PROFESSOR DO LICEU

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ASSEMB LEIA DA

REPÚBLICA

BIBLIOTECA

ADRIANO DUARTE SILVA PROFESSOR DO LICEU

O CORPORATIVISMO E SUA OPORTUNIDADE HISTÓRICA

.,_

... Lição inaugural proferida no liceu ~( /

Infante O. Henrique, em S. Vice~tê- - :

de Cabo Verde, na abertura sol?Óe •:-do ano lectivo de 1937-193-s".:-." ~

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ADRIANO DUARTE SILVA PROFESSO.R DO LICEU

O CORPORATIVISMO E SUA OPORTUNIDADE HISTÓRICA

9 {

'.l:Ml?RENS.A.

Lição inaugural proferida no Liceu do

Infante O. Henrique, em S. Vicente

de Cabo Verde, na abertura solene

do ano lectivo de 1937-1938

5 s N . .A. O I O N .A. L

PRAIA

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1 NOTA INTERLOCUTORIA

O Govêrno da colónia de Cabo Verde, determinando à

divisão de Propaganda dos seus Serviços de Estatística, a

publicação, em edição especial, da li cão do professor

DR. ADRIANO DUARTE SILVA, consente a nota pública

da orientação cultural e educativa que preside à actlvldade

do principal estabelecimento de ensino de Càbo Verde- o

Liceu Infante D. Henrique.

o destaque que o professor DR. ADRIANO DUARTE

SILVA gosa, merecidamente, no melo social da colónia ainda

dá à sua lição um maior relêvo.

Cidade da Praia, Abril de 1938.

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR GOVERNADOR

DA COLÓNIA DE CABO VERDE

SENHOR REITOR DO LICEU

PREZADOS COLEGAS

ÜAROS ALUNOS

MINHAS SENHORAS

MEUS SENHORES

'rendo, por dever de ofício, de fazer nesta sessão uma palestra, procurei, entre os assuntos que se relacionam com as disciplinas a meu cargo, aquêle que mais pudes­se prender a atenção de V. Ex.as, já que a reconheeida pobreza dos meus recursos oratórios me não permitia esperar que doutro modo lograsse interessar os meus ouvin­tes.

Escolhí, assim, para objecto da minha oração, a Organização Corporativa que é, sem dúvida, um tema de flagrante actualidade e, para "o nosso meio, assunto a bem di­zer inédito (1).

Se a escôlha foi feliz, dirão V. E'x.••. Por mim, permitam que manifeste ampla satisfação, pois coincide a minha palestra com a presença do ilustre Governador da colónia, lídimo representante do Estado Novo, que poderá desta forma certificar-se de que ao contrário do que malevolamente e com fins inconfessáveis se tem por vezes pro­palado, não há aqui dentro do Liceu, por parte de qualquer dos seus membros, a mais leve animosidade nem a menor resistência à 10bra do Estado Novo , que antes aqui en­contra um ambiente de franca simpatia e de sincera e consciente admiração.

Falar da obra do Estado Novo é exaltá-la. Expôr o que tem sido a Revolução Na­cional, nomeadamente no campo económico e social, é prestar à verdade e à justiçi o culto a que elas têm direito, mas é ao mesmo tempo arreigar no espírito dos que nos ouvem o sentimento de profunda gratidão ao Estado Novo e ao seu incontestad~ Chefe pelos incalculáveis benefícios que ela nos trouxe, garantindo-nos a paz social, pelo per­feito equilíbrio dos elementos da vida económica da Nação, enquanto aos nossos olhos países inquestionàvelmente mais ricos se debatem em dificuldades tremendas.

Permita, pois, si:nhor Governador, que eu me felicite pela sua presença e lhe di­ga, Excelência, quanto ela me conforta, pela certeza em que fico de que V. Ex.•, ao sair desta sala, levará a convicção de que o nosso Liceu não permanece indiferente ao la­borioso e nobilitante esfôrço da renovação nacional e se encontra perfeitamente enqna­drado no ambiente ideológico em que se está operando essa renovação .

E qu<m poderia de boa fé permanecer indiferente perante a prodigiosa actividade dêsse homem que é hoje o orgulho da raça e, na. opinião de muitos estrangeiros, o pri­meiro estadista da Europa? Quem poderia assistir indiferente à restauração financeira, à reconstrução das estradas, ao ressurgimento da Armada, à organização da economia nacional?

(1) Conhecemos apenas as bases da Oooi·denação e valori"açllo de Gabo Ver-le mediante o corporati· vünno económico apresentadas à 1.ª Conferência E canómica do Império Colonial Português pelo li:x.m• Senhor M. Machado Saldanha, ilustre membro da delegação de Cabo Verde.

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Só os espíritos obcecados pelo partidarismo estreito e os corações empedernidos pelo ódio e pela inveja não vêm, não sentem que a Pátria r esmscita e o Portugal de outras eras renasce glorioso e fort e.

Mas nós que também somos portugueses, e que sentimos llentro do peito bater um coração bem português, não prescindimos do nosso quinLão dessas glórias, não desistimo 5 de proclamar bem alto o noeso orgulho de sermos portugueses.

Devo esclarecer que a palestra que vou ler nada t~m de original , nem mesmo a forma porque as ideas são apresentadas.

Incumbe-me, não uma tése de doutoramento, mas uma lição destina<ia a aluno s do Liceu, na qual a originalidade tem de ceder ao interê;;se e utilid1de do assunto e a elegância deverá sacrificar-se a clareza das ideas e simplicidade da expressãô.

Em tais tnmos, a própria forma foi quási totalmente aproveitad1 do livro nLe Siecle du Corporati sme », do professor romeno Manoilesco, con siderado a última palavra sôbre o assunto.

O desejo de não abusar da paci&ccia de V. 1'3x.•• levou-me mesmo a abondonar aidea de expôr nesta palestra o que eu penso do enql!adramento de Cabo Verde no plano corporativo nacional.

Ê sse trabalho, que já teria o mérito de ser original, embora nada mais o reco­mendasse, fica, porém, para uma próxima palestra, dada a necessidade de uma prepara­ção p1évia sôbre os princípios gerais da doutrina corporativa.

O meu tema será, pois,

O CORPORATIVISMO E SUA

OPORTUNIDADE HISTORICA

Entre muitas proposições, que aind a hoje são apaixonad arnentn discu­tidas, enunciou Karl Marx, o conhecido teórico do socialismo, urna verdade que os factos inteiramente confirmam e os homens de ciência unânirnernente aceitam. Pronunciando-se sôbre a questão da influência recíproca da idéa e do ambiente em que ela se forma, afirmou Marx que não é o pensamento do homem que determina a sua existência, mas sim esta que determina o seu pensamento.

Na verdade, se, no período da sua elaboração, a idéa é muita vez uma par.a emanação do livre arbítrio individual e escapa ao determinismo do rr:eio-facto que nos é confirmado pela existência de idéas contraditórias no mesmo meio e numa mesma época-o que é incnntestável é que a interven­ção do meio e da colectividade cedo se faz seatir na aceitação ou repúdio dessa idéa.

E, se atontarmos em que o que enobrece, dignifica e ;~loriza a idéa é principalmente e sua mobilidade, quero dizer, o seu poder de comunica­ção, a t; 11a pus si biliJade de irradiação, pois não pode ter valor uma idéa, grandiosa ou genial qne Sl"ja, se não se manifesta de forma a ser, hoj P. ou amanhã, compreendida pfllos ontros homens, logo veremos a importância que tem a selecção das idéas feita pelo agregado social ,

Essa Pscôlba que a sociedade faz entre as diferentes elabora~ões indi­viduais obedece instintivamente aos interesses egoístas da sociedadu, op fl · rando-se a selecção segando as mesmas normas que presidem à selecção das qualidades físicas das espécies animais, no decurso da sua evolução. J

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Darwin observou qun os indivíduos isolados adquirem, por rlizões di­VElrsas, certas particularidades, certos desvios da normal, certas variações de tipo, mas observou também que dessa multiplicidade de desvios a es­pécie não conserva senão aqueles que realmente se adaptam aos seus inttl­rflsses e podem representar uma vantagem na luta pela existência ;

O mesmo se dá com a difusão das idéas. A colectivi<lade faz instinti­vamente a re~pectiva selecção, só pnfilhando aquelas que se ajustam aos seas interesses no momento preciso da sua adopçãG. Toda a idéa se torna, dêste modo, uma arma: pode ser desintert>ssada para o indivíduo que a elaborou, mas nunca o é para a nação ou grupo que a adoptou, pois, nêste caso, é sempre o instinto de conservação que determina a adopção.

Vem isto a propósito da inegável aceitaçãu que tem ultimamente rece­bido na quási totalidade dos pafoes de Europa a idéa. corporativa, abando­nada há um século e, de então para cá, esquecida da maior parte, impor­tando, pois, investigarmos das raz?\es dêsse renascimento, isto é, justificar a actaalidade do corporativismo, a sua oportunidade histórica.

E o que vamof! fazer, demonstrando que se trata de ama manifestação do instinto de conservação dos povos e não, como se pretendeu, o resulta­do da doutrinação caprichosa de alguQs escritores ou da vontade arbitrá1 ia do Chefe da Revolução italiana.

O corperativismo é uma necessidade da épor:,a que vivemos, a expressão lógica da fase histórica que atravessamos.

Mas, se assim é, se o triunfo da idéa corporativa se aprnsenta coqi o carácter de fatalidade que lhe atribuímos, i, que necessidade haverá de com­bater e preparar o futuro, já previsto na lógica do·s acontecimentos ?

A objecção já havia sido levantada no século passado, por ocasião de advento do socialismo, que também se apresentou como ÍI10vitável e fatal. Como diz Manoilesco, no mar coisa alguma impede a quem quer qae •seja de nadar na direcçãú que lhe apeteça, mas nadar na direcção das correntes conduz sempre a melhores resultados •..

Vamos, pois, proceder ao exame das circunstâncias em que decorre a "vida social contemporânia afim de podermo~, dtpois, averiguar se elaM jus­tificam a aceitação da idéa corporativa. Vamos procurar definir as condi· ções a que devem satisfazer os povos para se não subverterem e desapare­Cflrem. E, uma vez estabelecidas essas condições, a que chamaremos, com Manoilesco, os imperativos do século XX, procuraremos mostrar que só no estado corporativo elas encontram garantia de perfeita e completa realiza­ção.

A vida mundial sofreu no nosso tempo múltiplaiil e profundas altera­ções. Se é de pouco rigor científico atribuí-las a uma só causa, nada impede, todavia, que reconheçamos, entre as suas determinantes, ama causa princi­pal que, não dando a razão de todas, explica no entanto uma grande parte das manifestações da nossa época. ·

Essa causa é a transformação da estrutura económica do mundo, ca­racterizada pela descentralização industrial da humanidade.

Durante todo o século XIX os países ocirlentais da Europa promove­ram o desenvolvimento ilimitado das suas indústrias, aamt>ntando as suas ri­quezas com a exploração indefinida dos países agrícolas que não tinham indústria.

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Mostram os factos que os países industriais são ricos, enquanto os países agrícolas sobretudo aqueles em que domina a pequena proprieàade, são pobres e pobres ficam enquanto se não encaminham para a industria­lização. Têm as indústrias uma certa superioridade intrínseca que .as leva a criar valores com uma intensidade dez vezes maior qi.e a agricultura, de sorte que o trabalhador empregado na indústria produz em média, num determinado período, dez vezes mais do que se tivesse dado à agricultura a mesma quantidade de trabalho.

Daqui resulta que quando os países industriais trocam os seus produ­tos com os países agrícolas, trocam o produto do trabalho de um operário industrial pelo produto do trabalho de dez operários agrícolas, fenómeno que o grande economista Sombart reconhece e pitorescamente exprime di­zendo que o ocidente europeu obtém, em certa medida, gratuitamrnte, as mercadorias dos outros povos do mundo.

Êstes, porém, vieram a sentir as conseqüências de tal situação e instinti­vamente procuraram libertar-se. Foi o que aconteceu durante a guerra eu­ropeia com a China, o Japão, os Domínios inglêses, o Brasil e a Argentina que, sendo países de economia agrícola, se lançaram intemeratamente no caminho da industrialização.

Começou, assim, li política da auto-su.fic·tência, ou seja de cada país se bastar a si mesmo, industrializando se os países agrícolas, que desta arte fu. giam á exploração de que eram vítimas, e desenvolvendo a sua agricultura os países industriais, que já não podiam, com os prod .Itos da sua indústria, pagar as subsistências que importavam.

Dai resultou um profundo desiquilíbrio do regime das trocas interna­cionais, que passaram a ser dominadas pelo principio do ut des, nada con­cedendo um pais a outro sem que êste lhe traga a compensação equiva­lente.

Surgiu, assim, a tremenda crise, que lançou nas angústias do de~em­prêgo alguns milhões de 1operários, e o mundo viu com assombro queima­rem-se milhões de toneladas de trigo, lançarem-se ao mar milhões de ·sacos de café, degolarem-se rebanhos inteiros ! ...

Com tais medidas e outras semelhantes se pensou fazer face à crise qu~ se supôs transitória. Evidencion-se, porém, a sua ineficácia. Trata-se de uma crise do sistema, uma crise da estrutura económica da humanidade, exigindo a alteração da política económica dos Estados.

As alterações reclamadas são os imperativos de que fala Manoilesco e quA êle mesmo reduz a quatro: o imperativo da solidariedade nacional,

. o imp,,rativo da organização, o da pacificação social e o da descapitalização. Estudemos cada um de per si.

O primeiro, a que M!!.noilesco chama também imperativo nacionalista idealista nada mais é do que o intenso nacionalismo ou ~goismo das nações, que já não toleram a influência estrangeira na sua economia interna. Todo o comércio exterior se tornou um aspecto da polltica externa. Nas relações económicas internacionais passou a dominar a igualdade, o principio do ut des, acabando as inexplicáveis explorações de uns países por outros. Já não é possível colocar grandes quantidades de mercadorias nos países a que o

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vendedor nada compra. Rarefazem-se os empréstimos internacionais em con­sequência de terem ficado gelados, isto é incobráveis grande parte dos an­teriormente feitos.

Nêste ambiente novo, em que reina exclusivamente o cálculo dos inte­rêsses nacionais, cada Estado toma o carácter de uma unida4e distinta. Tal como sucede no mundo físico, a ]>ressão exterior faz aumentar a coe­são interior. Daí o incremento da solidariedade nacional que encontrou am ambiente propício, um fundo psíquico adequado, no sentimento nacional exaltado com que os povos saiam da guerra europt-1ia. .

• A solidariedade nacional que ora se impõe no plano económico vem, assim, coincidir com a solidariedade nacional nascida no plano superior dos espíritos.

A própria concepção da unidade nacional se transformou. Dantes, ela se manifestava na unidade do território e do poder político

e em certa unidade de alma que raro se mostrava, pois só aparecia geral­mente nos momentos trágicos da vida nacional.

A Pátria, como dizia Hindemburgo, só era adorada aos domingos. Ignorava-se mesmo qual fôsse o interêsse nacional do plano económi­

co, havendo a convicção, de que, prosseguindo cada qual os seus interês­ses pessoais, trabalhava <lêsse modo para a melhor s;:ttisfação do interêsse colec1ivo.

Hoje, não: · considera-se como o primeiro gever de cada am conhecer o interêsse nacional e conformar-se com êle. E a magnífica expressão. de Salazar : Tudv pela Nação, nada contra a Nação.

Submeter-se ao interêsse nacional é, de resto, em nossos <lias, o pri­meiro dever para consigo mesmo. Perante a instabilidade e os perigos que flutuam no ar, o próprio egoísmo do indivíduo tende a abrigar-se sob o tecto nacional e a contribuir pan a sua solidez. O egoista inteligénte des­loca hPje as preocupações do eu para o nós.

Nenhum homem equilibrado, nota Manoilesco, poderia considerar-se feliz por estar a ganhar ao jõgo num barco prestes a sossobrar ...

A solidariedade nacional é, pois, um reflexo da falta de segurança uni­versal.

É o pensamento de Mussolini quando diz: Se a naçl!o é oprimida, a massa operária tamoém se encontra oprimida. Se a bandeira nacio11al é res­peitada, os trabalhadores que pertencem a essa bandeira também são respei­tados. A hierarquia da Nação repercute-se . na sorte dos seus trabalhadores.

Poréll!., para que haja solidariedade, necessário é que exista um ideal nacional. Ele é a principal condição de existência de uma nação, a ponto de afirmar um ilustre professor que, quando uma nação não tem um ideal ou já o realizou, como aconteceu com alguns povos orientais da E~ropa, após a grande guerra, necessário ae torna inventá-lo.

A realização do ideal nacional é a razão de ser, é o fim principal do Es­tado.

Para a árida e desoladora concepção burguesa, que dominou no sécu­lo passado, a neutralidade do Estado era um dogma. A sua missão limita­va-se à defeza das fronteiras e a garantir a ordem interna, sendo-lhe abso­tamente interdito formular uma aspiração, apontar aos indivíduos um ideal que os guiasse.

A nossa época repudia abertamente essa triste e mesquinha teoria do Estado neutro, do Estado-policia, do Estado-guarda-noturno, como lhe

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chamou Mussolini. Desde a Itália fascista até à Rússia comunista, o Estado Novo apresenta-se-nos como portador de um ideal. E o chamado Estado-ético ou missionário, com uma consciência, uma vontade e uma mo­ral próprias. Sã.o esses Estados os únicos que despertam a consciência ador­mecida dos .povos, são êles os únicos que criam fôrças regeneradoras e activas.

Como sagazmente observa o professor Sombart, somos chegados ao fim de uma época, que se pode chamar económi1~a, em que o factor eco11ó­mico tudo dominou, constituindo a riqueza a preocupação exclusiva dos in­dividnos e das classes. Hoje, os povos repudiam êsse domínio exclusivo da economia. Verificaram que a vida material lhes não dá a felicidade que esperavam e ei-los que se voltam para o espiritual, para o ideal. Estamos .agora no limiar de uma nova época, a época política, em que dominam os interêsses politicos, os interêsses nacionais. A economia regressou ao seu lugar próprio. Daqui em deante, é ela que servirá ·a Nação em vez de ser a Nação a servir a economia.

Tal é a doutrina que decor're àa nossa Constituição, nomea_damente ·dos artigos 6. 0

, 29. 0 e 30. 0

Da mobilização das forças nacionais ~ da sua polarização no sentido de um ideal único, nasce o imperativo da organização nacional.

A organização ' não é um elemento novo na vida. E mesmo uma lei da natureza, uma condição da evolução dos seres. A natureza ensina-nos que as formas tomadas pelas plantas e animais. se desenvolveram com uma complexidade e organização crescentes. A tendência natural é para a crea­ção de formas cada vez mais complexas e cada vez mais organi~adas. A sociedade humana não foge a essa lei. Simplesmente, nela, como nota o pro­fessor Niculesco, se verificà um fenómeno regular: é que, no decurso da evolução, há em cada momento um factor que pr~domina e êsse é sempre ·O factor mais recentemente integrado na vida da humanidade. Assim, pri­meiramente, só a natureza assegurava a vida do homem. Aparece, porém, um nova factor - o trabalho - e logo êle domina a natureza e conq nista a vida social. Mais tarde, intervém um terceiro factor - o capital - que em breve prepondera. Mas, a evolução continua e surge um quarto factor, dis­tinto e independente dos três primeiros, e, dA hormonia com ª~lei enuncia­da e até aqui verificada, torna-se o elemento predominante. Esse factor é ·a @rganização, que já existia, de um modo simples, nas fases anteriores, como antes da época capitalista já havia instrumentos, e, conseqüentemen­te, capital.

Dantes, bastava uma organização rudimentar e limitiida, pois o mundo era um domínio continuamente extensível para a exploração do qual só ·havia um método - a liberdade.

Á fase extensiva, com o seu automatismo, , sucedeu, porém, a fase in­tensiva. Os povos sentem que lhes falta o espaço. Agora, que ~é preciso tirar o máximo de resultados económicos, num espaço limitado e com meios ·restritos, já não satisfaz a liberdade, é necessária a organização.

Como disse Mussolini, <1há uma liberdade do tempo de paz que não é a liberdade do tempo de guerra, como há uma liberdade em tempo de riqueza, que não pode ser praticada em tempo de miséria».

Chegamos, assim, ao ajustamento e coordenação dos factores econó­micos, à concepção da chamada economia dirigida, economia p1·og1·a1nática -0u' economia organizada, preferindo nós esta última 'designa<;~o, '_pois que a

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primeira, que {:, a mais vulgarizada, pressupõé a excessiva intervenção do Estado, à moda de Roosevelt, e muito se aproxima do monopólio estadual, -à maneira russa, que, sôbre exigir um regime polHico tirânico, aniquila a iniciativa particular e conduz fatalmente ao desinterêsse dos indivíduos.

Pensamos, efectivamente, que o Estado só deve coordenar, planear, regular superiormente a vida económica da Nação. Não é o Estado que deve, por meio da sua burocracia, exercer fonções económicas; antes, são os fac­tores económicos que devem participar das funções do Estado, o que só é realizável no regime corporativo.

A economia não deve ser simplesmente dirigida, mas sim auto-dirigida, adaptando-se aos fins do Estado com as suas próprias fõrças e responsa­bilidades.

É no sentido desta doutrina que foram promulgadas as disposições dos artigos 31.0

, 33.0 e 34.0 da Constituição e dos artigos 4. 0, 6. 0 e 7. 0 do

Estatuto do Trabalho Nacional. O Estado, reconhecendo na iaiciativa privada o mais fecundo instru­

mento do µrogresso e da economia da Nação, renuncia a explorações -de carácter comercial ou industrial, mas reserva-se o direito de regular supe­riormente a vida económica e social, propondo--sf3 , todavia, reduzir ao mí­nimo indispensável a esfera do seu funcionalismo privativo no campo da economia nacional.

O terceiro imperativo é o da paz e da colabor_ação internacional. Necessária em todos os tempos, a paz é hoje uma ordem do · destino

particularmente categórica porque a obra da reconstrução, que as circuns­tâncias impõem, exige calmu e tranqüilidade.

A grierra nunca resolveu os problemas económicos do mundo, antes sempre os agravou.

E, se a luta entre as Nações é prejudicial, não menos é de temer a luta das classes e dos indivíduos, cujos ideais são geralmente menos ele­vados e quási sempre servidos por paixões mais violentas.

Com razão, pois, proclama o artigo 5. 0 do Estatuto do Trabalho Na­cional que os indivíduos e os organismos corpoq1.tivos ccsão obrigado8 a exercer a sua acti vidade com espírito de paz social».

O quarto último imperativo do nosso tempo é a de descapitalização ou necessidade de deminuir o lucro capitalista.

Desde que, pela descentralização industrial, cessou o monopólio da grande indústria, os preços dos respectivos produtos tendem a baixar em relação aos produtos agrícolas. A baixa do prêço impõe ou a redução dos salários ou a deminu'.ição do lucro capitalista.

O exame da realidade económica convence-nos que é sobretudo da , parte dos lucros capitalistas que se poderão suportar ~ais fortes reduções.

Produzir com o mínimo possível de lucro, isto é, sem comprometer a venda pela · sobrec'lrga de um excessivo benefício ao capitalista, eis o grande problema da actualidade.

Enunciados assim sucintamente os imperativos da hora que passa, ve­jamos a atitude que em face dêles assumem os sistemas que se degladiam ·sôbre a intervenção do Estado na vida económica. Focaremos muito d6

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leve os aspectos mais salientes das duas doutrinas extremistas - individua­lismo e socialismo-, para chegarmos à conclusão de que nenhuma delas. pode satisfazer as exigências da wssa época. Analisaremos em seguida, com a larguesa que a excassez do tempo nos permitir , os traços funda­mentais da doutrina corporativa, que é a única que satisfaz plenamente aos mencionados imperativos.

A base do liberalismo económico e político e da de,mocracia é o indi­vidualismo, que toma como ponto de partida o indivíduo.

J!iste, que já existia antes da sociedadb, ef!tipula com os ser.s seme­lhantes o famoso cC1ntrato social em que, cedendo uma pequena parte dos seus direitos naturais, recebe em troca certas vantagens sociais, nomeada­mente, · a protecção contra as agressões e a garantia do livre exercício dos seus, direitos. O indivíduo é assim a origem e o fim do Estado.

Outra variante do individualismo, fundan,do-se na errónea aplicação das leis biológicas aos fenómenos sociais, considera a sociedade como su­jeita inteiramente à lei da luta pela existência com a selecção natural dos­mais fortes.

Para todos, porém, o Estado é um mal necessário, cuja actividade de­verá ser reduzida ao mínimo indispensável. Destina-se a garantir a segu­rança individu1Jl, e só isso.

Não nos alongaremos a fazer a crítica destas teorias. Basta obser· varmos que o homem no estado de naturezçi, fora da sociedade é gpenaB uma.­abstração de filósofo. A sociedade é uma necessidade condicional Ja vida do homem. ~ um meio natural por que êle atinge a sua finalidade completa. A sociedade é indispensável como disse São Tomaz mão só para viver como para viver bem». . _

Por outro lado o próprio mundo biológico não se rege exclusivamente pela lei da selecção natural. Ao lado da concorrência vital eminentes natu­ralistas observaram a lei da associação e da solidariedade dos seres vivos, quer na constitu'ição de um corpo, quer na organização de um grupo. Depois, . se a influência daquela lei é incontestável no mundo animal, certo é tam­bém que nas sociedades humanas ela vai diminuindo á medida que progride a civilização, íque tem por principal função corrigir o domínio d;i fõrça bruta.

Claro· que um Estado. baseado em tais princípios de forma alguma po­derá corresponder aos imperativos da nossa era.

O imperativo nacionalista é por êle rejeitado in limine como rejeitado · é todo o ideal. <J Estado, simples instrumento do individuo, não pode per­mitir-se a conciepção de um ideal e impõ~lo aos indivíduos que o constituem.

Do mesmo modo, o imperativo da organização. Organizar é disciplinar, é intervir, o que está fora das atribu'içõts de um simples guarda. Orgaµi­zar é agrupar os indivíduos segundo as suas funções, cuja existência o Estado não reconhece, e segundo as suas capacidadeP, que o Estado, nive­lador e igualitário, não distingne. Tôda a tentativa de organização é, assim, . contrária à natureza das democracias do século passado.

Com efeito, muitos dos problflmas fundamentais são problemas de carác­ter económico e o Estado liberal interdiz-se tôda e qualquer intervenção na,. vida económica. O Estado democrático não se organiza, não pode organi­zar-se. porque é filho de uma época em que os imperativos eram outros.

· Num período em que a fõrça viva das nações se desenvolvia por si mesma.

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de uma maneira ilimitada, tôda a intervenção teria segnificado não ama ten­tativa de organizacão, mas eim um obstáculo. O liberalismo teve, pois, a sua oportunidade histórica, como a tem agora o corporativismo. ·

No que respeita ao terceiro imperativo, também falha o regime demo­crático, que não oferece nem a estabilidade nem a calma que a colaboração internacional exige. Os Estados democráticos são muitos instáveis e púr de­mais entregues aos instintos das ma!lsas· ...

E o quarto imperativo - a descapitalização? Também é évidente que o não pode satisfazer. Por natureza, o Estado

democrático é não-intervencionista. A consequência é que o livre jõgo d~s fõrças sociais impõe o direito do mais forte E, enqunto o capital é o mais forte, as democracias Pstilo nas mãos dos banqueiros. Com efeito, nenhum progresso notável se regista no sentido da descapitalização em qualquer Jas grandes democracias existentes, onde a socialização contiaua sendo apenas am interessante tema para discursos. Já Splengler havia afirmado que «a democracia e o ·sufrágio universal silo instrumentos propícios ao ca­pitalísmo>>.

Examinemos agora a tendência oposta - a socialista, que encontra a sua forma última no comunismo e teve o seu grande doutrinador em Karl Marx, nos meados do século passado. .

O marxismo baseia-se em três princípios inteiramente falsos:

a) o materialismo histórico que vê no fenómeno económico o substracturn de tôda a activi<ladfl humana e que é desmentido pela história que nos apre­tienta a influência de instituições de carácter puramente espiritual, como o cristianismo, por exemplo; b) uma teoria de valor, que faz dos preços uma mera função do trabalho, o que a vida cotidiana desmente; e e) a luta de classes, como meio exclusivo de melhorar a condição do operariado, o que a Rússia está pràticamente desmentindo.

No plano económico, em contradição com o individualismo, o marxismo ·alarga, à custa da actividade particular, a esfera de acção do Est::.do, che· gando a suprimir a propriedade particular para entregar a gerência de todos os bens nas mãos do Estado proletário.

Para Manoilesco, o comunit1mo satisfaz plenamente ao primeiro impe­rativo. 8eria, diz êle, negar a flVidência nãu reconhecer que o Estado So­viético é um Estado com seatido missionário, um estado ao serviço de um ideal. O seu êrro é precisamente exagerar a submissão do individuo e sa­crificar demasiado a geração presente na esperança de realizar no futuro uma sociedade melhor.

1

Esquece-se o ilustre professor de que o comunismo é filho de Karl Marx que foi quem. solenemente proclamou que «os operários não têm pá­tria»! Esquece-se de que a Rússia, não constitrií'ndo uma nacionalidade, pois é um agregado de povos heterógenios com tradições, línguas, religiões e até civilizações diferec.tes, não pode ter um ideal nacional. O Estado soviético é. sem dúvida, um Estado ético, rpas o seu ideal não corresponde de forma alguma ao que as condições da vida actual nos impõem como um impera­tivo. O marxismo é fundamentalmente internacionalista e, por isso, contrá ­rio à solidariedade nacional. · A organbrnção também parece, a prirr:eira vista, ser compreendida e praticada pelo comunismo. O aniquilamento do indivíduo torna a tarefü

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fácil, podendo o Estado díspôr de todoa, não importa como, nem quando. Dai, a tendência ilimitada para a organização que entre os dirigentes sovié­ticos chega mesmo a tomar o carácter de uma mania.

Porém, querer organizar não é organizar. Se os princípios orientado­res forem maus, de nada servirão o engenho ou a fôrça. Se numa sociedade se <lestroi toda a iniciativa, destroi-se a matéria prima da organização. Ma·· tar o nervo da actividade criadora não é organizar, é tornar inútil todo o esfôrço de organização.

Quanto ao terceiro imperativo, muito embora a Rússia 1,;oviética não tenha mostrado particular fervor pelo dflsarmamento, nem tenha contribuído mais que os Estados burgueses para a realização da paz económica, manda a verdade que se diga que êle não é incompatível com o comunis:!lo.

Todavia, se a Rússia continua a pretender à viva fôrça realizar a feli­cidade dos outros povos, já se não poderá manter a mesma afirmação.

Finalmente, com relação à descapitalização, parece que o com uni 1mo a perfilha. Mas, ainda aqui, como para a organização, a sua maneira do abraçar êsse imperativo é mais intencional do que 1·eal.

e om efeito, não basta abolir o capital privado ; é mister que a pro· dação se não ressinta e continue a sua actividade.

O comunismo destroi o capital, quando o que se pretende é apenas atenuar a sua excessiva influência, diminuir o seu predomínio, pois o capi­tal é um factor essencial da produção.

Depois, se os produt0s das fábricas subtraídas ao capital privado não bai.xam de preço, falha o objectivo visado, não preenche o imperativo a sua finalidade.

Dêste modo, embora, nas suas tendências, o comunismo pareça corres­ponder em parte às condições do mundo contemporânio, não podemos <1P forma alguma perfilhá-lo por que a sua acção assenta em princípios absur­dos e incompatíveis com a natureza do homem e da sociedade, sendo o beu êrro capital desprezar o espírito, ou seja, a energia criadora do homem.

Somos, assim, chegados, por exclusão de partes, à doutrina corpora­tiva. Esta não admite a idéa do indivíduo existindo antes da sociedade e contratando livremente o estabelecimento do Estado. Para o corporativis­mo, a sociedade é um facto histórico e psíquico, intimamente ligado à pró­pria estrutura do individuo. O homem é inconcebível sem a sociedade, de que é simultâneamente nm produto e um factor. Os laços entre o indiví­duo e a sociedade são inexplicáveis a as suas influências reciprocas incon­testáveis. Contudo, o individuo médio, que é o que interessa à sociologia, é quási inteiramente um produto da sociedade, a quem deve infinitamente mais do que lhe dá.

Enquanto na doutrina individualista o individuo é a origem do Estado e constitue ao mesmo tempo o seu fim último, para o corporativismo a co­lectividade nacional representa uma entidade superior e urna personalidar!e distinta da soma dos indivíduos nela compreendidos. Prossegue fios que lhe i;ão próprios e ultrapassam os interesses particulares dos indivíduos. O Estado é a expressão suprema da colectividade nacional e apresenta ·se-nos como um instrumento, não ao serviço do individuo, mas ao serviço de uma finalidade que lhe é superior - o bem comum.

As corporações são os órgãos por que se exprime e manifesta a vida nacional. São instrumentos ao snviço do Estado, que é, por sua vez, o

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instrumento mais alto, destinado a servir.. o ideal superior da Naçio. O Estado não pode ser neutro, agnóstico ou indiferente: é sempre a incarna­ção de um ideal. A colectividade nacional é, sobretudo, um agrupamento t"ndo um ideal comum a todos os seus membros.

E o indivíduo? qual é o seu papel? Se não é o fim nAm a base do Es­tado, que é construído, para fins próprios, sôbre a base de certos órgãos funcionais, que se cham·:lm corpora<;ões, que lugar toma o indivíduo, o in-

1 dividuo que é, sem dúvida uma realidade, diremos mesmo·-· a única reali­dade concreta?

Notemos que o indivíduo «~m geral», o indivi~no abstracto, o indiví­duo puro e simples, não existe. Aparte uma categoria insignificante, todo o indivíduo na sociedade moderna desenvolve uma actividade concreta num certo quadro social e participa de ama ou mais funções especiais. O indivi­doa desprúvido de todo o carácter funcional não existe. Desempimha, pois, o papel de instrumento ao serviço do Estado o não se apresenta como su­jeito de dirf'itos, mas como possuindo deveres para com o Estado. Como afirma Mussolini, o individuo só existe dentro do Estado e subordinado às necessidades do Estado, e, à medida que a civilização se desenvolver, mais se restringirá a liberdade do individao. .

. Poderá a primeira vi8ta parecer pouco digno o papel que nesta con-cepção se distribue ao indivíduo, cuja situação se torna comparável a do mais desgraçado dos escravos.

Assim aconteceria de facto se o ideal supremo em serviço do qual êle iudirectamente se f'n~ontra fosse totalmente estranho ao seu espiyito. Se o Estado estivesse sob a direcção estrangeira ou se se propuzessem apflllnS fins de exploração, os indivíduos, reduzidos ao papel de instrumentos, seriam de facto os mais desgracados dos homens. Mas, so o ideal que o Estado tem em vista é bem a expressão da sua alma, se entre êsse ideal e cada indi­víduo existe uma real afinidade, então descer ao papel de instrumento si· gnifica para· cada um descer ao mais profundo da sua alma.

Constata-se, assim, uma identidade simbólica entre o individuo e o Es­tlldo, identidade que, como dizemos, é meramente simbólica, pois, na rea· lidade o indivíduo está subordinado ao Estado numa efilcala hierárquica em que a corporação toma a posição intermediária.

E já que nos atemos tanto à realidarle, não esqueçamos que o indivíduo está englobado não só no Est11do e na corporação, mas também no agru­pamento familiar.

O indivíduo desprendido de todo o laço familiar é am •t excepção infi­nitamente rara. O seu livre arbítl'io nunca lo~ra libertar-se por completo da inflúência da família e a sua actividade economica e social é subordinada aos interêsses da família. O homem penetra na vida social sobrecarregado de preocupações familiares e já encaminhado por elas em determinada di­recção. Eis porque, ao lado da corporação e do Estado, deve a família estar sempre presente ao nosso espírito .

A corporação é o orgão colectivo natural que desempenha certas fun­ções parciafa, indispensáveis à vida da Nação.

Esta definição bastará para desfazer a confusão quA vulgarmente se estabelece Pntre corporação e profissão. A corporação é definida pela função nacional que ela desempenha. Ora, cada função nacional é o objecto da actividade de indivíduos diferentes, sob o triplice aspPcto do nível social, capacidade e profissão. Assim, por exemplo, a função da indústria é exer-

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cida p.or proprietários-capitalistas, por agentes técnicos e por operários de várias especialidades. A fonção da justiça é desempenhada por magis­trados, advogados, solicitadores e funcionários judiciais.

A corporação é, pois, heterogénea, compreendendo várias profissõt=1s diferentes.

O que liga entre si os membros de lima corporação não é o interêsse particularista ou o egoísmo profissional, mas a comunidade da função na­cional que todos em conjunto exercem, •,u, melhor, a convergência doses­forços de todos para a realização da função nacional, q ae é. a razão de ser corporação. ·

Também convém acentuar a diferença profunda que existe entre o con­cieito de corporação e o de classe.

Enquanto a corporação é uma integração faucional qao tem por base a com unidade de fins, a classe é Uilla integração social baseada na comu­nidade de interêsses.

A corporação é uma formação vertical, que abrange indivíduos de todas as camadas sociais; a classe é uma formação horizontal que só compreende individaos da mesma situação social, ainda que exercendo actividades dife­

, rentes. A classe só reconhece direitos; a corporação implica deveres. A corporação tende á solidariedade nacional ; a classe, à desagregação

da Nação. As diferenças de classe são artificiais e passageiras,' tendendo a desa-

parecer, dando lugar a hierarquia funcional. · A lata entre a classe e a corporação é, na frase de Manoilesco, a lata

entre duas mentalidades, entre duas eras, entre dois mundos.

Uma caractnística importante da doutrina corporativa é a organização autónoma das forças sociais, a que so dá o nome de descentralização do Estado.

Para o individualismo, não há senão uma fonte de poder político -- o E:stado. A democracia é essencialmente centralizadora.

A0 contrário, a doutrina corporativa rflconhece à sociPdade um carac­ter pre-existente em relação ao individuo. Este, quando entra na sociedade encontra organizações já feitas e, principalmente, as organizHções naturais provenientes da divisão do trabalho, quo são as corporações. Se quere viver, tem qae se enquadrar numa destas categorias de trabalho e nêle aceitar o lugar que lhe competir.

As corporações necessitam de certas regras que garanta!!! o seu fun­cionami:into. Para formular estas normas, que se impõem a todos os indiví­duos qae ns constituem, as corporações têm um direito natural que deriva da própria função que exercem. Não é uma c'oncepção de um Estado ; não é uma delegação de poder; é um direito tão legítimo como o do próprio Eetado e que deriva da função de interêsse público que cada corporação exerce. O individuo não confere direitos nem às corporações nem ao Esta­do. Os direitos derivam das necessidades do funcionamento de cada um dêsses organismos.

É o que Manoilesco chama direito funcional, em que o serviço públi­co é a fonte de todo o direito

É evidente que não pode' haver correspondência entre os direitos de cada corporação e os serviços que ela presta. A compensação é um princí·

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pio egoísta o mesquinho, que não convém à pureza da doutrina. Por altos e valiosos que sejam os serviços prestados por uma corporação (como seja a corporação do ensino, por exemplo), os seus direitos não aumentam por êsse facto, visto que . se não trata de uma retribuição. Os direitos EJão es­tritamente determinados pelas necessidades técnicas do seu bom funciona­mento.

Esta descentralização permite ao Estado. libertar·se das múltiplas e excessivas funções que hoje o sobrecarregam, passando-as para as corpo­rações e oferecendo assim um largo campo de acção à iniciativa de tantos elementos inérgicos e criadores que não teriam lugar no Estado liberal, aber-to somente aos políticos e funcionários. \

O individualismo atribue ao Estado um mínimo de funções deixando as restantes abandonadas à vontade e ao capricho dos particulares que, para o seu desempenho, criam por vezes organismos irregulares, e até inconve-nientes como a policia privada. .

A doutrina corporativa não tem idéas preconcebidas sôbre a actividade do Estado. Admite, como vimos, o princípio da descentralização, que lhe permite, fazer uma dii;itribu'.ição lógica e racional das funções entre a corpo­ração-E stado e as outras corporações. O método de tal distribuição é atribuir ao Estado além da função de coordenação, que é primacial, as fun­ções de caráter gernl que só êle desempenha convenientemente.

1\ssim, ficam competindo ao Estado: ·

1.0 -Funções especiais próprias de corporação-Estado, como a defeza nacional, a política externa e a ordem interna, já -que as outras de que êle ainda se encarrega, como o ensino, a saúde pública, as comunicações e os trabalhos públicos podem com vantagem ser exercidas pelas corporações ;

2.0 -Funções de coordenação e equilibrio entre todas as corporações, que o est~do exerce na qualidade de super-corporação.

Assim, a doutrina corporativa reduz na prática as funções do Estar'lo, exactamente como a concepção individualista. Mas, enquanto esta abandona

· tudo à iniciativa e ao arbítrio dos particulares, o estado corporativo pas­sa o seu fardo às corporações, reservando-se porém, a fiscalização e a cor· denação superior das suas actividades. O estado tem um papel mínimo como , corporação, ruas a sua esfera de acção é enorme como super- corporação.

Falamos, é claro, do corporativismo integral e não das suas realiza· ções que têm sido, como é natural, parciais.

Assim o corporativiamo fascista, que constitue o primeiro passo da nova organização, tem carácter exclusivamente económico, não obstante o 'próprio Mussolini afirmar que «a Nação alguma coisa é ·mais d{\ qu•e um complexo econó·nico». Já a realização portuguesa foi mais além, admitindo a nossa Constituição, ao lado das corporaçõas económicas, as corporações morais e culturais.

E' o que poderemos chamar o corporativismo mitigado ou parcial, cuja justificação decorre da dificuldade, que seria imprudente não considerar, de rondar subitamente os alicerces do edifício social.

A tendência é, porém, para o corporativismo integral que promoverá a rerç.odelação completa da sociedade.

A trilogia revolucionária «Liberdade, Igualdade e Fraternidade», que se mostrou na prática...vasia de sentido, sucedeu uma nova trilogia: ccAntoridade 1 Hierarquia, Justiça». ._

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Não há Estado possível sem autoridade. Onde esta faltar ou se encon­trar enfraquecida, reinam a desordem e a confusão. A necessidade de uma autoridade é mesmo a razão de ser do Estado. Ela é condição indispensa· vel da vida, comum, da ordelli e do progresso. .

Porém, como o Estado é uma organização com múltiplas funçêfos a serem desempenhadas por orgãos diferentes, necessária se torna a hierar­q u.ia, para que cada orgão ~e limite à sua função própria. Só a hierarquia, com superiores a mandarem e inferiores a obedecerem e executarem, pode garantir a disciplina e a ne~essária coordenação. Por isso o Esta tu to do Trabalho Nacional preceitua no seu artigo 8. 0 que era hierarquia das funções e dos interesses sociais é condição essencial da organização da economia nacional». ·

Finalmente a igualdade do individualismo cede o lugar à justiça, que é factor imprescindível do Bem Comum.

A justiça social não é compatível com o l!.Jstudo individualista. Jus•iça qaere dizer critério. E não pode ter critério um Estado desprovido de todo o ideal, um Estado que não tenha uma moral, uma ética própria.

No Estado corporativo, ao contrário, há um critério infalível: o inte­rêsse nacional. Será justo tudo o q ae fôr conforme ao interêsse nacional e injusto tudo o que contrariar êsse interêsse.

Essa é a doutrina adoptada nos artigos 6.0, 29. 0 e 35.0 da nova Cous­

titu!ção e nos artigos 5. 0 e 10. 0 do Estatuto do Trabalho Nacional.

Resta-nos agora pôr em evidência a perfeita adaptação dos princípios corporativistas aos imperativos da nossa época.

O imperativo nacionalista encontra no corporativismo completa satis­fação, podendo mesmo dizer-se que constitue a sua finalidade. Ele impõe ao Estado a politica dos continqentes e das compensações, nas trocas interna­cionais, política que só é possível através das corporações. Impõe-lhe, em alguns sectores da produção, a estanàardização, que exige uma técnica in­compatível com a burocracia e só é realizável por intermédios dos gré­mios.

É certo que alguns países de regime liberal, como a Inglaterra, ·a França e outros, apresentam já fenómenos semelhantes, mas importa observar que tais instituições estão em contradição absoluta com a doutrina liberal e se devem considerar como formações para-corporativas, que a pruco e pouco irão transforma.ndo o Estado no sentido corporativista.

O imperativo da organização encontra também c11bal satisfação no sis,­tema corporativo, que é a forma mais perfeita da organização nacional. E mesmo esta virtude de organizar e mobilizar a Nação inteira que dá ao cor­porativismo a sua grande actualidade . .

O imperativo da paz e da cvlaboração internacional também se amolda à doutrina corporativa. Não obstante a exaltação nacionalista que provoca e procura manter, a doutrina corporativa assegura a estabilidade dos go­vernos e sua continüidade de acção, factores imprescindíveis de qualquer colaboração internacional.

Findmente, o imperativo da dascapitalização não poderia encontrar Estado mais adequado à sua realização do que o Estado corporativo. rara o corporativismo, que não faz da natureza da propriedada umi• questão de princípios, mas uma questão pragmática, a socialização é uma questão de tempo e de oportunidade. A p11opriedade, para êle, é uma função social·

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Se deixa de exercer a sua função, perde a razão de ser da sua existência. Se a experiência prova que para uma certa categoria de bens produtivos os melhores resultados são obtidos pela propriedade socializada, nenhum obs­táculo, nenhuma dificuldade de doutrina se levantará contra tal evolução.

O corporativismo oferece, pois, um critério seguro e adequado para decidir da oportunidade da socialização. E êsse critério é o princípio da função social, -bem vincado no artigo 35. 0 da üonstitüição de 1933 -e nos artigos 11.0

, 12.0 e 13.0 do Estatuto do Trabalho Nacional. Verificamos assim que a doutrina corporativa é a única capaz de satis­

fazer aos imperativos da época presente. Sem mesmo esperarmos pelos seus resultados e pelos benefícios que vai operando, podemos dizer que o cor­porativismo é, na sua próp;:ia essência, um sistema que surge das realidades da nossa era e que o século XX é, como disse Manoilesco, o século do corporativismo.

'.BIBLIOG:RA::l:='IA

Além do aludido livro do profess or M. MANOILESCO - L e Siecle du Corpora.-ti sme, foram de grandti utilidade para êste trabalho, as seguintes obras :

Princípios de Direito Corporativo - dp Dr. CUNHA GONÇALVE S. Discursos - do Dr. OLIVEIRA SALAZAR. A doutrina do Fascismo - de MUSSOLINI. A Batalha do F uturo - do Dr. TEOTÓNIO PEREIRA. A Doutrina Corporativa em Portugal - do Dr. COSTA LEITE.

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