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Esquerda católica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIACENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

IGREJA E LEIGOS: a Ao Popular (AP) e o progressismo catlico na Paraba (1962-1969)

Amana Martins Fagundes

Projetode Pesquisa apresentado para o processo seletivo de Mestrado do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal De Pernambuco, com concentrao na Linha dePesquisa: Cultura e memria no Norte e Nordeste.

Recife, PernambucoSetembro de 20141 TEMA

O progressismo catlico na dcada de 60 no Brasil teve presena marcante. Ampliando os espaos de representao, esse segmento manteve posies cada vez mais progressistas, de transformao social, conscientizao de massas, engajamento poltico e aliana operria-estudantil-camponesa, sendo um componente da sociedade civil forte e atuante. O setor estudantil da esquerda catlica manteve uma representao ativa, muitas vezes com membros da Juventude Universitria Catlica (JUC) e da Ao Popular (AP) assumindo posies polticas importantes, como por exemplo, a presidncia da UNE. Na Paraba esse setor, se posicionou no movimento estudantil e foi intenso na Campanha de Educao Popular (CEPLAR), com o uso do mtodo Paulo Freire e instaurada em 1962. Porm, aps o golpe civil militar houve a disperso parcial desse ncleo em ebulio de representao catlica que, considerados subversivos, praticaram sua militncia na clandestinidade. Visamos, por meio da memria coletiva, entender as culturas polticas que formam as representaes, mentalidades e prticas desse segmento.

2 JUSTIFICATIVA

O ano de 2014, no qual referenciado os cinquenta anos do golpe civil-militar, torna-se importante na trajetria de discusses sobre o tema do perodo ditatorial vivido no Brasil nos anos de 1964 a 1985. Neste sentido, a criao da Comisso da Verdade pela Presidncia da Repblica, em 2012, e das vrias comisses da verdade nos mbitos estaduais e municipais propiciou, a partir das audincias pblicas, o conhecimento e identificao da populao com este momento histrico em diversas localidades, da mesma forma que a abertura de arquivos fomentou a pesquisa acadmica e cientfica com o incremento de novas possibilidades interpretativas.A Comisso Estadual da Verdade e da Preservao da Memria, criada em 2012, na Paraba, tambm impulsionou a pesquisa investigativa sobre o perodo e contribuiu, no mbito especificamente da UFPB e, em particular, do PPGH, nas atividades do Grupo de Estudos e Pesquisa em Histria do Sculo XX (GEPHS20). Neste sentido, os trabalhos desenvolvidos no projeto de Iniciao Cientfica: Golpe Civil-Militar e implementao da ditadura Militar na Paraba: Adeso, represso e resistncia (1964-1968) e A Ditadura Militar na Paraba: Os anos de Chumbo(1969-1974), com o Plano de Trabalho por ns desenvolvido no binio 2012-2014, intitulado A Sociedade Civil e a Ditadura Militar na Paraba: Trabalhadores, estudantes e Igreja, e orientados pelo professor Paulo Giovani Antonino Nunes, do DH/UFPB, nos deu o suporte cientfico necessrio para a confeco do projeto IGREJA E LEIGOS: A Ao Popular e o progressismo catlico na Paraba (1962-1969), que ora submetido ao processo seletivo deste programa de ps-graduao na linha de concentrao Cultura e Memria do Norte e Nordeste. Este projeto se volta para o estudo de um segmento social que teve fortes influncias do pensamento catlico cristo, ou que permaneceram como agentes ativos no seio da Igreja catlica da Paraba. Foram estes, leigos ou padres, as pessoas identificadas com a militncia social dentro da influncia catlica que constituram aquilo que chamamos de catolicismo radical. Presentes ou no na Juventude Universitria Catlica (JUC) e na Ao Popular (AP), este segmento teve forte atuao em vrios estados do Brasil no perodo pr e ps golpe civil militar. Em diversos momentos percebemos a presena ativa dos membros do catolicismo radical na Paraba por meio dos Inquritos Policiais Militares e tambm por documentos da prpria Arquidiocese paraibana. A priori, esses militantes surgem nos relatos de processos investigativos, os inquritos policiais militares, a partir de 1962, de forma pontual, revelando as suas participaes em atividades de movimentaes polticas e sociais. Aps o golpe civil-militar de 1964 e num contexto de resistncia e represso, ainda alcanamos relatos desse processo com prises de integrantes, mandados de busca e apreenso aos locais de reunio e atuao do grupo e a consequente disperso do movimento. Estes documentos serviro de aporte para o trato com a memria dos envolvidos, na realizao de entrevistas com as pessoas que participaram do momento e com isso, alm de produzir conhecimento cientfico, abranger o registro oral da participao histrica em lutas sociais desse setor da populao na Paraba. Desta forma, procuramos saber como se deu a resistncia ou a permanncia da ideologia progressista crist no ps-golpe e, principalmente, captar a memria coletiva desses importantes atores sociais no campo da cultura poltica paraibana. Enfim, o marco 1969 tomado aqui como ponto final do estudo por situar o comeo de um perodo mais repressor, no ps-AI-5, no qual houve o combate direto a todas as formas de resistncia ao regime militar e, portanto, os grupos mobilizados que ainda se sustentavam, mas que diminuam gradativamente sua fora poltica e de adeso. No caso dos membros internos da igreja, guarida dessa instituio, mesmo que no abertamente declarado, podemos perceber o posicionamento e apoio aos segmentos de resistncia e transformao social. Desta forma esse projeto se justifica e tem lastro acadmico, investimento institucional e carter social relevante.

3 - CRTICA HISTORIOGRFICA

Diversos so os autores que dissertam sobre a esquerda catlica na dcada de 60 no Brasil. O trabalho de Ridenti (2007) circula no eixo central mais amplo, no qual direciona os grupos de progressismo cristo brasileiro e a influencia do marxismo para casos similares na Amrica Latina. Tambm segue a mesma linha de pensamento que Lowy (2007), ao afirmar que o processo que gerou a AP foi precursor da Teologia da Libertao. A AP surgiu em 1962, sendo formalizada somente em 1963. Atuava majoritariamente no movimento estudantil, com cargos importantes como a presidncia da UNE e outras entidades representativas locais e regionais. Rechaa que a AP no foi desde o comeo um movimento exclusivamente cristo e estudantil, mas que formaram uma aliana com comunistas e socialistas com o intento de galgar maiorias polticas. A pretenso era ser no Brasil uma terceira-via, socialista e democrtica, frente ao mundo polarizado e conturbado da poca. Ridenti trata do tema com complexidade, tratando da Ao Popular antes e aps 1964, observando a ao dos dirigentes. Muitos perseguidos passaram para a clandestinidade ou exlio. Outros aceitaram o auto-exllio e deixaram de militar. Houve muitas perdas de integrantes do contingente Apista, pois muitos esto desiludidos e abandonam a instituio. No perodo ditatorial, a AP, assim como a maioria das esquerdas, passa a assumir a postura de combate ao autoritarismo em primeira instncia, assumindo o guevarismo e aps, o maosmo, com a estratgia de guerra popular prolongada. A experincia de proletarizao foi intensa no segundo semestre de 1968 e em 1969 e apresentaram diversos problemas, como falta de aprofundamento da discusso terica e ideolgica e a quebra com o ncleo da organizao. Outra tese levantada por Ridenti e tambm Lowy, aponta que a esquerda crist da dcada de 60 ser um ncleo integrante e fundador de vrias organizaes importantes na dcada de 80, como o PT, o MST e a CUT. O ponto forte de seu trabalho a aprimorao do conceito romantismo revolucionrio, derivado de trabalhos anteriores de Lowy e reestruturado. A aproximao da AP ao guevarismo e, aps o maoismo est relacionado ao romantismo revolucionrio presente em todos esses iderios. De modo similar, Lowy (2007) conduz o movimento cristo da dcada de 60 no Brasil como o incio de uma movimentao social que culmina com a teologia da libertao em seu estgio mais complexo e avanado. O fio condutor da tese de Lowy, assim como o de Ridenti, que a partir dos anos 80 o marxismo cristo se tornar um dos principais formadores da cultura sociopoltica (secularizada e confessional) do PT, da CUT, do MST e outros. A esse movimento social Lowy denomina cristianismo da libertao, que faz opo pelos pobres, emancipando a sociedade e renovando praticas religiosas e reflexes espirituais. Algumas posies marxistas assimiladas pelo cristianismo da libertao so: critica ao capitalismo em pases dependentes, crtica ao poderio das classes dominantes, conflito social latente e possibilidade de emancipao autnoma pelos dominados. Lowy postula que houve uma afinidade eletiva entre o cristianismo da libertao e o marxismo, conceito formulado por Max Weber para estudar a relao entre formas religiosas e econmicas que confluem uma ligao ativa e dialtica entre ambas e que o autor utiliza com bastante propriedade.Mainwaring procura em seu livro as origens, o desenvolvimento e os dilemas do que ele chama de Igreja popular ou progressista. Seu foco passa por movimentos em prol da reforma ou transformao interna da igreja. A anlise de Mainwaring baseia-se em trabalhos de historiadores e cientistas sociais de analise da Igreja Catlica na Amrica Latina. Porm, enquanto os outros trabalhos abordam as estratgias institucionais utilizadas para responder s mudanas sociais, esta difere por direcionar-se para as relaes entre igreja e sociedade civil (opondo-se a Igreja e Estado), Igreja e classes populares e os movimentos de base. Mainwaring tambm preocupa-se em conceituar a Igreja Popular, sendo no a instituio, mas setores que tem uma viso poltica progressista do encargo da igreja, expressa nas concepes teolgicas e no trabalho junto s classes populares (camponeses, operrios e populao urbana de baixa renda) e envolvidos com a transformao radical da sociedade.Falar em igreja popular, porm, no significa dizer que esta esteja em conflito com a igreja institucional. A diviso da Igreja Brasileira no feita da oposio entre a base e a hierarquia, mas de vrias concepes de misso da igreja, que passam por leigos, padres, freiras e bispos. Para Bruneau (1974) e Mrcio Moreira Alves (1979), a transformao da Igreja na Amrica Latina um meio para a instituio aumentar sua influencia numa sociedade em mutao. Em contraposio, Mainwaring defende que esse pensamento reifica a a Igreja. Em sua opinio, existem diferentes modelos de igreja e esta passa por um processo dialtico de transformao, impulsionada tanto por interesses da base quanto da hierarquia. Um dos argumentos principais que Mainwaring, Lowy e Ridenti sustentam que desde o incio da dcada de 60, movimentos de base e movimentos leigos tm desempenhado papis importantes na transformao da Igreja brasileira. Esses movimentos influenciaram a teologia da libertao e aps a represso no golpe civil militar de 1964 membros da igreja continuaram inovando e em contato com as classes populares. esse tambm o pensamento que assume o presente projeto. 4 OBJETIVOS

4.1 Objetivo Geral:Trabalhar a memria coletiva da AP e do catolicismo progressista atravs de entrevistas personagens envolvidos no cenrio da poca estudada;

4.2 Objetivos Especficos:. Analisar a atuao e conceituar o catolicismo progressista no contexto nacional e suas particularidades na Paraba atravs da literatura histrica;. Investigar a AP e a ao do progressismo catlico no estado da Paraba entre 1962 e 1969.. Investigar a atuao, influncia e representao dos catlicos progressistas e da AP na Paraba nos no contexto pr e ps golpe civil militar;. Verificar como se deu a represso aos catlicos progressistas e a disperso da AP no imediato ps AI-5 na Paraba.

5- METODOLOGIA

Ao conceituar o catolicismo radical, procuramos homogeneizar as definies existentes, adquirir um termo ideal para o segmento e tambm fazer um panorama dos termos utilizados por vrios autores e suas significaes, assim como esquadrinhar a literatura histrica do tema. Mainwaring (1989) diferencia a esquerda catlica, como movimento feito pelos leigos, da igreja reformista. Porm, em diversos autores (FLORIDI, 1973; BEOZZO, 1984; SERBIN, 2008; SEMERARO, 1994), a atuao de seminaristas, padres e bispos ligados diretamente a hierarquia vista como essencial, e at mesmo tida como orientadora de todo o laicato progressista. A esquerda catlica, protagonizada por leigos, nem sempre era controlada rigidamente pela hierarquia catlica, e ento garantiam certa autonomia. Na dcada de 60 os principais movimentos de participao catlica progressista passam a ser o Movimento de Educao de Base, o movimento Paulo Freire a Ao Popular, considerada um dos principais canais catlicos para a atividade poltica de esquerda. A partir de desavenas com a JUC, a formao da AP destina-se a desvincular-se das amarras da Igreja, mesmo sendo um movimento inspirado diretamente no cristianismo e prosseguindo com humanismo radical. O termo Esquerda catlica protagonizado por Candido Almeida (1966), em um livro-ensaio feito no calor do momento, mas com mentalidade clara e aguada, na qual Almeida projeta que a inteno da esquerda catlica era a modificao da civilizao do trabalho a partir da conscincia de coletividade associada atividades pedaggicas e interveno na pratica social das periferias em defesa da liberdade e liderado pelo cristo. A desalienao tem uma dimenso tica, sendo um compromisso da militncia e formada a partir do fortalecimento da cultura popular. Essa atuao dos catlicos na dcada de 60 denominada tambm como Radicalismo catlico (FLORIDI, 1973), Progressismo catlico ou Cristianismo da libertao (LOWY,2007)A Esquerda catlica na Paraba fez-se presente principalmente no movimento estudantil e na Campanha de educao Popular (CEPLAR), cujos integrantes foram provenientes da JUC e da AP, mas tambm esteve viva em diversas lutas sociais, vinculada com as ligas camponesas e com as reivindicaes dos operrios. Uma fonte bastante importante para essa pesquisa sero os IPMs (Inquritos Policiais Militares) da Paraba composto por 5.140 pginas e 23 volumes e em muitos deles relata a presena dos catlicos engajados, em especial, membros da JUC e da AP envolvidos com a CEPLAR, considerada uma formadora de educao subversiva (SCOCUGLIA, 2001) por utilizar o mtodo Paulo Freire de ensino, que prope uma conscientizao do aluno a partir do seu prprio meio de vivncia. Ao utilizarmos as fontes da polcia poltica, devemos perceber que estes tm uma base cientfica e outra base judicial, sendo estes os mesmos vestgios, mas que fazem diferentes usos do passado. Diante desse carter duplo nos interessa sublinhar que os arquivos exercem papel importante no campo dos direitos de quarta gerao - em especial o direito cultura e memoria -, assim como ante os direitos civis de proteo do cidado diante do Estado. Exemplificam, tambm, os novos sentidos de patrimnio cultural nos dias atuais, que alm de relevante pelo conjunto de bens simblicos reunidos, constitui-se um instrumento de construo da cidadania. (KNAUSS, 2012, p.148) Assim, esse misto de direito informao e direito intimidade e da honra pessoal restringe os usos desses documentos, pois se a polcia poltica fomentou essas informaes, muitas vezes isso ocorreu de forma a devassar a vida privada dos indivduos, transferindo a ideologia envolvida para a avaliao da moral e dos costumes. Tambm, para essa investigao histrica ser necessria uma teoria do conhecimento que no se reduza somente a essas informaes, que no a tomem como retrato fiel da verdade, do ocorrido, caso contrario recorreramos a uma narrativa historicizante e sem crivo metodolgico.Nos documentos da Juventude Universitria Catlica-PB e da srie Ditadura Militar-PB, disponveis na Arquidiocese Paraibana, procuraremos indcios de atuaes e tambm da repercusso desses ncleos leigos no seio da Igreja. Vasculharemos o jornal oficial do Estado, A Unio, principalmente no pr-golpe, j que no regime civil militar, com a questo da censura, esse instrumento de propagao de informao fica limitado. O trabalho com a histria por meio da imprensa por muito tempo foi escasso, muitas vezes pela concepo de que as fontes impressas no eram confiveis, ou fontes secundrias. Essa ideia estava ligada ao ideal de verdade histrica e consequentemente qualidade da fonte, que deveria passar por um crivo de objetividade e neutralidade, alm de serem distanciadas do tempo presente. A partir da segunda metade do sculo XX, com a terceira gerao dos Annales (Histria Nova), as prticas historiogrficas, ao utilizar aportes metodolgicos vindo de outras reas das cincias humanas, tais como cincia poltica, sociologia, antropologia, lingustica, essa gerao ampliou as fronteiras do conhecimento da disciplina, propondo novos objetos, problemas e abordagens. Assim, a renovao temtica fez com que as pesquisas inclussem o inconsciente, o mito, o cotidiano, as questes de gnero e a cultura poltica. Talvez uma mudana do paradigma econmico para a histria cultural, com ateno para as nuances, margens e mincias. A renovao do marxismo, com estudos, sobretudo de Thompson, reunidos em torno da revista New Left Review (1960) teve como caractersticas principais o abandono do economicismo como modelo, a incorporao de elementos culturais e a histria feita a partir da viso dos vencidos, a histria vista de baixo, o que trouxe tona a experincia de grupos e camadas sociais antes quem no eram visadas, como o caso da Ao Popular e da esquerda catlica na Paraba. Ao trabalhar com movimentos sociais, partidos polticos e ideologia, a partir do renascimento do estudo poltico e a sobressalncia dos estudos predominantemente culturais nos aproximamos do campo metodolgico da histria oral a partir das discusses sobre fontes histricas. A histria oral, portanto, est intrinsecamente ligado ao retorno do poltico, valorizao da histria cultural, s representaes e memria:Ao esquadrinhar os usos polticos do passado recente ou ao propor o estudo das vises de mundo de determinados grupos sociais na construo de respostas para os seus problemas, estas novas linhas de pesquisa tambm possibilitam que as entrevistas orais sejam vistas como memrias que espelham determinadas representaes. (FERREIRA, 1998. p.8)

No trato com a histria das minorias, como o caso do movimento cristo na Paraba que foi duramente reprimido, os depoimentos orais podem alm de servir como fonte acadmica, ser um instrumento formador de identidade de grupo e de transformao social. Para essa etapa, buscaremos garantir objetividade nos depoimentos orais produzidos, formulando roteiros prvios e consistentes de entrevista, tendo o trabalho com outras fontes de modo a tentar reduzir ao mximo as distores e abusos da memria.No caso da memria impedida (RICOEUR, 2012), especificamente em eventos traumticos, a lembrana requer tempo de luto, na qual a memria ferida precisa abandonar os investimentos feitos e se desvincular do objeto perdido at que a perda seja realmente interiorizada. As dificuldades de se trabalhar com a memria sempre remetem ao esquecimento e a pretenso de fidelidade ao passado. Essas deficincias no devem ser encaradas como patologia, mas como O avesso de sombra da regio iluminada da memria, que nos liga ao que passou antes que o transformssemos em memria (RICOEUR, 2012, p.40). A memria coletiva, no relacionamento com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profisso e com os grupos de convvio formam uma construo em que a lembrana no corresponde a reviver o momento, mas reconstruir, com as ideias atuais as experincias do passado. (BOSI, 2012).

6- FUNDAMENTAO TERICA

No incio da dcada de 60, o Brasil vivia uma poca de grandes transformaes sociais. O Impacto da Revoluo Cubana (1959) se fazia presente, da China maosta, a organizao das camadas populares conquistava espaos polticos considerveis. A fora de mobilizao das esquerdas, atirando-se profundamente nas atividades de educao popular e poltica, inspirados pela mobilizao das massas, fora forte o suficiente para propor uma nova identidade e contestar as estruturas ultrapassadas da Universidade e da Igreja. O Ambiente de enorme ativismo gerava uma sensao de pas em movimento, na qual a esquerda tomava seu posicionamento radical, levando a crer que o Brasil passaria por uma iminente mudana estrutural (FERREIRA e GOMES, 2014). As conciliaes entre foras de poder a nvel nacional eram vistas como falta de posicionamento, tendo como exemplo a figura do presidente Joo Goulart, em meio tomada de fora das classes populares e inquietao das elites e foras sociais conservadoras que fervilhavam dentro de uma cultura poltica nacional-estatista. No campo, especialmente no Nordeste, proliferavam as ligas camponesas e o sindicalismo Rural que, com apoio oficial, espalhava-se por todo o Pas. A luta pela terra e a reivindicao da reforma agraria na lei ou na marra provocavam apreenso nos latifundirios. No meio operrio, entidades autnomas do Estado foram criadas, libertando-os das amarras do Ministrio do Trabalho como, por exemplo, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e A Frente de Mobilizao Popular (FMP). No movimento estudantil, liderado pala Unio Nacional dos Estudantes (UNE) e pela Unio Brasileira dos Estudantes Secundarista (UBES), a pauta direcionava para a democratizao do ensino e a reforma universitria, alm de apoiar as classes populares. Foras poltico-partidrias, calcadas nos movimentos de classes populares, levavam um bom nmero de deputados ativistas a se organizarem na Frente Parlamentar Nacionalista que pressionavam o Estado para as reformas essenciais. Os Movimentos de Cultura Popular, alfabetizao e educao de base foram implantados com grandes doses de politizao, conscientizao e organizao sindical. Dentre estes, os mais importantes ncleos foram o Centro Popular de Cultura (CPC), o Movimento de Educao de Base (MEB) e o Movimento de Cultura Popular de Recife (MCP). Nesse leque de participao ativa, a Igreja catlica no ficou fora deste processo de maturao de ideias e mobilizao social. Como lembra Marcelo Timtheo da Costa (2007), estas transformaes do papel da Igreja tem-se a contribuio de duas grandes encclicas sociais feitas pelo Papa Joo XXIII, Mater e Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963), que possuem alguns postulados em comum: a ao da sociedade crist ou no crist, consciente e organizada em busca de uma universalidade justa e humana, superando as distncias entre o capital e trabalho, urbano e rural, desenvolvido e em desenvolvimento.No Brasil, embora um determinado setor da igreja catlica se portava aliada a ideias conservadoras e retrgradas, a favor de uma modernizao burguesa sem benefcio social para as camadas populares e sendo tambm matriz de um discurso anticomunista bastante forte (MOTTA, 2002), haviam outros grupos catlicos que embandeiravam um ideal poltico mais esquerda, com organizao das massas e formao de um socialismo democrtico (ARANTES e LIMA, 1984). Neste caso, a contribuio do Conclio Vaticano II (1962-1965) foi fundamental para o entendimento dessa virada mais esquerda, j que orientava para uma srie de modificaes no direcionamento na Igreja Catlica, com um duro questionamento do sistema capitalista e que se expressa no Brasil por um posicionamento de determinado setor catlico, favorvel a mudanas sociaisPara os cristos progressistas, as imperfeies e as injustias no eram s fruto da ignorancia e do pecado dos homens. Portanto no era suficiente converter apenas as consciencias. Era preciso tambm atuar sobre as estruturas sociais que so construes humanas e intervir ativamente nos mecanismos de poder que regulam as sociedades no com a inteno de cristianizar um mundo fundamentalmente pago, mas para edificar juntamente com outros homens, uma humanidade mais plena. (SEMERARO, 1998- p.36)No conjunto dos grupos catlicos que abraaram a causa das reformas com tons esquerdizantes, destacava-se o ncleo da Juventude Universitria Catlica (JUC) que fora resultado de maturaes sociais polticas ocorridas na Ao Catlica Brasileira (ACB). Dissidncia da JUC que tomou outros rumos a posteriori, a Ao Popular (AP) ser o ponto alto do engajamento e movimentao por mudanas sociais no incio da dcada de 60 no Brasil (BEOZZO, 1984), que teve forte atuao no movimento estudantil, no Movimento de Educao de Base e com o Sistema Paulo Freire. A Ao Popular se torna relevante tambm em termos de esquerda na Amrica Latina, j que nesta dcada em alguns pases do cone sul houve uma passagem de grupos polticos cristos ao marxismo. Alm disso, essa movimentao considerada por Ridenti (2007) uma precursora da Teologia da Libertao e das comunidades eclesiais de base, caracterizadas pelo romantismo revolucionrio catlico de esquerda. Ao trabalhar com a esquerda catlica e a Ao Popular na Paraba, buscaremos nos voltar para o campo poltico, analisando as possveis culturas polticas que envolvem nosso objeto. Motta (2009) define cultura poltica comoConjunto de valores, tradies, prticas e representaes polticas partilhadas por determinado grupo humano, que expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece inspirao para projetos polticos direcionados ao futuro. (p.21) As representaes dessa conjuntura agregam ideologia, linguagem, memria, imaginrio e iconografia, e mobilizam, portanto, mitos, smbolos, discursos, vocabulrios e uma rica cultura visual. A Igreja, que participa ativamente da nossa temtica, assim como instituies educacionais (o a caso da CEPLAR), sindicatos e partidos, so vetores sociais que disseminam e cultivam as culturas polticas. Portanto, nosso trabalho se insere diretamente no entendimento de que os fatores poltico-culturais formam a realidade social e no so s simples derivaes da mesma. (GOMES, 2005)Como observa Serbin (2008), a influncia do Conclio Vaticano II e da Ao Catlica Brasileira reflete tambm nos estudantes seminaristas. A atuao dos seminaristas no se restringiu a uma renovao modernizadora na igreja, como tambm na militncia poltica, como resume a frase Santo moderno um santo social. Os seminaristas progressistas, a partir da dcada de 60, com a criao do Seminrio Regional do Nordeste (SERENE) situado em Olinda, e a presena do Padre Marcelo Carvalheira (que viria a ser, mais tarde, Bispo da Paraba), que em 1964 abrigou e protegeu refugiados polticos no reduto clerical, ganha relevo. Este um grande e expressivo polo de formao de padres do nordeste e alguns seminaristas de formao progressista vieram para Joo Pessoa para continuar suas vivncias de transformao e justia social, com a opo pelos pobres. (SERBIN, 2008)Encontramos no cerne do pensamento progressista cristo fundamentos de uma ideologia formada a partir de escritores como o telogo Maritain, que em seu humanismo integral indicava um iderio catlico que no levasse a adeso ao comunismo nem ao conformismo frente ao capitalismo. Era proposta ento uma terceira via, mais justa, que superasse o mundo polarizado entre o capitalismo e o comunismo (GALVO, 2007). Porm, os ideais propostos por Maritain foram uma porta inicial para outras perspectivas tericas como o personalista Mounier, e Teilhard de Chardin, que propunha uma orientao crista para a cientificidade histrica, e associando cada vez mais essa ampliao terica a outras leituras marxistas (LOWY, 2008).7- REFERNCIAS

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