PROPOSTA DE MODELO DE NEGÓCIO PARA A...
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CRISTINA HELENA ZINGARETTI JUNQUEIRA
PROPOSTA DE MODELO DE NEGÓCIO PARA A
INTRODUÇÃO DA TV DIGITAL NO BRASIL
Trabalho de Formatura apresentado à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do Diploma de Engenheiro de Produção.
São Paulo
2004
CRISTINA HELENA ZINGARETTI JUNQUEIRA
PROPOSTA DE MODELO DE NEGÓCIO PARA A
INTRODUÇÃO DA TV DIGITAL NO BRASIL
Trabalho de Formatura apresentado à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do Diploma de Engenheiro de Produção.
Orientador: Professor Doutor João Amato Neto
São Paulo
2004
FICHA CATALOGRÁFICA
Junqueira, Cristina Helena Zingaretti
Proposta de modelo de negócio para a introdução da TV digital no Brasil / Cristina Helena Zingaretti Junqueira. -- São Paulo, 2004.
107 p.
Trabalho de Formatura - Escola Politécnica da Universida- de de São Paulo. Departamento de Engenharia de Produção.
1. Televisão digital 2. Radiodifusão 3. Negócio (Modelos)
I. Universidade de São Paulo. Escola Politécnica. Departamento de Engenharia de Produção II. t.
AGRADECIMENTOS
A todos os Professores do Departamento de Engenharia de Produção, pela
contribuição direta ou indireta para a minha formação.
À Fundação Carlos Alberto Vanzolini, pelo apoio para a realização de pesquisas
referentes a esse trabalho.
Ao Professor João Amato, pela orientação, pelo aprendizado e pela confiança.
A Renata e Milena, amigas para todas as horas, pela inestimável ajuda e apoio na reta
final deste trabalho.
Aos amigos que deixei, com pesar, no Unibanco e na Booz Allen, especialmente aos
Victors (Mizusaki e Noda) e ao Vitor (Rodrigues).
Aos amigos que fiz e ainda farei no BCG, por investirem e acreditarem em mim.
A Lúcia, Mari e Geyse, Seabra, Ricardo e Barça, pelos melhores 5 anos de Poli que
eu poderia ter.
Ao Rodrigo, por iluminar a minha vida todos os dias.
Aos meus pais e irmãs, por tudo.
RESUMO
O objetivo desse trabalho foi elaborar uma proposta de modelo de implementação da
TV digital no Brasil. Para isso, foram estudados a indústria televisiva no País e os
demais aspectos relevantes ao tema. A proposta elaborada, fundamentada pela
extensa pesquisa realizada, propõe o alinhamento dos interesses das partes
envolvidas no processo, para que a TV digital possa ser viabilizada. É proposta a
adoção de um dos padrões internacionais disponíveis e algumas diretrizes para a
gestão da digitalização. O resultado desse trabalho é uma contribuição à atual
discussão sobre o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) bem como à
produção acadêmica e científica da Escola Politécnica e da Universidade de São
Paulo.
ABSTRACT
This work’s main objective was to elaborate a proposal of implementation for digital
TV in Brazil. For that, the TV industry and many other relevant aspects were studied.
The formulated proposal, which is well grounded on wide research, offers the
alignment of the interests of all parts involved in the process, so that digital TV can
become a reality. It is proposed the adoption of one of the international patterns
available and also some guidelines to digitalization management. This work
achievement is a contribution to the current discussion related to the Brazilian
System of Digital Television (SBTVD) as well as to academic and scientific
production of Escola Politécnica and of Universidade de São Paulo.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 1
1.1 Objetivo .................................................................................................................................. 3
1.2 Escopo ..................................................................................................................................... 4
1.3 Metodologia e Atividades ...................................................................................................... 6
1.4 Tema Escolhido e o Curso de Engenharia de Produção..................................................... 8
2. A INDÚSTRIA TELEVISIVA .................................................................................................. 10
2.1 Os Fabricantes de Televisores............................................................................................. 12
2.2 As Emissoras de Televisão................................................................................................... 21
2.3 O Ambiente Regulatório...................................................................................................... 29
3. QUADRO TEÓRICO................................................................................................................. 35
3.1 Tecnologia............................................................................................................................. 35
3.2 Inovação Tecnológica........................................................................................................... 36
3.3 Estratégia Tecnológica......................................................................................................... 41
3.4 A Inovação na Estratégia Tecnológica ............................................................................... 48
4. ASPECTOS RELEVANTES AO CASO BRASILEIRO .......................................................... 53
4.1 TV Digital: Aspectos Técnicos ............................................................................................ 54
4.2 Padrões Disponíveis ............................................................................................................. 60
4.3 Receptores Digitais .............................................................................................................. 68
4.4 Aplicações ............................................................................................................................. 72
4.5 Experiências do Mercado Global de TV Digital................................................................ 77
5. PROPOSTA DE MODELO....................................................................................................... 80
6. CONCLUSÃO............................................................................................................................ 89
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................... 92
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Equivalência de resoluções na TV digital.......................................................................... 5
Figura 2: Penetração da TV Paga, por classe de renda .................................................................. 18
Figura 3: Distribuição Geográfica das Geradoras Ativas de Televisão......................................... 21
Figura 4: Estrutura Hierárquica SBTVD ........................................................................................ 32
Figura 5: Processo de Inovação Tecnológica ................................................................................... 37
Figura 6: Modelo de Tomada de Decisão de Estratégia Tecnológica para Inovação ................... 50
Figura 7: Sistema Televisivo.............................................................................................................. 54
Figura 8: Captação de sinal analógico de áudio .............................................................................. 57
Figura 9: Digitalização de um sinal analógico ................................................................................. 57
Figura 10: Funcionamento dos Padrões de TV Digital ................................................................... 61
Figura 11: ATSC (Sistema Americano)............................................................................................ 62
Figura 12: DVB (Sistema Europeu).................................................................................................. 64
Figura 13: ISDB (Sistema Japonês) .................................................................................................. 66
Figura 14: Diagrama simplificado de um receptor de televisão digital ......................................... 68
Figura 15: Set top box TiVo .............................................................................................................. 69
Figura 16: Monitor integrado Sharp LC37AD1E ........................................................................... 71
Figura 17: Aplicações da TV Digital................................................................................................. 74
Figura 18: Círculos virtuosos da implantação da TV digital no Brasil ......................................... 82
LISTA DE TABELAS
Quadro 1: Penetração de Mídias ...................................................................................................... 10
Quadro 2: Importância dos Atributos da TV Digital para o Consumidor Brasileiro.................. 25
Quadro 3: Documentos e Relatórios ANATEL ............................................................................... 30
Quadro 4: Níveis de atividade por estratégia tecnológica............................................................... 45
Quadro 5: Vantagens da TV Digital ................................................................................................. 56
Quadro 6: Quadro Comparativo – Padrões Internacionais e Modelos de Negócios .................... 67
Quadro 7: Relação de aplicações e atributos com modelo de negócio e aparelho receptor ......... 75
Quadro 8: Síntese de resultados da análise internacional da implementação da TV digital ....... 77
Quadro 9: Principais fatores observados que podem influenciar a implantação no Brasil......... 78
Quadro 10: Objetivos da implantação da TV digital no Brasil...................................................... 81
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Vendas Industriais de Televisores em Cores, em milhões de unidades ....................... 14 Gráfico 2: Saldo da Balança Comercial de Eletroeletrônicos (em US$ milhões).......................... 15 Gráfico 3: Balança Comercial de Produtos do Setor de Eletro Eletrônicos.................................. 16 Gráfico 4: Emissoras em Rede Nacional .......................................................................................... 22
LISTA DE ABREVIATURAS ABERT Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão
ABINEE Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica
ABTA Associação Brasileira de Televisão por Assinatura
ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações
ATSC Advanced Television System Committee
COFDM Coded Orthogonal Frequency Division Multiplexing
CPqD Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações
DVB Digital Video Broadcasting
EDTV Enhanced Definition Television
ELETROS Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos
HDTV High Definition Television
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ISDB Integrated Services Digital Broadcasting
LDTV Low Definition Television
MHz Mega Hertz
MPEG Moving Picture Experts Group
PNAD Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios
SBTVD Sistema Brasileiro de Televisão Digital
SDTV Standard Definition Television
SET Sociedade de Engenharia de Televisão
TV Televisão
ZFM Zona Franca de Manaus
“Nas democracias de hoje, são os meios de
comunicação de massa que desempenham o papel
mais amplo e mais central na formação da opinião
pública. [...] Resumindo tudo numa única frase,
diríamos que o mundo é – para o público em geral – a
mensagem dos meios de comunicação”.
Giovanni Sartori
1
1. INTRODUÇÃO
A TV aberta atinge hoje, no Brasil, cerca de 90% das residências, o que corresponde
a 54 milhões de aparelhos alocados em 42,8 milhões de lares de acordo com dados
da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD/IBGE) de 2002. Para
se ter uma idéia, essa presença é superior à de outros aparelhos como o rádio (88%) e
a geladeira (87%).
Ainda que se façam todas as críticas que cabem à televisão brasileira, a sua
programação é “um inegável sucesso de público, representando a atividade básica de
entretenimento da população, seja por razões circunstanciais, culturais ou
financeiras” (MELO, RIOS e GUTIERREZ, 2000).
Dada justamente a sua elevada penetração, a TV aberta assume grande importância
como veículo de entretenimento, informação, cultura e educação. Não é por acaso
que a discussão sobre a implantação da TV digital no País, cujo início data do início
dos anos 90, seja acompanhada tão de perto por diversos setores da economia
atualmente.
As principais características da TV analógica são:
• a transmissão predominantemente terrestre de ondas eletromagnéticas (sinal
analógico) no padrão PAL-M, com largura da banda de transmissão de
6MHz;
• a alta qualidade de conteúdo, reconhecida internacionalmente e
• o contexto da baixa penetração da TV por assinatura, da ordem de 8%.
O advento da TV digital representa a transmissão dos sinais de televisão em forma
digital, que permite que os sinais transmitidos pelas emissoras sejam recebidos na
íntegra pelos receptores, com expressiva melhora na qualidade da imagem e do som
(melhorias na cobertura e na qualidade). A característica digital (binária) do sinal
ainda permite a sua compressão para emissão, ou seja, maior volume de dados
2
podem ser transportados, implicando maior número de canais disponíveis para
transmissão e conseqüente otimização da utilização do espectro de freqüência.
A decisão relativa ao sistema de TV digital representa importante fator de barganha
internacional relativa a desenvolvimento tecnológico e investimentos, e aspecto
crítico relativo à indústria de equipamentos eletrônicos, de emissão e transmissão de
dados, à balança comercial e a uma série de indicadores sociais e tecnológicos do
país, devendo, portanto, ser analisada com extrema cautela e minúcia.
No Brasil, a Constituição assegura à União a competência para legislar sobre a
radiodifusão e ao Congresso a apreciação dos atos de concessão das emissoras. Na
prática, a administração do espectro de freqüências, e também das licitações para
novas concessões, vem sendo feita pela Agência Nacional de Telecomunicações –
ANATEL, que submete suas propostas ao Ministério das Comunicações e ao
Congresso Nacional.
A ANATEL também foi designada pelo governo brasileiro para analisar a questão da
TV digital no Brasil e para criar um sistema brasileiro de TV digital. Para isso, a
ANATEL contratou o CPqD – Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em
Telecomunicações – que vem realizando estudos sobre o tema. Além do CPqD,
muitos outros institutos de pesquisa, públicos e privados, assim como diversas
Universidades, estão engajadas em projetos de pesquisa sobre TV digital.
Porém, apesar do enorme número de pesquisadores atualmente envolvidos com o
tema no Brasil, a discussão sobre o sistema brasileiro de TV digital parece ainda
estar distante de um fim. Isso porque há muitos interesses a serem alinhados nessa
questão, como os dos fabricantes de televisores, que vêem a digitalização como uma
oportunidade de renovar todo o parque de aparelhos dos lares brasileiros, e os das
emissoras de televisão, que temem a entrada de novos players e os investimentos
necessários para a produção de mais conteúdo.
3
Na primeira parte desse trabalho, será apresentada a conjuntura atual da indústria da
televisão no Brasil. A dinâmica dos fabricantes de televisores, das emissoras de TV e
dos agentes regulatórios será analisada para contextualizar a questão da TV digital.
Na segunda parte, será descrito um quadro teórico, que enunciará os conceitos e
ferramentas relevantes ao estudo, tais como tecnologia, inovação tecnológica e
estratégia tecnológica.
A seguir, serão discutidos os aspectos relevantes ao sistema brasileiro de TV Digital,
como os fatores técnicos, os sistemas internacionais disponíveis, a questão dos
receptores digitais e as novas aplicações dessa tecnologia. Será feita ainda uma breve
análise do mercado global de TV Digital.
Finalmente, concluída a discussão de todos os parâmetros relevantes à questão do
caso brasileiro, será apresentada uma proposta viável de implementação da
digitalização no Brasil. Espera-se que as conclusões desse trabalho possam se tornar
contribuições efetivas para a definição do Sistema Brasileiro de Televisão Digital.
1.1 Objetivo
Atualmente, o Brasil estuda a possibilidade de adoção de um dos três padrões
internacionais existentes, ou ainda da criação de um padrão brasileiro. A
administração do espectro de freqüências, bem como a definição de um padrão de
modulação digital cabem à ANATEL, que regula o setor no país. Acredita-se que as
primeiras transmissões digitais brasileiras acontecerão apenas cerca de dois anos
após a decisão do padrão a ser adotado.
Na busca já realizada por literaturas relacionadas, foi possível perceber que muito
pouco se efetivamente estudou e publicou acerca do tema. Apenas em meados de
2004 foi lançado o primeiro livro brasileiro sobre TV Digital, escrito por
pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina.
4
Nesse âmbito de discussão do caso brasileiro, no qual não se têm quaisquer
definições claras sobre o futuro da digitalização no Brasil, uma proposta de modelo
de implementação faz-se extremamente relevante. O objetivo desse trabalho é
justamente esse: elaborar uma proposta viável de modelo de negócios para a
implementação da digitalização no Brasil.
Assim, a realização desse estudo contribui não só para a discussão nacional do
modelo a ser implementado, bem como para a produção de pesquisa da própria
Universidade de São Paulo, através da Escola Politécnica e do Departamento de
Engenharia de Produção.
1.2 Escopo
Ao analisar a questão da TV digital, devemos lembrar que estão envolvidos nesse
processo:
• as emissoras de TV, que produzem o conteúdo transmitido;
• as transmissoras e retransmissoras, responsáveis pela chegada do sinal aos
televisores e
• os próprios receptores, que decodificam os sinais para os telespectadores.
Assim, existem vários aspectos, em cada etapa, que precisam ser avaliados para a
escolha do melhor conjunto de plataforma tecnológica, receptores e aplicações, que
forma o chamado “modelo de negócio”.
Para entender o funcionamento de cada etapa, é necessário observar que o espectro
de freqüências existentes é dividido em faixas (no caso do Brasil, de 6 MHz) e cada
faixa constitui um canal, cedido pela ANATEL, para transmissão de sinais de TV
5
pelas emissoras. No caso da TV digital, decorrente da codificação e compressão dos
sinais digitais, um canal pode ser ocupado por vários programas ao mesmo tempo,
dependendo da resolução utilizada, além de transmitir dados.
A figura abaixo apresenta um exemplo de equivalência de capacidades, comparando
alta resolução (HDTV) e resolução padrão (SDTV). Ainda existem a EDTV, de
resolução intermediária, e a LDTV, de resolução inferior à SDTV.
Figura 1: Equivalência de resoluções na TV digital
Fonte: ANATEL (2004)
Além disso, vale ressaltar que, não importa a tecnologia ou resolução utilizada, para
a recepção em um televisor analógico, sempre será necessário uma URD (Unidade
Receptora Decodificadora) ou set-top box, que serve também como interface das
aplicações da TV digital.
Na fase de transição entre os sistemas analógico e digital, que se espera durar entre
dez e quinze anos, quando ocorrerão transmissões simultâneas analógica e digital
(simulcast), os set top box avulsos serão provavelmente a principal opção entre os
SDTVSDTV SDTV
HD – Alta Definição
HDTV
SD – Definição Padrão (DVD)Multiprogramação
Interatividade e
novos serviços
Canal de dados
TV Analógica
SDTVSDTVSDTV SDTV
HD – Alta Definição
HDTV
SD – Definição Padrão (DVD)Multiprogramação
Interatividade e
novos serviços
Canal de dados
TV Analógica
SDTV
6
usuários, até serem substituídos, gradativamente, por monitores integrados. Esperam-
se ainda, nesse período, evoluções da TV digital, como a utilização de um maior
número de aplicações e a adoção generalizada da HDTV nesse sistema.
Feitas essas considerações, os aspectos relevantes a serem analisados para o estudo
da implementação da TV digital no Brasil são:
• os padrões internacionais existentes, e a experiência de implementação em
outros países;
• os avanços e estudos produzidos no Brasil;
• as aplicações que serão trazidas pela digitalização;
• a indústria de eletroeletrônicos;
• a indústria produtora de conteúdo televisivo;
• os órgãos regulatórios envolvidos e
• as peculiaridades do mercado brasileiro.
Todos esses tópicos aqui citados estão no escopo desse trabalho e serão avaliados de
alguma maneira, em algum momento, na criação da proposta para o caso brasileiro.
1.3 Metodologia e Atividades
Esse estudo, cujo objetivo é estudar os principais aspectos relevantes à televisão
digital no Brasil e propor um modelo viável de implementação, foi dividido em três
etapas:
• revisão bibliográfica de aspectos conceituais pertinentes;
• ampla pesquisa dos temas relacionados à TV Digital no Brasil e no mundo;
• construção de uma proposta de modelo de negócios para o caso brasileiro.
7
Para facilitar o monitoramento do trabalho e garantir que os esforços seriam
canalizados na direção certa, essas três etapas foram novamente divididas em metas
intermediárias, cujo acompanhamento foi fundamental para o bom andamento do
projeto. Eram elas:
Revisão bibliográfica dos aspectos conceituais relevantes
• Identificação de temas relacionados ao estudo;
• Seleção de livros, artigos, periódicos e outras literaturas de autores
competentes nos temas identificados;
• Leitura do material selecionado.
Pesquisa dos Temas Relacionados à TV Digital
• Pesquisa em websites relacionados aos padrões internacionais
• Pesquisa de material de instituições do governo
• Pesquisa de material de estudos de institutos de pesquisa e universidades
Construção do Modelo de Negócios
• Observar as conclusões da revisão de literatura, conciliando com as
peculiaridades do caso brasileiro;
• Estruturar a proposta de modelo.
Foram objetivos comuns a todas as fases:
• Redigir o texto em linguagem apropriada, ou seja, acadêmica profissional;
• Interligar os elementos em um texto conciso e claro, que atenda aos requisitos
de elaboração de um trabalho acadêmico de qualidade.
8
1.4 Tema Escolhido e o Curso de Engenharia de Produção
Embora o tema escolhido, a implementação da televisão digital no Brasil, não tenha
sido citado especificamente em nenhuma disciplina do curso de Engenharia de
Produção, os aspectos relevantes ao tema escolhido estiveram presentes na maioria
das matérias cursadas.
Os conceitos estudados nos cursos de Física I, II, III e IV e nos seus respectivos
laboratórios, assim como aqueles vistos em Mecânica A e B são fundamentais para o
bom entendimento do funcionamento dos sistemas de TV digital.
As matérias relacionadas à área do Departamento chamada Economia da Produção e
Engenharia Financeira, EPEF, tais como “Economia de Empresas” e “Engenharia
Econômica e Finanças”, abordam os conceitos econômicos utilizados na análise do
modelo de negócios de TV Digital.
Ainda há a disciplina “Gestão Estratégica da Produção”, cursada no último semestre
letivo, que estuda fatores competitivos e estratégicos que incluem a inovação
tecnológica.
Finalmente, a disciplina “Engenharia e Sociedade” traz a visão de sociedade
necessária para correlacionar a implementação da TV digital no Brasil com o
problema da inclusão digital e social, por exemplo.
Quanto à relação do tema com as disciplinas “Trabalho de Formatura e Estágio
Supervisionado I e II”, é importante esclarecer que esse trabalho não foi
desenvolvido no estágio da aluna durante o ano de 2004. Na verdade, o interesse pelo
tema surgiu sim em um estágio, porém durante o ano de 2003. Na época, a aluna
estava estagiando na área de Finanças Corporativas no Banco de Atacado do
Unibanco, cobrindo o setor de Telecomunicações e Mídia. Os executivos do banco
responsáveis pelo setor encontravam-se preocupados com os impactos da escolha de
um sistema de TV digital sobre os negócios dos seus clientes. Assim, foi
9
encomendado um estudo sobre os aspectos relevantes da televisão digital, que foi o
embrião desse trabalho. Desde então, a pesquisa não foi interrompida, tendo sido
reunidos todos os materiais disponíveis acerca do tema.
Além disso, durante o ano de 2004, a autora pode realizar mais um estudo relativo ao
tema, dessa vez como pesquisadora do REDECOOP – Redes de Cooperação e
Gestão do Conhecimento – grupo de pesquisa no Departamento de Engenharia de
Produção da Escola Politécnica da USP. O trabalho desenvolvido pelo grupo,
“Impactos da Definição do Sistema Brasileiro de TV Digital na Cadeia Produtiva da
Indústria Eletrônica”, foi de vital importância para o aprofundamento do tema
escolhido.
Dessa forma, não restam dúvidas de que os conhecimentos exercitados em todas
essas atividades relacionadas ao curso de Engenharia de Produção foram essenciais
para o desenvolvimento de capacidades analíticas e de resolução de problemas, as
quais foram indispensáveis para que este trabalho fosse realizado de maneira
estruturada e para que representasse uma verdadeira contribuição para a comunidade
acadêmica.
10
2. A INDÚSTRIA TELEVISIVA
A televisão é um dos mais importantes meios de difusão de informações e
entretenimento para grande parte da humanidade. Por causa dela, lugarejos remotos
são atendidos da mesma maneira que áreas urbanas altamente desenvolvidas no que
se refere à qualidade do seu conteúdo e muitas vezes até mesmo à recepção do sinal.
No Brasil, a televisão possui um papel fortemente integrador. Sua presença vem
sendo fundamental como agente de cultura, lazer e exercício da cidadania. Em
muitos lares brasileiros, ela representa a única fonte de informação e, portanto, o
único referencial de sociedade e de comportamento.
A televisão e o rádio são os principais veículos de comunicação pelo qual a
população brasileira adquire informações. O quadro a seguir ilustra a importância
desses meios em relação a outros tipos de mídia.
Quadro 1: Penetração de Mídias
Fonte: Grupo de Mídia (2004)
7 dias 52% Jornal
1 dia 57% Rádio
7 dias 88%
1 dia 81% Televisão
7 dias 98%
1 mês 13% Cinema
Usufruiu recentemente...
...pelo menos uma vez nos últimos:Meio
7 dias 52% Jornal
1 dia 57% Rádio
7 dias 88%
1 dia 81% Televisão
7 dias 98%
1 mês 13% Cinema
Usufruiu recentemente...
...pelo menos uma vez nos últimos:Meio
11
A televisão ainda ocupa um lugar central na família brasileira. Em pesquisa
promovida pela ANATEL junto aos telespectadores, na grande maioria dos casos o
número médio de pessoas que assistem conjuntamente à televisão está entre 3 e 5
pessoas, o que significa que esse é um ato coletivo, praticado pela família, parte
significativa dela ou por um grupo de amigos.
Além desse aspecto cultural e social extremamente relevante, a televisão ainda
representa um enorme mercado na economia brasileira. Publicidade e merchandising
na TV aberta, que retém 58% da receita total de propaganda no Brasil, geraram R$
5,0 bilhões em 2002, segundo dados do IBGE. Sabe-se que a televisão é considerada
o mais poderoso veículo de propaganda e, assim, uma inovação tecnológica como a
digitalização, que promete revolucionar a maneira como a televisão se apresenta
hoje, torna-se o centro das atenções de todos os agentes e atores da indústria de
televisão.
O objetivo desse capítulo é descrever o atual cenário da indústria de televisão no
Brasil, destacando três principais agentes: os fabricantes de televisores, as emissoras
de televisão e as instituições regulatórias. Serão analisadas as condições em que esses
agentes se encontram atualmente e os interesses que eles defendem em relação à
questão da TV digital.
12
2.1 Os Fabricantes de Televisores
A indústria de televisores brasileira está quase totalmente localizada em Manaus,
sendo constituída por cerca de uma dezena de empresas, das quais a esmagadora
maioria tem vínculos de capital e de tecnologia com grandes corporações
transnacionais. Já as produtoras de insumos e bens intermediários localizam-se tanto
na Zona Franca de Manaus (ZFM) como na região sudeste. Assim, há dispersão
geográfica apenas entre as empresas fabricantes de componentes.
No Amazonas, além das bases produtivas (de montagem) das grandes empresas
fabricantes de televisores, observa-se também que:
• a Samsung SDI produz cinescópios para televisores e monitores de vídeo;
• a LG Philips, cinescópios, inclusive de tela grande;
• a japonesa Murata dedica-se ao enfitamento (colocação de capacitores que
chegam prontos no país, a granel, em um suporte de papel adesivo para que
esses componentes possam ser manuseados por máquinas automáticas para
montagem de placas de circuito impresso de capacitores cerâmicos SMD);
• a CCE possui uma planta para a produção de componentes eletrônicos (CCE
Componentes).
No estado de São Paulo, ocorre que:
• a LG Philips tem uma unidade produtora de cinescópios;
• a Panasonic do Brasil fabrica bobinas refletoras para tubos de raios catódicos
e outros insumos;
• a divisão Itaucom da Itautec-Philco produz semicondutores e placas de
circuito impresso.
13
Em Minas Gerais, a Thompson Multimídia fabrica canhões eletrônicos para tubos da
indústria eletrônica.
No que se refere aos fabricantes de televisores, o mercado brasileiro é bastante
concentrado. As quatro maiores empresas – Philips, Itautec-Philco, LG e Semp-
Toshiba – respondem por cerca de 2/3 do faturamento de todo o setor, segundo dados
da ELETROS – Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos. Essas
empresas importam os componentes eletrônicos discretos, particularmente os SMT –
Surface Mounting Technology, e montam os bens finais no Brasil, a partir das suas
bases produtivas na ZFM. Assim, a atuação dessas empresas no País pode ser
considerada limitada, à medida que muito pouco do desenvolvimento dos produtos e
mesmo da efetiva produção dos mesmos é realizado em território nacional.
A evolução das vendas industriais de televisores coloridos no Brasil está mostrada no
gráfico a seguir. Verifica-se que, após um período de vendas crescentes,
impulsionadas pelo boom de consumo trazido pelo Plano Real (1994), cujo ápice foi
atingido em 1996, o segmento de televisores passou por uma forte redução da
demanda, refletida em queda dramática de preços e no fechamento de algumas
unidades industriais. O desaquecimento do consumo pressionou ainda mais o
processo de reestruturação das empresas, incluindo a redução de postos de trabalho, a
terceirização e a venda de ativos. A possibilidade de ampliação das exportações
como forma de compensar o desaquecimento das vendas revelou-se inviável diante
do contexto de sobrevalorização da moeda, mantida até janeiro de 1999, e das
restrições tarifárias, inclusive o tratamento de terceiro país dado à ZFM.
Com a recuperação do setor, iniciada no segundo semestre de 1999, esperava-se que
a partir de 2000 fosse superada a marca dos 5 milhões de aparelhos vendidos. Porém,
o que observamos é que fatores recessivos que afetaram a economia brasileira
mantiveram as vendas estagnadas no patamar de 5,3 milhões a partir do ano de 2000.
14
Gráfico 1: Vendas Industriais de Televisores em Cores, em milhões de unidades
Fonte: ELETROS (2004)
Apesar do alto índice de penetração da televisão no Brasil, de cerca de 90%, a média
de televisores nos lares brasileiros – de 1,4 – está abaixo do que ocorre em outros
países da América Latina, como o Chile, onde esse índice é de quase dois aparelhos
por domicílio. Aliado à expansão da demanda de televisores de tela grande, aponta
para um mercado potencial ainda não atendido, embora fortemente vinculado ao
aumento de renda da população e/ou à disponibilidade de crédito.
É válido observar que há uma diferença no padrão de consumo dos países
desenvolvidos e dos países em desenvolvimento, já que a maior elasticidade-renda
dos produtos eletrônicos de consumo nos países em desenvolvimento revela o maior
potencial de crescimento desses mercados – em comparação com os demais. Ocorre
que o mercado dos países desenvolvidos já está quase que totalmente atendido, o que
mostra a importância de países como a China, o Brasil e o México. Porém, por outro
lado, o principal alvo das inovações de produto continua sendo os países
Vendas Industriais de TV em Cores
0123456789
1994 1996 1998 2000 2002
15
desenvolvidos. É lá que as novidades surgem e, não por coincidência, foi lá que a TV
digital alçou os primeiros vôos.
De acordo com o CPqD, os fabricantes de televisores vêem a chegada da TV digital
como uma oportunidade de revigorar o mercado interno e de incrementar a
competitividade do País globalmente. As empresas internacionais inclusive
vislumbram a possibilidade de exportação de produtos digitais para os mercados da
América Latina, como já é feito atualmente com os televisores a cores.
O gráfico a seguir ilustra o saldo de exportações de três linhas de eletroeletrônicos
(linha marrom, branca e portáteis) e de televisores brasileiros nos últimos seis anos.
Gráfico 2: Saldo da Balança Comercial de Eletroeletrônicos
Fonte: ELETROS (2004)
$75 $95 $112 $91$55
$10
$36$37
$96 $154$175
$179
$290
$127
$180
$203
$146
$16
$0$50
$100$150$200
$250$300$350$400$450
2003 2002 2001 2000 1999 1998
US$
milh
ões
TV em Cores Demais Produtos Linha Marrom Linha Branca e Potáteis
16
Os dois itens mais importantes para as exportações de eletroeletrônicos são “TV em
Cores” e “Rádios e Auto-rádios”, que juntos somam quase 97% das exportações
brasileiras no setor em 2003. Tomando-se apenas “TV em Cores”, temos US$ 78
milhões em exportações e menos de US$ 3 milhões em importações, gerando um
saldo positivo de mais de US$ 75 milhões. Esse superávit na balança dos televisores
é resultado de dois fenômenos: a retração da demanda doméstica e as estratégias das
empresas de atender a América do Sul a partir das bases produtivas no Brasil.
Apesar do efeito positivo desses fenômenos sobre os fabricantes de televisores, o
quadro do setor de eletroeletrônicos como um todo não é tão bonito. Como ilustra o
gráfico abaixo, o setor ainda encara altos déficits na balança comercial todos os anos.
Gráfico 3: Balança Comercial de Produtos do Setor de Eletro Eletrônicos
Fonte: ABINEE (2004)
4.7 4.4 4.7 4.43.2 2.9
9.9 10.1
11.9
9.910.8
13.3
0
2
4
6
8
10
12
14
2003 2002 2001 2000 1999 1998
US$
Bilh
ões
Exportações Importações
17
Muitos fatores contribuem para esse quadro de déficits consecutivos, ano após ano.
Um dos maiores deles é o fato de que a maioria dos fabricantes de eletroeletrônicos
funciona como montadora no Brasil, importando grande parte dos componentes e
realizando apenas a montagem aqui. Outra contribuição expressiva vem da
desvalorização da moeda brasileira em relação ao dólar.
Diante dessa conjuntura, para que os fabricantes brasileiros de televisores continuem
a se beneficiar, depois da digitalização, dos seus saldos positivos de exportações para
a América Latina, será preciso que o padrão de TV digital adotado pelo Brasil seja
compatível com os padrões utilizados nos demais países. Esse é um dos principais
interesses dos fabricantes de televisores a serem defendidos pela ELETROS na
discussão do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). Esse apelo, ainda que
venha ao encontro dos interesses das empresas, é de fato justificável, uma vez que
representará ganhos efetivos para o país em termos de superávits da balança
comercial.
Porém, há um outro grande interesse dos fabricantes de televisores a ser defendido,
que é o de múltiplas gerações de caixas conversoras e de receptores digitais de
televisão. As empresas encontram-se atualmente atuando em um mercado maduro,
de crescimento baixo e marginal, associado diretamente à elevação do poder de
consumo da população, a qual não parece muito promissora. Para essas empresas, a
TV digital não representa apenas a oportunidade de capacitar todos os lares
brasileiros para a recepção digital. Dependendo do modelo de negócios a ser
implementado no Brasil, isso pode representar a constante renovação do parque de
televisores brasileiros.
A ELETROS afirma que existe diferença significativa de custo entre os componentes
de receptores que decodificam apenas SDTV e os habilitados a receber sinais de alta
definição (HDTV). A entidade insiste ainda que a sociedade está satisfeita com a
qualidade atual de imagem da televisão, à qual não há nenhum custo adicional
adicionado. Um dos principais argumentos citados pela ELETROS para reforçar esse
18
ponto é a baixa adesão da população à TV por assinatura, que atinge um índice
razoável de penetração apenas na classe A, como ilustrado na figura a seguir.
Figura 2: Penetração da TV Paga, por classe de renda
Fonte: Elaborado pela autora, com dados da ABTA (2002)
Se o governo brasileiro “bater o martelo” e decidir pelo modelo de negócios que
contemple as soluções para receptores realmente mais baratos, negligenciando a
maioria das aplicações em prol de atingir a aquisição em massa dos decodificadores
digitais (set top boxes), a primeira geração dos mesmos será demasiadamente
simples. E, como podemos observar, as inovações no ambiente digital se apresentam
cada vez mais rápido, trazendo versões anteriores para obsolescência em um ritmo
cada vez mais frenético. Assim, a cada um ou dois anos, no máximo, os
consumidores se verão obrigados a adquirir novos equipamentos para acompanhar as
tendências.
Note que essa estratégia dos fabricantes, de favorecer inicialmente a aquisição em
massa dos receptores mais simples, não é necessariamente ruim. Isso permitiria que a
fase de transição da transmissão analógica para a digital, estimada hoje em cerca de
quinze anos, fosse reduzida. Porém, há de se atentar para os riscos de envolver os
consumidores brasileiros em um círculo vicioso de consumo, com as inovações
sendo manipuladas e chegando aos mercados estrategicamente de tempos em tempos.
Penetração da TV Paga por classe de rendaMercado Penetração
Milhões de residências % do Total
2 M 5% 70%
6 M 15% 23%
12 M 30% 5%
20 M 50% 1%
B
C
D/E
B
C
D
A
Penetração da TV Paga por classe de rendaMercado Penetração
Milhões de residências % do Total
2 M 5% 70%
6 M 15% 23%
12 M 30% 5%
20 M 50% 1%
B
C
D/E
B
C
D
A
B
C
D/E
B
C
D
A
19
Assim, o papel dos fabricantes de televisores na discussão do SBTVD é estratégico.
Eles buscarão, através do seu órgão representativo (ELETROS), a defesa de dois
principais interesses: a adoção de um padrão comum para a América Latina e a
instituição de gerações de receptores de TV digital.
A ELETROS prevê que os recursos necessários para adaptação e criação de linhas de
produção de televisores e set top boxes digitais, além de outros investimentos
associados como, por exemplo, treinamento de pessoal, pagamento de licenças e a
formação de estoques de componentes, deverão ser da ordem de R$ 200 milhões no
primeiro ano. Estimativas da ANATEL chegam a R$ 300 milhões de investimentos
em linhas de produção.
Os fabricantes de televisores ainda afirmam que para que a TV digital alcance
escalas de massa, obrigatoriamente deve haver a adesão da classe C e que poderão
disponibilizar produtos digitais para o mercado cerca de um ano e meio após a
definição do SBTVD.
A posição da ELETROS, que representa os fabricantes de televisores, em relação à
questão da TV digital pode ser então resumida em alguns pontos chave:
• favorável à contemplação do SDTV como solução principal, para baratear os
receptores e viabilizar o consumo em massa dos mesmos;
• favorável à adoção de um padrão internacional de TV digital, para viabilizar
maiores ganhos de escala;
• favorável à articulação, ao menos dos países do Mercosul, para comum
adoção de um padrão internacional, para assegurar as exportações de
televisores aos países vizinhos;
20
• favorável à instituição do SBTVD o mais rápido possível, revitalizando e
aquecendo a indústria nacional, o setor de eletrônicos de consumo e o
consumo de massa.
21
2.2 As Emissoras de Televisão
Segundo dados de 2004 da ANATEL, existem mais de 300 geradoras ativas de
televisão, enquanto o número de retransmissoras supera 8.300. São consideradas
geradoras todas as emissoras que fazem qualquer inserção local no sinal transmitido,
mesmo que a duração dessa inserção seja muito pequena e que a emissora atue
basicamente retransmitindo o sinal gerado por outra.
Figura 3: Distribuição Geográfica das Geradoras Ativas de Televisão
Fonte: Elaborado pela autora, com dados da ANATEL (2004)
A figura anterior ilustra a distribuição das emissoras de televisão pelos Estados
brasileiros. É possível observar que essa distribuição se relaciona diretamente com a
AMAM--66
AC-2
PA-9
RR RR --2 2
APAP--44
MA-9
TO-4
GOGO--1313
MTMT--77
MS-9
PR-33
RSRS--2222
SC-19
SP-65
MGMG--1414
PI-6
BA-13
CE-8
RJ-17
ES-8
SE-4
PB-4PE-7AL-4
DF-11
RO-4
RN-4
AMAM--66
AC-2
PA-9
RR RR --2 2
APAP--44
MA-9
TO-4
GOGO--1313
MTMT--77
MS-9
PR-33
RSRS--2222
SC-19
SP-65
MGMG--1414
PI-6
BA-13
CE-8
RJ-17
ES-8
SE-4
PB-4PE-7AL-4
DF-11
RO-4
RN-4
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distribuição de renda no País. Os cinco Estados com as maiores concentrações (SP,
PR, RS, RJ, SC e MG), que são também cinco dos mais ricos, já somam 170
emissoras, o que equivale a 55% do número total. Enquanto isso, os Estados das
regiões Norte e Nordeste, apesar da sua extensão territorial conjunta, têm apenas 86
emissoras em seu território, ou seja, menos de 30% do total.
Em um país onde a televisão aberta é mais popular que eletrodomésticos essenciais
como fogão e geladeira, e em que ela representa muitas vezes a única fonte de
informação de milhares de famílias, a constatação do pequeno número de geradoras
ativas de televisão nas regiões mais pobres é entristecedora.
Além da concentração geográfica, um outro aspecto importante na análise das
geradoras nacionais é a participação das grandes redes de emissoras do País. O CPqD
pode observar, através de entrevistas com as emissoras e de comparações com dados
oficiais da ANATEL, que existe também uma concentração expressiva da
propriedade das geradoras e das retransmissoras no Brasil, como ilustra o gráfico a
seguir.
Gráfico 4: Emissoras em Rede Nacional
Fonte: Elaborado pela autora, com dados do CPqD (2000)
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Geradoras
Retransmissoras
Glo bo SB T B andeirantes C ultura R eco rd Outras
23
Através do gráfico 4 já é possível perceber que, apesar das mais de 300 geradoras
ativas de televisão que existem no País, o controle delas está concentrado nas mãos
de basicamente três grandes grupos. E desses três grandes grupos, o que observamos
é que na verdade apenas a Rede Globo possui influência efetiva sobre os rumos do
SBTVD. Não apenas por ser a maior e a mais assistida emissora de televisão do
Brasil, mas também pela quase inexistência de competidores à altura, a Rede Globo é
o único grupo que efetivamente tem voz do lado das emissoras.
Através das entidades representativas do setor, tais como a ABERT (Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) e a SET (Sociedade Brasileira de
Engenharia de Televisão e de Telecomunicações), a Rede Globo tem “dado o seu
recado” sobre o que espera do SBTVD. Em inúmeros seminários, conferências,
palestras e eventos do Governo, a emissora se fez presente através dos diretores das
duas entidades representativas citadas anteriormente. E assim, vem fazendo o seu
lobby e deixando cada vez mais claro quais são os seus principais anseios e
preocupações.
Da mesma maneira que a maioria das demais emissoras, a Rede Globo já produz
quase todo o seu conteúdo digitalmente. Gravação, edição, pós-produção e
armazenamento já são feitos quase que integralmente em ambiente digital. Assim, as
emissoras, que atualmente transformam o seu conteúdo digital em sinais analógicos
para efetuar a transmissão, anseiam pela digitalização do processo como um todo. A
grande maioria dos investimentos em equipamentos de produção já foi realizada,
pelo menos pela Rede Globo, e o potencial de todo esse conteúdo digital é
desperdiçado nas atuais transmissões analógicas de baixíssima eficiência.
Para se ter uma idéia, a Rede Globo possui hoje um parque de equipamentos tão
sofisticado, que alguns de seus programas são até produzidos em HDTV (alta
definição digital), mesmo que esse nível de qualidade ainda não possa ser observado
em praticamente nenhum aparelho no Brasil.
24
Tudo isso vem a comprovar que as emissoras, assim como os fabricantes de
televisores, querem sim a implantação da TV digital. Porém, a grande questão, mais
uma vez, é como a digitalização será implementada no Brasil.
Duas das principais características da TV digital são a compressão dos sinais de
áudio e vídeo e a ausência de interferência. Esses dois fatores permitem o que é
chamado de “otimização do espectro de freqüências”, ou seja, a utilização mais
eficiente das bandas dos canais.
Com a TV digital, cada canal de 6MHz hoje ocupado por apenas uma emissora de
TV, poderá transmitir até quatro programas em SDTV (definição padrão digital),
além de enviar dados. Isso significa que, além de não ser necessário que se reserve os
canais adjacentes aos de transmissão (canais fantasma) para evitar interferências, será
possível, de acordo com a definição especificada, transmitir mais de um programa
simultaneamente através do mesmo canal. É válido esclarecer que programas de
diferentes resoluções podem ser alternados na programação das emissoras, não sendo
a escolha de uma determinada definição decisiva e final.
Evidentemente, esse aspecto da TV digital parece ser contraditório aos interesses das
emissoras, por dois motivos. Primeiro porque o número de canais, ou seja, de
concorrentes, será de fato aumentado. Segundo, porque será necessário investir para
produzir quatro vezes mais conteúdo e ocupar todos os 6MHz aos quais hoje as
emissoras têm direito.
Em relação ao aumento do número de emissoras, ocorre que isso não é visto como
uma grande ameaça pela Rede Globo. Qualquer novo entrante não chegará nem perto
de se equiparar com o SBT, que é o seu principal concorrente e mesmo assim não
abocanha lá uma grande fatia da sua receita.
25
Já os gastos com conteúdo, esses sim são preocupantes. Falou-se muito em exibir
programação defasada nos demais canais, mas ainda há muitos que acreditam que a
magia da televisão ainda está em todos assistirem a mesma coisa ao mesmo tempo.
Falou-se também em exibição de canais com diferenças no áudio, como dublagem
em português contra legendas e som original. Porém, sabe-se que os telespectadores
precisarão de um estímulo real para investir em receptores digitais, e horários e
legendas não parecem ter o apelo suficiente para justificar isso. Pesquisas
quantitativas realizadas pelo CPqD e pela ANATEL mostram que, a princípio, dois
atributos são realmente valorizados pelo público: a multiprogramação e a alta
definição de imagem e som. O quadro a seguir sintetiza os resultados de duas
pesquisas realizadas com usuários brasileiros, em 2000.
Quadro 2: Importância dos Atributos da TV Digital para o Consumidor Brasileiro
Fonte: Pesquisas Quantitativas I e II com usuários brasileiros de TV – CPqD/ANATEL (2001)
A pesquisa quantitativa I (PQ I) ouviu 3.000 pessoas em 55 cidades das cinco regiões
do Brasil, procurando reproduzir o perfil sócio-econômico médio do País, sem
oferecer demonstração do novo serviço. A pesquisa quantitativa II (PQ II) ouviu
4.700 pessoas em shoppingcenters de sete grandes metrópoles, representando o perfil
Imagem em alta definição (HDTV) – 9,26 Ajuda para deficientes físicos – 8,12 1
Múltiplos programas – 7,53 Gravação de programas – 7,48 2
Gravação de programas – 7,47 Imagem em alta definição (HDTV) – 6,94 3
Hipermídia – 6,62 Múltiplos programas – 5,91 4
Programas defasados – 6,57 Informativos – 5,79 5
Interatividade – 6,21 Programas defasados – 5,71 6
Ajuda para deficientes físicos – 6,17 Interatividade – 5,48 7
Vídeo adicional – 6,06 Vídeo adicional – 4,78 8
Áudio adicional – 5,76 Áudio adicional – 4,37 9
Legenda adicional – 5,62 Legenda adicional – 4,28 10
Áudio digital – 5,39 Hipermídia – 4,10 11
Áudio digital – 3,33
Brasileiro Médio,sem demonstração (PQ I)
Informativos – 5,38 12
“Early Adopters” Potenciais,com demonstração (PQ II)#
Imagem em alta definição (HDTV) – 9,26 Ajuda para deficientes físicos – 8,12 1
Múltiplos programas – 7,53 Gravação de programas – 7,48 2
Gravação de programas – 7,47 Imagem em alta definição (HDTV) – 6,94 3
Hipermídia – 6,62 Múltiplos programas – 5,91 4
Programas defasados – 6,57 Informativos – 5,79 5
Interatividade – 6,21 Programas defasados – 5,71 6
Ajuda para deficientes físicos – 6,17 Interatividade – 5,48 7
Vídeo adicional – 6,06 Vídeo adicional – 4,78 8
Áudio adicional – 5,76 Áudio adicional – 4,37 9
Legenda adicional – 5,62 Legenda adicional – 4,28 10
Áudio digital – 5,39 Hipermídia – 4,10 11
Áudio digital – 3,33
Brasileiro Médio,sem demonstração (PQ I)
Informativos – 5,38 12
“Early Adopters” Potenciais,com demonstração (PQ II)#
26
dos potenciais early adopters (usuários iniciais), oferecendo demonstração do novo
serviço.
A saída encontrada pela Rede Globo para tentar se esquivar de todo o investimento
em conteúdo, que parecia inevitável, para oferecer a multiprogramação desejada
pelos consumidores foi enfatizar a HDTV (alta definição digital), uma vez que as
duas opções são mutuamente excludentes. Na transmissão de programas em HDTV,
a largura da banda do canal é totalmente ocupada, não restando espaço para conteúdo
alternativo. Mas, para isso, é preciso assegurar que os todos os receptores estarão
aptos a decodificar o sinal de alta definição.
Os principais argumentos utilizados para justificar que a solução digital brasileira
inicial já contemple HDTV são três:
• segundo o principal fabricante de componentes para receptores digitais de
TV, a diferença de custo dos decodificadores apenas de SDTV e dos que
decodificam também HDTV é inexpressiva, o que justificaria que essa função
estivesse incorporada mesmo aos modelos mais simples de receptores;
• a tendência do mercado mundial de televisão já é a alta definição, uma vez
que a maioria do conteúdo produzido nos Estados Unidos e na Europa já é em
HDTV – isso indica que esses mercados podem não comprar conteúdo de
“qualidade inferior”, o que prejudicaria muito a exportação de programação
brasileira;
• além disso, caso as emissoras transmitissem um programa em HDTV, e os
receptores não fossem capazes de receber esse sinal, o que os telespectadores
teriam seria uma tela preta; ou seja, as emissoras estariam condenadas a não
oferecer programação de alta definição enquanto todo o parque brasileiro não
fosse renovado novamente para HDTV.
Apesar de essa questão estar baseada fundamentalmente no interesse de uma
emissora de evitar maiores investimentos, há de se reconhecer que os seus
27
argumentos são válidos. Nas duas pontas, vemos solicitações razoáveis: as emissoras
querem poder transmitir um grande clássico de futebol ou um filme de sucesso em
alta definição e, por outro lado, a incorporação da função de decodificação de HDTV
aos receptores não será onerosa e poupará os telespectadores de mais uma migração
tecnológica em seqüência.
Observe que esse é um dos principais pontos de atrito entre os fabricantes de
televisores e as emissoras. Para os primeiros, quanto maior o número de gerações de
receptores, melhor. Para as últimas, a incorporação da alta definição desde o início é
essencial.
Alinhada aos motivos já citados, a ABERT, em suas exposições públicas, assume,
em síntese, a seguinte posição:
• favorável à implantação da HDTV, sob a alegação de que “não há diferenças
de custo entre receptor HD e SD” e de que o mercado internacional caminha
para a alta definição e exigirá isso para viabilizar a exportação de conteúdo
nacional;
• contrária à introdução do sistema somente com receptores baratos, o que
“limitaria as aplicações a apenas uma parte do que a TV digital poderia
oferecer” e ignoraria o fator, comum em tecnologia, de queda dos preços de
novos produtos após o ganho de escala;
• favorável à escolha de um sistema que tenha mobilidade, o que é uma
“característica inerente aos meios de comunicação atuais”;
• contrária à implantação gradual das novas aplicações, o que “diminui a
atratividade do produto TV digital e cria legado, condenando os receptores a
serem descartados ao longo do tempo”;
• favorável à introdução da TV digital no País o quanto antes, o que permitiria
“recompor o poder competitivo da televisão, que vem sofrendo crescente
concorrência de outras mídias, numa clara tendência de fragmentação do
28
mercado, podendo vir a perder espaço e reduzir sua participação no bolo
publicitário”.
As emissoras afirmam ainda que, no máximo após dois anos da definição pela
ANATEL do Sistema Brasileiro de TV Digital, as primeiras transmissões digitais
poderão ser iniciadas.
29
2.3 O Ambiente Regulatório
O Artigo 221 da Constituição Federal de 1988 estabelece que “a produção das
emissoras de rádio e televisão atenderá aos seguintes princípios:
I. preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II. promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção
independente que objetive sua divulgação;
III. regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme
percentuais estabelecidos em lei;
IV. respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.
Não surpreendentemente, a realidade é que o que move efetivamente os
radiodifusores brasileiros é a audiência e a receita de publicidade, e não os princípios
enunciados pela Constituição Federal.
Em um setor altamente estratégico como o de serviços de comunicação eletrônica de
massa, e ainda na discussão de um marco tão importante quanto a digitalização de
todo o sistema de radiodifusão de imagem e som, o papel dos agentes regulatórios é
de extrema importância.
A ANATEL, Agência Nacional de Telecomunicações, órgão do Ministério das
Comunicações, é o elemento chave do aspecto regulatório da questão da TV digital.
Por ser responsável for toda a regulação de radio difusão no País, cabe a ela as
decisões relativas ao SBTVD.
Desde 1999, muitos documentos acerca do tema TV digital foram gerados pela
ANATEL, em associação ou não com institutos de pesquisa e Universidades, como
mostra o quadro a seguir.
30
Quadro 3: Documentos e Relatórios ANATEL
Fonte: Elaborado pela autora, dados da ANATEL (2004)
Porém, a primeira iniciativa efetiva no sentido de definir a situação da TV digital
brasileira ocorreu apenas com a instituição do Sistema Brasileiro de Televisão
Digital SBTVD, pelo Decreto N° 4.901 de 26 de novembro de 2003, com objetivos
definidos:
• promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria
por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da
informação;
• propiciar a criação de rede universal de educação à distância;
• estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de
tecnologias brasileiras e da indústria nacional relacionadas à tecnologia de
informação e comunicação;
Relatórios dos Testes em Sistemas de Televisão Digital, realizados em SP
Out/1999 a Jul/2000
Relatório Integrador dos Aspectos Técnicos e Mercadológicos da Televisão Digital
Mar/2001
Análise dos Testes de Laboratório e de Campo de Sistemas de Televisão Digital
Abr/2001
Panorama da implantação da tecnologia digital na transmissão terrestre de televisão à época da definição do padrão correspondente em 12 países pesquisados, o panorama mundial em 2002 e as similaridades com a realidade brasileira
2002
Análise das condições brasileiras para a introdução da tecnologia digital na transmissão terrestre de televisão
2002
Proposta para o Plano Básico de Distribuição de Canais de Televisão Digital (PBTVD)
2003
Proposta de alteração da Regulamentação Técnica de Televisão de forma a introduzir a tecnologia digital no planejamento da canalização
2004
DocumentosData
Relatórios dos Testes em Sistemas de Televisão Digital, realizados em SP
Out/1999 a Jul/2000
Relatório Integrador dos Aspectos Técnicos e Mercadológicos da Televisão Digital
Mar/2001
Análise dos Testes de Laboratório e de Campo de Sistemas de Televisão Digital
Abr/2001
Panorama da implantação da tecnologia digital na transmissão terrestre de televisão à época da definição do padrão correspondente em 12 países pesquisados, o panorama mundial em 2002 e as similaridades com a realidade brasileira
2002
Análise das condições brasileiras para a introdução da tecnologia digital na transmissão terrestre de televisão
2002
Proposta para o Plano Básico de Distribuição de Canais de Televisão Digital (PBTVD)
2003
Proposta de alteração da Regulamentação Técnica de Televisão de forma a introduzir a tecnologia digital no planejamento da canalização
2004
DocumentosData
31
• planejar o processo de transição da televisão analógica para a digital, de
modo a garantir a gradual adesão de usuários a custos compatíveis com sua
renda;
• viabilizar a transição do sistema analógico para o digital, possibilitando às
concessionárias do serviço de radiodifusão de sons e imagens, se necessário,
o uso de faixa adicional de radiofreqüência, observada a legislação específica;
• estimular a evolução das atuais exploradoras de serviço de televisão
analógica, bem como o ingresso de novas empresas, propiciando a expansão
do setor e possibilitando o desenvolvimento de inúmeros serviços decorrentes
da tecnologia digital, conforme legislação específica;
• estabelecer ações e modelos de negócios para a televisão digital adequados à
realidade econômica e empresarial do País;
• aperfeiçoar o uso do espectro de radiofreqüências;
• contribuir para a convergência tecnológica e empresarial dos serviços de
comunicações;
• aprimorar a qualidade de áudio, vídeo e serviços, consideradas as atuais
condições do parque instalado de receptores no Brasil;
• incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e serviços
digitais.
Para atingir os objetivos propostos para o SBTVD, foi proposta também, em
Novembro de 2003, pelo então Ministro das Comunicações Miro Teixeira, a criação
de uma estrutura própria, composta por um Comitê de Desenvolvimento, um Comitê
Consultivo e um Grupo Gestor, que se relacionam hierarquicamente como mostra a
figura a seguir.
32
Figura 4: Estrutura Hierárquica SBTVD
Fonte: ANATEL (2004)
O Comitê de Desenvolvimento do SBTVD, composto por órgãos da Administração
Federal, “tem por competência:
• fixar critérios e condições para a escolha das pesquisas e dos projetos a serem
realizados, bem como de seus participantes;
• estabelecer as diretrizes e estratégias para a implementação da tecnologia
digital no serviço de radiodifusão de sons e imagens;
• definir estratégias e planejar as ações necessárias para a condução da pesquisa
e o desenvolvimento do SBTVD;
• controlar e acompanhar as ações e o desenvolvimento dos estudos e pesquisas
em tecnologias aplicáveis à TV digital;
• supervisionar os trabalhos do Grupo Gestor;
• decidir sobre as propostas de desenvolvimento do SBTVD;
• fixar as diretrizes básicas para o adequado estabelecimento de modelos de
negócios;
• apresentar, no prazo de doze meses a partir de sua instalação, relatório
contendo propostas referentes à definição do modelo de referência brasileiro
de TV digital terrestre, ao padrão de TV digital a ser adotado no País, à forma
Projeto SBTVD
Comitê de Desenvolvimento Comitê Consultivo
Grupo Gestor
Projeto SBTVD
Comitê de Desenvolvimento Comitê Consultivo
Grupo Gestor
33
de exploração do serviço e ao período de transição do sistema analógico para
o digital”.
O Comitê Consultivo, integrado por representantes de entidades relacionadas ao
desenvolvimento da tecnologia de TV digital, tem por finalidade propor diretrizes e
ações relativas ao SBTVD a serem validadas pelo Comitê de Desenvolvimento e
pelo Grupo Gestor. O Grupo Gestor, a quem compete a execução das ações relativas
à gestão operacional e administrativa voltadas para o cumprimento das estratégias e
diretrizes estabelecidas pelo Comitê de Desenvolvimento do SBTVD, é composto
por órgãos da Administração Federal e pela ANATEL.
Apesar de todos esses esforços do Governo Federal, do Ministério das Comunicações
e da ANATEL, a verdade é que a discussão do SBTVD está longe de ter um fim. Isso
porque no meio de todos esses comitês e grupos existem muitos interesses políticos e
financeiros conflitantes. Dessa vez, não estão envolvidos diretamente as emissoras de
televisão ou os fabricantes de televisores. Aqui, a briga é entre os institutos de
pesquisa e as Universidades.
O governo disponibilizou inicialmente cerca de R$100 milhões para as pesquisas
relacionadas ao SBTVD. Cerca de 40% desses recursos, provenientes do Funttel
(Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações), já foram
despendidos com o CPqD, que é o principal instituto de pesquisa envolvido na
questão da TV digital. A maioria dos documentos da ANATEL citados acima foi na
verdade estudos realizados pelo CPqD.
Em meados de 2004, foram qualificados cerca de 70 institutos de pesquisa e
Universidades para realizar “projetos no âmbito do Sistema Brasileiro de Televisão
Digital”, entre os quais os R$60 milhões restantes serão divididos. Esses projetos,
que ainda não tiveram nem os seus resumos encaminhados para apreciação do
34
Comitê de Desenvolvimento, é que deveriam fornecer subsídios para as decisões do
SBTVD, que teoricamente deveriam acontecer até o fim desse ano.
Na verdade, esse prazo já nem é mais válido, uma vez que já foi estabelecido que as
instituições terão oito meses para concluir os seus estudos a contar da definição de
quais projetos serão efetivamente realizados, o que está previsto para o final do ano.
Além disso, um dos maiores complicadores das decisões do SBTVD é o fato de que
um tema essencial tem ficado em segundo plano nas discussões: alternativas
concretas para um modelo de negócios sustentável no Brasil. Enquanto as questões
mais enfatizadas nas discussões sobre o SBTVD são inclusão digital e social e a
política industrial e de comércio exterior, são menos enfatizados aspectos essenciais,
tais como:
• oferta de programação e serviços por segmento;
• impactos da convergência tecnológica, por exemplo para operadoras de TV
paga e de telefonia;
• racionalização de custos e investimentos da plataforma, como sinergias em
conteúdo entre canais pagos e abertos e padronização de receptores;
• ações de incentivo por parte do Governo, além do financiamento de pesquisa
e desenvolvimento, como incentivos fiscais sobre equipamentos de produção,
transmissão e receptores.
Esse desvio de prioridades acarreta em um risco de replicação de experiências mal
sucedidas de implantação de novas plataformas relacionadas a televisão, como foi o
caso da adoção do padrão PAL-M na transição para TV a cores.
35
3. QUADRO TEÓRICO
O tema central desse trabalho é a inovação tecnológica que a TV digital representa e
a estratégia tecnológica a ser adotada no caso brasileiro. Esse capítulo é então
dedicado a rever a literatura relevante ao tema escolhido. Por tratar-se de uma
mudança tecnológica que ocorrerá nos padrões existentes em uma indústria já
instituída, os tópicos essenciais a serem aqui revistos são: tecnologia, inovação
tecnológica e estratégia tecnológica.
Esses tópicos são relacionados diretamente ao tema na análise da estratégia
tecnológica dos fabricantes de receptores e das emissoras de televisão e na análise da
inovação tecnológica que a TV digital representa e a sua influência sobre as partes
relacionadas no Brasil. Essa relação, dos conceitos apresentados com o tema desse
trabalho, é evidenciada após o enunciado de cada tópico, mostrando como o mesmo é
aplicável ao entendimento da introdução dessa nova tecnologia na realidade
brasileira.
3.1 Tecnologia
A definição para tecnologia da Encyclopaedia Britannica (2003) é “a aplicação do
conhecimento científico nos objetivos práticos da vida humana, ou à mudança e
manipulação do ambiente humano”. Segundo o dicionário americano Word Web,
tecnologia é a “aplicação prática da ciência no comércio ou na indústria” ou ainda “a
disciplina que lida com a arte ou ciência de aplicar o conhecimento científico a
problemas práticos”. Um outro dicionário, de sociologia, define tecnologia como a
“aplicação da lógica, da razão e do conhecimento aos problemas de exploração de
matérias-primas do ambiente”.
Na literatura científica e acadêmica, muitos autores utilizam a palavra tecnologia.
Porém, cada um deles enfatiza um aspecto. Alves Filho (1991), após extensão,
reflexão e revisão de conceitos, define tecnologia como sendo um conjunto de
conhecimentos voltados para um fim prático, “podendo ser assimilada e
36
desenvolvida de diferentes formas e em diferentes graus por diferentes indivíduos e
organizações. Empresas diferentes, portanto, podem ter níveis distintos de
conhecimento da tecnologia em um determinado campo e, ainda, empreender
esforços em diferentes direções no sentido de ampliar esse corpo de conhecimentos”.
Relacionando vários significados atribuídos a tecnologia na literatura, Almeida
(1981) apud Vasconcellos (1996), afirma que:
• tecnologia é o conjunto dos conhecimentos empregados na produção de bens
(transcritos ou existentes nas pessoas);
• tecnologia é o conjunto das atividades que resultam na criação ou aplicação
de conhecimentos empregados na produção de bens;
• tecnologia é o conjunto de bens produzidos em decorrência de um conjunto
de conhecimentos empregados na produção de bens.
Dadas as diferenças existentes entre a abrangência das definições encontradas para o
termo, o conceito escolhido para nortear o trabalho é justamente o mais conciso e
específico, utilizado por Sampaio (1999), que conclui que tecnologia é “o pacote de
informações organizadas que pode ser aplicado aos sistemas de produção de bens e
serviços”. Essa definição, que se refere também à aplicação da tecnologia em
serviços é muito relevante, visto que a indústria de televisão, objeto de estudo deste
trabalho, não é somente uma indústria caracterizada pela manufatura, nesse caso dos
próprios televisores, mas também pela prestação de diversos tipos de serviços.
3.2 Inovação Tecnológica
A definição de inovação é uma “criação (produto ou processo) que resulta de estudo
e de experimentação”. Segundo Marquis apud Sbragia e Lopez (1995), inovação
tecnológica atinge uma espera mais ampla e é uma atividade complexa que se inicia
com a concepção de uma idéia, passa por um processo de solução de um problema e
vai até a utilização real de um novo status de valor econômico e social.
37
Na maioria dos casos, as inovações bem sucedidas comercial e economicamente
surgem em razão do reconhecimento de uma necessidade do mercado, que gera uma
idéia. A capacidade tecnológica, somada à necessidade do mercado, transforma a
idéia em um projeto de inovação. Esse projeto, depois de concebido, segue todo um
processo dinâmico de desenvolvimento, em várias etapas, para poder ser
implementado como forma de um novo produto, como é ilustrado pela figura a
seguir.
Figura 5: Processo de Inovação Tecnológica
Fonte: Elaborada pela autora, adaptado de Sbragia e Lopez, 1995
A questão da digitalização da televisão exemplifica bem o processo de inovação
tecnológica. O advento digital representa justamente uma idéia que foi gerada por
necessidades e aspirações da sociedade, sobre a qual agiram os conhecimentos
científicos e tecnológicos, e cujo resultado é um novo produto: a TV digital.
A inovação tecnológica pode ser caracterizada de diversas maneiras, de acordo com
o seu grau de originalidade e com o seu nível de complexidade e intensidade
científica. De acordo com Furtado et al (2002), a mudança tecnológica, no âmbito de
uma empresa, pode ser classificada como:
Necessidades e Aspirações da Sociedade
Idéias Pesquisa Desenvolvimento Engenharia Produção Comercialização Novos produtos
Conhecimentos Científicos e Tecnológicos
Adoção e Utilização
Reconhecimento da Necessidade
Capacidade Tecnológica
Tecnologia Absorvida
Necessidades e Aspirações da Sociedade
Idéias Pesquisa Desenvolvimento Engenharia Produção Comercialização Novos produtos
Conhecimentos Científicos e Tecnológicos
Adoção e Utilização
Reconhecimento da Necessidade
Capacidade Tecnológica
Tecnologia Absorvida
38
a) imitação duplicativa: incorporação de tecnologias geradas por terceiros, sem
qualquer contribuição da empresa, cujo esforço tecnológico seria apenas de
absorver e utilizar as tecnologias;
b) imitação criativa: incorporação de tecnologias geradas por terceiros, mas com
contribuição original da empresa, o que exigiria um esforço tecnológico
concreto no sentido da adaptação da tecnologia;
c) inovação original: geração e introdução de uma tecnologia de produto ou
processo, por parte da empresa.
O conceito de inovação tecnológica que é buscado é mais abrangente que o de
mudança. O que é inovação para uma empresa, pode não ser uma novidade para seus
concorrentes locais (FONTES, 2003), o que exige uma definição mais ampla desse
conceito.
No caso da digitalização da televisão, inovação tecnológica tema do presente estudo,
ela representa uma inovação para todo o mercado brasileiro. Porém, para países
como o Reino Unido e a Alemanha, onde a TV digital já é uma realidade, essa
tecnologia não é mais novidade.
Alves Filho (1991) apud Fontes (2003) coloca que a mudança tecnológica pode
ocorrer em três diferentes âmbitos empresariais:
• produto: engloba os métodos, técnicas e equipamentos para projetos e
redesenho de produtos, as mudanças nas especificações, nos materiais e
componentes incorporados ou utilizados na fabricação de produtos;
• processo e fabricação: abrange as operações e sua seqüência, os
equipamentos, a operação, manutenção de máquinas e as ferramentas
necessárias à produção;
• gestão e organização da produção: engloba os métodos e técnicas orientadas
para a combinação e administração dos recursos físicos (materiais e
equipamentos) e humanos necessários à produção.
39
Mais uma vez, a inovação que a digitalização da televisão representa influenciará
tanto produtos e processos como a gestão e a organização da produção nessa
indústria. Devido ao maior número de aplicações que serão oferecidas, deverá ser
desenhado todo um novo modelo de negócios, que incorporará sim produtos,
processos e gestão, ou seja, essa inovação se fará presente nos três âmbitos
empresariais citados.
Outro importante aspecto a ser abordado relativo a essa inovação tecnológica em
específico se relaciona à sua magnitude. Segundo Christensen e Overdorf (2000),
uma inovação tecnológica pode se apresentar de duas formas. Inovações sustentáveis
são aquelas que melhoram a performance de um produto ou serviço de uma maneira
que os clientes principais já valorizam. Elas sustentam a fidelidade dos melhores
clientes das empresas oferecendo algo melhor do que o que estava disponível.
Normalmente elas são desenvolvidas pelos líderes da indústria em questão.
Já as inovações disruptivas criam um mercado completamente novo, através da
introdução de um produto ou serviço, que é até inicialmente considerado pior em
relação às métricas dos principais clientes, mas que atende às especificações mínimas
da parcela inferior do mercado. E normalmente são desenvolvidas por empresas
turbulentas, cuja estrutura não permite buscar ou desenvolver, ainda, inovações
sustentáveis. Porém, após um determinado período de tempo, as inovações
disruptivas se difundem enormemente, canibalizando e destruindo mercados antes
estáveis.
Pode-se considerar que talvez a digitalização da televisão possa ser uma inovação
disruptiva. Ela certamente criará vários novos mercados, devido às suas inúmeras
novas aplicações. Resta saber, então, qual tecnologia ou mercado ela destruirá.
A televisão analógica é uma resposta óbvia e incorreta. Ela não será destruída pela
digital, mas sim substituída. O efeito das inovações disruptivas é sempre colateral e
indireto e, na maioria das vezes, inesperado. Seria o equivalente à destruição do
mercado de TV por assinatura, por exemplo, caso o modelo de multi-programação
40
fosse instituído com sucesso na TV aberta e a população não enxergasse mais os
atrativos da TV paga.
Um fator que ameniza essa possibilidade, de a digitalização representar uma
inovação turbulenta no mercado brasileiro, é o fato de que muitos outros países já
estão passando pelo mesmo processo e, a princípio, não há indícios de que isso venha
a ocorrer. Até hoje não foram encontrados indícios de mercados ou tecnologias que
tenham desaparecido após a introdução da TV digital.
De qualquer forma, Christensen e Overdorf (2000), responsáveis pela enunciação do
conceito de “inovação disruptiva”, alertam para os perigos da sua chegada. Eles
evidenciam que nenhuma grande empresa sobreviveu ao surgimento de uma
inovação disruptiva. Isso porque as empresas menores e menos estruturadas têm
menos a perder se aventurando em mercados emergentes. Os seus valores, ainda não
muito arraigados, e a sua estrutura de custos mais flexível permitem acomodar as
margens menores que esses mercados inicialmente oferecem. O método tático
prescrito pelos autores para que as grandes empresas desenvolvam as competências
necessárias para vencer os desafios trazidos pelas inovações disruptivas são descritos
no tópico a seguir, referente a “estratégia tecnológica”.
41
3.3 Estratégia Tecnológica
3.3.1 Estratégia
A palavra estratégia vem do termo grego stratego, que significa general
(CARVALHO e LAURINDO, 2003). Os primeiros escritos que se relacionam de
alguma maneira ao que chamamos hoje de estratégia datam de séculos antes de
Cristo. Um dos mais famosos e talvez o mais antigo deles é “A arte da guerra”, do
chinês Sun Tzu, que data do século IV a. C. O livro enfatiza bastante a necessidade
dos generais de conhecer bem a si mesmo (e a seus exércitos) e a seus adversários e a
importância de evitar os confrontos diretos e teve muita influência sobre o
pensamento empresarial.
Na verdade, sempre existiu uma certa dificuldade em estabelecer uma definição clara
e precisa do conceito de estratégia. Segundo Fontes (2003), isso é devido ao fato que
esta é quase sempre acompanhada de um termo adicional: estratégia corporativa,
estratégia financeira, estratégia competitiva. Alves Filho (1991) inicialmente enuncia
estratégia como sendo um plano ou padrão que permite e integração dos objetivos,
políticas e seqüência de ações num todo coeso e na seqüência relaciona estratégia
com o conceito de “vantagem”, afirmando que é a busca de uma empresa por
vantagens em relação aos seus concorrentes.
A definição de Porter (1999) para estratégia competitiva já engloba o aspecto
competitivo, afirmando que esta é a procura deliberada por um conjunto diferente de
atividades para a produção e o fornecimento de uma mistura única de valores. Porter
(1999) ainda incorpora à estratégia um aspecto integrador, de alinhamento das
atividades. Segundo ele, o sucesso de uma estratégia depende de se realizar bem
diversas atividades e de integrá-las. Caso não exista ajuste entre as atividades, não
existirá uma sustentação adequada para esta estratégia.
42
3.3.2 Estratégia Tecnológica
Segundo Porter (1992), “a estratégia de tecnologia é o método de uma empresa para
o desenvolvimento e o uso de tecnologia. Embora ela abranja o papel de
organizações formais de P&D, também deve ser mais ampla devido ao impacto
penetrante da tecnologia sobre a cadeia de valores”. De acordo com ele, a estratégia
tecnológica deve abordar três questões gerais:
• as tecnologias a serem desenvolvidas;
• se a liderança tecnológica deve ser buscada nestas tecnologias;
• o papel do licenciamento de tecnologia.
Alves Filho (1991) conceitua estratégia tecnológica como os esforços, os meios e as
ações das empresas no sentido de acumular competências para a mudança
tecnológica. Esses esforços constituem-se em utilizar informação tecnológica e
conhecimento tecnológico para escolher, assimilar, adaptar ou criar tecnologia. Esse
esforço é necessário para avaliação e seleção da tecnologia, para adquirir e operar
processos e produzir produtos, para administrar mudanças em produtos, processos,
procedimentos e arranjos organizacionais e, ainda, criar nova tecnologia.
O estudo de Alves Filho (1991) considera a estratégia tecnológica apenas no âmbito
da empresa. Porém, para a questão da TV digital, é importante observar também a
perspectiva dos países. Existem padrões internacionais de TV digital, operando no
mundo inteiro, os quais pertencem a instituições, privadas e públicas, que investiram
milhões de dólares em esforços tecnológicos. Cada país, assim como cada empresa,
tem agido de modo a defender os seus próprios interesses, traçando a sua própria
estratégia tecnológica.
Porter (1992) afirma que a transformação tecnológica tem poder para influenciar a
estrutura industrial e a vantagem competitiva. Assim, a estratégia tecnológica de uma
empresa, assim como a de um país, é um fator fundamental para a sua estratégia
competitiva global.
43
A estratégia tecnológica de uma instituição indica o tipo de vantagem competitiva
que ela está tentando alcançar. As tecnologias a serem pesquisadas e desenvolvidas
são aquelas que representam a maior contribuição para a estratégia genérica da
instituição. Segundo Porter (1992), a estratégia tecnológica constitui-se de um
veículo potencialmente poderoso com que as organizações podem seguir sua
estratégia geral, desde que os esforços tecnológicos estejam alinhados.
Para analisar o comportamento dos fabricantes de televisores (empresas industriais),
em relação à estratégia tecnológica, será adotado o modelo de Freeman (1974), que
considera o ambiente onde as empresas atuam e as atividades científicas e técnicas
que realizam, com adaptações para os exemplos que são observados efetivamente na
indústria estudada.
Estratégia tradicional
Neste caso, o mercado não exige e as empresas não se interessam por mudanças
tecnológicas drásticas. Os produtos sofrem pouca ou nenhuma mudança, mas
sobrevivem num mercado maduro e estável. Esse era o caso da maioria dos
fabricantes brasileiros de televisores, antes da questão da digitalização.
Estratégia defensiva
É adotada pelas empresas que, embora possuam grandes conhecimentos tecnológicos
e de mercado, sempre acompanhando as mudanças, não visam ser líderes. Na
verdade, pretendem aprender com os erros dos líderes. Esta estratégia, de evitar
grandes riscos e de aprender com a experiência dos líderes de mercado, é típica em
oligopólios, e ocorre explicitamente no caso da indústria de eletroeletrônicos. Essas
empresas, como as coreanas Samsung e LG Eletronics em sua atuação global,
realizam esforços tecnológicos expressivos, sobretudo de aprimoramento, tanto de
produto como de processo, e contam com marcas fortes e próprias para sustentar sua
posição de mercado.
44
Estratégia ofensiva ou inovadora
Busca liderança tecnológica e de mercado, para estar à frente da concorrência na
introdução de novos produtos e processos. Nesse caso, são necessários altos
investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), e espera-se que, ao longo do
tempo, esse conhecimento seja transferido para outras empresas. No caso da indústria
de eletroeletrônicos, especialmente para os fabricantes de televisores, podemos
identificar várias empresas que seguem atualmente essa estratégia tecnológica. Tanto
a Phillips como a Sony (mundiais, e não as subsidiárias brasileiras) são reconhecidas
mundialmente como geradoras de tecnologia e de inovação, especialmente em
produtos, mas também em processos. Podem ser citadas também as japonesas
Matsushita (proprietária das marcas Panasonic, National, Technics, Quasar e Ramsa),
Sharp, Toshiba e Hitachi, e a francesa Thompson Mulmedia.
Estratégia oportunista
Consiste em perceber uma oportunidade no mercado dinâmico de atuação, a qual não
exigiria muita capacidade tecnológica, e aplicar uma nova tecnologia que traga
inovações simples em produtos. Um exemplo oportunístico da indústria
eletroeletrônica foi a parceria das Casas Bahia com a Gradiente, que passou a
fabricar uma linha exclusiva para a rede varejista, com uma estrutura de custos mais
enxuta, voltada para a classe C.
Estratégia dependente
É uma estratégia em que modificações apenas ocorrem por demandas específicas de
consumidores ou de empresas-matrizes. É encontrada entre subsidiárias de
multinacionais, ou então, entre as empresas satélites de determinados setores. No
caso dos fabricantes de televisores, as subsidiárias brasileiras das empresas líderes
mundiais, se enquadram nessa classificação.
Estratégia imitativa
A empresa possui capacitação tecnológica intermediária e apesar do interesse em
mudanças tecnológicas, ela se satisfaz em seguir o caminho dos líderes em
tecnologia já estabelecida. É uma estratégia comum entre as empresas protegidas por
45
barreiras alfandegárias e com um mercado cativo, e também pode ser identificada
entre os fabricantes de televisores.
Freeman (1974) também enuncia funções e atividades para implantação e formulação
da estratégia tecnológica. São elas:
a. pesquisa básica ou fundamental;
b. pesquisa aplicada;
c. desenvolvimento experimental;
d. engenharia de projeto (design engineering);
e. engenharia de produção e controle de qualidade;
f. serviços técnicos;
g. patentes;
h. informações técnicas e científicas;
i. educação e treinamento de pessoal técnico e administrativo;
j. planejamento de longo prazo e planejamento do produto.
Para cada uma das estratégias apresentadas por Freeman (1974), as funções e
atividades acima são utilizadas em maior ou menor grau. A tabela abaixo indica o
nível de influência de cada um desses fatores sobre as estratégias enunciadas, que
pode variar de 1 (inexistente) até 5 (muito forte).
Quadro 4: Níveis de atividade por estratégia tecnológica
Fonte: BERTERO (1977) & FREEMAN (1974) apud SAMPAIO (1999).
1 1 1 4 2 1 a
2 1 1 5 3 1 b
3 2 1 5 5 1 c
4 3 1 5 5 1 d
5 5 1 4 4 5 e
2 1 1 5 3 1 f
2 1 1 5 4 1 g
5 3 5 4 5 1 h
3 3 1 4 4 1 i
5
Oportunista
5
Ofensiva
2
Dependente
4
Defensiva
1
Tradicional
3 j
Imitativa
1 1 1 4 2 1 a
2 1 1 5 3 1 b
3 2 1 5 5 1 c
4 3 1 5 5 1 d
5 5 1 4 4 5 e
2 1 1 5 3 1 f
2 1 1 5 4 1 g
5 3 5 4 5 1 h
3 3 1 4 4 1 i
5
Oportunista
5
Ofensiva
2
Dependente
4
Defensiva
1
Tradicional
3 j
Imitativa
46
A despeito da existência dessa distinção das estratégias, é possível verificar que
algumas empresas, notadamente as grandes empresas multinacionais, são capazes de
manter diversas unidades produtivas que atuam com diferentes estratégias
tecnológicas. Por exemplo, uma empresa pode adotar uma estratégia inovadora, mas
ter unidades específicas em que prevaleçam estratégias dependentes. Em geral, a
adoção dessas estratégias tecnológicas vincula-se com o desafio da grande
corporação em melhor aproveitar o que cada localidade lhe oferece.
Uma outra classificação de estratégias tecnológicas genéricas encontradas na
indústria mundial é a apresentada por Baptista (1993), que as distingue em:
• estratégias de liderança tecnológica;
• estratégias de baixo custo;
• estratégias intermediárias.
Seguem a estratégia de liderança tecnológica as empresas capazes de sustentar as
despesas necessárias à P&D voltada, principalmente, à introdução de produtos novos,
na fase inicial de seu ciclo de vida. Os mercados são muitas vezes criados,
apresentando elevadas taxas de crescimento e margens de lucro.
As empresas que adotam a estratégia de baixo custo são de maior escala,
experimentam menores margens de lucro, executam atividades intensivas em
trabalho e utilizam tecnologia mais madura. Economias onde os salários são mais
baixos e os produtos geralmente menos sofisticados e resistentes, como várias
economias asiáticas (inclusive a chinesa) e México (maquiladoras), hospedam
empresas deste tipo.
Entre um extremo e outro, as empresas de estratégia intermediária buscam aproveitar
os espaços de mercado pouco explorados pelas líderes em tecnologia. Tais empresas
realizam esforços tecnológicos, sobretudo de aprimoramento, tanto em produto como
em processo, e têm marcas aptas a se estabelecerem.
47
Para corporações multinacionais pode-se encontrar estratégias dos diferentes tipos,
conforme a firma e a localidade onde ela está estabelecida. As multinacionais podem
combinar múltiplas formas de atuação nas suas filiais em economias hospedeiras,
bem como diversos tipos de interação matriz-filial ou filial-filial.
Existem diversos fatores internos e externos que influenciam a estratégia tecnológica
das empresas. As suas competências, diretrizes e até a sua estratégia global são os
fatores internos principais que afetam a formulação e implantação da estratégia
tecnológica.
Externamente, o ambiente econômico, habitado por competidores, órgãos
regulatórios e mercados consumidores, é a principal influência sobre a estratégia
tecnológica. São esses fatores que determinam a dinâmica da indústria,
estabelecendo o ritmo e as características das inovações tecnológicas.
Existem ainda fatores intrínsecos da indústria, como o ciclo de vida dos produtos e os
processos de produção que também afetam a estratégia tecnológica das empresas. O
horizonte de planejamento estratégico de uma empresa cujos produtos têm um ciclo
de vida reduzido é muito mais curto que o das empresas com portfólio repleto de
bens duráveis.
48
3.4 A Inovação na Estratégia Tecnológica
É fundamental avaliar, no âmbito da estratégia tecnológica, qual a real contribuição
de uma inovação tecnológica. Em um ambiente dinâmico e competitivo, como se
caracteriza a indústria de eletroeletrônicos atualmente, prever o desempenho de
quaisquer atividades que apresentem alto grau de incerteza, como é o caso da
implantação de uma inovação tecnológica, é uma tarefa extremamente complexa e
com uma chance muito grande de falhas (FONTES, 2003).
Alves Filho (1991) coloca que atividades ligadas à capacitação da produção
apresentam um grau de incerteza significativamente inferior do que aquelas
relacionadas com a capacitação para mudança tecnológica. Outro ponto ressaltado
pelo autor é que qualquer mudança tecnológica introduzida na fase de maturidade de
um sistema de produção deverá apresentar grau de incerteza menor do que se fosse
introduzida em uma das fases anteriores de seu desenvolvimento. Naturalmente, ao
analisar os fabricantes de televisores, que atuam em uma indústria madura e no
mercado brasileiro há pelo menos 50 anos, faz sentido que não seja tão complicado
implementar a digitalização. Afinal, um fenômeno equivalente ocorreu na década de
70, quando a televisão a cores foi introduzida no mercado brasileiro.
Porém, devido à enorme gama de funcionalidades e aplicações que será trazida pelo
advento da digitalização, o caso dessa inovação tecnológica em específico pode não
ser considerado como inserido em uma indústria madura, mas justamente como a
ruptura para uma nova indústria.
De acordo com Christensen e Overdorf (2000), o impacto de uma inovação
disruptiva sobre as empresas de um mercado já estabelecido, na maioria das vezes é
devastador. Os autores afirmam que apenas empresas pouco estruturadas, recém-
estabelecidas e com desempenho inferior possuem as competências necessárias para
se beneficiar do surgimento de uma inovação disruptiva. Isso porque tais inovações
requerem não apenas novos recursos, mas também mudanças em processos e valores
organizacionais, já profundamente arraigados nas estruturas das grandes empresas.
49
Segundo eles, é preciso que essas empresas criem um novo espaço organizacional
onde essas competências podem ser desenvolvidas, e existem três maneiras para
fazê-lo. Os gestores podem:
• criar novas estruturas organizacionais dentro das fronteiras corporativas nas
quais novos processos podem ser desenvolvidos;
• desagregar uma organização independente e desenvolver dentro dela os novos
processos e valores que a solução do problema requer;
• adquirir uma nova organização cujos processos e valores já se aproximam dos
requisitos da nova tarefa.
Quando as competências de uma empresa residem nos seus processos e novos
desafios requerem novos processos – isto é, quando exigem que diferentes pessoas
ou grupos da empresa interajam de maneira diferente – os gestores precisam achar as
pessoas relevantes dentro da organização e desenhar uma nova fronteira ao redor
desse grupo. Assim, ao criar novas estruturas organizacionais, a empresa permite que
a solução para os novos desafios surja internamente, através da realocação dos seus
recursos e da adoção de novos processos.
Porém, quando os valores mais fundamentais da organização a tornam incapaz de
alocar recursos para um projeto de inovação, a empresa deve desagregar uma
unidade e torná-la independente como um novo negócio. Não é de se esperar que
grandes empresas aloquem críticos recursos humanos e financeiros para construir
uma posição forte em mercados pequenos e emergentes. E também é muito difícil
que uma empresa cuja estrutura de custos seja cuidadosamente desenhada para
competir em mercados de ponta seja rentável em mercados menos nobres. Nesses
casos, a recomendação é que a organização então crie uma nova firma para
desenvolver as novas operações. A separação é necessária para que esses novos
projetos não tenham que competir por recursos com os demais projetos existentes.
Finalmente, quando for mais interessante adquirir as competências necessárias a
desenvolvê-las, seja dentro ou fora da organização, e houver alvos disponíveis à
venda no mercado, alguns aspectos da aquisição devem ser observados. No caso de a
50
Figura 6: Modelo de Tomada de Decisão de Estratégia Tecnológica para Inovação
empresa adquirente estar buscando os valores ou processos daquela adquirida, a
última coisa que os gestores podem fazer é integrá-la à organização. A melhor
estratégia seria deixar a aquisição difundir seus processos e valores através dela.
Porém, quando a busca é pelos recursos da empresa adquirida, a integração pode sim
fazer sentido, alavancando as competências da organização com a nova aquisição.
Chirstensen e Overdorf (2000) desenvolveram um modelo de tomada de decisão para
uma empresa que precise reagir a ou iniciar um processo de inovação, que reúne as
opções estratégicas enunciadas anteriormente, ilustrado na figura a seguir.
Fonte: Chirstensen e Overdorf (2000)
Ruim(inovacão de ruptura)
Boa(inovação sustentável)
Boa
Ruim
Adaptação aos Valores da Organização
Ada
ptaç
ão a
os P
roce
ssos
da
Org
aniz
ação
Usar uma equipe comum dentro da organização
existente
Usar uma equipe de peso dentro da organização
existente
Usar uma equipe de peso em uma firma separada
O desenvolvimento pode ocorrer dentro da organização
através de uma equipe de peso, mas a comercialização
normalmente requer uma firma separada
BB CC
AA DD
Ruim(inovacão de ruptura)
Boa(inovação sustentável)
Boa
Ruim
Adaptação aos Valores da Organização
Ada
ptaç
ão a
os P
roce
ssos
da
Org
aniz
ação
Usar uma equipe comum dentro da organização
existente
Usar uma equipe de peso dentro da organização
existente
Usar uma equipe de peso em uma firma separada
O desenvolvimento pode ocorrer dentro da organização
através de uma equipe de peso, mas a comercialização
normalmente requer uma firma separada
BB CC
AA DD
51
Na região A, o projeto se adapta bem tanto aos valores como aos processos da
empresa. Assim, nenhuma nova competência é requerida. Uma equipe comum pode
desenvolver o projeto dentro da própria estrutura da organização.
Na região B, o projeto é adequado aos valores da empresa, mas não aos seus
processos. Novos tipos de problema serão apresentados à empresa e serão requeridos
novos tipos de interação e de coordenação de grupos e pessoas. A equipe, assim
como na região A, irá trabalhar com uma inovação sustentável. Nesse caso, porém, é
necessária uma equipe de peso, cujos membros terão dedicação exclusiva ao projeto
e atuarão como gestores, assumindo a responsabilidade pelo sucesso do mesmo.
Já na região C, o gestor encontra com uma inovação disruptiva que não se adapta
nem aos valores e nem aos processos da organização. Para garantir sucesso, ele deve
criar uma firma separada e disponibilizar uma equipe de peso para encarar o desafio.
A separação garantirá que o projeto será gerido com diferentes valores – uma nova
estrutura de custos, por exemplo, com margens de lucro menores. O time de peso
garantirá que novos processos surjam.
Finalmente, na região D, quando o gestor encontra uma inovação disruptiva que se
adapta aos processos, mas não aos valores da organização, a solução quase sempre é
designar uma equipe de peso para trabalhar em uma firma separada. Ocasionalmente,
o desenvolvimento pode até ocorrer internamente, mas a comercialização exigirá a
separação.
Os autores lembram que a maioria das empresas emprega uma estratégia genérica
para lidar com todos os tipos de projetos de inovação tecnológica. Porém, o ideal é
que cada empresa personalize a estrutura das equipes e o local organizacional para os
processos e valores requeridos por cada projeto.
No caso da TV digital, cada uma das empresas envolvidas no processo de
digitalização pode se fazer as mesmas perguntas que o método acima descrito incita.
“A minha empresa possui os recursos necessários para ter sucesso nessa nova
52
situação?” “A minha empresa tem os processos e valores necessários para ter sucesso
nessa nova situação?” Talvez algumas empresas venham a descobrir que ainda não
tem todas as armas para vencer o desafio da digitalização.
Seja um fabricante de televisores, cuja área de desenvolvimento de produtos não
conseguirá criar novas aplicações para os receptores, ou uma emissora de TV, que
perceba que não será capaz de suprir a demanda por conteúdo, todos os agentes desse
processo estão sujeitos a se encontrar em situações difíceis durante a transição. A
capacidade de desenvolver ou de adquirir rapidamente os valores e processos
necessários será decisiva para determinar quais empresas serão bem sucedidas na era
da TV digital. Será preciso criatividade, flexibilidade e, principalmente, estratégias
claras e bem definidas para atingir os clientes. E nem todos estarão qualificados para
isso.
53
4. ASPECTOS RELEVANTES AO CASO BRASILEIRO
Ao analisar a questão da TV digital, devemos lembrar que estão envolvidas nesse
processo as emissoras de TV, que produzem o conteúdo transmitido, as transmissoras
e retransmissoras, responsáveis pela chegada do sinal aos televisores, e os próprios
receptores, fabricados pela indústria de eletroeletrônicos.
Em cada etapa envolvida desde a captação do sinal digital até a sua chegada aos
receptores, existem vários aspectos que precisam ser avaliados. Os aspectos técnicos,
como as codificações de áudio e vídeo e os padrões de modulação por exemplo, são
essenciais para caracterizar o sistema de TV digital.
Esses aspectos técnicos, reunidos de maneira particular, formam o que conhecemos
como os padrões internacionais de TV digital, outra questão fundamental na análise
do caso brasileiro.
Porém, para sustentar uma decisão por um ou outro padrão, deve-se observar as
aplicações que cada um possibilita. E ainda atentar para os receptores que serão
introduzidos no mercado brasileiro.
Finalmente, as experiências de implementação internacional também são relevantes
ao estudo do caso brasileiro, pois muitas similaridades podem ser apontadas e servir
de base para premissas e proposições.
Assim, o objetivo desse capítulo é descrever esses aspectos tão relevantes àquele que
estude a digitalização da televisão no Brasil. Os aspectos técnicos, os padrões
internacionais disponíveis, as aplicações, os receptores e o mercado global de TV
digital serão aqui avaliados para sustentar a proposta formulada de modelo de
negócios para o caso brasileiro.
54
4.1 TV Digital: Aspectos Técnicos
Um sistema completo de televisão é composto, em linhas gerais, por três
componentes, como mostra a figura a seguir. O primeiro, denominado “estúdio”,
envolve as atividades de produção (gravação de cenas), pós-produção (edição e
acabamento), transmissão de sinais entre diferentes setores da emissora ou entre um
veículo e a base (no caso de transmissões externas), entre outras.
O segundo componente é a transmissão dessas informações para o usuário final
(telespectador), mais conhecida como “processo de radiodifusão” (broadcast),
atualmente realizada através de sinais analógicos.
Finalmente, um “sistema de recepção” (antena e acessórios) e o receptor
propriamente dito (televisor) completam a última etapa para que o telespectador
possa receber o conteúdo.
Figura 7: Sistema Televisivo
Fonte: Tutorial Teleco de TV Digital (2003)
O ambiente de estúdio já vem sendo digitalizado há algum tempo, com a utilização
de equipamentos de captação e armazenamento digitais. A transmissão entre os
55
setores internos das emissoras também já é realizada através de sinais totalmente
digitais.
Na outra ponta, os usuários já utilizam diversos recursos digitais, como o controle
remoto ou o sistema de sintonia com utilização de filtros digitais. Na verdade, a
tecnologia dos receptores é uma das mais evoluídas: monitores de cristal líquido e
plasma e a reprodução de alta definição são exemplos das novas capacitações dos
receptores mais atuais.
Assim, a introdução da tecnologia digital no serviço de televisão – a chamada
televisão digital, refere-se à digitalização do elo faltante: a etapa da radiodifusão e
das suas interfaces do lado do estúdio e do usuário.
A TV digital é uma nova geração de televisão, que irá substituir a atual televisão
analógica com a transmissão dos sinais em forma digital, mais eficiente e confiável.
Por isso, a qualidade de imagem e som na TV digital é muito maior que na analógica.
Além de melhor recepção dos sinais, diversas vantagens também são incorporadas
com a digitalização, como a oferta de serviços típicos de telecomunicações ou de
transmissão de dados. A digitalização também viabiliza a compressão dos sinais,
otimizando a utilização das bandas do espectro de freqüências. Na TV analógica, os
canais adjacentes aos utilizados para transmissão são reservados para evitar
interferências. Com a TV digital isso não será mais necessário.
O quadro abaixo sintetiza e ilustra de maneira simplificada as principais diferenças
entre o sistema analógico de televisão atualmente vigente e a TV digital.
56
Quadro 5: Vantagens da TV Digital
Fonte: Elaborado pela autora, adaptado de ANATEL (2004)
Além das diferenças e funcionalidades trazidas pela digitalização, que ilustram a
importância dessa inovação tecnológica, é essencial conhecer alguns conceitos
técnicos específicos.
Um dos principais conceitos a serem conhecidos profundamente é o de sinal, palavra
que é comumente utilizada na língua portuguesa em diversos sentidos. No contexto
desse trabalho, sinal é a medida de uma grandeza física – acústica, ótica ou elétrica –
que veicula algum tipo de informação. Um sinal de TV corresponde a uma onda
eletromagnética que carrega informações de áudio, vídeo e dados de sincronização,
utilizados pelo aparelho receptor (BECKER e MONTEZ, 2004).
Todo sinal cuja amplitude varia continuamente no tempo é denominado sinal
analógico. A figura abaixo ilustra a captação de um sinal analógico de áudio, e a
amplitude variável do mesmo.
1920x1080 pixels400x400 pixelsResolução
640x480 pixels
Excelente (DVD)BoaQualidade da imagem
Não degrada enquanto o sinal puder ser recebido
Degradações: fantasma e chuvisco
Estéreo ou surroundMono ou EstéreoQualidade do áudio
Interatividade (datacasting)Novos recursos
Múltiplos fluxos de áudio e vídeo
Possível o uso de canais adjacentes
Uso do espectro limitado por interferências
Otimização do espectro
Analógico DigitalFator
1920x1080 pixels400x400 pixelsResolução
640x480 pixels
Excelente (DVD)BoaQualidade da imagem
Não degrada enquanto o sinal puder ser recebido
Degradações: fantasma e chuvisco
Estéreo ou surroundMono ou EstéreoQualidade do áudio
Interatividade (datacasting)Novos recursos
Múltiplos fluxos de áudio e vídeo
Possível o uso de canais adjacentes
Uso do espectro limitado por interferências
Otimização do espectro
Analógico DigitalFator
57
Figura 8: Captação de sinal analógico de áudio
sinal a
Figura 9: Digitalização de um sinal analógico
mostrar significa capturar, de forma periódica, os valores do sinal analógico. A
lém da digitalização, os sinais de áudio e vídeo precisam passar pelo processo de
Fonte: Becker e Montez (2004)
O analógico, mostrado na figura acima, para poder ser manipulado na form
Sinal Analógico Sinal Amostrado Sinal Digital
digital, precisa ser convertido. Essa conversão envolve as etapas de amostragem e
quantização, ilustradas a seguir.
Fonte: Becker e Montez (2004)
A
quantização implica na representação de cada um desses valores usando um número
de bits predefinido para armazená-las.
A
modulação para serem transportados até os usuários. A modulação é necessária
devido às características dos meios de comunicação – seja cabo, ondas de rádio ou
-6-4-202468
10
1 3 5 7 9 11Tempo
-6-4-202468
10
1 3 5 7 9 11Tempo
Amostragem
58
satélite – que enfrentam problemas de atenuação por perdas de energia do sinal
transmitido, ruídos provocados por outros sinais e distorções de atraso.
Esses problemas estão fortemente relacionados com a freqüência utilizada. Uma
forma de resolver o problema é modular o sinal: a modulação é o processo no qual
alguma característica de uma onda portadora é alterada de acordo com o sinal da
informação a ser transmitida. Ou seja, é o termo técnico que descreve a maneira que
a informação é “empacotada para viagem”. Quando se faz uma transmissão, o sinal
pode sofrer uma série de interferências e degradações. A modulação é responsável
pela “proteção” do sinal transmitido, visando fazer com que ele chegue ao seu
destino de modo que a informação originalmente transmitida possa ser reconstituída
da maneira mais fiel possível.
Segundo Haykin apud Becker e Montez (2004), a modulação oferece três benefícios:
• desloca o conteúdo espectral de um sinal de mensagens (dados e mídias
digitais, no caso da TV digital) para dentro da faixa de freqüência
operacional;
• permite colocar o conteúdo do sinal de mensagens numa forma menos
vulnerável a ruído ou interferência;
• possibilita multiplexar o meio de comunicação, ou seja, compartilhá-lo,
transmitindo simultaneamente dados oriundos de fontes independentes.
Outro conceito importante que se aparece freqüentemente em textos sobre Tv digital
é multiplexação. Trata-se de uma técnica empregada para permitir que várias fontes
de informação compartilhem um mesmo sistema de transmissão. Isso significa que é
esse processo que permite que vídeo, áudio e dados sejam transmitidos no mesmo
canal de TV digital.
Também é fundamental esclarecer que a mídia comumente se refere aos chamados
“padrões” de TV digital, sem deixar claro o que esse termo realmente significa.
Padrão, nesse sentido amplo, compreende três dimensões:
• padrão tecnológico de codificação e transmissão do sinal;
59
• arquitetura e plataforma tecnológica de provimento de serviços (software,
middleware);
• modelo de exploração dos serviços (concessão, uso comercial e social).
Como é possível observar, uma expressão que melhor definiria o que é chamado de
padrão seria “modelo de negócios”, uma vez que nesse conceito estão incluídos não
só aspectos técnicos bem como os mercadológicos.
Os aspectos técnicos do modelo de negócios da TV digital, por sua vez, também
podem ser divididos, mas em quatro partes:
• codificação de vídeo;
• codificação de áudio;
• multiplexação;
• modulação.
O padrão de codificação de vídeo determina como a imagem é digitalizada e
comprimida. O padrão de codificação de áudio faz o mesmo pelo som. Como dito
anteriormente, a multiplexação reúne e prepara os sinais para a transmissão. E os
tipos de modulação determinam como os sinais digitais são transmitidos.
A arquitetura e a plataforma tecnológica de um padrão possibilitam a interatividade e
a prestação de novos serviços. Isso ocorre através do middleware (sistema
operacional que reúne todas as aplicações) e dos softwares, que são os próprios
aplicativos.
O modelo de exploração de serviços fornece a orientação para a atuação das demais
partes. Os padrões de codificação e modulação, assim como o middleware e os
aplicativos são escolhidos de acordo com as finalidades estabelecidas pelo modelo e
as especificações necessárias.
60
4.2 Padrões Disponíveis
Em relação às plataformas tecnológicas disponíveis, o funcionamento de cada uma
delas é semelhante. A diferença entre os sistemas ocorre apenas na maneira como os
sinais são digitalizados, codificados, comprimidos e transmitidos, o que implica
diferentes ênfases e aplicações de cada padrão.
O “Relatório Integrador dos Aspectos técnicos e Mercadológicos da Televisão
Digital” (CPqD, 2001), traz o modelo de referência da União Internacional de
Telecomunicações – ITU – para a televisão digital, que é seguido pelos três padrões
internacionais – o ATSC, o DVB e o ISDB. O modelo de referência, ilustrado na
figura a seguir, divide as funcionalidades do sistema de TV digital em três blocos
principais:
• codificação do sinal-fonte, responsável pela conversão e compressão dos
sinais de áudio e vídeo em feixes digitais denominados de fluxos elementares
de informação.
• multiplexação, responsável pela multiplexação dos diferentes fluxos
elementares (cada qual contendo informações de áudio, vídeo ou dados),
formando um único feixe digital à sua saída.
• codificação de canal e modulação, responsável por converter o feixe digital
multiplexado em um sinal (ou grupo de sinais) passível de transmissão por
um meio físico, no caso, o ar.
Durante os trabalhos realizados pelos diversos países na primeira metade da década
de 90 e que resultaram no modelo acima, houve um forte consenso na utilização do
padrão MPEG13 (em particular, no atual estágio tecnológico, o MPEG-2) para as
camadas de codificação do sinal-fonte (em particular, o de vídeo) e a de
multiplexação. Já para a codificação de canal e modulação, cada uma das propostas
(ATSC, DVB e ISDB) adota uma solução diferente, como será mostrado
posteriormente.
61
Figura 10: Funcionamento dos Padrões de TV Digital
Fonte: CPqD (2000)
Serão descritos, a seguir, os sistemas internacionais disponíveis e as semelhanças e
diferenças existentes entre os mesmos.
ATSC
O padrão chamado ATSC, abreviatura para Advanced Television System Committee,
foi criado nos Estados Unidos em 1993. Apesar de os primeiros estudos que se
referem à TV digital terem se realizado no Japão, os americanos foram os pioneiros
na efetiva constituição de um sistema completo de transmissão.
O ATSC utiliza, além do MPEG-2 para a codificação de vídeo e multiplexação
(compressão e codificação de sinais), a codificação Dolby AC-3 para o áudio e um
sistema de modulação conhecido como 8-VSB para a camada de transporte
(radiodifusão terrestre, no caso) e opera em uma faixa de banda de 6MHz. Ele pode
utilizar também a modulação 64-QAM, para transmissão via cabo, e QPSK, para via
satélite. O sistema ainda utiliza o middleware (sistema operacional que gerencia as
aplicações) chamado DASE.
Digitalização dosinal de vídeo
Digitalização do sinal de áudio
Multiplexação de
sinais
Codificaçãode canal e modulação
Vídeo
Áudio
Interatividade e novos serviços
Inserção e apresentação
de dados (middleware)
Sistema de TV Digital = conjunto de padrões
Digitalização dosinal de vídeo
Digitalização do sinal de áudio
Multiplexação de
sinais
Codificaçãode canal e modulação
Vídeo
Áudio
Interatividade e novos serviços
Inserção e apresentação
de dados (middleware)
Sistema de TV Digital = conjunto de padrões
62
Esse padrão foi desenvolvido visando a contemplar o HDTV (TV de alta definição),
mas possibilita resoluções tanto de 640x480 como 1920x1080 pixels e razões de
aspecto de 16:9 (similar ao formato de cinema, widescreen) ou 4:3 (como na TV
analógica). Porém, por outro lado, não possibilita a recepção através de aparelhos
móveis, por problema de multipercurso dos sinais transmitidos com através da
modulação 8-VSB. Essa modulação possui o símbolo (unidade de transmissão do
sinal, equivalente a 3 bits) com um período muito curto, estando mais suscetível a
interferência destrutiva de multipercurso (ocorrência de sinais chegando em instantes
diferentes ao receptor, devido a reflexão). Essa deficiência de modulação do padrão
americano vem sendo corrigida com sucesso através do uso de equalizadores, que
aumentam a duração do símbolo.
A figura a seguir ilustra o conjunto de padrões de codificação, multiplexação e de
modulação que formam o que é conhecido como ATSC.
Figura 11: ATSC (Sistema Americano)
Fonte: CPqD (2000)
Na análise comparativa dos sistemas internacionais, é importante lembrar que cada
um dos padrões que compõem os sistemas representa uma parcela de custo na
fabricação dos receptores. O padrão MPEG-2, por exemplo, utilizado por todos os
MPEG-2 Vídeo
Dolby AC-3Multiplexação
MPEG-2Sistemas
Modulação8-VSB
Vídeo
Áudio
Sistema Americano – ATSC
Modulação64 QAM
ModulaçãoQPSK
Radiodifusão
Cabo
Satélite
Interatividade e novos serviços
DASE
MPEG-2 Vídeo
Dolby AC-3Multiplexação
MPEG-2Sistemas
Modulação8-VSB
Vídeo
Áudio
Sistema Americano – ATSC
Modulação64 QAM
ModulaçãoQPSK
Radiodifusão
Cabo
Satélite
Interatividade e novos serviços
DASE
63
sistemas disponíveis, cobra US$2,50 por aparelho que decodifique o seu sinal de
vídeo.
No caso do ATSC, a sua patente é detida pela empresa coreana Zenith, do setor de
eletroeletrônicos, a qual não abre mão dos royalties de utilização do seu sistema. O
valor total dos royalties pagos em cada receptor do padrão americano pode chegar à
ordem de US$10.
DVB
O padrão DVB, sigla para Digital Video Broadcasting, trabalho conjunto de vários
países europeus, utiliza o padrão de modulação COFDM (Coded Orthogonal
Frequency Division Multiplexing), para radiodifusão terrestre, o qual pode operar
com faixas de banda de 6 (faixa brasileira), 7 (faixa americana) e 8 (faixa européia)
MHz. Suas principais características são: codificação de áudio e vídeo através do
MPEG-2, compatibilidade com os principais padrões analógicos atuais e
possibilidade de recepção móvel. Ele foi concebido em duas outras especificações,
DVB-C, com transmissão via cabo e DVB-S, via satélite, utilizando as modulações
QAM e QPSK respectivamente.
Inicialmente, o modelo do DVB não privilegiava HDTV, mas sim um modelo de
multiprogramação em SDTV. Com isso, cada canal da faixa podia ser ocupado por
mais de um programa em SDTV ou EDTV, por exemplo, com folga ainda para
transmissão de dados. Ele disponibilizava, desde o início, melhoria significativa na
qualidade de som e imagem e a interatividade como telespectador e também permitia
a transmissão hierárquica (em vários níveis de robustez de sinal, priorizando a
cobertura para determinada programação), mas a alta definição não era contemplada
na transmissão.
Isso ocorreu devido à sua implantação inicial restrita à TV paga, cujo modelo de
negócios era mais atraído pela diversidade de conteúdo. A TV paga subsidiava os
receptores (set top boxes) e oferecia mais conteúdo e qualidade digital de imagem.
64
Figura 12: DVB (Sistema Europeu)
middleware MHP, utilizado no sistema europeu, é a unanimidade de sistema
último ponto importante a ser citado referente ao DVB é o fato de ele ser o único
padrão a ter sido adotado com sucesso fora dos países de origem. Ao contrário do
Porém, à medida que as emissoras abertas passaram a integrar o processo de
digitalização e a necessidade de um novo salto de qualidade de imagem surgiu, as
primeiras transmissões em HDTV foram iniciadas.
A figura a seguir ilustra os padrões envolvidos na transmissão digital através do
padrão europeu.
Fonte: CPqD (2000)
O
operacional entre os usuários da TV digital ao redor do mundo. Segundo
especialistas, a tendência é de que o MHP seja adotado inclusive pelos padrões
americano e japonês, devido à sua superioridade técnica e a maior aceitação pelos
usuários. Outra vantagem do sistema europeu é a utilização da modulação COFDM,
cujos royalties são bem menores que os cobrados pela 8-VSB. Além disso, os seus
símbolos se caracterizam por um período de duração maior, dando mais robustez a
interferências de multipercurso para o sistema e possibilitando, assim, a recepção
móvel e portátil.
O
MPEG-2 Vídeo
MPEG-2 ÁudioMultiplexação
MPEG-2Sistemas
ModulaçãoCOFDM
Vídeo
Áudio
Sistema Europeu – DVB
ModulaçãoQAM
ModulaçãoQPSK
Radiodifusão
Cabo
Satélite
Interatividade e novos serviços
MHP
MPEG-2 Vídeo
MPEG-2 ÁudioMultiplexação
MPEG-2Sistemas
ModulaçãoCOFDM
Vídeo
Áudio
Sistema Europeu – DVB
ModulaçãoQAM
ModulaçãoQPSK
Radiodifusão
Cabo
Satélite
Interatividade e novos serviços
MHP
65
ATSC, cuja adoção formal ainda é restrita aos candidatos naturais Canadá e México,
o DVB já opera na Austrália, na Índia, na Nova Zelândia e em Cingapura. Além
disso, foi anunciada durante o ano de 2004 a adoção da variante de transmissão a
cabo do DVB, o DVB-C, pelas operadoras de TV paga brasileiras. A adoção do DVB
pela TV aberta representaria, assim, sinergias a serem aproveitadas, como ganhos de
escala na produção de receptores e na transmissão dos sinais.
ISDB
ão ISDB (Integrated Services Digital Broadcasting) foi criado no Japão pelo
onsórcio DiBEG (Digital Broadcasting Experts Group) e pela ARIB (Association of
ais do espectro de freqüência, a ocupação dos mesmos se
rna ainda mais flexível. Ele utiliza o padrão MPEG-2 para codificação dos sinais
ções, além do serviço de televisão.
ssim, é extremamente flexível em relação à transmissão, que pode ser
que compõem o
istema japonês, ISDB.
O padr
c
Radio Industries and Business), contando principalmente com o suporte da emissora
pública japonesa NHK. Como no DVB, a camada de transmissão do ISDB é baseada
em modulação COFDM.
Pela segmentação dos can
to
de vídeo e a especificação AAC (Advanced Audio Coding) do MPEG-2 para os sinais
de áudio. Ele pode utilizar ainda a modulação DQPSK com alternativa para a
radiodifusão terrestre ou a 8-PSK para satélite.
O ISDB foi concebido para múltiplas aplica
A
convencional, hierárquica ou mesmo ter o áudio dos canais de TV recebido por
rádios, por exemplo. Além disso, ele apresenta três modos de operação, com
diferentes números de portadoras, conferindo ao sistema maior imunidade a
interferências. Como não podia deixar de ser, a ênfase do sistema japonês é
justamente as recepções portátil e móvel, assim como a alta definição (HDTV),
possibilitadas pela flexibilidade do sistema anteriormente descrita.
A figura a seguir ilustra o funcionamento conjunto dos padrões
s
66
É importante destacar, ai , utilizada nos padrões
europeu e japonês, possibilita a con de freqüência única (SFN –
ingle Frequency Network). Nesse caso, ao invés de se ter uma única antena
imização de lacunas de
• nto de disposição uniforme de canais em todo o país (cada canal
• vel contínua, sem necessidade de alteração da freqüência durante
Figura 13: ISDB (Sistema Japonês)
Fonte: CPqD (2000)
MPEG-2 Vídeo
MPEG-2 AACMultiplexação
MPEG-2Sistemas
ModulaçãoCOFDM
Vídeo
Áudio
Modulação8-PSK
Radiodifusão
Satélite
Interatividade e novos serviços
ARIB
MPEG-2 Vídeo
MPEG-2 AACMultiplexação
MPEG-2Sistemas
ModulaçãoCOFDM
Vídeo
Áudio
Modulação8-PSK
Radiodifusão
Satélite
Interatividade e novos serviços
ARIB
nda, que a modulação COFDM
strução de redes
S
transmissora de grande potência cobrindo uma vasta região, ter-se-ia uma rede de
transmissores de pequena potência, operando no mesmo canal, transmitindo o
mesmo conteúdo, sincronizadamente. Apesar da implantação de tal rede ser mais
onerosa e complexa, ela apresenta as seguintes vantagens:
• necessidade de menor potência localizada;
• melhor cobertura, especialmente em locais com muitos acidentes geográficos;
• serviço de recepção móvel mais confiável (min
cobertura);
• adoção de freqüência única de abrangência nacional para cada rede de
emissoras;
estabelecime
com mesma programação básica em todas as localidades);
recepção mó
o itinerário;
Sistema Japonês – ISDBSistema Japonês – ISDB
67
rno próprio das emissoras (via de interatividade).
quadro a seguir sintetiza as principais características dos três sistemas e ilustra as
iferenças e semelhanças entre as aplicações habilitadas para cada um deles.
Apesar de existirem algu íveis acerca do padrão
hinês de TV digital, ele não foi incluído nesse trabalho por não se tratar de uma
• utilização da rede transmissora para recepção no caso do estabelecimento de
canal de reto
O
d
Quadro 6: Quadro Comparativo – Padrões Internacionais e Modelos de Negócios
Fonte: Elaborado pela autora (2004)
MPEG-2 AACMPEG-2Dolby AC-3Codificação de Áudio
MPEG-2 MPEG-2MPEG-2Codificação de Vídeo
ARIBMHPDASESoftware de interface
SIMSIMNÃOTransmissão Hierárquica
SIMSIMNÃORecepção Móvel
Multiprogramação, interatividade e novos serviços
TV de alta definição (HDTV)
TV de alta definição (HDTV), recepção móvel e portátil
Ênfase
MPEG-2 AACMPEG-2Dolby AC-3Codificação de Áudio
MPEG-2 MPEG-2MPEG-2Codificação de Vídeo
ARIBMHPDASESoftware de interface
SIMSIMNÃOTransmissão Hierárquica
SIMSIMNÃORecepção Móvel
Multiprogramação, interatividade e novos serviços
TV de alta definição (HDTV)
TV de alta definição (HDTV), recepção móvel e portátil
Ênfase
mas poucas informações dispon
c
opção comercial para o caso brasileiro.
COFDMCOFDM8-VSBModulação
DVBATSC ISDBAspecto
COFDMCOFDM8-VSBModulação
DVBATSC ISDBAspecto
68
4.3 Receptores Digitais
Como já exposto anteriormente, a recepção por aparelhos analógicos apenas é
possível com a utilização de um conversor, o chamados set top box, que realiza a
demodulação digital dos sinais recebidos. Esses aparelhos concentram a inteligência
do receptor de TV digital, podendo ter, além de recuperar as informações de áudio e
vídeo, entre outras, as seguintes funções:
• decodificação de programas criptografados (acesso condicional, como pay
per view);
• sobreposição de imagens provenientes de diferentes fluxos de vídeo (picture-
in-picture);
• apresentação opcional de legendas, programadas pelo usuário;
• gravação de programas (função de personal video recorder);
• hospedagem de aplicativos e processamento das instruções em programas
interativos como jogos eletrônicos.
Na verdade, um receptor de televisão digital é composto basicamente por três
elementos: um decodificador (set top box), um subsistema de som e um monitor.
Esses três elementos podem estar integrados em um único aparelho (denominado de
“receptor integrado”) ou ser aparelhos separados. A figura a seguir ilustra, de forma
simplificada e conceitual, tal composição.
Figura 14: Diagrama simplificado de um receptor de televisão digital
Fonte: CPqD (2000)
DemoduladorRF1
DemoduladorRF2
DemuxMPEG
Unidade de Controle
Memória(RAM, disco)
Decodif. áudio
Decodif. vídeo MPEG
Memóriade vídeo
TELA
Sistema de auto-falantes
Set top box Monitor
DemoduladorRF1
DemoduladorRF2
DemuxMPEG
Unidade de Controle
Memória(RAM, disco)
Decodif. áudio
Decodif. vídeo MPEG
Memóriade vídeo
TELA
Sistema de auto-falantes
Set top box Monitor
69
O set top box tem a função de converter os sinais de rádio-freqüência modulada (RF),
captados por meio de uma antena ou provenientes de um sistema de cabo, em sinais
de vídeo e áudio. Para tanto, ela efetua o processo inverso do realizado no
transmissor, ou seja, a demodulação.
Os sinais de vídeo recuperados pelo set top box são encaminhados para um monitor,
através de uma interface. O usuário poderá utilizar ainda, na função de monitor, o seu
televisor analógico. Para esse caso, o set top box deverá possuir uma saída
compatível, no caso brasileiro, com o PAL-M. O set top box poderá ter uma saída
direta para alto-falantes ou prover conexões para sistemas de som. Neste último caso,
a interconexão poderá ser analógica ou digital.
Uma observação importante a ser feita é que, até o momento, a maioria dos aparelhos
vendidos como “televisores digitais” nas lojas são, na verdade, televisores com
sintonizadores para sinal analógico (NTSC ou PAL), embora contenham
processadores digitais e apresentem uma boa qualidade de imagem. Dessa forma,
para o ambiente de televisão digital, eles desempenhariam apenas o papel de
monitor, requerendo da mesma forma um set top box para sintonizarem os sinais
digitais em padrão ATSC, DVB ou ISDB.
Figura 15: Set top box TiVo
Fonte: TiVo (2004)
O preço deve variar de acordo com as funções envolvidas mas, nos EUA, os set top
boxes para recepção de TV aberta do sistema ATSC são vendidos por valores que
70
variam entre US$300 e US$700. O modelo da figura anterior, que é habilitado para a
recepção do ATSC, é oferecido pela operadora americana de TV por assinatura a
US$100, com uma mensalidade de cerca de US$15. Porém, o modelo americano
necessita de maior memória e capacidade de processamento para a HDTV, o que,
teoricamente, o torna um pouco mais caro. Na Europa, onde os set top boxes são
mais simples pela utilização da SDTV, eles custam entre US$100 e US$500 dólares.
O preço encontrado no mercado japonês variou de US$400 a US$700.
Para a plena reprodução da qualidade de imagem disponibilizada pela TV digital, não
basta que o set top box decodifique perfeitamente a imagem. É necessário, também,
que o monitor desempenhe bem um papel importante: o processamento da imagem
virtual enviada pelo set top box para a imagem efetivamente exibida. De acordo com
o sistema de processamento de imagem do monitor, ele apresentará um desempenho
melhor ou pior.
Após a recuperação da informação de vídeo, que pode ter, dependendo da
especificação, 480, 720 ou 1080 linhas, o set top box cria uma imagem virtual que
será exibida em um monitor. Entretanto, a tela possui um número fixo de linhas
físicas, bem como uma freqüência e um modo próprios de varredura, que podem ser
diferentes dessa imagem virtual recuperada.
Portanto, para a exibição da imagem, normalmente é feita uma conversão da imagem
virtual enviada pelo set top box para a imagem real efetivamente exibida na tela. Tal
adaptação pode ser tanto para reduzir o número de linhas (por exemplo, se foi
recuperada uma imagem de 1080 linhas, mas a tela é do tipo SDTV, de 480 linhas),
quanto para multiplicar as linhas existentes (por exemplo, ao exibir uma imagem
SDTV de 480 linhas em uma tela de 1080 linhas). Tal processamento é feito pelo
monitor e, se não for corretamente realizado, pode implicar em alguma degradação
na qualidade da imagem. A “capacidade de um monitor reproduzir imagens tipo 480
linhas e 1080 linhas” não significa, portanto, que a tela propriamente dita possua um
desses graus de resolução. De fato, o monitor pode ter um grau de resolução bem
diferente – por exemplo, 700 linhas. Isso significa, apenas, que o sistema de
71
processamento de imagem do monitor é capaz de converter uma imagem virtual de
480 ou 1080 linhas para a resolução final da tela.
Os monitores são classificados, de acordo com a tecnologia empregada, em
monitores de tubo, de projeção traseira, de plasma, de cristal líquido e projetores
frontais.
Figura 16: Monitor integrado Sharp LC37AD1E
Fonte: Kelkoo (2004)
Os monitores integrados (com decodificadores), no mercado norte-americano,
custam entre US$700 (modelos mais simples de HDTV) e US$5 mil (os mais
sofisticados). No mercado europeu, os preços variam mais ou menos na mesma faixa,
de US$800 a US$5,5 mil. O monitor da figura anterior, disponível para a Europa,
custa US$5.400, tem tela de 37’’de cristal líquido. No mercado japonês, encontram-
se modelos a partir de US$1.000.
72
4.4 Aplicações
Uma vez que os valores a serem investidos pelos consumidores para o acesso à TV
digital são muito altos, a mesma tem que oferecer outros atrativos além da simples
melhoria de imagem e som, já que a quase totalidade dos que inicialmente possuirão
recursos para adquirir os receptores já desfrutam, hoje, no Brasil, da qualidade de
imagem recebida via cabo e satélite, meios que já estão concluindo o processo de
digitalização da transmissão.
Nesse âmbito, surgem as demais aplicações da TV digital, que têm ênfase na
transmissão de dados e no oferecimento de recursos adicionais à programação da TV
aberta. Algumas das possíveis aplicações destacáveis são enumeradas a seguir:
• multimídia e hipermídia: ao aumentar o número de meios possíveis pelos
quais a informação pode ser transmitida, através de diferentes órgãos dos
sentidos, a TV digital contribui para a melhoria da comunicação; a
possibilidade de interface navegável, possibilita o acesso aos recursos de
hipermídia;
• interatividade: pode ser local (sem canal de retorno) quando o usuário
simplesmente altera a programação através de informação armazenada no seu
receptor ou com canal de retorno (no caso, linha telefônica., acessada através
de modem integrado ao set top box), quando são permitidas as aplicações
transacionais, como comércio eletrônico, acesso à internet e troca de
mensagens;
• datacasting: transmissão de dados, armazenados e processados pelo receptor;
• API (Application Programming Interface): interface entre o sistema
operacional do set top box (middleware) e o usuário, para acesso às demais
aplicações;
• EPG (Eletronic Programming Guide): guia de programas da TV digital –
funciona como um gerenciador de canais e um navegador para as múltiplas
possibilidades de programação;
• CAS (Sistema de Acesso Condicional): utilizado pela operadora para controle
de acesso dos usuários aos programas oferecidos.
73
A figura a seguir mostra alguns exemplos de imagens de TV digital apresentando
algumas das aplicações já enunciadas.
Picture-in-Picture
Comunicações
T-commerce
Interatividade
Picture-in-Picture
Comunicações
T-commerce
Interatividade
74
eles e quais dependem apenas dos receptores. O quadro a seguir sintetiza essas
relações.
Figura 17: Aplicações da TV Digital
Fonte: TiVo e OpenTV (2004)
Um dos maiores atrativos da digitalização é justamente o dinamismo das suas
aplicações. A lista aqui enunciada e ilustrada, apesar de extensa, é não-exaustiva,
pois novos desenvolvimentos tendem a ampliá-la indefinidamente. E é exatamente o
surgimento de novos usos e atrativos que impulsionará a implementação da TV
digital ao longo do seu período de transição.
Algumas aplicações têm mais apelo a determinados consumidores do que as demais.
O quadro 2 apresentado no capítulo 2, na seção relativa às emissoras de televisão,
descrevia os atributos da TV digital, e as aplicações por ela possibilitadas, que seriam
mais importantes para o consumidor brasileiro. Atributos e aplicações podem se
relacionar tanto com o modelo de negócios implementado como com o próprio
aparelho receptor. Assim, na análise dos modelos de negócios possíveis para TV
digital no Brasil, é importante separar quais atributos e aplicações se relacionam com
EPGEPG
75
Como ilustrado no licações esperados
elo consumidor brasileiro tem muito mais relação com o próprio receptor adquirido
Quadro 7: Relação de aplicações e atributos com modelo de negócio e aparelho receptor
Fonte: Elaborado pela autora, dados CPqD (2000)
Jogos eletrônicos
Acesso à internet
Serviço de informações e mensagens por assinatura
Áudio adicional (com outros idiomas)
Legenda adicional
Comércio eletrônico
Programas educativos interativos
Vídeo adicional
Ampliação (zoom) de imagens
Múltiplos programas
Interatividade local
Interatividade com canal de retorno
Som surround
Fluxos independentes de áudio
Padronização do nível de áudio
Auxílio a deficientes auditivos (closed caption)
Auxílio a deficientes auditivos (imagem auxiliar)
Auxílio a deficientes visuais (áudio complementar)
Gravação de programas
Programação defasada (near video-on-demand)
Mecanismo de busca de programas
Jogos eletrônicos
Acesso à internet
Serviço de informações e mensagens por assinatura
Áudio adicional (com outros idiomas)
Legenda adicional
Comércio eletrônico
Programas educativos interativos
Vídeo adicional
Ampliação (zoom) de imagens
Múltiplos programas
Interatividade local
Interatividade com canal de retorno
Som surround
Fluxos independentes de áudio
Padronização do nível de áudio
Auxílio a deficientes auditivos (closed caption)
Auxílio a deficientes auditivos (imagem auxiliar)
Auxílio a deficientes visuais (áudio complementar)
Gravação de programas
Programação defasada (near video-on-demand)
Mecanismo de busca de programas
quadro anterior, a maioria dos atributos e ap
p
do que com o modelo de negócio implementado. É preciso que essa constatação
fique clara, especialmente para aqueles que se propõem a estudar os modelos de
Modelo deNegócio
Alta definição (HDTV)
Aparelho ReceptorAtributos e Aplicações
Modelo deNegócio
Alta definição (HDTV)
Aparelho ReceptorAtributos e Aplicações
76
negócios de TV digital. É preciso focar nos aspectos que são verdadeiramente
relevantes à escolha de um modelo e não confundir aplicações possibilitadas por
receptores mais sofisticados. Somente dessa maneira será possível considerar apenas
os aspectos que são realmente relevantes à escolha de um modelo de negócio para o
caso brasileiro.
77
4.5 Experiências do Mercado Global de TV Digital
O CPqD realizou, em 2002, um estudo específico sobre o panorama mundial da
implantação da tecnologia digital na transmissão terrestre de televisão. Foram
analisados 12 países: Alemanha, Austrália, Canadá, Cingapura, Espanha, Estados
Unidos, França, Itália, Japão, Portugal, Reino Unido e Suécia.
O objetivo do estudo era analisar as condições à época da implementação, observar
os efeitos da digitalização e identificar similaridades com a realidade brasileira, para
oferecer subsídios para a análise de riscos e oportunidades da digitalização no Brasil.
O quadro a seguir sintetiza o que era esperado, o que foi efetivamente realizado, e as
causas associadas aos modelos de TV digital terrestre nos países estudados.
Quadro 8: Síntese de resultados da análise internacional da implementação da TV digital
Fonte: CPqD (2002)
Compartilhamento de custos de implementação
Sinergias com a operação de serviços de telecomunicações
Metas de cobertura geográfica atingidas rapidamente:
• Espanha, Reino Unido e Suécia
Dois atores diferentes: operador da rede e provedor de conteúdo e programação
Múltiplos programas SDTV
Plataforma de TV por assinatura via satélite foi digitalizada rapidamente e agentes exercem um marketing muito agressivo
Número de assinantes insuficiente para garantir a viabilidade econômica:
• Espanha e Reino Unido
TV por assinatura comoalavancador do processo de transição
Demora na definição pela padronização dasAPIs, conseqüentemente, na oferta de receptores padronizados
E-mail, acesso à internet, comércio eletrônico:• Espanha, Reino Unido e Suécia
Software proprietário; os set top boxes terão de migrar no futuro:
• Espanha, Reino Unido e Suécia
Aplicações de interatividade edatacasting
Preço alto dos receptores:• Austrália, EUA e Japão
Falta de conteúdo para atrair o consumidor:• Austrália, EUA e Japão
Falta de receptores no mercado:• Austrália
Implementação atrasada da rede terrestre devido ao espectro altamente congestionado:
• Japão
Vendas baixas de receptores:• Austrália, EUA e Japão (satélite)
HDTV com rede de distribuição do próprioradiodifusor
Modelo da TV Digital Terrestre
Operação de serviços em área metropolitana:• Cingapura
Realizado
Desenvolvimento de um novo mercado:• Cingapura
Promover a capacitação tecnológica do País:• Cingapura
Aplicações de mobilidade e portabilidade
CausaEsperado Compartilhamento de custos de implementação
Sinergias com a operação de serviços de telecomunicações
Metas de cobertura geográfica atingidas rapidamente:
• Espanha, Reino Unido e Suécia
Dois atores diferentes: operador da rede e provedor de conteúdo e programação
Múltiplos programas SDTV
Plataforma de TV por assinatura via satélite foi digitalizada rapidamente e agentes exercem um marketing muito agressivo
Número de assinantes insuficiente para garantir a viabilidade econômica:
• Espanha e Reino Unido
TV por assinatura comoalavancador do processo de transição
Demora na definição pela padronização dasAPIs, conseqüentemente, na oferta de receptores padronizados
E-mail, acesso à internet, comércio eletrônico:• Espanha, Reino Unido e Suécia
Software proprietário; os set top boxes terão de migrar no futuro:
• Espanha, Reino Unido e Suécia
Aplicações de interatividade edatacasting
Preço alto dos receptores:• Austrália, EUA e Japão
Falta de conteúdo para atrair o consumidor:• Austrália, EUA e Japão
Falta de receptores no mercado:• Austrália
Implementação atrasada da rede terrestre devido ao espectro altamente congestionado:
• Japão
Vendas baixas de receptores:• Austrália, EUA e Japão (satélite)
HDTV com rede de distribuição do próprioradiodifusor
Modelo da TV Digital Terrestre
Operação de serviços em área metropolitana:• Cingapura
Realizado
Desenvolvimento de um novo mercado:• Cingapura
Promover a capacitação tecnológica do País:• Cingapura
Aplicações de mobilidade e portabilidade
CausaEsperado
78
Quadro 9: Principais fatores observados que podem influenciar a implantação no Brasil
quadro mostra que, para promover a inclusão digital, que é uma das diretrizes mais
ma outra dificuldade para inclusão digital é a cobertura em países com grandes
O estudo contemplou ainda uma comparação dos fatores que podem influenciar a
implementação no Brasil com os resultados obtidos nos outros países. O quadro 9, a
seguir, apresenta a consolidação desses fatores comparativos.
Fonte: Adaptado de CPqD (2002)
O
defendidas pelos órgãos regulatórios brasileiros, o custo dos receptores é um fator
extremamente importante. Esse fator impactou fortemente a taxa de adesão em
diversos países estudados e deve ser considerado como prioritário na escolha do
modelo de implementação.
U
extensões territoriais. Isso ainda não está resolvido na maioria dos países estudados e
há uma grande dificuldade de garantir a viabilidade econômica em regiões de baixa
densidade populacional. Em relação a isso, é possível observar que os países que
As estações pedem o adiamento da data prevista para o início das transmissões, pois o baixo índice de telespectadores não justifica o ritmo dos investimentos necessários
Preço alto dos receptores – alternativas encontradas:
• aluguel de set top box• subsídio das operadoras de TV paga
Pouco conteúdo diferenciado Recessão econômica Satisfação da população com a TV analógica
Pequena adesão ao serviço de TV aberta:• atraso na implantação da infra-estrutura• baixa adesão da população à nova
tecnologia• pouca oferta de conteúdo interativo
Promover a inclusão digital:• cobertura nacional• adesão da população à nova tecnologia• oferta de aplicações interativas
Os radiodifusores alegam serem altos os custos de produção em HDTV para um mercado muito pequeno
Preço alto dos receptores Falta de informação aos consumidores sobre as vantagens dos receptores integrados
Exibição de programas em HDTV e SDTV Aumento do número de programas Pequena venda de receptores
Atualizar e revitalizar o setor de radio difusão• oferta de programação em alta qualidade
de imagem e som• aumento da oferta de conteúdo• aumento da venda de receptores• aumento da participação do setor no PIB• exportação de produtos
Baixa taxa de adesão à nova tecnologia Adiamento do término da transmissão analógica
Oferta maior de programas abertos na TV digital do que na TV analógica
Otimizar o uso do espectro de radiofreqüências:
• término da transmissão analógica em prazo determinado
• múltiplos programas
Baixa potência do sinal digital para evitar interferência com o analógico
Necessidade de antena externa ou de amplificador de sinal
Em algumas regiões, a qualidade da imagem digital é pior que a analógica
Melhorar a qualidade de imagem e áudio
Alteração na legislação e regulamentação, criando operadores de rede independentes dos provedores de conteúdo e programação
O que foi obtido nos países pesquisados
Horizontalização do setor de radiodifusão Constituição de provedores de rede que transportam todos os programas da TV aberta
Contribuir para a convergência
fatores que podem influenciar a implantação no Brasil
Finalidades para a implantação no Brasil
As estações pedem o adiamento da data prevista para o início das transmissões, pois o baixo índice de telespectadores não justifica o ritmo dos investimentos necessários
Preço alto dos receptores – alternativas encontradas:
• aluguel de set top box• subsídio das operadoras de TV paga
Pouco conteúdo diferenciado Recessão econômica Satisfação da população com a TV analógica
Pequena adesão ao serviço de TV aberta:• atraso na implantação da infra-estrutura• baixa adesão da população à nova
tecnologia• pouca oferta de conteúdo interativo
Promover a inclusão digital:• cobertura nacional• adesão da população à nova tecnologia• oferta de aplicações interativas
Os radiodifusores alegam serem altos os custos de produção em HDTV para um mercado muito pequeno
Preço alto dos receptores Falta de informação aos consumidores sobre as vantagens dos receptores integrados
Exibição de programas em HDTV e SDTV Aumento do número de programas Pequena venda de receptores
Atualizar e revitalizar o setor de radio difusão• oferta de programação em alta qualidade
de imagem e som• aumento da oferta de conteúdo• aumento da venda de receptores• aumento da participação do setor no PIB• exportação de produtos
Baixa taxa de adesão à nova tecnologia Adiamento do término da transmissão analógica
Oferta maior de programas abertos na TV digital do que na TV analógica
Otimizar o uso do espectro de radiofreqüências:
• término da transmissão analógica em prazo determinado
• múltiplos programas
Baixa potência do sinal digital para evitar interferência com o analógico
Necessidade de antena externa ou de amplificador de sinal
Em algumas regiões, a qualidade da imagem digital é pior que a analógica
Melhorar a qualidade de imagem e áudio
Alteração na legislação e regulamentação, criando operadores de rede independentes dos provedores de conteúdo e programação
O que foi obtido nos países pesquisados
Horizontalização do setor de radiodifusão Constituição de provedores de rede que transportam todos os programas da TV aberta
Contribuir para a convergência
fatores que podem influenciar a implantação no Brasil
Finalidades para a implantação no Brasil
79
obtiveram as maiores taxas de implantação nas suas redes foram aqueles que optaram
pela separação dos operadores de rede dos provedores de conteúdo.
Para a atualização e revitalização do setor de radiodifusão, os estudos mostram a
importância da multiprogramação na oferta de maiores opções aos consumidores e
no desenvolvimento da indústria de produção de conteúdo. Por outro lado, alguns
países esperam que a utilização de HDTV permita um aumento na qualidade da
produção televisiva e a abertura de novos mercados para a exportação de conteúdo,
ponto amplamente enfatizado pela ABERT no Brasil.
A última questão que pode ser levantada a partir da experiência internacional de
implantação é a melhora esperada na qualidade de imagem e áudio. Isso não ocorreu
em todos os locais implantados. A principal dificuldade é a determinação do nível
ótimo de potência para a transmissão digital, que não deve interferir na transmissão
analógica, mas deve garantir a qualidade desejada.
80
5. PROPOSTA DE MODELO
Em relação à implantação da digitalização no Brasil, muitos ainda esperam que seja
criado um sistema nacional de TV digital, um padrão próprio do País, que salve a
nação do pagamento de elevados montes de recursos em royalties dos padrões
internacionais disponíveis.
Porém, o fato é que os pesquisadores que conhecem a fundo o assunto já constataram
a inviabilidade econômica de tal projeto. Os recursos do Funttel, que inicialmente
somavam R$100 milhões e hoje já beiram cerca de R$50 milhões, e são os únicos
recursos disponíveis para a pesquisa e o desenvolvimento em TV digital no Brasil
(ANATEL, 2004), representam uma quantia ínfima perto das centenas de milhões de
dólares gastos com isso por outros países.
Além disso, ainda que fosse possível criar um padrão brasileiro de TV digital, boa
parte dos royalties ainda seria paga aos detentores das patentes dos padrões de
codificação de áudio e vídeo, como o MPEG-2, por exemplo. Finalmente, a questão
de esquivar o País do pagamento de royalties pode ser totalmente descartada, dado
que os representantes do padrão japonês de TV digital, em visita ao Brasil, já
ofereceram a tecnologia com isenção total de pagamento de taxas. Isso significa que
o Brasil já poderia ter optado por um dos padrões de TV digital disponíveis sem
incorrer em qualquer custo por isso. E não seria uma má escolha: os primeiros testes
realizados no Brasil para verificar os aspectos técnicos dos padrões internacionais
apontou o ISDB (padrão japonês) como o melhor dos três (ANATEL/CPqD 2000).
E por que será que ainda não foi feito nada de concreto nesse sentido? A resposta
está nos conflitos de interesses descritos no capítulo 2, que fala da indústria
televisiva do País. Os fabricantes e emissoras não entram em um acordo sobre as
especificações mínimas dos receptores, as emissoras retardam o processo ao
máximo, até quando tiverem certeza de que poderão produzir em HDTV sem risco e,
81
além de tudo, os órgãos governamentais ainda se agarram à ilusão de que a TV
digital irá resolver o problema da exclusão social, através da inclusão digital, e
esperam feitos mirabolantes do novo sistema. E esses não são os únicos interesses
envolvidos: indiretamente, fabricantes de software também querem uma fatia do
desenvolvimento que a digitalização promete.
O quadro a seguir sintetiza os principais objetivos da implantação da TV digital no
Brasil, e a sua relação com os interesses de diversos agentes desse processo.
Quadro 10: Objetivos da implantação da TV digital no Brasil
Fonte: Elaborado pela autora, objetivos do Ministério das Comunicações (2003)
É possível constatar, através do quadro anterior, que os interesses menos atingidos
pelos objetivos da TV digital são os do próprio consumidor, que é a força motriz para
a implantação do serviço. A figura a seguir ilustra os dois círculos virtuosos para a
implantação da TV digital. Um descreve a dinâmica das emissoras de televisão e o
Promover a inclusão digital e social, a democratização do acesso àinformação, a língua e cultura nacionais, bem como a diversidade cultural do País
Desenvolver tecnologias brasileiras e a indústria nacional
Programar o processo de transição de modo a garantir que o usuário possa aderir ao sistema quando o desejar, a um custo compatível com a sua renda
Assegurar a entrada e evolução das atuais exploradoras de serviço de televisão analógica na ampla gama de serviços, de radiodifusão ou interativos, a serem viabilizados pela tecnologia digital
Estabelecer um modelo de negócios adequado à realidade econômica e empresarial do País
Buscar desenvolver um sistema que atenda também às necessidades sociais e econômicas dos demais países da América Latina
Otimizar o uso do espectro de radiofreqüências
Sociedade/G
overnoFabricantes de
HW
eSW
Operadores de TV Paga e
TelecomEm
issoras deTV aberta
Contribuir para a convergência tecnológica e empresarial dos serviços de comunicações
Consum
idor
Objetivos
Promover a inclusão digital e social, a democratização do acesso àinformação, a língua e cultura nacionais, bem como a diversidade cultural do País
Desenvolver tecnologias brasileiras e a indústria nacional
Programar o processo de transição de modo a garantir que o usuário possa aderir ao sistema quando o desejar, a um custo compatível com a sua renda
Assegurar a entrada e evolução das atuais exploradoras de serviço de televisão analógica na ampla gama de serviços, de radiodifusão ou interativos, a serem viabilizados pela tecnologia digital
Estabelecer um modelo de negócios adequado à realidade econômica e empresarial do País
Buscar desenvolver um sistema que atenda também às necessidades sociais e econômicas dos demais países da América Latina
Otimizar o uso do espectro de radiofreqüências
Sociedade/G
overnoFabricantes de
HW
eSW
Operadores de TV Paga e
TelecomEm
issoras deTV aberta
Contribuir para a convergência tecnológica e empresarial dos serviços de comunicações
Consum
idor
Objetivos
82
outro a dos fabricantes de receptores. Note que, em ambos os casos, a energia de
ativação do ciclo é o consumidor.
Figura 18: Círculos virtuosos da implantação da TV digital no Brasil
Fonte: Elaborado pela autora (2004)
A figura ilustra os ciclos virtuosos da TV digital. Porém, é importante observar que,
sem a alimentação do ciclo, o processo se torna vicioso. Sem o aumento da taxa de
adesão ao novo serviço, as emissoras não recebem mais verba de publicidade e não
podem investir em conteúdo e aplicações. A TV digital não se torna atrativa e os
consumidores não compram os receptores. Analogamente, sem a atratividade, o
consumidor não compra o receptor, os fabricantes não têm escala para produzir e os
preços dos receptores permanecem altos e inacessíveis, desestimulando potenciais
consumidores.
Assim, fica demonstrado que, se os interesses do consumidor brasileiro não forem
priorizados na escolha do modelo de negócio a ser implementado no Brasil, a
viabilidade econômica da TV digital fica muito comprometida. A TV digital terrestre
no Brasil deve centrar-se no interesse do consumidor, nas suas necessidades e
potencial de compra, conciliando-o com os de todos os demais agentes do setor.
Consumidorcompra oreceptor Aumenta a
taxa deadesão
Aumentam os investimentosem publicidadeAs emissoras
investem maisem conteúdoe aplicações
A inovaçãose torna
maisatrativa
Consumidorcompra oreceptor Aumenta a
taxa deadesão
As vendas de receptores
aumentamOs fabricantes aumentam a
escala deprodução
O preçodo receptor
cai
Círculo Virtuoso - Fabricantes Círculo Virtuoso - Emissoras
Consumidorcompra oreceptor Aumenta a
taxa deadesão
Aumentam os investimentosem publicidadeAs emissoras
investem maisem conteúdoe aplicações
A inovaçãose torna
maisatrativa
Consumidorcompra oreceptor Aumenta a
taxa deadesão
Aumentam os investimentosem publicidadeAs emissoras
investem maisem conteúdoe aplicações
A inovaçãose torna
maisatrativa
Consumidorcompra oreceptor Aumenta a
taxa deadesão
As vendas de receptores
aumentamOs fabricantes aumentam a
escala deprodução
O preçodo receptor
cai
Consumidorcompra oreceptor Aumenta a
taxa deadesão
As vendas de receptores
aumentamOs fabricantes aumentam a
escala deprodução
O preçodo receptor
cai
Círculo Virtuoso - Fabricantes Círculo Virtuoso - Emissoras
83
Observando exatamente o ponto de atender aos interesses do consumidor, de modo a
viabilizar economicamente a implantação e a gerar um modelo de negócio
sustentável, foi elaborada uma proposta de modelo para a introdução da TV digital
no Brasil, descrita a seguir.
O primeiro aspecto da proposta é abandonar de uma vez por todas a ilusão de um
padrão próprio de TV digital. Ao invés disso, os recursos que seriam destinados ao
projeto do padrão brasileiro devem ser destinados a pesquisa e desenvolvimento de
aplicações, onde o montante disponível será significativo e trará benefícios reais e
concretos para a implementação, como novos aplicativos.
Uma vez esquecido o projeto de padrão nacional de TV digital, deve-se optar por um
dos padrões internacionais existentes. No caso brasileiro, o mais indicado é o DVB
(padrão europeu), pelos seguintes motivos:
• trata-se do padrão mais adequado às condições geográficas e de relevo do
Brasil – o seu padrão de modulação (COFDM), cujos símbolos de
transmissão são mais longos, é bem mais robusto a interferências de
multipercurso, que seriam comuns no território brasileiro;
• trata-se de um padrão que teve ótima performance técnica nos testes
realizados no Brasil pelas entidades competentes – apesar de à época dos
testes as SET/ABERT, o DVB ter perdido o primeiro lugar em performance
para o ISDB (padrão japonês), as condições determinantes dessa classificação
foram revistas, e o DVB é unanimidade hoje entre os especialistas em
robustez e estabilidade;
• trata-se de um padrão amplamente testado e implementado ao redor do
mundo, cujos diferenciais e fragilidades já são conhecidos e cujas
experiências de implementação podem ser bem aproveitadas para o caso
brasileiro;
• trata-se de um padrão cujos royalties totais são muito menores que os do
padrão americano, cujo padrão de modulação (8-VSB) cobra fortunas de
84
direitos, e equivalente aos valores inerentes às codificações presentes no
padrão japonês (US$2,50 do MPEG-2, US$1 do DVB em si e menos de
US$1 do middleware MHP);
• trata-se do padrão adotado no Brasil pelas redes de televisão por assinatura, o
que representa sinergias de operação (transmissão e conteúdo) e na fabricação
de receptores (que possuirão a mesma tecnologia de decodificação);
• e trata-se, finalmente, do padrão que possui o melhor middleware do
mercado, ou seja, o de maior atratividade para o consumidor e o de mais fácil
utilização – para um país como o Brasil, com uma taxa altíssima de
analfabetismo digital, quanto mais amigável for a interface, mais suave será a
adaptação dos usuários.
Além da questão do padrão adotado, é importante salientar a maneira como a
televisão será gerida e que diretrizes guiarão a implantação no Brasil. Nesse âmbito,
será fundamental, por exemplo, que mesmo os receptores mais simples e
inicialmente fabricados já sejam capazes de decodificar HDTV. Isso porque a
diferença de custos dos componentes de HDTV e de SDTV é de fato inexpressiva e
porque é necessário garantir às emissoras a possibilidade de exportar conteúdo. Se os
receptores não puderem decodificar HDTV, as emissoras não poderão transmitir
nessa resolução. Se não for para transmitir o conteúdo em HDTV, as mesmas nem o
produzirão e, assim, não poderão exportar. Já que as transmissões em definições
diferentes (HD e SD) podem ser facilmente alternadas pelas emissoras durante a
programação, não há porquê estabelecer que uma ou outra resolução esteja de fora da
TV digital brasileira desde o início.
Para isso, também é preciso garantir que as emissoras continuem com a posse do
canal de 6Mhz que hoje ocupam no espectro. Assim, o que provavelmente
acontecerá é que as emissoras ocuparão os 6MHz, alternando múltiplos programas
(com reprises, programação defasada e uma certa parcela de conteúdo novo, mas
alavancando ao máximo o acervo para minimizar custos) com programas em alta
85
definição, nos horários mais nobres. A alta probabilidade de as emissoras não
investirem em massa na produção de conteúdo e de conseqüentemente não
incentivarem o modelo de multiprogramação é justamente o que indica que a TV
digital não será caracterizada como uma inovação disruptiva, pelo menos não em
relação ao mercado de TV por assinatura. Se os múltiplos canais ficarem mesmo
reservados para as TVs pagas, a Tv digital aberta se posicionará como uma inovação
sustentável no serviço que já era prestado e não como uma tecnologia de ruptura.
Outro aspecto da proposta que se relaciona com as emissoras e a oferta de conteúdo é
a necessidade de incentivos à produção de conteúdo regional. A digitalização, e a
conseqüente otimização do espectro, disponibilizarão novos canais para a
transmissão. É aí que entra o conteúdo regional, hoje praticamente ausente da
televisão brasileira devido à dominação das grandes redes de televisão do País. A
exibição de conteúdo regional permitirá, ainda, o ingresso de anunciantes na mídia
televisiva, que anteriormente não podiam investir em anúncios com grande escala,
mas que passam a poder atingir apenas o público local e a custos menores.
Esse é talvez o único aspecto que pode vir a alterar o ambiente competitivo. Uma vez
gerado mais conteúdo, especialmente o regional, ocorrerá uma maior
descentralização da audiência e, conseqüentemente, das verbas publicitárias. O
desfecho desse processo pode ter um efeito poderoso sobre a competição entre as
emissoras de televisão. A Rede Globo, a princípio, deverá permanecer com a sua
estratégia de liderança tecnológica. Mas resta saber por quanto tempo ela resistirá se
ocorrer, efetivamente, uma melhor distribuição dos investimentos de propaganda.
Para que seja garantido o rápido avanço da cobertura das transmissões digitais,
apenas uma prática mostrou-se efetiva nos países que já implementaram a TV digital:
a separação das operadoras de rede das geradoras de conteúdo. Atualmente, as quatro
maiores redes de televisão do Brasil controlam praticamente 100% das
retransmissoras do País. Com a independência das operadoras de rede, que passarão
a gerir o seu próprio negócio, o de transmissão, e com a dependência das geradoras
86
de conteúdo do desempenho das redes, ambas estarão operacionalmente casadas. O
sucesso de uma depende do sucesso da outra e os dois negócios não serão mais
geridos com base em um único interesse. A expansão da cobertura da TV digital
mostrou-se, em outros países, uma das principais alavancas de adesão ao novo
serviço.
Em relação aos aparelhos receptores, algumas medidas também são necessárias para
viabilizar a adesão da população ao serviço. A primeira delas é alavancar as
aplicações que não representam uma parcela muito grande de acréscimo nos custos
de produção dos receptores. Por exemplo, a memória, para gravação de programas e
armazenamento de dados, é um dos componentes que mais encarece os aparelhos.
Ao invés de enfatizar esse aspecto, é mais interessante possibilitar a recepção de
vários canais de áudio e/ou de legendas adicionais, que são recursos de baixo custo.
Além disso, o ideal é que, desde o início, a interatividade já seja possibilitada, em
algum grau, pois esse é um dos atributos mais valorizados pelo consumidor. A
interatividade local, sem canal de retorno, pode ser possibilitada desde o início, desde
que o receptor possua alguma memória e possa armazenar conteúdo. Assim, o
usuário pode escolher o que e quando assistir, a partir do que estiver armazenado no
seu receptor.
Já em relação à interatividade com canal de retorno, existem diversos modos de
funcionamento: pode ser através do cabo (apenas para usuários de TV paga), através
de um modem e de uma linha telefônica fixa – o que, a princípio, não será muito
coerente (grande parcela da população brasileira não possui linha fixa em casa) – ou
através de uma linha telefônica sem fio embutida. O instituto Genius, associado à
Gradiente, já desenvolveu um protótipo de set top box, no qual a interatividade seria
dada através de uma placa de telefone celular, alimentada por cartões pré-pagos,
como é comum hoje na telefonia móvel. Constatada a viabilidade econômica desse
projeto, essa seria uma boa alternativa para a interatividade da TV digital.
87
Outro aspecto fundamental relativo aos receptores é a necessidade de incentivos
fiscais. Apesar de a imensa maioria das plantas de eletrônica de consumo estarem
situadas na Zona Franca de Manaus, onde teoricamente já há isenção de impostos,
ainda há espaço para incentivos fiscais. Aliás, não só cadeia acima, no elo dos
fabricantes, mas também se pode considerar incentivos na ponta de varejo. Crédito
direto ao consumidor e descontos de repasse de incentivos fiscais são poderosos
agentes no estímulo ao consumo.
Ganhos de escala também são importantes agentes para a queda dos preços dos
receptores. Por isso, é imperativo que o Governo brasileiro tome alguma medida
efetiva no sentido de atingir a comum adoção na América Latina. Já se teve notícia
de algumas poucas iniciativas do Governo nesse sentido, porém, todas tímidas e
ineficazes. Exceto pelo México, que naturalmente adotou o padrão americano de TV
digital, nenhum outro país manifestou-se em relação a isso. Pelo menos nos países do
Mercosul, há uma grande possibilidade de alcance, e a união dos mercados
consumidores de receptores da Argentina, Paraguai e Uruguai já representaria um
expressivo ganho de escala. Note que a adoção das diretrizes dessa proposta não
afetará a competição como um todo; na verdade, o mercado inteiro crescerá, e os
players continuarão com as mesmas estratégias tecnológicas que já adotam hoje (de
liderança tecnológica, baixo custo etc.)
Porém, para que qualquer política internacional tenha força e respaldo é preciso que
o Governo brasileiro tenha uma posição firme em relação ao futuro da TV digital no
Brasil. É preciso planejamento, força e consistência para garantir o sucesso da
implementação, ou será assumido o risco de repetir a experiência da Argentina, que
anunciou a adoção do padrão americano, iniciou os investimentos de implantação e
depois voltou atrás, assumindo a necessidade de uma análise mais cautelosa do
assunto.
88
Como se pode observar, o papel do Governo está presente em praticamente todos os
aspectos referentes ao modelo de introdução da TV digital no Brasil. Assim, mais
uma vez, é fundamental que os dirigentes dos órgãos regulatórios responsáveis pelo
Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) assumam definitivamente uma postura
mais lúcida e responsável. Nada do que foi proposto aqui será implementado com
sucesso enquanto os responsáveis pela implementação estiverem iludidos com um
padrão brasileiro e a inclusão digital. Apesar do consumidor ser a energia de ativação
para os círculos virtuosos da TV digital, o Governo é que exerce o papel de potencial
transformador do círculo para vicioso.
89
6. CONCLUSÃO
Quando foram iniciadas as suas pesquisas, há cerca de um ano e meio atrás, sobre os
aspectos relevantes da TV digital no Brasil, a autora não imaginava que o resultado
final desse trabalho fosse esse. No início de 2004, ao iniciar as conversações com o
orientador, as suas intenções ainda eram avaliar os impactos da digitalização na
cadeia produtiva. Porém, ainda no primeiro semestre de 2004, ao vislumbrar a
amplitude e a profundidade da sua pesquisa acerca do tema, avaliar impactos pareceu
insuficiente. Surgiu então a idéia de elaborar uma proposta de implementação para o
caso brasileiro.
A elaboração de uma proposta de modelo de negócio para a introdução de uma
inovação tecnológica no Brasil não é uma tarefa simples. Trata-se de um aspecto que
se relaciona diretamente com a estratégia num âmbito bem amplo: a estratégia de um
Governo, a estratégia de um País.
Através de uma extensa pesquisa, que cobriu todos os aspectos relevantes à
construção de um modelo para o caso brasileiro, foi possível cobrir todas as
possibilidades e todas as circunstâncias desses aspectos, o que resultou em uma visão
abrangente e isenta da discussão da TV digital no Brasil. Foi estudada a indústria
televisiva, com foco nas emissoras de TV, nos fabricantes de receptores e nos órgãos
regulatórios. Além disso, foram observados outros aspectos relevantes, como os
aspectos técnicos da TV digital, as suas aplicações, os padrões internacionais
disponíveis, os receptores digitais e as experiências do mercado global.
De maneira geral, foi possível perceber que o impasse brasileiro não se relacionava à
falta de alternativas; pelo contrário, inúmeras são as opções que já foram avaliadas
pelos órgãos regulatórios competentes. Na verdade, o único entrave encontrado é o
conflito de interesses entre as partes envolvidas no processo.
De um lado, as emissoras, representadas pela ABERT, que pleiteiam que a TV
digital brasileira contemple desde o início a TV de alta definição (HDTV). Do outro,
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os fabricantes, para os quais quanto mais simples forem os receptores iniciais, mais
gerações posteriores serão desenvolvidas e mais aparelhos serão vendidos. No
centro, a ANATEL, órgão regulatório responsável pela solução do impasse, cujo
interesse maior é apenas um: a tal da inclusão digital.
A proposta apresentada nesse trabalho concilia, de alguma forma, esses três
interesses envolvidos. É proposto que:
• os receptores iniciais decodifiquem sim HDTV, um pleito justo das
emissoras;
• seja adotado o padrão europeu (DVB) – o mesmo adotado pela televisão por
assinatura – e que hajam esforços para a comum adoção do DVB pelo menos
no Mercosul, iniciativas que trarão ganhos de escala e sinergias para os
fabricantes de receptores;
• e que se encare a inclusão digital como uma conseqüência e não como um
fim, sendo essa a única maneira de ativar o ciclo de implantação.
Priorizar os interesses do consumidor e considerar as alternativas viáveis e
sustentáveis são os dois principais pilares da proposta apresentada. E também são
eles que garantem o sucesso de uma eventual implementação – é uma proposta
ampla, robusta e bem-fundamentada, que leva em consideração aspectos de diversos
setores da Economia, nacionais e internacionais.
O resultado final desse trabalho é, sem dúvida, a sua maior contribuição. Nas atuais
circunstâncias em que o Brasil se encontra, estudando a implementação de uma
tecnologia que logo terá uma segunda geração em outros países, um trabalho que
proponha uma maneira de iniciar um processo para recuperar esse atraso é
extremamente válido.
Esse trabalho, além de contribuir para a inexpressiva literatura disponível acerca do
tema, propõe elucidar alguns aspectos tão nebulosos nas discussões realizadas pelas
partes envolvidas. Espera-se que esse trabalho possa ser avaliado por algum
91
representante dos órgãos competentes do Governo e que algo da sua contribuição
possa ser aproveitado para a efetiva introdução da TV digital no País.
92
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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