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Desafios Escalares no Planejamento: a produção socioespacial da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde na Região Metropolitana de Curitiba
Resumo
Este estudo apresenta uma discussão escalar no planejamento urbano, configurado pelas três instâncias de poder: municipal, estadual e federal, e suas dificuldades de aplicação em regiões metropolitanas, dada a dialética da dinâmica socioespacial de produção da cidade e a fragmentação dos arranjos institucionais. Explicita a lógica excludente dos instrumentos de gestão urbana como ferramentas para a recuperação de mais valia e de que forma reforçam uma produção espacial centro-periferia na dimensão urbano-regional. Após 15 anos do Estatuto das Cidades, de abrangência principalmente municipal, traz alguns desafios do novo Estatuto da Metrópole que normatiza a instância de articulação do planejamento metropolitano. Traz como exemplo destes desafios escalares, o projeto da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde (antiga BR-116), instrumento de gestão municipal implantado pelo município de Curitiba em 2012, em um eixo de caráter regional.
Palavras-chave: Escalas de Planejamento. Instrumentos de mais-valia. Região Metropolitana de Curitiba. Operação Urbana Consorciada Linha Verde.
Urban Planning Scalar Challenges: the socio spatial production of the Operação Urbana Consorciada da Linha Verde in the Metropolitan Region of Curitiba
Abstract
This study presents a scalar discussion in urban planning, by the three levels of government: municipal, state and federal, and the implementation difficulties in metropolitan areas, given the dialectics of socio-spatial dynamics of city production and the fragmentation of institutional arrangements. Explains the exclusionary logic of urban management tools for surplus recovery and how it reinforces the center-periphery configuration in the urban regional dimension. After 15 years of the “Estatuto da Cidade” as a law of municipal appliance, brings some challenges of the new “Estatuto da Metrópole” that regulates the instance of metropolitan planning. It brings as an example of such scalar challenges, the project “Operação Urbana Consorciada da Linha Verde” (formerly BR-116), municipal management tool implemented by the city of Curitiba in 2012 in a regional axis road.
Key words: Urban Planning Scales. Surplus Instruments. Metropolitan Region of Curitiba. Operação Urbana Consorciada Linha Verde.
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1 Introdução
Considerando os processos de planejamento urbano em escala metropolitana,
compreender de que forma as cidades e suas áreas circundantes se constituem e se
articulam, ajuda a identificar tendências da dinâmica da urbanização contemporânea e
auxilia na discussão dos problemas e propostas de planejamento que podem contribuir para
superar as desigualdades sociais. Nesse sentido, o estudo traz os principais desafios
escalares dos municípios inseridos num recorte metropolitano, dada a dialética da dinâmica
socioespacial de produção do urbano e a fragmentação dos arranjos institucionais,
exemplificado pelo Projeto da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde de Curitiba.
Questiona-se a abrangência dos planos diretores municipais, instrumentos de
planejamento urbano de escala local, que não atenderiam as demandas das cidades como
participantes de uma dinâmica regional. Estes planos devem estar de acordo com o Estatuto
da Metrópole, lei federal vigente desde 2015, que conceitua as Regiões Metropolitanas e os
Aglomerados Urbanos, instituindo instrumentos de planejamento regional.
Portanto, pretende-se realizar um estudo da problemática socioespacial, com uma
discussão em torno da fragmentação política da metrópole. Também demonstrar o limite da
escala municipal, que não considera de maneira ampliada a região e suas conexões, e
discutir a gestão do espaço urbano e a política de promoção do desenvolvimento integrado
à luz da gestão social da valorização da terra e dos instrumentos de recuperação de mais-
valia. Para isto, exemplifica-se o impacto do projeto implantado na antiga BR-116, resultante
da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde no município de Curitiba.
2 O desafio escalar do planejamento: o paradoxo do “espaço do problema” e o “espaço da ação política”
As regiões metropolitanas brasileiras são o paradoxo entre a riqueza e o déficit
social: são tanto o lócus privilegiado de concentração do capital como o da (re)produção das
disparidades socioespaciais e do acesso aos serviços públicos. Ainda que essas regiões
conformem realidades muito distintas (físicas, geográficas, históricas, culturais, econômicas,
etc), a metropolização contemporânea, de dimensão urbano-regional (Moura, 2012)
manifesta-se pelo país marcada por contradições, que transitam pelo institucional, social,
econômico e político.
Embora no Estado brasileiro persista uma divisão espacial do poder em três níveis
federados, nos quais se definem as políticas urbanas – União, Estados e Municípios – os
problemas e desafios da realidade socioespacial ultrapassam as fronteiras político-
institucionais. A incoerência entre o espaço onde estendem-se os problemas socioespaciais
– que chamaremos, grosso modo, de “espaço do problema” - e os níveis oficiais nos quais
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se estabelecem as ações de ordenamento territorial – o “espaço da ação política” - pode ser
entendida, primeiramente, pelo processo de definição das escalas para o planejamento
territorial.
A escala em si é uma construção social, política, simbólica e discursiva, articulada
por meio das estratégias e dos projetos dos agentes sociais que a constroem (Vainer, 2001).
Apresentando características de fluidez e de arranjo ou rigidez, as escalas (locais, regionais,
nacionais ou mesmo globais) sobrepõem-se, imbricam-se e relacionam-se. (Klink, 2013).
Como elucida Vainer (2001), os processos econômicos, políticos, sociais, etc possuem
dimensão quase sempre transescalares, sendo a constituição da escala político-
institucional, assim como a hierarquização do poder entre as mesmas, o resultado de
embates, passíveis de contestação. Esse entendimento permite questionar as escalas do
planejamento, como se estas contivessem, a priori, os processos socioespaciais. Desta
forma, é impossível compreender os processos que se desdobram em uma escala de forma
dissociada das outras; ainda que a intervenção no ordenamento territorial e a ação política
definam-se normativamente, no Brasil, em uma das três distintas esferas de poder, cada
qual com suas responsabilidades federativas.
O aspecto contraditório entre o “espaço do problema” socioespacial e o “espaço da
ação política” é evidenciado na construção da escala metropolitana, arena de disputas
contínuas entre os agentes sociais pela hegemonia sobre o projeto da política urbana de
dimensão urbano-regional. Os agentes com maior capacidade de agenciamento avançam
em função dos seus projetos estratégicos, geralmente com primazia de força decisória do
município polo partícipe de uma região metropolitana. Com o recém estabelecido Estatuto
da Metrópole (Lei federal nº 13.089 de 2015), faz-se essencial problematizar quais os
interesses que se reproduzem na política urbano-regional e o quão próximos ou distantes
esses interesses se encontram das preocupações de concretização do direito à cidade na
metrópole (Franzoni, 2015).
Marcada pela desigualdade de distribuição dos recursos urbanos, a contradição da
escala metropolitana agrava-se no contexto de retomada de investimentos nas grandes
cidades, a partir da década de 1990. Segundo Klink (2013), as áreas metropolitanas são
conferidas de privilégio ao crescimento econômico por parte dos governos estaduais e
federais e alçadas a pivôs dos investimentos privados para a execução de grandes projetos
urbanos (GPU) e operações urbanas consorciadas (OUC); a exemplo da OUC Linha Verde
em Curitiba, a ser tratada mais adiante.
O agenciamento das áreas metropolitanas pelo processo produtivo manifesta-se,
contudo, de forma seletiva nos municípios polo, sem irradiar potencialidades para a periferia,
agravando um quadro de “metropolização ex-post” (Rolnik e Klink, 2011), historicamente
manifesto pelas disparidades sociespaciais e ambientais acumuladas no processo de
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crescimento das grandes cidades brasileiras, desde a década de 1930. Sustentada pela
lógica das parcerias público-privadas e da construção das novas engenharias financeiro-
institucionais em torno do planejamento e da execução de grandes projetos de infraestrutura
e de empreendimentos, a mudança na estrutura de financiamento dos projetos urbanos
estimula a concorrência entre os lugares – inclusive entre os municípios partícipes de uma
mesma região metropolitana - catalisando transformações ainda mais amplas no ambiente
urbano e político (Klink, 2013).
O aspecto da fragmentação urbano-regional encontra-se também na insuficiência da
escala municipal para a realização do direito à cidade na metrópole, uma vez que o “espaço
do problema” onde os desafios para a sua concretização se desdobram ultrapassam os
limites municipais. Preconizado pelo municipalismo adotado após a Constituição de 1988, a
autonomia municipal revela-se na produção do espaço da cidade por meio do Estatuto da
Cidade (Lei Federal nº 10.257 de 2001), que normatiza o plano diretor como instrumento
básico da política urbana e da articulação dos diversos instrumentos para a realização das
funções sociais da cidade e da propriedade. Caberia ao Estado-membro criar a escala
metropolitana via lei estadual, a partir do Estatuto da Metrópole e nos moldes da governança
metropolitana interfederativa, com vistas a articular as atribuições de todos os municípios
partícipes, para a maior efetividade na organização, no planejamento e na execução das
funções de interesse comum – incluso o desenvolvimento urbano integrado. O espaço da
ação política metropolitana não confunde-se, portanto, nem com o do Estado-membro nem
com o dos Municípios partícipes de uma região metropolitana, nem adota para si
responsabilidades federativas do ordenamento territorial.
Faz-se essencial considerar que o planejamento urbano é capaz de intensificar as
desigualdades socioespaciais intraurbanas assim como as diferenças estruturais
intrametropolitanas, constrangido por autonomias municipais e interesses de mercado, ao
mesmo tempo em que inserido numa dinâmica urbano-regional. Do ponto de vista da
maioria dos projetos políticos e das agendas de governo até então estruturadas nas escalas
metropolitanas, a desarticulação em torno da definição de metodologias e diretrizes comuns
dos planos diretores evidencia a fragilidade da capacidade de controle social sobre o
ordenamento territorial de dimensão urbano-regional, afastada das exigências do direito à
cidade e pervasiva à atuação do mercado imobiliário (Klin, 2013; Franzoni, 2015; Gorsdorf,
2009).
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3 O desafio da gestão social da valorização da terra na dimensão urbano-regional
Um dos temas mais recorrentes quando se pensa na escala metropolitana é o
ordenamento do território, uma vez que uma de suas principais características é o contíguo
do uso e ocupação do solo. Pela moldura institucional brasileira, realizar o ordenamento
territorial exige executar a política urbana preconizada pela Constituição Federal e pelo
Estatuto da Cidade. Dessa forma, deve ser pautado por dois princípios fundamentais, pilares
da ordem urbanística: o princípio da função social da cidade e da propriedade urbana.
A função social da cidade e da propriedade são normativamente balizadoras do
desenvolvimento urbano e regional. O princípio da função social da propriedade é
reafirmado como princípio da ordem econômica e financeira (Brasil, 1988, art. 170, III),
permeia todo o texto dos dispositivos da política urbana (Brasil, 1988, art. 182 e 183) e os da
política agrícola e fundiária (Brasil, 1988, art. 184 a 191). Supera-se, assim, a concepção de
propriedade como unidade restrita ao interesse privado ou de mercado, para a concepção
de sua dimensão coletiva e social.
A adoção deste princípio assume que o uso da propriedade se reflete não apenas na
efetivação dos direitos individuais - dentre estes, o direito de propriedade - mas também dos
direitos sociais, como direito à moradia e à mobilidade urbana, e dos direitos difusos,
incluindo o direito ao meio ambiente equilibrado e ao ambiente urbano (Soares & Feres,
2008). Essa reflexão é essencial ao pensarmos a efetivação dos direitos da cidade,
independente da escala de análise.
No contexto desse estudo, duas diretrizes do Estatuto da Cidade para a garantia do
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, merecem
destaque: a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de
urbanização (Brasil, 2001, IX, art. 2º); e a recuperação dos investimentos do Poder Público
de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (Brasil, 2001, XI, art. 2º). Ambas
diretrizes são orientadas para a gestão social da valorização da terra – também denominada
de recuperação da valorização fundiária ou recuperação de mais-valia urbana (Santoro &
Cymbalista, 2005) - fundamentais para a realização da justiça social no território. Estes
dispositivos fixam um critério fundamental ao aspecto econômico do processo de
urbanização, estabelecendo a distribuição do ônus e bônus segundo um critério de justiça
para reversão da desigualdade socioespacial (Piza, Santoro & Cymbalista, 2005).
Sob a perspectiva da gestão social da valorização da terra, as desigualdades
socioespaciais são entendidas, grosso modo, como resultantes de um processo urbano
excludente onde o valor do imóvel bem localizado e com infraestrutura é apropriado de
maneira privada, por meio de uma valorização que provém de investimentos públicos em
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determinadas porções do território. A gestão social da valorização da terra parte do
pressuposto que tais acréscimos no valor de propriedade que derivam de ações do poder
público – tais como investimento em infraestrutura e serviços ou decisões regulatórias sobre
o uso do solo urbano - não deveriam ser apropriados privadamente (Piza, Santoro &
Cymbalista, 2005). Ao contrário, o incremento deveria retornar à coletividade, revertido em
benefício ao desenvolvimento urbano equitativo. A lógica é que investimentos públicos na
urbanização, e o desenvolvimento urbano como um todo, seriam impactantes na economia
e na sociedade, sendo a política urbana equipada de mecanismos para diminuir tais
distorções da interação Estado e Mercado (Baltrusis, 1999).
O Estatuto da Cidade (EC) institui uma série de instrumentos financeiros e jurídicos
para reprimir a apropriação privada de valorização fundiária, visando o controle da
especulação imobiliária, assim como para recuperar essa mais-valia. Dentre os
instrumentos, alguns apresentam potencialidades específicas para a recuperação do poder
público, no interesse coletivo, de parcelas da valorização fundiária decorrentes de
investimentos: contribuição de melhorias (art. 4º, EC); outorga onerosa do direito de
construir (seção IX, EC); e as operações urbanas consorciadas (seção X, EC); esse último
do qual trataremos com mais profundidade adiante.
Contudo, faz-se necessária uma ressalva com relação à recuperação da valorização
fundiária, considerando a atual lógica que governa as cidades em sua relação Estado e
Mercado. As operações urbanas consorciadas (OUC) são certamente o instrumento mais
controverso do Estatuto da Cidade quanto à promoção do interesse coletivo e
comprometimento com a função social da propriedade. As experiências de utilização deste
instrumento pelos municípios têm revelado uma dinâmica de favorecimento do mercado
imobiliário e acumulação de recursos, ao contrário de recuperar a mais-valia produzida pelo
investimento público em favor da coletividade (Piza, Santoro & Cymbalista, 2005). Segundo
Fix (2001), ainda que haja a recuperação da valorização fundiária, essa, ao ser reinvestida
na mesma área valorizada (especificidade da OUC), acaba por reconcentrar os recursos e
investimentos e não redistribuir espacialmente a mais-valia recuperada.
Como mencionado anteriormente, a escala do município é normatizada como a
principal efetivadora da função social da propriedade urbana e da cidade pelo Estatuto da
Cidade. Dotados de força normativa, os princípios de função social constituem-se como
exigência no momento de aplicação, valoração e ponderação das normas dos planos
diretores. Logo, o plano diretor é o instrumento que explicita a forma como a gestão social
da valorização da terra será feita na escala municipal (Piza, Santoro & Cymbalista, 2005). A
operação urbana consorciada só pode, inclusive, ser aplicada se estiverem definidas as
áreas para sua utilização em lei municipal, em consonância com as diretrizes de
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desenvolvimento do município. Ou seja, o plano diretor garante a autonomia municipal na
intervenção no ordenamento territorial.
Ao adotar-se a dimensão regional da desigualdade socioespacial, a perspectiva de
justa distribuição do ônus e bônus da urbanização nos parece dever também alterar-se em
escala, uma vez que o processo excludente da urbanização ultrapassa os limites municipais.
Sob essa perspectiva, a gestão social de valorização da terra pode ser interpretada como
um dos sombreamentos entre a regulação do planejamento territorial na dimensão municipal
e sua possibilidade de efetivação na dimensão metropolitana, apresentando-se como mais
um dos desafios para o desenvolvimento urbano-regional.
O objetivo do recente Estatuto da Metrópole seria preencher as lacunas do Estatuto
da Cidade quanto à articulação das funções de interesse comum na escala metropolitana,
incluso o desenvolvimento urbano integrado. A atuação dessa esfera nos moldes da
governança metropolitana interfederativa, preconizada pelo novo Estatuto, deve, ainda
assim, ser pautada pelo imperativo de democratização da cidade e pelo direito urbanístico
estabelecido pelo Estatuto da Cidade (art. 1º, §2º, Estatuto da Metrópole).
O Estatuto da Metrópole, no seu artigo 9º, lista os possíveis instrumentos a serem
utilizados no desenvolvimento das regiões metropolitanas e de aglomerações urbanas, entre
eles: o plano de desenvolvimento urbano integrado - aprovado mediante lei estadual - o
PDUI; macrozoneamento para a unidade territorial; planos setoriais interfederativos;
operações urbanas consorciadas interfederativas; delimitação de zonas para aplicação
compartilhada dos instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade; e parcerias
público-privadas interfederativas. Segundo as normas desse Estatuto, os Estados-membro
são os entes competentes para a instituição, via lei estadual, dos instrumentos de
planejamento metropolitano, cabendo aos municípios compatibilizarem seus planos
diretores às diretrizes apontadas para a unidade territorial (art. 10º, § 3º, Estatuto da
Metrópole).
O que de certa forma poderia amortecer o municipalismo das políticas urbanas,
evidencia-se ainda dependente da tratativa da escala metropolitana dada pelos planos
diretores para a execução e decisão sobre as formas que, na prática, concretizam a
dinâmica entre a escala municipal e a metropolitana (Gorsdorf, 2009). O Estatuto da
Metrópole abre o campo de possibilidades para a gestão social de valorização da terra de
dimensão urbano-regional, mas sem aprofundamento quanto à efetiva aplicação
compartilhada de instrumentos, uma vez que reitera os espaços de decisão política nas
esferas municipal e estadual.
Se abre o espaço para a reflexão da distribuição do ônus e bônus da urbanização
metropolitana, também aparenta abrir espaço para a reprodução da distorcida interação
Estado e Mercado, ao reforçar como instrumentos de desenvolvimento urbano-regional os
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aparatos financeiro-institucionais das operações urbanas consorciadas interfederativas e
das parcerias público-privadas interfederativas. Especialmente a operação urbana
consorciada interfederativa, o único instrumento apontado no Estatuto da Metrópole
acrescentado à lei do Estatuto da Cidade, conforme artigo 24º:
“A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 34-A: Art. 34-A. Nas regiões metropolitanas ou nas aglomerações urbanas instituídas por lei complementar estadual, poderão ser realizadas operações urbanas consorciadas interfederativas, aprovadas por leis estaduais específicas” (Brasil, 2015).
Sem, contudo, vincular o uso do instrumento à definição de sua área de aplicação no
plano de desenvolvimento urbano integrado e ao macrozoneamento da unidade territorial
metropolitana; para exemplificar apenas alguns possíveis conflitos de utilização do
instrumento, capaz de reforçar a primazia de atração de investimentos ao Município polo e
disseminar reflexos desequilibrados no conjunto da região metropolitana.
Fato é que a aprovação do Estatuto da Metrópole substancia o reconhecimento da
segregação socioterritorial e da precarização urbana num contexto metropolitano. Parece
supor a necessidade de articulação regional de políticas públicas de desenvolvimento
urbano para apoiar o acesso ao direito à cidade na metrópole. Assim, se o Estatuto da
Metrópole pode ser entendido como construção de um novo arcabouço jurídico para nortear
o desenvolvimento urbano-regional, determinadas questões sobre a distribuição desigual
dos ônus e bônus da urbanização metropolitana devem ser aprofundadas para desencadear
uma agenda mais consistente na efetivação da função social da cidade e da propriedade
nesta escala.
Requer-se um olhar para o processo de metropolização com recorte de justa
distribuição de ônus e bônus da urbanização e no uso dos mecanismos econômico-
financeiros que podem tanto permitir a redistribuição social da recuperação da mais-valia
como promover a captura exclusivamente privada da mesma. Sob essa perspectiva, o
processo de metropolização de Curitiba e a Operação Urbana Consorciada da Linha Verde
serão referência para a análise da produção socioespacial da Região Metropolitana de
Curitiba (RMC), em seu entrelaçamento nas escalas municipais e a metropolitana. O
interessante a notar, como demonstraremos com a Operação Urbana da Linha Verde em
Curitiba, é a polêmica explícita no uso deste instrumento – a priori considerado de gestão
social de valorização fundiária - aplicada em um contexto metropolitano, porém determinada
por uma decisão política municipalista.
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3 Metropolização de Curitiba
A Região Metropolitana de Curitiba (RMC) foi criada na década de 1970 com
quatorze municípios limítrofes (Núcleo Urbano Central – NUC), formação mantida até a
década de 1990, quando ocorreram alguns desmembramentos, e em 2016 totaliza 29
municípios (FIG 1). Desde a sua criação, a região, com área de 15,5 mil km², sofreu um
acelerado crescimento populacional, com incremento de 907.391 hab para 3.223.836 hab
em 2010 (IBGE, 2010), concentrando 91,70% da população em 4% de sua superfície,
considerada como área urbana.
Podemos entender o crescimento populacional na região em diferentes períodos.
Entre a década de 1970 e 1990, tem-se um movimento de migração rural-urbano,
acompanhando a dinâmica que ocorria todo território nacional. A partir daí, a construção da
imagem da cidade através do ‘city marketing’ atrai investimentos econômicos e torna-se um
atrativo populacional. Isto fica evidente ao constatar-se que em 2000 a RMC concentrava
30% da população de todo Paraná, com incremento de 16,36% em toda região e de 19,59%
nos 28 municípios, ao se excluir Curitiba (IPEA, 2013). Destacaram-se os município de São
José dos Pinhais, onde localiza-se o polo automotivo e o Aeroporto Internacional, Colombo,
Araucária, polo petroquímico e industrial, Piraquara e Campo Largo, localizados em porções
distintas do território (tanto leste, oeste, norte e também sul).
Classificada como única metrópole no Estado do Paraná pelo IBGE (2008) e
metrópole nacional pelo IPEA (2002), polariza um dos sistemas urbanos no país (MOURA,
2009 p. 136), rede na qual suas influências extrapolam os limites político-administrativos,
polarizando inclusive algumas cidades do Estado de Santa Catarina. Neste cenário, os
municípios periféricos à capital deveriam participar da dinâmica do processo de
planejamento de forma integrada ao município polo. Porém, identificam-se graves
problemas resultantes da desconexão entre os municípios, como as disparidades sociais,
econômicas, a baixa oferta de habitação de qualidade, de infraestrutura, de transporte
público e de lazer, podendo-se destacar a taxa de pobreza (renda familiar per capita de até
½ salário mínimo), que, enquanto em Curitiba é de 8,6%, chegando a 21% nos 14
municípios limítrofes (NUC), atinge 35% nos demais, ficando evidente a desigualdade
(IPEA, 2013 p. 13). Cabe lembrar que, ao se tratar de médias percentuais, não se deve
desconsiderar que a divergência intra-municipal também é acentuada, pois os valores
absolutos de pobreza também se destacam na capital.
Podemos entender brevemente a lógica de periferização e de apropriação destes
espaços com a expansão das primeiras aglomerações no entorno de Curitiba. Com o
desenvolvimento da região seguindo principalmente ciclos da economia, tem-se uma
ocupação inicial impulsionada pela vinda de imigrantes, que consolidaram a cidade de
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Curitiba como um centro regional. Na segunda metade do século XX, com a integração
nacional e a criação de uma rede urbana impulsionada pela industrialização em alguns
estados, Curitiba, com um crescimento urbano ainda lento, elabora o primeiro Plano
Urbanístico de Alfred Agache (1943), prevendo a abertura de largas vias no tecido da cidade
e um anel periférico limitador. Na década de 1960, foi elaborado o Plano Preliminar
Urbanístico de Curitiba que previa o desenvolvimento linear para a cidade em vias
estruturais (Sul e Norte), com objetivo de orientar a expansão do crescimento acelerado na
direção nordeste-sudeste.
Nos anos 1970, ocorre a diversificação e modernização da agropecuária no Estado e
a introdução de ramos industriais, acompanhados pelo crescimento populacional da cidade
com vetores ao norte e leste. Por meio do planejamento, busca controlar o aumento
populacional do núcleo urbano, com o uso de instrumentos de uso e ocupação do solo,
como o zoneamento. Nesta mesma década, foram criados dois órgãos de planejamento
para atuarem em diferentes escalas: o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de
Curitiba (IPPUC) e a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC). É quando
se elabora o primeiro Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI) da RMC.
O PDI, elaborado pela COMEC, constatava já no final da década de 1970 que as
cidades da região metropolitana sofriam um processo de expansão urbana condicionado à
fatores físicos, indicando a região oeste como vetor de expansão ao crescimento. Com isso,
o plano orientava esta expansão de acordo com restrições ambientais, buscando também
diminuir os desequilíbrios econômicos, na tentativa de atenuar as disparidades regionais.
Orientava uma concentração dispersa, com a criação de sub-centros regionais polarizados
para redistribuição dos efeitos do desenvolvimento, até então concentrados no município
polo.
Segundo o plano, a estratégia de ocupação deveria ocorrer em partes distintas do
território, de acordo com os condicionantes físicos e ambientais, determinando a área
central como de contenção de expansão, ao leste de preservação, ao norte e sul de
dinamização rural e ao oeste de promoção industrial e urbana. Intencionava criar uma rede
de cidades, com o objetivo de contenção do tecido urbano de Curitiba dentro de seus limites
políticos-administrativos, e redistribuindo as funções urbanas da metrópole entre outros
municípios (COMEC, 2006 p 15).
No entanto esta estratégia regional não contemplava uma distribuição equitativa da
população e das atividades econômicas geradoras de renda sobre o território metropolitano,
criando tensões entre os proprietários de terras, que buscavam aumentar seus lucros, e das
lideranças municipais, que desejam elevar seu potencial de poder político, mediante a
ampliação dos contingentes populacionais e da renda econômica em seus territórios.
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Após a Constituição Federal de 1988, os municípios ganham autonomia como entes-
federados e as estratégias do PDI não são aplicadas. Nos anos seguintes, Curitiba efetiva-
se como concentrador de população e a malha urbana se espalha sobre os territórios:
“a expansão do núcleo urbano central nos municípios vizinhos a Curitiba processou-se fora do ordenamento previsto no PDI de 1978, sem a implantação das infraestruturas necessárias à formação de um tecido urbano contínuo e estruturado, principalmente no que se refere aos corredores viários e de transportes de passageiros. Além disso, os municípios que receberam elevados contingentes populacionais em curto espaço de tempo não tiveram a correspondente contrapartida do crescimento econômico e das receitas financeiras para fazer frente as demandas por serviços públicos oriundas dessas populações.” (COMEC, 2006, p. 16)
Com a realidade de metropolização da região, Curitiba aprova uma nova Lei de
Zoneamento em 2000, ainda seguindo as premissas do Plano Diretor de 1966. Dentre as
alterações, a criação de um eixo de integração e desenvolvimento metropolitano na BR-116,
ainda de gestão federal (DNER), além de outros novos eixos de adensamento. Previam-se
alterações significativas para os bairros atravessados pela rodovia, ocupada até então por
estabelecimentos de comércio e serviço ligados ao transporte. Segundo a proposta, este
perfil original deveria ser alterado para tornar-se integrador metropolitano, através da
implantação de sistema de transporte de grande capacidade e a diversificação de usos
(PMC, 2000). Permitia a construção de edifícios comerciais e residenciais com até 12
pavimentos, com altura livre nos polos, onde se localizariam as estações do transporte
público. Uma nova lei também alteraria o instrumento do Solo Criado, antes somente
vinculado ao Fundo Municipal de Educação, que poderia também ser utilizado para
preservação de áreas verdes, ampliando o mecanismo de transferência de potencial
construtivo para preservação não só do patrimônio histórico, mas também ambiental.
Em adequação ao Estatuto da Cidade, em 2004, um novo plano diretor entra em
vigor em Curitiba, com as premissas de considerar a realidade especifica do município,
permitindo a intervenção no ordenamento territorial com autonomia. Novos instrumentos
foram incorporados às práticas de planejamento urbano e a participação popular
considerada fundamental em debates sobre os rumos das cidades. Dentre alguns
instrumentos já conhecidos pelo planejamento da cidade de Curitiba estão o solo criado e a
transferência do direito de construir e ,descritos pela primeira vez, as operações urbanas
consorciadas.
Neste mesmo período, a COMEC elabora um documento para a Gestão do Sistema
Viário, identificando formalmente as vias que exercem funções metropolitanas, propondo
que mecanismos de gestão fossem integrados e que estas estruturas viárias regionais
deveriam ter função de grandes vetores de expansão. A antiga BR-116 (caracterizada
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posteriormente por Linha Verde) é classificada como uma via de integração metropolitana,
que abrigaria prioritariamente o tráfego de longa distância intra-metrópole e o tráfego do tipo
interno-externo e externo-interno - o tráfego que entra e sai da metrópole - apresentando
continuidade com o sistema de vias expressas, localizando-se internamente ao Anel de
Contorno Regional. Nesta classificação, propôs também diretrizes para cada categoria
viária: como se dariam os acessos, de que forma seriam as interseções e qual a distância
entre estas, estabeleceu geometria e velocidades desejadas, a capacidade para o
escoamento, estacionamentos, e que para o transporte coletivo e uso do solo deveriam ser
pensados projetos específicos (COMEC, 2010).
Ainda segundo este documento, o sistema viário, dada sua importância como
elemento de conexão, deveria ser gerido através de um modelo que contemplasse a
pluralidade institucional existente sobre o seu processo decisório e a diversidade funcional
de seu uso, com uma integração institucional que permitisse uma ação conjunta dos órgãos
públicos e diversos municípios, evitando-se que visões parciais de um segmento da
administração pública privilegiassem uma determinada função viária em detrimento das
outras.
Neste contexto, em 2012, Curitiba utiliza-se do instrumento previsto no plano diretor
municipal, e cria a Operação Urbana Consorciada da Linha Verde na antiga BR 116, eixo
que atravessa o município de Curitiba de norte a sul em quase sua totalidade, se
conectando a rede viária metropolitana (FIG 2).
5 Operação Urbana Consorciada Linha Verde
Dentre os instrumentos instituídos legalmente para recuperação da mais-valia
urbana, a operação urbana consorciada consiste em um conjunto de intervenções
urbanísticas em grande escala para transformação estrutural de um determinado setor da
cidade, através da reconstrução e redesenho do tecido urbano, com recursos públicos e
privados. Para isto, alteram-se os direitos de usos e edificabilidade do solo, buscando
transformações econômicas e sociais, com parcerias entre proprietários, poder público,
investidores privados, moradores e usuários. Com objetivo de adensamento de áreas
subutilizadas, propicia área de construção adicional acima dos parâmetros mínimos de uso
e ocupação. Com isso, ao aumentar gradativamente o número de usuários e habitantes do
local, acentuaria a demanda por infraestrutura e equipamentos, produzidos com os recursos
que são obtidos pelas contrapartidas.
A implantação do Operação Urbana da Linha Verde na antiga BR-116 teria como
objetivo recuperar antigas zonas da cidade de localização privilegiada e que perderam ou
tiveram suas funções subutilizadas, local caracterizado por grandes terrenos e com usos
industriais e de baixíssima densidade. Com a conclusão do Contorno Viário Leste em 2002,
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os fluxos rodoviários foram deslocados, ao desviar o tráfego intenso de caminhões e
transporte de cargas e passageiros do perímetro urbano, passando a comportar somente
fluxos diários de transportes municipais e metropolitanos.
Ao se considerar a importância do eixo nestes fluxos, entende-se a Linha Verde
como um Eixo Estrutural de ligação em massa (semelhante aos outros Eixos já existentes
em Curitiba que vinculam transporte público, vias de alta capacidade de tráfego,
concentração de equipamentos públicos e densificação da ocupação através da
verticalização) de sentido norte-sul, que atravessa quase todo perímetro da cidade nesta
extensão e conecta-se em nós com eixos de ligação leste-oeste. Pode-se citar os seguintes
nós: inicia-se no trevo do Atuba, ligação com os município de Colombo, Quatro Barras e
Campinha Grande do Sul, conectando-se ao contorno da BR-116 sentido São Paulo; com a
Av. Vitor Ferreira do Amaral, importante eixo de conexão com os municípios de Pinhais e
Piraquara, que conecta-se ao Contorno Leste; com a Av. Presidente Affonso Camargo (eixo
Estrutural Leste-Oeste) que faz ligação com o litoral do Estado através da rodovia BR-277;
com a Av. Comendador Franco (Av. das Torres), eixo de ligação com São José dos Pinhais,
com o Aeroporto Internacional e ao Estado de Santa Catarina; com a Av. Marechal Floriano
Peixoto (Eixo Estrutural Sudeste); até conectar-se ao Contorno Sul, ligação com o município
de Fazenda Rio Grande e sul do Estado do Paraná.
Para aplicação da operação, a administração da via foi transferida do governo do
estado para o município, que além de modificações viárias, propôs novos parâmetros para o
uso do solo, alterando o zoneamento e as permissões construtivas. Emitiram-se títulos, os
Certificados de Potencial Construtivo (CEPACS), que vendidos em leilões na bolsa de
valores, permitem aos compradores adquirir potencial construtivo para edificar acima dos
parâmetros estabelecidos em lei. Na OUC-LV foi prevista a emissão em etapas de 4,83
milhões CEPACs ao longo da vigência de 25 a 30 anos da operação, que equivaleriam a R$
1,2 bilhões, a serem utilizados nas intervenções urbanísticas. Estes títulos têm lastro no
potencial de 4,47 milhões de metros quadrados de área adicional de construção, e
dependem do interesse do mercado para sua comercialização.
Na fase de análise dos impactos do projeto, o eixo foi caracterizado como sendo
indutor de crescimento, conforme premissas do PDI: “Cabe destacar que, a ocupação
urbana e o adensamento populacional metropolitano evidenciam a antiga rodovia federal
BR-116, atual Linha Verde, como a conexão diametral mais importante em relação à capital,
configurando-se como seu principal eixo de desenvolvimento” (FIPE, 2012), mas
posteriormente nas diretrizes e ações, não considerou os impactos metropolitanos, voltando-
se apenas ao município de Curitiba. Como resultado, o projeto altera a configuração
espacial local, ao criar um eixo de valor para o mercado imobiliário deste núcleo,
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impactando na produção espacial dos municípios limítrofes que não acompanharam esta
dinamização do valor da terra, abrigando a população excluída.
Portanto, pode-se verificar que a Operação Urbana da Linha Verde enquadra-se na
lógica de produção espacial de exclusão, ao se elaborar normas de uso e ocupação do solo
municipais, que elevam o custo da terra e criam condições para reprodução das
desigualdades sociais e conflitos, adicionado valor através da nova infraestrutura a
determinados locais, que se tornam de interesse dos promotores imobiliários e afastam
determinadas classes da população. Com a utilização dos instrumentos que captam
recursos dos proprietários e construtoras, deveria ser possível recuperar os investimentos.
Com a compra de potencial para construção, interferia-se na produção espacial urbana ao
promover ações de inclusão da população, através da recuperação das áreas degradadas,
construindo moradias de interesse social e permitindo a permanência dos habitantes que em
outras propostas seriam excluídos. Porém, na própria formulação do instrumento, em que os
valores arrecadados só podem ser aplicados na mesma área de implantação do projeto,
beneficia-se apenas aqueles inseridos nas áreas que contribuíram.
Nos eixos estruturais implantados em Curitiba na década de 1970, através das
políticas públicas, atribuem-se valores suplementares a espaços já valorizados, formando
um estoque para a expansão seletiva do centro da cidade, onde a população é classificada
de forma a dividir o espaço de maneira desigual. As transformações na BR-116, agora novo
eixo estrutural, antes excluída da dinâmica de valorização elevada da terra urbana, incluem-
na nesta lógica dos demais eixos. O projeto da Linha Verde, que poderia ter sido o elemento
articulador da integração dos espaços historicamente excluídos, deslocou as fronteiras de
ocupação da cidade polo, para atender às necessidades de novos empreendimentos em
manter a cidade como núcleo atrativo de investimentos. Afastou as classes mais populares,
que não teriam mais acesso à terra valorizada, para os municípios vizinhos e se tornou um
novo estoque de espaço para ser ocupado pela população organicamente integrada
(SOUZA, 2001 p. 121).
Conclui-se que na implantação desse tipo de estrutura na cidade, definem-se quais
são os locais para investimentos públicos e melhorias em grande escala. Como resultado,
adiciona-se um valor fundiário pela própria infraestrutura projetada, e, ao invés de recuperar
os investimentos, cria-se um estoque para a expansão da especulação imobiliária. Mais que
um projeto que gera valorização do custo da terra, entende-se que a Operação Urbana da
Linha Verde deveria ser implantada como forma de criar um eixo de transportes, que viria
beneficiar mais do que somente os promotores imobiliários, mas também a população
inserida em um contexto metropolitano.
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6 Considerações Finais
A função social da cidade e da propriedade, ao fundamentarem a ordem urbanística,
desempenham papel argumentativo, ainda que não expressos diretamente em qualquer
enunciado nos planos objeto (Soares & Feres, 2008). Portanto, ambos os princípios podem
ser interpretados como implícitos ao ordenamento urbano-regional, não devendo restringir-
se apenas aos planos diretores, pois seriam argumentativos também aos planos de
desenvolvimento urbano integrado. Este entendimento nos permite expandir o
questionamento sobre a gestão social de valorização da terra para além da escala
municipal. Para mais, nos permite questionar os limites de efetivação da função social da
cidade e da propriedade, tal como regulada pelo plano diretor, dado que o “espaço do
problema” do ônus e bônus da urbanização metropolitana é de dimensão urbano-regional.
Percebe-se, com o exemplo do processo de metropolização de Curitiba e a
implementação da OUC – Linha Verde, que o agenciamento da escala metropolitana pelo
processo atual de acumulação e reprodução do capital reforça as centralidades já existentes
do município polo - que atraem os grandes investimentos de capital e infraestrutura – e sem
o controle sobre a valorização fundiária, grosso modo, acentua-se a reprodução da
desigualdade socioespacial, por meio da expulsão da população para os municípios
limítrofes, das irregularidades fundiárias, distribuição desigual dos serviços urbanos, etc.
Segundo Franzoni (2015, p. 09), “essa lógica reforça a compreensão da escala
metropolitana como o lugar da verticalização (centralidade – periferia), ao invés da
horizontalidade (multiplicação das centralidades)”.
Institucionalmente, permanece um hiato entre a escala metropolitana e o processo
de planejamento e ordenamento territorial, assim como um esvaziamento de estratégias e
instrumentos de controle do uso e ocupação do solo e de recuperação da mais-valia de
dimensão urbano-regional. Cenário de inefetividade que o Estatuto da Metrópole não
aparenta desembaraçar, uma vez que a ação metropolitana permanece refém da autonomia
municipalista - pelo viés do plano diretor e das leis municipais - das disputas de projetos
políticos e da complexidade inerente à articulação de ações interfederativas, reguladas em
um espaço de ação política dos Estados-membro – via leis estaduais.
Contudo, é preciso salientar que, ainda que o conflito do ordenamento territorial
urbano-regional seja evidente, o possível equilíbrio dos projetos políticos em disputa na
escala metropolitana se encontram, atualmente, mais no campo propriamente político da
ação municipal e estadual do que apenas na esfera do ordenamento jurídico. A exemplo do
desmonte que ocorreu na chamada Rede Integrada de Transportes da Região Metropolitana
de Curitiba (RIT), em funcionamento desde a década de 1980, quando a URBS
(Urbanização Curitiba S.A.) assumiu a gerência do sistema como concessionária das linhas
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e empresas privadas que operavam como permissionárias e a remuneração dos serviços
passou a ser feita por quilômetro rodado e não mais por passageiro. Neste período, se
implantou a tarifa única, com os percursos mais curtos subsidiando os mais longos, sendo
possível aos usuários utilizarem os terminais de integração metropolitana e as estações
tubo. Em 2015, a COMEC não renovou o convênio da rede, decretando o fim da integração
metropolitana, pelo não acordo (e suspensão) do valor de repasses do governo do Estado
do Paraná para cobrir a chamada tarifa técnica, mais cara nos percursos metropolitanos do
que nos municipais. A proposta do Estado-membro era o déficit ser dividido meio a meio, e o
município de Curitiba não foi de acordo, alegando que sua tarifa técnica era inferior à
metropolitana. Com isso, diversas linhas foram desativadas, outras encurtadas e algumas
divididas, operando entre as bordas do município polo, sendo necessária a troca de sistema
para percorrer todo trajeto (e, portanto o pagamento duplicado de passagem).
A dimensão urbano-regional, entendida como lócus da reprodução da desigualdade
socioespacial metropolitana, aponta para a necessidade efetiva da absorção do
ordenamento territorial nessa escala, em contestação à concentração de ações políticas
municipais - que intensificam a implementação de medidas urbanísticas de valorização
fundiária - e às decisões estaduais - imersas na arena de disputas de projetos políticos entre
os entes federados. Defendemos aqui que, ao adotar-se a dimensão urbano-regional como
o “espaço do problema” da desigualdade socioespacial, a justa distribuição do ônus e bônus
da urbanização deveria também reescalonar-se para o “espaço da ação política”.
Este estudo não objetivou explicitar a dimensão operacional e tática do planejamento
na escala metropolitana, porém, buscou-se demonstrar os desafios do ordenamento urbano-
regional à luz da gestão social da valorização da terra. Parece-nos que a reversão da lógica
de exclusão da metropolização contemporânea, deverá transitar por novas propostas de
arranjo institucional de poder que atendam às demandas metropolitanas, em um sistema de
gestão regional efetivamente integrado e instrumentalizado para tal. Faz-se necessário
entender estas lacunas institucionais e instrumentais e redefinir os limites da autonomia
municipal perante o direito à cidade na metrópole: a cogestão do planejamento e a cogestão
social da valorização da terra urbano-regional.
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Anexos
Figura 1 – Núcleo Urbano da Região Metropolitana de Curitiba
fonte: COMEC, 2006 – modificado pelo autor
Figura 2 – Delimitação da Linha Verde no Sistema Viário da RMC
fonte: COMEC, 2000 – modificado pelo autor
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