Psicologia Aplicada Ao Paciente Idoso

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223 Odontologia. Clín.-Científ., Recife, 6 (3): 223-227, jul/set., 2007 www.cro-pe.org.br Psicologia aplicada ao paciente idoso Psychology applied to the elderly patient Eulália Maria Martins da Silva*, Marcelo Coelho Goiato**, Daniela Micheline dos Santos***, Valentim Adelino Ricardo Barão***, Ana Kelly Garcia Gallo*** Correspondência para / Correspondence to: Daniela Micheline dos Santos Faculdade de Odontologia de Araçatuba – UNESP - Departamento de Materiais Odontológicos e Prótese Rua José Bonifácio, 1193 - Araçatuba - SP - CEP: 16015-050 / E-mail: [email protected] Artigo Original / Original Article Resumo Descritores Abstract Key-words A idade trás algumas mudanças nas funções biológicas bem como um decréscimo da capacidade produtiva e reprodutiva. Essas mudanças são acompanhadas de alterações psicológicas no modo pelo qual o indivíduo constrói o mundo ao redor e sua percepção interna. Dessa forma, os idosos têm dificuldade de aceitar algumas das evoluções do mundo e suas transformações inerentes. É comum observar em pessoas mais velhas a ausência de cuidados com a saúde e com o corpo, o que mostra uma auto-estima baixa e um sentimento antecipado do fim de sua vida. Por esse motivo, cuidar de idosos requer enxergar além do prognóstico e preferências para entender a dinâmica de suas expectativas. Dessa forma, esse artigo tem por objetivo fazer uma abordagem psicanalítica quanto ao processo de envelhecimento, com o propósito de levar o cirurgião-dentista a uma me- lhor compreensão das características do paciente geriátrico, valorizando o conhecimento de suas particularidades, estreitando os laços com o paciente e facilitando, dessa forma, o atendimento odontológico. Para isso, foi utilizado o indexador Medline database com o cruzamento dos termos geriatric and psicologia, e o indexador BBO com o termo geriatria. Percebe-se que é de fundamen- tal importância que o profissional entenda o paciente idoso como um todo, suas características, condições fisiológicas e principalmente psicológicas. Desse modo, o cirurgião-dentista promove além da saúde bucal, a qualidade de vida do idoso, devolvendo-o ao convívio social e familiar, fazendo-o enxergar com olhos diferentes o mundo que os cerca, para que envelheçam de maneira Odontologia geriátrica, psicologia, psicofisio- logia relações dentista-paciente, qualidade de vida. * Professora Responsável pela Disciplina de Odontogeriatria do Programa de Pós-graduação em Odontologia, Área de Prótese Dentária, - FOA/ UNESP ** Professor Assistente Doutor da Disciplina de Prótese Total - FOA/UNESP *** Alunos de mestrado do Programa de Pós-graduação em Odontologia – Área de Prótese Dentária - FOA/UNESP The age makes some changes in the biological functions as well as a decrease of the productive and reproductive capacity. These changes are followed of psychological alterations in the way for which the individual around construct to the world and its internal perception. Thus, the elderly people have inherent difficulty to accept some of the evolutions of the world and its transformations. It is common to observe in older people the absence of cares with their health and with their body, what it shows auto-esteem low and an anticipated feeling of the end of their life. For this reason, to take care of the elderly requires to see beyond the prognostic and preferences to understand the dynamics of their expectations. The aim of this paper was to make a boarding psychoanalysis about the elderly process, because of its important to take to the dentist one better understanding of the characteristics of older patient, taking more value in their particularities, making the dentistry at- tendance more healthy. For this purpose, a peer-reviewed literature was completed using a Medline database, including geriatric and psicologia, and BBO with geriatric keyword. It is very important that the dentist have knowledge about of the elderly people, physiological conditions, mainly the psychological characteristics. Thus, the dentist improve the oral health of the patient, the quality of life, returning their social and familiar conviviality, making their to see the world, so that their getting old in a healthful way. Geriatric dentistry, psychology, psy- chophysiology, dentist-patient relations, quality of life. INTRODUÇÃO Viver é envelhecer. A cada instante, insensível e irre- versivelmente, a ação do tempo vai se fazendo sentir sobre o organismo humano 7 . Construtivo na época da concepção e do desenvolvimento, o tempo passa a ter ação deletéria a partir de certa idade 7 , afetando, muitas vezes o psicológico do indivíduo 18 . Segundo Boraks 4 (1998), a velhice, em épocas e culturas diferentes, sempre foi encarada sob pontos de vista diversos. Certos povos primitivos desprezavam os velhos por sua inu- tilidade e por serem um peso morto para a sociedade. Sua doença e fragilidade recebiam o desprezo das civilizações que valorizavam a força bruta e o vigor físico. Outras culturas, como chineses, japoneses, árabes e israelitas, dedicam respeito e veneração aos idosos, como meio de divulgação de sua his- tória, sabedoria e experiência. Hoje, observa-se, na civilização moderna, que existe ainda um profundo sentimento negativista com relação à velhice. A idade trás algumas mudanças nas funções biológicas bem como um decréscimo da capacidade produtiva e repro- dutiva. Essas mudanças são acompanhadas de alterações psicológicas no modo pelo qual o indivíduo constrói o mundo ao redor e sua percepção interna. Dessa forma, os idosos têm dificuldade de aceitar algumas das evoluções do mundo e suas transformações inerentes. É comum observar em pessoas mais velhas a ausência de cuidados com a saúde e com o corpo, o que mostra uma auto-estima baixa e um sentimento antecipa-

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Psicologia aplicada ao paciente idosoMartins Silva, E.M., et al

Psicologia aplicada ao paciente idoso

Psychology applied to the elderly patientEulália Maria Martins da Silva*, Marcelo Coelho Goiato**, Daniela Micheline dos Santos***, Valentim Adelino Ricardo Barão***, Ana Kelly

Garcia Gallo***

Correspondência para / Correspondence to:Daniela Micheline dos SantosFaculdade de Odontologia de Araçatuba – UNESP - Departamento de Materiais Odontológicos e PróteseRua José Bonifácio, 1193 - Araçatuba - SP - CEP: 16015-050 / E-mail: [email protected]

Artigo Original / Original Article

ResumoDescritores

AbstractKey-words

A idade trás algumas mudanças nas funções biológicas bem como um decréscimo da capacidade produtiva e reprodutiva. Essas mudanças são acompanhadas de alterações psicológicas no modo pelo qual o indivíduo constrói o mundo ao redor e sua percepção interna. Dessa forma, os idosos têm dificuldade de aceitar algumas das evoluções do mundo e suas transformações inerentes. É comum observar em pessoas mais velhas a ausência de cuidados com a saúde e com o corpo, o que mostra uma auto-estima baixa e um sentimento antecipado do fim de sua vida. Por esse motivo, cuidar de idosos requer enxergar além do prognóstico e preferências para entender a dinâmica de suas expectativas. Dessa forma, esse artigo tem por objetivo fazer uma abordagem psicanalítica quanto ao processo de envelhecimento, com o propósito de levar o cirurgião-dentista a uma me-lhor compreensão das características do paciente geriátrico, valorizando o conhecimento de suas particularidades, estreitando os laços com o paciente e facilitando, dessa forma, o atendimento odontológico. Para isso, foi utilizado o indexador Medline database com o cruzamento dos termos geriatric and psicologia, e o indexador BBO com o termo geriatria. Percebe-se que é de fundamen-tal importância que o profissional entenda o paciente idoso como um todo, suas características, condições fisiológicas e principalmente psicológicas. Desse modo, o cirurgião-dentista promove além da saúde bucal, a qualidade de vida do idoso, devolvendo-o ao convívio social e familiar, fazendo-o enxergar com olhos diferentes o mundo que os cerca, para que envelheçam de maneira

Odontologia geriátrica, psicologia, psicofisio-logia relações dentista-paciente, qualidade de vida.

* Professora Responsável pela Disciplina de Odontogeriatria do Programa de Pós-graduação em Odontologia, Área de Prótese Dentária, - FOA/UNESP** Professor Assistente Doutor da Disciplina de Prótese Total - FOA/UNESP*** Alunos de mestrado do Programa de Pós-graduação em Odontologia – Área de Prótese Dentária - FOA/UNESP

The age makes some changes in the biological functions as well as a decrease of the productive and reproductive capacity. These changes are followed of psychological alterations in the way for which the individual around construct to the world and its internal perception. Thus, the elderly people have inherent difficulty to accept some of the evolutions of the world and its transformations. It is common to observe in older people the absence of cares with their health and with their body, what it shows auto-esteem low and an anticipated feeling of the end of their life. For this reason, to take care of the elderly requires to see beyond the prognostic and preferences to understand the dynamics of their expectations. The aim of this paper was to make a boarding psychoanalysis about the elderly process, because of its important to take to the dentist one better understanding of the characteristics of older patient, taking more value in their particularities, making the dentistry at-tendance more healthy. For this purpose, a peer-reviewed literature was completed using a Medline database, including geriatric and psicologia, and BBO with geriatric keyword. It is very important that the dentist have knowledge about of the elderly people, physiological conditions, mainly the psychological characteristics. Thus, the dentist improve the oral health of the patient, the quality of life, returning their social and familiar conviviality, making their to see the world, so that their getting old in a healthful way.

Geriatric dentistry, psychology, psy-chophysiology, dentist-patient relations, quality of life.

INTRODUÇÃO

Viver é envelhecer. A cada instante, insensível e irre-versivelmente, a ação do tempo vai se fazendo sentir sobre o organismo humano 7. Construtivo na época da concepção e do desenvolvimento, o tempo passa a ter ação deletéria a partir de certa idade 7, afetando, muitas vezes o psicológico do indivíduo 18.

Segundo Boraks 4 (1998), a velhice, em épocas e culturas diferentes, sempre foi encarada sob pontos de vista diversos. Certos povos primitivos desprezavam os velhos por sua inu-tilidade e por serem um peso morto para a sociedade. Sua doença e fragilidade recebiam o desprezo das civilizações que valorizavam a força bruta e o vigor físico. Outras culturas, como

chineses, japoneses, árabes e israelitas, dedicam respeito e veneração aos idosos, como meio de divulgação de sua his-tória, sabedoria e experiência. Hoje, observa-se, na civilização moderna, que existe ainda um profundo sentimento negativista com relação à velhice.

A idade trás algumas mudanças nas funções biológicas bem como um decréscimo da capacidade produtiva e repro-dutiva. Essas mudanças são acompanhadas de alterações psicológicas no modo pelo qual o indivíduo constrói o mundo ao redor e sua percepção interna. Dessa forma, os idosos têm dificuldade de aceitar algumas das evoluções do mundo e suas transformações inerentes. É comum observar em pessoas mais velhas a ausência de cuidados com a saúde e com o corpo, o que mostra uma auto-estima baixa e um sentimento antecipa-

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do do fim de sua vida. Por esse motivo, cuidar de idosos requer enxergar além do prognóstico e preferências para entender a dinâmica de suas expectativas 32.

Na odontogeriatria, além dos cuidados orais, é necessário identificar os aspectos psicológicos particulares envolvidos na perda dentária: viuvez; perda da autoconfiança; auto-imagem alterada; desagrado com a aparência; receio quanto à priva-cidade; comportamento alterado em socialização e formação de relacionamentos próximos 15.

A percepção do global do indivíduo idoso é, muitas vezes, o aspecto mais importante da anamnese, suplantando em muito as nuances clínicas observadas. Esse conhecimento pode melhorar a relação paciente-profissional, valorizando a função oral e estética e estimulando o cuidado pessoal com o corpo e auto-estima.

Desse modo o presente artigo tem como propósito abor-dar e discutir as principais questões psicológicas que influem no idoso e em seu atendimento odontológico.

REVISÃO DE LITERATURA E DISCUSSÃO

Para Badra 1 (1983) envelhecer é uma fatalidade bio-lógica, a que nenhum ser vivo escapa, salvo quando morre antes dos limites fixados pela natureza para cada espécie animal. O homem, o mais diferenciado dos animais, possui plena consciência disto, mas nem sempre se conforma com o seu destino implacável. Poucos são, na realidade, os velhos que conservam a jovialidade do espírito, a alegria de viver, a esperança no futuro, sem se insurgir contra as leis da natureza, que são sábias e irreversíveis 1. Percebe-se que com o passar da idade, o indivíduo vai perdendo o interesse dado aos outros e eventos, restringindo mais sua atenção ao interior.

Neugarten 26 (1970) considera oito as configurações de envelhecimento possíveis: reorganizada, enfocada, desengaja-da, mantendo-se, contraindo-se, buscando auxílio, apáticas e desorganizadas. E, sendo administrado o processo, a pessoa continua a recorrer ao que foi, assim como ao que é.

O abandono repentino do trabalho traz, em geral, um grande mal estar, que é o tédio do dia-a-dia. Esta aparente rotina que era bem suportada nos momentos de trabalho tem, na sua abrupta interrupção, uma fonte de um despertar de grande sentimento de perda e incapacidade ou inutilidade para o mundo do qual fazia parte há pouquíssimo tempo atrás, podendo daí advir diversos problemas psicológicos, que aparentemente encobertos pela profissão, encontram na aposentadoria forçada um campo fértil de desenvolvimento e crescimento, especialmente pela potencialização dada por problemas físicos concretos e decorrentes da idade, mas cuja falta de tempo, na antiga rotina, os deixava como que imperceptíveis 29.

A aposentadoria obrigatória, segundo Lidz 20 (1978), provoca inatividade forçada levando a mortes próximas ao episódio, principalmente àqueles que não se permitiam parar para descanso. Walsh 34 (2001) afirma que a aposentadoria traz uma mudança da dinâmica familiar, acentuada pela ocio-sidade por um lado e por outro, a presença constante na casa, a restrição e confinamento do orçamento.

Bischop 3 (1978) considera que para a pessoa idosa obter satisfação com aposentadoria, é preciso planejamento e esperança para o futuro, mantendo alguma atividade inte-lectual. Para o autor o problema localiza-se nas mudanças dos padrões de vida onde a tendência é uma atitude conservadora com relação aos métodos novos.

A necessidade de uma atividade física e mental produtiva durante toda a terceira idade é fundamental para o bem estar e suporte psicológico do idoso, sendo que as maiores iniciativas devem partir desde a meia-idade pela própria pessoa e com

um planejamento do quê irá efetivamente fazer após a aposen-tadoria obtida junto aos órgãos governamentais ou privados. A perda súbita de uma rotina de muitos anos é o campo mais fértil para o desenvolvimento de problemas psicológicos e os físicos decorrentes 23.

Becker 2 (1978) pontua que o marco do herói finca-se entre o desejo de viver e sua negação à morte, seu temor ou enfrentamento. O diálogo com a morte chega a ser compreensí-vel e até necessário, abrindo chances à grandeza da existência na superação dos limites. As pessoas que construíram uma eternidade sabem que a morte é necessária e vital para dar sentido à vida. Conforme os entes queridos ou não vão partindo, a solidão vai traçando o caminho para a solitude e então, a companhia do inesperado.

Os sentimentos que são desenvolvidos com respeito à solidão estão, segundo Jones 19 (1987), ligados a experiências que remontam à nossa infância. Tudo o que acontece para um indivíduo - vivências, esperanças, angústia, felicidade, dor, sepa-rações, perdas - vai ter um peso diferente conforme a idade em que ele for atingido. A solidão será tanto maior quanto menores forem as esperanças de reencontro, de novos relacionamentos, o que ocorre de uma forma maior na velhice. O idoso não deve esperar que seus semelhantes, companheiro, filhos ou socieda-de, protejam-no da solidão. É necessário um preparo interior, para fazer frente a esses diversos agentes causais.

Neugarten 26 (1970) comenta o significado da viuvez na vida. Como este fato ocorre, na maioria da vezes, entre as mulheres, essas mostram dificuldades grandes em buscar um novo relacionamento e despegar-se do falecido, sendo que os homens viúvos são mais permeáveis a novas relações. Lopatta 21 (2001), considera que deve existir três fases para uma boa elaboração da morte do companheiro: a inicial para desatar os laços e aceitar a sua ida; a segunda, em cerca de um ano após a perda, para readequação do cotidiano; e, então, a terceira com uns dois anos, para abertura a novas possibilidades. Ocorre que, em várias situações, a interferência dos filhos por motivos variados como os preconceitos sociais, a descrença no interesse até pela atividade sexual e mesmo as questões concernentes a testamentos e heranças podem conturbar tal empreendimento, trazendo tensões ou desconsolo para o interessado.

Para Butler e Lewis 9 (1985) outro dado muito importante para esses pacientes é o fator sexo, onde há uma perda total ou parcial da potência do indivíduo, criando decepções para muitos difíceis de suplantar, gerando um momento propício para o aparecimento de estados depressivos, que mesmo com o apoio da companheira acabam por gerar um agravamento da condição física.

O posicionamento do homem idoso costuma levá-lo a um grau maior de passividade e acomodação enquanto que, a idosa tende à assertividade e atividade. Na verdade, um perfil androginóide, ou seja, comum ao homem e mulher, instala-se, flexibilizando os contatos externos 30.

Já, em situação onde problemas de saúde são inseridos na relação da família, alguns pontos devem ser

compreendidos. Nesse momento, o ancião sente desconforto pela instabilidade e ansiedade no meio em que vive. Em geral, os filhos estão com projetos com os seus próprios filhos, tendo pouca disponibilidade até mesmo financeira para auxiliar. Zarit et al. 37 (1980) e Cantor 10 (1983) expõem que 86% dos idosos sofrem de algum mal crônico que exige cuidados no mínimo medicamentosos, abalando a tranqüilidade e a integridade, refletindo diretamente no psicológico do idoso.

Fajardo e Grecco 13 (2003) acreditam que a condição limitante do senil leva o paciente idoso a compreender que está se tornando cada vez mais dependente, chegando a uma certa obediência aos cuidadores como filhos ou membros da gera-ção abaixo, para ter ganhos na relação, parecido mas não na mesma característica que na infância pois os anciãos sempre terão a experiência avançada ao seu cuidador. Os planos para o futuro geralmente são modestos, atentando-se para procurar ter utilidade ao contexto, para que não seja um estorvo.

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Desse modo é de suma importância o reconhecimento do idoso e a busca de seu respeito, promovendo seu bem-estar e qualidade de vida, que serão molas propulsoras no estabele-cimento da dignidade do indivíduo e do fortalecimento de sua comunidade e família 13.

Stoppe 31 (1997) afirma que um dos pontos de maior impacto na qualidade de vida do idoso é o quadro depressivo, geralmente multifatorial e de difícil determinação clínica e de tratamento também. De acordo com o autor, a medicina conseguiu muitos meios para manter as pessoas vivas, mas pouco obteve para manter a mente funcionando e tratá-la quando apresenta problemas.

As barreiras para atingir e satisfazer este público tão angustiado são bastante complexas. Iniciam pela qualificação do próprio profissional, que necessita conscientizar-se que o idoso não é simplesmente um paciente no seu consultório, e sim um paciente muito especial que espera e necessita ser bem acolhido e compreendido. Em razão disto, torna-se necessário que o profissional esteja muito bem preparado para poder atendê-lo com paciência e bondade, de conformidade com uma nova filosofia para o idoso 22.

Werner 35 (1998) acredita que com o aumento da vida média da população, o conceito de qualidade de vida torna-se mais importante, e a saúde bucal tem um papel relevante na qualidade de vida do idoso, uma vez que o comprometimento da saúde bucal pode afetar negativamente o nível nutricional, o bem estar físico e mental, bem como diminuir o prazer de uma vida social ativa.

O cirurgião-dentista pode também detectar doenças mentais como depressão da vida tardia, a qual causa distração individual, comprometimento da função social, e prejuízo das habilidades para manutenção da própria vida. Isto ocorre por-que indivíduos sob tratamento de depressão tardia e aqueles cujas doenças ainda não foram diagnosticadas ou tratadas, freqüentemente, apresentam alguma alteração na cavidade oral, que são facilmente diagnosticadas pelos cirurgiões-dentistas 16.

Wolf 36 (1998) relata que a perda dos dentes é fator desencadeante de sentimentos de desamparo e diminuição da auto-estima. Brunetti e Montenegro 7 (2002), Fajardo et al. 14 (2002) e Moriguchi 25 (1992) referem-se à propensão dos pacientes idosos a apresentar quadros depressivos, para os quais a perda dos dentes colabora bastante. Por isto preservar, manter e tratar os dentes é um aspecto de suma importância para integração social e econômica destes pacientes.

Conforme Radan 29 (1985) é necessário considerar uma característica que influencia bastante no atendimento odontoló-gico de pacientes da terceira idade, a ansiedade. Com a idade, as pessoas por se tornarem firmes quanto ao que pensam e acreditam, acabam por ficarem ansiosas, ou seja, já sabem a resposta da pergunta que estão fazendo ao profissional, bem como vivem com o somatório de pré-julgamentos que fizeram ou ouviram de terceiros sobre determinado tópico ao qual o profissional está relatando no momento.

Uma boa comunicação é importante para evitar a ansie-dade do paciente, aumentando seu conforto 6. A escolha da terapia a ser indicada deve ser racional, realizada do melhor modo possível, considerando previamente todos os fatores modificadores, inclusive os anseios e expectativas do indiví-duo 12. As etapas do tratamento devem ser cuidadosamente apresentadas, discutindo com o paciente e/ou familiares as vantagens e desvantagens de um certo procedimento, custo e tempo necessário para cada terapia.

O horário das consultas também deve ser analisado, dando preferência ao período da manhã ou bem no início da tarde, sem invadir o horário de almoço, evitando criar condi-ções de stress e ansiedade. O tempo de atendimento clínico deve ser curto para que o paciente da terceira idade não sinta a sobrecarga de atividades no dia de consulta 28. Porém, o mais objetivo possível, pois um tratamento demasiadamente longo, pode levar à desistência do paciente, pela impaciência característica do indivíduo de idade avançada 24.

Garcia e Barciero 17 (1990) abordam o fato do paciente odontogeriátrico ter uma crença que os problemas dentais são inevitáveis e que sua prevenção é impossível. Para estes pacientes grande parte do tratamento se dirige mais ao alívio das consequências da doença odontológica que a prevenção em seu início e evolução.

Madeira e Madeira 22 (2000) relatam que os idosos aceitam pacientemente os problemas bucais que vão afloran-do com a idade, geralmente resignados, admitindo-os como fenômenos irreversíveis inerentes ao envelhecimento. O autor acrescenta o fator da aversão reinante ao consultório odontoló-gico, presentes ainda nestes pacientes como “injeção, arrancar dente, tirar o nervo, dor de dente...”.

Nestes casos é preciso que o cirurgião-dentista tenha em mente que o idoso de hoje está vindo de uma outra época, onde as grandes novidades se resumiam no rádio de válvulas com suas enormes antenas externas, no cinema mudo, em preto e branco, seguido do falado e depois em cores. Viveram em um pretérito muito diferente e o mundo de hoje é outro. A ciência evoluiu e os idosos, particularmente os do mundo subdesenvolvido, não estavam preparados para acompanhar esse desenvolvimento técnico-científico tão rápido, em todos os ramos do saber humano. Em razão disto persistem hábitos e costumes de um passado distante 22.

Turano e Turano 33 (2000), acenam para o desgosto que os idosos possam ter para o fator estético, onde o profissional que lida com tal aspecto, necessita de sensibilidade para lidar com a situação. Os autores ainda afirmam que existem ainda variações de reações psicológicas. Portanto, os realistas são tidos como pessoas que compreendem os fatores da vida, tendendo a filosóficos e exigentes, sendo respeitados por seu ciclo de relações, geralmente realizadas e seguros. Já os inconformados demonstram-se ressentidos ou resignados. No primeiro caso, costumam ser queixosos, protestantes, perdem respeito próprio e com outros, descuidando de seu trato

pessoal e social, enquanto que o resignado demonstra uma atitude passiva frente os fatos e ocorrências que vão acome-tendo sua existência.

Nesse ponto estético e social é que Brunetti et al. 8 (1998) reforçam a importância psicológica de uma saúde do sistema mastigatório. A integração social, a aparência, e familiar, o beijo e o sorriso, ficam comprometidas em uma condição bucal inadequada. O falar fica prejudicado, realçando um convívio social alterado. Sem contar o fato de que os dentes desgastados (abrasionados) reforçam o aspecto de agressividade.

Garcia e Barciero 17 (1990) ainda nos colocam que os profissionais devem esforçar em mudar os valores e crenças sobre a importância de restaurar acima da exodontia dos ele-mentos dentários, que em longo prazo isto irá mudar o perfil de saúde oral da população.

Ettinger 11 (1987) afirma que é necessário tratar o paciente como um todo, procurando uma interação entre aspectos biológicos, psicológicos, sociais e econômicos da doença, porque o tratamento do idoso difere, em muitos pontos, daquele exigido para os mais jovens. Para o autor, é preciso que o profissional mude suas crenças sobre o tratamento de pacientes geriátricos, como àquela relacionada à xerostomia, que é um problema associado às medicações ingeridas pela idade e não pela idade.

Braun e Marcus 5 acreditam que os profissionais devem

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aprender uma nova filosofia quando forem tratar os pacientes idosos, mais do que um novo conjunto de habilidades clínicas e técnicas. As exigências destes indivíduos podem ser, de alguma forma, bastante diferentes das pessoas jovens e, por outro lado, bem semelhantes. Não deve fazer generalizações que cubram todo o vasto espectro de pacientes idosos e sim cada caso deve ser tratado com todas as particularidades que possa ter e que muitas vezes serão comuns a todos os pacientes independendo qual seja sua faixa etária.

Durante o tratamento do paciente idoso, ocorrem também muitas oscilações de ordem física e emocional, e o cirurgião-dentista deve estar preparado para compreendê-las e manter uma atitude mental positiva, bem como realizar alterações que adequem o plano inicial as novas situações 24. Ourique e Montenegro 27 (1998) citam um interessante caso de desconforto com próteses bucais que só pode ser suplantado quando se buscou uma maior aproximação entre a paciente e seu filho, que estava afastado, distante nos últimos anos. Os autores relatam que refeita a união os procedimentos odonto-lógicos puderam ser realizados sem maiores problemas. Desse modo, coube ao cirurgião-dentista descobrir esta questão, que é clara quando se pensa na pessoa como um todo, compreen-dendo seus anseios e expectativas.

CONCLUSÃO

Por tudo que foi exposto, percebe-se que é de fundamen-tal importância para o profissional entender o paciente idoso como um todo, suas características, condições fisiológicas e principalmente psicológicas.

Percebendo que tais pacientes necessitam de cuidados especiais, o cirurgião-dentista possui condições de realizar um atendimento adequado, fazendo com que o paciente se sinta bem e confiante, quanto ao tratamento proposto. Para alcan-çar sucesso neste tratamento é necessário, acima de tudo, comunicar-se bem com estes pacientes, ouvindo e entendendo as suas expectativas, elucidando dúvidas e quebrando tabus.

Desse modo, o cirurgião-dentista promove além da saúde bucal, a qualidade de vida do idoso, devolvendo-o ao convívio social e familiar, fazendo-o enxergar com olhos diferentes o mundo que os cerca, para que envelheçam sorrindo.

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Recebido para publicação em 13/03/2007

Aceito para publicação em 08/05/2007

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