Projeto de Mestrado - Ronald

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PROJETO DE MESTRADO CARLOS RONALD OLIVEIRA DE PINHO Ancestralidade na poética de Fausto Antonio. Do dinamismo da imagem ao devaneio cósmico. CAMPINAS, CEARÁ. 2015

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Filosofia; crítica literária. etnopoesia.

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  • PROJETO DE MESTRADO

    CARLOS RONALD OLIVEIRA DE PINHO

    Ancestralidade na potica de Fausto Antonio.

    Do dinamismo da imagem ao devaneio csmico.

    CAMPINAS, CEAR.

    2015

  • CARLOS RONALD OLIVEIRA DE PINHO

    Projeto de Mestrado apresentado:

    Ao Instituto de Estudos da Linguagem

    da UNICAMP.

    Programa de Ps-graduao em Teoria

    e Histria Literria.

    rea de concentrao de pesquisa: -

    Teoria e Crtica Literria;

  • Quantas experincias de metafsica concreta no teramos se prestssemos mais ateno ao

    devaneio potico!

    Gaston Bachelard A potica do Devaneio.

    Gaston Bachelard O Direito de sonhar.

    APRESENTAO:

    O presente projeto de mestrado pretende investigar o nascimento de uma

    possvel concepo de imaginao ambivalente e, criadora do homem, das narrativas

    simblicas e das tradues dinamizadas pelo que colocamos como ancestralidade. A

    imaginao para Bachelard que cria aquela que gera uma relao de dinamismo e

    ambivalncia ente a matria e os elementos na poesia. nesse ponto que exploramos o

    devaneio csmico do poeta Fausto que busca exprimir principalmente: a busca do

    absoluto inaugural de um ser ancestral, pois:

    Para entrar nos devaneios do homem preciso ser um homem.

    preciso ser um ancestral, ser visto numa perspectiva de ancestrais,

    apenas fazendo a transposio das figuras (BACHELARD, 2009, 55).

    O escritor Fausto Antonio; Poeta campineiro, torcedor da Ponte-preta,

    romancista, dramaturgo e professor universitrio. Poderia afirmar que est realmente

    interessado em uma ancestralidade. Estive em contato direto, experimentado em minha

  • subjetividade. Mas isso porque ele fala atravs de seus devaneios. De sua criao

    enquanto ser linguagem. Reconhecemos ento ao que no comum academicamente

    falando: trabalhar com autores vivos. Enxergo justamente aqui a possibilidade de

    discutir criticamente com o autor vivo, consciente de que o processo dinmico de um

    estudo sobre as origens estudar como a palavra articulada pela vida da imagem do

    cosmo. Onde o prprio autor morre e renasce em seus devaneios e sonhos.

    A natureza da crtica e da hermenutica das imagens poticas no dinamismo da

    oralidadecria um tipo de mtodo descontnuo pela prpria riqueza de suas variaes.

    (BACHELARD, p5. 2009) escolhemos este mtodo ento como rompimento com os

    estudos cartesianos e que envolve a potica e crtica literria. As imagens devem exercer

    a funo das ambivalncias da vida neste ser da androginia.

    Desta forma, esse trabalho assume um formato interdisciplinar e transdisciplinar.

    O objetivo que fazendo o exerccio de exegese e crtica literria tenhamos material

    suficiente para rejuntar saberes. Cremos que o nascimento de um novo esprito

    cientfico na crtica literria comea com o esforo de refletir criticamente os objetos, os

    fenmenos; mas estas reflexes,no entanto, devem estar em um sistema de

    conhecimento sempre aberto para possibilidades de mudanas.

    Gaston Bachelard prope uma reflexo que prima pelo uso da arte, sobretudo da

    poesia, como metodologia para reflexo sobre os parmetros dos estudos objetivos da

    cincia, logo sua filosofia diurna, da cincia; alm de ser pedaggica uma ferramenta

    de gnese ontolgica.Tambm pode ser vista como crtica na medida em que contempla

    a matria e os seus elementos.

    Na poesia de Fausto foco-me na imaginao criadora do autor que busca tal

    como o fez Nietzsche em seu alm-do-homem. No h uma sentena verdadeira

    suficiente porque a imaginao esua dinamogeniaexiste mediante a experincia inicial

    dessa fissura no conhecimento. E essa a iniciao exposta por Fausto aos ritos

    dinmicos entre o cosmo e o poeta.

    Uma relao de complementaridade; Ou seja: deformando o esprito cientfico

    esperamos criar uma metadisciplina, e que esta metadisciplina gere suporte para que

    outras disciplinas fragmentadas possam manter um dilogo constante entre o conceito

    de cultura e os estudos filosficos da ancestralidade.

  • Calcado na ontologia potica de Gaston Bachelard, este projeto de Mestrado

    prope-se, desta forma, realizar a anlise da potica de Fausto em sua coletnea de

    poemas: Vinte anos de Poesia e Vinte Anos de Prosa; desejamos investigar como a

    cosmoviso potica de Fausto se manifesta na Natureza ontolgica como uma

    configurao do ser ancestral no homem contemporneo.

    JUSTIFICATIVA:

    Este trabalho justifica-se primeiramente pela relao do escritor em questo com

    as temticas oriundas da cosmoviso ancestral, pela sua produo literria ao longo de

    mais de vinte anos e pela considervel crtica j empreendida por alguns intelectuais

    brasileiros sobre o mesmo. relevante tambm na medida em que tenta aproximar

    saberes que se encontram epistemologicamente afastados: rene os estudos da

    Etnofilosofia, da ancestralidade, e dos debates propostos pela crtica literria a partir da

    hermenutica ontolgica.

    O projeto importante porque privilegia as temticas ligadas ao sagrado a partir

    da fundamentao de uma metafsica da cosmogonia e cosmologia ancestral numa

    perspectiva fenomenolgico-existencialista e potico ontolgica. Nesse sentido o

    contedo do trabalho se apresenta como proposta de pesquisa relevante por contribuir

    com os dilogos interdisciplinares entre Cultura, Filosofia e Esttica literria.

    OBJETIVOS GERAIS:

    O objetivo geral tentar esclarecer as conexes entre os conceitos de homem

    ancestral e o de devaneio csmico napotica de Fausto, tomando como base a leitura e

    interpretao profunda de seus textos. Para tal objetivo usaremos como fundamento

  • terico inicialmente as obras do filsofo francs Gaston Bachelard.: A potica do

    Devaneio, O direito de sonhar e A psicanlise do Fogo.

    OBJETIVOS ESPECFICOS:

    Tangencialmente a isso pretendo empreender discusses sobre os modos como

    as diferentes expresses e arqutipos fenomenolgicos da ancestralidade so

    recuperadas por Fausto Antonio nas metforas do umbigo, da caverna, do oco, da pedra,

    entre outros significantes que delimitaremos ao longo da crtica tomando como base o

    mtodo hermenutico ontolgico de anlise.

    ...Fausto Antonio sintetiza a fora-motriz de sua criao potica: o

    corpo-a-corpo com a palavra e seus ritos, energizados pela paixo. No, aquela que arrasta e escraviza o ser, mas a que se manifesta como tenso interna e continua que unifica as foras do eu

    e, ao mesmo tempo, o leva a fundir-se com o outro, no

    necessariamente o outro do ato amoroso, mas principalmente o outro

    latente no verdadeiro ato criador(de arte, de pensamento, de poesia...).

    (COELHO, p. 259 , 1996).

    Em seu artigo publicado pela revista Letras da PUCCAMP de 1996: A palavra

    Em busca do absoluto inaugural do ser, Nelly Novaes Coelho, professora da USP e

    militante da crtica literria aponta a escrita de Fausto Antonio como uma arte criadora

  • do que existe e do que ainda no existe, quem cria essa arte um ser pensante e o pensar

    existe dentro de uma cotidianidade existencial.

    Esta potica por sua vez, mantm-se viva na medida em que este ser afetado

    por meio de atos criadores e formadores de linguagem. A linguagem artstica de Fausto

    Antonio perpassa a vida e a morte, estando elas contidas nas cavernas e grutas, no

    obscuro e no sagrado, no belo do hmus e na pedra oca que contm o vazio do nada.

    A ausncia de tudo impulsiona a transcendncia da linguagem por meio dela

    prpria; como na pintura cubista de Pablo Picasso, escultrica, multidimensional,

    percebendo-se diferentes planos e volumes, renunciando perspectiva europeia. Para

    Bachelard:

    Nenhuma arte to diretamente criadora, manifestamente criadora,

    quanto a pintura. Para um grande pintor, que medita sobre o poder de

    sua arte. a cor uma fora criante. Ele sabe perfeitamente que a cor

    trabalha a matria, que uma verdadeira atividade da matria, que a

    cor vive deuma constante troca de foras entre a matria e a luz. Do

    mesmo modo, pela fatalidade dos sonhos primitivos, o pintor renova

    os grandes sonhos csmicos que ligam o homem aos elementos, ao

    fogo, gua. ao ar celeste, prodigiosa materialidade das substncias

    terrestres.BACHELARD, 1999, p59).

    A escrita de Fausto assume, portanto, a forma de uma prosa potica, romanesca,

    polifnica e hbrida. Diante dessa diversidade de modalidades de linguagens artsticas,

    como interpretar a potica de Fausto Antonio? Faamos novamente o uso das palavras

    de Nelly Novaes:

    Poesia que se engendra na rbita do moderno (ou ps-moderno?) a de

    Fausto Antonio se constri no embate das emoes, sensaes,

    vivncias de um eu com as palavras que devem torna-las concretas,

    existentes, comunicveis ao outro. Como nos diz a Fenomenologia:

    O que no foi nomeado, no existe. E esse o drama do poeta contemporneo: saber que a palavra o nico e irredutvel caminho,

    para ele comunicar ao outro a sua invisvel experincia de vida,

    sabendo, ao mesmo tempo, que a Palavra sempre insuficiente nessa

    nomeao. Nesse sentido, a escrita de Fausto Antonio resulta numa

    agnica interrogao em circuito fechado, parte da palavra, pelo qual o mundo existe, e volta a ela mesma: escrita consciente de que a

    transcendncia foi vedada ao homem, ou melhor, que a palavra

    cientfica, ao negar a palavra revelada, destruiu o centro sagrado do mundo e no conseguiu substitu-lo por outro. Cabe ao poeta a tarefa

    de resgat-lo. esse desafio, h muito, lanado aos homens de nosso

    tempo. (COELHO, P.261, 1996).

  • A hiptese construda nesse projeto de mestrado que a potica de Fausto pr-

    determinada por uma preocupao em conceber uma formao cosmognica e

    antropognica do universo que, nascendo do desvelamento da imagem/palavra e

    retornando novamente a ela, expressa-se como possibilidade de renascimento do ser

    ancestral. Fausto nos diz em um trecho de sua bela poesia:Vanssima Senhora:

    s vezes vidros, vidros

    e relgios de rosrios.

    Ante a face refrangida

    O som dos cascos...

    E as mortes corrosivas nas gengivas.

    Outras vezes, sem repouso,

    nas conchas de Deus,

    suas bocas de urina,

    cujos vulos, consoantes sopros,

    transpassam num ovo inaugural:

    Umbigos adormecidos que, enleados

    sob as guas, arrastam prolas,

    infensas pedras e delas me visto,

    E delas me alimento.(ANTONIO,2005).

    Em sua potica o umbigo retratado como heri. Na mitologia iorub o umbigo

    o local onde convergem nascimento e morte do ser, por assim dizer uma

    encruzilhada, Il If o umbigo do universo. Em comparao ao umbigo como local

    de origem do mundo encontramos na mitologia grega (e no pensamento rfico em

    particular), Phanes: o ser primordial alado e dourado que foi chocado de dentro do ovo

    csmico brilhante que era a fonte do universo. Chamado de Protogonos (primognito) e

    Eros (Amor) sendo a semente dos deuses e dos homens Phanes significa

    "Manifestador" ou "Revelador," e se relaciona s palavras gregas "luz" e "resplandecer.

    Um antigo hino rfico dirige-se a ele desse modo: "Inefvel, oculto, reluzente rebento,

  • cujo movimento um zumbido, dissipaste a nvoa escura diante dos teu olhos e,

    batendo as asas, rodopiaste e trouxeste pura luz a este mundo."

    Sobre o surgimento do ovo csmico e o surgimento do homem, Bachelard fala:

    Que no se espante que a luz seja ento imediatamentemitolgica.

    Numa mitologia natural, impressa no corao dos elementos, vo

    nascer conjuntamente o cisne, em toda luxria de sua brancura, e o ser

    feminino mal erguido da terra intumescida pela seiva primaveril. Eis-

    nos, pois, na origem das origens, nesse ovo csmico que rene e

    encerraas foras do cu e da terra. O artista desenvolve ento as

    imagens, faz surgir aimagem, como um deus matemtico tira, uma

    aps outra, todas as conseqncias de uma primeira verdade. Do cisne

    e de Leda um ovo vai nascer, porque toda grande viso do mundo

    deve partir do ovo csmico.(BACHELARD, 199, p.69).

    Ainda mais importante, o ovo era tido como uma imagem do universo, o

    macrocosmo.Ao longo da narrativa, por meio da imagem do ovo, o eu lrico questiona

    o seu prprio lugar no mundo e expressa o transcendental e o sagrado que perpassam

    pela questo existencial da morte. Em certa altura do romance Exumos o escritor indaga:

    O grande ovo no tem cara.

    Escuro e desconhecido,

    suntuosos de mltiplos

    espelhos, lacre de mil

    chaves que se preocupam.

    Mil enigmas, no dentro

    exposto a origem e o fim.

    Cem nmeros que se contradizem

    em mil. Vindos de longe, na mesma

    face, se no fossem iguais

    no tamanho e na forma, no existiriam infinitamente.

    Em cheio, furando esse ovo,

    criao e criado,

    danao e danado.

    O mesmssimo e igual

    de dentro sempre anterior

    ao nome, escuro e desconhecido ovo e ovo. (ANTONIO, 2005)

  • E ainda:

    Estou procurando aquilo que possa equivaler a morte. Uma grande

    paixo. A ltima consequncia que me possibilite representar

    dignamente a morte e, assim, nessa paixo, renasa a vida. Preciso

    defender at as ltimas consequncias um homem e uma mulher. Se

    for preciso morrerei cantando?.(ANTONIO, 2005)

    Em A Potica do Devaneio,Bachelard faz referncia ao tomo de alquimia

    RosariumPhilosophorum, neste, verificamos imagens que representam a origem das

    coisas, o casal alqumico, a androginia do ser primordial. Encontramos ento uma

    possvel interpretao para a poesia de Fausto anteriormente citada. O filsofo afirma:

    A androginidade do sonhador vai se projetar numa androginidade do

    mundo. Examinando em detalhe as doze imagens, juntando-lhes as

    dialticas do Sol e da Lua, do fogo e da gua, do drago e da pomba,

    dos cabelos curtos e das madeixas, reconhece-se a potncia dos

    devaneios associados, que so tambm postos sob o signo do adepto e

    de sua companheira. Aqui, igualam-se dois devaneios de cultura.

    (BACHELARD,2009, p46).

    O espao da narrativa nos romances Exumos, Vanssima Senhora e Descalvado,

    constitudo por um ambiente que assume tonalidades muitas vezes sombrias. O escuro e

    os lugares sombrios so registros da ancestralidade, eles assumem um valor semitico

    peculiar na escrita de Fausto. Para alm da polifonia inserida na arte de Fausto,

    observamos tambm na estrutura profunda da hermenutica e exegese textual questes

    relativas ao mstico, ao potico associado ao divino que, co-habita entre nascimento e

    morte. Bachelard em A potica do Devaneio, diz:

    O sonho noturno, ao contrrio do devaneio, quase no conhece essa

    plasticidade macia. Seu espao est atravancado de slidos e os slidos sempre trazem de reserva uma hostilidade infalvel. Tm as

    suas formas e, quando uma forma aparece, preciso pensar, preciso nomear. No sonho noturno, o sonhador padece de uma

    geometria dura, no sonho noturno que um objeto pontiagudo nos

    fere assim que o vemos. Nos pesadelos da noite, os objetos so

    maldosos. (BACHELARD,2009, 36).

  • Desejamos entender este sonho do poeta; em compreender a criao: o devaneio

    do alquimista que observa o ovo. A arte ento, para o escritor campinense, resultado

    de uma compulso repetio do trinmio Exumos, Exu e Hmus, assim nos afirma,

    Eduardo Guimares, professor do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, na

    apresentao de Vinte anos de Prosa:

    A obsesso como forma de construir. A reiterao sempre em outro

    lugar. A morte, a vida. O antes desta vida. A devorao como histria

    (exumao) da vida: E se comer (o umbigo) terei no prato: meu pai e minha me antes do nascimento. O lquido e o slido: a placenta e a pedra. A relao dos corpos transformada em linguagem Por isso o umbigo recebe muitas vezes o nome de: Eu te amo, eu gostei de voc,

    eu odiei voc. Exumos, Exu. Hmus. Exumar. Exumao. Este corpo com a vida e a morte, com o mundo, a tcnica, o mstico, a mdia o

    mvel deste texto que vai do potico ao narrativo sem que se ponha a

    contar efetivamente uma histria. Mas que se d como a razo de

    tantas histrias. (GUIMARES, p. 20, 1995)

    Atentemos ao que se manifesta no levantamento da estrutura profunda do texto

    de Fausto, como neste fragmento de sua poesia intitulada O sexo das pedras:

    Uma pedra comprida e pontiaguda

    Achou uma outra na altura certa

    Para ferir, (at achar uma pedra),

    At achar a pedra certa, que nem fere,

    Nem alisa. Mas faz mexer os quadris,

    uma pedra embaixo e duas pedrinhas,

    Uma em cima, vale duas. Parece boca,

    Mas pedra. (ANTONIO, 2006, p.55)

    O fragmento aponta para uma potica centralizada na dialtica entre a metfora

    da excitao ertica de uma pedra que, pode representar tanto a palavra/imagem

    enquanto linguagem artstica, como a cientfica como lugar de tessitura do real.

    Consideramos esse o caminho para rompermos com os limites da disciplina e canal pelo

  • qual poderemos adentrar em um dilogo interdisciplinar. Consequentemente elegemos a

    literatura como o lugar privilegiado para a construo de chaves interpretativas com as

    quais trataremos de discusses calcadas em uma perspectiva potico-fenomenolgica,

    na eroticidade advinda das sensaes corpreas e espirituais. Propondo assim uma

    encruzilhada entre literatura, esttica e filosofia.

    O ponto primordial e para no ser ambguo, o ponto ambivalente do discurso

    empreendido na narrativa de Exumos o nascimento. Mas o nascimento deste ser

    primeiro, que o umbigo este o heri est embrincado com a morte. o que voc

    chama de encruzilhada, em uma linguagem do candombl. Um timo dilogo seria estes

    dois conceitos: ambivalncia e encruzilhada. Penso que podemos atravs dele dialogar

    com a filosofia ancestral e a africana, sobretudo a yorub. O que voc acha? Essa a

    primeira questo.

    Na pgina 22 de Vinte anos de prosa um de seus eus lricos afirma:

    O passado, disse-me outro heri antes de morrer totalmente, era

    sempre maior, e nada escapava dele, e nada era original nele. Ele era

    e, sendo ele tudo, se avolumava nele tudo que era essncia de heris

    desativados. Eram desativados para no serem fechados de .... que

    poucos gostam dos heris que perderam a vida. Claro que se vivemos

    procura de uma grande conquista, quando falhamos tambm

    morremos! A morte do heris mais a nossa morte? Como a dvida

    do heri mais a nossa morte? Como a dvida do heri o herosmo

    dele, somos ns que o realizamos. O ato heroico vencer depois de

    sofrer... E eu acredito at morte em tudo que menstrua...(ANTONIO,

    2005, p.22).

    Na pgina seguinte, se segue:

    ... preciso calma para esperar um mito. que o heri, como Deus, sente

    vergonha de ser revelado em carne e sangue. (ANTONIO, 2005, p.23).Carne e sangue

    so seres placentrios, seres primordiais...na pgina 52-53 nos dito:

    Depois do sono, fico sozinho, acordado, pensando no que deixei

    escapar. E, no fundo, essa incapacidade de cortar o sono a mesma

    que no deixa claramente eu me esquecer que existo. De alguma

    forma maior ou menor da existncia, e como triste existir de um jeito

    maior ou menor, sempre e continuamente a vida vai pegando, e

    quando vejo tarde. E cortar o que foi inventado causa uma forma

    nova de existir. Essa existncia que defronta aquela parada e

  • montono a vida cotidiana que ns amamos. Assim entra a morte, ela

    leva essa parte substancial da vida. Est velho o que criei, e esta

    angstia parece ser antiga, tanto quanto foi a vontade de recriar com

    uma imagem, um marco que fosse com ou como um sim e um no

    crescendo sem limites. (ANTONIO, 2005, p.52-53).

    Este transito-encruzilhada a partir no s da tica artstica enquanto aquilo que

    se observa. Se apresenta por meio da convergncia de mltiplas linguagens e que se faz

    presente no contato direto com a matria csmica. Consequentemente a escrita de

    Fausto Antonio encontra-se em constante dilogo por meio do fenmeno da

    intertextualidade ou do processo de hibridismo, com as artes plsticas, dramticas e

    audio visuais, apoiada numa exploso imagtica. Vejamos o que ora afirmamos nesse

    trecho em forma prosaica de Descalvado:

    A tela de um azul imenso e longamente pontilhado traz, no umbigo

    dilatado, o anjo atrs do homem e, atrs do anjo, o verbo divino. E o

    visionrio l, alm dos sulcos e da vigorosa arquitetura, bem possvel que faa dias e noites de frias e revoltadas pinceladas. (ANTONIO, 2006, p. 152).

    Constataremos que a escrita do poeta, tendo como sustentculo sintagmas to

    pleonsticos como verdadeiros origina intensas variaes semnticas. Observemos o

    seguinte trecho da obra Vinte anos de prosa de Fausto:

    O comeo do oco o oco do nada. Comerei ento? Cada bocado uma

    pedra, sinto o gosto de pedras vulcanizadas, rvores petrificadas.

    Quero o hmus, a umidade no escuro deleita-me. Quero regozijar-me

    em ter gua, o correr dela entre os dedos, sem poder bebe, alimenta-

    me. A razo dos meus dias fadiga de tentar lquido uma

    gota...(ANTONIO, 2006, p.22)

    Aqui eu suponho existir um emaranhado de smbolos que so

    exemplificados ancestralmente no sonho. nesse sentido que nasce o

    heri-umbigo? por este motivo que ele habita lugares sombrios

    como a caverna oca?

  • O onirismo um fenmeno psquicos ancestral. Bachelard diz em A Potica do

    Devaneio:

    O sonho noturno dispersa o nosso ser sobre fantasmas de seres heterclitos que no passam de sombras de ns mesmos. As palavras:

    fantasmas e sombras so demasiados fortes. Ainda esto

    excessivamente ligadas a realidades. Impedem-nos de ir at o extremo

    do aniquilao do ser, at a escurido do nosso ser dissolvendo-se na

    noite. A sensibilidade metafsica do poeta ajuda-nos a abordar nossos

    abismos noturnos. Acredito que os sonhos se formam, diz Paul Valry, por algum outro adormecido, como se a noite eles se enganassem de ausente. Ir ausentar-se em seres que se ausentam, tal a fuga absoluta, a demisso de todas as potncias do ser, a disperso

    de todos os seres do nosso ser. Assim soobramos no sonho absoluto.

    Agora passemos para os elementos recorrentes em Exumos,

    Como todos os quatro elementos: Ar, Fogo, Terra, gua, possuem essa

    caracterstica de ambivalncia (pelo menos para os ocidentais, no sei em temos mais

    ancestrais...) resolvi extrair dessa passagem a seguir o poder consumidor do fogo, das

    chamas. Ainda na pgina 24 de Exumos o EU continua:

    A razo de conden-la morte entra-me pelos poros e passo a ser a

    razo de extermnio. E a negao da vida vinha da sua vida, dos seus

    sonhos, dos seus olhos suspensos nos meus olhos. Olho ento para o

    umbigo do boneco e as minhas mos tremem, e a venalidade das

    minhas mos isenta-me de acalm-lo ou fur-lo. Fico assustado

    olhando-o, no posso entende-lo dentro ou numa possvel erupo.

    Suas chamas so no fundo um pacto cm a vida. O seu nascimento? O

    seu nascimento sou eu. Eo que me d sentimento de culpa com o

    mundo a matria viva. Essa habita-me. E quando a vejo, preciso

    morrer para sentir a vida. Preciso morrer olhando-o para lhe ofertar o

    que tenho de repugnante, ou o duvidoso e prenhe ato carbonizante de

    luxria, intumescido na memria, impede-me? Assim, vou construir

    um boneco que tem como heri o umbigo.(ANTONIO, 2005, p. 34).

    O nascimento alude ao fogo porque preciso purificar para nascer. Mas porque

    a matria viva d ao heri sentimento de culpa? No seria a sensao mais vvida do

  • real impregnado no nosso heri? O umbigo ao contemplar a vida, a realidade, precisa

    morrer para sonhar? Para nascer novamente? Em A Psicanlise do Fogo, Bachelard

    aponta:

    Se aceitssemos os princpios psicolgicos da ritmanlise de Pinheiro

    dos Santos, que nos aconselha a atribuir realidade temporal somente

    ao que vibra, compreenderamos imediatamente o valor de dinamismo

    vital, de psiquismo coeso que intervm num trabalho assim ritmado.

    realmente o ser inteiro em festa. nessa festa, mais do que num

    sobrimento, que o ser primitivo encontra a conscincia de si, e esta

    primeiramente confiana em si. A maneira como se imagina costuma

    ser mais instrutiva do que aquilo que se imagina. Basta ler o relato de

    Bernardin de Saint-Pierre para ficar impressionado com a facilidade e, consequentemente, com a simpatia como que o escritor compreende o procedimento primitivo do fogo por frico. Perdido na floresta com Virgine, Paul quer dar sua companheira o fruto espinhoso que se acha no topo de uma jovem palmeira. Mas a rvore desafia o machado e Paul no tem faca! Ele pensa em atear fogo ao p

    da rvore, mas no tem pederneira! E, alis, no a encontraria na ilha

    coberta de rochas! Observemos essas frases rpidas, cheias de volteios

    e emendas como a marca das tentaes impossveis. Elas preparam

    psicanaliticamente a deciso: preciso recorre ao procedimento dos

    negros. Tal procedimento ir se revelar to fcil que nos

    surpreendemos com as hesitaes que o precederam. Com a ponta de uma pedra ele fez um pequeno buraco num ramo de rvore bem seco

    que prende sob seus ps; depois, com o gume dessa pedra fez uma

    ponta num outro ramo igualmente seco, mas de uma espcie de

    madeira diferente. Colocou em seguida esse pedao de pau pontiagudo

    no pequeno buraco do ramo que estava sob os seus ps e, girando-o

    rapidamente entre as mos, como se gira uma batedeira para tornar

    cremoso o chocolate, em pouco tempo fez brotar do ponto de contato

    fumaa e fagulhas. Juntou ervas secas e outros ramos de rvore, e

    ateou fogo ao p da palmeira, que em breve caiu com grande estrondo.

    O fogo serviu-lhe ainda para despojar o fruto do invlucro de longas

    folhas lendosas e picantes. Virginie e ele comearam uma parte desse

    fruto crua e a outra cozida sob as cinzas, e as acharam igualmente

    saborosas...(p44-45).

    Atentemos para o conceito de ritmanlise exposto por Bachelard, ele existe por

    meio da ambivalncia dos elementos e de seus dinamismos. possvel que este trecho

    de Exumos tenha sido estrategicamente colocado pelo autor na pgina 69:

    Variaes... Vibraes sem limites e sem fim do tema sempre retomado e sem limites. Retorno com fria e vou cego. Cego e

    levemente bbado. Bebi um lquido muito superficial da gota do

  • sangue que se fez cogulo dentro do meu corpo. (ANTONIO, 2005, p. 54).

    E alargando a discusso para as questes das pulses sexuais antecedentes ao

    nascimento do heri ou aonde o heri pulsa, vibra; lemos na pgina 29:

    Tudo umbigo. E um homem e uma mulher se aproximam no pela beleza, mas pelo desejo de terem no amor a placenta atada outra? O

    cego desejo de ligar umbigo a umbigo fez um homem e uma mulher

    irem olhando no rosto um substituto. No rosto umbigo tudo ou quase

    tudo, mas mais os dentes e os cabelos. (p. 29).

    Novamente em A Potica do Devaneio nos dito:

    Que se pode recuperar desse desastre dos ser? Haver ainda fontes de

    vida no fundo dessa no-vida? Quantos sonhos no seria necessrio

    conhecer, pelo fundo e no pela superfcie, para determinar o

    dinamismo dos afloramentos! Se o sonho desce muito profundamente

    nos abismos do ser, como acreditar, com os psicanalistas, que ele

    encerra sempre, sistematicamente, significados sociais? Na vida

    noturna h profundezas nas quais nos sepultamos, nas quais no temos

    mais a vontade de viver. Nessas profundezas, intimamente, roamos o

    nada, o nosso nada. Haver outros nadas alm do nada do nosso ser?

    Todas as aniquilaes da noite convergem para esse nada do ser. No

    limite extremo, os sonhos absolutos nos mergulham no universo do

    nada. Recobramos vida quando esse Nada se enche de gua. Ento

    dormimos melhor, a salvo do drama ontolgico. Mergulhados nas

    guas do bom sono, estamos em equilbrio de ser com um universo em

    paz. Mas estar em equilbrio de ser com um universo ser realmente

    ser? No ter a gua do sono dissolvido o nosso ser? Em todo o caso,

    tornamo-nos seres sem histria ao entrarmos no reino da noite sem

    histria? (BACHELARD, 2009, p.140).

    CRONOGRAMA:

    1 ao 6 ms: cumprimento de disciplinas. Levantamento e leitura de fontes e

    bibliografia.

    7 ao 12 ms: cumprimento de disciplinas. Levantamento e leitura de fontes e

    bibliografias. Anlises e sistematizao dos dados. Redao dos captulos 1 e 2.

  • 13 ao 18 ms: Levantamento e leitura de fontes e bibliografia. Trabalho de crtica

    literria e hermenutica dos textos de Vinte Anos de prosa: Exumos, Vanssima Senhora

    e Descalvado. Anlise luz das leituras das obras doBachelard citado no projeto.

    Sistematizao dos dados e redao do captulo 3.

    19 ao 24 ms: Anlise crtica de Vinte anos de poesia. Elaborao do quarto captulo.

    Reviso, concluso do texto e defesa da dissertao.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

    ANTONIO, Fausto. Vinte anos de prosa. Editora Arte Literria. 2006.

    ANTONIO, Fausto. Vinte anos de Poesia. Editora Arte Literria. 2006.

    BACHELARD, Gaston. A Potica do Devaneio. Editora Martins Fontes. So

    Paulo.2009.

    BACHELARD, Gaston. O Direito de sonhar.Editora BERTRAND BRASIL. Rio de

    Janeiro.1994.

    CHEVALIER, Jean. Dicionrio de Smbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos,

  • formas, figuras, cores, nmeros. 16 edio. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2001.

    COELHO, Nelly Novaes. Escritores brasileiros do sculo XX: Um testamento Crtico.

    Editora Letra Selvagem. 2013.

    ____________________.Revista Letras, PUCCAMP, 15 (1/2) 259-274, dezembro de 1996.

    OLIVEIRA, Eduardo David de. Filosofia da Ancestralidade: Corpo e Mito na

    Filosofia da Educao Brasileira. Curitiba: Editora grfica Popular, 2007a.

    ________. Ancestralidade na Encruzilhada. Curitiba: Editora

    Grfica Popular, 2007b.

    ________. Epistemologia da Ancestralidade. Disponvel em:

    www.entrelugares.ufc.br/entrelugares2/pdf/eduardo.pdf. Acesso em: 22/09/2011.