Prova de avaliação sumativa 4 Filosofia 11ºB 14.1.2014 com correção das questões.pdf

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1 ESCOLA EB 2,3/SECUNDÁRIA DE SÃO SEBASTIÃO, MÉRTOLA Ano Letivo 2013/2014 Disciplina de Filosofia – 11º Ano Turma B Docente Rui Nunes Kemp Silva Teste sumativo 4 Data: 14 de Janeiro de 2014 (terça-feira) Duração: 90 minutos Sala AN15 – 15H15/16H45 GRUPO I I - Questões de escolha múltipla Assinale a alternativa que considera correta de um modo claro, inequívoco e sem rasuras. 1. «O ser humano não tem uma necessidade séria da argumentação». Esta afirmação é… A. … verdadeira, porque argumentar é apenas querer manipular os outros através de belos discursos; B. … falsa, porque quem não conhece as técnicas argumentativas não consegue viver em sociedade; C. … verdadeira, porque quando as teses são evidentes não é necessário perder tempo a defendê-las; D. … falsa, porque a realidade nem sempre é evidente, suscitando diferentes pontos de vista que exigem ser defendidos mediante argumentos. 2. Em relação aos diferentes contextos em que a argumentação pode decorrer, é razoável afirmar que… A. … a opinião do orador é sempre indubitável; B. … o orador apresenta uma tese a favor da qual o auditório irá argumentar; C. … o auditório pode ser individual ou coletivo; D. … o contexto de receção é irrelevante na adesão à tese e aos argumentos do orador. 3. O objetivo da retórica é… A. … conduzir alguém a uma conclusão necessária e universal; B. … fornecer argumentos a favor das teses que o auditório sempre aceitou sem contestação; C. … persuadir e convencer um auditório a respeito de determinado assunto; D. … exibir belos discursos sem qualquer preocupação com a coerência e com a verdade. 4. Uma boa argumentaçãoA. privilegia os argumentos de autoridade. B. pretende adular e seduzir o auditório. C. privilegia o ethos relativamente ao logos. D. pretende obter a adesão livre do auditório.

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ESCOLA EB 2,3/SECUNDÁRIA DE SÃO SEBASTIÃO, MÉRTOLA Ano Letivo 2013/2014

Disciplina de Filosofia – 11º Ano Turma B Docente Rui Nunes Kemp Silva

Teste sumativo 4 Data: 14 de Janeiro de 2014 (terça-feira)

Duração: 90 minutos Sala AN15 – 15H15/16H45

GRUPO I

I - Questões de escolha múltipla

Assinale a alternativa que considera correta de um modo claro, inequívoco e sem rasuras. 1. «O ser humano não tem uma necessidade séria da argumentação». Esta afirmação é…

A. … verdadeira, porque argumentar é apenas querer manipular os outros através de belos discursos; B. … falsa, porque quem não conhece as técnicas argumentativas não consegue viver em sociedade; C. … verdadeira, porque quando as teses são evidentes não é necessário perder tempo a defendê-las; D. … falsa, porque a realidade nem sempre é evidente, suscitando diferentes pontos de vista que exigem

ser defendidos mediante argumentos. 2. Em relação aos diferentes contextos em que a argumentação pode decorrer, é razoável afirmar que… A. … a opinião do orador é sempre indubitável; B. … o orador apresenta uma tese a favor da qual o auditório irá argumentar; C. … o auditório pode ser individual ou coletivo; D. … o contexto de receção é irrelevante na adesão à tese e aos argumentos do orador. 3. O objetivo da retórica é…

A. … conduzir alguém a uma conclusão necessária e universal; B. … fornecer argumentos a favor das teses que o auditório sempre aceitou sem contestação; C. … persuadir e convencer um auditório a respeito de determinado assunto; D. … exibir belos discursos sem qualquer preocupação com a coerência e com a verdade.

4. Uma boa argumentação…

A. privilegia os argumentos de autoridade. B. pretende adular e seduzir o auditório. C. privilegia o ethos relativamente ao logos. D. pretende obter a adesão livre do auditório.

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5. Numa discussão filosófica pode cometer-se o erro argumentativo de afirmar a verdade de uma tese opinião recorrendo à opinião de um filósofo influente porque… A. … pressupõe-se como provado ou encerrado aquilo que está em questão, o que é um argumento circular. B. … apresentam-se duas alternativas como se uma delas fosse a única viável, o falso dilema. C. … pretende-se silenciar uma opinião discordante ou um debate crítico de ideias, impondo uma autoridade D. … concluir que algo é falso porque não se provou que é verdadeiro, o que é um apelo à ignorância.. 6. «Nunca deves jogar. Uma vez que comeces a jogar verás que é difícil deixar o jogo. Vais deixar de falar com as pessoas e nunca vais querer sair de casa. Em breve estarás a deixar todo o teu dinheiro no jogo e, inclusivamente, pode acontecer que te vires para o crime para suportar as tuas despesas e pagar as dívidas.» Este argumento representa no âmbito da argumentação informal…

A. … uma falácia de petição de princípio porque se repete uma mesma ideia na premissa e na conclusão. B. … uma falácia «post hoc» porque não há relação causal entre jogar e pagar dívidas. C. … uma falácia de derrapagem porque se estabelecem cadeias causais cada vez mais improváveis. D. … uma falsa analogia porque as realidades em comparação não têm qualquer relação de semelhança.

7. Quando, em 1858, Charles Darwin publicou o livro A Origem das Espécies houve um aceso debate entre os defensores e os adversários das suas ideias. Estes caricaturaram a ideia de que os seres humanos e outros primatas evoluíram a partir de um antepassado comum dizendo: “Darwin afirma que descendemos do macaco” e eram frequentes ironias como “talvez os avós de Darwin fossem macacos, os meus não”. Esta forma de entender a teoria da evolução das espécies pode ser classificada de um ponto de vista da lógica informal como…

A. … uma falsa analogia porque não há comparação entre os seres humanos e os primatas. B. … uma deturpação das ideias de Darwin conhecida por «espantalho» ou «boneco de palha». C. … uma falácia «post hoc» porque não há relação de causa-efeito entre seres humanos e primatas. D. … uma falácia de derrapagem ou «bola de neve» porque se extrai a conclusão abusiva da origem dos

seres humanos a partir dos primatas. 8. O argumento que a seguir se expõe surgiu num debate entre cientistas e teólogos: «A evolução da vida está bem explicada nos textos bíblicos e não há que ter dúvidas sobre a Verdade Revelada. Deus criou toda a vida e deu-lhe todo o desígnio». Os cientistas interpretaram este argumento como…

A. … uma falácia causal («post hoc»), pois Deus não é a causa primeira da vida para os cientistas. B. … uma falácia de apelo à autoridade, porque a Bíblia não é uma fonte credível para explicar a vida. C. … uma falácia circular ou de petição de princípio, pois a ideia da conclusão repete a da premissa. D. … uma falácia de apelo à força, porque se visa silenciar os cientistas, bloqueando o debate.

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9. A imagem que se segue pretende representar uma situação muito familiar entre alunos e professores. De um ponto de vista da lógica formal, os argumentos do aluno podem ser interpretados corretamente como um caso evidente de…

A. … uma falácia indutiva, conhecida por generalização abusiva.

B. … uma previsão indutiva que é refutada pelo contra-exemplo.

C. … uma falácia de falsa analogia porque se comparam realidades sem semelhanças.

D. … uma falácia «ad misericordiam», porque o aluno procura apelar ao perdão da professora.

10. A imagem da autoria de Luís Afonso, um conhecido cartoonista português, foi criada a partir das declarações do ex-Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, colocando como pano de fundo o navio cruzeiro Costa Concordia, que afundou ao largo da costa italiana. De um ponto de vista da lógica informal, há um argumento nesta mensagem humorística que pode ser interpretado como…

A. … um entimema cuja premissa implícita é «A economia portuguesa vai naufragar».

B. … uma falsa analogia porque não há semelhanças relevantes entre a economia e os navios.

C. … uma previsão indutiva sobre o afundamento da economia nacional, a partir do exemplo de uma tragédia marítima.

D. … um raciocínio indutivo válido baseado em exemplos factuais verdadeiros.

Cotações: 10 itens x 5 pontos = 50 pontos

II - Questões de Verdadeiro/Falso

Assinale V (verdadeiro) ou F (Falso) nas seguintes afirmações

1. Consideram-se falácias formais os raciocínios que cumprem as regras de inferência.

2. Para a lógica formal a validade dos argumentos refere-se à sua verdade ou falsidade.

3. «Todos os metais dilatam com o calor. Logo, o cobre, se aquecido, também se dilatará». Este argumento é uma generalização indutiva empírica.

4. A demonstração implica os valores do interlocutor e do orador.

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5. A demonstração envolve uma conclusão verosímil e plausível.

6. Na argumentação a tese é imposta pelo orador ao auditório.

7. A retórica é a técnica do verosímil e não da verdade.

8. Os argumentos de apelo à autoridade são sempre falaciosos.

9. Um argumento cogente só precisa de ser válido e ter premissas e conclusão verdadeiras.

10. Um argumento informal é forte se as premissas forem menos plausíveis que a conclusão a admitir.

Cotações: 10 itens x 2 pontos = 20 pontos

III – Identificação de Argumentos

Identifique corretamente, marcando uma cruz em cada quadrícula, o tipo de argumento que se expõe nas alíneas que se seguem. Na folha de resposta escreva para cada alínea o tipo de argumento que corresponde à sua escolha. a)- «Todas as formas de clonagem são inaceitáveis. A aceitação da clonagem conduz à clonagem reprodutiva, que, por sua vez, conduz ao eugenismo, a uma sociedade racista e a novas modalidades de escravatura».

Generalização indutiva Falsa Analogia Derrapagem

b)- «O Roberto disse que amanhã não há aulas, mas de certeza que há porque ele é malcriado e preguiçoso».

Entimema Ad hominem «Post Hoc»

c)- «Não acredito em Deus porque ninguém provou que ele existe».

Falácia do apelo à ignorância

Previsão indutiva Espantalho

d)- «Quando eu liguei a televisão ontem estava a dar o telejornal. Hoje aconteceu a mesma coisa. Logo, sempre que eu ligo a televisão, está a dar o telejornal».

Generalização abusiva Falsa Analogia Previsão indutiva

e)- «Uma pessoa odeia pessoas de outras raças porque é racista».

«Post Hoc» Petição de Princípio «Ad hominem»

Cotações: 5 itens x 5 pontos = 25 pontos

IV – Avaliação de argumentos

Nos argumentos que se seguem, verifique se são ou não formalmente válidos, mediante um método formal de prova. Caso sejam erros formais identifique corretamente a designação da falácia.

(a) - «Se Cícero é um orador persuasivo, então utiliza um discurso sedutor e cativa o auditório. Cícero é um orador persuasivo. Logo, Cícero cativa o auditório».

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(b) - «Se o António é um intelectual português contemporâneo, então leu Eduardo Lourenço e leu José Gil. O António não leu Eduardo Lourenço nem José Gil. Logo, o António não é um intelectual português contemporâneo».

Cotações: 2 itens x 25 pontos = 50 pontos

GRUPO II

Questões de resposta curta e objetiva

Do elenco de cinco questões de resposta curta e objetiva deve responder obrigatoriamente a uma. 1. Construa um argumento de derrapagem falacioso. Apresente a justificação adequada para o considerarmos falacioso. 2. Mostre, através de um argumento da sua autoria, que o recurso ao «espantalho» é uma estratégia argumentativa falaciosa. Justifique o fundamento dessa ilegitimidade. 3. Explique a diferença existente entre generalizações e previsões. Justifique a sua resposta recorrendo a exemplos pertinentes. 4. Qual é a função do estado cognitivo dos agentes para a interpretação do valor dos argumentos? Explique-a recorrendo a um exemplo relevante. 5. A democracia representativa não se deve confundir com a democracia deliberativa. Elabore uma composição que destaque a diferença entre estas duas conceções de democracia e o papel da opinião pública nas sociedades democráticas.

Cotações: 1 itens x 15 pontos = 15 pontos

GRUPO III

Analise os cartoons abaixo apresentados e descubra em dois deles os argumentos informais (falaciosos ou não) que representam. Justifique adequadamente a sua interpretação, identificando os números do cartoon por si escolhidos.

Cartoon 1

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Cartoon 2

Cartoon 3

Cartoon 4

Cartoon 5

(Cotações: 2 itens x 20 pontos = 40 pontos)

BOM TRABALHO!

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Correção da prova de avaliação sumativa 4 – Filosofia – 11ºB – 14 de Janeiro de 2014 (terça-feira)

Grupo I I – Q.e.m.

1. D. 2. C. 3. C. 4. D. 5. C. 6. C. 7. B. 8. B. 9. C. 10. B.

II – Questões de Verdadeiro/Falso

1. F. 2. F. 3. F. 4. F. 5. F. 6. F. 7. V. 8. F. 9. F. 10. F.

III – Identificação de argumentos a)- Derrapagem. b)- Ad hominem. c)- Falácia do apelo à ignorância. d)- Generalização abusiva. e)- Petição de princípio. IV – Avaliação de argumentos Para resolver este exercício, podemos recorrer simplesmente ao método de prova do inspetor de circunstâncias, uma simplificação da tabela de verdade. Assim, no argumento a), não há nenhuma falácia, o argumento é formalmente válido, como se pode destacar da leitura dos resultados da primeira linha do inspetor. No caso do argumento b), o inspetor revela tratar-se também de um argumento formalmente válido e a prova está na última linha da tabela do inspetor de circunstâncias. Para a realização destes dois exercícios, era preciso fazer os dicionários – além da forma canónica, o esquema de inferência ou a fórmula do argumento. Depois, o aluno devia construir os inspetores e apresentar o resultado correto com a sua interpretação. Para os dois argumentos, a justificação é esta: um argumento é formalmente válido se for impossível encontrar na linha do inspetor de circunstâncias premissas verdadeiras e conclusão falsa. De outro modo, equivalente, se premissas e conclusão são verdadeiras, pelo menos numa das linhas do inspetor, e não há um único caso em que se deteta premissas verdadeiras e conclusão falsa, então o argumento é válido, a verdade das premissas é preservada na conclusão. Na aula de correção faz-se tudo no quadro e regista-se no caderno, explicando passo por passo como se resolve este tipo de exercícios – uma retrospetiva do 1º período.. Grupo II 1. Um argumento falacioso de derrapagem: «Se estudares muito podes morrer. Se estudares muito podes ficar doente da cabeça e sofrer imensas enxaquecas. As enxaquecas podem levar-te a largos períodos de insónia. Se não conseguires repousar o suficiente por causa das insónias, podes enlouquecer. Se enlouqueceres, serás

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internado compulsivamente num manicómio. Se fores internado num manicómio, para te tratarem, os médicos vão aplicar medidas extremas, como a TEC (terapia electroconvulsiva). Aplicada em excesso, a TEC pode levar-te à morte. Logo, é melhor não estudares muito senão acabas como defunto numa morgue de um manicómio qualquer». Um argumento por derrapagem funciona como uma cadeia causal entre acontecimentos como se essa ligação fosse verdadeira ou necessária, produzindo um efeito delirante ou efeito dominó, ou como se fosse uma bola de neve, produzindo uma conclusão inaceitável para o auditório. A cadeia de causalidade catastrófica entre os eventos gera mais um efeito de medo das consequências nas pessoas do que propriamente uma persuasão pelo efeito das razões causais expostas. Quanto maior for a cadeia causal, mais implausível ou inverosímil se torna o argumento. Um argumento de derrapagem só pode ser aceite como legítimo ou plausível se as relações de causa e efeito entre os eventos forem suportadas por factos, evidências, ou provas irrefutáveis. Desfaz-se o efeito de persuasão da derrapagem se questionarmos a plausibilidade de uma das relações de causa-efeito expressas nas premissas, mostrando que se trata assim de uma falácia. 2. O recurso ao espantalho é uma manobra argumentativa falaciosa, pois procura-se deformar ou deturpar uma opinião de outra pessoa, criando outra mais fácil de atacar e refutar: é uma estratégia de fuga à questão, denota falta de honestidade intelectual, e representa na maior parte dos casos uma estratégia de ocultação da falta de razões ou de criatividade argumentativa para analisar seriamente uma questão. Um exemplo muito comum de recurso ao espantalho ocorre em contexto desportivo, quando depois de um jogo decepcionante para um clube dito «grande», que acabou de ser derrotado claramente por um adversário teoricamente mais fraco e acessível, o treinador do clube derrotado, na conferência de imprensa declara que só perdeu porque o árbitro foi tendencioso, desviando a atenção da má prestação da sua equipa para a atuação do árbitro. O exemplo poderia ser algo semelhante a este, como aliás aconteceu com o atual treinador do FCPorto, derrotado por 3-1 no campo do Gil Vicente na época passada: «A nossa equipa fez tudo por ganhar a partida, tivemos diversas oportunidades, até marcámos golos, o árbitro é que nos impediu de vencer, pois não marcou grandes penalidades e anulou-nos golos legítimos». Recorrendo a outro exemplo, um aluno pode recorrer a um espantalho, afirmando a um dos seus professores que só tira maus resultados na disciplina porque os testes são muito difíceis, quando na verdade não estuda regularmente e nem se aplica o suficiente nas aulas, ou está distraído com os colegas com brincadeiras infantis. 3. Tanto a indução por generalização como a previsão indutiva são argumentos de tipo não-dedutivo, pois a relação de apoio das premissas à conclusão é meramente parcial, provável ou plausível. Há pois dois tipos de indução: generalizações e previsões. Na indução generalizante, as premissas são menos gerais do que a conclusão: a forma lógica geral da amplificação é «alguns F são G, portanto, todos os F são G». Por outro lado, as previsões são argumentos indutivos cuja forma lógica geral é esta: «todos os F observados até agora são G, logo, é previsível que alguns F não observados sejam G». Nas previsões, as premissas têm um conteúdo empírico relacionado com a experiência de factos do passado. E é a repetição regular desses factos no passado que autorizam a previsão da sua ocorrência no futuro. Note-se que a transição de premissas para conclusão, nas previsões, procede do geral para o particular. Assim, uma generalização indutiva poderia ter como exemplo o seguinte: «Portugal encontra-se em crise económica por causa da dívida pública. A Grécia encontra-se em crise económica devido à sua dívida pública. A Irlanda encontra-se em crise económica devido ao défice da dívida pública. Logo, todos os países em crise económica são países que têm uma dívida pública». Um contra-exemplo para esta conclusão seria o exemplo de um país que se encontrasse em crise económica e que não tivesse qualquer problema de dívida pública. Por sua vez, uma previsão indutiva parte de uma constatação empírica geral verificada no passado para extrair uma conclusão particular. Por exemplo, Todos os países do sul da Europa encontram-se em crise económica devido às suas dívidas públicas, logo, é muito provável que a Itália também venha a entrar em crise económica». Repare-se que os argumentos indutivos, sejam generalizações ou previsões, são sempre ampliativos, isto é, a conclusão «ultrapassa» as premissas, é uma «extrapolação», no sentido em que a verdade conjunta das premissas não garante a verdade da conclusão. Há sempre possibilidade de haver erro, de uma previsão não ocorrer, em virtude de um contra-exemplo, isto é, a ocorrência de um facto que nega a verdade da conclusão de uma inferência indutiva. 4. Os argumentos não dependem apenas das propriedades lógicas, como a forma válida, ou da solidez, como a verdade do conteúdo das premissas e da conclusão, para que sejam aceites e reconhecidos como persuasivos. O estado cogente dos agentes interfere na receção e interpretação do valor dos argumentos, pois o que está em causa é o conhecimento prévio que os sujeitos têm formado na sua mente acerca da realidade sobre a qual opinam e avaliam no quotidiano. Deste modo, mesmo que um argumento seja válido e sólido, a conclusão pode ser rejeitada se o estado cognitivo do agente o predispõe contra uma certa opinião ou ideia. O exemplo histórico bem conhecido diz respeito a Galileu, que defendia uma tese verdadeira, o heliocentrismo, mas que nunca persuadiu os membros do Santo Ofício (a Inquisição) em virtude das suas crenças religiosas e preconceitos contra ideias novas impedirem a descoberta de uma verdade

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cosmológica acerca do sistema solar. Um argumento, para ser um bom argumento, deve ser cogente, quer dizer, racionalmente persuasivo, ser capaz de alterar as opiniões e crenças de um auditório que à partida não estava disposto a mudar de posição. Isso nem sempre acontece, sobretudo se a força do estado cognitivo de um sujeito ou de um auditório particular estiver dependente de um sistema de preconceitos ideológicos, como certas doutrinas racistas ou fanatismos de natureza religiosa ou política. Nesta situação, há uma cegueira não só para a verdade mas para todos os argumentos que não se adaptem a uma visão distorcida da realidade. É neste sentido que podemos falar de um estado cognitivo delusório dos agentes, tornando-os incapazes de distinguir o que é real e o que é ilusório: uma delusão altera a perceção da realidade dos factos, tornando as pessoas imunes à racionalidade argumentativa e cegas para a verdade. A cogência apela à força da razão, à abertura do espírito crítico das pessoas para descobrir de um modo autêntico a verdade, levando as pessoas a reconhecer que a verdade é mais uma descoberta através do diálogo e da troca de ideias do que um simples ato de crença ou de adesão espontânea perante certas opiniões. 5. Um modelo de democracia deliberativa significa que há uma participação real na vida política de uma sociedade por parte dos cidadãos, isto é, há liberdade para uma cidadania ativa e responsável, existindo um envolvimento maior dos cidadãos nas decisões políticas, um maior controlo democrático das instituições e dos partidos políticos por parte dos cidadãos. Claro está que a democracia deliberativa não deixa de ser representativa – o que acontece é que há maior abertura e poder de controlo das atividades e decisões dos políticos por parte dos cidadãos, que não se limitam a ser eleitores. Uma democracia representativa, como a que temos atualmente em Portugal, é uma democracia em que os cidadãos apenas se envolvem no acto de votar, envolve uma cidadania passiva, deixando os políticos entregues praticamente a si mesmo depois de serem eleitos. Este facto contribui para um enfraquecimento da democracia e das suas instituições, afastando os cidadãos dos políticos. A nossa democracia é representativa de tipo agregativo, isto é, a cidadania restringe-se ao uso do poder de eleitor e pouco mais: vota-se e deixa-se tudo entregue aos profissionais da política para decidirem sobre a condução da sociedade. Por outro lado, a democracia não é um regime político que funcione sem uma relação direta com a perceção do que as pessoas dizem, pensam e sentem acerca das decisões e programas políticos sufragados: há um controlo exercido pelos meios de comunicação social, pelos partidos da oposição com assento parlamentar, pelos movimentos de cidadãos, enfim, por aquilo a que se chama de modo algo vago de «opinião pública». Uma definição possível de «opinião pública»: é um conceito que se atribui à tendência da opinião geral de uma sociedade acerca de um assunto que se encontra em voga (um tema atual), ou sobre decisões/orientações políticas locais, nacionais ou internacionais. A opinião pública é comparável a um mecanismo de contrapoder, procurando, no quadro de uma democracia (representativa ou deliberativa), pressionar, influenciar e criticar/avaliar o exercício do poder político. Os meios de comunicação social exercem este papel de controlo e influência sobre o poder político, através da divulgação de opiniões que representam os mais diversos sectores ou quadrantes da sociedade civil. A opinião pública é a voz da sociedade civil, ou a expressão da vontade coletiva, influencia a política e pode até derrubar governos, através das formas legítimas de contestação pública que são permitidas, nas sociedades democráticas, aos cidadãos. Uma definição simples e clássica de «democracia», da autoria de Abraham Lincoln: «a democracia é o governo do povo pelo povo e para o povo» remete para o poder mobilizador e influente da opinião pública. Mais discutível será a sua existência real. Será uma construção arbitrária? Das sondagens? Dos chamados barómetros de opinião? A voz veiculada pelos cidadãos nos meios de comunicação social? Afinal, como se pode entender a opinião pública? Poderemos dizer que é a essência da própria democracia e que influencia as decisões e ações dos políticos, quer os que se encontram no governo, quer os que se encontram na oposição. Um governo que não esteja atento e não saiba entender as tendências da opinião pública, pode perder a sua legitimidade democrática e perante as forças de contestação ser derrubado. Grupo III Cartoon 1 - É possível descobrir duas falácias informais: o apelo à força («ad baculum») e a falácia do apelo à autoridade. A primeira justifica-se pela solução humorística encontrada para acabar com as célebres agências de notação financeira internacionais, as agências de «rating», o recurso a armas de fogo, uma sugestão de solução violenta. O uso deste tipo de argumentos está no limite de toda a argumentação racional e é falacioso quando pretende substituir o uso das razões e do diálogo pela força e ameaça violenta. Em seguida podemos detetar que a opinião emitida pelo Diretor das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento não é competente nem credível para avaliar ou acusar as agências financeiras internacionais, está fora das suas competências e não tem qualquer poder de decisão sobre a existência ou não existência das referidas agências. Sempre que uma autoridade ou instituição emite juízos de valor sobre factos, situações, matérias ou entidades, sobre as quais não possui conhecimento ou competência reconhecida, esses juízos não têm qualquer fundamento. Há falácia de apelo à autoridade sempre que a pessoa, organismo ou instituição não têm

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qualquer competência sobre o assunto em debate. As agências de rating ou de notação financeira pertencem à iniciativa privada, ao mundo dos negócios que a sociedade civil nas sociedades democráticas promove pela sua dinâmica. O Diretor das Nações Unidas possui competências e um poder limitado sobre a ação das empresas privadas dedicadas à avaliação dos mercados financeiros. Cartoon 2 - Podemos detetar duas falácias informais: a primeira poderá ser a falsa analogia. Todo o cartoon estabelece uma relação de semelhança entre coisas, realidades, ou entidades, bem diferentes. Ao afirmar a um ladrão que assalta um estabelecimento comercial que ele chegou atrasado porque o Estado já lá esteve, faz-se uma comparação entre o Estado e o próprio assalto do ladrão: os impostos do Estado são o mesmo que os ladrões fazem, um assalto ou roubo, eis a ideia de similaridade inerente à comparação. Resta saber se o valor de falácia ou de validade se aplica ao argumento em função do estado cognitivo de que quem o interpreta (há pessoas que podem concordar com os impostos cobrados pelo Estado, não só porque consideram ser uma medida justa, mas também porque se identificam de modo partidário com os governantes). - Também podemos descobrir o apelo à misericórdia («ad misericordiam»): o dono do bar declara ao ladrão que este estava atrasado porque o Estado já o tinha assaltado através de impostos e, implicitamente, isso constitui um derradeiro apelo à compaixão ou piedade do ladrão para não roubar quem já foi roubado pela ação do Estado e já nada tem. Sempre que se substitui as razões pelas emoções ou por um apelo à compaixão, faz-se uso de um argumento «ad misericordiam». - Nestes dois primeiros exercícios a imaginação, a criatividade do aluno e a sua inteligência para fundamentar as falácias são o aspeto mais importante, a par do domínio rigoroso das regras e estrutura própria de cada argumento falacioso. Cartoon 3 - Este cartoon revela um argumento dedutivo incompleto, chamado entimema, um argumento de tipo informal ou retórico e que não é válido porque lhe falta uma proposição, designada de premissa implícita ou oculta. O conteúdo das ideias, a mensagem que está a ser comunicada, refere-se em concreto a um protesto dos patrões suíços contra uma proposta de lei que visava restringir a mão-de-obra dos imigrantes. A questão que se coloca, de modo irónico, é saber qual a premissa implícita nesse protesto do patronato: seria uma preocupação do domínio ético ou social, para evitar eventuais abusos dos direitos laborais dos imigrantes, ou promover uma sociedade mais inclusiva e combater práticas discriminatórias contra os trabalhadores imigrantes? Logo a seguir, de modo irónico, afirma-se que a preocupação reside na possibilidade de perder mão-de-obra barata, mostrando-se assim que a real preocupação dos patrões suíços está na manutenção de um estado de coisas que garante o lucro económico, porventura com exploração do trabalho dos imigrantes, pelo que protestam contra a lei que restringe a imigração, não por motivos ético-morais na defesa dos direitos e dignidade dos trabalhadores imigrantes, mas por motivos puramente economicistas. O cartoon é interessante porque mostra a ambiguidade própria dos argumentos entimemáticos, o jogo retórico do que está implícito nos argumentos e a duplicidade da sua interpretação. Cartoon 4 - Este cartoon pode revelar dois tipos de argumentos: a derrapagem e a generalização abusiva. Ambos são aceitáveis na condição da justificação ser rigorosa e adequada. Assim, um argumento por derrapagem (também chamado «bola de neve») consiste em articular uma série de eventos em cadeia causal, de modo ampliativo e com consequências cada vez mais catastróficas. Aplicando a estrutura da derrapagem ao conteúdo do cartoon afirma-se o ser humano se comporta de modo irracional na economia, e acrescenta-se que a irracionalidade se verifica noutras áreas, como na política, cultura e desporto, de tal modo que se conclui que ninguém é racional (a ideia de racionalidade não passa então de um mero mito). Por outro lado, também podemos considerar que o cartoon expressa uma inferência de tipo indutivo, uma generalização abusiva, pois ao acumular alguns factos sobre condutas irracionais, que são situações particulares em algumas áreas da vida social, como é a economia, a política, o desporto e a cultura, isso não é razão suficientemente plausível para extrair a conclusão geral de que nenhum ser humano se pode definir como animal racional – o abuso desta generalização consiste basicamente em confundir a parte com o todo, de tomar uma parte não significativa do comportamento humano para daí extrapolar ou generalizar uma conclusão geral de que todos somos animais irracionais (e que a racionalidade não passa assim de um «mito urbano»).

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Cartoon 5 - Neste cartoon está presente de modo claro uma falácia da falsa analogia porque a estrutura do conteúdo que é comunicado assenta numa comparação irónica de semelhanças ao nível das experiências científicas. Assim como em ciência se faz uso de cobaias para experimentação laboratorial, sendo comum o uso de ratos de laboratório, do mesmo modo o FMI terá feito experiências económicas com os países da zona euro em crise financeira, os portugueses e os gregos. E tal como há experiências laboratoriais que fracassam com os ratos, assim também parece ter acontecido com as supostas experiências do FMI em Portugal e na Grécia. Um raciocínio analógico, como sabemos, pressupõe uma comparação entre objetos diferentes para extrair relações de semelhança – quanto mais semelhanças existirem entre as realidades comparadas, mais relevante ou forte é essa analogia. Ao invés, quanto maior for o número de diferenças entre os objetos ou realidades comparadas, mais fraca e implausível se torna a analogia, e é nesse sentido que se diz falsa ou fraca. Não parece ser razoável comparar os ratos com as pessoas, são realidades particulares muito diferentes. Por último, resta colocar a questão do estado cognitivo dos agentes que interpretam o valor da comparação: para quem é que a analogia parece ser falsa e para quem parece ser bastante plausível? A cogência, a força de persuasão, depende em muito do estado cognitivo dos agentes: quem à partida é bastante crítico das políticas de austeridade impostas pelo FMI o nosso país, tenderá a reconhecer de modo irónico e plausível a comparação estabelecida. Logo, é perfeitamente possível defender quer a primeira interpretação quer a segunda em função da variável «cogência» e o estado cognitivo dos agentes.