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1 PROGRAMA DE SAÚDE MENTAL EM PALMEIRA PR: PERSPECTIVAS DE UM TRABALHO INTERDISCIPLINAR Ana Carolina Miola Danuta Estrufika Cantóia Luiz Emilie Faedo Della Giustina 1 Carlos Eduardo Coradassi RESUMO: O presente artigo tem como objetivo sistematizar a experiência de trabalho interdisciplinar desenvolvido pela equipe de profissionais do Programa de Saúde Mental de Palmeira/PR, no ano de 2013. Para o alcance deste objetivo foi necessária a realização de uma pesquisa de caráter qualitativo com recorrência aos profissionais que compõem a equipe, através de duas entrevistas coletivas (as entrevistas foram gravadas e transcritas com depoimentos fracionados de 15 profissionais), pesquisa documental e contatos informais com a coordenação do programa. Os dados foram organizados e interpretados através de análise de conteúdo, no formato categorial, tendo como etapas para analise: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretações. A sistematização dos elementos que compõem a experiência nos oferece a visualização de alternativas, estratégias e possibilidades de realizar trabalhos de caráter interdisciplinar no âmbito das políticas públicas, neste caso em específico, na área de saúde mental. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho Interdisciplinar; Saúde Mental; Trabalho em Rede. INTRODUÇÃO Considerando que a temática em torno da interdisciplinaridade tem sido objeto de preocupação das políticas públicas em âmbito nacional, visto sua importância para o avanço de ações voltadas para projetos comprometidos com a perspectiva transformadora, o Núcleo de Estudos e Pesquisa: Estado, Políticas Públicas e Práticas Sociais (NEPPS) vinculado ao Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG, desenvolveu uma pesquisa de âmbito regional como uma forma de contribuir para o debate da temática em tela. O presente artigo é fruto de um conjunto de reflexões sistematizadas a partir da experiência dos pesquisadores/autores no NEPPS, o qual é constituído de profissionais de diversas áreas, como por exemplo: direito, psicologia, serviço social, veterinária, educação física, jornalismo, entre outros; mas que (para a realização de uma pesquisa de caráter interdisciplinar) possuem um objeto 1 Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). [email protected]

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PROGRAMA DE SAÚDE MENTAL EM PALMEIRA –PR:

PERSPECTIVAS DE UM TRABALHO INTERDISCIPLINAR

Ana Carolina Miola

Danuta Estrufika Cantóia Luiz

Emilie Faedo Della Giustina1

Carlos Eduardo Coradassi

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo sistematizar a experiência de trabalho interdisciplinar

desenvolvido pela equipe de profissionais do Programa de Saúde Mental de Palmeira/PR, no ano de

2013. Para o alcance deste objetivo foi necessária a realização de uma pesquisa de caráter qualitativo

com recorrência aos profissionais que compõem a equipe, através de duas entrevistas coletivas (as

entrevistas foram gravadas e transcritas com depoimentos fracionados de 15 profissionais), pesquisa

documental e contatos informais com a coordenação do programa. Os dados foram organizados e

interpretados através de análise de conteúdo, no formato categorial, tendo como etapas para analise:

pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretações. A sistematização dos

elementos que compõem a experiência nos oferece a visualização de alternativas, estratégias e

possibilidades de realizar trabalhos de caráter interdisciplinar no âmbito das políticas públicas, neste

caso em específico, na área de saúde mental.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho Interdisciplinar; Saúde Mental; Trabalho em Rede.

INTRODUÇÃO

Considerando que a temática em torno da interdisciplinaridade tem sido objeto de

preocupação das políticas públicas em âmbito nacional, visto sua importância para o avanço

de ações voltadas para projetos comprometidos com a perspectiva transformadora, o Núcleo

de Estudos e Pesquisa: Estado, Políticas Públicas e Práticas Sociais (NEPPS) vinculado ao

Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Estadual de

Ponta Grossa – UEPG, desenvolveu uma pesquisa de âmbito regional como uma forma de

contribuir para o debate da temática em tela.

O presente artigo é fruto de um conjunto de reflexões sistematizadas a partir da experiência

dos pesquisadores/autores no NEPPS, o qual é constituído de profissionais de diversas áreas, como

por exemplo: direito, psicologia, serviço social, veterinária, educação física, jornalismo, entre

outros; mas que (para a realização de uma pesquisa de caráter interdisciplinar) possuem um objeto

1 Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa

(UEPG). [email protected]

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de pesquisa em comum: práticas profissionais de caráter multi ou interdisciplinar no âmbito das

políticas públicas na região dos Campos Gerais no estado do Paraná.

A pesquisa parte da seguinte problematização geral: no âmbito das políticas públicas

na região dos Campos Gerais, existem práticas exitosas multi ou interdisciplinares? Em que

áreas e locais se encontram tais práticas? Como se configuram em termos de equipe

profissional, metodologia de intervenção e resultados alcançados?

Enfatiza-se a relevância da pesquisa no âmbito das políticas públicas na região dos

Campos Gerais pelo fato do desconhecimento da existência de uma pesquisa desta natureza.

Pesquisar realidades locais e/ou regionais é relevante para verificar a possibilidade dessas

ações, pois os Municípios geralmente não têm essa prática da pesquisa no sentido de

sistematizar suas experiências e os dados que caracterizam suas realidades.

Outro aspecto que merece ser enfatizado e que reforça a importância da pesquisa, não

somente desta, mas da produção do conhecimento que alimenta as práticas sociais, é a socialização

do conhecimento. Por vezes o cotidiano da prática profissional é tão dinâmico, complexo e cheio de

afazeres que não permite aos profissionais socializar as experiências oriundas das suas práticas nas

políticas públicas. Esta dificuldade pode ser minimizada por meio de pesquisas cientificas que

sistematizem e publicizem as experiências exitosas, intenção do presente artigo.

OBJETIVO

Sistematizar a experiência de trabalho interdisciplinar realizada pela equipe de

profissionais do Programa de Saúde Mental de Palmeira-PR.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os procedimentos metodológicos utilizados para o alcance dos objetivos definidos

consistiram na revisão de literatura relativa às categorias teóricas: interdisciplinaridade; práxis

social; e emancipação. Após a fundamentação teórica, partiu-se para o campo empírico de pesquisa.

Para definição da amostra e dos sujeitos de pesquisa foi adotado o seguinte

procedimento: Seleção do Programa de Saúde Mental do Município de Palmeira - como

exemplo de prática exitosa de trabalho interdisciplinar (setembro/2013); b) Contato com a

equipe municipal para esclarecimento dos objetivos da pesquisa, solicitação de documentos

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sistematizados sobre a experiência e agendamento das entrevistas (setembro/2013); c)

Realização de duas entrevistas coletivas com os profissionais que compõem as equipes2

consideradas com práticas interdisciplinares e pesquisa documental em documentos

disponibilizados pela equipe entrevistada.

Para a realização das entrevistas foi utilizado um roteiro de entrevista semi-

estruturada, com questões abertas: Como surgiu a proposta? Quem é o público-alvo? Quais

são os objetivos da experiência? Qual é a base da experiência/proposta /projeto (Legal,

teórica, metodológica)? Como se desenvolve a prática com o público-alvo da experiência

(metodologia, procedimentos, estratégias ou outras formas de intervenção); O que considera

específico de sua profissão? O que é comum nas práticas desenvolvidas? O trabalho favorece

o exercício do interdisciplinar? Quais as dificuldades e facilidades pra materialização do

exercício interdisciplinar? Como a equipe mantém espaços de exercício interdisciplinar? Há

possibilidades de discussão e retroalimentação da experiência, reuniões sistemáticas,

capacitações? Quais os resultados concretos alcançados junto aos grupos trabalhados?

(outubro/novembro/2013).

Por fim, organização e interpretação dos dados coletados através de analise de conteúdo, no

formato categorial, tendo como etapas para analise: pré-análise, exploração do material, tratamento

dos resultados e interpretações (CAREGNATO; MUTTI, 2006) (março a maio/2014).

RESULTADOS

O Programa de Saúde Mental no município de Palmeira é realizado por uma equipe

interdisciplinar, formada por médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e agentes

sociais. Conta ainda com o apoio de agentes comunitários de saúde, técnicos administrativos,

farmacêuticos e outros profissionais que atuam na atenção primária à saúde, articulados com

demais profissionais que integram a equipe ampliada de saúde mental na rede pública do SUS.

2 As entrevistas foram gravadas e transcritas com depoimentos fracionados de 15 profissionais. Com relação

aos procedimentos éticos, ainda que os sujeitos participantes ocupem cargos de servidores públicos e

conceder informações relativas ao serviço público se constitua em um dever do servidor e direito de qualquer

cidadão que o solicitar, os participantes da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE) autorizando o uso dos depoimentos na elaboração do estudo. Além disso, na

apresentação dos dados, o anonimato dos participantes foi reguardado pela substituição dos nomes dos

profissionais pelas funções exercidas.

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No processo de organização e análise dos dados foram elencadas três categorias: a)

Das práticas compartilhadas e específicas; b) Das facilidades e dificuldades na realização do

trabalho interdisciplinar; c) Resultados do trabalho interdisciplinar. As quais estão

apresentadas na sequencia:

a) Das práticas compartilhadas e específicas

Cada profissional da saúde envolvido no Programa de Saúde Mental do município possui

especificidades inerentes à sua profissão, no entanto, em um contexto geral, é possível denotar

que existem práticas compartilhadas pelo grupo. Estas características apontam uma convergência

de discurso dos membros, que trabalham em prol de objetivos comuns, ainda que voltadas cada

qual á sua área específica. Como grupo construído com vistas à interdisciplinaridade, é válido

ressaltar que a interdisciplinaridade não ignora as diferenças existentes entre as diversas áreas do

conhecimento, no entanto, parte do pressuposto que estas diferenças devem ser compartilhadas ao

ponto de buscar construir um objeto de atenção (teórico-prático) comum e capaz de gerar

intervenções críticas na realidade (MUNHOZ e JUNIOR, 2009).

Quanto às práticas comuns a todos, destaca-se o acolhimento. Todos os profissionais

ouvidos citam em seus discursos o acolhimento da pessoa que chega, que é a ocasião primeira

quando se escuta este indivíduo, é feita triagem e encaminhamento do mesmo. Cada

profissional atua em um momento, ainda que nesta mesma etapa de “acolher”.

Acolher é receber e dar oportunidade de escuta, orientar e ou encaminhar, é

realizada uma triagem a respeito do problema que a pessoa apresentou, se o caso é

de saúde mental psiquiatria /ou psicologia é realizado um cadastro que a pessoa

deve estar com RG e o cartão do SUS para dar prosseguimento no tratamento, e

também caso haja uma nova procura o cadastro já esta pronto. Muitas vezes a

dificuldade que a pessoa apresenta nem sempre é da parte da saúde mental e assim

sendo fazemos o encaminhamento ao órgão competente até que pode ser o CRAS , a

policia, o fórum, CRAS [...] (AGENTE SOCIAL).

[...] os outros profissionais da equipe tanto a Psicóloga 2, quanto o Psicólogo 1, a

Agente Social tem livre circulação até porque eles tem uma vinculação com os

pacientes por isso muitas vezes é importante a presença deles, perceberem que a

oficina terapêutica está interligada com a consulta psiquiátrica, que está

interligada com o acolhimento, está interligada com o medicamento que é entregue

na farmácia pra eles entenderem esse cuidado coletivo, [..]. Então a gente flutua

algumas funções comuns [...] (COORDENADORA).

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Também, reconhecem em suas falas como o trabalho em conjunto é agregador,

complementar e interligado, indo ao encontro do escopo do Projeto que prevê a

interdisciplinaridade. Como Thiesen (THIESEN, 2008) coloca, a interdisciplinaridade trata-se

de um movimento que acredita na criatividade das pessoas, na complementaridade dos

processos, na inteireza das relações, no diálogo, na problematização, na atitude crítica e

reflexiva. Enfim, numa visão articuladora que rompe com o pensamento disciplinar,

parcelado, hierárquico, fragmentado, dicotomizado e dogmatizada que marcou por muito

tempo a concepção cartesiana de mundo e que logo, deste modo, se apresenta na experiência

do grupo de trabalho ao reconhecerem a conexão e complementaridade de cada etapa – do

acolhimento às visitas domiciliares:

Essa troca [...] a ideia que não resolve nada sozinho independente da especialidade,

da profissão, depende das equipes da atenção primária pra resolver muitas

questões, relação de interdependência, mas também de co-responsabilidade. [...] E,

por exemplo, numa família, não tem como tratar bem uma criança se os pais não

estão bem. Se os pais da criança não estão bem , a criança não vai estar, se as

nossas equipes não estiverem minimamente saudáveis ou preparadas a clientela

também não vai estar bem, o termômetro é realmente o quanto a gente tem

conseguido avançar com os pacientes, se eu estou lutando tanto na linha de frente

(COORDENADORA).

Pensando em práticas específicas, quanto aos Agentes Comunitários de Saúde, estes

indicam o “elo entre a comunidade e o serviço de saúde” (COORDENADORA). Este elo,

segundo eles, aproxima paciente/agente, a medida que os profissionais vão até as casas dos

pacientes, conhecendo mais de perto suas realidades e famílias, construindo “elos” que

solidificam a relação e leva-os a compreenderem e levarem a uma identificação. Estes

profissionais fazem a busca ativa do paciente e reconhecem os problemas diretamente nas

comunidades, ao longo de visitas periódicas.

[...] a parte da identificação também, as vezes a gente esta com a família com mais

frequência do que o próprio médico, você vê na casa, vê na rua... então nosso

contato com a família é bem mais frequente[...]. Muitas vezes a gente, pela

identificação do paciente vê que tem alguma coisa errada, mas o médico na

consulta nem percebeu, porque lá (na consulta) ele(o paciente) acabou adotando

uma postura diferente[...] (AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE).

Por sua vez, os agentes sociais focam suas práticas no que tange ao acolhimento. A

agente social entrevistada afirma que centra seu principal foco na mediação do paciente que

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chega. "Vou ao lugar encaminhar ele digo é tal e tal [...]e muitas vezes eu vejo que eles saem

satisfeitos" (AGENTE SOCIAL).

Já os psicólogos elencam ao menos seis funções específicas compartilhadas entre os

três psicólogos entrevistados. São elas: avaliação psicológica, psicoterapia, oficina

terapêutica, apoio psicológico e terapia focal. Estas práticas específicas são realizadas a partir

das técnicas da psicologia, sendo que, por exemplo, as dinâmicas também são realizadas por

outros profissionais, no entanto, a partir da práxis do mesmo.

Outra categoria de profissionais envolvidos com o Projeto de Saúde Mental em

Palmeira são os Assistentes Sociais. No momento, apenas uma profissional desta área atua no

Projeto, mas houve momentos em que mais um trabalhador dividia funções com a atual –

como no ano anterior às entrevistas, 2012. Isto é importante dizer à medida que as funções da

mesma ficam comprometidas com sobrecarga de trabalho, em comparação ao que era

realizado anteriormente. A Assistente Social participa essencialmente do acolhimento e da

triagem e cita que em outros momentos conseguia maior mobilidade para atuar em outras

situações, quando acompanhada de outro profissional.

A minha missão é a escuta, a primeira coisa da assistente social nessa área da

saúde é o acolhimento, a escuta porque na escuta que a gente identifica muitas

situações, a pessoa chega pedindo medicamento e você vê que aquilo vai muito além

daquela prescrição médica, a garantia dos direitos, encaminhar, orientar, como a

Agente Social falou, estabelecimento de vínculos. Eles também têm uma referencia

ali onde podem recorrer (ASSISTENTE SOCIAL).

A fala da profissional confirma que o acolhimento é uma prática comum entre os

profissionais e destaca o papel do Serviço Social no grupo de profissionais que é a compreensão

do processo vivido pelo individuo no contexto em que está localizado numa perspectiva de

totalidade: “você vê que aquilo vai muito além daquela prescrição médica”. E visualizar

perspectivas de “garantia dos direitos, encaminhar, orientar” Ou dito nas palavras de Yazbek

(2004, p.45) “[...] se for desconsiderada a totalidade [...] a desconexão do micro-social, do

particular para com o todo [...]” se perde a visão de totalidade da questão trabalhada.

Aspecto destacado por este profissional, mas que é comum nos depoimentos dos

demais entrevistados: abordar o usuário dos serviços de saúde mental no contexto no qual esta

inserido. Ou seja, a interdisciplinaridade é diretamente relacionada a uma perspectiva de

totalidade: a relação das partes com o todo é um conjunto articulado e interconectado numa

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mútua relação. “Depois de os ter estudado a cada um em particular, é necessário examinar a sua

relação recíproca” (MARX, 1983, p.225), integrando seus elementos ao conjunto, as partes ao todo,

“[...] se bem que nunca se possa chegar a uma totalidade que não seja ela mesma elemento ou parte

[...]” (GOLDMANN, 1979, p.13).

b) Das facilidades e dificuldades na realização do trabalho interdisciplinar

Cabe preliminarmente retomar a identificação de que o Programa de Saúde Mental no

município de Palmeira é realizado por uma equipe interdisciplinar, formada por diversas

categorias profissionais. Dessa forma, não se deve ignorar, a priori, que as diferentes

profissões e funções desenvolvidas pelos agentes tem uma história, formação e cultura

próprias, que certamente influenciam no trabalho tomado isoladamente, assim como dentro da

perspectiva de grupo e até na interdisciplinaridade. Como bem leciona Munhoz (2005, p. 68),

As profissões, de modo geral, não aprendem a se enriquecer mutuamente pelas

diferenças, com base em compreensões que possuam em comum sobre a realidade;

também não se exercitam no trato de problemas acima das diferenças de

compreensão; nem se habilita no enfrentamento de problemas a partir de sua

explicitação como problemática a ser analisada conjunturalmente e conjuntamente

pelos diversos profissionais envolvidos.

Todavia, partindo da referência de que a interdisciplinaridade pressupõe a necessidade

de discussão, reflexão e trabalho integrado das áreas de atuação; conjugando conceitos,

experiências e até mesmo especificidades para um objetivo posto de forma universal e geral; a

experiência do Programa de Saúde Mental do município de Palmeira, como se apresenta,

permite a condução da análise a partir de uma prática interdisciplinar concreta.

Nessa busca de superação do trabalho isolado e específico, concebendo-o num

contexto global da sociedade e da necessidade dos sujeitos envolvidos, a equipe do Programa

de Saúde Mental do município de Palmeira, tem buscado práticas capazes de engendrar a

melhoria e eficiência do trabalho. Para tanto, o grupo se reúne frequentemente para discussão

de casos, avaliação do Programa, elaboração de atividades, estudos e atualizações na área,

bem como participando e promovendo eventos relacionados ao tema; isso tudo na perspectiva

do melhor diagnóstico e consolidação do trabalho e como mecanismo de fortalecimento da

equipe.

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Vejamos tal representação na fala de agente que integra a equipe do Programa:

Quando as situações acontecem e a gente intervém, não tem clareza e nem certeza

de onde aquilo vai dar, não sei se vou acertar ou não vou acertar, se vai ser

produtivo ou não. Então, quando as situações passam a gente consegue discutir os

casos depois das condutas que a gente tomou que resultado que teve, eu acho que

isso é a facilidade [...] (COORDENADORA).

Estou num momento que penso mais na equipe do que nos pacientes [...]. Se as

nossas equipes não estiverem minimamente saudáveis ou preparadas a clientela

também não vai estar bem (COORDENADORA).

Tal conjugação de esforços, que supera a mera convivência entre saberes diferentes

(multidisciplinaridade), tem se demonstrado como um elemento fundamental para a eficiência

do trabalho e a melhor aceitação junto à comunidade atendida, conforme corroborado por

falas recorrentes dos membros da equipe:

Acontece na discussão de casos, o apoio um ao outro, o trabalho em equipe

desenvolvendo quando precisa uma nova estratégia, esse momento das quartas-

feiras está instituído há muitos anos, inclusive planejamento (PSICÓLOGO 1).

No acolhimento trabalhamos em parceria com a farmácia devido a dúvidas que

surgem devido à medicação pelo paciente. Também esta sendo realizado um

cadastro de todas as pessoas que fazem o uso de psicotrópicos é fornecida a

carteirinha verde para que o paciente possa prosseguir o tratamento com o médico

que o atendeu, a exigência de ser o mesmo médico é que o paciente seja

acompanhado mais de perto no tratamento e muitas vezes não há necessidade de ser

acompanhado pelo psiquiatra (AGENTE SOCIAL).

Assim, evidente que os registros de experiências, a integração e comunicação no

trabalho realizado pela equipe que desenvolve o atendimento à saúde mental no município de

Palmeira, vêm contribuindo para o avanço no trabalho prestado. De forma mais específica, a

condução do trabalho a partir de uma prática interdisciplinar, implica na maior segurança dos

agentes envolvidos e no sistema de decisão no qual estão inseridos, bem como para o melhor

diagnóstico e efetividade no tratamento aplicado.

A interdisciplinaridade aplicada ao Programa tem permitido perceber que é possível

construir uma relação de troca e partilhas entre saberes e experiências diversas, integrando o

conhecimento já produzido em práticas compartilhadas, através do diálogo, promovendo a

confiança e a inter-relação entre os olhares diferentes, para maior aproximação, compreensão

e solução dos problemas vinculados à realidade que lhes se apresenta.

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Fator fundamental inclusive para que o trabalho se desenvolva numa perspectiva de

total aproximação com os sujeitos ao qual o Programa se destina, conforme se observa das

falas abaixo e que seria muito mais difícil se não desenvolvido dentro dessa prática de

experiências interdisciplinares.

A gente faz esse trabalho também, vir aqui no centro pegar o medicamento levar

pro PSF [...]. A parte da identificação também, as vezes, a gente esta com a família

com mais frequência do que o próprio médico, você vê na casa, vê na rua [...].

Então nosso contato com a família é bem mais frequente [...] muitas vezes a gente

vê que tem alguma coisa errada, mas o médico na consulta nem percebeu, porque

ele acabou adotando uma postura diferente (AGENTE COMUNITÁRIO DE

SAÚDE).

Eles falam de tudo com a gente [...] pro médico eles não se ‘encorajam’ de falar

(FALA CONJUNTA AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE).

Olha se tem uma coisa específica do agente de saúde é o elo entre a comunidade e o

serviço de saúde [...] nem todo psicólogo tem uma afinidade com saúde mental, que

dirá todo ACS, todo médico, todo enfermeiro, tem uma coisa que é muito particular

de cada um[...] então acho que essa cumplicidade, quando realmente consegue

acontecer essa cumplicidade na equipe, essa maturidade facilita

(COORDENADORA).

Assim, por mais que se reconheçam algumas dificuldades na metodologia de trabalho

adotada pelo Programa de Saúde Mental do município de Palmeira/PR, como carências

estruturais, dificuldade de compreensão acerca da perspectiva de trabalho por parte de alguns

profissionais do atendimento de saúde (p.ex.: aproximação dos médicos do atendimento geral

com os psiquiatras e médicos do Programa), são inequívocos os avanços e benefícios da

prática interdisciplinar aplicada, conforme se percebe através da análise das falas dos sujeitos

envolvidos, anteriormente referenciadas. Reiterada no comprometimento dos membros da

equipe, até mesmo para a superação das dificuldades que inicialmente se apresentaram.

c) Resultados do trabalho interdisciplinar

Identificada a efetividade de um trabalho interdisciplinar no âmbito da Saúde Mental

no município de Palmeira, destacam-se alguns resultados dessa experiência, os quais também

nos levam a considerar que há um trabalho desta natureza. Os relatos mostram o sucesso de

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campanhas com envolvimento da comunidade, escolas, creches, grupos e elogios da gestão

municipal ao trabalho na área:

[...] quero aproveitar a oportunidade e parabenizar a equipe pela caminhada, foi

um sucesso dia 10, e recebi um elogio ontem [...]. Então, a Direção disse que está

muito contente, satisfeito com nosso trabalho e principalmente pela dedicação de

vocês. Aconteceu de uma forma muito legal porque teve uma mobilização da

comunidade lá sem tamanho, que trouxe a escola, creche o grupo, o pessoal lá do

Rocio 2, o pessoal do Rocio 1, parabenizar a equipe, todo trabalho lá no grupo de

saúde mental (COORDENADORA).

De acordo com o pensamento de gramsciano, a construção de uma nova visão de

mundo é uma tarefa de cunho pedagógico e filosófico. Pedagógico, tendo em vista que há a

necessidade de ser difundida entre os indivíduos e filosófico porque se trata de realizar um

contraponto ao senso comum, visando superar criticamente a ideologia dominante

(MARTINS, 2008).

Nessa disputa travada no solo cultural e ideológico para que se consiga determinar a

direção da ação coletiva, destaca-se o papel dos intelectuais. Na acepção

gramsciana, (relacionar com as práticas profissionais emancipatórias) eles

devem educar ética e politicamente os grupos aos quais se vinculam organicamente,

adequando as suas consciências, os seus valores e os seus comportamentos à

situação concreta da formação econômica e social, tendo em vista os interesses e as

necessidades de classe (MARTINS, 2008, p. 296 - grifo nosso).

Percebe-se a importância das práticas educativas e democráticas que sejam capazes de

socializar e universalizar o conhecimento/saber, fato que contribui para a elaboração de uma

cultura política mais madura das classes subalternas. Essa ação favorece rupturas moleculares

(LUIZ, 2011) frente à cultura dominante instituída, favorecendo a construção de um novo

projeto societário, comprometido, efetivamente, com os ideais emancipatórios. E é essa

possibilidade de rupturas moleculares, de mudanças no senso comum com relação à Saúde

Mental que as práticas de mobilização junto à comunidade, às escolas e creches do município,

desenvolvidas pela equipe profissional podem contribuir.

Outro elemento apontado como resultante do trabalho interdisciplinar desenvolvido

refere-se à diminuição dos internamentos; reduzido número de suicídios e monitoramento de

casos relacionados; valorização/responsabilização da família sobre a saúde do doente:

[...]temos tido menos internamentos. A gente tem demanda, mas por exemplo, hoje

de manhã a gente estava vendo a questão de tentativa de suicídio. Tem um

município que veio nos visitar e conhecer nosso trabalho, nos contou que eles têm

tentativa de suicídio todo dia no município [...]. Então aqui nós temos um registro, a

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Agente Social tem esse cuidado de registrar a 'ideação' suicida, então quando surge

na fala ela registra, quando tem a tentativa a gente registra, infelizmente a gente

teve um óbito nesse ano, é o primeiro ou o segundo?? [...] Então, teve ano que teve

mais, teve ano que tiveram muitos internamentos em hospital psiquiátrico, hoje por

transtorno mental, por surto mesmo a gente não tem internado tanto. [...]

(COORDENADORA).

Relativo à diminuição dos internamentos, há que se destacar a direção do trabalho

assumida pela equipe no sentido de priorizar o tratamento do paciente da Saúde Mental

inserido no âmbito familiar e social, sendo o internamento uma medida de última instância,

para casos mais graves.

Essa leitura e posicionamento liga-se à uma perspectiva processual de transformação

que passa da subalternidade ao protagonismo e autonomia dos sujeitos. Neste caso específico,

os pacientes da Saúde Mental, historicamente marginalizados na sociedade brasileira, lógica

que vem sendo superada por um entendimento desses enquanto sujeitos de direitos, inclusos à

vida em sociedade. Processo que se realiza mediante elevação social, cultural e política da

sociedade em seu conjunto - de um ponto de vista gramsciano (LUIZ, 2011).

Nota-se uma noção de proteção social que supera a unilateralidade de

responsabilização no cuidado do paciente da saúde mental - a união de forças de todas as

esferas: Família, Estado e Sociedade. Elemento que se nota em relação ao incentivo do

protagonismo da família e do paciente no processo do tratamento:

Não que o surto não aconteça, ele acontece da mesma forma que acontecia antes ,

ou um pouquinho menos por causa da atenção ser diferenciada, a

responsabilização, toda a família está sendo mais valorizada. A família muitas vem

com o discurso, de que 'cuide, você não é o profissional da saúde mental? Não, mas

o senhor é a família dele, tem a mãe o senhor é o pai, o filho [...]

(COORDENADORA).

A legitimidade do trabalho de forma geral, que se mostra no respeito da população e

do poder público quanto à conduta do serviço (não internamento – quando “forças externas”

faziam pressão para tanto) também é elencada enquanto um resultado positivo:

Às vezes a gente tem que dizer assim: não tem indicação para internamento, o

clínico tem que avaliar o seu caso, ver seus exames porque a instituição não vai te

atender. E a família não aceitava isso, as vezes vinham forças externas, querendo

nos obrigar, e a gente conseguiu trabalhar isso, e a população respeita nossa

conduta quando a gente diz não (COORDENADORA).

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A definição da palavra emancipação do Diccionario del Nuevo Humanismo

(CENTRO Mundial de Estudios Humanistas , 1996) diz tratar-se de: “Processo e objetivo da

libertação do estado de sujeição. Recuperação da liberdade, soberania, autonomia e independência”

(tradução nossa). Relacionada ao depoimento acima, nota-se que o processo de trabalho

possibilita rupturas emancipatórias não apenas aos usuários da política de Saúde Mental, mas

também fortalece a autonomia da equipe profissional em definir os rumos e prioridades do

trabalho a partir de uma perspectiva de prevalência do conhecimento técnico, e não a partir de

influências externas, de imposição de regras.

O respeito ao conhecimento técnico e à autonomia da equipe profissional é um

elemento bastante significativo enquanto resultado de um trabalho interdisciplinar. E ainda,

no âmbito da relação com o poder público e a população, a equipe visualiza o

desenvolvimento de ações estratégicas como um meio de otimizar o serviço, como por

exemplo, o uso da "carteirinha" como uma maneira de "desafogar" o serviço.

Somado a isto, os relatos apontam para a maturidade do grupo, equipes mais

resolutivas e comunicação entre as equipes:

A comunicação entre as equipes melhorou muito, antes tinha uma coisa assim,

tudo tinha que passar pela Agente Social, a referência era ela [...]. Hoje a gente

inverteu totalmente essa lógica , porque a gente não tem lista de espera [...] tem o

acolhimento, todos fazemos acolhimento, as ACS, os profissionais, todos têm livre

acesso aos profissionais, eu acho que isso é uma coisa muito legal , é maturidade

(COORDENADORA).

No pensamento gramsciano a educação ocupa lugar central num processo de mudanças

sociais, assim como a dimensão do conhecimento e da política. No que tange à educação, quer

seja ela formal ou não, ela deve ser considerada, pois a mesma é responsável pela difusão das

visões de mundo. Desta forma, a educação desempenha uma ação ético-política, pois pode servir

de instrumento de manutenção da ordem vigente, formando nas massas o consenso no que diz

respeito à visão de mundo dos dominantes e dirigentes num processo de adaptação da conduta das

classes subalternas aos imperativos do grupo no poder. Por outro lado, a educação tem

possibilidades de ser empregada para alterar as relações de poder, forjando as condições

imprescindíveis para fazer o enfrentamento da hegemonia em vigor e colaborar para a

mobilização e constituição de uma nova civilidade (MARTINS, 2008).

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Relacionada a essa perspectiva pedagógica a equipe profissional organiza grupos de

saúde mental nas unidades de saúde da cidade:

A gente tem um jeito diferente lá no bairro, porque a gente tem um grupo de saúde

mental. Tem todos os pacientes de saúde mental lá do bairro cadastrados e a gente

se reúne todo mês. [...] Todo mês temos esse grupo e cada mês falando de um tema

diferente; mas tudo focado com saúde mental e só participa paciente e familiar de

saúde mental (AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE).

Essa tarefa requer a ação de “educadores”, pois trata-se de um processo pedagógico, tendo

em vista que as “[...] práticas de mobilização social e organização são expressões das práticas

educativas [...]” e podem contribuir na “[...] busca da ampliação de consensos em torno [...]” dos

projetos societários das classes subalternas. (DURIGUETTO e BALDI, 2012, p. 197).

Gera-se a possibilidade para que mediante a disseminação de uma nova visão de

mundo criada e instituída pelas classes subalternas ocorra a organização de uma nova cultura.

Nesse processo, a visão de mundo configura-se como um componente capaz de orientar e

mobilizar os comportamentos dos indivíduos e dos grupos e classes sociais.

Entendemos que as ações de cunho pedagógico (e até mesmo de contra-cultura)

desempenhadas no âmbito da Saúde Mental em Palmeira configuram-se como um embrião,

como o desenvolvimento de um potencial que os trabalhadores na área mostram-se

comprometidos a desenvolver.

Isso tudo resulta no reconhecimento do trabalho desenvolvido no município, na

Região e no Estado do Paraná. E de que é possível extrair elementos contraditórios inerentes à

realidade social que impõem possibilidades de (re)construção de ideais emancipatórios, ainda

que num contexto de pequenas rupturas que compõem um processo em construção de

mudanças na sociedade.

CONCLUSÕES

Ao objetivar sistematizar a experiência de trabalho interdisciplinar realizada pela

equipe de profissionais do Programa de Saúde Mental de Palmeira/PR foi possível identificar

alternativas, estratégias e possibilidades de realização de um trabalho de caráter

interdisciplinar no âmbito das políticas públicas, neste caso específico, na área de saúde

mental.

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No que tange a interdisciplinaridade a partir das práticas realizadas pelo grupo de

trabalho e categorias profissionais envolvidas, é possível denotar que este conceito é aplicado

e desenvolvido no Projeto de Saúde Mental de Palmeira. Destaca-se que a

interdisciplinaridade, enquanto experiência que se manifesta na realidade social de exercício

profissional, não é uma fórmula que se aplica e seus resultados podem ser mensurados

quantitativamente. O que se buscou neste estudo foi analisar qualitativamente momentos de

um processo em desenvolvimento de uma experiência de trabalho interdisciplinar bem-

sucedida

Esta interdisciplinaridade pode ser percebida, como mostrado ao longo do estudo,

quando integrantes falam como cada elemento em suas especificidades complementa o todo

do trabalho, em prol de potencialização do conhecimento. Característica que permeia o debate

dos diferentes profissionais envolvidos.

Outro ponto importante levantado é o fator integração entre comunidade e o serviço de

saúde. Esta ligação favorece ao tratamento do paciente com uma visão de totalidade, com

integração da família e da realidade vivenciada pelos mesmos, com o intuito de romper com

questões historicamente reproduzidas no âmbito da Saúde Mental relacionadas à exclusão

social dos pacientes e desresponsabilização da sociedade.

Neste contexto de interdisciplinaridade com uma visão de totalidade, o trabalho

desenvolvido, analisado a partir de uma perspectiva de práxis profissional, aparece para avançar a

uma condição igualitária do ser humano, a partir de uma organização coletiva. Neste estudo,

entende-se que as práticas profissionais contribuem nesta transformação e no exercício da cidadania

relativo a todos os sujeitos envolvidos: pacientes, familiares, profissionais e comunidade.

Os relatos acerca dos resultados demonstram um processo de "rupturas moleculares",

expressão fundamentada em Luiz (2011), que permite interpretar ações cotidianas (como as

relatadas neste artigo, advindas da práxis profissional num contexto de trabalho

interdisciplinar) como parte de um processo (de longo prazo) de mudanças sociais.

Mudanças essas que envolvem questões culturais, de elevação do senso comum ao

bom senso. Essas "rupturas moleculares" referem-se a ações concretas, que embora não

rompam de imediato com a estrutura social mais ampla, fazem parte de processos que

influenciam novos modos de pensar e de atuar na coletividade (LUIZ, 2011).

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REFERÊNCIAS

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DURIGUETTO, M. L; BALDI, L. A. P. Serviço Social, mobilização e organização popular: uma

sistematização do debate contemporâneo. Rev. katálysis, Florianópolis, v. 15, n. 2, dez. 2012 .

Disponível em

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141449802012000200005&lng=pt&nrm=i

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