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PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE/SEED-PR CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA Lucinéia Cunha Steca POSSEIROS, GRILEIROS E LATIFUNDIÁRIOS: A LUTA PELA POSSE DA TERRA EM PORECATU (1950). Londrina 2008

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PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE/SEED-PR

CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Lucinéia Cunha Steca

POSSEIROS, GRILEIROS E LATIFUNDIÁRIOS: A LUTA PELA POSSE DA TERRA EM PORECATU (1950).

Londrina 2008

LUCINÉIA CUNHA STECA

POSSEIROS, GRILEIROS E LATIFUNDIÁRIOS: A LUTA PELA POSSE DA TERRA EM PORECATU (1950).

Material didático apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE da Secretaria de Educação do Estado do Paraná.

Orientadora: Profª Drª Marlene Cainelli.

LONDRINA 2008

SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... .04

1 HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL: DISCUSSÃO DE CONCEITOS ............................. .05

2 CONFLITOS DE TERRAS NO BRASIL............................................................................. 11

3 PORECATU: UM ESTUDO DE CASO................................................................................ 25

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................... 44

REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 46

INTRODUÇÃO

Apesar de vivermos em pleno século XXI, não podemos ainda dizer que as questões de

terra no Paraná e no Brasil já foram a contento resolvidas.

Essa discussão que nos parece ainda muito contemporânea, ganha relevância à medida

que os cidadãos são chamados a expressar sua posição a respeito. Afinal não é tácito que todos

que trabalham na terra tenham direito a ela.

Consideramos importante abordar esse conteúdo neste Caderno Temático, pois

observamos que os materiais didáticos disponíveis para consulta pelos professores, nas escolas,

para sistematização de conteúdos em suas aulas no ensino Médio e, para auxílio dos alunos em

suas pesquisas, em grande parte não apresentam a história do Paraná. Quando apresentam, como

é o caso do livro didático Público, não contemplam maiores discussões sobre conflitos de terras

no Paraná, ficando restritos a conflitos mais conhecidos, como o Contestado (1912-1916), tratado

mais como uma questão político-territorial entre os estados de Paraná e Santa Catarina, ligado a

um movimento messiânico envolvendo fanatismo, do que a um conflito pela posse de terras, seu

motivo real.

Mesmo o conflito do Sudoeste (1957), quando aparece em alguns livros, nos parece ser

dada muita ênfase à questão política entre as várias empresas de colonização, particulares e/ou

públicas, deixando de lado a questão fundamental que é a posse e ocupação das terras e a luta dos

que não têm o título de propriedade. Essa forma de leitura desses conflitos pode escamotear as

relações envolvidas entre seus personagens e ainda, ao não mencioná-los, pode deixar a

impressão de que no Paraná somente ocorreram esses dois.

Esse discurso pode gerar a idéia de que os campos paranaenses não foram palco de

disputas acirradas entre posseiros, grileiros e proprietários de terras e que, portanto, no passado

teria havido muita paz nos campos paranaenses se comparado a outros estados da federação.

Entender os motivos e as relações estabelecidas entre aqueles trabalhadores, posseiros,

meeiros, ou arrendatários junto aos chamados proprietários das terras, pode fazer-nos entender as

profundas questões que perpassam essas relações tão conflituosas e permanentes em nossa

sociedade atual.

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1 HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL: DISCUSSÃO DE CONCEITOS

A abordagem sobre história local e regional, entendidas como uma subdivisão do

conteúdo de História tem sua necessidade enfatizada não só pelos PCNs – Parâmetros

Curriculares Nacionais1, que em sua parte diversificada abrem espaço para essa abordagem, como

também pelas Diretrizes Estaduais que ressaltam a importância da inserção desse conteúdo nas

aulas de História.

Concordamos com Paim e Picolli, pois pensamos que “[...] qualquer projeto de busca pela

compreensão da memória nacional tem que considerar as diferenças regionais e locais [...]”

(PAIM; PICOLLI, 2007, p.113), dando voz a vários sujeitos que de outra forma ficariam

subsumidos a uma História maior que não necessariamente abriria espaço para dar conhecimento

a seus valores, crenças, cultura.

Citando Machado, os mesmos autores ressaltam que,

Ao trabalharmos dessa forma, a história local estaria sendo adotada como um ‘princípio metodológico capaz de aproximar o aluno de seu cotidiano da sua família, dos conhecidos enfim, da sua comunidade, pela possibilidade de identificação das características do processo histórico particular da comunidade’. (apud in PAIM; PICOLLI, 2007, p.113).

De acordo com os autores, compreende-se que o ensino de história regional é importante

para melhorar as relações de aprendizagem em História e que ensinar História para alunos do

nível médio seria possibilitar a eles realizar pesquisa histórica escolar utilizando bibliografias que

de um lado, lhes permitiriam experimentar certa “autonomia intelectual” e, por outro, os ajudaria

a desenvolver uma visão mais crítica sobre os conteúdos de história. (PAIM; PICOLLI, 2007,

p.114).

1 “Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de qualidade para a educação no Ensino

Fundamental [e Médio] em todo o País. Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual. Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobre programas de transformação da realidade educacional empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Não configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sócio cultural das diferentes regiões do País ou à autonomia de professores e equipes pedagógicas.” (BRASIL, 1997).

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Sabemos que não há uma unicidade quanto à forma de trabalhar com os conteúdos de

história local, sendo que cada professor pode explorar esse assunto sob variados enfoques

levando o aluno a percebê-lo de modos diferentes.

Porém, o conhecimento de um conteúdo sob essa perspectiva regional/local pelo aluno

pode contribuir para ampliar seu entendimento sobre as relações humanas no mundo e, dar a

conhecer de forma mais significativa, por meio da História, as ações humanas ao longo do tempo.

Além disso, ensinar história local também pode implicar em aumentar a empatia dos

alunos para com os conteúdos desenvolvidos na disciplina História. É o que evidenciam Paim e

Picolli ao afirmarem que quando abordado o conteúdo por essa perspectiva,

Os alunos mostram-se, na maioria das vezes, entusiasmados em conhecer esta outra face da história, que lhes ensina a relacionar seu dia-a-dia com os acontecimentos mundiais. [...] Quando o professor consegue cativar seus alunos com assuntos que lhe chama a atenção, com temáticas que os fazem refletir e associar o seu dia-a-dia com os conteúdos escolares, os conteúdos tornam-se mais compreensíveis. Desta forma os alunos passam a gostar de aprender história. (PAIM; PICOLLI, 2007, p.118).

Pensando nessa possível relação entre uma melhor forma de aprendizagem e o ensino de

história local é que entendemos a relevância da discussão sobre a pertinência do conteúdo de

história local/regional nas salas de aula.

Gonçalves (2007), referenciando o autor Alain Bourdin, afirma que esse autor,

[...] interessado em caracterizar efeitos e marcas da mundialização de valores culturais, em especial quanto às práticas políticas, privilegia o local como categoria de análise de processos nos quais se manifesta a relação entre espaço e lugar. Nesses termos, o local seria um recorte eleito por aquele que desejasse refletir sobre as experiências de sujeitos humanos em espaços sociais delimitados [...] (apud in GONÇALVES, 2007, p.177).

Mas quando nos referimos ao local, não há também um consenso entre os autores sobre de

qual espaço estamos tratando. A polissemia que o termo permite, leva a pensar em vários espaços

diferenciados indo de um espaço institucional, como uma escola, até um espaço político

administrativo como uma cidade.

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Assim, para Gonçalves, somente seria relevante,

[...] destacar uma concepção de história local que a entenda como conhecimento histórico produtor de uma consciência acerca das relações entre as ações de sujeitos individuais e/ou coletivos em um lugar, dimensionado em sua ordem de grandeza como unidade. (GONÇALVES, 2007, p.178).

Não se trata de querer simplificar ou reduzir a História aos seus efeitos no local estudado.

Antes, trata-se de fazer uma aproximação entre essa história local e a global deixando de ser o

local/regional meramente um assunto inclusivo na História, possibilitando um

redimensionamento desse aspecto do conhecimento.

Schmidt (2007) observa que a história local se fez presente nas orientações educacionais

desde os anos 1930. Até o início da década de 1970, esse estudo era recomendado como um

recurso didático no desenvolvimento de atividades com alunos das séries iniciais do ensino

Fundamental, chamado de “currículo por círculos concêntricos”, onde haveria uma interligação

entre história e geografia para o estudo primeiro das comunidades, indo do aspecto micro até o

macro e vice-versa.

Essa forma de abordagem implicaria em reducionismos que comprometeriam sua

relevância, como afirma Schmidt, recorrendo à crítica feita por Prats, para quem o estudo de

história regional/local pode ser entendido como “História em migalhas”, ou seja, acompanhada

de um anacronismo que impediria o estabelecimento de relações entre a história local/regional e a

História em nível macro.

Todavia, a autora ressalta que Prats não nega o ensino desse conteúdo, desde que

[...] não (tenha) como objetivo que o resultado da aprendizagem seja a elaboração da História [...], mas iniciar o aluno no método histórico para que ele possa ser capaz de compreender como se constroem os conceitos e as leis sobre o passado; - na hora do trabalho com as fontes, sejam selecionadas as mais próximas dos alunos, pois podem ser mais motivadoras e significativas. (SCHMIDT, 2007, p.188).

Essa posição de Prats ressaltada por Schmidt parece coadunar com a dos autores Paim e

Picolli que colocam a autonomia de pesquisa do aluno como uma possível decorrência da

abordagem do conteúdo de História por meio da história local.

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Schmidt também considera que no entender de Prats, a história local deve ser ensinada

para ajudar a explicar a História Geral e não para desconstruí-la.

Com a introdução dos PCNs nos anos 1990, a história local/regional passou a ser

considerada uma “perspectiva metodológica” para todas as séries da escola básica e, surgiu

segundo Schmidt, a história local como abordagem de ensino, pois pode partir de questões que

tenham proximidade com os alunos, permitindo-lhes vincular seu cotidiano com a história.

Trabalhada desse modo, a história local poderia levar o aluno a entender sua historicidade,

compreendendo que ele também faz parte da História.

Para Schmidt, essa forma de abordagem induz ao desenvolvimento de pesquisas onde

pode surgir uma gama diversa de sujeitos, dando voz a muitas especificidades e abrindo espaço

para a exploração de arquivos locais ou mesmo arquivos familiares que de outra forma, ficariam

esquecidos.

A autora argumenta que

Esses documentos, tratados metodologicamente, produzem possibilidades de construção e reconstrução das identidades relacionadas à memória religiosa, social, familiar e do trabalho; e articulando as memórias individuais fragmentadas com a memória coletiva, esses materiais podem recriar a história de outra forma. Esse envolvimento pode propiciar uma valorização dos sujeitos locais como produtores do conhecimento histórico. (SCHMIDT, 2007, p.193-194).

Ao abrir espaço para as memórias pessoais dos indivíduos, a história local permite que

sejam desveladas outras versões da história, que de outro modo ficariam silenciadas e esquecidas,

pois como afirmam Menezes e Silva (2007),

[...] o trabalho com a memória pode possibilitar que os alunos relacionem a fisionomia da localidade e da cidade em que vivem, suas histórias de vida, suas experiências sociais e suas lutas cotidianas, bem como experiências sociais e cotidianas de outras épocas. A memória torna-se assim, elemento essencial na busca da identidade individual e coletiva. (MENEZES; SILVA, 2007, p.220).

Mas esse espaço de memória individual ou coletiva do aluno só será apropriadamente

explorado se o plano de aula do professor o permitir.

Barca (2004) nos recorda a discussão dos novos paradigmas educacionais e como eles

mudaram ao longo da história as formas de estratégia e de compreensão sobre como ensinar e

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aprender História. Ela ressalta a importância do planejamento das aulas para o processo de

aprendizagem e crescimento do conhecimento do aluno.

Segundo a autora,

O modelo da ‘pedagogia por objetivos’, [...] apesar dos seus excessos tecnicistas disseminou o princípio de que a ação educativa, para ter alguma eficácia, precisa de ser planejada e organizada coerentemente para além da preparação dos conteúdos. [...] a concepção das aulas centrar-se-á na criatividade de recursos e ‘estratégias’ a apresentar aos alunos, num cenário que raramente ultrapassa a situação de ‘aula-colóquio’ [...]. (BARCA, 2004, p.132).

Observa a autora, que apesar desse modelo de aula permitir uma problematização do

conteúdo, permanece muito centrada nas mãos do professor, que se torna juntamente com seus

materiais de uso didático, a fonte do saber perante os alunos.

Desse modo, não é permitido ao aluno a busca e a construção do seu próprio

conhecimento acerca do assunto trabalhado.

Para Barca, a contribuição do Construtivismo é importante nesse ponto, porque

[...] neste modelo, o aluno é efetivamente visto como um dos agentes do seu próprio conhecimento, as atividades das aulas, diversificadas e intelectualmente desafiadoras, são realizadas por estes e os produtos daí resultantes são integrados na avaliação. (BARCA, 2004, p.133).

A apreensão do conhecimento histórico, segundo a autora, requer a capacidade de

compreender o passado historicamente, ou seja, entender os homens vivendo em seu próprio

tempo. Essa compreensão só pode ser construída na medida em que nos baseamos nas evidências

e a balizamos pelo nosso eixo temporal, permitindo que se contraponham as relações do passado

e as questões do presente, tentando visualizar um futuro. (BARCA, 2009, p.134).

Por isso a ênfase, mediante essa perspectiva de construção de conhecimento histórico e

sua compreensão, na necessidade de mudança na elaboração dos planos de aula.

Segundo Barca,

Os planos de aula são naturalmente integrados em planos mais abrangentes, os planos anuais, de período ou de unidade [...] coerentes com as propostas curriculares atuais precisam ser organizados com um enfoque nas competências a desenvolver e não nos conteúdos a ‘dar’. (BARCA, 2004, p.135).

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Assim, descobrir as idéias iniciais dos alunos e a partir daí, propor questões desafiadoras

que os instiguem a investigar e conhecer, permitindo que os mesmos desenvolvam tarefas várias,

individualmente ou em grupos e, que manifestem a sua produção de forma oral e escrita, pode

facilitar um processo de aprendizagem significativa para o educando.

Essa estratégia, segundo Barca, permite-nos também avaliar de forma mais adequada e

qualitativamente, a progressão dos alunos na elaboração dos conceitos históricos. Para Barca,

“[...] é possível que as crianças compreendam a História [...] se as tarefas e os contextos concretos

das situações [...] tiverem significado para elas”. (BARCA, 2004, p. 138-139).

Entendemos que essa idéia pode estender-se também aos educandos jovens e adultos, pois

como a autora afirma, é a partir da experiência do sujeito, chamada de senso comum, que se vão

estabelecendo relações mais complexas e surgindo o conhecimento mais elaborado, num “esforço

de compreensão histórica”.

Se considerarmos que o conhecimento histórico é construído, dentre outros aspectos,

também por meio da análise de fontes diversas, através de sua contraposição, concordamos com

Medeiros (2007), quando afirma baseado em Barca, que no Brasil a produção do livro didático de

História, ao selecionar suas fontes, prioriza o mercado de livros e não o direcionamento de uma

realidade escolar específica e, portanto, não aceitaria modelos.

Segundo Medeiros, haveria uma

[...] naturalização de uma idéia de conhecimento como aquilo que pode ser afirmado como verdade, herdeiro de uma abordagem cientificista ou cartesiana que funciona como barreira, principalmente para os professores mais experientes para os alunos com maior exposição à escolarização, ou seja, os alunos do Ensino Médio. (MEDEIROS, 2007, p.4).

Desse modo, consideramos que seja importante a abordagem da histórica local nos

planejamentos de aulas, ainda que um determinado tema não seja contemplado nos livros

didáticos como é o caso da Guerra de Porecatu, uma vez que pode ser descobrindo esse passado,

muitas vezes história de uma localidade próxima ao aluno, mas não apresentada em materiais

didáticos, que se poderá dar ao educando a chance de entender como se articulam as variadas

fontes na construção do conhecimento histórico.

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2 CONFLITOS DE TERRAS NO BRASIL

A questão da propriedade da terra no Brasil sempre foi um assunto delicado, e os conflitos

e disputas por sua posse remontam às Capitanias Hereditárias.

De acordo com Batista (2003), a luta pela terra existe desde a ocupação portuguesa no

país, e até hoje não se conseguiu implantar um programa de reforma agrária que modificasse a

estrutura de posse e uso da terra, possibilitando a existência de um maior número de pequenas e

médias propriedades em detrimento da estrutura latifundiária. É bom lembrar que, o modelo de

grande propriedade sempre foi valorizado historicamente, não só no Brasil e as políticas do

Estado sempre o protegeram. “A pequena propriedade se desenvolveu à margem ou à sombra da

grande propriedade, como seu apêndice, para que o capitalismo pudesse se reproduzir no país”.

(BATISTA, 2003, p.14).

Ao contrário de uma Reforma Agrária efetiva o que se instalou no país sempre foram

programas de compensação visando, em grande maioria, um processo de ocupação e colonização

de terras devolutas do Estado, que se viam na emergência de serem ocupadas ou perdidas e que

no fim, tornavam-se grandes empreendimentos imobiliários explorados pelo próprio governo ou

por empresas concessionárias nacionais ou estrangeiras.

Ao longo do tempo, essa questão pode ter se agravado, uma vez que, no Brasil, a questão

da terra tem se configurado como uma “luta pela terra” onde o trabalhador do campo luta sozinho

contra os grandes proprietários e, não uma luta pela reforma agrária que envolvesse outros setores

da sociedade, inclusive a escola. (MARTINS, 2000, apud in BATISTA, 2003, p.14).

As reivindicações por mudanças na estrutura da posse legalizada da terra no Brasil surgem

a partir da segunda metade do século XX. Mesmo estando organizados, os pequenos proprietários

ou os que da terra foram expulsos, encontraram muitas dificuldades em fazer suas reclamações

serem ouvidas e atendidas uma vez que, a questão da terra liga-se diretamente a uma questão de

poder e, portanto, tais ações visando mudança nessa estrutura latifundiária esbarram na questão

da diminuição do poder, seja público ou privado, em âmbito nacional.

No Brasil, o sistema latifundiário tem início com a divisão das terras em Capitanias

Hereditárias e Sesmarias, cuja economia voltava-se para o abastecimento externo. Qualquer tipo

de pequena propriedade que por ventura surgisse não era respaldada pelas leis do Estado,

configurando posse e ocupação ilegal. Isso mantinha à margem da sociedade um segmento da

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população que não possuía a concessão das terras dada pelo Estado, que não era negra, tendo

como uma, senão única, opção de trabalho, o serviço de agregado nas Sesmarias.

Batista, citando Martins (1990, p.35) revela-nos que,

Não era raro o fazendeiro encontrar, no território de que se tornara Sesmeiro, posseiros instalados com suas roças e seus ranchos. Dependia do fazendeiro aceitar ou não a permanência desses posseiros como agregados. A posse do fazendeiro conduzia à legitimação através do título da Sesmaria, o mesmo não se dava com a posse do camponês, do mestiço, cujos direitos se efetivavam em nome do fazendeiro. (apud in BATISTA, 2003, p.19).

A forma de sobrevivência que se dispunha a esses marginalizados ia desde a prática de

assaltos, ou a mendicância ou indigência, chegando até a posição de guarda-costas (jagunços),

que acabavam contraditoriamente, sendo incumbidos de “limpar” as terras ocupadas por pessoas

em semelhante situação que a sua.

Silva (1980), referenciado por Batista, aponta que

Esses tipos foram a gênese dos pequenos agricultores no Brasil, sempre foram tidos como “vadios”, e “ociosos”, e qualificações semelhantes. Sempre foram considerados como marginais pelas autoridades da colônia e pela ideologia dominante na época. Não resta dúvida de que esses “marginais” nada mais são do que reflexos criados pelo próprio sistema latifundiário implantado no Brasil. (apud in BATISTA, 2003, p.20).

Outra forma também usada por esses excluídos como meio de sobrevivência era instalar-

se em pequenos trechos de terras próximos a áreas destinadas à colonização.

Naquela época, a cultura do café e o uso de mão de obra escrava exigiam o controle da

terra pelos grandes proprietários, mas ao mesmo tempo isso também a desvalorizava, pois maior

valor tinha o escravo enquanto instrumento de produção. Somente quando os interesses

comerciais ingleses expandiram-se para as terras brasileiras, essa situação começou a se

modificar.

O fim da escravidão implicou na modificação da forma de produção, seja na mudança de

mão de obra que a partir de então se tornava livre, seja quanto ao valor da terra que passou a ser

alvo do interesse de vários setores sociais. Mediante essa nova realidade surgiu a necessidade de

uma nova postura legal no que se refere à sua posse.

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A Lei de Terras de 1850 oficializou ao Estado monárquico brasileiro um monopólio que

ele já detinha desde os tempos da coroa portuguesa, sobre as terras devolutas. Pela lei

referenciada, a condição de posse não seria mais a concessão de sesmarias ou forais, mas sua

compra, passando haver registro documentado quanto à transação que garantia o direito à

propriedade, representado por meio de um título de posse.

Evidentemente quem mais se beneficiou com essa lei foram os grandes proprietários,

conseguindo impedir que escravos-libertos, imigrantes ou agregados tivessem meios de adquirir

terras uma vez que, em virtude da situação financeira, não possuíam os valores necessários para

tal aquisição.

Dessa forma acaba-se por subordinar, também no campo, a força de trabalho ao Capital.

Batista referencia Silva (1980, p.26), e aponta que,

A Lei de Terras significou, na prática, a possibilidade de fechamento para uma via mais democrática de desenvolvimento capitalista, na medida em que impediu ou, pelo menos, dificultou o acesso à terra a vastos setores da população. Ao mesmo tempo, criava condições para que esse contingente estivesse disponível para as necessidades do capital. É sob a égide da Lei de Terras, pois, que se processarão as transformações capitalistas no Brasil, cujo centro será sempre o privilégio da grande propriedade territorial. (apud in BATISTA, 2003, p.21).

Uma das primeiras modificações sentidas foi em relação à forma de trabalho. O trabalho

livre permitia várias formas de exploração, e o colonato2 era uma delas. Um sistema de trabalho

relativamente barato ao fazendeiro, que podia dispor do trabalhador sem que o custo inicial dessa

mão de obra fosse muito significativo.

Essa grande concentração de terras nas mãos de uma minoria era um prelúdio aos

movimentos de contestação que ainda viriam, face às reinvindicações de uma grande massa

marginalizada.

Desse modo, o movimento inicial foi um movimento de luta pela terra constituindo-se no

enfrentamento direto entre os ocupantes das terras e seus donos legais, ou seja, respaldados por

títulos de posse e propriedade.

2 Colonato foi um sistema de contrato de trabalho por meio do qual geralmente o trabalhador imigrante bem como toda

a sua família comprometiam-se com o fazendeiro em plantar e cuidar de cerca de cinco mil ou mais mudas de café, sendo que ao término da colheita toda produção deveria ser entregue ao dono da fazenda. Em troca, os trabalhadores seriam remunerados com uma soma em dinheiro, uma casa como moradia e uma pequena área em que lhe era permitido desenvolver cultura de subsistência, ou seja pequenas roças e criação de pequenos animais. O excedente dessa produção poderia ser disposto pelo trabalhador do modo que quisesse. (MORISSAWA, 2001, p. 249. Apud in BATISTA, 2003, p. 22)

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Os mais conhecidos e estudados ocorridos no fim do século XIX e início do XX são os de

Canudos no sertão baiano, o Contestado, situado numa região disputada pelos Estados do Paraná

e Santa Catarina e o Banditismo do Nordeste bem representado por Lampião. Ainda na primeira

metade do século XX, anos 1940, surgiram alguns movimentos que tiveram orientação ou como

base, o Partido Comunista e as Ligas Camponesas3, como foi o caso de Trombas e Formoso em

Goiás e os eventos ocorridos no Paraná, como a Revolta dos Posseiros na região Sudoeste e a

Guerra de Porecatu ao Norte.

O advento da República modificou a antiga posição sobre quem gerenciava as terras

devolutas. Ficou determinado que essas terras ficariam sob responsabilidade dos Estados. Assim,

os conflitos poderiam ser mais bem definidos: de um lado os trabalhadores da terra, também

chamados de ‘camponeses livres’ ou ‘cablocos’ e, de outro lado, os grandes fazendeiros,

normalmente os coronéis no caso do Nordeste, o que acabou gerando Canudos, e/ou as empresas

colonizadoras nacionais e estrangeiras ao Sul, que ajudou na conflagração, por exemplo, do

conflito do Contestado.

As políticas de concessão de terras realizadas pelos estados eram muito influenciadas pelo

grupo dominante da sociedade, o que acabou por aumentar ainda mais a concentração de terras

nas mãos de poucos, através das chamadas concessões do estado.

Segundo Batista,

Não se pode esquecer que estas terras, mantidas à margem da economia, eram ocupadas por posseiros ou, como destaca Serra, (1991, p.35) ‘indivíduos conhecidos por vezes como caboclos ou caipiras que tentavam reproduzir-se basicamente através de uma agricultura voltada para o auto-consumo, mantendo laços frouxos com o mercado’. (BATISTA, 2003, p.24).

No caso de Canudos, a concentração de terras nas mãos de poucos coronéis expropriou os

agregados que trabalhavam em suas terras, e esses somados aos libertos passaram a buscar outro

meio de sobrevivência. Nesse sentido, Canudos lhes parecera o “paraíso”, pois justamente

oferecera terra a quem queria terra.

3 Martins, referenciado por Batista explica que, as ligas Camponesas, foram [...] iniciadas em Pernambuco, mas que se

espalharam por diversos estados do país, também a partir de 1940. Todos esses movimentos sociais ocorreram por estarem os envolvidos buscando abrir na posse da terra sua reprodução lutando contra a expropriação e tentando legitimar a ‘terra de trabalho!’ pois ‘é o trabalho que legitima a posse da terra; é nele que reside o direito de propriedade. Esse direito entra em conflito com os pressupostos da propriedade capitalista’. (apud in BATISTA, 2003, p.23).

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Indubitavelmente, Canudos prosperou e se tornou uma alternativa para aqueles que não

desejavam ser explorados nas terras dos coronéis. Mas ao mesmo tempo, o êxito de Canudos

também se transformou no motivo de sua repressão e destruição. Canudos tornou-se um mau

exemplo em todos os sentidos, seja pela contestação ao poder econômico-social dos coronéis,

seja pelo messianismo do seu líder Antonio Conselheiro, que não reconhecia o poder da Igreja

católica nem do governo instituído (República), dentro do Arraial de Canudos.

Constituindo-se numa sociedade alternativa, com regras próprias, não demorou até

justificarem a destruição de Canudos, afirmando que seu líder defendia os princípios

monárquicos, uma idéia muito perigosa em tempos de consolidação da República.

No Paraná, o sistema de concessões de terras a empresas estrangeiras colocou no cenário a

empresa Norte Americana Brasil Railway Company, cujo projeto era construir uma estrada de

ferro ligando São Paulo ao Rio Grande do Sul. A concessão estadual cedeu uma faixa de terras ao

longo do leito da ferrovia para a Companhia norte-americana. O problema é que essas terras

‘devolutas’ não eram desocupadas.

Enquanto a ferrovia estava sendo construída, muitas pessoas que foram sendo desalojadas

de suas terras encontraram meio de sobrevivência trabalhando para a companhia, indiretamente

por meio das serrarias ou diretamente, principalmente preparando o terreno, assentando

dormentes, etc.,. Porém, uma vez a ferrovia construída, o problema da luta pela terra ganhou

maior força e juntamente com a luta contra a exploração dos fazendeiros da região, desencadeou

a repressão aos que teimavam em manter suas possessões de terras dando origem ao conflito.

Os líderes dos revoltosos iniciaram um movimento messiânico, não muito diferente do

que se pode perceber em Canudos. Também do mesmo modo, a justificativa maior para sua

repressão foi a questão desse movimento apoiar a volta da monarquia.

De certo modo, isso não seria um contra-senso se imaginarmos que para aquela população

tão sofrida a lembrança da fartura de uma vida mais tranqüila, que ela supostamente teria tido

antes da República, justificaria o saudosismo em relação ao regime monárquico.

De qualquer forma, isso foi usado contra o movimento e a repressão aos revoltosos foi

exemplar, segundo Batista, tendo sido usado sete mil soldados do exército nacional, mil policiais

do Estado e mais trezentos jagunços, empregados da companhia. Dezessete mil pessoas foram

mortas num confronto onde até aviões foram usados para dar vantagem às tropas do exército.

(BATISTA, 2003, p.25-26).

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Batista destaca a observação de Martins, que analisa a forte repressão contra os revoltosos

e observa que, “[...] nos movimentos messiânicos, não era a monarquia que os militares

combatiam, como disso se deram conta muitos e muito depressa. Era a insurreição, a sublevação

dos pobres no campo”. (apud in BATISTA, 2003, p.26).

O avanço das práticas capitalistas de produção também para o campo no Brasil, a partir do

final da década de 1940, fez com que se abrissem novas áreas de terras para ocupação ligadas por

ferrovias e rodovias, o que valorizou sobremaneira as terras dos posseiros contempladas com esse

benefício.

No entanto, ao mesmo tempo em que essas terras foram se valorizando, foram também

surgindo os grileiros se dizendo donos da propriedade e expulsando os posseiros.

Esse processo deu origem a inúmeros conflitos em várias regiões e estados do país, um

deles o de Formoso e Trombas (1948), onde fazendeiros, juízes e donos de cartório se tornaram

grileiros de terras.

No Paraná a preocupação com as regulações de terras surgiu em 1882.

Segundo Batista, grandes glebas de terras foram vendidas pelo governo do Paraná com

preços muito baixos para companhias particulares com o objetivo de colonizar as regiões Norte e

Sudoeste do Paraná. Entretanto, poucas companhias tiveram êxito. Muitas abandonaram o projeto

por vários motivos que nesse trabalho não é relevante abordar. Mas esse abandono desencadeou

um processo de ocupação irregular das terras.

A ação dos grileiros contra os posseiros ou dos fazendeiros que tinham a propriedade da

terra por meio da concessão do estado, desencadeou vários conflitos entre eles, a “Guerra de

Porecatu”.

Esse conflito muito embora tenha sido menor que o Levante dos Posseiros do Sudoeste,

deixou marcas profundas na região, seja por sua repercussão que foi nacional, seja pelo fato de ter

sido a primeira revolta organizada no Paraná pela luta pela terra.

Segundo Morissawa, referenciado por Batista, ‘havia 1500 posseiros em terras devolutas

na região de Porecatu no ano de 1946’. (apud in BATISTA, 2003, p.28).

Batista também recorre a Serra, que faz a seguinte análise:

A situação, que já era complicada, se agravou em 1945, logo após o Sr. Moisés Lupion assumir o governo do Paraná quando, a exemplo do que vinha fazendo no Sudoeste, passou a titular terras no Vale do Paranapanema para apadrinhados políticos, e esses ao constituir o título de propriedade, queriam a terra ‘limpa’, livre de posseiros e outros ‘intrusos’. (apud in BATISTA, 2003, p.28).

17

Entendemos que a “limpeza” do terreno era sempre encomendada a jagunços ou a

policiais em hora de folga. Estes podiam ser contratados tanto por fazendeiros titulares da terra

quanto por grileiros.

Aos posseiros restavam duas saídas, entregar a terra ou resistir. Alguns resistiram.

Tentaram denunciar o que lhes estava acontecendo para as autoridades federais e, quando viram

que isso não surtia efeito, pediram apoio ao Partido comunista Brasileiro (PCB), dando origem a

uma luta armada que durou vários meses (1950-1951).

Uma das saídas encontradas pelo governo do estado na época foi a remoção dos posseiros

para terras na região de Campo Mourão. Essa estratégia, de um lado, deu solução à grave crise

que se estabelecia, por outro lado beneficiou imensamente os grandes proprietários que se

apossaram dos lotes agora “limpos” e puderam ampliar sua extensão de terra que já não era

pequena, como o foi o caso dos Lunardelli.

O Levante dos Posseiros do Sudoeste do Estado também teve a “colaboração” do

Governador Lupion e dos latifundiários.

Na região de Pato Branco e Francisco Beltrão, viviam posseiros vindos tanto da fronteira

Brasil e Argentina quanto Paraná e Santa Catarina.

A instalação da empresa colonizadora Clevelândia, apoiada pelo governador Lupion,

conseguiu se apossar das terras e começou a providenciar a “limpeza” do terreno, expulsando

inclusive proprietários legítimos que detinham o título de posse através de compra. Quem

quisesse ficar na terra só poderia fazê-lo se concordasse em se tornar arrendatário. Não demorou

e o conflito armado instalou-se na região. De um lado jagunços dos fazendeiros e milícias e, de

outro, os posseiros.

A situação somente se resolveu em 1962, quando o governador Ney Braga concedeu

títulos definitivos aos posseiros da região.

Mais ou menos na mesma época, o Nordeste brasileiro assistia ao surgimento de uma

nova forma de luta pela terra. As ligas Camponesas agregavam os trabalhadores da terra que eram

contratados pelos donos de engenho como arrendatários para cultivar terras que estavam

abandonadas. Entretanto, esse “contrato” de trabalho era simplesmente esquecido quando o preço

do açúcar subia. O dono do engenho simplesmente expulsava o trabalhador, ficando com todas as

benfeitorias realizadas nas terras pelo mesmo.

Para ter um lugar de moradia tinham que se sujeitar a pagamentos menores que os pagos

aos demais trabalhadores da fazenda e ainda trabalhar de graça vários dias do mês. Assim, essa

18

era uma condição bastante instável do trabalhador da cana e pouco a pouco eles foram sendo

expulsos pelos donos das terras e das usinas. (BATISTA, 2003, p.29).

Nesse Contexto é que surgiram as Ligas Camponesas tentando defender os interesses

desses trabalhadores rurais. As ligas permaneceram ativas até a implantação do regime militar,

quando então teve seus líderes cassados.

Ao longo da década de 1950, também surgiram outros órgãos preocupados com a defesa

dos direitos e interesses dos camponeses. Como informa Batista, surgiu

[...] a União dos lavradores e trabalhadores agrícolas (ULTAB) em 1954, criada pelo PCB. Esta tinha por finalidade coordenar as associações camponesas e criar as condições para uma aliança política entre os operários e os trabalhadores rurais. Por fim, o Movimento dos Agricultores Sem Terras (MASTER) que surgiu no final da década de 1950 no rio Grande do Sul, a partir da resistência de 300 famílias de posseiros. (BATISTA, 2003, p.30).

De acordo com Batista, a década de 1950 pode ser considerada um marco, pois é onde se

pode perceber maior confluência de movimentos de luta pela posse e permanência na terra. Essa

década trouxe, segundo o autor, elementos políticos que ajudaram a iniciar outra luta que foi a

Reforma Agrária, no entanto, não é a mesma coisa que a luta pela terra, que existe desde a

criação do latifúndio.

A Reforma Agrária traz como projeto mais amplo a defesa dos direitos do trabalhador do

campo, e nesses direitos inclui-se a questão do acesso à terra. (BATISTA, 2003, p.31)

Na década de 1950, o Brasil expandia sua industrialização, aliada a um processo de

integração do mercado interno, concentrando sua produção no setor de bens de capitais e

alimentos. Esse fator acelerou o processo de industrialização também no campo, o que mais tarde

nos anos 1960, provocou de um lado a acumulação de capital e do outro o empobrecimento do

trabalhador do campo. (PIRIN; TSUKAMOTO, 2207, p.6).

Evidentemente que essa nova situação gerou conflitos no campo, mas não se deve pensar

que a origem dessas questões resulta apenas desse processo de expropriação capitalista. Esse vem

a ser apenas mais um componente a juntar-se ao quadro que já era grave desde há muito, ou seja,

a luta pelo acesso à terra por quem nela trabalha.

O Paraná, portanto, na questão da luta pela terra, não foi exceção em nenhuma das suas

regiões, principalmente nas chamadas de ‘fronteiras’, seja Sul, Sudoeste, Oeste, Noroeste ou

Norte.

19

Segundo as autoras Pirin e Tsukamoto (2007),

Os conflitos nos campos paranaenses iniciam-se no começo do século XX, tais como a Guerra do Contestado em 1912, em que o estado do Paraná e de Santa Catarina disputavam a fronteira que milhares de posseiros ali já residiam e ficaram no meio da disputa. Além disso, [...] podemos citar Jacarezinho (1920-1930), na região do Tibagi e Faxinal (1933-35 e depois em 1941), em Jaguapitã (1946-1949), Campo Mourão (1948-1952), Porecatú (1950-1951), Sudoeste do Paraná (1950-1957), Cascavel (final dos anos 1950 e até 1961), Alto Paraná (1961). Essas lutas foram sempre por terra, que se desencadeava em ter trabalhadores sem títulos, os quais caracterizavam-se por uma economia de subsistência com base no trabalho familiar e fazendeiros ou empresas colonizadoras, estas faziam da exploração comercial seu investimento de capital. (PIRIN; TSUKAMOTO, 2007, p.8).

Conflitos como os de Porecatu (1950-1951), Levante dos Posseiros (1950-1957), Revolta

de Medianeira (1961) ou os “rebeldes de Itaipu” (final dos anos 1970), estão ligados a uma

política de urbanização e expansão da agro-indústria de determinados governos republicanos,

bem como a um projeto de Brasil que a partir do governo Vargas, em cada década da República,

foi sendo aplicado tanto pelos governos federais quanto pelos estaduais.

Dessas políticas resultaram movimentos migratórios e com eles os conflitos pela ocupação

de terras.

A solução desses conflitos, muitas vezes ajudaram a configurar o espaço em que hoje se

situam várias cidades e comunidades. Entendê-los é fundamental para perceber como ocorre a

expansão e homogeneização do capital, bem como a urbanização dos espaços locais.

Até abril de 2007, dentre todos os estados brasileiros, o Paraná era o Estado que mais

apresentava conflitos no campo. Teriam sido “[...] registrados 76 casos de conflitos por terra (que

é o registro das ocupações, acampamentos e violência contra a ocupação e a posse)”. (JORNAL,

2007).

Até aquela data o Paraná registrava o maior número de acampamentos de “sem terras”,

sendo 13 no total e abrigando 1.225 famílias.

Esse fato justifica a necessidade de entender essa situação de luta contemporânea pelo

acesso à terra e, para isso torna-se necessário recorrer ao passado fazendo uma re-leitura,

buscando compreender os trâmites políticos em que esses conflitos estavam inseridos.

É importante notar que nos materiais didáticos disponibilizados ao professor, nem sempre

aparecem comentários, por exemplo, sobre o processo migratório no extremo oeste do Estado do

Paraná com a construção da hidrelétrica binacional Itaipu, como também não se faz referência

20

aos conflitos de terras provocados pela desapropriação de pequenos proprietários para a

construção da usina (ZAAR, 2000).

Trabalhos como o de Ribeiro (2006), tentam resgatar essa memória, e desconstruir a idéia

de uma obra de tal abrangência não ter provocado adversidades, ter ocorrido sem conflitos, a

partir de muita cooperação entre todos para um bem maior comum.

O Levante dos Posseiros do Sudoeste na década de 1950 e, mais recentes, são analisados

por Battisti (2006), mostrando como a esfera política ajudou a construir o panorama propício aos

conflitos.

Há também obras importantes, como a que escreveu Myskiw (2002). Sua preocupação

com a questão conceitual nos leva a analisar termos usados por nós, corriqueiramente, sem que

saibamos seu verdadeiro significado.

Termos como “posseiros”, “grileiros”, “colonos”, “camponeses”, “conflitos”, entre outros,

ganham uma fundamentação esclarecedora para a sistematização de um conteúdo a ser explorado

pelo professor e seus alunos em sala de aula.

Quando nos referimos a “colono”, muitas vezes não identificamos esse termo. De acordo

com Myskiw (2002), “colono” assim como “posseiro” e “grileiro” são categorias conferidas ao

trabalhador do campo. É importante salientar, segundo o autor, que

[...] são as fontes documentais que denominam, ou melhor, quem as produziu (mediante informações recebidas de outrem) que rotula quem é “posseiro”, “grileiro” ou “colono”, e não o pesquisador (nesse caso, o historiador). Nunca é demais reiterar que a maioria dos documentos, quando da sua produção, não foram produzidos tendo em mente que seriam, no futuro, utilizados como fonte histórica. (MYSKIW, 2002, p.22).

Nesse sentido, Myskiw procura identificar a origem do termo “colono” e nos remete a

uma discussão feita por Ciro Flamarion Cardoso, na obra “Escravo ou Camponês?”. Naquele

trabalho, Cardoso alertava para a generalidade do termo “camponês”, pois não identificaria

necessariamente apenas o homem trabalhador no campo, mas igualmente o homem que no campo

é proprietário de terras.

21

Outro autor que Myskiw busca para a discussão dessa generalidade conceitual é Eric

Hobsbawm, que afirma:

‘Quanto aos camponeses, desejo simplesmente sugerir – ou melhor, relembrar – dois pontos: primeiro, que há diferenças profundas entre diversas formas de produção agrária de base familiar, as quais toda generalização corre o risco de subestimar – por exemplo, entre economias de pastoreio e agricultura – e segundo que, além de determinado ponto da diferenciação sócio-econômica da população agrária, o termo ‘campesinato’ deixa de ser aplicável. É difícil saber exatamente onde se situa esse ponto, mas é evidente, que nem os fazendeiros da Inglaterra do século XIX, nem os proletários rurais de algumas economias de plantação em larga escala nos trópicos se enquadram no ‘problema do camponês’, embora por certo constituam parte do ‘problema agrário’. (apud in MYSKIW, 2002, p.23).

Entendemos que hoje, a expressão “camponês” perdeu todo seu sentido e não há mais

espaço no mundo para sua aplicação dado ao grande movimento de êxodo rural ocorrido nas

últimas décadas, salvo raras exceções como o interior de países como China e Índia.

Myskiw, respaldando-se em Barreiro, esclarece ainda que o uso do termo “camponês”

pela historiografia brasileira advém da necessidade da esquerda denominar o trabalhador que se

agitava pela defesa de seus diretos no campo a partir dos anos 1950, e de acordo com Barreiro,

“apesar dos riscos e dificuldades apresentados pelo transplante dessa concepção de outras

realidades, o termo camponês tem sido empregado com êxito para o esclarecimento das situações,

das lutas e do lugar social dessa categoria no Brasil. (apud in MYSKIW, 2002, p. 23).

Para Myskiw, enquanto a esquerda veria o termo “camponês” relacionado ao homem do

campo que luta por seus direitos, a direita os veria como uma ameaça, pois o êxito de suas ações

poderia subverter a ordem social e, por isso a eles seria dado o termo “rurícola”, no sentido de

“irracionais”.

O termo “colono”, largamente utilizado por nós, e analisado por Myskiw, tem sua

definição apresentada no dicionário Aurélio e se refere ao termo como sendo “membro de uma

colônia. Trabalhador agrícola ou pequeno proprietário rural, especialmente quando imigrante ou

descendente deste”. (MYSKIW, 2002, p.23). Se apoiando no antropólogo Jean Roche, Myskiw

resgata a origem do termo em alemão, cujo significado seria ‘Kolonist’, ou seja, ‘homem que

desbrava e cultiva a terra’. Desse modo ele afirma que a categoria pode ter sido introduzida no

Brasil com a vinda dos imigrantes, reforçada pelo fato de que uma vez no Brasil, organizaram

sociedades que mantiveram seus costumes e tradições.

22

Outra categoria é a de “Posseiro”. Segundo Myskiw, esse termo é usado para designar

“[...] aquele que adquire (ou ocupa) e faz uso de uma determinada área de terra sem ter título de

propriedade expedido, em seu nome, pelo Estado ou pela União”. (MYSKIW, 2002, p.24).

O autor levanta a seguinte questão: “Ser posseiro é uma questão de escolha ou

necessidade?” Segundo o autor, ambas. O atrativo pelas terras devolutas fazia com que pessoas

interessadas procurassem por elas a fim de uma oportunidade de ter seu pedaço de terra. O

posseiro sabia da existência das leis, e muitas vezes a ocupação só acontecia porque ele tinha

certeza de que a área se tratava de terras devolutas. Da mesma forma, poderia receber propostas

dos donos das terras para que as cultivassem (terra dada em posse) na impossibilidade do dono o

fazer. Trabalhava-se de certo modo como um arrendatário, produzindo tudo de “meia”, quer dizer

tudo dividido metade de cada um, como meio de sobrevivência.

Para os proprietários das terras, era mais rápido usar os jagunços e até mesmo policiais na

‘limpa’ da terra do que aguardar as leis e as estratégicas jurídicas. Isso porque, às vezes, não era

nada fácil provar, por exemplo, a existência de um grilo, uma vez que ao forjar o documento,

davam a ele autenticidade necessária.

Grileiro também é outra categoria que merece ser analisada. De acordo com Myskiw,

“Grileiro, para as normas do Direito Agrário, é aquele indivíduo que, ‘por meio de fraude ou

outro meio ilícito, falsifica, no todo ou em parte, documento público ou particular com o fim de

obter para si ou para outrem a propriedade de imóvel alheio’.” (MYSKIW, 2002, p. 25-26)

Motta, referenciada por Myskiw, esclarece que os termos ‘grileiro’ e ‘grilagem’

[...] surgiram a partir de uma prática muito antiga de colocar um papel (contendo um tipo de ‘comprovação’ de propriedade’) dentro de uma gaveta junto com alguns grilos. O papel, após algumas semanas, passa a ter uma aparência envelhecida em razão dos dejetos daqueles insetos. Com este papel envelhecido pela ação dos grilos, a pessoa visa comprovar a antiguidade de sua ocupação. (apud in MYSKIW, 2002, p. 26-27).

Segundo Motta, a grilagem não é algo novo. Há registros dessa prática no Rio de janeiro

no século XVIII, tanto em áreas rurais quanto urbanas. Holston e Motta afirmam que

[...] a grilagem é um sistema formado por redes de solidariedade e suborno; que as ações dos grileiros nem sempre são facilmente identificadas; que a grilagem deve ser vista no plural, isto é, como resultado da incorporação ilegal de terras ocorridas há décadas e mesmo séculos. (apud in MYSKIW, 2002, p.28)

23

Desse modo, fica compreensível a extensão dessa prática de ocupação de terras, que

envolve não só os especuladores como as autoridades locais, respaldando a idéia da posse da terra

estar ligada a condição de poder e ao favoritismo político.

Outro termo corrente usado quando tratamos de disputas pela terra é “conflito”. Mas o que

seria um conflito de terras?

Segundo Myskiw,

Primeiro: O conflito é uma discussão acompanhada por injúrias e ameaças, o mesmo se constitui numa forma de relacionamento social que expressa o descontentamento dos homens e/ou grupos sociais frente a acontecimentos não desejados. Segundo: O conflito faz parte da vida social, do cotidiano dos homens, incitado pelas lutas sociais, políticas, religiosas, étnicas, entre outras. No entanto, não é algo natural e nem todos são obrigados a praticar tal ato. Terceiro: o conflito está intimamente ligado a relações de poder, à desigualdade social e ao interesse individual. (MYSKIW, 2020, p.37)

O autor esclarece ainda que conflito pode ter várias definições políticas. Para os

positivistas, como Comte, Durkhaim, entre outros, o ‘conflito’ é visto como uma doença social,

uma perturbação que deve ser rapidamente sanada para o bem da sociedade.

Para os marxistas como Sorel e Stuart Mill, é fator crucial de mudanças sociais,

fundamentais para que se promova a justiça social, e desse modo, pode até ser incentivado. Já os

funcionalistas, vêm o conflito como disfunção social. Algo que só se manifesta porque o sistema

não está funcionando bem. Portanto a ‘falha’ deve ser prontamente corrigida para a manutenção

da ordem social.

Assim, o que permeia um ‘conflito’ podem ser interesses diversos de ordem política,

econômica, cultural, social. Um conflito poderá ser tão extenso quanto forem as ambições e os

anseios coletivos que o permearem e sua explicação não ocorre a não ser por meio da análise do

contexto histórico no qual ele estiver inserido.

Para Myskiw,

A intervenção dos instrumentos políticos nada mais é do que a atuação do Governo no sentido de minimizar e regulamentar os conflitos, isto é, formular regras a serem aceitas pelos envolvidos, estabelecendo-se assim, limites aos conflitos. Porém, a regulamentação de um conflito ao garantir o respeito às conquistas alcançadas pelos posseiros de determinada gleba dá a possibilidade, para os grileiros ou proprietários daquela mesma gleba de entrar novamente em conflito. (MYSKIW, 2002, p. 38).

24

Isso se evidencia no caso de Porecatu, onde o governo estadual desrespeitou as regras que

ele próprio havia criado agravando o conflito naquela região.

Finalmente Myskiw, salienta que, “[...] não há solução para o conflito, há negociação,

regulamentação, regras a serem aceitas pelos envolvidos no conflito [...] o conflito nem sempre

leva à mudança, quer na esfera social, quer na esfera política, ou noutra esfera”. (MYSKIW,

2002, p. 39).

Essas questões estão relacionadas a um projeto de Reforma Agrária que apesar de

facilmente encontrado nos discursos dos chamados “pioneiros”, ainda não foi colocado em

prática no país. Para alguns desses primeiros proprietários de terras, especificamente na região

Norte do Paraná, a própria ação colonizadora da Companhia de Terras Norte do Paraná e depois

da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, já implicava por si mesma num projeto de

reforma agrária ao vender pequenos lotes de terras a baixo custo.

Porém, esse discurso não considera a extensão desses pequenos lotes por meio de compra,

ocupação ou apropriação de outros lotes por um mesmo proprietário, propiciando a formação de

latifúndios o que descaracteriza de imediato uma tentativa de “distribuição” de terras aos moldes

de uma reforma agrária, ou seja, de uma maneira mais igualitária, muitas vezes, sem envolver

uma relação de compra e venda da terra.

Nesse sentido, podemos questionar a ação das Companhias colonizadoras estrangeiras,

que mais se caracterizaram num grande projeto imobiliário, pois se lembrarmos o caso da CTNP

– Companhia de Terras norte do Paraná, o empreendimento todo estava ligado ao escoamento de

produção com o uso da ferrovia, sendo essa atividade de transporte, senão a principal, ao menos

uma grande fonte de rendas aos seus proprietários.

A disputa pela posse de terras envolve de fato questões amplas que perpassam os direitos

da cidadania. Isso torna importante sua discussão em sala de aula e o esclarecimento de que a luta

pela terra no Paraná e no Brasil, não é algo recente, mas sempre esteve presente, antecedendo a

luta operária, o que por si a legitima.

25

3 PORECATU: UM ESTUDO DE CASO

As lutas sociais no campo, no Brasil, precederam a República, estando relacionadas a um

conceito de cidadania que se constrói no próprio exercício dela, através da luta contra um poder

latifundiário que surge no período Colonial, se solidifica durante a fase do Império e se fortalece

com a instauração da República, ganhando maior força política com o golpe militar de 1964.

(KASPRZAK, 2000, p.5).

No Paraná, a Guerra de Porecatu é considerada por muitos autores como um divisor de

águas nos movimentos sociais do campo no Brasil. Espaço de atuação política do PCB, esse

conflito ganhou notoriedade pela repercussão midiática e pela extrema violência com que se

constituiu.

MAPA 1 – LOCALIZAÇÃO DE PORECATU

Fonte: FERREIRA, Agricultura Capitalista E Campesinato No Norte Do Paraná – Região De Porecatu – 1940-52, 1984. P.58.

26

A região de Porecatu, alvo da presente análise, localiza-se no extremo Norte do Estado do

Paraná, hoje composta pelos municípios de Porecatú, Alvorada do Sul, Florestópolis, Mirasselva,

Centenário do Sul, Lupionópolis, Cafeara, Guaraci e Jaguapitã. (PRIORI, 2000, p.23).

MAPA ATUAL DA LOCALIZAÇÃO DE PORECATU - PR

.

Trata-se de uma área de terras de cerca de 1.800 km. Quando da sua ocupação, fazia

divisa com as terras da “Companhia” (CMNP) e com o Estado de São Paulo, por meio do rio

Paranapanema. (OLIVEIRA, 1989, p.60).

O conflito armado ocorrido em Porecatu na década de 1950, também é considerado

importante para alguns pesquisadores quando relacionado ao surgimento das chamadas Ligas

Camponesas no Norte do Paraná, uma estratégia política adotada pelo PCB, Partido Comunista

Brasileiro naquela época. (BERGAMO, 2000).

A idéia de ter havido uma “Guerra no Norte do Paraná” não é criação tão somente de

reportagens em jornais da época, ou posteriores, mas a idéia parece advir mais da dinâmica e da

Fonte: Dados Cartográficos, 2006. Maplink/Tele Atlas.

27

dimensão tomada pelo conflito. Existe também uma discussão sobre o uso do termo ‘guerra’ e

não ‘guerrilha’.

Essa luta pela terra durou de 1947 a 1951, e teve seus dois últimos anos caracterizados

pela luta armada, só terminando com a atuação de tropas da polícia militar do Estado e de agentes

do DOPS – Delegacias Especializadas de Ordem Política e Social, tanto do Paraná quanto de São

Paulo. (PRIORI, 2000, p.16).

De acordo com Priori, os posseiros compartilhavam conscientemente de um mesmo

destino, ou seja, o desejo de vir para a região para se tornarem proprietários de terras e a ameaça

de perdê-las, será o que os unirá ainda mais para a defesa de seus interesses.

Outro fator que pode justificar o interesse por esse movimento social pela posse da terra é

o nível de repressão sofrida pelos posseiros por parte dos grileiros, jagunços e pistoleiros, que

desafiaram a eficiência dos aparelhos convencionais de repressão do Estado, fosse a polícia, força

militar ou a Justiça.

Também é preciso ressaltar a enorme rede de informações criada para dar respaldo ao

conflito, que acabou por gerar um considerável “reconhecimento político e social”. (PRIORI,

2000, p.25).

Desse modo, é possível perceber que a “Guerra de Porecatú” não foi um episódio isolado

ou ao acaso, e sim um conflito organizado com ação coordenada, que contou com a participação

coletiva, ultrapassando os limites territoriais dos camponeses, atraindo o que Priori chama de

“elementos externos” como o PCB e pessoas das cidades, que ajudaram a sustentar a resistência.

O território em que se encontra Porecatu foi inicialmente explorado por portugueses e

depois, a partir de 1494 (Tratado de Tordesilhas), por espanhóis. Estando próximo ao rio

Paranapanema, fazia parte da antiga Guairá, fundada por Jesuítas (século XVI) para a

catequização dos índios da região.

Em 1610, na região que abrange os rios Paranapanema, Tibagi e Corumbataí, os jesuítas

fundaram várias reduções indígenas, entre elas Nossa Senhora de Loreto, Santo Inácio Mini e São

Pedro. Quase 30 anos depois, os bandeirantes em sua busca por ouro e apresamento de índios,

tomaram de assalto as reduções, as destruíram, expulsando os jesuítas e espanhóis do território.

28

Mapa 2 – PARANÁ ESPANHOL

A região ficou então para as tribos indígenas que não haviam sido catequizadas ou

capturadas. O desaparecimento dessas populações indígenas, seja pelo extermínio ou pela

aculturação, relegou aquela terra à condição de desocupada e devoluta.

No século XIX, segundo Batista,

A penetração de mineiros e paulistas, principalmente destes últimos, foi rápida e a princípio completamente desordenada, a ponto de preocupar o governo paranaense. Em 1892, por exemplo, no auge da marcha do café rumo às terras virgens da região, o governador Francisco Xavier da Silva enviou mensagem ao Congresso Legislativo autorizando a venda de terras do Estado situadas no vale do Paranapanema. As terras eram ambicionadas tanto pelos mineiros como pelos paulistas e para estes últimos em particular, eram consideradas de grande valor para a cultura do café como prolongamento do território de seu Estado. (BATISTA, 2003, p.72).

Fonte: Gazeta do Povo. Curitiba, p. 24 out. 1998.

29

Uma vez que o controle das chamadas terras devolutas ficara a cargo do governo da

época, a intenção teria sido organizar uma ocupação planejada por meio de projetos de

colonização particulares ou oficiais, tentando conter a apropriação desordenada que escapava da

administração do Estado.

Batista nos lembra que, na época das concessões feitas nestes termos pelo Estado, nem

sempre a aquisição de terras passava pela compra das terras, mas sim pela tomada de posse,

ocupação e posterior requerimento de direito a ela.

De acordo com Batista,

De maneira geral, na época, adquirir terras no norte do Paraná não significava comprar, transacionar terras devolutas, mas simplesmente tomar posse e depois requerer, como nos tempos das sesmarias, o direito de propriedade junto ao Estado. Para eles, uma posse deveria equivaler a uma “água”. Quem fazia a posse, procurava a cabeceira de um riacho. Instalado na cabeceira é dono da água e do terreno que a acompanha até o fim. Essa posse, ou água, terminava quando esse riacho desaguava num riacho maior. (BATISTA, 2003, p.72).

Para Oliveira (1989), um dos motivos que levaram a um aumento da procura por terras

devolutas no Paraná foi a crise econômica de 1929, que provocou mudanças na maioria das

antigas fazendas de café, pois trocaram aquela produção pela produção de algodão ou pasto. Ao

mesmo tempo, muitas delas também foram subdivididas em pequenas propriedades e vendidas.

Muitas famílias de colonos paulistas e mineiros que viviam nas propriedades afetadas pela

crise, tiveram de abandoná-las, tendo que emigrar para outras regiões em busca de sobrevivência.

Oliveira ressalta que,

A proibição do Governo Federal (1932), de plantio de novos cafeeiros, como forma de diminuir o volume de oferta e, desta forma, segurar os preços, não se estende ao Paraná, que vê na estratégia da continuidade do plantio de café, no Norte do Estado, a principal alternativa de continuar a ocupar a região e aumentar a arrecadação do governo. (OLIVEIRA, 1989, p.45)

Ao longo dos anos 1940, o Paraná continuou a expandir suas áreas de produção cafeeira

atraindo fazendeiros paulistas e a leva de trabalhadores que os acompanhava.

30

Essa vinda também atendia ao estímulo feito pelo governo do Paraná nos anos 1920, cujo

objetivo era ocupar a região Norte do Paraná, em especial as regiões próximas a Londrina e

Maringá, e a idéia foi fazer concessões dessas terras a companhias particulares de colonização, ou

deixadas a cargo de órgãos públicos criados para esse fim.

A crise de 1929, somada a essa política de estímulo à ocupação foi o que atraiu os grandes

fazendeiros para essas regiões e, por conseguinte os pequenos proprietários paulistas que estavam

descontentes com suas terras, onde não poderiam mais cultivar o café. A eles também se juntaram

aqueles que não possuíam ainda seu pedaço de chão.

Desse modo entre os anos 1930 e 1945, conviveram lado a lado, os grandes fazendeiros, o

pequeno sitiante e o posseiro que produzia para sua sobrevivência, sem maiores problemas.

Citando Cancian, Oliveira aponta que naquela época,

O Paraná procurava atrair o café, porque apesar das dificuldades conjunturais, era o produto que mais representava em divisas para o Brasil e conseqüentemente o setor agrícola mais defendido pelo Governo. Além disso, a ausência de lucro existia para as grandes propriedades, em terras cansadas de cafeeiros velhos, porém, nessa conjuntura, os cafeeiros plantados no Paraná, fugiram da condição de monocultura em grandes propriedades. Ao contrário, desenvolve pequenas e médias propriedades, onde o lavrador e a sua família eram parte da mão-de-obra da lavoura, o que diminuía o custo de produção e deixava margem de lucro para a nova classe de proprietários emergentes pela redução do emprego de assalariados. (apud in OLIVEIRA, 1989, p.48).

O lema do governo federal em 1930 era ‘terra para quem quer produzir’ e se pautava pela

moralidade da ‘certeza de lucro e garantia do direito à propriedade’. Baseado nisso, o governo do

Paraná em vinte anos conseguiu ocupar a região Norte do Paraná.

Para Oliveira, a colonização foi vendida através das companhias particulares e do

governo, como um projeto social, que convergia para o discurso que respaldava a ‘Marcha para o

Oeste’, que juntava o sentido de justiça social ao apelo estratégico-econômico.

Citando Lopes, Oliveira esclarece que, “[...] Fazendeiros e sitiantes eram ambos pioneiros,

enquanto abriam povoações, venciam a floresta e estabeleciam culturas de mercado. Mas é claro

que eram pioneiros, de condições desiguais”. (apud in OLIVEIRA, 1989, p.49).

No início dos anos 1940, o Governo estadual começava a mostrar que iria assumir o

processo de colonização na região, dizendo que as empresas colonizadoras não cumpriram com o

contrato e que estavam praticando abusos contra quem queria terra para produzir. Desse modo,

31

várias concessões foram canceladas e as terras novamente colocadas como devolutas, apesar de

na área haver muitos trabalhadores na condição de posseiros.

Será, portanto por volta de 1940, que a localidade onde hoje está Porecatu, começará a

receber as primeiras levas de posseiros, que ocupam terras antes concedidas a Antonio Alves de

Almeida.

O governo paranaense disponibilizou as terras retomadas das concessões para ocupação.

Isso atraiu posseiros que nelas passaram a cultivar lavouras, mas também atraiu muitos

latifundiários.

Os posseiros paulistas e mineiros, segundo Serra (1991), contavam com a

[...] cobertura política do Governo do Paraná, que não só permitia como até estimulava a ocupação da gleba. Neste caso, bastava que o ‘proprietário’, mesmo algumas vezes tendo chegado no dia anterior, ‘provasse’ estar na posse há pelo menos seis anos para requerer a titulação definitiva junto à Comissão Mista de Terras, o órgão na época encarregado de controlar a repartição do espaço agrário paranaense. (SERRA, 1991, p.137).

Mas oficialmente, a ocupação da região de Porecatu teve início em 1941, quando Ricardo

Lunardelli, um grande latifundiário paulista, chegou à região juntamente com seus dois filhos,

João e Urbano Lunardelli, atraídos pela oferta de terras devolutas do projeto de colonização que o

estado do Paraná realizava naquele momento. Lunardelli nomeou a gleba de Brasília.

(SECRETARIA, 2008).

Em 1943 foi criado o Distrito Judiciário de Porecatu, que ficara sob jurisdição de

Sertanópolis, tendo se separado somente em 1947. O nome ‘Porecatu’4 foi buscado no idioma

indígena e significa salto bonito, em homenagem a uma bonita queda d’água localizada no Rio

Capim, próximo à cidade.

Como era uma grande extensão de terras, Lunardelli resolveu lotear parte dela. Isso

começou a atrair para a região pequenos lavradores paulistas que sonhavam ser proprietários de

terras ou de melhores terras.

4 Etimologia da palavra Porecatu: origem guarani "porê" = Salto, queda + "catu" = bonito: salto bonito.

(SECRETARIA, 2008)

32

Em 1950, desencadeou-se um conflito agrário entre posseiros, grileiros e latifundiários

que só foi resolvido após muitas lutas, confrontos e mortes, quando o governo do estado cedeu

título de terras devolutas noutras regiões aos posseiros.

A razão do conflito parece ter sido arquitetada desde a década de 1930. Em 1935, a

necessidade de colonizar as áreas consideradas ainda ‘vazias’ em termos populacionais, fez com

que o governo do Paraná recorresse às empresas privadas de colonização e para tanto as atraiu

com preços baixos na compra da terra e as facilidades de pagamento. Na realidade, o que o

governo procurava era evitar as fraudes de terras, muito comuns até aquele momento.

Assim a frente de colonização se dividiu em duas, uma particular e outra pública.

De acordo com Serra, na região norte,

[...] para serem bem sucedidos [...] os projetos de colonização obedecem a cadeia da marcha do café [...] lotes preços de venda compatíveis com as condições financeiras dos compradores e oferecerem a eles segurança em termos de só colocarem em disponibilidade lotes legalizados e livres de posseiros, grileiros e intrusos. (SERRA, 1991, p.79).

Nessa nova política do governo, a idéia inicial era assentar nessas terras colônias que

tivessem como proprietários rurais, as pessoas que fossem brasileiras e pobres, somente

eventualmente dar acesso aos agricultores estrangeiros.

Serra informa ainda, que em

[...] 1939 é que os primeiros projetos oficiais são lançados [...] os projetos de colonização só viriam a ser lançados em casos considerados absolutamente necessários no sentido de corrigir eventuais distorções entre oferta e procura de lotes, de inibir avanços da ocupação espontânea e de criar novos espaços visando aliviar tensão social em zonas já saturadas. [...] a atuação do Estado teria basicamente a preocupação de manter em equilíbrio o mercado imobiliário. (SERRA, 1991, p.80).

Serra considera que para governo o ato de colonizar, mesmo antes de 1939, tinha como

objetivo distribuir e comercializar terras, mas ao mesmo tempo fundar colônias de agricultores

independentes e, este projeto se expandia às áreas cujas concessões anteriores fracassaram.

Exemplo disso, foram as colônias de Içara, Jaguapitã e Centenário, fundadas na antiga concessão

de Antonio Alves de Almeida.

33

Tentando evitar fraudes e distorções, em 1942 o governo do estado do Paraná realizou o

cadastramento de todas as propriedades rurais, estivessem elas regularizadas ou não. Para isso,

criou o Departamento de Geografia, Terras e colonização – DGTC, que substituiu o antigo

Departamento de Terras e Colonização, que não era eficiente. O DGTC centralizou a política

fundiária do estado e buscou dar solução aos problemas de posse de terras irregulares que ele

detectou. (SERRA, 1991, p.84).

Após o cadastramento de todos os imóveis, o DGTC passou a titular as terras, cuja

situação estivesse irregular, desde que comprovada sua ocupação efetiva, com moradia, por pelo

menos seis anos. Ao mesmo tempo, o governo efetuou seu projeto de colonização.

Serra analisa que, o governo do Paraná,

Passada a fase inicial [...] cumpriu seu papel no processo de repartição da terra e de assentamento de produtores rurais [...] passa [...] a desenvolver papel contraditório ao que havia justificado a sua criação. [...] colocou-se a serviço de poderosos e influentes grupos econômicos interessados na apropriação, com fins especulativos, de grandes extensões, a esta altura em rápido processo de valorização como conseqüência dos investimentos que havia sido feito às custas dos cofres públicos. (SERRA, 1991, p.85).

Em 1942, o governo perdeu o controle da ocupação de terras na região de Porecatu, e as

apropriações irregulares se alastraram. Quem tinha mais força e poder levava vantagem. Entenda-

se por força e poder a rede de influência política5 e o número de jagunços que o fazendeiro

poderia contratar.

De acordo com Serra, o governador Moisés Lupion, assim que eleito, começou a titular

terras no Vale do Paranapanema, local da ex-concessão de Antonio Alves de Almeida, aos seus

amigos políticos. Muitas propriedades nessa região eram ocupadas por posseiros, mas muitas já

haviam sido vendidas e estavam tituladas aos seus donos.

Para os ‘apadrinhados’ do governador Lupion, a terra deveria estar ‘limpa’, ou seja, livre

de posseiros.

5 Serra informa que foi “Citado pelo jornal FOLHA DE LONDRINA, edição de 14 de julho de 1985, que Fuad Nacle,

um dos jagunços mais temidos da época, com o apoio dos fazendeiros foi eleito sucessivas vezes deputado estadual paranaense, primeiramente pelo PSD do governador Lupion e depois pela ARENA e PDS, partidos ligados ao “governo revolucionário” pós-1964.” (Serra, 1991, p.139).

34

Segundo Serra para isso,

[...] existiam dois caminhos: apelar para a proteção do Estado, que deveria então enviar tropas para desalojar os antigos ocupantes ou agir com as próprias mãos, contratando jagunços e “mata-paus”6 para o trabalho de “limpeza”. Não importando o caminho, a violência era certa e via de regra os posseiros passaram a ser literalmente massacrados pelos agressores, no caso de se recusarem a abandonar a área “amigavelmente”. (SERRA, 1991, p.138).

Lupion, tentando apaziguar os âmagos, prometeu em 1947, a doação de 10 alqueires aos

posseiros, para que esses saíssem de suas terras. Os lotes teriam casa de madeira e eles

receberiam o título de propriedade.

Muitos posseiros desejando ser proprietários abandonaram as roças do terreno ocupado e

ficaram à espera da indicação da localização do seu novo lote de terra. Nem mesmo as plantações

de subsistência foram feitas, uma vez que eles esperavam essa definição para breve. Porém, sua

decepção foi grande, pois se tratava apenas de um discurso demagógico de Lupion que nunca

cumpriu tal promessa.

Evidentemente que irritados por terem sido ludibriados pelo governo, e vendo suas

famílias passando necessidades, até mesmo fome, por não terem preparado as roças daquele ano,

entenderam que somente a sua resistência pela força os fariam ser ouvidos e quem sabe

atendidos.

Entraram em contato com trabalhadores que faziam parte das Ligas Camponesas, e

procuraram os líderes do PCB, Partido Comunista Brasileiro, enviando representantes até o Rio

de Janeiro.

Ficou estabelecido que os posseiros procurariam as autoridades federais para informar o

que estava ocorrendo, tentando obter o título da propriedade em que estavam, mobilizando a

sociedade por meio dos veículos de comunicação. A parte jurídica ficaria a cargo do partido.

Porém, o grupo Lunardelli se dizia proprietário de 17 mil alqueires (41 mil hectares) de

terras, e ao ser denunciada a situação aos órgãos públicos federais, ao ver a questão ser estampada

nos jornais, resolveu iniciar a “limpeza” das terras. Para isso, contratou muitos jagunços e

6 Segundo Serra, “‘mata-paus’ eram policiais civis que, quando não estavam de serviço, eram contratados pelos

fazendeiros e grileiros de terras para ‘limpar a área’, o que significa expulsar ou eliminar os posseiros que nela trabalhavam. Juntamente com os jagunços que eram pistoleiros profissionais, geralmente foragidos da lei, os ‘mata-paus’ representavam o terror dos camponeses do Norte do Paraná, na época da ocupação pioneira.” (Serra, 1991, nota de rodapé, p. 138)

35

determinou que todo posseiro que fosse encontrado nas terras da Usina deveria ser expulso delas

por bem ou por mal.

Diante dessa determinação, o posseiro que não fugiu, carregando a família como pode, foi

morto pelos jagunços, como foi o caso ocorrido “no dia 28 de agosto de 1947, quatro

trabalhadores foram mortos de tocaia em Guaracy, pelos jagunços dos fazendeiros. (SERRA,

1991, p.141)

A onda de violência que se instalou nas terras daquela região só declinou quando o

mandato do governador Lupion chegou ao fim, e seu substituto, Bento Munhoz da Rocha, por

meio do Decreto 3.060 (Outubro de 1951), determinou que fosse reiniciada o mapeamento das

terras, inclusive com o uso do aerofotogramétrico de todo o Estado. Após esse levantamento, ele

retirou os posseiros que estavam sofrendo violência e os levou para assentar-se em terras de

outras regiões do Estado.

Afirma Serra que,

A propósito, coincide com o segundo mandato do governador Lupion, de 1956 a 1960, a fase em que, efetivamente, o Estado não tomou nenhuma medida visando dar seqüência ao processo de planejamento na distribuição da terra agrícola; ao contrário, foi a fase em que o poder público manteve-se de costas para o que estava acontecendo no campo, deixando caminho livre para a atuação de grupos políticos e econômicos de suas relações. (SERRA, 1991, p.88)

Portanto para Serra, os projetos de colonização de iniciativa privada foram muito mais

relevantes que os loteamentos oficiais na moldagem da estrutura fundiária do Paraná pós 1930.

Oliveira relata que,

Em 1940 a Companhia Agrícola Lunardelli, dirigida por Ricardo Lunardelli natural de Rio Claro, São Paulo, adquire 9.860 alqueires de terras dos herdeiros de Escolástica Melchert da Fonseca na atual cidade de Porecatu, por muito tempo denominada de ‘cidade Lunardelli’. (OLIVEIRA, 1989, p.61).

De imediato se tem início à derrubada da mata da fazenda Canaã, e nas demais

sucessivamente.

A região onde se encontra a propriedade Lunardelli é de litígio, pertencente à ex-

concessão Alves Almeida.

36

Oliveira ressalta que havia muita concorrência na venda de lotes de terras na região, isso

devido à presença da Companhia Melhoramento de Terras Norte do Paraná, pois essa ao

contrário dos Lunardelli, não pagou preço de mercado pelas terras e isso possibilitava a ela

vender os lotes de terras por preços mais baixos sem com isso perder seu lucro.

Citando Damasceno, Oliveira comenta que

[...] As áreas deixadas em reserva para a venda se valorizaram em poucos anos, com o cultivo das terras adjacentes, com a construção de estradas pelo fazendeiro e pelo governo que passa a realizar mais investimentos básicos em infra-estrutura quando fundada a vila de Porecatu e depois o patrimônio e o município. (apud in OLIVEIRA, 1989, p.62).

Mas nas áreas não reservadas à venda, o empreendimento tinha um custo muito elevado, e

não se poderia contar com apoio por parte do estado, ficando a cargo dos fazendeiros toda a

despesa para a necessária infra estrutura de produção e comercialização dos produtos, ou seja,

desmatamento, plantio, abertura de estradas um investimento vultoso que não viria dos governos

federal ou estadual. (LOPES, apud in OLIVEIRA, 1989, p.63).

Para suportar esses enormes gastos, a saída foi vender parte das terras, por isso as famílias

Lima Nogueira e Lunardelli venderam parte de suas terras.

Porém, os Lunardelli também adotaram outra estratégia, ignoraram a presença dos

posseiros e deixaram que eles ficassem em suas terras para que derrubassem o mato e

preparassem a terra para o plantio.

Segundo Oliveira, “a região [Norte] estava literalmente dividida em duas partes: terra

roxa, passível de ser ocupada, desde que paga, e terras sem preço, ou muito baratas, domínio de

jagunços, grandes proprietários e políticos inescrupulosos e posseiros.” (OLIVEIRA, 1989, p. 64-

65)

O problema era que os posseiros ocuparam as terras pensando que o fato de ocupá-las

daria a eles o direito de propriedade. E pensavam assim, não por ingenuidade, mas porque esse

era o discurso do governo ao ofertar terras a quem quer trabalhar nelas.

É claro que, quando os fazendeiros percebiam que as terras já estavam prontas para a

produção tentavam reaver a posse das mesmas e, aí se instaurava o conflito. Além disso, a

postura do governo em relação às concessionárias havia mudado.

37

Oliveira, referenciando Lopes, afirma que,

[...] o Estado estabeleceu normas restringindo a ação dos concessionários e propondo-se a fiscalizá-los mais de perto. Passou a estabelecer prazos para cada etapa da colonização, como por exemplo, 2 anos para a demarcação de terras, ao final, se este não tivesse sido realizado, reverteriam às terras ao estado, declarando caduca a concessão. O interesse despertado pela valorização das terras no norte levava a generalizar a tomada de terras. (apud in OLIVEIRA, 1989, p.66).

O fato dos Lunardelli não conseguirem competir com a CMNP no projeto de vendas das

terras, pois as terras da companhia eram muito mais barata se fizeram com que o projeto de

loteamento dos Lunardelli não desse certo.

Lopes ressalta ainda que

[...] na região de Porecatu, a ‘tolerância’ por parte dos fazendeiros, de posseiros derrubando mata dentro das suas propriedades, em áreas definidas e cultivando café não será uma prática eventual, restrita à exploração de algumas famílias, mas uma forma de tornar as terras produtivas, objeto de exploração. (apud in OLIVEIRA, 1989, p.67)

Sobre esse assunto, Oliveira relata baseado em depoimento de Felismino, que

[...] em 1943 duas fazendas dos Lunardelli (Umuarama e Tabapuã), foram invadidas por aproximadamente cem famílias que rapidamente abriram picadas. [...] Somente em 1946 se tomariam providências para a expulsão destes posseiros. Por esta data, a mata tinha sido quase totalmente derrubada e os posseiros já plantavam café anteriormente cedido pelos Lunardelli. (apud in OLIVEIRA, 1989, p.68).

De acordo com o autor, o posseiro gerava uma renda para o fazendeiro nas terras em que

ele ocupava, pois ao sair, deixava as benfeitorias numa terra que não era de boa qualidade e que

era anexada ao resto das terras do latifundiário.

O posseiro tinha muita sorte se conseguisse um acordo amigável e recebesse pelo menos

parte do valor das benfeitorias. Mas isso não era regra, era exceção.

Para a expulsão dos posseiros lançava-se mão de todo tipo de subterfúgio, não raras vezes

usando a violência exercida por jagunços, alguns deles ex-posseiros pagos pelos fazendeiros para

expulsar os ocupantes e recuperar as terras.

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Tomazi (1997) cita o seguinte depoimento de um trabalhador nordestino que veio para o

Paraná “quebrar milho”:

[...] Peguei imigração para Presidente Prudente e fui morre nos tubarões, plantá café pros fazendero no Paraná. (...) No Paraná cheguei com 30.000,00: a muié guardava na cinta. Mas lá era um grilo danado. Os fazendeiro era os primeiro a ser grilo. Era um quebra milho, e os nordestino pensava que quebrá milho era que eles fazia no Norte, quebrá o milho, mas no Paraná eles pegava os ingênuo e quebrá milho queria dizer tomá terra armado. Lá eu ganhava 30,00 por dia em comida, que comprava no armazém do patrão e ele que punha o preço. Paraná é terra de grilo. (A mulher repete). Banquei o jacu e num comprei terra de medo dos jagunço. E o preço era bom, 10,00. Se tinha saldo na fazenda ou me tomava ou me dava fim. Num podia dormi de tanto tiro. Aí fui bancá o gato. Pegá 200 alq. E derrubá por minha conta, e plantava café. Comprava no armazém com o preço que ele quisesse. Se pagava o dinheiro que me devesse, tinha até recibo, me matava. Saí da fazenda corrido. Tinha 35 dias de serviço a recebe de adulto a 30,00 fora as crianças e devia 900,00 à fazenda, das compras no armazém. E me aburreci e resolvi ir embora. (apud in TOMAZI, 1997, p.286).

Segundo Tomazi o depoimento continua, e relata as razões pelas quais o trabalhor foi

embora da fazenda. Segundo ele, foi

[...] porque o administrador da fazenda exigia que só ficasse em casa uma mulher para fazer o almoço. Como ele tinha, além da esposa, uma filha que tinha estudado até o 1º do ginásio (hoje 5º série), não queria que ela trabalhasse na roça. Poderia até trabalhar na casa do patrão em serviços domésticos, mas na roça não aceitava. Além disso, o frio era muito e a roupa era pouca (Um terceiro motivo foi uma ameaça feita pelo patrão e os jagunços em relação ao trabalho das duas mulheres citadas). (TOMAZI, 1997, p.287).

Com relação aos grilos, Oliveira, apoiado em Lopes afirma que;

[...] na região de Porecatu, igualmente reconhecido por intrusagem, outras das suas características era a de basear-se na falsificação de documentos, de títulos definitivos de terra, por exemplo, através da dilatação das linhas divisórias ou da troca de nome do proprietário. Como sempre dizia respeito a grandes áreas, para isso também desenterravam-se direitos de posse “adquiridos” anteriores à república, com possibilidades de legitimação. Ele visava o reconhecimento da propriedade falsa ou verdadeira, o que implicava em futuras indenizações, caso o verdadeiro dono – quisesse reaver suas terras. Na verdade, os grilos constituíam terras roubadas, fossem de quem fosse,” (apud, OLIVEIRA, 1989, p.69).

39

Em 1942, o Grupo Lunardelli, ganhou uma concorrência para a construção de uma Usina

de álcool e açúcar, promovida pelo Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). Na época o Estado

não produzia açúcar e dependia da importação desse produto das regiões Sudeste e Nordeste.

Assim como outros fazendeiros, o café era um dos interesses econômicos, mas não o

único.

Ao se instalarem em terras consideradas devolutas e envoltas no processo de colonização

os fazendeiros passavam, por exemplo, a dispor de créditos com juros baixos, além das terras se

tornarem um atrativo de mão-de-obra e principalmente os fazendeiros podiam beneficiar-se do

fato de não ter a figura do atravessador na hora da comercialização e seus produtos.

Segundo Oliveira, os Lunardelli somente ganharam a concorrência devido ao projeto

social que ela continha, ou seja, além da construção de uma Usina para a produção de açúcar e

álcool e, comodidades aos trabalhadores da Usina, como a construção de um pequeno conjunto

de casas, além do projeto de colonização, com o loteamento das terras em torno da usina,

transformando-as em pequenos sítios que seriam fornecedores de cana para a Usina, permitindo

aos seus ocupantes tornarem-se donos por meio da comercialização da matéria-prima nesses

sítios produzida.

Como se pode perceber, o posseiro era adequadamente usado para responder as

necessidades de mão-de-obra, fosse para desmatamento e benfeitorias nas propriedades, fosse

para o plantio e corte de cana.

De acordo com Oliveira, o problema para os Lunardelli seria “[...] como atrair e fixar

trabalhadores, para colher café e cortar cana de forma a viabilizar uma agroindústria, sem dar a

estes trabalhadores o status de colonos ou sitiantes, nem registrá-los como trabalhadores de uma

indústria”. (OLIVEIRA, 1989, p.77).

As famílias que se dirigiam ao norte do Paraná eram de colonos que aspiravam ser

proprietários de terra e não empregados de fazenda, e muito menos plantadores e cortadores de

cana.

Oliveira afirma que

A primeira solução, como já dissemos (1942-45), será a da ‘convivência pacífica’, posseiros dentro, ou em meio de grandes fazendas, em áreas ‘supostamente’ do governo – abrindo suas roças – e ‘colaborando’ com o fazendeiro em regime de mutirão, a troco de alguma semente, ou do ‘favor’ destes intermediar-lhe a venda das criações, principalmente porcos nas cidades vizinhas.” (OLIVEIRA, 1989, p.77).

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A segunda fase de acordo com o autor, que vai de 1948-51, foi a fase do uso da grilagem e

violência no processo de expulsão dos trabalhadores pelos Lunardelli, sendo que muitas delas

acabaram se sujeitando a morar e trabalhar na Usina como cortadores de cana por não terem

condições de se deslocar para a região do Norte Novíssimo.

Esses trabalhadores no corte da cana, posteriormente virariam trabalhadores volantes e

acabariam originando os chamados “bóias frias”.

Eram vários os interesses dos Lunardelli: lotear e vender parte das terras, produzir e

beneficiar café, produzir açúcar e álcool, comercializar aves e suínos, além de beneficiar,

comercializar e transportar grãos como, milho, arroz e feijão, produzidos nas suas fazendas ou

nos sítios ao redor da Usina.

Quando o preço do café deixou de ser compensador, o projeto de loteamento foi

abandonado e a Usina passou a plantar cana em toda a extensão de suas terras.

Oliveira sustenta que,

Muitas destas terras, na realidade nunca foram vendidas, estando apenas arrendadas a terceiros como forma de burlar o compromisso assumido pelos Lunardelli junto ao Instituto do Açúcar e do álcool (IAA), o de lotear as áreas próximas à “Usina” (UCP). (OLIVEIRA, 1989, p.80).

Até 1952, quase todas as terras que haviam sido vendidas aos posseiros foram recuperadas

pela Usina, pela força.

Foi na fazenda Umuarama, em Porecatu, que ocorreu o primeiro conflito do que ficaria

conhecido como “Guerra de Porecatu”.

Num primeiro momento tratou-se de um enfrentamento armado entre os jagunços dos

Lunardelli e os posseiros que teimavam em ficar em suas terras. A partir de 1949, o conflito

passou a ser militar, pois contou com a presença de 200 soldados vindos de Curitiba.

O conflito terminou em 1951, sendo que toda a área em litígio, de onde foram desalojadas

mil famílias de posseiros e trezentas de pequenos sitiantes, foi entregue aos Lunardelli e demais

fazendeiros que se diziam ‘proprietários’. Oliveira afirma que até o governador do estado ganhou

terras na região. (OLIVEIRA, 1989, p.83)

41

Houve maior resistência na região do Grilo Barra do Tibagi, onde cerca de 1500 famílias

reagiram e resolveram se defender e defender suas posses por alguns meses.

Com o aumento dos conflitos, e o envolvimento do PCB, o governador Lupion prometeu

terras para os líderes do conflito.

Segundo Serra, “[...] apenas um líder – Hilário Padilha – aceita a oferta e, de fato, recebe a

terra prometida. Trocou sua carabina por 40 alqueires em Paranavaí, na região noroeste”.

(SERRA, 1991, p.143),

Concomitante a ação dos fazendeiros, os posseiros também passaram a se organizar

orientados pelas Ligas Camponesas e o Partido Comunista. Foram fundadas células da Liga em

Porecatu, Centenário do Sul e Jaguapitã.

Serra explica que

[...] com as Ligas [...] eram feitos mutirões de posseiros, que iam trabalhar em determinada posse, carpindo, colhendo, armazenando; uns faziam o serviço e outros vigiavam estradas, caminhos e picadas para que ninguém fosse surpreendido pelos jagunços. Mas mesmo os que pegavam na enxada, tinham sempre as carabinas ao alcance das mãos. (SERRA, 1991, p.144).

Para os comunistas a luta armada era a uma estratégia para se chegar ao poder, sendo esse

seu objetivo final. Mas não era esse o objetivo dos posseiros, dos camponeses do Norte do

Paraná. O que eles queriam era lutar pela conquista do direito à terra que lhes estava sendo

tomada por grileiros e fazendeiros, com a ajuda do governo do estado.

A intervenção do novo governador, Bento Munhoz da Rocha Neto, teria posto fim ao

conflito, desapropriando as terras em litígio em Porecatu, Jaguapitã e Arapongas, e negociando

trégua com os posseiros e fazendeiros, fazendo o assentamento definitivo do posseiro em terras

desapropriadas. (SERRA, 1991, p.145).

Mas de acordo com Serra, o Partido Comunista atrapalhou as negociações, encaminhando

ao Governador e à imprensa, um documento condicionando o aceite das terras e fazendo outras

inúmeras reivindicações. Esse documento chamou-se “Programa dos 7 pontos”.

42

De acordo com Serra,

O documento, encaminhado à imprensa e evidentemente ao Governador, dizia basicamente: que os camponeses aceitavam as terras desde que o Estado os indenizasse pelos danos provocados em suas posses pelos jagunços e policiais durante a ofensiva dos fazendeiros; que as terras fossem tituladas também em nome de outros posseiros e não só em nome dos que estavam lutando; que fosse anulado todo e qualquer processo em andamento na justiça contra posseiros e não só em nome dos que estavam lutando; que fossem expulsas da região todas as corporações policiais que haviam participado dos conflitos; que o Estado determinasse à polícia a caça e prisão de todos os jagunços envolvidos; que fossem punidos todos os mandantes de crimes praticados contra os posseiros, entre os quais o ex-governador Moisés Lupion e os membros da família Lunardelli; finalmente, que fosse garantido o livre funcionamento das Ligas Camponesas na região. (SERRA, 1991, p.146).

Evidentemente a proposta não foi aceita pelo governador, que resolveu endurecer a

repressão contra posseiros e comunistas.

A sede do PCB em Londrina foi invadida no dia 17 de junho de 1951, e foram presos

vários líderes entre eles Celso Cabral de Mello, que era o representante do PCB em Porecatu.

Essa era uma importante sede do partido para o movimento, pois fornecia armas,

munição, mantimentos, médico, remédios e roupas para a resistência dos posseiros da região de

Porecatu.

Ao final do conflito, cerca de 380 famílias foram levadas para Campo mourão, onde

ocorreu o assentamento de cerca de 1.520 pessoas nas colônias de Goio-Erê e Tapejara.

O fato dos revoltosos de Porecatu terem buscado ajuda o PCB para se organizarem e

resistirem às tentativas de tomada de suas terras coaduna com o que aponta Wolf, citado por

Cunha, para quem, “[...] é impossível o camponês organizar uma ‘[...] ação tática de ruptura

sendo que podem tomar partido de uma rebelião, a não ser que possam confiar em um poder

externo para desafiar o poder que os constrange’”. (apud in CUNHA, 1994, p.22)

O PCB naquela época vinha tentando organizar focos de resistência ao capitalismo no

campo, representado pelas chamadas Ligas Camponesas, que iniciaram suas atividades em

Pernambuco e começaram a se espalhar pelo Nordeste.

O partido apresentou suas propostas através de um documento intitulado Manifesto de

Agosto, onde propunha uma ‘Frente Democrática de Libertação Nacional’, baseada numa “[...]

ampla organização popular, tendo por objetivo maior, a luta pela paz mundial. Em relação ao

43

campo, a questão era colocada da seguinte forma: Entrega da terra a quem trabalha”. (CUNHA,

2003, p.41).

Em 1948, o PCB lançou o Manifesto de Janeiro, onde propunha a realização de reforma

agrária, e expressava que para o projeto ter êxito a luta armada poderia ser um caminho aceitável.

Na época o modelo no qual se espelhavam os dirigentes do partido para sustentar tal

afirmação, era a atuação do campesinato chinês na “vitoriosa” Revolução Chinesa de Mao Tsé

Tung com a estratégia de guerrilha: ‘o campo cerca as cidades’.

Isso se refletiu nos movimentos sociais camponeses não só de Porecatu, mas também de

Trombas e Formoso.

Cunha (1994) esclarece que,

De 1950-1954, delineava-se a virada à esquerda, aprofundada no Manifesto de Agosto. Sob sua égide, a posição do partido em relação ao campo, era apontada da seguinte forma: Entrega da terra para quem trabalha. O objetivo imediato desta proposta era o confisco de terra dos latifundiários (sem indenização) e sua entrega gratuita a todos os camponeses sem terra ou possuidores de pouca terra. Também prega a abolição de todas as formas feudais, como a “meia”, a “terça” e exigia o pagamento em dinheiro para todos os trabalhadores. (CUNHA, 2003, p.58).

Segundo Cunha, entre 1949 e 1954 foram registradas 60 greves entre todas as categorias

de trabalhadores. As reivindicações foram sempre os direitos trabalhistas como pagamentos de

salários, aumentos etc.,.

O Jornal ‘Voz Operária’ apresentava os objetivos do movimento grevista, e era através

dele que os trabalhadores do campo também entenderam a necessidade de lutar por seus direitos.

A luta desencadeada em Porecatu (1950) foi na realidade luta de guerrilha, em que

posseiros que ocupavam terras devolutas tiveram que enfrentar grileiros, latifundiários e o

Estado, que pretendia implantar projetos de colonização naquela área.

Cunha afirma que,

Através de ampla mobilização do partido na região e a firme determinação dos posseiros, o conflito prosseguiu até meados de 1951 quando um novo governo assume e ocorre a primeira desapropriação de terras por interesse social no país. (CUNHA, 1994, p.68).

44

A luta pela terra, mais que a luta pela implantação da reforma agrária, não foi um

movimento isolado às cercas paranaenses, mas certamente alastrou-se recebendo apoio de outras

instituições pelo país, como é o caso da Igreja, partidos políticos e a intelectualidade, frente à

organização que defende os interesses dos grandes proprietários rurais.

Segundo Serra,

A nível de Brasil [...] (o) processo começa na década de 1950, embora muito antes já existissem associações de camponeses e bem antes ainda já existissem trabalhadores lutando isoladamente. É nos anos 50, entretanto, que o movimento camponês se aglutina, ganha personalidade própria e conquista espaço importante na conjuntura política nacional, passando a questionar a estrutura fundiária do país e a pleitear o acesso à propriedade da terra. [...] em 1954 [...] para congregar tanto as Ligas quanto outras organizações camponesas é fundada a ULTAB – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil. (SERRA, 1991, p.276).

Cunha analisando a vinculação entre os movimentos camponeses e os movimentos

políticos, cita Hobsbawn e, afirma que para esse autor somente um agente externo poderia trazer

o elemento político aos movimentos sociais do campesinato. Segundo Cunha, essa posição

recebeu fortes críticas, uma delas de Martins, que aponta “[...] para a limitação desta proposição

quando confrontado a vários estudos de caso, onde a crítica aos agentes de mediação se faz

presente, bem como o caráter político de vários movimentos ao longo do processo histórico [...]”.

(MARTINS apud in CUNHA, 1994, p.2)

Neste caso, a dificuldade encontrada por Hobsbawn para formular o conceito de

Camponeses, teria se dado devido ao fato dele analisá-lo sob a ótica marxista, buscando um

padrão não encontrado na definição de camponeses, uma vez que o termo abrange várias

categorias ao mesmo tempo ‘heterogêneas e complexas’.

Tal dificuldade de conceituação deve-se ao fato de se esquecer as várias subdivisões que o

termo camponês comporta e tentar enquadrá-lo à categoria de proletariado, o que segundo Cunha,

geraria um preconceito urbano-geográfico quanto à existência do elemento político em

movimentos sociais camponeses. (CUNHA, 1994, p.5).

Não se pode esquecer que o autor acompanhava no início dos anos 1990 uma grande

efervescência de movimentos de luta pela terra. No século XXI, não nos parece que esse termo

‘camponês’ ainda tenha grande significado frente aos movimentos emigratórios mundiais.

Entretanto, não se pode deixar de considerar a grande importância do elemento político nos

movimentos sociais do campo atualmente, até para a sua permanência e força.

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Se uma revolução social a partir do campo era descartada no passado pelas limitações que

essa categoria vivia, e se era depositado no proletariado urbano a possibilidade de mudança

social, hoje essas categorias não estão tão definidas quanto estavam no fim dos anos 1990, e a

elaboração de projetos políticos estratégicos não é qualidade dessa ou daquela classe ou categoria

social, sendo que as dificuldades para todas são sempre muitas.

Deixando a discussão conceitual sociológica sobre o tema, o fato é que a luta camponesa

no espaço Porecatu na década de 1950, trouxe à tona uma disputa entre proprietários.

Tratou-se da luta entre posseiros e grileiros, contra o Estado e/ou os grandes proprietários.

Não foi uma luta camponesa clássica aos moldes marxistas. E isso, conferiu a ela características

próprias e bem diversas da luta camponesa européia pós feudalismo por exemplo.

Como podemos observar, a luta pela terra no Paraná tem uma história marcada pelo

extermínio, pela expulsão e expropriação, pela miséria do homem do campo e, não está

desvinculada do atual movimento de trabalhadores Sem Terra no Paraná, que lutam pela Reforma

Agrária e tentam influenciar uma ação por parte do governo do estado com esse objetivo.

Por isso é relevante conhecer os meandros em que esse conflito ocorreu, se o que se

almeja é ajudar a formar uma sociedade composta por cidadãos mais conscientes e solidários,

dispostos a construir uma sociedade mais justa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, as lutas sociais no campo, no Brasil, antecedem a República, estando

relacionadas a um conceito de cidadania que se constrói ao longo do seu próprio exercício, em

meio a luta contra o poder latifundiário que perdura até nossos dias.

Novas roupagens, mas as mesmas batalhas.

A escola poderia ser uma instituição com um papel significativo, pelo menos em relação à

conscientização dessa relação de poder. Entretanto, os materiais didáticos, livros principalmente,

mesmo quando citam conflitos de terras atuais como é o caso do movimento dos sem terras -

MST7 – no Paraná, não fazem referência histórica aos conflitos anteriores, permitindo que se

construa a idéia de que esse movimento contemporâneo, não sendo “herdeiro” dos movimentos

da década de 1950, nenhuma relação apresentaria com os conflitos de terras que o antecederam.

Evidentemente, não se trata de comparação ou de estabelecer relação direta entre o

conflito de terras que ocorreu em Porecatu na década de 1950 e o Movimento MST atual. O que

ocorreu em Porecatu implicou grande parte, na defesa de interesse de posseiros, portanto,

pequenos proprietários, contra os interesses de latifundiários, que segundo Kasprzak, “utilizando

estratégias que iam desde a persuasão até a violência e expulsão, iam incorporando pequenas

propriedades próximas aos seus latifúndios”. (KASPRZAK, 2000, p. 11)

O MST – Movimento dos sem terra, tem por base setores mais progressistas da Igreja,

adeptos da Teologia da Libertação, que se expressam por movimentos de apoio como a Pastoral

da Terra, e pelo menos teoricamente, os trabalhadores que lutam pelo direito à terra são

trabalhadores que foram expropriados e não são proprietários.

Assim, esse Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) pode ser considerado

um movimento social de massa, baseado na reivindicação dos camponeses sem terra, mas que

também apresenta um caráter sindical e político, uma vez que tem por objetivo mudar uma

política governamental em relação à distribuição de terras que se constituiria numa política de

ampla Reforma Agrária.

7 “A luta pela terra que deu origem o MST, nasceu dentro das Comissões Pastorais da Terra – CPT – organizações de

base dos lavradores, que a Igreja católica progressista, criou entre os trabalhadores, num processo lento de conscientização da cidadania, dos direitos humanos, difundindo entre os trabalhadores rurais e urbanos, durante a ditadura militar no Brasil.” (URQUIZA, 1997, p.35)

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Mesmo com suas especificidades, cada qual no seu tempo e espaço, a questão dos

conflitos pela posse da terra, a nosso ver, é atual e envolve não só a sociedade paranaense, mas

toda a sociedade brasileira e, desse modo, pensamos ser esse um tema relevante para estudos e

debates em sala de aula por professores e alunos.

Essas questões estão relacionadas a um projeto de Reforma Agrária que apesar de

facilmente encontrado nos discursos dos chamados “pioneiros”, ainda não foi colocado em

prática no país.

Para alguns desses primeiros proprietários de terras, especificamente na região Norte do

Paraná, a própria ação colonizadora da Companhia de Terras Norte do Paraná e depois da

Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, já implicava por si mesma num projeto de reforma

agrária ao vender pequenos lotes de terras a baixo custo.

Porém, esse discurso não leva em consideração a extensão desses pequenos lotes, por

meio de compra, ocupação ou apropriação de outros lotes por um mesmo proprietário,

propiciando a formação de latifúndios o que descaracteriza de imediato uma tentativa de

“distribuição” de terras aos moldes de uma reforma agrária, ou seja, de uma maneira mais

igualitária.

Também podemos questionar essa questão da ação das Companhias colonizadoras

estrangeiras, que mais se caracterizaram num grande projeto imobiliário, e se lembrarmos o caso

da CTNP – Companhia de Terras norte do Paraná, o empreendimento todo estava ligado ao

escoamento de produção com o uso da ferrovia, sendo essa atividade de transporte senão a

principal, ao menos uma grande fonte de rendas.

Consideramos que esse conhecimento somente será levado ao aluno se o professor

entendê-lo como relevante e, possibilitar a sua construção em sala de aula, por meio de ampla

discussão e debate, pois inexiste nos materiais didáticos, e nos parece estar fadado ao

esquecimento.

As questões de litígio de terras são de fato questões amplas que perpassam pelos direitos

da cidadania, o que torna importante ainda hoje seu estudo e análise para uma melhor

compreensão, que possibilite discussões sobre o tema, de modo que fundamentem a

problematização do assunto em sala de aula e principalmente, desmistifiquem a idéia de “paz nos

campos paranaenses”.

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