensam de determinada maneira, afirmando o caráter histórico da consciência. Essa talvez é a grande contribuição dessa área para a Psicologia Social e, por que não, para a Psicologia considerada como um todo.

4 COMO SÃO CRIADAS AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Em relação à origem dessa forma de pensamento social, podemos afirmar que a explicação é psicossociológica, ou seja, o processo de gênese das representações sociais tem início nas mesmas circunstâncias e ao mesmo tempo em que se manifestam. Dito de outra forma, surgem da dinâmica que se estabelece entre a atividade psíquica do sujeito e o objeto do conhecimento ou da relação mundo interno e externo ou, ainda, subjetividade/objetividade. Sujeito e objeto formam um conjunto indissociável.

Buscando dar conta da resposta para como são criadas as representações sociais, a grande questão que se coloca é: as representações sociais tratam-se de conhecimentos inerentes à própria sociedade ou pensamentos elaborados individualmente? A resposta parece transitar entre esses dois extremos. Trata-se de uma compreensão alcançada por indivíduos que pensam, mas não sozinhos. A semelhança de opiniões entre pessoas pertencentes ao mesmo grupo demonstra o quanto as pessoas tendem a pensar juntos sobre os mais diversos assuntos. Moscovici (apud OLIVEIRA; WERBA, 1998) chama de “sociedade pensante”, algo localizado entre uma explicação estritamente sociológica e uma concepção puramente psicológica.

Oliveira e Werba (1998), tentando entender a formação e a origem das representações sociais, constatam que as criamos para tornar familiar o não familiar. O que eles querem dizer com isso? Segundo esses autores, tendemos a gerar um movimento que se processa internamente no sentido de gerar um “bem-estar”, visto que tendemos a rejeitar o estranho, o diferente, ou seja, negamos informações novas, sensações e percepções que nos trazem desconforto.

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TÓPICO 3 | REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

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Nesse sentido, fala-se em “universo consensual”, referindo-se ao lugar onde todos compartilham das mesmas crenças e onde alguém pode falar em nome do grupo. Por outro lado, existem os chamados “universos reificados”, que são mundos restritos, onde circulam a ciência e as teorizações abstratas. No “universo consensual”, encontramos as teorias do senso comum e a produção de representações sociais que teriam o intuito de tornar o novo ou o não familiar em algo socialmente conhecido e real. O universo reificado da ciência pode ser transferido ao universo consensual. Essa tarefa é constantemente feita por jornalistas, comentaristas econômicos, professores, ao utilizar os meios de comunicação de massa e vincular informações que serão amplamente divulgadas. Ambos os universos (reificado e consensual) atuam simultaneamente no sentido de explicar ou dar conta da realidade.

A partir dos conceitos de “universo reificado” e “universo consensual” surgem outros dois conceitos importantes: ancoragem e objetivação, processos sociocognitivos responsáveis por grande parte da formação das representações sociais. Ancoragem é o processo no qual procuramos classificar, encontrar um lugar para encaixar o não familiar. Esse processo é importante no nosso dia a dia, já que nos auxilia a enfrentar as dificuldades de compreensão ou conceituação.

Um exemplo trazido por Oliveira e Werba (1998) é quando começou a ser vinculado o problema da AIDS. Diante da incapacidade de ser entendida e compreendida, uma das formas encontradas pelo senso comum para dar conta dessa ameaça, foi “ancorá-la” como uma peste, mais especificamente “a peste gay”. Assim representada, embora de forma equivocada e preconceituosa, a nova doença pareceu menos ameaçadora ao ser categorizada como algo.

Já a objetivação é o processo pelo qual procuramos tornar concreto, visível, uma realidade. Um exemplo típico e citado por Moscovici (apud OLIVEIRA; WERBA, 1998) refere-se à religião. Ao chamar Deus de pai, busca-se objetivar uma imagem jamais visualizada (Deus), em uma imagem conhecida (pai), o que facilita a ideia do que seja “Deus”.

5 COMO AS INVESTIGAMOS

Se o estudo das representações sociais faz parte da Psicologia Social, não há como falarmos delas sem adentrarmos ao campo da pesquisa. Nesse sentido, não é possível afirmar que existe uma metodologia única para a investigação das representações sociais. Encontramos desde investigações de ordem quantitativa como as que trabalham com dados qualitativos, assim como algumas fazem uso dessas duas abordagens.

Uma vez definido o problema a ser estudado e o público-alvo, a grande questão que se coloca é qual aspecto será investigado para, em seguida, elaborar o instrumento e/ou o procedimento da pesquisa. Para Oliveira e Werba (1998), um dos instrumentos mais utilizados na investigação das representações sociais tem sido a técnica dos grupos focais.

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Os grupos focais podem ser descritos como entrevistas realizadas com vários membros pertencentes a um grupo, no qual é conduzida uma discussão no grupo, semelhante a uma conversação realizada entre amigos ou vizinhos. Os dados são discutidos e aprofundados pelos membros do grupo e exatamente por essa razão a fidedignidade dos dados pode ser considerada superior aos dados coletados em uma entrevista individual. Chega-se mais próximo às compreensões que os participantes têm a respeito do tema de interesse do pesquisador, já que as respostas e as representações são elaboradas coletivamente.

Para Geerz (apud SPINK, 1995), é importante se destacar que ao trabalhar com o senso comum não cabe somente buscarmos o que é estável e consensual. Muitas vezes, os conteúdos são heterogêneos e, da mesma forma que a homogeneidade, a heterogeneidade e a contradição também são informações ricas para serem analisadas.

DICAS

A teoria das representações sociais é recente, o que explica a pouca bibliografia em português na área. Entre os poucos materiais disponíveis encontram-se “O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da Psicologia Social”, livro organizado por Mary Jane Spink e com a colaboração de pesquisadores da PUC de São Paulo, e “Textos em representações sociais” que apresenta os trabalhos desenvolvidos na PUC do Rio Grande do Sul, sob a coordenação de Pedrinho Guareschi.

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TÓPICO 3 | REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

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LEITURA COMPLEMENTAR

A seguir será apresentada uma pesquisa realizada com o intuito de buscar compreender o porquê que frequentadores de grupos neopentecostais ao apelo do pregador dão seu dinheiro, mesmo que seja tudo que têm. A partir de uma perspectiva crítica, os pesquisadores em questão buscaram dar conta das seguintes questões: como é possível tal exploração? Será que as pessoas não se dão conta de tamanha manipulação? As respostas para essas perguntas podem ser encontradas no campo das representações sociais.

IMPORTANTE

Guareschi chama de “pentecostais novos” ou “neopentecostais” os grupos religiosos surgidos nas últimas duas ou três décadas, originando-se de todos os tipos de igrejas tradicionais.

“SEM DINHEIRO NÃO HÁ SALVAÇÃO”: ANCORANDO O BEM E O MAL ENTRE NEOPENTECOSTAIS

P. A. Guareschi

Metodologia

Nossos dados foram coletados em situações bastante diversas. A maior parte deles foram tomados de observações participantes (ao redor de 50) de cultos e práticas das várias igrejas. Além disso, foram gravados programas de TV (10) e rádio (5) das igrejas que os transmitem. Finalmente, foram feitas entrevistas com pastores (95) e com os fiéis (25), procurando saber, da parte deles, o que achavam das práticas econômicas das igrejas. Os pastores mostravam-se extremamente arredios, dizendo que nada se exige dos fiéis, que tudo é espontâneo. A prova central disso (muitas vezes repetida durante as pregações) é de que nunca se cobrou entrada. O que verdadeiramente nos interessava era compreender como os membros se colocavam diante da questão econômica. É de suas falas que se pode perceber como funcionam as estratégias empregadas pelos pregadores para, a partir de uma necessidade que é fundamentalmente econômica, ancorar a extorsão do dinheiro a representações já existentes na mente dos fiéis para, a partir daí, tirar, deles mesmos, o que eles mais necessitavam.

A dimensão econômica nas práticas neopentecostais: dados

[...] A forte ênfase dada ao econômico, nas igrejas pentecostais, salta imediatamente à vista. Não há reunião, oração, serviço ou concentração, em

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UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL

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que a necessidade de contribuir não seja constantemente lembrada. Hugarte (1990) sintetiza as práticas cerimoniais dessas igrejas como sendo uma série de discursos ininterruptos, nos quais os pastores insistem fundamentalmente sobre as necessidades materiais da igreja, a virtude do desprendimento, os benefícios do jejum e das esmolas (“dar para receber”) e a importância de se escutar os programas de rádio ou televisão dessas próprias igrejas. Lembra-se continuamente que é graças às contribuições dos fiéis, que a igreja pode continuar a crescer, ampliando-se geograficamente e no número de seguidores de sua mensagem; com isso aumenta o número de milagres e curas. É admirável a capacidade dos pregadores em convencer os fiéis da obrigação e necessidade de contribuir, até mesmo para eles se salvarem, e de o que se pede é insignificante se comparado, por exemplo, ao preço de uma cerveja, a uma passagem de ônibus, ou mesmo a um refrigerante. Alguns exemplos desses raciocínios e motivações: “Você não pode ganhar nada de graça, nem mesmo Deus; para se conseguir uma graça você tem de pagar”. “É dando (dinheiro) que você vai receber (a graça)”.

A atividade milagrosa de igreja é apresentada como se fosse um serviço e, com isso, tem-se como normal e justificado o fato de que se cobre. Algumas falas que mostram isso: “Se pagamos a um médico, se pagamos o aluguel, por que não pagar a quem cura nossos males?” “É necessário aumentar, ou reconstruir a igreja, desse modo Deus poderá continuar a operar o ‘festival de milagres’”. “Precisamos continuar com nossos programas de rádio e televisão para podermos vencer o demônio”. “Você tem de se livrar de seu dinheiro, desse modo você poderá se purificar”. “Se você doar seu dinheiro para a igreja, você poderá até certo ponto purificar o mundo”. “Se você doar dinheiro para a igreja, você não estará dando dinheiro ao pastor, mas a Deus”.

Os fiéis estão convencidos de que eles não estão sendo explorados economicamente por seus pastores. Nem chegam a pensar nessa possibilidade. Eis a reação de uma mulher à tentativa de questionamento sobre a possibilidade de exploração econômica: “Exploração? Nunca! A pessoa dá o que ela quiser. Não há obrigação de dar. Você não paga por tudo o que compra? Do mesmo modo, por que não pagar a Deus?”

FONTE: Guareschi (1995, p. 205-208).

A partir dos dados coletados na pesquisa é possível serem feitas algumas considerações a partir da teoria das representações sociais e analisados os mecanismos empregados nesse processo. Esse é o intuito de Guareschi (1995) ao propor a análise desse fenômeno a partir de dois processos considerados por ele fundamentais: a situação da não familiaridade e o processo de ancoragem.

Na pesquisa apresentada, o não familiar, ou o grande temor dos frequentadores das instituições em questão, está nas dificuldades presentes no dia a dia, dificuldades essas de ordem financeira e pessoal. Lembrando Moscovici (apud OLIVEIRA; WERBA, 1998) e a afirmação de que o grande propósito de todas as representações é o de transformar algo não familiar em familiar, nesse

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TÓPICO 3 | REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

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caso, o mistério ou angústia dos fiéis é a impotência de não poder solucionar os seus problemas. Entram em jogo, então, os “interpretadores” do mistério e que se municiam com um instrumento absolutamente legitimado: a Bíblia. “O importante é obedecer cegamente, crer sem restrições, atirar-se confiantemente em seus braços”. (GUARESCHI, 1995, p. 213).

Para Guareschi (1995), a ancoragem é outro processo que auxilia a compreender esse fenômeno, ao analisar o universo simbólico dessas pessoas, as representações sociais já existentes e como as práticas empregadas pelos pregadores nada mais fazem que ligar, “ancorar” essas novas práticas a situações anteriores, representações tradicionais típicas da religiosidade popular de nosso povo. Entre elas é possível citar a representação da reciprocidade (dar e receber), a representação do mercado capitalista (as leis que determinam o mercado vão determinar também as relações com Deus, “supermercado da fé”) e, ainda, a representação da culpa e do castigo (o sentimento de culpa e a ameaça de castigo são também empregados para incentivar as contribuições).

Em suma, o mecanismo de ancoragem é decisivo na legitimação da extorsão. O “dar dinheiro” é firmemente legitimado e ancorado no universo simbólico cultural-religioso brasileiro. A atividade religiosa dessas igrejas apresenta-se como uma simples continuação da vida cotidiana dessas pessoas, apresentando as mesmas regras de funcionamento. Guareschi (1995, p. 222), encerra seu estudo ao afirmar que “[...] é após estes momentos poderosos de catarse e alívio espiritual que se chega ao elemento material. Deus fez sua parte, operando milagres e curas. Os fiéis devem fazer a deles: pagar a conta”.

De forma geral, em relação aos avanços trazidos pela teoria das representações sociais, destacam-se dois apontados por Oliveira e Werba (1998, p. 114):

a) A teoria das representações sociais trata do conhecimento construído e partilhado entre pessoas, saberes específicos à realidade social, que surgem na vida cotidiana no decorrer das comunicações interpessoais, buscando a compreensão de fenômenos sociais.

b) A teoria das representações sociais colocou os saberes do senso comum em uma categoria científica. Ela veio valorizar este conhecimento popular, tornando possível e relevante sua investigação.

O campo de estudos em representações sociais, embora recente, tem se mostrado cada vez mais produtivo e isto é evidenciado pela crescente diversidade de questões pesquisadas. As representações sociais, enquanto imagens construídas sobre o real, vêm se revelando material importante nas ciências humanas, principalmente dentro da Psicologia Social.

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No que diz respeito ao estudo das representações sociais é importante destacar que:

• As representações sociais são saberes provenientes do senso comum. São formas de conhecimento elaboradas coletivamente e, por isso, partilhadas por um mesmo conjunto social.

• A utilidade do estudo das representações sociais para a Psicologia Social é tamanha por garantir a aproximação com o conjunto de saberes e regras de uma determinada comunidade ou, em termos gerais, por aproximar a ciência ao senso comum.

• A origem das representações sociais ou do pensamento social é psicossociológica, ou seja, se dá a partir das relações entre sujeitos e circunstâncias a que são submetidos. Criamos para tornar familiar o não familiar.

• Ancoragem e objetivação explicam grande parte da formação de representações sociais.

RESUMO DO TÓPICO 3

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AUTOATIVIDADE

1 Depois de ler este tópico, defina representação social e exponha a importância do estudo das mesmas para a Psicologia Social.

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TÓPICO 4

IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

A partir de uma Psicologia Social crítica, ideologia e alienação são dois conceitos imprescindíveis para serem analisados por uma série de fenômenos relacionados ao homem moderno, homem imerso na sociedade aos moldes do que temos hoje. Se temos a Psicologia Social como o campo da Psicologia voltado ao estudo da interação social e à compreensão do homem nas suas relações sociais, como exposto na Unidade 1, faz-se necessário compreender toda a forma de opressão e dominação a que muitos são submetidos cotidianamente sem se dar conta.

Com esse intuito, abordaremos tais conceitos na tentativa de contribuir para a emancipação humana e para o afastamento das ideias enganosas que a todo momento se fazem presentes no cotidiano.

2 IDEOLOGIA

Segundo Guareschi (1998), por muito tempo o termo ideologia não foi citado na Psicologia Social, porque a mesma foi uma disciplina altamente individualizante e experimental. O conceito e a teoria da ideologia só começam a fazer parte da Psicologia Social a partir da década de 70, do século XX, quando muitos autores iniciam a incorporação do tema em seus estudos e pesquisas.

Embora o nome “ideologia” tenha surgido há pouco mais de um século, com diferentes nomes, o fenômeno, semelhantemente a como é compreendido hoje, já se fazia presente desde o momento que a vida social passa a ser analisada.

A partir do século XV e XVI surgem estudos mais sistemáticos a respeito desse tema, embora ainda não fosse empregado o termo. Um exemplo disso é Maquiavel (1469-1527) que, em sua célebre obra “O Príncipe” (MAQUIAVEL, 2007), discutiu as práticas dos príncipes, principalmente o uso da força e da fraude para conseguirem se perpetuar no poder. Essas estratégias ainda hoje são usadas para que os dominantes consigam se legitimarem.

Para Guareschi (1998), talvez não exista conceito mais complexo e sujeito a equívocos do que o de ideologia, o que é justificado quando se tem acesso à

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infinidade de enfoques teóricos que dão sustentação a esse conceito e à atribuição de diferentes significados e funções ao mesmo. Nesse sentido, não é tarefa fácil abordar esse tema de modo claro e preciso.

Guareschi (1998), no intuito de expor os muitos significados de ideologia, propõe alguns planos de análise, sendo dois os mais significativos e nos quais se percebe uma distinção central: estamos falando da dimensão positiva ou negativa da ideologia.

Ideologia no sentido positivo ou neutro é entendida como uma cosmovisão, ou seja, o conjunto de valores, ideias e ideais de uma pessoa ou grupo. Nessa dimensão, todos, sem distinção, possuem sua ideologia, já que é impossível alguém não ter ideias, ideais e posicionamento a respeito das coisas.

Já a ideologia no sentido negativo ou crítico seria constituída por ideias distorcidas e enganadoras: seria algo que ajuda a obscurecer a realidade e a enganar as pessoas. É algo ilusório e expressa interesses dominantes, no sentido de sustentar relações de dominação. Segundo Guareschi (1998, p. 94), tomar a ideologia no sentido negativo é bem mais interessante e proveitoso do que empregá-la como sendo um conjunto de ideias. “Ideias todos nós temos e não há como ser diferente. O importante, porém, é saber se essas ideias são falsas, enganadoras, se elas podem trazer prejuízos aos nossos colegas”. Nesse sentido, a seguir serão apresentadas essas duas “ideologias”, sendo que será enfatizada a ideologia no sentido negativo pela razão descrita anteriormente.

Tomelin e Tomelin (2004) falam em uma “boa ideologia” e uma “má ideologia”. A “boa ideologia” está associada a uma necessidade social e a um conjunto de ideias a respeito de algo. Por essa perspectiva, tudo o que nós pensamos acaba podendo ser considerado ideológico. Já o outro emprego faz alusão à manipulação social como forma de dominação. Enquanto prática, é o conhecimento utilizado interesseiramente, uma tentativa de convencer as pessoas por meio de um falseamento da realidade. Pode significar ainda o conjunto de ideias vinculadas por uma minoria dominante que, proveitosamente, quer manipular uma maioria dominada.

Segundo os mesmos autores, a pergunta norteadora ao se referir à ideologia é: como pode o poder de poucos determinar a condição de muitos? Nesse sentido, a má ideologia ou a ideologia em seu sentido negativo, como o pensamento marxista, passa a ter um emprego político. Sua origem é constatada na ambição capitalista, que ao buscar acumular capital e explorar, precisa dificultar a percepção do que realmente acontece e alienar. Marx (1983) então se refere à ideologia como um mecanismo sutil, utilizado pela classe dominante para dominar e perpetuar-se no poder. “A ideologia é a voz do opressor e a alienação, o silêncio do oprimido”. (TOMELIN; TOMELIN, 2004, p. 138).

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ESTUDOS FUTUROS

Em breve nos ateremos especificamente ao termo “alienação”, processo relacionado à ideologia em seu sentido negativo.

Semelhante a Guareschi (1998) e Tomelin e Tomelin (2004), Aranha e Martins (1993) também citam os vários sentidos da palavra ideologia. Eles falam em sentido amplo e restrito. Ideologia, em seu sentido amplo, seria o conjunto de ideias, concepções ou opiniões sobre determinada temática qualquer. Nesse sentido, quando perguntamos qual é a ideologia de determinado pensador, estaríamos nos referindo à doutrina, às ideias e ao seu posicionamento diante de certos fatos.

A ideologia em seu sentido amplo é a “boa ideologia”, citada por Tomelin e Tomelin (2004), ou a ideologia na sua dimensão positiva, apresentada por Guareschi (1998). Já a ideologia em seu sentido restrito ganha evidência com Marx (1983), pelo qual é defendido um conhecimento ilusório, com o intuito de mascarar os conflitos sociais. Com a concepção marxista, a ideologia adquire um sentido negativo como instrumento de dominação, acaba sendo uma “má ideologia”.

Para melhor compreendermos a ideologia na sua dimensão negativa, a “má ideologia”, ou então a ideologia em seu sentido restrito, buscaremos agora elencar algumas características da mesma enquanto instrumento de dominação. No que tange a esse conceito são válidas as palavras de Guareschi (1998, p. 97) quando afirma que:

[...] dominação é uma relação, e se dá quando determinada pessoa expropria poder (capacidades) de outro, ou quando relações estabelecidas de poder são sistematicamente assimétricas, fazendo com que determinados agentes, ou grupos de agentes, não possam participar de determinados benefícios, sendo assim injustamente deles privados, independentemente da base sobre a qual tal exclusão é levada a efeito.

A partir do conceito de dominação fica mais fácil pensarmos nas estratégias utilizadas para a criação e manutenção das relações de dominação, talvez a questão mais relevante e útil para quem busca se aproximar do conceito de ideologia. Dentre os vários mecanismos utilizados ideologicamente, destacam-se a naturalização e a universalização.

Tanto Tomelin e Tomelin (2004) como Aranha e Martins (1993) buscam explicar esses processos utilizados para conseguir criar e/ou manter o falseamento da realidade. A naturalização, para esses autores, seria uma forma de dirigir a consciência da população ao naturalizar situações que, na verdade, são produtos

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da ação humana e, por conseguinte, são históricos e não naturais. A naturalização é detectada em afirmação como “sempre foi assim e sempre será” ou então que a existência de ricos e pobres faz parte da natureza, assim como a ideia de que é natural que alguns mandem e outros obedeçam. Guareschi (1998) cita o caso de uma mãe que, ao descobrir que sua filha está namorando vários rapazes, afirma: “Minha filha, isso não é natural. Isso nunca foi assim”. As tibetanas possuem muitos maridos e os árabes muitas mulheres, o que demonstra o quão presente está entre nós esse processo ao tirarmos dos fenômenos seu caráter histórico, relativo e transformá-los em eternos, imutáveis, naturais.

Brecht (2010), poeta marxista, faz uma denúncia à ideologia e ao processo de naturalização em seu poema “Nada é impossível de mudar":

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.E examinai, sobretudo, o que parece habitual.Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é dehábito como coisa natural, pois em tempo de desordemsangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,de humanidade desumanizada, nada deve parecer naturalnada deve parecer impossível de mudar.

Outro processo citado pelos autores em questão é a universalização, na qual os valores da classe dominante são estendidos à classe dominada. Consiste na formação de uma consciência universal, uma espécie de correnteza ideológica, o que dificulta que alguém resolva “remar contra”. A consciência de classe é um exemplo desse mecanismo, no qual a empregada doméstica “boazinha” não se incomoda em trabalhar além do horário e com o salário que recebe. Ciente do seu lugar e situação, acredita que essa é uma espécie de regra a ser seguida.

Outro exemplo trazido por Guareschi (1998) é o do político que em algum discurso afirma que a competição em âmbito mundial e a globalização são fundamentais para o desenvolvimento de todas as nações. Segundo ele, estamos diante da estratégia ideológica da universalização e fica uma pergunta: esses processos irão de fato beneficiar a todos os países ou só a alguns? Uma leitura possível é a de que eles vêm a favorecer só a alguns a partir da constatação de que os países não estão em pé de igualdade, ou seja, os fracos saem muito prejudicados, semelhante ao atleta que posicionado à frente e com muito mais preparo físico tende a ganhar daqueles que estão posicionados atrás dele e com menos recursos.

Outro exemplo trazido por ele e ainda mais comum pode ser resumido na fala “rico é quem poupa”. Por detrás dessa fala está uma enorme legitimação da riqueza de poucos e uma espécie de mistificação da realidade, já que na grande maioria das vezes são pobres aqueles que não tiveram igualdade de oportunidades e/ou foram explorados.

Para Tomelin e Tomelin (2004), a função principal da ideologia dominante é a manutenção das coisas como estão, buscar o status quo ao criar uma realidade

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ilusória, que traz conforto a todos os dominados. A ingenuidade coletiva faz com que não sejam enxergadas as contradições e a opressão e isso fica claro em dizeres cotidianos como: todos os homens são livres, os pobres não enriquecem porque não se esforçam, todos são iguais perante a lei, todos possuem igualdade de oportunidades, o trabalho dignifica o homem, as crianças não aprendem porque não são inteligentes, o salário paga o trabalho do operário.

Analisando a afirmação de que os pobres não enriquecem porque não se esforçam, fica evidente a ideia de que as diferenças sociais podem ser explicadas no campo individual, sobretudo no talento e esforço de cada sujeito. Esse argumento é falacioso ao percebermos que a pobreza envolve muitas dimensões, inclusive de ordem social e política, o que nos levaria a questionarmos essa afirmação individualizante. A quem serve essa crença? Quem são os beneficiados de todos pensarem assim? Essas perguntas nos remetem à função das várias leituras equivocadas e tendenciosas da realidade.

Segundo Chaui (2003), não temos acesso à realidade em si mesma. Se assim fosse, seria incompreensível que os seres humanos, conhecendo as causas da exploração, da miséria e da injustiça, nada fizessem contra elas. Esse imaginário social constitui a ideologia, que teria algumas funções primordiais: dissimular a presença da luta de classes, negar as desigualdades sociais e oferecer a imagem ilusória de uma comunidade (Estado) originada do contrato social entre homens livres e iguais. A ideologia é a lógica da dominação social e política.

Tomelin e Tomelin (2004) deixa claro que a ideologia está presente nos mais diversos meios, como: na escola, na família, na religião, na política, na mídia e em todos os lugares onde existem pessoas se relacionando. Ela se propaga em todas as instituições sociais que, de alguma forma, acabam exercendo um papel formativo da consciência humana. Segundo Tomelin e Tomelin (2004, p. 140), algumas características evidenciam o que a ideologia faz e como atua na consciência humana:

lEstabelece uma visão de mundo.lManipula as vontades, cria desejos e necessidades, desenvolve

o fascínio pela mercadoria.lEncobre a verdade.lDeixa a realidade confusa e distorcida.lCoisifica a relação entre as pessoas.lPrescreve normas para a conduta humana.lCria representações sociais, símbolos e modelos.lPossui um discurso lacunar.lExplica a realidade a partir da visão de mundo da classe

dominante.lAfasta o produtor do produto, para que ele não veja

significado em seu trabalho – alienação.lNaturaliza os problemas sociais, criando valores de conduta.

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3 ALIENAÇÃO

Embora muitos autores compreendam a alienação enquanto um dos processos subjacentes à ideologia, ou uma das estratégias da ideologia no seu sentido negativo, o frequente uso desse termo e a importância desse conceito nos leva a analisarmos esse fenômeno em separado. Dada a complexidade e infinidade de significados que o termo acaba carregando, buscaremos discuti-lo.

O vocábulo “alienação” talvez seja tão usado como o vocábulo “democracia” e com a mesma falta de rigor. O senso comum o utiliza constantemente como ofensa. Se você assiste a muita televisão é um alienado, se não assiste também. Se alguém se veste de forma diferente é alienado, se veste terno e gravata da mesma forma o é. Essa confusão de sentido e generalização bastante ampla do termo mostra o quanto que há falta de compreensão do assunto.

Segundo Aranha e Martins (1993), etimologicamente, a palavra alienação vem do latim alienare e significa “que pertence a um outro” e é utilizada em vários sentidos. Em todos os sentidos utilizados, o homem alienado perde a compreensão do mundo em que vive e torna alheio à sua consciência um segmento importante da realidade em que se acha inserido.

Embora possamos interpretar esse significado de inúmeras formas, Marx (1983) foi um dos teóricos que mais explorou o tema e excluído do senso comum, é esse o referencial teórico mais utilizado ao se referir à alienação. Nesta perspectiva Codo (1995) explora o termo de forma bastante minuciosa. Segundo ele, falarmos em alienação é falarmos do mistério de ser e não ser ao mesmo tempo. Como exemplo, temos o termo usado no comércio. Ao comprar um carro e não ter todo o dinheiro necessário você poderá pegar um empréstimo e seu carro passará a estar alienado. Nesse caso, o carro é e não é seu, já que você pagou e não pagou por ele. A própria Psicologia fez uso do termo “alienação mental”, passando a designar um estado patológico do indivíduo que se tornou alheio a si mesmo. Nesse estado, a pessoa acaba não podendo responder plenamente por seus atos. Aqui também a palavra alienação parece uma síntese da magia de ser e não ser.

É, sobretudo, com Marx (1983) que o termo ganha destaque ao propor em sua leitura crítica que, no trabalho organizado pela sociedade capitalista ocorre uma ruptura, uma cisão entre o produto e o produtor, a partir do momento que o trabalhador produz o que não consome e consome o que não produz. Pior do que isso, muitas vezes produz e não consegue comprar o produto que produziu. Segundo Marx (1983), o trabalhador foi roubado.

O conceito que explica esse processo é o conceito de mais-valia, termo utilizado por Marx como alicerce para o modo de produção capitalista. É importante destacar que em Marx o que quer que sejamos, somos pelo nosso trabalho. É o trabalho humano que marca a nossa existência e nos diferencia dos outros animais, por transformarmos o meio ambiente que nos rodeia nesse processo.

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Mais-valia foi o termo utilizado por Marx (1983) para falar a respeito do lucro que sobra ao proprietário dos meios de produção (terras, empresas etc.), depois de descontadas todas as despesas. Por exemplo: um sofá é vendido pelo dono da fábrica por R$ 500,00. Um operário gasta 10 horas para fazer esse sofá. Recebe pelas 10 horas R$ 100,00. O material para o sofá custa mais R$ 150,00. Temos R$ 250,00. Os impostos (quando são pagos) mais R$ 50,00. São R$ 300,00. Mais uns R$ 50,00 para despesas com luz, reposição das máquinas quando estragadas etc., R$ 350,00. O dono da fábrica, ao vender o sofá por R$ 500,00, tem um lucro de R$150,00 que é a mais-valia, o lucro líquido que o capitalista tem, descontada toda a despesa.

Para se obter a mais-valia, de acordo com Marx (1983), seria preciso que o possuidor do dinheiro descobrisse no mercado uma mercadoria que fosse fonte de valor, criação de mais-valia, ou então, que o dono da fábrica pudesse comprar por preço menor do que vale. E essa mercadoria existe: é a força de trabalho humano.

No entanto, a força de trabalho dos homens não foi sempre mercadoria. Imaginando um artesão, um produtor independente que vendia o seu produto, ao não vender a sua força de trabalho, essa passa a não ser mercadoria. Isso se torna possível, porque o artesão é dono tanto de seu trabalho como de seus meios de produção, quer dizer, é dono de seus instrumentos e da matéria-prima que utiliza; em consequência, é dono também do produto que o seu trabalho produziu.

A expansão capitalista, entretanto, liquidou a maior parte dos artesãos, que não puderam concorrer com as fábricas sempre crescentes. Endividavam-se e perdiam os seus meios de produção, até que nada lhes restasse para vender, a não ser a sua força de trabalho. Assim, o trabalhador foi forçado a procurar o capitalista para vender-lhe a sua força de trabalho, em troca de um salário e é isso que ocorre até hoje (CATANI, 1980).

É nesses termos que o conceito de alienação pode ser entendido a partir de uma leitura marxista. Para Codo (1995, p. 31), “essa dupla relação – mercadoria e lucro – promove a ruptura entre o homem e o seu próprio gesto, entre a ação e o dono dela, entre o trabalho e o seu produtor; eis como a alienação é gerada na nossa sociedade”. Quando o nosso produto se apresenta como estranho a nós mesmos, alienamo-nos da nossa própria humanidade. O homem alienado passa a ser um estranho perante si mesmo e perante sua historicidade. Depositamos no trabalho (produto da ação humana sobre a natureza) nossa alma, e esse se transforma em uma mera mercadoria.

Reflexão interessante é trazida por Codo (1995), ao afirmar que embora o processo de alienação sempre implique em uma alteração de consciência, isso não significa dizer que ela é apenas um produto da consciência humana. Vamos entender isso. O autor traz um exemplo a esse respeito e sugere imaginarmos dois trabalhadores. O primeiro não sabe que está alienado, acha natural que não participe dos lucros e/ou da mordomia do patrão. O segundo é um militante sindical, luta para eliminar a “exploração do homem pelo próprio homem”. E a pergunta que não quer calar: qual dos dois é alienado? Você respondeu,

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o primeiro? Na verdade os dois são igualmente alienados, a diferença é que o segundo luta contra a alienação, sabe a causa dos seus males e tem uma proposta de como superá-los. Os dois sofrem do mesmo mal, estão alheios do produto do seu trabalho, sua força de trabalho é vendida ao dono da fábrica como uma mercadoria qualquer.

Vale ressaltar que, nos dias de hoje, o termo alienação acaba também sendo entendido como a falta de capacidade do indivíduo de pensar e agir por si próprio, o que acaba tendo uma certa sintonia com a alienação proposta por Marx (1983), embora, nesse caso, o termo tenha uma conotação mais abrangente. Nessa ótica, Tomelin e Tomelin (2004) afirmam que pode ser considerado alienado aquele que faz a vontade alheia sem perceber as incoerências a que é submetido. Nesse sentido, a alienação passa a ter uma relação bastante próxima com a ideologia no seu sentido negativo.

UNI

A seguinte figura, embora busque enfatizar o conceito de mais-valia utilizado por Marx e enquanto base para a sobrevivência do modo de produção capitalista (exploração do homem pelo próprio homem), deixa claro o quanto somos alienados e o quanto que tomados pela ideologia dominante não nos damos conta de muitos processos a que somos submetidos indevidamente.

FIGURA 20 – CONCEITO DE MAIS-VALIA

FONTE: Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2003/08/259982.shtml>. Acesso em: 2 fev. 2010.

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LEITURA COMPLEMENTAR

Partindo do pressuposto que a “má ideologia” se faz presente em todos os espaços, nosso próximo passo será ter acesso a um texto que busca pensar a relação entre televisão e ideologia, ou mais especificamente, entre novela e ideologia, o que permite que de forma mais prática consigamos perceber como a ideologia está presente entre nós.

NOVELA E IDEOLOGIA

M. L. AranhaM. H. P. Martins

Embora a escolha de um ou outro tema dependa do momento histórico, uma vez que é a importância de um assunto em determinado momento que vai possibilitar o envolvimento do espectador (resultando em bom índice de audiência que, por sua vez, eleva o preço da publicidade inserida naquele horário), os valores propostos não são muito diferentes ao longo do tempo. E isto se dá porque o discurso da telenovela é um discurso altamente ideológico.

O que isso quer dizer? Que a telenovela universaliza os valores de uma determinada classe, fazendo com que pareçam ser válidos para todos. Ao proceder assim, faz desaparecer os confrontos de valores das diversas classes, bem como os conflitos de interesses, apresentando uma visão homogênea da sociedade.

Considerando-se a diversidade cultural da população, a diversidade de interesses e de valores existentes no Brasil, a telenovela, ao propor os valores da classe média alta do Rio de Janeiro e de São Paulo para todo o país, está fazendo, nada mais, nada menos, propaganda ideológica, numa tentativa de construir a “massa” homogênea nacional, de gosto médio, para a qual é produzida. Vejamos alguns exemplos.

Apesar de retratar o cotidiano dos personagens, o trabalho, que em nossas vidas ocupa pelo menos metade do tempo em que estamos acordados, quase não aparece. Presidentes de firmas e altos funcionários são mostrados em umas poucas reuniões-chave, nas quais há sempre disputa de poder, assinando alguns papéis ou dando ordens a subalternos. Talvez seja por isso que garotos de vinte anos, que jamais trabalharam antes nem completaram sua educação, possam assumir as companhias herdadas e ter enorme sucesso. As secretárias, por sua vez, limitam-se a atender telefonemas, a evitar que pessoas indesejadas visitem seus chefes e que passem informações secretas aos inimigos. Além de muita fofoca, é claro. As empregadas domésticas servem para atender à campainha ou passar pela sala, de uniforme engomado, com um espanador na mão. Às vezes, são confidentes da patroa. Perguntamos: de onde vem o dinheiro? Como os personagens mantêm o padrão de vida mostrado pelas roupas, pelo tamanho das casas, pelos móveis e objetos de decoração? Mesmo quando, teoricamente, a casa é de um personagem pobre, não faltam a cristaleira, o sofá da moda coberto de tecido, adornos variados. O próprio padrão da casa é o mesmo da classe

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dominante: quartos individuais, banheiro, sala, cozinha, cada cômodo com sua finalidade específica. Isso se estende, também, aos hábitos: até o café da manhã é tomado sentado, com a mesa posta segundo padrões da classe média alta. Ninguém toma café no copo de geleia!

Desse modo, a pobreza, na televisão, é saneada, limpa, esterelizada. Ficamos com a pobreza idealizada que não faz ninguém perder o sono, embora saibamos da desigualdade da distribuição de renda no Brasil, onde 50% da população precisa sobreviver com apenas 10% da renda nacional. Não precisamos pensar no que seria preciso para que todos os brasileiros levassem uma vida digna.

Os conflitos que aparecem nas novelas se dão entre os representantes do Bem e os do Mal. Não há conflitos de classe ou de interesses sem que, necessariamente, alguém seja mau. Além disso, Bem e Mal são reduzidos à dimensão moral individual, jamais sendo levado em conta o social ou o político. Problemas sociais e políticos só são tratados em tom de farsa (como em “O Bem Amado”, “Roque Santeiro” ou “Que rei sou eu”?). As pessoas riem, reconhecem que é assim mesmo, mas acabam achando que o país não tem jeito, que nada pode ser feito. E, desse modo, jogando a culpa num passado histórico, o discurso ideológico mantém o mesmo estado de coisas, as mesmas pessoas ou classe de pessoas no poder, sem que sejam feitas mudanças sociais que beneficiem a maioria da população.

FONTE: Aranha; Martins (1998, p. 235-236).

Uma outra questão pertinente nesse momento é: qual a relação do conceito de ideologia com o de representação social? Em seu sentido positivo, ou seja, a “boa ideologia” tem relação direta com o conceito de representação social, ou seja, são praticamente sinônimos, embora a teoria das representações sociais faça questão de ressaltar que busca compreender como se constrói o pensamento social, representações socialmente compartilhadas.

Em se tratando da ideologia no seu sentido negativo, ou da “má ideologia”, para Sawaia (1995) é inegável que a teoria das representações sociais é extremamente relevante e pertinente, no entanto, essa não se atém e não explica por que se tornam hegemônicos os conhecimentos que favorecem a servidão do ser humano.

Nesse sentido, o conceito marxista de ideologia desmistifica a ingenuidade do processo cognitivo, colocando-o como mediação nas relações de dominação e exploração socioeconômica. Essa parece ser a maior diferença em relacão às duas teorias.

Para concluir mais essa etapa, é importante destacarmos a contribuição do conceito de ideologia ao estudo da consciência pelo viés da ética, do juízo de valor e criticidade. Essas preocupações denotam uma preocupacão e a esperança de emancipação dos seres humanos e na melhoria das condições de vida da maioria da população. O conceito de ideologia, essencialmente crítico, busca

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abrir os olhos dos que, como fala Platão, vivem no mundo das sombras: vivem em um mundo enganoso. Trazendo as pessoas para o mundo das ideias, esses conseguirão enxergar o mundo o mais próximo possível do que ele realmente é, assim estarão essas emancipadas, mais livres e aptas a fazerem suas escolhas.

DICAS

Filme que trata com primor o conceito de ideologia no seu sentido negativo é o documentário “Muito além do cidadão Kane”. Produzido pela BBC de Londres, em 1993, e proibido de ser vinculado no Brasil, revela a história de uma das principais, se não a principal emissora de televisão do Brasil, a Rede Globo, mostrando o quanto que em determinados momentos da história ela foi tendenciosa e contribuiu para ocultar informações e direcionar os telespectadores a comportamentos de seu interesse e/ou de grupos específicos. Esse documentário pode ser encontrado na rede mundial de computadores.

DICAS

m estudo abrangente e bastante completo a respeito do conceito e da teoria da ideologia pode ser encontrado no livro “Ideologia e cultura moderna” de John B. Thompson (Petrópolis: Vozes, 1995). Já para uma leitura mais simples e introdutória, uma boa leitura é o livro “O que é ideologia” de Marilena Chauí (São Paulo: Brasiliense, 1983).

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Ao nos referirmos aos conceitos de ideologia e alienação é importante termos claro que:

• Em se tratando de ideologia é importante a peculiaridade do termo. O mesmo apresenta dois sentidos, o que justifica falar-se em uma “boa” e uma “má” ideologia.

• No seu sentido positivo, ideologia significa o conjunto de ideias a respeito de algo. Em seu sentido negativo, trata-se do conhecimento utilizado interesseiramente e com a intenção de falsear a realidade. A maioria dos estudos em relação a esse tema se voltam à ideologia em seu sentido negativo.

• A ideologia, em seu sentido negativo, tem evidência com Marx, entendida como um instrumento de dominação.

• Apesar de utilizado indescriminadamente, o termo alienação refere-se ao mistério de ser e não ser ao mesmo tempo, sobretudo quando o trabalhador não se enxerga no produto produzido por ele ao vender sua força de trabalho aos proprietários dos meios de produção.

RESUMO DO TÓPICO 4

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AUTOATIVIDADE

1 Você tem ideologia? A respeito dessa pergunta, defina ideologia a partir das duas grandes formas de compreendê-la. Feito isso, responda também: Você é alienado? Caso sim, acha justo isso?

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TÓPICO 5

COMUNIDADE E SOCIEDADE

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

A afirmação de que o ser humano é um ser social é presente tanto em abordagens sociológicas como psicológicas, mais centradas no indivíduo. Esta crença parece ser incontestável, embora alguns acreditem que isto se dá por nos construirmos inseridos em grupos e, outros, por termos uma natureza social inata (carregamos desta forma uma espécie de “gene da sociabilidade”). A primeira hipótese para a Psicologia social se demonstra mais coerente. Aristóteles afirma que o homem não pode deixar de viver em sociedade, o que provavelmente justifica a ideia de que nascemos abertos para nos construirmos mais ou menos sociais, mesmo que seja difícil nos isolarmos por completo.

A partir desta constatação, de que um componente quase indiscutível na existência humana sejam as relações sociais e o convívio em comunidade/sociedade, neste momento iremos aprofundar estes dois conceitos, que trazem à tona a necessidade das relações sociais e de alguma forma estarmos organizados, concepção que de alguma forma esteve presente em todo o caderno. Embora muitas vezes tidos como sinônimos, há diferenças importantes entre os conceitos. Estas diferenças serão apresentadas a seguir, partindo do princípio de que temos a decadência das comunidades e a emergência das sociedades. Vamos lá!

2 O CONCEITO DE COMUNIDADE

O termo “comunidade” é usado cotidianamente, entretanto, na maioria das vezes de forma pouco rigorosa. Podendo significar coisas bastante distintas, de forma geral está relacionado ao lugar em que grande parte da vida cotidiana é vivida.

Autora que analisa este conceito com afinco é Bader B. Sawaia, trazendo alguns elementos bastante significativos, que serão expostos a seguir.

Para Sawaia (2008), o conceito de comunidade por muito tempo não fez parte do arcabouço teórico da Psicologia. Passou a fazer parte apenas nos anos 70, quando um ramo da Psicologia social se autoqualificou de comunitária. A descoberta da comunidade não foi algo exclusivo da Psicologia social. Fez parte de um movimento mais amplo que avaliou criticamente o papel social das ciências. No caso da Psicologia social, trouxe ganhos enormes, sobretudo no

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sentido de propor uma teoria crítica que passa a interpretar o mundo no sentido de transformá-lo. Vale lembrarmos que é rotineiro o uso deste conceito de forma demagógica, significando compromisso com o povo e/ou união com o mesmo.

Dada a diversidade de significados e o uso demagógico citado há pouco, é importante, primeiramente, se discutir este conceito, suas múltiplas significações e o enfoque privilegiado. É na Sociologia, ciência emergente no início do século XIX, que este conceito ganha destaque, onde principalmente o foco está em diferenciar comunidade de sociedade.

NOTA

Karl Marx difere de forma significativa com os teóricos da sua época que traziam as diferenças entre comunidade e sociedade. Segundo ele, a sociedade é conflitiva, dado o que ele chama de luta de classes. No modo de produção vigente, o capitalista, o individualismo seria exacerbado e se demonstrando inimigo das relações comunitárias.

Na Psicologia, mais especificamente, este conceito aparece de forma bastante vaga entre os pioneiros, significando na maioria das vezes o elo entre o homem e a sociedade, ou então como sinônimo de sociedade. Wilhelm Wund, em 1904, no seu estudo sobre psicologia dos povos, apresenta o termo como sinônimo de interação coletiva. O fato é que nem mesmo na Psicologia social, que se volta à análise da relação homem/sociedade, o conceito de comunidade aparece como central. Em lugar dele, o conceito de grupo e interação social aparece de forma bem mais significativa.

Segundo Nisbet (apud SAWAIA, 2008, p. 50):

Comunidade abrange todas as formas de relacionamento caracterizado por um grau elevado de intimidade pessoal, profundeza emocional, engajamento moral [...] e continuado no tempo. O elemento que lhe dá vida e movimento é a dialética da individualidade e da coletividade.

Nesta tentativa de conceituação se percebe um aspecto fundamental, que é a relação face a face. É este um espaço não antagônico à individualidade, mas aquele que permite o amadurecimento e o desenvolvimento do ser humano no seu cotidiano.

De acordo com Oliveira (2003), existem algumas características que contribuem para a definição de comunidade, dentre elas a nitidez, ou seja, sabe-se onde ela começa e onde termina (limite territorial, claro). Cita ainda a homogeneidade, tendência para que o curso de uma geração é semelhante ao da precedente. Outra característica relevante é a autossuficiência. A comunidade consegue atender às necessidades dos seus membros.

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Muitas são as definições de comunidade, embora na literatura vigente percebe-se duas grandes categorias conceituais. A primeira está relacionada a uma noção territorial ou geográfica. Nesse sentido, comunidade pode ser entendida como um prédio, a vizinhança, um bairro, uma cidade. Pertencer a uma comunidade implica em um senso de pertencimento a uma determinada região. A segunda diz respeito à qualidade das relações humanas dentro de um determinado espaço. Nesta perspectiva, o lugar ou o espaço não garante a existência de uma comunidade e, sim, o processo interativo, o alto grau de intimidade pessoal, o compromisso moral e o alto grau de coesão social. Esta perspectiva parece ser a mais adequada.

O conceito de comunidade passa a ser introduzido de forma mais clara na área clínica, a partir da bandeira de humanização do atendimento ao doente mental e através das políticas propagadas por vários organismos internacionais, como ONU, BID etc. A intenção primordial era promover ações educativas e preventivas. A comunidade passa a ser tida como lugar de gerenciamento de conflito e de mudanças de atitude.

Na Psicologia, o trabalho com comunidades se revela bastante diferente, a partir da concepção adotada. O termo mudança social revela a diferença fundamental entre as duas vertentes principais da Psicologia social apresentadas nos tópicos 3 e 4 da Unidade 1. Na Psicologia comunitária de base norte-americana a mudança está atrelada à adequação dos setores atrasados e pobres, visando adaptá-los ao modo de produção atual. Já para a Psicologia sócio-histórica, a mudança social está embasada no ideal revolucionário, o de construir uma nova ordem dando fim à exploração.

Atualmente, tomados pelo processo de globalização, que de forma bastante simplificada pode ser conceituado como a eminência de uma “aldeia global”, surge inclusive um novo tipo de comunidade, chamada de comunidade virtual. A partir do avanço da informática e da internet, as relações passam a se dar também no espaço virtual. Grupos dos mais diversos, com interesses comuns, passam a trocar experiências e informações no ambiente virtual. A dispersão geográfica dos membros é uma característica dessas comunidades, bem como o uso de tecnologias de informação e comunicação que minimizam as dificuldades espaciais e temporais.

Está na pauta da discussão hoje a repercussão das chamadas redes sociais. Quem já não ouviu falar em Orkut, Facebook? A grande questão que se coloca em relação ao uso exacerbado desse novo formato de relacionamento contemporâneo é a tendência descrita por vários estudiosos da área. Ao mesmo tempo em que estas tecnologias aproximam pessoas distantes, elas acabam distanciando pessoas próximas. Esta acaba sendo a tônica do nosso tempo, onde o anonimato, de vilão, passa a ser herói.

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DICAS

Para saber mais sobre o tema, consulte as seguintes obras abaixo listadas:FORTIM, I.; FARAH, R. M. (orgs). Relacionamentos na era digital. São Paulo: Giz Editorial, 2007.RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2010.

3 COMUNIDADE VERSUS SOCIEDADE: DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS

Termo muito falado, mas pouco estudado, é o de sociedade, essencial para a Sociologia, mas negligenciado pela Psicologia social.

Segundo Meksenas (1995), dizer o que é exatamente sociedade é algo bastante difícil, até porque são muitas as possibilidades de caracterização. Segundo ele, em sua definição mais geral, sociedade significa o relacionamento dos homens entre si, que, organizado por uma forma distinta de trabalho, dá origem a uma cultura. Para ele, existem cinco tipos possíveis de sociedade: tribal, escravista, feudal, capitalista e socialista. A organização do trabalho é diferente em cada modelo de sociedade e explica se esta é pautada em um sistema igualitário ou de dominação.

De forma menos simplista, Dias (2005) conceitua sociedade como um grupo de pessoas que ocupam um território comum, compartilham da mesma cultura e têm uma identidade compartilhada. As sociedades são unidades não somente pelas relações sociais entre as pessoas, mas também entre as instituições sociais (família, educação, religião, política, economia). O autor apresenta algumas características universais da sociedade elaboradas pelo antropólogo Ralph Linton, sendo elas:

• A sociedade, e não o indivíduo, é a unidade que possibilita a sobrevivência dos membros que fazem parte dela. Os seres humanos vivem como membros de grupos organizados e têm os seus destinos indiscutivelmente ligados ao grupo ao qual pertencem;

• Normalmente perdura muito além do tempo de vida dos seus membros;• É uma unidade funcional e operante, ou seja, funcionam como entidades

próprias e os interesses dos membros individualmente estão subordinados aos do grupo como um todo;

• As atividades necessárias são divididas e distribuídas aos vários membros.

Temos como exemplo a sociedade brasileira, onde as pessoas que a formam ocupam um mesmo território, compartilham da mesma cultura e têm a sensação de pertencer a ela.

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Dias (2005) cita alguns tipos de sociedade onde, para ele, a característica fundamental de cada uma está na relação com a tecnologia presente em cada momento histórico. Segundo ele, temos, através dos tempos, as “sociedades de caçadores-coletores” (utilizavam tecnologia simples para caçar animais e coletar vegetação), as “sociedades de horticultura e de pastoreio” (momento em que surgem os primeiros seres humanos produtores de alimentos), “sociedades agrárias” (baseadas fundamentalmente na agricultura), “sociedades industriais” (as tarefas passam a ser realizadas por máquinas) e a chamada por ele “sociedade pós-industrial” (surgindo como produto da tecnologia da informação – computadores e outros dispositivos eletrônicos).

Em relação à diferença entre comunidade e sociedade, para Oliveira (2003), quando falamos em comunidade, estamos falando em um tipo de sociedade. Segundo ele, existem dois tipos de sociedade: a comunitária e a societária.

Por sociedade comunitária entende-se aquela pequena, com uma divisão simples do trabalho e, consequentemente, com limitada diferenciação de papéis. As relações sociais são duradouras e os contatos sociais são pautados em uma base emocional. Há pouca necessidade da lei formal. Vários estudos apontam que um aspecto bastante positivo encontrado nas favelas brasileiras é exatamente a rede de relações próximas que possibilita a ajuda mútua entre os membros. Nestas comunidades predominantemente compostas por pessoas de baixa renda não são raras dificuldades das mais variadas. Para dar conta destes entraves, recurso utilizado com frequência são os laços sociais estreitos, onde o problema de um acaba sendo o problema de todos.

Recente artigo intitulado “Pobreza e redes sociais em uma favela paulistana”, de autoria de Reinaldo de Almeida e Tiaraju D’Andrea, trouxe elementos importantes acerca do funcionamento de uma grande favela da zona sul de São Paulo, Paraisópolis. Na referida pesquisa contatou-se que as redes sociais permitem que circulem benefícios materiais dos mais diversos, bem como e fundamentalmente afetivos (amizades, patrimônio, apoio emocional etc.). Estas relações próximas contribuem para fomentar de forma bastante intensa a integração socioeconômica dos membros daquela comunidade, atenuando as condições de vulnerabilidade. Embora não seja uma regra, este e outros estudos demonstram características semelhantes em comunidades de baixa renda de todo o país.

Por outro lado, a chamada sociedade societária é caracterizada pela acentuada divisão do trabalho e pela proliferação de papéis sociais. As relações sociais tendem a ser transitórias, superficiais e impessoais. Os indivíduos associam-se uns aos outros em função de propósitos bastante objetivos. Prevalecem os acordos racionais de interesses. Este tipo de agrupamento social caracteriza muito bem o que predomina hoje. O contato social é cada vez mais evitado e, quando ocorre, se deve a dar conta de problemáticas bastante específicas. Assim que resolvidas, a tendência é que o contato seja evitado ou, na melhor das hipóteses, não almejado. Embora possa parecer uma leitura bastante rigorosa, não há como negar que este parece ser o rumo tomado pela sociedade contemporânea, sobretudo nas grandes cidades.

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NOTA

Um exemplo para distinguir comunidade de sociedade é imaginarmos a negociação de uma casa. Se negociarmos com um familiar (comunidade), prevalecerão relações emotivas e de exclusividade. Negociando com um desconhecido (sociedade), o que irá valer é o uso da razão. As relações tendem a ser bastante distintas.

Nota-se que a tendência atual acaba sendo a transformação das sociedades comunitárias em sociedades societárias. “O crescimento das cidades, o suposto declínio da importância da família, a extensão da burocracia, o enfraquecimento das tradições, o papel diminuído da religião na vida cotidiana, tudo isso comprova essa transformação” (OLIVEIRA, 2003, p. 51).

LEITURA COMPLEMENTAR

A fim de melhor visualizar, segue uma distinção clássica feita por Ferdinand Tönnies, sociólogo alemão. Ele apresenta dois tipos básicos de organização social, a comunidade (Gemeinschaft) e a sociedade (Gesellschaft).

GEMEINSHAFT E GESELLSHAFT

Para o sociólogo alemão Ferdinand Tönnies (1855-1936), Gemeinshaft (comunidade) é definida pelo ato de “viver junto, de modo íntimo, privado e exclusivo”, como a família, os grupos de parentescos, a vizinhança, o grupo de amigos e a aldeia. Gesellshaft (sociedade ou associação) é definida como “vida pública”, como algo em que se ingressa cônscia e deliberadamente.

Nas comunidades os indivíduos estão envolvidos como pessoas completas, que podem satisfazer todos os seus objetivos no grupo. Nas sociedades os indivíduos também se encontram envolvidos entre si, mas a busca da realização de certos fins comuns é específica e parcial.

Uma comunidade é unida por um acordo de sentimentos ou emoções entre pessoas, ao passo que a associação é unida por um acordo racional de interesses.

Foi a mudança das normas sociais do século XIX que levou Ferdinand Tönnies a fazer essa distinção entre comunidade (Gemeinshaft) e sociedade (Gesellshaft), talvez o mais completo conceito da sociologia moderna.

Como afirma Tönnies, a Gemeinshaft, que caracterizava a sociedade camponesa europeia pré-moderna típica, consistia numa densa rede de relações pessoais baseadas principalmente no parentesco e no contato social direto. As

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normas em grande parte não eram escritas e os indivíduos estavam ligados uns aos outros numa teia de interdependência fechada, que envolvia todos os aspectos da vida: a família, o trabalho, as poucas atividades de lazer, etc. Assim, a comunidade é um tipo de agrupamento humano no qual se observa um grau elevado de intimidade e coesão entre seus membros e onde predominam os contatos sociais primários, com influência fundamental da família.

A Gesellshaft, por outro lado, é a estrutura de leis e outros regulamentos que caracterizam as grandes sociedades urbanas industriais. As relações sociais são mais formalizadas e impessoais; os indivíduos não dependem uns dos outros para seu sustento e estão muito menos obrigados moralmente entre si. Portanto, a sociedade designa agrupamentos humanos que se caracterizam pelo predomínio de contatos sociais secundários e impessoais, próprios da sociedade industrial, da complexa divisão do trabalho e da burocracia.

FONTE: Oliveira (2003, p. 51-52).

A leitura complementar e a distinção trazida até o momento entre comunidade e sociedade nos fazem refletir sobre o modo de organização social contemporâneo alicerçado por relações sociais cada vez mais indiretas. Surge o termo single como um modo de vida buscado constantemente nos dias atuais. Principalmente nas cidades grandes é notória a escolha que muitas pessoas estão fazendo ao, por exemplo, morarem sozinhas. Até pouco tempo atrás essa condição era interpretada como incompetência afetiva. Hoje passa a ser comum a busca pelo anonimato, conseguido por uma mudança drástica no estilo de vida presenciado atualmente.

O número de pessoas que moram sozinhas no Brasil aumentou consideravelmente, segundo dados levantados pelo Censo 2010 divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Atualmente são quase 7 milhões de pessoas que moram sozinhas, o que equivale a cerca de 12,2% dos domicílios particulares permanentes no país. Em 2000 o número de domicílios com apenas um morador era de aproximadamente 4 milhões, o que representava um pouco mais de 9% do total.

Uma questão fundamental fica diante desse diagnóstico. Por que tantas pessoas vêm optando por uma vida solitária? Esta questão pode ser respondida por vieses os mais diversos.

A primeira constatação e um tanto óbvia é que o número de solteiros está cada vez maior, sejam eles aqueles que optaram por não se casar ou então casar mais tarde, ou aqueles que se divorciaram. É grande também o número de viúvos que moram sozinhos. Mais importante do que esta análise conjuntural é a emergência de um novo padrão, bastante egoísta e individualista. Os singles consideram ser um prejuízo estar com outra pessoa. Os próprios confessam ser pouco tolerantes em relação aos outros. Este novo perfil é encontrado muito mais em grandes metrópoles do que no campo.

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DICAS

Documentário que faz uma análise crítica das novas tecnologias é “Amigos virtuais”, exibido pela TV Escola. Neste material é enfatizado o papel dos novos meios de comunicação, que possibilitou que muitos relacionamentos sejam mantidos à distância, tanto por necessidade quanto por opção. Ao mesmo tempo que nos torna mais “eficientes”, contribuiu para um maior isolamento dos indivíduos.

Em termos de prognóstico, restam algumas dúvidas. Será necessário, para darmos conta dos novos problemas sociais, retomarmos valores tradicionais e modos mais antigos de organização? Serão os singles aqueles que se adequaram mais rapidamente à sociedade complexa na qual vivemos, onde privilegia-se a competição, a liberdade e a individualidade?

Segundo Oliveira (2003, p. 55):

A economia capitalista, dinâmica e tecnologicamente inovadora, colabora para reforçar a cultura do individualismo e isolamento; favorece a formação de uma sociedade com pessoas egocentradas, com frágil conexão entre si e que buscam satisfazer apenas as próprias vontades e necessidades. A satisfação individualista fica acima de qualquer obrigação comunitária.

A grande questão diante desta citação é: será essa uma tendência “natural” ou cabe a nós tomarmos a “rédea” da história e revermos nossos erros com o intuito de retomarmos os laços sociais que outrora eram mais indispensáveis e desejáveis? Se é a Psicologia social a área da Psicologia que tem como objeto de estudo primordialmente as relações sociais, é ela uma defensora incondicional do ser humano “social” e “comunitário”. Se nos constituímos com o outro e se, da mesma forma, contribuímos na constituição de outros “outros”, esta premissa nos remete à contramão da tendência atual. Se temos a emergência dos singles, nada nos impede de, nas nossas relações cotidianas e no espaço em que nos fazemos presentes, reforçarmos a prevalência de um sujeito coletivo e altruísta.

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A partir do que foi visto neste tópico é importante lembrar que:

• Embora tidos normalmente como sinônimos, o termo comunidade traz a ideia de relacionamento próximo, interdependência, enquanto o de sociedade a existência de leis formais e de união a partir de interesses bastante objetivos.

• Atualmente temos a prevalência das chamadas “sociedades societárias”, já que as “sociedades comunitárias” estão gradativamente desaparecendo.

• A tendência atual é a prevalência do individualismo e do anonimato, características da sociedade contemporânea pautada em relações sociais “frias”.

RESUMO DO TÓPICO 5

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AUTOATIVIDADE

1 Feita a leitura deste tópico, distinga os conceitos de comunidade e sociedade expondo qual a tendência atual, a partir dos elementos apresentados no tópico.

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ANOTAÇÕES

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