Psicologia Comportamento

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Psicologia e Comportamento

Psicologia e Comportamento

© Copyright 2013 da Laureate. É permitida a reprodução total ou parcial, desde que sejam respeitados os direitos do Autor, conforme determinam a Lei n.º 9.610/98 (Lei do Direito Autoral) e a Constituição Federal, art. 5º, inc. XXVII e XXVIII, "a" e "b".

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Sistema de Bibliotecas da UNIFACS Universidade Salvador - Laureate International Universities)

T693pTorres, Cláudia Vaz

Psicologia e comportamento / Cláudia Vaz, – Salvador: UNIFACS, 2013.

87 p. ; 18,3 x 23,5cm.ISBN 978-85-87325-22-8

1. Psicologia. 2. Comportamento humano. I. Título.

CDD: 150

Apresentação

Caro estudante,

Desde a criação da Unifacs, acreditamos que formação é muito mais do que preparação técnico-científica e que nos-sa missão como Universidade é proporcionar ao estudante uma educação para toda a vida, embasada no domínio do conhecimento, na fixação de valores e no desenvolvimento de habilidades e atitudes. É proporcionar o desenvolvimen-to integral do indivíduo.

Mais do que profissionais, queremos formar pessoas com visão abrangente do mundo e das transformações da di-nâmica social, com competência para avaliar de forma crítica

e criativa as questões que nos cercam. Pessoas capazes de en-frentar os desafios que se colocam ao longo de sua vida e de sua trajetória profissional, e de aprender permanentemente e de forma autônoma.

Buscamos atingir este objetivo - fundamentados na nossa missão e no nosso Projeto Pedagógico Institucional - por intermédio das diversas atividades acadêmicas, dentro e fora da sala de aula, que compõem o Currículo Unifacs e que desenvolvem e fortalecem habilidades essenciais para a formação do perfil do egresso Unifacs; como um “DNA” reco-nhecido pela sociedade e pelo mercado de trabalho.

Este Currículo compõe-se dos elementos descritos a seguir:

Disciplinas de Formação Humanística: oferecidas em todos os cursos de graduação da Unifacs;

Disciplinas de Formação Básica: conferem conheci-mentos e competências comuns aos cursos de uma mesma área do conhecimento, para o futuro exercício profissional;

Disciplinas de Formação Específica: proporcionam a formação técnica e o desenvolvimento de habilidades e atitu-des necessárias ao perfil profissional do curso;

Atividades integradoras: permitem vivenciar na práti-ca os conteúdos teóricos trabalhados em sala de aula, através do desenvolvimento de projetos específicos;

Atividades Complementares: oferecem oportunidades de ampliação do conhecimento fora da sala de aula, a exem-plo da Iniciação Científica, ações comunitárias, programas de intercâmbio, cursos de extensão e participação em Empresas Juniores, entre outras;

Estágio Supervisionado;

Trabalho de Conclusão de Curso e demais ativida-des acadêmicas.

As disciplinas de Formação Humanística, em espe-cial, cumprem um papel fundamental na consecução desse perfil. Preparam uma sólida base de conhecimentos gerais que permitirão uma compreensão mais ampla da formação técnica de cada curso, estimulando o pensamento crítico e sensibilizando o estudante para as questões sociais, políticas, culturais e éticas que envolvem sua atuação como cidadão e profissional; motivando à busca do saber perene.

Em complementação, portanto, à formação técnico--profissional proporcionada pelas disciplinas de Formação Básica e Específica, as disciplinas de Formação Humanísti-ca possibilitarão ao estudante adquirir quatro importantes saberes: aprender a aprender, aprender a fazer, apren der a conviver e aprender a ser.

Esta é a concretização do nosso compromisso de for-mar pessoas melhores, cidadãos atuantes e profissionais comprometidos para a construção de um mundo melhor.

Cordialmente,

Prof. Manoel J. F. Barros Sobrinho Chanceler

Formação Humanística uniFacs

Conforme explicitado no Projeto Pedagógico Institu-cional da Unifacs, as disciplinas de Formação Humanística têm como objetivo:

Possibilitar aos discentes a visão abran-

gente do mundo e da sociedade, pro-

piciando aquisição de competências

relativas ao processo de comunicação e

raciocínio lógico, necessárias para a for-

mação profissional; bem como conheci-

mentos inerentes aos direitos humanos,

à ética, às questões socioambientais que

envolvam aspectos ecológicos, psicoló-

gicos, legais, políticos, sociais, econômi-

cos, científicos e culturais, delineando a

formação cidadã.

As disciplinas de Formação Humanística e seus ob-jetivos são:

1. comunicação

Desenvolver a capacidade de ler criticamente e produ-zir textos de forma autônoma, adequando-se às diversas si-tuações comunicativas presentes no dia a dia, e reconhecer a importância do desenvolvimento destas habilidades para sua vida pessoal e profissional.

2. introdução ao trabalho científico

Despertar o interesse pela ciência, apontando seu papel na construção do conhecimento e mostrar como o método cien-tífico pode ser utilizado para a solução de questões cotidianas.

3. sociedade, Direito e cidadania.

Promover uma reflexão sobre o exercício da cidadania e os mecanismos que garantem sua efetividade, bem como a participação nos processos sociais, de forma a interferir posi-tivamente na sociedade.

4. conjuntura Econômica

Habilitar à compreensão da dinâmica da economia e do impacto das suas diversas variáveis e características no dia a dia de países, empresas e cidadãos.

5. arte e cultura

Proporcionar o conhecimento e a valorização das ma-nifestações artísticas e culturais, e ampliar a percepção esté-tica como habilidade relevante para profissionais de qualquer área do conhecimento.

6. meio ambiente e sustentabilidade

Transmitir conceitos fundamentais sobre ambiente, sustentabilidade e suas relações com o desenvolvimento, e despertar atitude político-ambiental nos estudantes, a partir do entendimento de seu papel como profissionais e cidadãos.

7. Psicologia e comportamento

Estudar as interações dos indivíduos no cotidiano, nos grupos dos quais fazem parte, e avaliar papéis e funções nas relações pessoais e profissionais.

8. Filosofia

Discutir as grandes questões da vida humana, pela compreensão das diversas correntes de pensamento filosófico e de suas contribuições.

9. Empreendedorismo

Desenvolver a atitude empreendedora como elemento indispensável para o sucesso pessoal e profissional, seja tra-balhando em organizações ou como empresário.

10. saúde e Qualidade de Vida

Enfatizar a importância dos cuidados preventivos com a saúde, para obter uma melhor qualidade de vida, dando a base para o pleno desenvolvimento dos projetos pessoais e profissionais.

Sumário

( 1 ) A psicologia e o comportamento humano, 19 1.1 Ser humano: objeto de estudo da psicologia, 27 1.2 O ser humano e a valorização da individualidade, 28 ( 2 ) Teorias psicológicas, 45 2.1 Behaviorismo, 48 2.2 Psicologia como “ciência do comportamento”, 49 2.3 Gestalt, 54 2.4 Psicanálise, 61 2.5 O inconsciente, 65

2.6 A regra fundamental da psicanálise, 67 2.7 A histeria, 69 2.8 O aparelho psíquico, 75 2.9 Psicologia sócio-histórica, 76 2.10 O ser humano é um ser social e histórico, 81

( 3 ) A construção social do ser humano: subjetividade e identidades, 89 3.1 Construindo um conceito de identidade, 93 3.2 O conceito de identidade na história, 95 3.3 “Quem eu sou?”, 100 3.4 Identidade...mais contribuições, 105 3.5 “Somos sujeitos de muitas identidades”, 107

( 4 ) Ser humano: discutindo relações raciais, gênero, sexualidade e orientação sexual,115 4.1 O que é gênero?, 129 4.2 Identidade de Gênero, 131 4.3 Sexualidade, gênero e orientação sexual, 134 4.4 Sexualidade e identidade de gênero: qual é a relação?, 137 4.5 “Ninguém nasce mulher [...]”, 138

( 5 ) O ser humano: construindo relacionamentos, 153 5.1 Percepção, 161 5.2 Atitudes, 163 5.3 Aptidão, 165 5.4 Inteligência, 166 5.5 Comunicação, 167 5.6 Grupos: definição e classificação, 171

( 6 ) A dinâmica das relações nos grupos e equipes de trabalho, 193 6.1 Classificação das equipes, 199( 7 ) Emoções, sentimentos e afetos: delimitações conceituais e repercussões no cotidiano do trabalho, 209 A afetividade no contexto de trabalho, 229

( 8 ) A motivação no trabalho, 243 8.1 Motivação: ênfase, foco, pergunta e resposta, 246 8.2 Três modelos de classificação das teorias da motivação, 247 8.3 Teoria das necessidades de Maslow - Teoria da hierarquia das Necessidades (1943), 249

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A piscologia e o comportamento humano

Cláudia Vaz Torres

Nesta unidade, refletiremos sobre o surgi-mento da psicologia, o seu objeto de estudo e o seu papel na análise das questões humanas.

Por que nos tornamos o que somos, aqui e agora?

o que constitui a nossa singularidade?

o que mudou na história e o que a Psicologia tem a ver com isso?

A análise das questões acima permite pensar que, na contemporaneidade, o modo como enxergamos a nós mes-mos mudou bastante, pois em épocas passadas não havia o interesse em promover a exposição de si cotidianamente, ha-via maior preocupação com a manutenção da privacidade e com o lugar social previamente “determinado”.

Podemos interpretar o mundo contemporâneo como um período no qual predomina o intenso culto à pessoa, ao auto-conhecimento, à intimidade, à vida privada. É um mo-mento em que percebemos que muitas mulheres e homens constroem as suas relações consigo e com os outros, e in-terpretam a sua realidade sem reconhecer a importância do outro na existência de cada um, valorizando apenas as suas intimidades e interesses pessoais (SENNETT, 1998).

Na contemporaneidade, as ciências comportamentais ampliaram muito a sua área de análise, atuação e abriram es-paço para campos específicos de aplicação como educação, saúde, trabalho, conflitos sociais, entre outros. Cotidiana-mente somos compelidos a pensar sobre o comportamento de mulheres e homens, a revisar conceitos e modelos, pois a todo momento novos acontecimentos vêm à tona, transformando o momento presente. Torna-se, então, necessário saber lidar com a diversidade de situações nas relações humanas e com as diferentes questões que trazem em si a marca da instabili-dade e da competitividade.

Lidamos acentuadamente, hoje, com o sentimento de instabilidade, de incompletude que nos desafia e nos leva a desejar algo e querer ser melhor do que se é; porém, esta bus-ca, muitas vezes, está centrada nas aquisições, ou seja, em ter: bens, títulos, contratos, matrimônio, etc. Às vezes, pensamos que precisamos olhar o outro, sermos mais sensíveis; no en-tanto, logo nos distanciamos desses ideais, assumimos os va-lores e princípios de uma sociedade de consumo e anestesia-mos os nossos sentidos. Vamos, assim, formando territórios e exibindo o que esperamos que o outro queira ver.

Sibilia (2008) explica que na contemporaneidade há uma necessidade imperiosa de exibir a intimidade e espe-tacularizar os recônditos do eu. Há, conforme a autora, um abandono da privacidade, do que se passa na experiência so-litária e íntima de si para uma gradativa exteriorização do eu. O apelo social é para que se mostre e constitua a própria vida como um relato para ser saboreado, comentado, critica-do e desejado pelo outro. As ferramentas atuais disponíveis na Internet como blogs, weblogs, YouTube, fotologs, redes de sociabilidade como Orkut, Myspace, Facebook, entre outras

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promovem e celebram o eu, para tanto é preciso insistente-mente atualizar o outro com fragmentos de informações, que são adicionados a todo momento, e sustentam apenas o tem-po presente; enfim, é preciso mostrar-se cotidianamente.

[...] os sujeitos destes inícios do sécu-

lo XXi, familiarizados com as regras

da sociedade do espetáculo, recorrem

a infinidade de ferramentas ficciona-

lizantes disponíveis no mercado para

se autoconstruir. a meta é enfeitar e

recriar o próprio eu como se fosse um

personagem audiovisual. não é muito

difícil, pois a mídia oferece um farto ca-

talogo de identidades descartáveis que

cada um pode escolher e emular: é pos-

sível copiá-las, usá-las e logo descartá-

-las, para substituir por outras mais

novas e reluzentes (siBiLia, 2008, p.

241-242).

O desejo de visibilidade, de ser protagonista, mostrar--se e causar um efeito no outro marcam as experiências de construção das subjetividades atualmente. Nos novos modos de ser e estar no mundo é possível mentir sobre as suas pró-prias vidas e inventar fatos sobre si mesmo.

Leia o trecho a seguir:

Eu conheci o Cris pela internet em 2007. Ele era ami-

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go do namorado virtual de uma amiga. Ficamos próximos e decidimos namorar. Ele era muito ciumento, mas muito ca-rinhoso. Eu não ficava com mais ninguém. Um dia, a minha amiga brigou com o namorado e começou a fazer pressão para ele contar mais coisas. Aí, veio à tona: nem o namorado dela nem o meu eram reais. Quem fazia o personagem dos dois era uma menina! (REPS, 2009)

Esta infinidade de construções de versões do “eu” in-teressa à psicologia que além da sua cientificidade,, está cada vez mais frequente na vida cotidiana. Figueiredo e Santi (2006) alertam que a tendência que mais cresce no mercado é a das “terapias de autoajuda” que misturam concepções do senso comum, com pressupostos humanistas sobre a liberda-de do homem e prega o individualismo e a submissão do eu a um conjunto de regras de gerenciamento da própria vida.

análise: o que é “terapia de autoajuda”? a autoajuda é uma terapia? Quais as diferenças entre esta abordagem e as abordagens da psicologia científica?

Alguns saberes e práticas sobre o ser humano per-tencem a outros campos e estão em oposição aos princípios da psicologia científica. Compreender a psicologia numa di-mensão histórica e social implica pensar nas ações, atitudes, emoções, sentimentos e comportamentos inerentes a mulhe-res e homens, constituídos a partir das relações. Assim, é im-portante refletir sobre a psicologia e destacar que a mesma pode ser considerada uma ciência, pois o conhecimento que produz é considerado científico por ter um objeto de estudo, uma linguagem rigorosa, objetividade, métodos e técnicas es-pecíficos e uma construção teórica cumulativa.

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O campo de conhecimento da Psicologia se constituiu como ciência a partir do século XIX, quando seus temas passa-ram a ser investigados pelos fisiologistas e pelos neurofisiolo-gistas, que demonstraram que as nossas percepções e pensa-mentos derivam do sistema nervoso central; também, quando estes cientistas passaram a empregar nos seus estudos méto-dos de observação cuidadosos e sistemáticos para normatizar e padronizar as ações, atitudes e comportamentos dos homens. Antes disso, a Psicologia estava atrelada à Filosofia.

Conforme Bock, Furtado e Teixeira (2008), foram os filó-sofos gregos que tentaram pela primeira vez sistematizar o co-nhecimento psicológico, concebendo-o como estudo da alma. O termo psicologia vem do grego psyché, que significa alma, e de logos, que significa razão. Etimologicamente, a Psicologia significa o estudo da alma. A alma era concebida como a parte imaterial do ser humano, que inclui os sentimentos, os desejos, as sensações, as percepções e os pensamentos. Atualmente, a Psicologia é vista como uma ciência em desenvolvimento.

Cambauva, Silva e Ferreira (1998) esclarecem que a psi-cologia vai sendo construída à medida que os homens vão construindo a si mesmos e ao seu mundo.

o homem, sendo personagem principal

desse processo de desenvolvimento do

pensamento, cria idéias, entre elas as

idéias psicológicas. Ele cria as ciências

como forma de compreensão do mundo;

entre essas ciências cria a psicologia,

tendo como objetivo o entendimento do

que hoje chamamos subjetividade, bem

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como a interpretação desta na sua rela-

ção com o mundo e com outros homens.

isso significa que a psicologia pode ser

considerada uma ciência social, e seu

objeto o homem. ao falarmos do desen-

volvimento da psicologia, estamos, ao

mesmo tempo, nos referindo ao desen-

volvimento, ao processo, à elaboração e

à criação do pensamento humano. ou

seja, assumimos e entendemos que o

homem está em constante movimento

(camBauVa; siLVa; FErrEira,

1998, p. 2-3).

Depreendemos, com as autoras, que a pessoa, na sua relação com o outro, constrói a si mesma, é produtora de ideias, da ciência e produtora da história da sociedade. Dian-te da diversidade que encontra no mundo, da necessidade de conhecer, controlar e potencializar, a sua eficiência desenvol-ve um modo de pensamento específico sobre seu comporta-mento, desenvolve métodos para análise e compreensão das inúmeras possibilidades de ser e estar no mundo.

Diante dessas inúmeras possibilidades de interpretar o homem, encontramos na psicologia uma diversidade de obje-tos de estudo. Bock, Furtado e Teixeira (2008) analisam que a diversidade de objetos justifica-se porque os fenômenos psi-cológicos são diversos e não podem ser acessíveis ao mesmo nível de observação, padrões de descrição, medida, controle e interpretação. A psicologia, então, enfoca, de maneira particu-lar, o seu objeto de estudo e constrói conhecimentos específi-cos e distintos sobre a nossa singularidade e individualidade.

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Ser humano: objeto de estudo da psicologia

O ser humano é o objeto de estudo da psicologia, po-rém, há diversas concepções sobre ele, adotadas pelos teóricos e pesquisadores em psicologia, que irão promover especifici-dades no modo de compreender os fenômenos psicológicos.

Existem, também, mitos filosóficos sobre o ser huma-no que influenciaram as ciências humanas, como o mito do homem natural que postula que o ser humano tem uma es-sência original, mas a sociedade termina por corromper esta essência, que é caracterizada como boa, repleta de virtudes. Há o mito do homem isolado, que é originariamente não so-cial, mas gradativamente tem necessidade de relacionar-se e o mito do homem abstrato, cujas características são univer-sais e independem da realidade histórica e social.

Conforme compreendeu, os mitos são importantes para a nossa reflexão, mas é importante considerar a história, a mul-tideterminação do ser humano e as condições materiais que lhe são dadas. O ser humano é social e histórico, necessita do outro para constituir-se como humano, ter autonomia, relacio-nar-se, pensar, criar instrumentos, desenvolver a linguagem, trabalhar, modificar o ambiente e construir a sua realidade.

Acrescentamos que a psicologia científica está dividida entre diferentes linhas de pensamento para analisar os seres humanos concebidos pela vida social, assim, existem inúmeras maneiras de conceber e intervir no campo do “psicológico”.

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De acordo com Ferreira (2006), os saberes e as práti-cas psicológicas contemporâneas apresentam algumas expe-riências constitutivas fundamentais, como a constituição da subjetividade e as individualidades como unidades políticas a serem destacadas e diferenciadas no conjunto da sociedade.

Sem que o outro que convive conosco saiba, passamos longo tempo pensando sobre quem somos, o que queremos, se vamos ou não fazer uma coisa, até que decidimos por algo. Preservamos a nossa individualidade pelo desejo de sermos livres e acreditamos que o nosso modo de sentir e pensar é único, porém, ao lado das nossas individualidades, existe uma imensa possibilidade de padronização, normatização e disciplina com o objetivo de controlar o comportamento, a imaginação, as emoções, os sentimentos, os desejos e, conse-quentemente, manter a ordem social.

(1.2)

O ser humano e a valorização da individualidade

A valorização da individualidade pode ser vista ao longo da história, como na obra de Michel de Montaigne, em 1580, ao advertir o leitor de que escreveu os seus Ensaios para si mesmo e alguns amigos íntimos, para que pudessem conservar mais inteiro e vivo o conhecimento que tiveram do seu caráter e de suas ideias. Entretanto, até o século XIII, não existia sequer a noção de indivíduo.

Acrescentamos que na Grécia, do ponto de vista polí-

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tico, a noção de indivíduo não aparece, isso não significa que a pessoa não existisse, mas que ele tinha a sua existência re-conhecida como cidadão da polis. A maior punição para o homem era ser banido da polis. O espaço público e social era o lugar para o desenvolvimento pleno do ser humano.

Ferreira (2006) analisa que a preocupação com a indi-vidualidade inicia-se a partir do século II d.C, ocasião que começa a ser buscada a constituição do cuidado de si. O ser humano mergulha no seu interior para descobrir, distinguir os pensamentos divinos dos pensamentos maléficos. Era pre-ciso cuidar de si mesmo, da própria alma para livrar-se das tentações dos demônios.

Sobre isso, Ferreira acrescenta:

na passagem para o cuidado de si mo-

derno há, pois, uma mudança de fina-

lidade: não se busca mais uma purifi-

cação da alma para atingir Deus, mas

uma pura afirmação de si. E também,

o exame de si, outrora exercido através

de instrumentos religiosos e jurídicos

(como a confissão), cede aos aparatos

científicos modernos (a anamnese, a

entrevista clínica, os testes mentais).

Portanto, mudam igualmente as técni-

cas desse novo cuidado de si. [...] pode-

mos dizer que, a partir da modernida-

de, passaram a existir diversas formas

de relação consigo, além da religiosa,

que nos convidam a um exame da nossa

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vida interior. uma delas é a constitui-

ção do tema da sexualidade. (FErrEi-

ra, 2006, p. 16-17)

Compreendemos, com o autor, que o ser humano busca conhecer-se não mais para ser semelhante ao criador, como ocorreu na Idade Média. O ser humano lida com ques-tões importantes e desafiadoras além da constituição do tema da sexualidade, como a busca da verdade, a distinção entre o público e o privado, a autonomia, entre outras.

No século XVI, esclarecem Figueiredo e Santi (2006), há uma grande valorização e confiança no homem, geradas pela concepção de que o mundo passou a ser considerado cada vez menos sagrado e mais como objeto de uso, movido por forças mecânicas a serviço dos homens que passaram a ser considerados livres e centro do mundo. Esta transforma-ção é parte da origem da ciência moderna.

As condições socioculturais constituíram o terreno propício para a construção do projeto de uma psicologia como ciência, pois à medida que o homem sentia-se livre, diferen-te, capaz de experimentar sentimentos, ter desejos e pensar independentemente dos demais e, também, perceber as ins-tâncias de controle na sociedade que colocavam em questão a sua soberania, autonomia e identidade, acentuou-se, para o Estado, a necessidade de recorrer a práticas de previsão e controle para dar conta das seguintes questões:

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como lidar melhor com os sujeitos in-

dividuais? como educá-los de forma

mais eficaz, treiná-los, selecioná-los

para os diversos trabalhos? Em todas

essas questões se expressa o reconhe-

cimento de que existe um sujeito indi-

vidual e a esperança de que é possível

padronizá-lo segundo uma disciplina

[...] surge, desse modo, uma demanda

por uma psicologia (FiGuEirEDo;

santi, 2006, p. 49).

Depreendemos que para a Psicologia progredir, era necessário conhecer e controlar as individualidades e suas diferenças. A experiência de individualização marca as es-colas psicológicas fundadas no século XIX. O homem, sujeito individual, torna-se um objeto da ciência:

os estudos psicológicos científicos co-

meçaram e se desenvolveram sempre

marcados por essa contradição: por

um lado a ciência moderna pressupõe

sujeitos livres e diferenciados – senho-

res de fato e de direito da natureza; por

outro, procura conhecer e dominar essa

própria subjetividade, reduzir ou mes-

mo eliminar as diferenças individuais,

de forma a garantir a “objetividade”,

ou seja, a validade intersubjetiva dos

achados. Em contraposição [...] muitos

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psicólogos repudiam essa meta de co-

nhecer para dominar os meandros da

subjetividade e afirmam, ao contrário,

que o que interessa é conhecer esses as-

pectos profundos e poderosos do “eu”

para dar-lhes voz, para expandi-los,

para fazê-los mais fortes e livres. É

claro que os que pensam assim querem

fazer da psicologia uma “ciência” sui

generis não só por ter um campo e um

objeto próprios, mas por adotarem, em

relação às demais ciências, outros mé-

todos e outras metas. (FiGuEirEDo;

santi, 2006, p.56-57)

Assim, há diversas psicologias, histórias e linhas de pensamento que divergem nos aspectos teóricos e metodo-lógicos. A psicologia passou a existir como uma ciência no final do século XIX, com a criação do laboratório de psicolo-gia experimental de Wilhelm Wundt, em 1875, na Alemanha, na Universidade de Leipzig. O Laboratório de Leipzig atraiu estudantes de vários países e impulsionou a institucionali-zação formal da psicologia. A psicologia avança com o status de ciência, que é obtido através da definição do objeto de es-tudo (comportamento, vida psíquica e consciência), delimi-tação do campo de estudo, formulação de métodos próprios de estudo e teorias que produzem conhecimentos passíveis de comprovação e cumulativos. Surgem as primeiras escolas psicológicas, como o Funcionalismo de William James, o Es-truturalismo de Titchener e o associacionismo de Thorndike e, posteriormente diferentes Teorias psicológicas.

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A construção de um projeto de uma psicologia in-dependente, com objeto próprio de estudo e métodos ade-quados, não foi tarefa fácil, principalmente porque a filoso-fia abordava os conceitos relacionados ao comportamento, “alma” e consciência; e a História, a Sociologia, a Linguística também abordavam as ações humanas e sua importância na sociedade, de acordo com as condições sociais e históricas.

A psicologia reivindicou um lugar no campo das ciên-cias buscando objetividade, embasamento matemático e um elemento básico de investigação através da aproximação com os conceitos e métodos das ciências naturais. Ferreira (2006), ao analisar o mapa das psicologias do século XIX, explica que:

surge, então, no final do século XiX,

na alemanha, o projeto da psicologia

enquanto ciência da experiência, to-

mando como base a fisiologia, calcado

no conceito de sensação como elemento

objetivo e matematizável. (FErrEi-

ra, 2006, p. 21)

Assim, na virada para o século XIX, torna-se possível a configuração da psicologia como área de conhecimento específico, embora com divergências no estudo do compor-tamento e da mente. As visões de homem de Wilhelm Wundt e seu contemporâneo William James não são mais bem aceitas hoje, porém, ainda assim, os estudos de Wundt sobre os pro-cessos mentais básicos, através do método introspeccionista, e a abordagem de James sobre a análise dos processos, através dos

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quais a mente funciona, desempenharam um importante papel na construção de uma psicologia científica (GLASSMAN, 2008).

A psicologia, ramo das Ciências Humanas, estuda a subjetividade, conceito complexo que diz respeito ao nosso modo de ser, aos nossos pensamentos, desejos, sentimentos, ações, construídos na convivência social, nas interações e nas interpretações que fazemos dessas interações.

Bock, Furtado e Teixeira (2008, p.23) analisam que:

[...] estudar a subjetividade, nos tempos

atuais, é tentar compreender a produção

de novos modos de ser, isto é, as subjetivi-

dades emergentes, cuja produção é social

e histórica. o estudo dessas novas sub-

jetividades vai desvendando as relações

do cultural, do político, do econômico e do

histórico na produção do mais íntimo e do

mais observável no ser humano - aquilo

que o captura, submete ou mobiliza para

pensar e agir sobre os efeitos das formas

de submissão da subjetividade.

A psicologia visibiliza a dimensão subjetiva dos seres humanos, que contempla os pensamentos, desejos, emoções, sentidos, ações, significados, entre outros que são construí-dos a partir das vivências sociais e culturais. Através de re-cursos teóricos e metodológicos, a ciência psicológica analisa a dimensão subjetiva, as questões do sujeito e suas relações,

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potencializando a autonomia e capacidade de emancipação dos seres humanos.

A psicologia é definida, comumente, como o estudo científico do comportamento. O termo comportamento pode ser compreendido como respostas observáveis, experiência interna (pensamentos, sentimentos, etc). Alguns psicólogos preocupam-se apenas com o comportamento humano, ou-tros estudam as ações de outras espécies. De qualquer modo, o comportamento humano é rico e complexo, não há como explicar todos os aspectos numa teoria isolada, há uma di-versidade de teorias que diferem em termos de pressupostos básicos, métodos e teorias no estudo desta temática.

O modo como a psicologia aborda a subjetividade de-pende da concepção de ser humano adotada pelas Teorias psicológicas. A psicologia, portanto, tem diferentes teorias para analisar e compreender o comportamento humano, como o Behaviorismo, a Psicanálise, a Gestalt, a Psicologia Sócio-Histórica, entre outras. Vamos, resumidamente, conhe-cer alguns dos aspectos estudados por elas na próxima aula e suas contribuições para a análise do ser humano.

Compreendemos que é sempre um desafio descobrir maneiras para avaliar as diferenças entre as teorias e compre-ender as suas divergências, porém, diante d à complexidade do comportamento, nenhuma teoria isolada pode explicar todos os aspectos que dizem respeito ao comportamento. Acrescentamos que as teorias desenvolveram-se em resposta à complexidade do estudo do comportamento, mas também em consonância com fatores pessoais, históricos e culturais.

O conjunto de saberes e das práticas psicológicas contemporâneas apresenta algumas experiências, como a

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constituição da subjetividade, que estão presentes em todas as psicologias e que, a partir dessas experiências, esclarece Ferreira (2006), surgem outras práticas relevantes que con-duzem as reflexões sobre mente e corpo, a constituição da loucura como doença mental e as distinções relativas aos diferentes períodos da vida. Compreendemos, também, que existem inúmeras maneiras de conceber o campo do psico-lógico e outras tantas maneiras de intervenção. Sobre isso, esclarece Figueiredo (2006):

Entre as maneiras de pensar o psi-

cológico há mesmo quem pretenda

descartar-se desta denominação e dar

preferência a outros conceitos, como

conduta ou comportamento. Entre os

que se situam no campo do psicológico,

há também os que pretendem fazer ou-

tra coisa que não psicologia como, por

exemplo, psicanálise. (FiGuEirEDo,

2006, p. 9)

Há uma pluralidade no campo da psicologia, e o entendimento e aceitação das diferentes diversas teorias, com as suas contradições sobre o comportamento, estão de acordo com os nossos viéses pessoais, nossas crenças e o nosso momento histórico.

Impõe-se à psicologia, na contemporaneidade, o com-promisso social. A psicologia, como ciência e profissão, pre-cisa buscar estratégias para lidar com o sofrimento psíquico

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nos diferentes espaços sociais. Vamos analisar o compromis-so social da psicologia através da leitura do trecho do artigo de Bock (1999, p.324-325):

[...] a Psicologia vem se transformando

e vem se aproximando de visões concre-

tas e históricas, abandonando as visões

naturalizantes que ainda caracterizam

nossa ciência e nossas técnicas.

Vamos explicar melhor isto:

a Psicologia em seu desenvolvimento

esteve sempre presa a uma dicotomia

entre objetividade e subjetividade; entre

interno e externo; entre natural e his-

tórico; objeto e sujeito; razão e emoção;

indivíduo e sociedade. Desde Wundt,

temos vivido esse desafio de superar es-

tas dicotomias e nosso desenvolvimen-

to teórico pode ser registrado a partir

destas tentativas. mantidas estas dico-

tomias, não temos sido capazes de com-

preender o homem que não de forma a

naturalizar seu desenvolvimento e seu

mundo psicológico. Explicando melhor:

porque mantemos uma visão dicotômi-

ca, temos explicado o movimento do

mundo psicológico como um movimen-

to interno, gerado por si mesmo. [...]

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Esta tradição naturalizante do fenô-

meno psicológico nos jogou em uma

perspectiva de profissão que sempre

compreendeu nossa intervenção como

curativa, remediativa, terapêutica. te-

mos nos limitado a ela nestes anos to-

dos de profissão. não é para menos que

temos tido um modelo médico de inter-

venção. mas isto vem mudando. a rea-

lidade objetiva, o mundo social e cultu-

ral vem invadindo nosso conhecimento

e já não podemos mais falar de mundo

psicológico sem considerar o mundo

social e cultural. ainda estamos cons-

truindo um modelo de relação entre

estes mundos, entendendo que estes se

influenciam e não que constituem um

ao outro. isto significa que ainda não

superamos a dicotomia... mas estamos

caminhando.

a Psicologia tem se aberto para estas

novas leituras. Queremos entender o

mundo psicológico como um mundo

constituído a partir de relações sociais e

de formas de produção da sobrevivência.

Para ler mais, acesse: http://www.scielo.br/

pdf/epsic/v4n2/a08v4n2.pdf

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Com a autora, compreendemos, então, que precisa-mos superar o pensamento dicotômico, a visão essencialis-ta sobre o ser humano e entender o ser humano atrelado à sua realidade social e cultural.

O trabalho da psicologia deve ser no sentido de atuar criticamente na realidade, promover a transforma-ção, a emancipação do ser humano e dar visibilidade às desigualdades sociais.

Compreendemos, então que não há no campo da psicolo-gia uma visão descolada do ser humano à sua realidade, como também não há uma teoria ou projeto que predomine sobre o outro como no campo das ciências naturais. A diversidade neste campo torna-o ainda mais interessante para pensar como a nos-sa subjetividade se constitui e por quê. E como, a partir disso, nos lembra. Arnaldo Antunes, construímos a História.

[...]o tempo do nascimento,

crescimento, envelhecimento,

um momento

um momento

o homem pensa que faz

a guerra, a paz

enquanto o homem pensa

o tempo se faz

o homem pensa que é

alegre, triste

enquanto o tempo passa

o homem assiste

como matar o tempo

como matar o tempo Arnaldo Antunes - Tempo -

Veja o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Ek0wqw14Bkg

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Consideramos, então, que é preciso pensar em mu-lheres e homens não somente com características pessoais, mas principalmente como sujeitos sociais que constroem a sua vida num espaço coletivo, histórico e cultural. É preciso, ainda, aumentar a nossa capacidade de olhar para si, para o outro e reconhecer valor em cada um.

síntEsE

Nesta aula, refletimos sobre a psicologia como ciên-cia, seu surgimento e importância. Refletimos sobre o objeto de estudo da psicologia e a caracterização do ser humano e compreendemos que não há como explicar todos os aspectos numa teoria isolada, há uma diversidade de teorias que dife-rem em termos de pressupostos básicos, métodos e teorias no estudo da subjetividade.

Na próxima aula, você continuará este estudo anali-sando a construção da subjetividade e das identidades, as-pecto importante para a compreensão das diferentes dinâmi-cas nas relações interpessoais.

Vamos em frente!

QuEstão Para rEFLEXão

- Por que os psicólogos divergem em relação à defini-ção do que é psicologia?

- É preciso compreender a pessoa como um produto social e um ser coletivo? Justifique.

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Pense e converse a respeito com seus colegas e amigos.

LEituras inDicaDas

BOCK, A. M. A psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso social. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v4n2/a08v4n2.pdf. Acesso em: 22 de jun. de 2012

Para aprofundar seus estudos leia também o texto da Anita Resende cujo título é Subjetividade: novas abordagens de antigas dicotomias. Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/28/textos/gt20/gt201453int.rtf. Aceso em: 25 de maio de 2012 e leia:

CAMBAÚVA, L.G.; SILVA, L.C.; FERREIRA, W. Reflexões sobre os estudos da psicologia. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a03v03n2.pdf>. Acesso em: 25 maio 2012.

sitEs inDicaDos

http://www.anped.org.br/reunioes/28/textos/gt20/gt201453int.rtf

http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a03v03n2.pdf

rEFErÊncias

ANTUNES, A. Tempo. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/arnaldo-antunes/91765/>. Acesso em: 25 maio 2012.

BOCK, A. M. A psicologia a caminho do novo século: iden-

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tidade profissional e compromisso social. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v4n2/a08v4n2.pdf. Acesso em: 22 de jun. de 2012.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psico-logias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008.

CAMBAÚVA, L.G.; SILVA, L.C.; FERREIRA, W. Reflexões so-bre os estudos da psicologia. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a03v03n2.pdf>. Acesso em: 25 maio 2012.

FERREIRA, A. A. L. O múltiplo surgimento da psicologia. In: JACO-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2006. p. 13-46.

FIGUEIREDO, L. C. M.; SANTI, P. L. R. de. Psicologia, uma (nova) introdução: uma visão histórica da psicologia como ciência. São Paulo: EDUC, 2006.

GLASSMAN, W.; HADAD, M. Psicologia: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed, 2008.

MONTAIGNE, M. Ensaios. São Paulo: abril Cultural, 1984.

REPS, R. Namoro entre telinhas: comportamento. Revista Capricho, n. 1072, p. 90-93, São Paulo: Abril, Junho 2009, p. 90-93.

SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da

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intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

SIBILIA, P. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

( 2 )

Teorias psicológicas

Cláudia Vaz Torres

Nesta unidade, refletiremos sobre algu-mas Teorias psicológicas como o Behaviorismo, a Gestalt, a Psicanálise e a Psicologia Sócio-histórica, seus conceitos, fundamentos e contribuições para os estudos sobre o ser humano. Em razão d à complexidade da temática, apresen-taremos, apenas, de modo resumido, alguns conceitos con-cernentes às Teorias psicológicas.

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(2.1)

Behaviorismo

O Behaviorismo é considerado uma das principais teo-rias da Psicologia do século XX. Propõe um modelo de ciência que enfatiza a observação e a interação organismo-contexto na análise do comportamento humano. Termos como Com-portamentalismo e Comportamentismo são encontrados na literatura para denominar esta tendência.

O termo inglês behavior significa comportamento, e o projeto de uma psicologia, cujo objeto era o comportamento, foi originalmente elaborado por John Watson (1878-1958).

Em 1913, John B. Watson (1878-1958) escreveu um ma-nifesto que enfatizou o comportamento como objeto de estu-do da psicologia e o interesse sobre o modo como o ser hu-mano responde a diversas situações em um dado ambiente. O manifesto “A psicologia como o behaviorista a vê” criticava a utilização dos processos e conteúdos mentais que estives-sem envolvidos na percepção, memória, imaginação, racio-cínio, etc., como objeto de estudo da Psicologia. Para Watson, o método para detectar e analisar comportamentos observá-veis deveria ser,unicamente, a observação e a experimentação (método de qualquer ciência).

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(2.2)

Psicologia como “ciência do comportamento”

Para Figueiredo e Santi (2006), Watson redefiniu a psicologia como “ciência do comportamento” e livrou-se do método da auto-observação para estudar o comportamento humano. Nos seus estudos, teve influencia de Ivan Pavlov (1849-1936), fisiologista que criou o conceito de reflexo condi-cionado, a partir de uma pesquisa sobre as glândulas diges-tivas dos cães, e estudou a formação das respostas condicio-nadas e outros fenômenos como o reforço (elemento essencial para que a aprendizagem ocorra), a extinção de resposta, a generalização, a discriminação, entre outros.

O método do reflexo condicionado foi adotado por Watson em razão de ser um método objetivo de análise do comportamento, ou seja, de redução do comportamento às suas unidades elementares, os vínculos estímulo-resposta.

Para Watson, todo comportamento podia ser reduzi-do às unidades de estímulo-resposta (SR), o que permitia a investigação do comportamento humano em laboratório. Fi-gueiredo e Santi (2006) analisam a importância dos estudos sobre o comportamento:

com o comportamentalismo, pela pri-

meira vez, os estudos psicológicos “de-

ram as costas” à experiência imediata.

tudo aquilo que faz parte da experiên-

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cia subjetiva individualizada deixa de

ter lugar na ciência, seja porque não

tem importância seja porque não é

acessível aos métodos objetivos da ciên-

cia. nessa medida, o “sujeito” do com-

portamento não é um sujeito que sente,

pensa, decide, deseja e é responsável

por seus atos: é apenas um organismo.

Enquanto organismo, o ser humano se

assemelha a qualquer outro animal, e é

por isto que essa forma de conceber a

psicologia científica dedica uma grande

atenção aos estudos com seres não hu-

manos, como ratos, pombos e macacos,

entre outros. Esses sujeitos não falam,

mas isto não representa um obstáculo

para o comportamentalismo de Watson,

já que ele não tem o mínimo interesse

na “vivencia” do sujeito, na sua experi-

ência imediata. o comportamentalismo

watsoniano interessa-se exclusivamen-

te pelo comportamento observável, com

o objetivo muito prático de provê-lo e

controlá-lo de forma mais eficaz. (Fi-

GuEirEDo; santi, 2006, p. 66-67)

Depreendemos, com base nos autores, que Watson interessava-se pelo estudo do comportamento observável, mensurável e que pudesse ser reproduzido em outras cir-cunstâncias. Tecia críticas ao que não poderia ser verificado por uma observação independente e os relatos introspectivos

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como instrumentos metodológicos de pesquisa.

Posteriormente, Skinner (1981), utilizando procedi-mentos experimentais nas suas pesquisas sobre o comporta-mento, trouxe contribuições ao estudo das interações entre organismos vivos e seus ambientes.

Skinner (1981) analisava o comportamento como uma maté-ria difícil, que exige do cientista grandes técnicas de engenhosidade.

Queremos saber por que os homens se

comportam da maneira como fazem.

Qualquer condição ou evento que te-

nha algum efeito demonstrável sobre o

comportamento deve ser considerado.

Descobrindo e analisando estas causas

poderemos prever o comportamento,

poderemos controlar o comportamento

na medida em que o possamos manipu-

lar. (sKinnEr, 1981, p. 34)

Skinner procurou analisar as causas do comportamen-to, criticava a tendência na Psicologia de explicar o compor-tamento em termos de um agente inferior, sem dimensões fí-sicas, chamado “mental” ou “psíquico”. Para o autor, o hábito de buscar uma explicação do comportamento dentro do orga-nismo tende a obscurecer as variáveis que estão fora do orga-nismo, no seu ambiente e em sua história ambiental. Assim, é possível prever o comportamento se conhecermos o máximo possível sobre as variáveis e suas relações com o comporta-mento. Para tanto, é necessário investigar quantitativamente os efeitos de cada variável com os métodos e as técnicas de uma ciência de laboratório.

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O Behaviorismo de Skinner ficou conhecido como Behaviorismo Radical. Esta designação foi feita pelo pró-prio Skinner para se referir à filosofia da análise experi-mental do comportamento.

o termo radical vem de raiz, no sentido em

que se designaria uma proposta que se atém

ao estudo do comportamento a partir do

próprio comportamento, sem o recurso ex-

plicativo a qualquer outra entidade. (can-

çaDo; soarEs; cirino, 2006, p. 188)

O Behaviorismo formula importantes conceitos para compreensão das nossas interações com o ambiente, como o comportamento operante. Vamos conhecê-los:

• Comportamento operante - abrange as atividades hu-manas. Descreve a ação do organismo sobre o meio do qual emergem as consequências do comportamento. As respostas são definidas por sua relação com a consequência. Para Skin-ner (1981), então, o que propicia a aprendizagem dos compor-tamentos é ação do organismo sobre o meio e o efeito que resulta desta ação. O comportamento operante faz referência à interação sujeito-ambiente e é fundamental a relação entre a ação do organismo e as consequências que, por produzir uma alteração ambiental, age sobre o sujeito, alterando a probabili-dade futura da resposta.

• Comportamento respondente ou reflexo - abrange os comportamentos não voluntários. Para Bock, Furtado e Tei-xeira (2008), os comportamentos respondentes são interações estímulo-resposta incondicionadas. Os estímulos eliciam certas

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Fonte:UNIFACS

A maioria das nossas ações evidenciam comportamentos operantes, pois referem-se à interação sujeito-ambiente. Segundo Skinner (1981), operamos sobre o mundo em função das conse-quências criadas pela nossa ação. Os reforçadores estão presentes quando alteram a probabilidade futura da ocorrência desta res-posta. O reforço pode ser positivo, que consiste em todo evento que aumenta a probabilidade da resposta que o produz, ou nega-tivo, que diz respeito a todo evento que aumenta a probabilidade futura da resposta que o remove ou atenua.

Segundo Skinner (1981):

no condicionamento operante fortalece-

mos um operante, no sentido de tornar a

respostas do organismo que independem da aprendizagem. Os autores acrescentam que essas interações também podem ser provocadas por estímulos que não provocavam esse tipo de resposta, para tanto, é preciso parear temporalmente esses estí-mulos com estímulos eliciadores, em situações bem específicas. Essas novas interações, chamadas de reflexos, são condiciona-das (aprendidas) devido ao pareamento.

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resposta mais provável ou, de fato mais

frequente. no condicionamento pavlo-

viano ou respondente o que se faz é au-

mentar a magnitude da resposta eliciada

pelo estímulo condicionado e diminuir o

tempo que decorre entre o estímulo e a

resposta. (sKinnEr, 1981, p. 74)

Compreende-se, com o autor, que, através do condi-cionamento operante, o meio ambiente modela o repertório básico com o qual andamos, trabalhamos, praticamos espor-tes, tocamos instrumentos, falamos, escrevemos, dirigimos, entre outros. A presença dos reforços modela o repertório comportamental e aumenta a eficiência do comportamento e o mantém fortalecido por muito tempo, mesmo depois que a aquisição ou a eficiência já tenha perdido o interesse.

Os conceitos do Behaviorismo têm aplicação na edu-cação, clínicas psicológicas, treinamento nas empresas, pu-blicidade, entre outros.

Vamos conhecer uma outra importante teoria da Psicologia.

(2.3)

Gestalt

“[...] é no campo da experiência, da-

quilo que nós percebemos tal e como

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percebemos, que nós nos comporta-

mos, agimos e nos emocionamos.”

(moraEs, 2006, p.308)

Você sabe o que significa Gestalt? Já ouviu falar?

A Teoria da Gestalt nasceu na Europa e postulava a ne-cessidade de compreensão do ser humano como uma totalida-de, aceitava o valor da consciência e criticava a tentativa de ana-lisá-la em elementos, como também fazia oposição às tendências psicológicas do século XIX que fragmentavam as ações humanas.

A palavra alemã Gestalt, explicam Schultz e Schultz (1981), causou dificuldades na compreensão do movimento porque não tem um equivalente exato em outras línguas. O emprego da palavra em alemão refere-se à forma como pro-priedade dos objetos e, também, como um todo ou entidade concreta que tem, como um dos seus atributos, uma forma ou configuração específica.

Bock, Furtado e Teixeira (2008) analisam que embora a Teoria da Gestalt tenha sido importante e complexa, não prosperou como as outras teorias. Porém, muitos estudos e pesquisas iniciaram-se a partir dos conceitos de forma e da noção de totalidade, como as pesquisas de Kurt Lewin sobre a dinâmica dos grupos e sobre o conceito de campo social, que é formado tanto pelas características da pessoa quanto pelas características do meio onde a pessoa está inserida.

Kurt Lewin analisou a partir da teoria de campo da física que as atividades psicológicas da pessoa ocorrem numa espécie de campo psicológico, denominado de espaço vital. O campo compreende os eventos passados, presentes e futuros

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que possam influenciar uma pessoa. Do ponto de vista psico-lógico, cada um desses eventos pode determinar o compor-tamento a partir das interações das necessidades da pessoa com o ambiente psicológico (SCHULTZ; SCHULTZ, 1981).

Vamos conhecer mais sobre os fundamentos desta teoria, que tem como orientação filosófica a fenomenologia. A partir desses fundamentos filosóficos, a preocupação incidia na per-cepção, no modo como as pessoas compreendiam o seu entorno.

Moraes (2006) analisa que um dos desafios da psico-logia do século XIX era encontrar parâmetros que permi-tissem uma investigação experimental da sensação como experiência psicológica.

A sensação, importante conceito para compreender a relação entre a experiência e o mundo físico, era compreen-dida como um acontecimento fisiológico, provocado pelo es-tímulo físico que causava uma modificação no corpo, e um acontecimento psicológico, porque essa experiência tinha na sensação seu fundamento.

No final do século XX, com os avanços das pesquisas em psicologia, ocorreu o reconhecimento dos limites da sen-sação para definição da experiência psicológica. A psicologia passou a investigar não o conteúdo da experiência, mas sim o ato de representar. A distinção entre o ato e o conteúdo tornou-se fundamental para a compreensão da experiência psicológica (MORAES, 2006).

Tratava-se, então, de analisar a importância das rela-ções entre as sensações e, não apenas definir a experiência através das sensações.

Imagine que você esteja escutando a famosa música “Ga-

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rota de Ipanema”, de Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim. Agora, imagine a mesma música sendo cantada por João Gilberto e, depois, por Gal Costa. A melodia é a mesma, no entanto, o tom no qual a música é executada por cada um é bem diferente.

Para escutar as diferentes interpretações da música, indicamos os vídeos: http://www.youtube.com/watch?v=6LruHQky71Yhttp://www.youtube.com/watch?v=itsKmGfistY&feature=related

Por que somos capazes de reconhecer a identidade da música em diferentes tons?

Vamos ler um pequeno texto que permitirá a compre-ensão da razão do reconhecimento da melodia em um tom diferente do habitual e provocará a reflexão sobre a impor-tância do deslocamento das pesquisas em psicologia da no-ção de sensação para as relações entre as sensações.

tomemos, por exemplo, uma melodia

(a). nós podemos transpô-la para outro

tom, formando uma melodia (B). nes-

sa transposição de (a) para (B), todas

as notas se alteram. no entanto, somos

perfeitamente capazes de perceber a se-

melhança entre (a) e (B). ora, se todos

os elementos variam quando fazemos

a transposição da melodia, por que so-

mos capazes de reconhecer a semelhança

entre (a) e (B)? Podemos, por exemplo,

reconhecer a música Garota de ipanema,

de tom Jobim e Vinicius de moraes, em

qualquer tom que a executemos. Por que

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somos capazes de reconhecer a identida-

de da música mesmo quando alteramos

o tom no qual a música é executada? a

semelhança percebida não pode advir

das sensações, dos elementos, já que to-

dos os elementos se modificam quando

ocorre a transposição de um tom para

outro. (moraEs, 2006, p. 303)

Então, qual a sua ideia?

O reconhecimento da identidade da música em dife-rentes tons evidencia que reconhecemos as relações entre os elementos, e não os elementos isoladamente. Percebe-mos, então, a importância da qualidade estrutural, que diz respeito às relações entre os elementos. Então, esta análise da melodia em diferentes tons expressa o limite da sensa-ção, explica que há algo que não se reduz ao campo das sensações consideradas isoladamente.

Assim, entendemos que o campo da sensibilidade é formado por sensações e qualidades estruturais. O conceito de qualidade estrutural diz respeito à forma ou estrutura. Para que possamos compreender uma situação, não podemos limitar a nossa análise aos elementos que constituem a situa-ção, mas devemos analisar as relações entre esses elementos.

No início do século XX, Wertheimer, Koffka e Kohler, no-mes integrantes da Escola de Berlim, investigaram a experiência psicológica tomando como referência a percepção tal como é vi-venciada por cada um de nós, com a compreensão de que a expe-riência perceptiva é marcada por relações de sentido e de valor e não apenas por um acúmulo de sensações. (MORAES, 2006).

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1- Proximidade: partes que estão próximas no tempo ou no espaço parecem formar uma unidade e tendem a ser percebidas juntas.

2- Continuidade: na percepção, há uma tendência de se-guir uma direção, de vincular os elementos de uma maneira que os faça parecer contínuos ou seguindo uma direção particular.

Em 1923, os princípios da organização da percepção foram apresentados. A proposta era que os objetos deveriam ser percebidos como totalidades unificadas, e não como aglo-merados de sensações individuais. A organização da percep-ção ocorre de modo instantâneo, assim que entramos em con-tato com os elementos que estão ao nosso redor.

A partir dos exemplos da organização da per-cepção, analisaremos os princípios da organização perceptiva. (MORAES, 2006).

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Fonte: Banco de dados ThinkStock

3- Semelhança: partes semelhantes tendem a ser vistas juntas como se formassem um grupo.

4- Complementação: tendemos a completar figuras incompletas e preencher lacunas.

5- Simplicidade: de acordo com as condições do estí-mulo, tendemos a ver uma figura completa e organizada, sig-nificando que há uma boa gestalt, simétrica, simples e estável.

6- Figura e fundo: a figura destaca-se do fundo, assim ten-demos a organizar as percepções no objeto observado, a figura.

Fonte: Banco de dados ThinkStock

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(2.4)

Psicanálise

“Palavras suscitam afetos e são, de modo

geral, o meio de mútua influência entre

os homens.” (FrEuD, 1915, p. 29)

A Teoria Psicanalítica, concebida por Sigmund Freud, representou um grande avanço na teoria social e nas ciências humanas ao abrir um caminho para uma diferente orientação no mundo e na ciência. Freud (1913), médico vienense, propôs, na última década do século XIX, conceitos que alicerçaram a psicanálise como o inconsciente, a repressão, a sexualidade in-fantil, a relação entre sintomas neuróticos e fenômenos da vida

Para a Gestalt, esses princípios estão presentes nos diver-sos estímulos.

Contribuições da teoria:

A Gestalt tem inspirado diversas pesquisas e, conforme analisam Schultz e Schultz (1981), ao contrário da teoria do com-portamentalismo, a psicologia da Gestalt conserva sua identida-de distinta ao enfatizar a experiência consciente como problema legítimo da psicologia e admite que não é possível investigá-la com a mesma precisão e objetividade, como o comportamento manifesto é estudado.

Analisaremos uma outra importante teoria, a Psicanálise.

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psíquica normal, entre outros conceitos do tratamento analíti-co. Freud (1913), ao afirmar que somos determinados por pro-cessos psíquicos inconscientes, descentrou o pensamento car-tesiano que concebia o homem como um ser racional, pensante e consciente, situado no centro do conhecimento.

Para Freud, a psicanálise, como um importante campo de saber, reivindicou o seu estatuto de ciências naturais, ou seja, sujeita à metodologia rigorosa, domínio de fenômenos físicos e ou naturais e, também, reivindicou um lugar nas ci-ências humanas pela sua dimensão interpretativa de um tipo de fenômeno psíquico que é o inconsciente.

A história do desenvolvimento da psicanálise é mar-cada pelo interesse de Freud pelo estudo do inconsciente, as-sunto ignorado pelas outras Teorias psicológicas no período. O relato de Freud (1914, p. 31-32) esclarece a sua participação na história do desenvolvimento da psicanálise:

De inicio não percebi a natureza pecu-

liar do que descobrira. sem hesitar, sa-

crifiquei minha crescente popularidade

como médico, e restringi o número de

clientes nas minhas horas de consulta,

para poder proceder a uma investiga-

ção sistemática dos fatores sexuais em

jogo na causação das neuroses de meus

pacientes; e isso me trouxe um grande

número de fatos novos que finalmente

confirmaram minha convicção quanto à

importância prática do fator sexual. in-

genuamente, dirigi-me a uma reunião

da sociedade de Psiquiatria e neurolo-

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gia de Viena [...] na esperança de que as

perdas materiais que voluntariamente

sofri fossem compensadas pelo interes-

se e reconhecimento dos meus colegas.

considerava minhas descobertas con-

tribuições normais à ciência e esperava

que fossem recebidas com esse mesmo

espírito. mas o silêncio provocado pe-

las minhas comunicações, o vazio que

se formou em torno de mim, as insinu-

ações que me foram dirigidas, pouco a

pouco me fizeram compreender que as

afirmações sobre o papel da sexualidade

na etiologia das neuroses não podem

contar com o mesmo tipo de tratamen-

to dado ao comum das comunicações.

compreendi que daquele momento em

diante eu passara a fazer parte do gru-

po daqueles que “perturbaram o sono

do mundo”. [...] Entretanto, desde que

minha convicção quanto à exatidão ge-

ral de minhas observações e conclusões

era cada vez maior, e que a confiança no

meu próprio julgamento e minha cora-

gem moral não era exatamente o que se

pode chamar de pequena, o resultado da

situação não poderia ser posto em dú-

vida. Dispus-me a acreditar que tinha

tido a sorte de descobrir fatos e ligações

particularmente importantes, e resolvi

aceitar o destino que às vezes acompa-

nha essas descobertas.

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Depreendemos que as convicções de Freud (1914, p.31) sobre o papel da sexualidade na etiologia das neu-roses e a influência dos conteúdos inconscientes no com-portamento humano não foram bem aceitas inicialmente pelos contemporâneos, pois como ele próprio escreve “[...] perturbaram o sono do mundo.”

A psicanálise constitui uma teoria sobre o funcio-namento da vida psíquica, um método de investigação e pesquisa de natureza interpretativa e de tratamento. Os primórdios da teoria e da técnica são encontrados na pu-blicação Estudos sobre a Histeria (1895) de Breuer e Freud, na qual são relatados os tratamentos conduzidos pelos au-tores com pacientes histéricos.

A histeria, para Freud (1895), era uma doença psíquica que apresentava quadros clínicos bem variados e que pode-ria ser tratada através da hipnose. O tratamento psicanalítico foi iniciado com o auxílio da hipnose que, posteriormente, foi abandonado e substituído pelo método da associação livre (ou livre associação) com o paciente em estado normal. O mé-todo da associação livre consiste em deixar o paciente falar sem qualquer censura ou inibição, por quase todo o tempo, sem explicar nada mais que o necessário para fazê-lo prosse-guir no que está dizendo (FREUD, 1913).

Freud (1925) verificou que as associações livres emergem de múltiplas redes de sentido que remetem umas às outras, constituindo redes associativas. As associações tinham um sen-tido oculto, estavam relacionadas umas às outras. Freud acre-ditava que havia um determinismo psíquico. O determinismo psíquico, importante pressuposto da teoria, estabelece que todo comportamento tem uma causa (isto é, ele é determinado) e que a causa deve ser encontrada na mente (psyche, em grego).

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Freud, inicialmente, parecia acreditar que suas ideias podiam ser reduzidas a princípios fisiológicos. Entretanto, posteriormente, concentrou-se nos constructos mentais (id, ego, superego). Seu trabalho em fisiologia também convergiu com outra influência – o trabalho de Darwin sobre a evolu-ção. O conceito de continuidade biológica entre as espécies convenceu Freud de que a motivação humana tem uma base biológica. Então, um dos pressupostos de Freud, além do determinismo psíquico que estabelece que todo comporta-mento tem uma causa, é o inconsciente.

(2.5)

O inconsciente

O conceito de inconsciente (Ics) é fundamental para a teoria psicanalítica, surgiu da experiência de tratamento de mulheres e homens. Freud (1915), no artigo O inconsciente, afirma que o conceito abrange atos que são meramente laten-tes, temporariamente inconscientes e abrange processos tais como os reprimidos. Em 1912, ao escrever o artigo Uma nota sobre o inconsciente na psicanálise, Freud (1912) analisa que o inconsciente é um sistema que possui conteúdos, mecanis-mos e uma energia específica.

Os conteúdos do inconsciente, para Freud (1905), são os representantes da pulsão. Para ele, a pulsão é um desvio do instinto, um desvio de uma função biológica do instin-to. O instinto é uma força biológica motivadora que leva os membros da espécie a agir visando sempre à mesma finalida-de, enquanto que a pulsão não tem um objeto específico, mas

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precisa de um objeto para que possa obter satisfação. Este objeto, que não é específico, está ligado à história do sujeito, suas fantasias, seus desejos. O conceito freudiano de pulsão surgiu na formulação de um modelo de funcionamento psí-quico, no estabelecimento das bases fisiológicas do psiquismo e no momento em que foram situados os fatores biológicos do comportamento. Este conceito, que foi lançado nos Três En-saios da Sexualidade (1905), evidenciou a intenção de Freud de estabelecer a psicanálise como ciência natural.

Ainda sobre o inconsciente, Freud (1915, p. 213) analisa:

o núcleo do inconsciente consiste em

representantes instintuais que procu-

ram descarregar sua catexia; isto é, con-

siste em impulsos carregados de desejo.

Esses impulsos instintuais são coorde-

nados entre si, existem lado a lado sem

se influenciarem mutuamente, e estão

isentos de contradição mutua. Quan-

do dois impulsos carregados de desejo,

cujas finalidades são aparentemente

incompatíveis, se tornam simultanea-

mente ativos, um dos impulsos não re-

duz ou cancela o outro, mas os dois se

combinam para formar uma finalidade

intermediária, um meio-termo. não há

nesse sistema lugar para negação, duvi-

da ou quaisquer graus de certeza [...] os

processos do sistema inconsciente [...]

não são ordenados temporalmente, não

se alteram com a passagem do tempo;

não tem absolutamente referencia ao

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tempo. [...] os processos do inconsciente

dispensam pouca atenção à realidade.

Estão sujeitas ao principio do prazer;

seu destino depende apenas do grau de

sua força e do atendimento às exigên-

cias da regulação prazer-desprazer.

Com base nas ideias do autor, compreendemos que o inconsciente (Ics) possui como características específicas a ausência de negação, de dúvida, de indiferença em relação à realidade, não havendo relação de tempo. Regido pelo prin-cípio do prazer, há um interjogo livre de cargas, a energia é móvel e busca a gratificação, a expressão e o escoamento.

(2.6)

A regra fundamental da psicanálise

A ausência de inibição, o intercâmbio de palavras e, par-ticularmente, a liberdade para escolher o que falar, constituiu a regra fundamental da psicanálise. Sobre isso, Freud (1913, p. 177) orientava os seus pacientes no início do tratamento:

[...] diga tudo o que lhe passa na men-

te. aja como se, por exemplo, você fos-

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se um viajante sentado à janela de um

vagão ferroviário, a descrever para al-

guém que se encontra dentro as vistas

cambiantes que vê lá fora. Finalmente,

jamais esqueça que prometeu ser abso-

lutamente honesto e nunca deixar nada

de fora porque, por uma razão ou outra,

é desagradável dizê-lo.

Dessas orientações de Freud subtende-se que o con-teúdo a ser tratado através do tratamento analítico depen-deria unicamente do paciente e que todo e qualquer pen-samento, até mesmo os mais desagradáveis, deveria vir à consciência e serem falados.

Sobre o tratamento psicanalítico, Freud (1925, p. 29) o caracterizava como:

[...] uma forma de executar o tratamen-

to médico de pacientes neuróticos [...]

quando, porém, tomamos em tratamen-

to analítico um paciente neurótico, agi-

mos diferentemente. mostramos-lhe as

dificuldades do médico, sua longa dura-

ção, os esforços e sacrifícios que exige; e,

quanto a seu êxito, lhe dizemos não nos

ser possível prometê-lo com certeza,

que depende da sua própria conduta,

de sua compreensão, de sua adaptabi-

lidade e de sua perseverança. [...] nada

acontece em um tratamento analítico

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além de um intercâmbio de palavras

entre o paciente e o analista. o pacien-

te conversa, fala de suas experiências

passadas e de suas impressões atuais,

queixa-se, reconhece seus desejos e seus

impulsos emocionais.

Percebemos que Freud (1913), em relação a este assun-to, alertava que a resistência desempenha um importante pa-pel no tratamento, pois, por muitas vezes, impedia que um conteúdo valioso fosse comunicado e tratado na análise. Uma técnica especial de interpretação foi desenvolvida a fim de ti-rar conclusões das ideias expressadas pela pessoa em análise.

(2.7)

A histeria

Freud (1913), ao investigar os processos mentais incons-cientes, constatou que os sintomas histéricos, que as pessoas que o procuravam queixavam-se, eram resíduos (reminiscências) de experiências profundamente comovedoras que foram afastadas da consciência. Nos estudos sobre a Histeria, Freud (1895) escla-rece que, embora a pessoa não lembrasse, havia um nexo causal entre o fator desencadeante (o trauma) que tinha sido reprimido e afastado da consciência e os sintomas que causavam sofrimento. A vida sexual prestava-se, particularmente, como conteúdo para formação dos traumas pelas restrições e repressões do instinto se-xual, impostos pela organização cultural e social da época.

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Sobre isso, analisa:

o desenvolvimento cultural imposto à

humanidade é o fator que torna inevi-

táveis as restrições e repressões do ins-

tinto sexual, sendo exigidos sacrifícios

maiores ou menores, de acordo com a

constituição individual. o desenvol-

vimento quase nunca é conseguido de

modo suave e podem ocorrer distúrbios

(quer por causa da constituição indivi-

dual ou de incidentes sexuais prematu-

ros) que deixem atrás de si uma disposi-

ção a futuras neuroses. tais disposições

podem permanecer inofensivas se a

vida do adulto progride de modo satis-

fatório e tranqüilo, mas podem tornar-

-se patogênicas se as condições da vida

madura proíbem a satisfação da libido

ou exigem gravemente sua supressão.

(FrEuD, 1913, p.267-268)

Então, se as ideias, quase sempre de natureza sexual, são incompatíveis com as condições de vida, há uma expul-são da consciência, porém estas ideias se mantêm registradas no psiquismo e podem ser resgatas através da Análise.

De seus estudos, Freud (1905) concluiu que nem to-das as manifestações histéricas eram provenientes de ex-periências traumáticas, pois constatou que as experiências

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de sedução relatadas como vivenciadas na infância não ti-nham ocorrido de fato, constituíam-se em fantasias, porém fantasias de natureza sexual. Freud (1905), então, deslocou a ênfase nos traumas infantis para fantasias infantis como responsáveis pela formação dos sintomas histéricos e pas-sou a interrogar-se sobre a tese de que a sexualidade hu-mana só se constitui na puberdade.

Estas investigações e outras descobertas encaminha-ram Freud (1905) a investigar a sexualidade na infância, im-portante aspecto da sua teoria e que trouxe mudanças na concepção do desenvolvimento infantil. A descoberta da se-xualidade infantil foi compreendida, no início do século XX, como uma profanação da inocência da criança. Segundo o autor, a vida sexual das crianças é diferente da do adulto. Os estudos apontaram que, ao longo do nosso desenvolvimento, os objetos que são o foco e o modo da gratificação mudam, mas em determinados períodos da vida a energia da pulsão estará concentrada em determinadas partes do corpo (zonas erógenas). As mudanças no modo de gratificação, associadas com diferentes zonas erógenas, definem as fases do desen-volvimento. Estas fases refletem diferenças na expressão da energia da pulsão (sexual) e são definidas como fases psicos-sexuais do desenvolvimento. Freud (1940) descobriu que es-ses fenômenos que surgem na tenra infância fazem parte de um curso ordenado de desenvolvimento.

Vamos ler, a seguir, um trecho da obra de Freud (1940, p. 179-180) em que é analisado o desenvolvimento da função sexual.

o primeiro órgão a surgir como zona

erógena e a fazer exigências libidinais

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à mente, da época do nascimento em

diante, é a boca. inicialmente, toda a

atividade psíquica se concentra em for-

necer satisfação às necessidades dessa

zona. Primariamente, é natural, essa

satisfação está a serviço da autopre-

servação, mediante a nutrição; mas a

fisiologia não deve ser confundida com

a psicologia. a obstinada persistência

do bebê em sugar dá prova, em estágio

precoce, de uma necessidade de satisfa-

ção que, embora se origine da ingestão

da nutrição e seja por ela instingada,

esforça-se, todavia por obter prazer

independentemente da nutrição e, por

essa razão, pode e deve ser denominada

sexual.

Durante essa fase oral, já ocorrem es-

poradicamente impulsos sádicos, junta-

mente com o aparecimento dos dentes.

sua amplitude é muito maior na segun-

da fase, que descrevemos como anal-sá-

dica, por ser a satisfação então procura-

da na agressão e na função excretória.

nossa justificativa para incluir na libi-

do os impulsos agressivos baseia-se na

opinião de que o sadismo constitui uma

fusão instintiva de impulsos puramen-

te libidinais e puramente destrutivos,

fusão que, doravante, persiste ininter-

ruptamente.

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a terceira fase é a conhecida como fáli-

ca, que é, por assim dizer, uma precur-

sora da forma final assumida pela vida

sexual e já assemelha muito a ela. É de

se notar que não são os órgãos genitais

de ambos os sexos que desempenham

papel nessa fase, mas apenas o mascu-

lino (o falo). os órgãos genitais femi-

ninos por muito tempo permanecem

desconhecidos[...] com a fase fálica, e

ao longo dela, a sexualidade da tenra

infância atinge seu apogeu e aproxima-

-se da dissolução. a partir daí meninos

e meninas têm histórias diferentes.

ambos começaram a colocar sua ativi-

dade intelectual a serviço de pesquisas

sexuais; ambos partem da premissa da

presença universal do pênis. mas agora

os caminhos do sexo divergem. o me-

nino ingressa na vida edipiana; começa

manipular o pênis e, simultaneamente,

tem fantasias de executar algum tipo de

atividade com ele em relação à sua mãe,

até que, devido ao efeito combinado de

uma ameaça de castração e da visão da

ausência de pênis nas pessoas do sexo

feminino, vivência o maior trauma de

sua vida e este dá início ao período de

latência, com todas as suas conseqüên-

cias. a menina depois de tentar em vão

fazer as mesmas coisas que o menino,

vem a reconhecer sua falta de pênis ou,

antes, a inferioridade de seu clitóris,

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com efeitos permanentes sobre o desen-

volvimento do seu caráter; como resul-

tante deste primeiro desapontamento

em rivalidade, ela com freqüência co-

meça a voltar as costas inteiramente à

vida sexual.

Depreendemos, com o autor, que essas fases do desen-volvimento psicossexual - oral, anal, fálica e período de latên-cia - são importantes para a compreensão da personalidade. Percebemos, com o autor, que a energia das pulsões sexuais (libido) vai se organizando em torno do corpo e em cada mo-mento do desenvolvimento direciona-se a uma zona erógena particular. As inibições, em uma das fases, podem manifes-tar-se como distúrbios na vida adulta, por isso, a etiologia dos distúrbios precisa ser procurada na história do desenvol-vimento do indivíduo. Para Freud (1940), essas fases não se sucedem de forma clara, podem sobrepor-se e podem estar presentes lado a lado. A organização completa só se conclui na puberdade, na fase genital.

Autores, como a psicanalista Nancy Chodorow (2002), criticam os conceitos freudianos, como a análise da diferença anatômica entre os sexos a partir de pressupostos culturais patriarcais, que igualam a diferença entre homens e mulhe-res, associando-os a relações de superioridade e inferiorida-de. Expõem, assim, os preconceitos ideológicos da cultura patriarcal, a superior valoração do órgão genital masculino e a construção de explicações científicas a partir de relatos de fantasias dos(as) pacientes.

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(2.8)

O aparelho psíquico

No texto “A Interpretação dos Sonhos” (1900), Freud (1900) analisa que os processos do sonho permitem compre-ender as formações do inconsciente. Nesse texto é apresenta-da a primeira concepção sobre a estrutura e funcionamento do aparelho psíquico, que é constituída por três sistemas: in-consciente, pré-consciente e consciente.

� O inconsciente é constituído por conteúdos recalca-dos que não têm acesso aos sistemas pré-consciente e consciente.

� O pré-consciente é formado por conteúdos que não estão acessíveis à consciência.

� Designa o que está implicitamente presente na ati-vidade mental, sem se situar, por isso, como objeto de consciência. Definido como descritivamente incons-ciente, mas acessível à consciência. (LAPLANCHE; PONTALIS, 1988)

� O consciente é o sistema que recebe as informações do mundo exterior e as provenientes do interior. Para Laplanche e Pontalis (1988, p. 135) “é qualidade mo-mentânea que caracteriza as percepções externas e in-ternas no meio do conjunto dos fenômenos psíquicos”.

Posteriormente, Freud (1923) elabora uma outra concep-ção sobre o aparelho psíquico, dividindo-o em 3 sistemas: Ego, regido pelo princípio da realidade, é regulador, orientado para o

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mundo externo; Id, reservatório das pulsões e regido pelo “prin-cípio do prazer”, princípio que impulsiona a buscar o prazer mediante a descarga de excitação; e Superego, que representa a consciência social e moral interiorizada pela pessoa. Laplanche e Pontalis (1988) analisam que Freud aponta como funções do superego a consciência moral, formação de ideais, a auto-obser-vação. Herdeiro do complexo de Édipo, o superego constitui-se por interiorização das exigências e interdições parentais.

Esses sistemas não são separados, o ego e o superego têm partes inconscientes também, e são constituídos pelas his-tórias de vida, pelas experiências pessoais e particulares; pois, com a Psicanálise, entendemos que o sujeito é um ser singular que participa das relações interpessoais, ocupa um lugar e faz laços sociais. Compreendemos, ainda, que o ser humano cons-titui-se na relação com o outro sujeito que lhe fornece os ele-mentos para que ocorra a inserção no campo da cultura, insti-tuído como lugar de troca, convivência e intercâmbios sociais.

Vamos analisar uma outra importante teoria.

(2.9)

Psicologia sócio-histórica

A Psicologia sócio-histórica estuda os fenômenos psi-cológicos (experiência pessoal) como construções históricas e sociais. Bock, Furtado e Teixeira (2008) analisam que a experi-ência pessoal do ser humano não pertence à natureza huma-na, pois a natureza humana, como uma essência pronta, abs-trata, eterna e universal, não existe. O que há é uma condição

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que é construída nas relações sociais.

Esta psicologia é fundamentada nos estudos de Vi-gotski que enfatizava que o desenvolvimento humano tem sua raiz na sociedade e na cultura. Destacando as origens so-ciais da linguagem e do pensamento, propôs que as funções psicológicas superiores precisariam ser compreendidas à luz da teoria marxista da sociedade humana.

Vigotski iniciou sua carreira como psicólogo após a Revolução Russa de 1917. Predominavam, neste período, as produções teóricas de Wilhem Wundt, fundador da Psicolo-gia Experimental, e W. James, representante do pragmatismo americano. Pavlov e Watson, expoentes da Psicologia Com-portamental, e Kohler, Koffka e Kurt Lewin, fundadores do movimento da Gestalt na Psicologia, foram seus contemporâ-neos (VIGOTSKI, 1998).

Para o autor, nenhuma das escolas de psicologia for-necia as bases firmes necessárias para o estabelecimento de uma teoria unificada dos processos psicológicos humanos. Ele se referia a uma crise na psicologia, impondo-se a tarefa de elaborar uma síntese das concepções antagônicas, em ba-ses teóricas completamente novas.

Cole e Scriber (1998, p. 7) esclarecem que:

Para os gestaltistas contemporâneos de

Vigotski, a existência da crise devia-se

ao fato de que as teorias existentes (fun-

damentalmente behavioristas de Wun-

dt e Watson) não conseguiram, sob seu

ponto de vista, explicar os comporta-

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mentos complexos como a percepção e a

solução de problemas. Para Vigotski, no

entanto, a raiz da crise era muito mais

profunda. Ele partilhava da insatisfa-

ção dos psicólogos da Gestalt para com

a análise psicológica que começou por

reduzir todos os fenômenos a um con-

junto de “átomos” psicológicos. mas,

ao mesmo tempo, ele sentia que os ges-

taltistas não eram capazes de, a partir

da descrição de fenômenos complexos,

ir além, no sentido de sua explicação

[...]. o que Vigostki procurou foi uma

abordagem abrangente que possibilitas-

se a descrição e a explicação das fun-

ções psicológicas superiores, em termos

aceitáveis para as ciências naturais.

Vigotski criticou as teorias que afirmam que as fun-ções intelectuais resultam dos processos maturacionais, ou seja, estão pré-formadas na criança. Ele criticou severamente as teorias que postulam que a compreensão das funções psi-cológicas superiores humanas poderia ser feita através dos princípios da Psicologia Comportamental.

Vigostki (1998) compreendia a sua teoria como aplicação do materialismo histórico e dialético marxista. A psicologia, para Vigostki, tinha como princípio que todos os fenômenos de-veriam ser estudados como processos em movimento e em mu-dança, pois, de acordo com a teoria marxista, as mudanças his-tóricas da sociedade e na vida material produzem mudanças na natureza humana, ou seja, na consciência e no comportamento.

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Vamos, então, conhecer mais sobre Vigostki (1998):

Lev semionovich Vigotski nasceu em

orsha, uma pequena cidade na Bielo

rússia, em 17 de novembro de 1896.

mudou-se para Gomel, outra cidade

deste país, onde viveu por um longo

tempo. sua família era de origem judai-

ca e o ambiente familiar lhe propiciava

grandes condições de desenvolvimen-

to intelectual, visto que tanto seu pai

como sua mãe eram pessoas cultas, que

lhe oportunizaram uma educação am-

pla e consistente. até completar seus 15

anos, a educação de Vigotski processou-

-se em casa, mediante os ensinamentos

de tutores particulares e desde cedo ele

já demonstrava grande interesse e de-

dicação aos estudos. conhecia várias

línguas e, portanto, teve acesso preco-

cemente a tudo que era produzido em

outros países. aos 17 anos completou o

curso secundário e desde já recebeu me-

dalha por seu ótimo desempenho. Estu-

dou Direito e Literatura em moscou

ao mesmo tempo em que frequentava o

curso de História e Filosofia na univer-

sidade Popular de shanyavskii. Pouco

tempo depois, Vigotski interessou-se

pelo desenvolvimento psicológico, em

especial, pelo desenvolvimento humano

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em pessoas que apresentavam algum

tipo de deficiência. Este fato lhe fez se

aproximar da medicina, logo, sua pro-

dução acadêmica transitava, dentre ou-

tros campos do saber, pela arte, antro-

pologia, filosofia, psicologia, linguística

e até medicina. Vigotski chegou a ser

convidado para assumir a direção do

departamento de psicologia no institu-

to soviético de medicina Experimental

(ViGotsKi, 1998, p.22).

Vigostki (1998) viveu até seus 37 anos, pois teve sua vida abreviada pela tuberculose. Para o autor, o indivíduo in-ternaliza elementos da cultura, os quais passam a fazer parte da natureza humana. Vigotski (1998) afirma, no livro A for-mação social da mente, que

[...] a internalização das atividades so-

cialmente enraizadas e historicamente

desenvolvidas constitui o aspecto ca-

racterístico da psicologia humana; é a

base do salto qualitativo da psicologia

animal para a psicologia humana. (Vi-

GotsKi, 1998, p. 76)

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(2.10)

O ser humano é um ser social e histórico

Para a Psicologia sócio-histórica, explicam Bock, Fur-tado e Teixeira (2008), sujeito e mundo são criados no mesmo processo, complementam-se e referem-se um ao outro. Desse modo, não há como compreender o ser humano sem conhecer o seu mundo social, que contempla as formas de relação, de produção da sobrevivência, os valores sociais e os diferentes modos de ser de cada um.

O acesso que cada pessoa tem à cultura, ou seja, todas as coisas materiais e intelectuais criadas ao longo da história diferem entre os grupos sociais e marcam a construção das subjetividades.

O ser humano está em permanente estado de movi-mento e mudança dos processos psicológicos, que estão na dependência do domínio dos meios culturais externos ou pela via do aperfeiçoamento interno das próprias funções psicológicas (atenção voluntária, memória, pensamento abs-trato, entre outros). A atenção aos movimentos da história social e individual é necessária para a compreensão do ser humano (VIGOSTKI, 1998).

A psicologia busca, então, compreender o indivíduo nas suas relações e vínculos sociais, como ser determinado histórica e socialmente. Procura conhecer o ser humano na sua inserção social em um dado momento histórico, identifi-

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cando as determinações, o modo como essas experiências são interpretadas pelos sujeitos (BOCK, FURTADO E TEIXEIRA, 2008). A atividade, a consciência, a identidade, a linguagem, o sentido e o significado constituem-se categorias de análise da psicologia para compreender o ser humano.

A identidade, a consciência e a atividade constituem aspectos importantes para a compreensão da constituição subjetiva do ser humano. Sobre identidade e subjetividade, importantes conceitos desta teoria, analisaremos de modo mais aprofundado na próxima aula.

síntEsE

Nesta aula, compreendemos que existem diferentes te-orias que, a partir de fundamentos filosóficos, sociais e políti-cos, elaboraram conceitos para compreender o ser humano. A partir de conceitos das Teorias psicológicas como o Behavio-rismo, a Gestalt, a Psicanálise e a Psicologia sócio-histórica, analisamos as suas contribuições para os estudos sobre à complexidade que é o ser humano.

QuEstão Para rEFLEXão

Como as teorias percebem o ser humano? Quais os principais conceitos?

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rEFErÊncias

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SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S. História da psicologia moder-na. São Paulo: Cultix, 1992.

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VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvi-mento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Mar-tins Fontes, 1998.

( 3 )

A construção social do ser humano: subjetividade e identidades

À duração da minha existência

dou uma significação oculta que

me ultrapassa. sou um ser conco-

mitante: reúno em mim o tempo

passado, o presente e o futuro, o

tempo que lateja no tique-taque

dos relógios.

Clarice Linspector

Nesta unidade, analisaremos os aspectos da construção da subjetividade, das identidades e sua impor-tância nas relações sociais.

A identidade é um tema multidisciplinar da Filosofia, Antropologia, Sociologia, Psicologia e outras áreas. Apre-ende-se o conceito através da análise das condições de vida historicamente construídas de um sujeito e não através do es-tudo das singularidades da alma ou no arcabouço biológico.

Propomos, nesta unidade, algumas reflexões acerca da construção do conceito das subjetividades e identidades do ser humano e, em especial, as motivações psicológicas que ensejam a realização das suas ações.

Vamos refletir sobre as questões:

� Como homens e mulheres investem continuamente em assumir características e traços considerados ine-rentes à constituição do ser?

� Por que este tema é importante para o estudo das re-lações sociais?

Cláudia Vaz Torres

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� Importa, para você, a identidade do outro?

� Você sabe conceituar identidade? E subjetividade?

Existe uma tensão constante do termo identidade com o termo subjetividade. Woodward (2000, p. 55) esclarece que os termos “identidade” e “subjetividade” são, às vezes, utili-zados de forma intercambiável.

Existe, na verdade, uma considerável

sobreposição entre os dois. subjetivi-

dade sugere a compreensão que temos

sobre o nosso eu. o termo envolve os

pensamentos e as emoções inconscien-

tes que constituem nossas concepções

sobre ‘quem somos nós’. a subjetivida-

de envolve nossos sentimentos e pensa-

mentos mais pessoais. Entretanto, nós

vivemos nossa subjetividade em um

contexto social no qual a linguagem e

a cultura fornecem elementos para a

construção do significado sobre a ex-

periência que temos de nós mesmos e

no qual nós construímos e adotamos

identidades.

Depreendemos que os conceitos de identidade e sub-jetividade tencionam entre si porque envolvem discussões sobre a subjetividade individual e coletiva, a historicidade, as interações sociais, a dependência do outro como constituinte da subjetividade e os processos de individuação. As tensões,

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também, revelam a dificuldade de exprimir conceitualmente as suas complexidades.

A subjetividade pode ser compreendida como o que constitui o nosso modo de ser, envolve a maneira de pensar, sentir, agir, etc. E a identidade é o modo como nos apresenta-mos ao mundo e somos reconhecidos. As pessoas vão se cons-tituindo umas às outras, ao mesmo tempo em que constituem um universo de significações que as constitui. As identidades envolvem a articulação de várias personagens, articulação de igualdades e diferenças atravessada por uma história pessoal.

(3.1)

Construindo um conceito de identidade

Como se constroem as nossas identidades?

Reflita sobre a questão a partir dos vídeos:

Identidade de Fernando Meireles disponível em http://www.youtube.

com/watch?v=yKG8no8OKDg

e Identidade cultural na pós- modernidade disponível em http://www.

youtube.com/watch?v=x4mwIWTEdC8

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Para construir o conceito de identidade, é necessário que se façam opções epistemológicas, metodológicas e políti-cas, pois existem diferentes formas de pensar sobre qualquer conceito. Para os propósitos deste estudo, constitui-se pressu-posto fundamental a ideia de identidade como uma constru-ção social, superando aquele que a apresenta como uma enti-dade fixa e imutável, destacando o caráter ativo do indivíduo no contexto sócio-histórico de sua vida.

Nesse sentido, fazemos uma incursão pelos trabalhos de Ciampa (1987), Hall (2001), Woodward (2000), entre outros, que permitem a construção de saberes necessários para a compreensão do processo de constituição da identidade.

O termo identidade remete ao que é idêntico, ao que torna os indivíduos iguais aos demais, mas também ao conjunto de caracteres que possuem e que os tornam di-ferentes e únicos. Ao mesmo tempo em que se representa semelhante ao outro por pertencer à determinada classe, raça ou categoria, o indivíduo percebe-se como um ser úni-co a partir de um conjunto de traços que o diferenciam e o distinguem por algo que ele não é.

Para Ciampa (1986), a criança antes de nascer já é repre-sentada como filho de alguém e essa representação prévia a constitui efetivamente e objetivamente como filho e membro de uma determinada família. Posteriormente, essa represen-tação é interiorizada pelo indivíduo e reafirma-se à medida que as relações nas quais estiver envolvido confirmarem essa representação, através de comportamentos e discursos que reforcem a sua identificação com o fazer do pai e/ou mãe e com tudo que envolve a dinâmica familiar.

A identidade de um sujeito não é fixa, permanente, es-

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tável, ela está em constante processo de transformação.

Confere-se, ainda, importância ao conceito de identi-dade ao longo da história.

(3.2)

O conceito de identidade na história

Em diferentes períodos históricos, o conceito de iden-tidade tem variado de importância. Segundo Gaarder (1995), um dos maiores filósofos da Antiguidade, Sócrates (469-399 a.C.), acreditava que a identidade humana busca o saber es-sencial da realidade e não apenas o conhecimento do que pode ser útil às suas necessidades. O acesso ao que é essen-cial, na realidade, para Sócrates, não poderia ser conseguido sem a busca do conhecimento e o reconhecimento de que o homem é capaz de realizar o desejo de conhecer e de se asso-ciar às diferentes realidades de seu dia a dia. Para Sócrates, explica Gaarder (1995), era importante encontrar um alicerce seguro para o conhecimento. Ele acreditava que esse alicerce estava na razão humana. Através da razão, do ato de conhe-cer, a identidade humana experimentava um comum-perten-cer à realidade. A realidade, assim, era compreendida pelo homem através das sensações. Estas conformam um saber útil, constituído pelos sentidos e também pelo conhecimento e pelo discurso, com a função de entrelaçar o homem à sua realidade.

Posteriormente, o homem passou a incumbir-se da ta-

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refa de construir sistemas de ideias com os quais julgaria e atribuiria um valor à realidade. Para Platão (427-347 a.C.), o mundo material torna-se compreensível através das hipóte-ses das ideias, realidades invisíveis, incorpóreas, perfeitas e imutáveis. As ideias são modelos ideais a serem buscados e copiados de modo imperfeito e transitório. Para o filósofo, a identidade humana sempre esteve e está na clareira das ideias, o que a torna capaz de recordá-las, através das sensações do corpo. Assim, em Fédon, Platão (1983, p. 115) explicava:

uma vez evidenciado que a alma é

imortal, não existirá para ela nenhuma

fuga possível a seus males, nenhuma

salvação, a não ser tornando-se melhor

e mais sábia. a alma, com efeito, nada

tem consigo, quando chega ao Hades,

do que sua formação moral e seu regi-

me de vida.

A alma, neste sentido, é a possibilidade da relação en-tre a natureza e a sociedade, e a identidade humana passa a ser associada ao Ser.

Na Idade Média, a identidade humana já não era mais entendida à luz das ideias, mas de acordo com os preceitos da fé cristã. Para os teólogos, o que importava era unir o homem a Deus através da crença.

A fé cristã referida era, então, enunciada através de um discurso teológico que se servia do conhecimento filosófico

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da época e praticada para assegurar ao homem o seu perten-cimento a Deus. A existência, os desejos e as necessidades do homem não interessavam à teologia medieval; o importante era que o homem se aproximasse do divino. Santo Agostinho (354-430), um dos maiores teólogos da Idade Média, acredi-tava que toda a existência humana é de natureza divina. No cerne da antropologia agostiniana, Deus é a bondade absolu-ta, e o homem, um miserável condenado ao inferno, só obten-do salvação mediante a graça divina.

No fim da Idade Média e no início do Renascimento e da Reforma, importantes transformações ocorridas nos sécu-los XV e XVI marcam uma mudança na concepção da identi-dade, que passou a ser compreendida não mais ancorada nas sensações ou na fé, mas na autonomia e liberdade de pensa-mento e crença. Assim, o início da Modernidade é geralmente interpretado dentro de um pensar cartesiano: “Penso, logo existo!”, principalmente no que tange ao exercício da razão. Deste modo, o homem tomou para si a necessidade de estabe-lecer o eixo da sua existência e elevar-se a um nível superior para tornar-se ser humano. O distanciamento das concepções reinantes da Idade Média, em que todos os aspectos da vida humana estavam atrelados a Deus, possibilitou que o homem voltasse a ocupar o centro de tudo. A égide deste movimento, segundo Gaarder (1995, p. 216), era a seguinte: “De volta às fontes”. E a principal fonte era o humanismo da Antiguida-de. Deste modo, a maior contribuição do Renascimento foi a abertura para uma nova visão de homem, cuja existência não estava presa ao divino.

Sobre a posição ocupada pelo homem nesse momento, Gaarder (1995, p. 219) declara:

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o homem não existia apenas para ser-

vir a Deus, mas também para ser ele

próprio. Por esta razão, o homem podia

desfrutar aqui e agora de sua própria

vida. E se o homem podia se desenvol-

ver livremente, ele tinha possibilidades

ilimitadas. seu objetivo era ultrapassar

todas as fronteiras.

O famoso homem vitruvianoFonte: Banco de dados ThinkStock

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Conhecer não era compreender a essência, mas as re-lações do objeto com o contexto através de estruturas mate-máticas quantitativas. A contemplação cedeu lugar à mani-pulação; os sistemas hierárquicos sucumbiram à relatividade; o mundo empírico abriu espaço para o conhecimento prove-niente da razão. Deste modo, não se pode refletir sobre o con-ceito de identidade sem o apoio da Filosofia, da Antropologia, da Sociologia e da Psicologia. Expressões distintas – como imagem, representação e conceito de si, que se referem a um conjunto de traços, imagens e sentimentos que o indivíduo reconhece como fazendo parte dele próprio – são empre-gadas, fazendo referência ao conceito de identidade. Como enuncia Jacques (1998, p. 160):

a identidade pode ser representada

pelo nome, pelo prenome eu ou por

outras predicações como aquelas refe-

rentes ao papel social. no entanto, a re-

presentação de si através da qual é pos-

sível apreender a identidade é sempre

a representação de um objeto ausente

(o si mesmo). sob este ponto de vista,

a identidade se refere a um conjunto de

representações que responde a pergun-

ta ‘quem és’.

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(3.3)

“Quem eu sou?” Responder à pergunta “quem eu sou” implica, para o

indivíduo, tornar claro o modo como está inserido no mundo social, a atividade produtiva que se presentifica como atribu-to do eu e as relações sociais estabelecidas.

Percebe o quanto estas questões são importantes?

Então: Quem és? O que faz?

Para a Psicologia Sócio-Histórica, que tem como re-ferência a Psicologia Histórica Cultural, o entendimento de como as identidades se constituem não pode prescindir de levar em conta as condições históricas, sociais e econômicas nas quais o homem está inserido, a compreensão de que a identidade não é preexistente ao homem e que a análise do “mundo interno” exige a análise do “mundo externo”, que es-tão em movimento contínuo de construção e desconstrução.

O mundo interno dos seres humanos não pode ser en-tendido descolado da realidade, que inclui aspectos impor-tantes, como o trabalho social e a atividade humana, carac-terística que promove a divisão das funções e origina novas formas de comportamento, bem como o uso de ferramentas e o aparecimento da linguagem.

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A linguagem é um sistema de códigos e um recurso que permite a abstração, a generalização, o pensamento, a imaginação, a criatividade, a reestruturação emocional e a construção da subjetividade. Não se pode estudar o mundo interno do ser humano sem levar em conta esses aspectos: o trabalho, o uso de ferramentas, a linguagem e a atividade consciente entendidos não de modos justapostos, mas como presenças que caracterizam uma unidade.

Antônio Ciampa (1987), psicólogo social que desenvol-veu uma concepção psicossocial da identidade, explica que ela aparece como um processo, sem características de perma-nência ou independência entre os elementos biológicos, psi-cológicos e sociais que a constituem.

Para Ciampa (1987, p. 152): “A identidade de uma pes-soa é um fenômeno social e não natural.” É, então, um pro-cesso em constante movimento dialético, construído pela atividade e ação do sujeito. O autor citado emprega o termo “metamorfose” como possibilidade de transformação e supe-ração da identidade pressuposta, para expressar este movi-mento em que é preciso articular estabilidade/transformação, como também a dicotomia do igual e do diferente.

uma identidade nos aparece como

uma articulação de várias persona-

gens, articulação de igualdades e di-

ferenças, constituindo, e constituída

por uma história pessoal. (ciamPa,

1987, p.157).

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A identidade que um indivíduo assume em determi-nado momento da sua existência é o desdobramento das múltiplas determinações a que está sujeito. Há, como diz Ciampa (1987), uma rede intricada de relações, em que cada identidade reflete outra identidade, sem que se possa esta-belecer um fio condutor para se alcançar um fundamento originário para cada uma delas.

O conceito de identidade proposto por Bock, Furta-do e Teixeira (1993) tem que ser pensado na sua implica-ção com a realidade social, que constitui a história de vida do sujeito e lhe dá sentido. As experiências concretas que o sujeito vivencia em determinada época, cultura, classe social, grupo étnico, grupo religioso, etc., exercem grande influência sobre a formação do ser.

A identidade é resultante de toda uma vida real e de todo um conjunto de condições materiais experienciadas. “A identidade é a síntese pessoal sobre si mesmo, incluindo da-dos pessoais, biografia e atributos que os outros lhe confe-rem” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1993, p. 145). Nesse con-ceito está implícita a ideia de singularidade, da construção de uma representação de si no confronto com o outro, através da dinâmica das relações. Há, então, um processar contínuo na construção e definição de si mesmo. Do mesmo modo, na sociedade moderna, não há espaço para uma identidade bem definida e localizada no mundo social e cultural em que o homem possa ser pensado como um conjunto de papéis, ati-tudes, valores, etc., distanciado da sua realidade.

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Leia o poema de Carlos Drummond de Andrade e reflita sobre o que estamos tratando:

Eu, etiqueta

Em minha calça está grudado um nome

Que não é meu de batismo ou de cartório

um nome... estranho

meu blusão traz lembrete de bebida

Que jamais pus na boca, nessa vida,

Em minha camiseta, a marca de cigarro

Que não fumo, até hoje não fumei.

minhas meias falam de produtos

Que nunca experimentei

mas são comunicados a meus pés.

meu tênis é proclama colorido

De alguma coisa não provada

Por este provador de longa idade.

meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,

minha gravata e cinto e escova e pente,

meu copo, minha xícara,

minha toalha de banho e sabonete,

meu isso, meu aquilo.

Desde a cabeça ao bico dos sapatos,

são mensagens,

Letras falantes,

Gritos visuais,

ordens de uso, abuso, reincidências.

costume, hábito, premência,

indispensabilidade,

E fazem de mim home

-anúncio itinerante,

Escravo da matéria anunciada.

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Estou, estou na moda.

É duro andar na moda, ainda que a moda

seja negar minha identidade,

trocá-lo por mil, açambarcando

todas as marcas registradas,

todos os logotipos do mercado

com que inocência demito-me de ser

Eu que antes era e me sabia

tão diverso de outros, tão mim mesmo

[...]

onde terei jogado fora

meu gosto e capacidade de escolher,

minhas idiossincrasias tão pessoais,

tão minhas que no rosto se espelhavam

E cada gesto, cada olhar,

cada vinco da roupa

sou gravado de forma universal,

[...]

Por me ostentar assim, tão orgulhoso

De ser não eu, mar artigo industrial,

Peço que meu nome retifiquem.

Já não me convém o título de homem.

meu nome novo é coisa.

Eu sou a coisa, coisamente.

.

Fonte: http://www.pensador.info/p/eu_etiqueta_-_carlos_drumond_de_andrade/1/

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(3.4)

Identidade...mais contribuições

Outro teórico que desenvolve uma reflexão sobre a questão da identidade cultural na modernidade é Stuart Hall (2001). Para ele, as identidades existentes num mundo que se intitula pós-moderno, que tem como base uma sociedade in-formatizada e pós-industrial, em que não existem “grandes narrativas” como o discurso iluminista, que pregava a eman-cipação pela revolução ou pelo saber para fundar a ciência, se inserem em sociedades que têm como preocupação central a extinção de fronteiras, nas quais predominam o hedonismo, o consumismo exagerado e estruturas psíquicas narcisistas que valorizam a estética e encontram-se distanciadas ou es-vaziadas das demais subjetividades. Estas características pro-movem o descentramento, o deslocamento e a fragmentação pela perda de um sentido de si estável e permanente. Neste sentido, Hall (2001) propõe a distinção de diferentes concep-ções de identidade: a do sujeito do Iluminismo, a da Sociolo-gia e a que enfatiza o caráter de mudança na construção da identidade do sujeito pós-moderno.

Segundo esse autor, de acordo com a concepção de su-jeito, centrado na racionalidade e libertado dos dogmas reli-giosos, própria do sujeito do Iluminismo, o indivíduo nascia e permanecia idêntico ao longo de toda a existência. A razão, a consciência e a ação predominavam. A identidade era fixa, havia uma identidade verdadeira que era um apelo à existên-cia do sujeito. Para o Iluminismo, o homem era um ser perfec-tível, com condições de libertar-se dos medos e preconceitos através do conhecimento que advém das ciências, da políti-

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ca, das artes e da doutrina jurídica, áreas que expressavam o grau de progresso de uma civilização. O instrumento do Iluminismo era a consciência individual e autônoma que pos-sibilitava ao homem a libertação da ignorância e dos medos. Também o controle sobre si mesmo, que advém da racionali-dade, era condição de fundamental importância para a for-mação pessoal (TORRES, 2003).

Do ponto vista sociológico, a identidade tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”. Este núcleo forma-se e se modifica num diálogo contínuo com o outro e com o mundo. “A identidade, então, costura o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizí-veis” (HALL, 2001, p. 12). Para a Sociologia, tudo o que está ocorrendo com o sujeito, num dado momento, como a sua his-tória, os tencionamentos, os conflitos e as crises existentes no mundo, está presente na construção da sua identidade.

Para refletir:

Há possibilidade de existirem identidades contraditórias? Há

uma identidade mestra? É possível ser “isso” e “aquilo”?

Mudanças estruturais e institucionais ocasionaram a perda da estabilidade, do centramento e da unificação da identidade com as “necessidades” objetivas da cultura, pro-duzindo o sujeito pós-moderno que não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente.

Os sujeitos passam a assumir identidades conforme são representados ou interpelados pela família, pela escola, pelo trabalho e pelos diversos sistemas sociais e culturais em que estão inseridos. Não há garantia da posição de identidade

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que o sujeito quer assumir, em consequência dos diversos ape-los feitos por outras identidades envolvidas e das negociações e conflitos que são travados. Assim, Hall (2001, p. 13) explica que há possibilidade de existirem identidades contraditórias, que se cruzam e se deslocam mutuamente. Não há uma “iden-tidade mestra”. Por conseguinte, a análise dos determinantes centrais das posições sociais não pode ser simplificada, toman-do como causa, apenas, os fatores socioeconômicos. É preciso levar em conta, também, a raça, o gênero e a sexualidade, as-suntos que serão discutidos na próxima aula.

Todos esses aspectos, assim como as representações simbólicas e a linguagem, fornecem as condições para que as identidades existam e lhes conferem um sentido. Através das relações sociais e da apropriação da cultura, o homem de-senvolve um sentido pessoal, compreende as coisas que estão ao seu redor, compreende a si mesmo e aos outros. O caráter de mudança presente nas situações sociais, nas relações e na história de vida de cada um promove um ressignificar contí-nuo sobre a consciência que se tem de si mesmo. Desse modo, entende-se que o mundo social e as representações simbóli-cas referem-se a processos necessários para a construção e a manutenção das identidades.

(3.5)

“Somos sujeitos de muitas identidades”

A análise do posicionamento do sujeito frente a con-

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dições fundamentalmente diferentes e das motivações que determinam a preferência por algumas representações, em detrimento de outras, deve levar em conta os estudos da Psi-cologia Social, da Filosofia e da Psicanálise. Estas explicam que as identidades são produzidas em locais históricos, emer-gem de conflitos e negociações, resultam da marcação da di-ferença, da exclusão e distanciam-se da homogeneidade e da unificação. Conforme diz Louro (1999, p. 12): “Somos sujeitos de muitas identidades”. Essas identidades se apresentam de modo transitório e refletem os resultados das relações e em-bates entre o sujeito e os grupos.

Nesta análise, precisamos refletir, ainda, sobre os atri-butos sociais que são conferidos a uma pessoa, grupo ou povo, e que marca, cria lugares e posições cujo valor pode ser negativo ou positivo. Esses atributos são os estigmas que revelam a dificuldade do outro de lidar com as diferenças e que são perpetuadas na convivência social (BOCK; FURTA-DO; TEIXEIRA, 2008).

Portanto, na nossa sociedade, não há espaço para uma identidade bem definida e localizada no mundo social e cul-tural, em que o homem possa ser pensado como um conjunto de papéis, atitudes, valores, etc., e distanciado da sua realida-de. Peculiar é a paixão pelo efêmero, pela satisfação-insatis-fação com a imagem, pelas novas tecnologias, pelo consumo, pelo descartável. Sobre isso, concorda-se com Chauí (2001) ao admitir que o pós-modernismo é a ideologia que acompanha a nova forma de acumulação do capital, relega os conceitos que fundaram e orientaram a modernidade, como as ideias de racionalidade e universalidade, contrapõe necessidade com contingência e despreza as discussões sobre a relação entre sujeito e objeto.

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Portanto, na sociedade contemporânea, o individualis-mo e a fragmentação caracterizam a construção das identida-des de homens e mulheres, valorizando-se a imagem de pres-tígio, poder, sucesso, juventude e beleza e sua possibilidade de ser substituída a qualquer tempo para acompanhar os ru-mos do mercado como, também, privilegia-se a subjetividade fragmentada, conflituosa e insatisfeita.

De qualquer modo, é importante lembrar que a identi-dade permite uma relação com o outro, propicia o reconhe-cimento de si, cria e demarca lugares e posições que não são fixos, estão em constante mudança.

síntEsE

Nesta aula, analisamos os aspectos da construção da subjetividade, das identidades e sua importância nas relações sociais. Analisamos que a identidade de uma pessoa é um fe-nômeno social e não natural, é um processo em constante mo-vimento dialético, construído pela atividade e ação do sujeito. Na próxima aula, você continuará refletindo a dimensão sub-jetiva a partir de conceitos como raça, gênero e sexualidade.

QuEstão Para rEFLEXão

O que é subjetividade? Qual a importância do “outro” na construção da identidade?

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LEitura inDicaDa

EWALD, A.; SOARES, J. Identidade e subjetividade numa era de incertezas: estudos da Psicologia. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v12n1/a03v12n1.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2012.

sitEs inDicaDos

Assista aos vídeos que evidenciam as dimensões subjetivas no cotidiano e reflita sobre o conteúdo estudado.

Que beleza!

Ser bonito. Isso faz diferença? Alguém já disse que a beleza é fundamental. [...] Diariamente julgamos e somos julgados pela aparência. Os valores e sentimentos que dividem o mundo entre feios e belos são o tema desse programa.

Assista ao vídeo disponível em:

http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/videos_081030_0001.html

Preto no branco

Todos os brasileiros são iguais perante a lei. Mas será que todos os brasileiros se sentem iguais?

Assista ao vídeo disponível em:

http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/videos_081030_0001.html

Lugar comum

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Ter uma casa própria. Esse é o sonho de muita gente. Afinal, todo mundo quer ocupar um lugar no espaço. Mas de quanto espaço a gente realmente precisa?

Esse episódio mostra que a forma de criar e ocupar espaços faz parte da dimensão subjetiva.

Assista ao vídeo disponível em:

http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/videos_081030_0001.html

rEFErÊncias

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psico-logias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1993.

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PLATÃO. Diálogos. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

TORRES, C. R. V. Sobre gênero e identidade: algumas consi-derações teóricas. In: FAGUNDES, T. C. P. C. Ensaios sobre identidade e gênero. Salvador: Helvécia, 2003.

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução te-órica e conceitual. In: SILVA, T. T (Org.). Identidade e diferen-ça. Petrópolis: Vozes, 2000. p.7-72.

( 4 )

Ser Humano: discutindo relações raciais, gênero, sexualidade e

orientação sexual

as ideias preconcebidas, as

racionalizações com base em premissas

arbitrárias, a autojustificação frenética,

a incapacidade de autocriticar-se, os

raciocínios paranoicos, a arrogância,

a recusa, o desprezo, a fabricação e a

condenação de culpados são as causas e as

consequências das piores incompreensões

[...]. a ética da compreensão é a

arte de viver que nos demanda, em

primeiro lugar, compreender de modo

desinteressado. Demanda grande

esforço, pois não pode esperar nenhuma

reciprocidade (morin, 2011, p.85-86).

Esta unidade tem como objetivo refletir sobre temáticas de gênero, sexualidade e orientação sexual e relações raciais.

Como você analisa a citação de Edgar Morin?

Você concorda que a incompreensão entre as pessoas tem aumentado? Quais são as piores incompreensões?

O que você faz para compreender o outro?

Morin (2011, p. 81) evidencia, no seu livro Os sete Sa-beres necessários à Educação do futuro, que “há importantes e múltiplos progressos na compreensão, mas o avanço da in-compreensão parece ainda maior.”

Com o autor, entendemos que a compreensão entre as pessoas precisa ser ensinada como condição e garantia da so-lidariedade intelectual e moral da humanidade. Vamos dis-cutir mais essa questão a partir da leitura do texto a seguir:

Cláudia Vaz Torres

Olá!

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as duas compreensões

a comunicação não garante a com-

preensão.

a informação, se for bem transmitida

e compreendida, traz inteligibilidade,

condição primeira necessária, mas não

suficiente, para a compreensão.

Há duas formas de compreensão: a

compreensão intelectual ou objetiva e

a compreensão humana intersubjetiva.

compreender significa intelectualmente

apreender em conjunto, com-prehende-

re, abraçar junto (o texto e seu contexto,

as partes e o todo, o múltiplo e o uno).

a compreensão intelectual passa pela

inteligibilidade e pela explicação. [...] a

compreensão humana vai além da ex-

plicação. a explicação é bastante para a

compreensão intelectual ou objetiva das

coisas anônimas ou materiais. É insufi-

ciente para a compreensão humana.

Esta comporta um conhecimento de su-

jeito a sujeito. Por conseguinte, se vejo

uma criança chorando, vou compreen-

dê-la, não por medir o grau de salinida-

de de suas lágrimas, mas por buscar em

minhas aflições infantis, identificando-

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-a comigo e identificando-me com ela.

o outro não apenas é percebido objeti-

vamente, é percebido como outro sujei-

to com o qual nos identificamos e que

identificamos conosco, o ego alter que

se torna alter ego. compreender in-

clui, necessariamente, um processo de

empatia, de identificação e de projeção.

sempre intersubjetiva, a compreensão

pede abertura, simpatia e generosidade

(morin, 2011, p. 82).

Compreender, então, envolve apreender em conjunto o ser e o seu meio ambiente, à complexidade do ser humano com seus desejos, anseios, ideologias, orientações, isto é, to-das as condições do comportamento humano.

Para compreender o outro, é preciso a compreensão de si, com suas carências, seus sucessos e suas fragilidades. É preciso, ainda, lidar com os obstáculos intrínsecos à compre-ensão, a saber: o egocentrismo, o etnocentrismo, o sociocen-trismo e a indiferença. O etnocentrismo, que designa o sen-timento de superioridade que uma cultura tem em relação a outras culturas, e o sociocentrismo, que tem como caracte-rística situar-se no centro do mundo e considerar como se-cundário tudo que é estranho, conforme analisa Morin (2011), nutrem xenofobias e racismos e podem despojar o estranho, o estrangeiro da qualidade de ser humano.

Nos contextos escolares, de trabalho, de lazer, entre outros, são evidenciadas a diversidade e a heterogeneidade dos sujeitos que estão envolvidos em uma complexa rede de

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relações sociais e de poder. Há contextos em que predomi-nam o sexismo, o racismo, a homofobia e outras formas de violência, porém é preciso sempre explorar e incentivar as redes de compreensão e solidariedade entre todos e, prin-cipalmente, entre aqueles que vivenciam a exclusão social, racial, de gênero e de sexualidade.

O racismo é uma questão complexa, analisada por pesquisadores, que envolve tensões e cuidados. Diferen-tes concepções abordam a questão racial referindo-se a um comportamento, uma ação resultante da aversão ou do ódio em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, como cor da pele, tipo de ca-belo, etc., bem como a um conjunto de ideias e imagens re-ferentes aos grupos humanos que acreditam na supremacia de uma raça (GOMES, 2005).

O racismo é um comportamento social que se expres-sa, de modo individual, por meio de atos discriminatórios, como agressões e outras violências de indivíduo para indi-víduo e institucionais, quando há práticas discriminatórias sistemáticas que se manifestam pelo isolamento dos negros em bairros, escolas e empregos (GOMES, 2005).

No Brasil, a discussão sobre racismo, discriminação racial, democracia racial, enfim, sobre as relações raciais é marcada por divergências entre atores sociais, pesqui-sadores e militantes.

Nesta discussão, é importante destacar o Movimen-to Negro, que resgata a cultura afro-brasileira e denuncia a desigualdade e segregação racial que atinge a população negra, denuncia, ainda, a neutralidade do Estado diante da desigualdade racial e reivindica a adoção de políticas de ação

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afirmativa e inserção de ativistas nas administrações fede-rais, estaduais e municipais. O Movimento Negro desmisti-fica o mito da democracia racial no Brasil.

O Movimento Negro e outros pesquisadores, explica Gomes (2005), usam o termo raça baseados na dimensão so-cial e política do referido termo, e não mais como era origi-nalmente usado no século XIX, alicerçadas na ideia de raças superiores e inferiores. Utilizam, também, “[...] porque a dis-criminação racial e o racismo existentes na sociedade brasi-leira se dão não apenas devido aos aspetos culturais dos re-presentantes de diversos grupos étnico-raciais, mas também devido à relação que se faz na nossa sociedade entre esses e os aspectos físicos observáveis na estética corporal dos per-tencentes às mesmas” (GOMES, 2005, p. 45).

mas, você sabe quem é negro?

Essa difícil tarefa de identificar e definir quem é negro no Brasil é analisada pelo antropólogo Kabengele Munanga, professor-titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Leia um trecho da entrevista, a seguir:

EstuDos aVançaDos – Quem

é negro no Brasil? É um problema de

identidade ou de denominação?

Kabengele munanga – Parece simples

definir quem é negro no Brasil. mas,

num país que desenvolveu o desejo de

branqueamento, não é fácil apresentar

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uma definição de quem é negro ou não.

Há pessoas negras que introjetaram o

ideal de branqueamento e não se consi-

deram como negras. assim, a questão

da identidade do negro é um processo

doloroso. os conceitos de negro e de

branco têm um fundamento etno-se-

mântico, político e ideológico, mas não

um conteúdo biológico. Politicamente,

os que atuam nos movimentos negros

organizados qualificam como negra

qualquer pessoa que tenha essa aparên-

cia. É uma qualificação política que se

aproxima da definição norte-america-

na. nos Eua não existe pardo, mulato

ou mestiço e qualquer descendente de

negro pode simplesmente se apresentar

como negro. Portanto, por mais que te-

nha uma aparência de branco, a pessoa

pode se declarar como negro.

no contexto atual, no Brasil, a questão

é problemática, porque, quando se colo-

cam em foco políticas de ações afirma-

tivas – cotas, por exemplo –, o conceito

de negro torna-se complexo. Entra em

jogo também o conceito de afro-descen-

dente, forjado pelos próprios negros na

busca da unidade com os mestiços.

com os estudos da genética, por meio

da biologia molecular, mostrando que

muitos brasileiros aparentemente bran-

cos trazem marcadores genéticos afri-

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canos, cada um pode se dizer um afro-

-descendente. trata-se de uma decisão

política.

se um garoto, aparentemente branco,

declara-se como negro e reivindicar

seus direitos, num caso relacionado

com as cotas, não há como contestar.

o único jeito é submeter essa pessoa

a um teste de Dna. Porém, isso não é

aconselhável, porque, seguindo por tal

caminho, todos os brasileiros deverão

fazer testes. E o mesmo sucederia com

afro-descendentes que têm marcadores

genéticos europeus, porque muitos de

nossos mestiços são euro-descendentes.

(http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010340142004000100005&script=sci_arttext)

Sabemos que essa discussão é complexa e com muitas discordâncias, uma vez que envolve o conceito de identidade com todos os traços culturais, posições sociais, políticas e his-tóricas que marcam a nossa condição.

Os dados estatísticos produzidos pelo IBGE, através do Censo de 2010, indicam que mais pessoas estão se de-clarando pardas e negras.

negros e pardos – os dados trazem

ainda a informação de que há mais

pessoas se declarando pretas e pardas.

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Este grupo subiu para 43,1% e 7,6%,

respectivamente, na década de 2000,

enquanto, no censo anterior, era 38,4%

e 6,2% do total da população brasileira.

Já a população branca representava, em

2010, 47,7% do total; a população ama-

rela (oriental) 1,1% e, a indígena, 0,4%.

(iBGE, 2010)

Podemos agregar pretos e pardos para formar o grupo racial negro, uma vez que, analisa Santos (2002), o racismo no Brasil não faz uma distinção muito significa-tiva entre os grupos.

Na nossa sociedade, há uma negação do racismo e do preconceito racial, analisam militantes, mas os dados indi-cam que há discriminação e desigualdade racial quando é feita uma comparação com outros segmentos étnico-raciais.

Você se lembra da campanha nacional Diálogos contra o racismo: pela igualdade racial, que perguntava: “Onde você guarda o seu racismo?”

Assista aos vídeos:

Diálogos contra o racismo

http://www.youtube.com/watch?v=yX8Y6S1l8nw

http://www.youtube.com/watch?v=3YEx5O9SDK4

Então, responda: onde você guarda o seu racismo?

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Em 21 de março de 2003, Dia Internacional pela Eli-minação da Discriminação Racial, instituído pela Orga-nização das Nações Unidas, ampliou-se o debate sobre a igualdade racial e surgiu a Secretaria de Políticas de Pro-moção da Igualdade Racial.

Vamos conhecer os objetivos da Secretaria:

criada pela medida Provisória n° 111,

de 21 de março de 2003, convertida

na Lei 10.678, a secretaria de Políti-

cas de Promoção da igualdade racial

da Presidência da república nasce do

reconhecimento das lutas históricas do

movimento negro brasileiro. a data

é emblemática, pois em todo o mundo

celebra-se o Dia internacional pela Eli-

minação da Discriminação racial, ins-

tituído pela organização das nações

unidas (onu), em memória do mas-

sacre de shaperville. Em 21 de março

de 1960, 20.000 negros protestavam

contra a lei do passe, que os obrigava a

portar cartões de identificação, especi-

ficando os locais por onde eles podiam

circular. isso aconteceu na cidade de

Joanesburgo, na África do sul. mes-

mo sendo uma manifestação pacífica,

o exército atirou sobre a multidão e o

saldo da violência foram 69 mortos e

186 feridos.

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 Finalidades:

- Formulação, coordenação e articula-

ção de políticas e diretrizes para a pro-

moção da igualdade racial;

- Formulação, coordenação e avaliação

das políticas públicas afirmativas de

promoção da igualdade e da proteção

dos direitos de indivíduos e grupos ét-

nicos, com ênfase na população negra,

afetados por discriminação racial e de-

mais formas de intolerância;

- articulação, promoção e acompanha-

mento da execução dos programas de

cooperação com organismos nacionais

e internacionais, públicos e privados,

voltados à implementação da promoção

da igualdade racial;

- coordenação e acompanhamento das

políticas transversais de governo para

a promoção da igualdade racial;

- Planejamento, coordenação da execu-

ção e avaliação do Programa nacional

de ações afirmativas;

- acompanhamento da implementa-

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ção de legislação de ação afirmativa e

definição de ações públicas que visem

o cumprimento de acordos, convenções

e outros instrumentos congêneres assi-

nados pelo Brasil, nos aspectos relati-

vos à promoção da igualdade e combate

à discriminação racial ou étnica.

 Documento de referência

a sEPPir utiliza como referência

política o Estatuto da igualdade ra-

cial (Lei 12.288/2010), que orientou a

elaboração do Plano Plurianual (PPa

2012-2015), resultando na criação de

um programa específico intitulado

“Enfrentamento ao racismo e Pro-

moção da igualdade racial”. resultou

também na incorporação desses temas

em 25 outros programas, totalizando

121 metas, 87 iniciativas e 19 ações

orçamentárias, em diferentes áreas da

ação governamental.

Em 2003, foi sancionada a Lei nº 10639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96, e incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatorie-dade da temática História e Cultura Afro-brasileira. A Lei nº 10639 impulsionou a realização de programas e ações que re-forçassem o direito à diversidade étnico-racial nos currículos, políticas educacionais, programas de ensino, entre outros.

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com avanços e limites, a Lei 10.639/03

e suas Diretrizes curriculares na-

cionais para a Educação das relações

Étnico-raciais e para o Ensino da His-

tória afro-Brasileira e africana (Bra-

siL, 2004) possibilitaram uma inflexão

na educação brasileira. Elas fazem par-

te de uma modalidade de política até

então pouco adotada pelo Estado brasi-

leiro e pelo próprio mEc. são políticas

de ação afirmativa voltadas para a valo-

rização da identidade, da memória e da

cultura negras reivindicadas pelo mo-

vimento negro e demais movimentos

sociais partícipes da luta anti-racista.

[...]

É importante reconhecer que a Lei

10.639/03 e suas diretrizes represen-

tam a implementação de ações afirma-

tivas voltadas para a população negra

brasileira, as quais são (e devem ser!)

desenvolvidas juntamente com as po-

líticas públicas de caráter universal.

trata-se de uma demanda política do

movimento negro nos dias atuais e de

outros movimentos sociais partícipes

da luta anti-racista na construção da

democracia.

uma democracia que assuma o direito

à diversidade como parte constitutiva

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dos direitos sociais e assim equacione

de forma mais sistemática a diversida-

de étnico-racial, a igualdade e a equida-

de. (GomEs, 2011, s.p.)

Depreendemos, então, que a Lei nº 10.639/03 e suas di-retrizes representam a implementação de ações afirmativas para atender à população negra. O Movimento Negro, ao des-mistificar o mito da democracia racial no Brasil, posiciona-se contra o racismo e luta para que todos tenham condições dig-nas de vida e oportunidades iguais.

Vamos, então, refletir sobre outras temáticas, como o gênero, a sexualidade e a orientação sexual, que tam-bém produzem situações de exclusão. Será uma análise introdutória sobre os condicionantes de gênero, a sexua-lidade e a orientação sexual. Procure ampliar os estudos com as leituras indicadas.

(4.1)

O que é Gênero?

As relações, historicamente, definiram lugares sociais diferenciados para homens e mulheres. Tomando por base Scott (1992), que define gênero como um elemento constitu-tivo das relações sociais baseadas nas diferenças que distin-guem os sexos, ou nas diferenças percebidas entre os sexos, entende-se que as mulheres e os homens são tratados de modo

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diferente desde o seu nascimento, em consequência do sexo biológico. O meio social fornece e imprime significados dife-rentes para o comportamento de mulheres e homens que vão sendo introjetados e assumidos como naturais e pertencentes a um ou outro. Gênero é assim definido por Scott (1991, p. 4): “[...] é uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado.”

Quais são as categorias impostas aos gêneros masculi-no e feminino? São opostas, não são?

Vamos nos lembrar de algumas:

Homens: razão - mulheres: mais emoção

Homens: dominação - mulheres: submissão

Homens: público - mulheres: privado

Homens: fora - mulheres: dentro

O conceito de gênero permitiu o abandono das concep-ções biológicas e estigmatizantes e enriqueceu as discussões através da análise das contradições internas e das articula-ções da constituição do feminino e do masculino com o meio social, com todas as marcas da diversidade e da instabilidade.

Como analisa Guacira Louro (2003), as diferenças de gênero e sexualidade que são atribuídas às mulheres se ex-pressam materialmente nos seus corpos e nas suas vidas de modo concreto, ou seja, o significante de diferente é formado por representações e práticas sociais discursivas que demar-cam e atribuem sentidos aos corpos e às identidades.

Na cultura, mulheres e homens encontrarão elemen-

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tos que construirão as suas identidades. Há um investi-mento contínuo de um e outro, para assumirem os sinais considerados próprios na trajetória da constituição do ser homem e do ser mulher. A cultura atribui funções reais e simbólicas próprias de cada um, mas é no interior dos processos e estruturas psíquicas inconscientes que esses traços são internalizados, reelaborados, ressignificados e transformados em valores e atitudes.

(4.2)

Identidade de Gênero

O conceito de identidade de gênero é um importante aspecto a ser estudado no processo de construção da iden-tidade. A identidade não é construída da mesma forma por homens e mulheres. Cada um se apropria da realidade sim-bólica e sociocultural a partir da interpretação que faz da diferença anatômica entre os sexos. “O sexo é socialmente modelado”, diz Saffioti (1992, p.189). Pode-se nascer do sexo masculino e, culturalmente, tornar-se mulher. Atitudes fe-mininas podem ser tomadas tanto por homens quanto por mulheres. Há diferenças entre sexo biológico e a questão de gênero. Ser homem ou ser mulher varia de acordo com as condições sócio-históricas em que valores, tabus e sanções são transmitidos, introjetados e ressignificados, resultando em posicionamentos diferentes frente ao mundo.

Para Saffioti (1992):

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[...] o gênero é uma maneira contem-

porânea de organizar normas culturais

passadas e futuras, um modo de a pes-

soa situar-se em e através destas nor-

mas, um estilo ativo de viver o corpo no

mundo. (saFFioti, 1992, p.189)

O gênero não pode ser entendido apenas como uma resultante das influências das relações sociais estabelecidas ao longo do desenvolvimento.

Gênero é uma questão social, política. Ser mulher e ser homem são posições diferentes. Tratar de gênero implica situar a identidade feminina e masculina nas diferentes instâncias sociais.

Significa, também, entender que o mundo social impri-me no corpo e na percepção os princípios sociais de divisão, de diferença e de dominação dos homens sobre as mulheres. Encoraja as práticas que convêm a um ou a outro sexo, organi-za as posturas corporais, direciona os impulsos e enaltece os traços que simbolizam os valores que estão de acordo com a vi-são falocêntrica do mundo. Assim, Bourdieu (1995) acrescenta:

não é o falo (ou sua ausência) que é o

principio gerador dessa visão do mun-

do, mas é essa visão do mundo que,

estando organizada (por razões sociais

que seria necessário tentar descobrir)

segundo a divisão em gêneros rela-

cionais, masculino e feminino, pode

instituir o falo [...] e basear na objeti-

vidade de uma diferença natural entre

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os corpos biológicos à diferença social

entre duas essências hierarquizadas.

(BourDiEu, 1995, p.149)

O discurso da diferença entre os sexos com identida-des, qualidades, interesses e aptidões particulares engendra a constituição de espaços unicamente reservados ao sexo masculino, restando, à mulher, o investimento na família, no mundo doméstico. Essas ideias encontram ressonância entre os homens, revalidando o seu poder sobre as mulheres e a ex-clusão das mesmas do poder político. Imersos em um espaço de partilha, homens e mulheres, através dos mais diversos instrumentos, códigos e signos, afirmam-se e assumem dis-tintos papéis sociais.

Falar do caráter histórico e cultural da construção da identidade só faz sentido quando, independentemente de se negar a diferença biológica entre os sexos, parte-se do pressu-posto de que os homens, para exercerem o domínio, constro-em um quadro de referência subjetivo, no qual é reservado à mulher a submissão, a contemplação, a meiguice, a emoção e a sensibilidade. A eles são atribuídas a objetividade, a compe-titividade, a praticidade, a determinação e a inteligência, den-tre outras características relevantes e valorizadas na maioria das sociedades, em diferentes períodos da história.

Assista ao vídeo Acorda Raimundo e analise os papéis designados às mulheres e aos homens na nossa sociedade:

http://vimeo.com/5859490

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Vamos continuar discutindo gênero a partir da análise do conceito de sexualidade e orientação sexual.

(4.3)

Sexualidade, Gênero e orientação sexual

Inicie a leitura, respondendo às questões:

o que é sexo?

o que é gênero?

o que é orientação sexual?

A sexualidade é um aspecto constitutivo da nossa vida.

E o que é sexualidade para você?

O conceito de sexualidade humana não pode ser com-preendido sem uma análise das dimensões biológica, psico-lógica, social e histórica das experiências vividas por homens e mulheres. De acordo com Foucault (1988, p. 78), a sexua-lidade é o correlato de uma prática discursiva desenvolvida lentamente, que é a scientia sexualis.

as características fundamentais a essa

sexualidade não traduzem uma repre-

sentação mais ou menos confundida

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pela ideologia, ou um desconhecimento

induzido pelas interdições; correspon-

dem às exigências funcionais do dis-

curso que deve produzir sua verdade.

no ponto de intersecção entre uma téc-

nica de confissão e uma discursividade

científica [...] a sexualidade foi definida

como sendo, “por natureza”, um domí-

nio penetrável por processos patológi-

cos, solicitando, portanto, intervenções

terapêuticas ou de normalização; um

campo de significações a decifrar; um

lugar de processos ocultos por meca-

nismos específicos; um foco de relações

causais infinitas, uma palavra obscura

que é preciso, ao mesmo tempo, desen-

cavar e escutar.

Compreende-se, com Foucault (1988), que a sexualidade tem uma densidade nas relações humanas que são, também, relações de poder, podendo servir como ponto de manipula-ção, de apoio e de articulação das mais variadas estratégias. A sexualidade, para o autor, é um dispositivo histórico de estraté-gias de saber e poder que envolve a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e a resistência.

O autor acrescenta que o dispositivo da sexualidade desenvolveu-se nas margens das instituições familiares, nas instituições religiosas, nas práticas pedagógicas e posterior-mente centrou-se na família. Os pais são os principais agentes de um dispositivo de sexualidade que, no exterior, se apoia nos

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médicos, padres, pedagogos e outros. A família, pela sua pene-trabilidade e sua influência, é fundamental como dispositivo de sexualidade, pois se incumbe de difundir uma sexualidade “que de fato reflete e difrata” (FOUCAULT, 1988, p. 122).

Concordando com outros autores, Tereza Fagundes (2005) admite que:

Para dar conta do entendimento desta

dimensão humana que é a sexualidade,

é preciso, contudo, analisá-la como um

processo relacional intenso que se fun-

damenta, basicamente, em elementos

discretos, mas complementares: o po-

tencial biológico, as relações sociais de

gênero e a capacidade psicoemocional

dos indivíduos. neste sentido, é possí-

vel admitir, para uma mais sólida com-

preensão, que a sexualidade tenha três

grandes componentes: o biológico, o

psicológico e o sociocultural. (FaGun-

DEs, 2005, p.16)

Depreende-se que a sexualidade precisa ser compre-endida na su à complexidade e nas variações que a caracte-rizam. Nos diferentes processos de subjetivação e modos de viver os gêneros e a sexualidade, a dimensão biológica está em sintonia com o corpo, com a dimensão psicológica da se-xualidade e com as condições sociais, culturais e históricas nas quais homens e mulheres estão inseridos.

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De acordo com a determinação genética ou biológica, temos o sexo feminino e o masculino, porém apenas o sexo social, o gênero e suas relações nos permitem refletir sobre as construções simbólicas e históricas de homens e mulheres a partir das diferenças biológicas que norteiam a construção da identidade do sujeito, abarcando a divisão de papéis sociais, a divisão de trabalho, a desigualdade das relações e o acesso aos recursos disponíveis que são compatíveis com o momen-to social e histórico.

(4.4)

Sexualidade e identidade de gênero: qual é a relação?

O conceito de sexualidade se encontra imbricado no conceito de identidade de gênero e ambos perpassam a construção cultural da diferença entre os sexos. O emprego do termo identidade de gênero como um conjunto de tra-ços construídos social e culturalmente, definindo gestos, comportamentos, modos de falar, vestir e agir para homens e mulheres, nem sempre está em consonância com o sexo biológico do sujeito, pois não é uma estrutura fixa, fechada e sem possibilidade de tencionamentos e conflitos. A iden-tidade de gênero é resultante de construções singulares durante o processo de desenvolvimento e socialização do indivíduo, a identidade de gênero está fortemente ligada à representação dos papéis sociais.

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Como analisa Tereza Fagundes (2001):

[...] dada a natureza do conceito de

gênero como uma categoria social, a

identidade e o papel das mulheres e de

homens estão afinados com os estereóti-

pos culturais, fundamentados nas dife-

renças genitais – feminina e masculina

– que as transcendem. (FaGunDEs,

2001, p.43)

Não há, acrescenta essa autora, uma única forma de explicar a construção da identidade de gênero. Existem as orientações biológica e psicanalítica e, ainda, a abordagem sociocultural para explicar como homens e mulheres cons-troem a sua identidade.

(4.5)

“Ninguém nasce mulher [...]”

Simone Beauvoir (1980, p. 13) sublinha a constituição do feminino como condição social ao postular que “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. A autora evidencia que o sen-timento de soberania dos homens em relação às mulheres é in-ventado pelos adultos e aceito pelos meninos como modo com-pensatório de justificar a diminuição ou ausência de afagos e

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carinhos por conta do crescimento. A partir daí, inaugura-se uma sociedade desigual, em que a superioridade masculina se afirma. Do mesmo modo, a influência da educação e do am-biente desencadeia o desenvolvimento de traços como a passi-vidade, que caracteriza essencialmente a mulher “feminina”.

Simone Beauvoir (1980) também afirma que as mulhe-res não têm domínio sobre o mundo masculino porque são ensinadas a serem passivas e a aceitarem a autoridade do ho-mem, não aprendendo a tomar a iniciativa, a manejar a lógica e a técnica. Como o Outro, a mulher desempenha o papel que a sociedade dela espera: ser submissa, dócil e indefesa.

A partir de Beauvoir (1980), compreendemos que a análise dos processos e práticas sociais e culturais é im-portante para intervenções nas relações de poder entre homens e mulheres.

Admite-se, então, que a pesquisa contemporânea das identidades e sexualidades necessita assumir uma visão ampliada desses assuntos, distanciando-se de uma essência universal, inerente, de impulso biológico. Para compreender as identidades e a sexualidade, é preciso pensar que elas são influenciadas por valores sociais e por questões individuais.

Então, não há uma essência universal... A anatomia não é o destino para

ninguém, dizem pesquisadores sobre o assunto.

E você concorda que, hoje, nós estamos circulando entre os gêneros, como foi comentado por uma estudante numa das aulas de Psicologia e Comportamento? Pense sobre o assunto!

Críticas feministas, como Leonore Tiefer (1993) e Mar-gareth Rago (2001), discutem em profundidade as premissas essencialistas que postulam um caráter fixo e eterno à nature-za humana. Insistem que a sexualidade não é biologicamente

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dada, não é uma qualidade humana inerente, não é um ins-tinto, mas, ao contrário, é um modo de ser e de se relacionar a partir da cultura, da história e da organização social.

Destaca-se, ainda, que as concepções não biologizantes da sexualidade postulam que, na constituição do sujeito se-xuado, estão imbricadas as diferenças e as desigualdades de classe, raça/etnia, gênero e geração entre homens e mulheres, assim como a dimensão corporal. É, então, ao longo do desen-volvimento que a criança, na interação entre os indivíduos e as estruturas sociais, constrói seu corpo sexuado, que envol-ve um aprendizado sobre o corpo, o gênero e a sexualidade.

Com relação à sexualidade, a mesma é vivida pela pessoa individualmente, porém é constituída a partir do campo das relações sociais, da cultura, dos valores e das formas sociais de vida.

numa perspectiva culturalista é pos-

sível vislumbrar que os constructos

relacionados ao ser mulher surgem em

oposição ao significado do ser homem,

numa sociedade com esquemas de re-

lacionamentos sociais bem definidos;

são introjetadas nas meninas e nos

meninos, desde muito cedo, em diver-

sos âmbitos de suas personalidades

e do seu ser social, as dicotomias asso-

ciadas à divisão homem-mulher, tais

como: caça, coleta, dominação-submis-

são, luz-sombra, ciência-magia, razão-

-intuição, cultura- natureza, força-

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-fragilidade, para-fora-para-dentro,

superioridade-inferioridade, produção-

-reprodução, mundo público-mundo

privado, de forma a tornar aparente-

mente natural, a identidade que, às

mulheres e aos homens, foi socialmente

imposta. E essas construções sobre o ser

homem e o ser mulher interferem dire-

tamente em suas vivências sexuais. a

mulher pode inibir o seu desejo em con-

sequência de ter aprendido a ser pas-

siva, paciente, obediente, não ousada.

Pode, por outro lado, exacerbá-lo como

uma forma de quebrar drasticamente os

padrões que lhe foram impostos. o ho-

mem que aprendeu a ter o poder sobre a

mulher, a mostrar-se viril, forte e sem-

pre ativo pode desenvolver erotomania

ou, em menor escala, diante de pressões

sociais maiores que lhe façam sentir-se

pequeno, fraco, sem poder manifestar

inapetência sexual. (FaGunDEs,

2008, s.p.)

E a orientação sexual?

A orientação sexual envolve uma relação entre dese-jo, comportamento e identidade sem linearidade e direção única. Então, não se deve pressupor uma relação direta en-tre o desejo que uma pessoa sente ao seu comportamento sexual e o modo como percebe a si mesmo. “É possível, por exemplo, praticar relações homossexuais sem se considerar

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homossexual ou bissexual, assim como sentir desejos ho-mossexuais sem manter relações homossexuais” (ARAU-JO; PEREIRA, 2009, p. 129).

A orientação sexual, analisam Araujo e Pereira (2009), refere-se ao sexo das pessoas que elegemos como objetos de desejo e afeto. A heterossexualidade, a homossexualidade e a bissexualidade são tipos de orientação sexual. A heterosse-xualidade se caracteriza pela atração afetiva, sexual e erótica por pessoas de outro gênero. A homossexualidade diz respei-to à atração afetiva, sexual e erótica por pessoas do mesmo gênero e a bissexualidade, à atração afetiva, sexual e erótica por pessoas do mesmo gênero e do gênero oposto.

Utilizamos o termo orientação sexual e não mais opção sexual, pois a definição dos objetos de desejo não resulta de uma opção mecânica e voluntariosa. Os nossos desejos resultam das vivências, construção de sentidos e do contexto social.

Informação:

Você sabia que, segundo o Censo de 2010, há mais de 60 mil pessoas vivendo com parceiros do mesmo sexo?

casais gays – a pesquisa do iBGE

mostra que o Brasil já registra mais de

60 mil pessoas vivendo com parceiros

do mesmo sexo. a região sudeste é a

que tem mais casais que se assumiram

homossexuais, com 32.202. Em segui-

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da, está a região nordeste, com 12.196;

e a sul, com 8.034. o número repre-

senta 0,2% do total de cônjuges (37,547

milhões) em todo o país. É a primeira

vez que o dado foi pesquisado.

(http://blog.planalto.gov.br/censo-2010-populacao-brasileira-esta-mais-velha-e-chega--a-190-755-799/)

Retomamos, então, o conceito de “sexualidade como elemento constitutivo da pessoa, é dimensão e expressão da personalidade” (FAGUNDES, 2005, p. 14). Então, com base na autora, compreendemos que a sexualidade manifesta-se in-dependente de qualquer ensinamento e é um modo singular de viver, investir afeto, ser e se relacionar, construído a partir da cultura, da história e da organização social.

Vamos finalizar a nossa aula com a leitura do texto:

“Estar atenta ao intolerável” – critério

significativo para alguém reconhecer

o que vale a pena colocar em primeiro

plano em sua vida, em suas reflexões

e ações. Essa idéia, que não é minha,

tomei emprestada de uma estudiosa

espanhola chamada maite Larrauri.

Ela parece justificar minhas escolhas

acadêmicas e profissionais. Pergunta-

da sobre que vem a ser “o intolerável”,

maite responde que não pode ser aquilo

que muita gente acha que é, pois “uma

das condições do intolerável é que, para

a maioria, não é intolerável, mas nor-

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mal” (Larrauri, 2000, p.14). o que eu

considero intolerável possivelmente é

colocado, por outros ou por muitos, no

plano do aceitável, talvez no âmbito do

comum ou do “normal”.

Desprezar alguém por ser gay ou por

ser lésbica é, para mim, intolerável. no

entanto, na nossa sociedade, essa parece

ser uma atitude comum, corriqueira, tal-

vez mesmo “compreensível”. conviver

com um sistema de leis, de normas e de

preceitos jurídicos, religiosos, morais ou

educacionais que discriminam sujeitos

porque suas práticas amorosas e sexuais

não são heterossexuais é, para mim, in-

tolerável. mas esse quadro parece repre-

sentar, em linhas mais ou menos gerais,

a sociedade brasileira. Por isso, sinto-me

autorizada a afirmar que a sexualidade

ou as tensões em torno da sexualidade

constituem-se numa questão que vale a

pena colocar em primeiro plano.

Vale a pena observar também, imedia-

tamente, que o que se coloca aqui é mais

do que um problema de atitude. Esta é

uma questão que se enraíza e se cons-

titui nas instituições, nas normas, nos

discursos, nas práticas que circulam

e dão sentido a uma sociedade – nes-

te caso, a nossa. as formas de viver a

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sexualidade, de experimentar prazeres

e desejos, mais do que problemas ou

questões de indivíduos, precisam ser

compreendidas como problemas ou

questões da sociedade e da cultura.

(LOURO, 2003, s.p.)

síntEsE

Nesta aula, refletimos sobre temáticas de gênero, se-xualidade e orientação sexual e relações raciais. Vimos que o conceito de sexualidade se encontra imbricado no conceito de identidade de gênero e ambos perpassam a construção cul-tural da diferença entre os sexos, e que há contextos em que predomina o sexismo, o racismo, a homofobia e outras formas de violência. Porém, é preciso sempre explorar e incentivar as redes de compreensão e solidariedade entre todos e, prin-cipalmente, entre aqueles que vivenciam a exclusão social, racial, de gênero e de sexualidade.

QuEstão Para rEFLEXão

Assista aos vídeos e responda:

Os segredos do casamento, de Stephen Kanitz, disponível em: <http://www.kanitz.com/index_refresh.htm>. Acesso em: 17 ago.2012.

Entrevista com Stephen Kanitz, no Programa “Mais Você”, disponível em: <http://www.kanitz.com/entrevistas.htm>.

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Acesso em: 17 ago.2012

Por que alguns grupos não conseguem aceitar o direcionamento sexual de cada pessoa?

LEituras inDicaDas

Negros e Negras Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT): construindo políticas públicas para avançar na igualdade de direitos.

“Num momento em que diversos órgãos governamentais buscam avançar na garantia dos direitos e na construção de políticas públicas para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, em suas respectivas áreas de competência, a SEPPIR se engaja nesse esforço criando as condições necessárias em âmbito interno para que a pauta LGBT, legitimamente reivindicada por negras e negros pertencentes a esta parcela da população, possa ser incorporada ao conjunto das ações deste Ministério.” Disponível em: <http://www.seppir.gov.br/publicacoes>. Acesso em: 17 ago.2012.

ARAUJO, A. B. L.; PEREIRA, M. E. A noção moderna de sexualidade. Disponível em:

<http://moodle.epmcelp.edu.mz/pluginfile.php/3286/mod_resource/content/1/o%C3%A7%C3%A3o%20Moderna%20de%20Sexualidade.pdf>. Acesso em: 17 ago 2012.

FAGUNDES, T. Sexualidade humana: causas socio-culturais das disfunções sexuais. Disponível em: <http://www.sexoemocoes.com.br/index.php/home/41-artigos-

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rapidos/106-sexualidade-humana-causas-socio-culturais-das-disfuncoes-sexuais>. Acesso em: 17 ago.2012.

sitEs inDicaDos

http://www.unifem.org.br/005/00502001.asp?ttCD_CHA-VE=26287

http://www.sepm.gov.br/publicacoes-teste/publicacoes-2011

http://www.sepm.gov.br/publicacoes-teste/publicacoes/2009/impacto-da-crise-sobre-as-mulheres.pdf

h t t p : / / w w w. s c i e l o . b r / s c i e l o . p h p ? s c r i p t = s c i _issuetoc&pid=0104-833320110001&lng=pt&nrm=iso

http://www.pagu.unicamp.br/node/8

rEFErÊncias

ARAUJO, A. B. L.; PEREIRA, M. E. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais. Livro de conteúdo. versão 2009. Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: SPM, 2009 Disponível em: <http://forumeja.org.br/sites/forumeja.org.br/files/sexuali-dade.pdf> Acesso em: 17 ago.2012.

BEAUVOIR, S. de. O segundo sexo. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1980.

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SAFFIOTI, H. I. B. Rearticulando gênero e classe social. In: COSTA, A. O.; BRUSCHINI, C. (Orgs.). Uma questão de gêne-ro. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo: Fund. Carlos Chagas, 1992. p.183-215.

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TIEFER, L. Uma perspectiva feminista sobre sexologia e se-xualidade. In: GERGEN, M. McCanney (ed.). O pensamen-to feminista e a estrutura do conhecimento. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos/EDUNB, 1993. p.37-47.

( 5 )

O ser humano: construindo relacionamentos

o correr da vida embrulha tudo.

a vida é assim: esquenta e esfria,

aperta e daí afrouxa,

sossega e depois desinquieta.

o que ela quer da gente é coragem.Guimarães Rosaa

Olá!

Nesta unidade, analisaremos a construção dos relacio-namentos e os principais elementos que interferem nessas rela-ções; discutiremos importantes processos que estão presentes nelas, como a comunicação, a liderança, o poder, entre outros.

Vimos, na unidade passada, como nos constituímos como sujeitos, indivíduos singulares e com modos diversos e complexos de ser e estar no mundo. Compreendemos tam-bém que as inúmeras possibilidades de ser de cada um são construídas na interação com o outro e com o mundo.

Discutir sobre os relacionamentos e a importância das interações nos diferentes grupos nos remete ao poeta João Cabral de Melo Neto:

Cláudia Vaz Torres

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Tecendo a Manhã João cabral de melo neto

um galo sozinho não tece a manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro: de um outro galo

que apanhe o grito que um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzam

os fios de sol de seus gritos de galo

para que a manhã, desde uma tela tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,

se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo

(a manhã) que plana livre de armação.

a manhã, toldo de um tecido tão aéreo

que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Fonte: MELO, João Cabral de Melo Neto. Tecendo a manhã. Disponível em: <http://www.consciencia.net/2006/0117-melo-neto.html>. Acesso em: 26 jul.2012.

Como escreve João Cabral, “um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos”, ou seja, pre-cisamos do outro, do coletivo, dos grupos, da participação na vida social, pois, a partir das relações vivenciadas no coletivo, singularizamos, produzimos significações, agimos, construí-mos múltiplas histórias e a nossa.

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As interações humanas que são ações recíprocas e conscientes entre pessoas, tecem vidas, histórias e ma-nhãs, implicando transformações, modificações dos com-portamentos, significações e ressignificações dos atos in-dividuais e recíprocos de acordo com o tipo de contato, as expectativas e as respostas.

A busca de identidades, as afirmações de um modo de ser, são movimentos constantes na sociedade humana, assim como o uso desta como referência de liberdade, felici-dade e cidadania nas relações interpessoais (SAWAIA, 2004). O medo do desconhecido (quem é o outro?), explica o autor, gera ansiedade, agressão e a busca de sinais identitários.

Nas nossas relações, indagamos pela identidade do ou-tro, queremos saber a que grupo pertence, que ideais possui, quais as afinidades, o que repudia. Mas, para quê? O que se esconde nesta pergunta e nessa necessidade de saber qual a identidade do outro? Essa pergunta e a resposta são repletas de sentidos e constituem o passo inicial no modo como nos relacionaremos com essa pessoa que diz quem é, qual é a sua bandeira ou que etiqueta possui. A partir daí, estabelecem-se relações de poder, de conflito, de solidariedade, de admira-ção, de desconfiança, enfim, modos diversos de inclusão ou exclusão e, por conseguinte, estratégias de relacionamentos.

Sawaia (2004) esclarece que a identidade é uma catego-ria política disciplinadora das relações entre as pessoas, gru-po e sociedade, usada para transformar o outro em estranho, igual, inimigo ou exótico.

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No estudo sobre as constituições das subjetividades, não podemos desdenhar a relevância dos diferentes grupos e entender a natureza das pressões e influência social que exercem para alcançar a uniformidade e os seus fins. Nes-se processo, é importante dar especial atenção ao potencial dos grupos virtuais que se encontram no ciberespaço, se aco-lhem, aprendem, se mobilizam e se expandem para divulgar as suas ideias. Sobre esse espaço que a internet produz, Sibi-lia (2008, p.27) explica:

ao longo da última década, a rede

mundial de computadores tem dado à

luz um amplo leque de práticas que po-

deríamos denominar “confessionais”.

milhões de usuários de todo planeta

- gente “comum”, precisamente como

eu ou você - tem se apropriado das di-

versas ferramentas disponíveis on-line,

que não cessam de surgir e se expandir,

e as utilizam para expor publicamente

a sua intimidade. Gerou-se, assim, um

verdadeiro festival de “vidas privadas”,

que se oferecem despudoradamente aos

olhares do mundo inteiro. as confissões

diárias de você, eu e todos nós estão aí,

em palavras e imagens, a disposição de

quem quiser bisbilhotá-las; basta ape-

nas um clique no mouse. E, de fato,

tanto você como eu e todos nós costu-

mamos dar esse clique.

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Junto com essas instigantes novidades,

vemos instigarem-se algumas premis-

sas básicas da autoconstrução, da te-

matização do eu e da sociabilidade mo-

derna; e é justamente por isso que essas

novas práticas resultam significativas

[...]. a rede mundial de computadores

se tornou um grande laboratório, um

terreno propício para experimentar e

criar novas subjetividades: em seus

meandros nascem formas inovadoras

de ser e estar no mundo, que por vezes

parecem saudavelmente excêntricas e

megalomaníacas, mas outras vezes (ou

ao mesmo tempo) se atolam na peque-

nez mais rasa que se pode imaginar.

como quer que seja, não há dúvidas

de que esses reluzentes espaços da Web

2.0 são interessantes, nem que seja por-

que se apresentam como cenários bem

adequados para montar um espetáculo

cada vez mais estridente: o show do eu.

Depreendemos, com a autora, que há uma tendência na contemporaneidade a buscar a visibilidade, o exibicionis-mo e o reconhecimento pelo outro. Então, perguntamos:

como essa tendência repercute nas nossas relações?

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E quanto aos relacionamentos? Como os conflitos, as relações de poder, as comunicações, as expectativas do grupo interferem nos nossos relacionamentos?

Em que medida o nosso comportamento reflete as ca-racterísticas do grupo a que pertencemos?

Estamos tão habituados a viver em relação com as pes-soas que, poucas vezes, percebemos a tônica dos relaciona-mentos, o quanto influenciamos e somos influenciados em nossas ações, decisões, sentimentos e comportamentos (AL-BUQUERQUE; PUENTE-PALACIOS, 2004).

Nossa vida decorre num universo de relações interpes-soais, mas, ainda assim, é crescente a dificuldade no domínio dessas relações. Sabemos que não é possível ensinar relações interpessoais a alguém. Não há uma receita a ser seguida. O que é possível é analisar os princípios que fundamentam essas relações. De qualquer modo, é importante destacar que é amplo o campo de estudo das relações interpessoais.

Nesse estudo das relações interpessoais, alguns con-ceitos da ciência psicológica contribuem muito, como os di-ferentes modos de subjetivação, as identidades, entre outros.

A Psicologia Social, área da Psicologia que analisa a di-mensão subjetiva dos fenômenos sociais, é importante para a compreensão do quanto as pessoas são diferentes, do modo como as pessoas agem no mundo, as transformações que rea-lizam, as suas relações sociais, etc.

Entretanto, a Psicologia Social tem teorias que a caracte-rizam como um estudo científico da influência recíproca entre pessoas (interação social) e do processo cognitivo gerado por essa interação (pensamento social). O pensamento social são

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processos cognitivos decorrentes da interação social. Desse modo, nesta análise, a interação humana e suas consequências cognitivas e comportamentais constituem o objeto de estudo da psicologia que, através de conceitos como percepção social, atitudes, papéis sociais, socialização, atração interpessoal, gru-po social, entre outros, (RODRIGUES, ASSMAR, JABLONSKI, 2009), analisa a interação social. E tem teorias que criticam a separação indivíduo e sociedade, pois esta não existe sem aquele. Para essa perspectiva, o indivíduo age sobre o mundo, transformando-o e transformando-se a si mesmo. São concei-tos estudados: a consciência, a atividade, a identidade, entre outros (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).

A seguir, vamos analisar, brevemente, alguns concei-tos estudados pela Psicologia.

(5.1)

Percepção

A percepção é um processo cognitivo, uma forma de conhecer e interpretar o mundo. É o ponto de encontro entre a cognição, ou seja, o processo de selecionar, organizar, inter-pretar informações, eventos, etc., e o que está presente na reali-dade. A percepção é uma interpretação singular da realidade. Durante a percepção, o conhecimento sobre a realidade com-bina-se com as nossas habilidades construtivas (antecipação, hipótese, amostragem, armazenamento e integração), a fisiolo-gia (sistema sensorial e nervoso) e as nossas experiências, que advêm do processo de construção subjetivo (DAVIDOFF, 2001).

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Diante de situações ambíguas, percebemos claramente o nosso esforço para interpretar o que vivenciamos. Conside-re, então, a cena do pintor holandês Maurits Escher: O que vê?

Escher Relativity, 1953 Fonte: Banco de dados ThinkStock

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Percebemos que as cenas mudam conforme as nossas direções perceptivas. Desse modo, compreendemos que o que o indivíduo percebe e como percebe são dados impor-tantes para a compreensão do comportamento humano, para a análise das suas relações, pois as pessoas são seus próprios referenciais na percepção dos outros. Ressaltamos, então, que a percepção é o ponto em que cognição e realidade se encon-tram – depende da pessoa e do ambiente.

como você entende a percepção? E as atitudes?

O processo perceptivo é estruturante na relação da pessoa com o mundo. Como diz Campos (2002, p.1): “Vida psicológica é vida perceptiva, consequentemente, problemas psicológicos são questões, distorções perceptivas”.

(5.2)

Atitudes

São estados mentais e representam crenças pessoais de uma natureza avaliativa que influenciam nossas reações com relação às pessoas e às coisas. As atitudes são compreendidas como tendo três componentes: a crença em si (componente cognitivo); sentimentos associados a ela (componente emo-cional) e ações resultantes (componente comportamental).

Bock, Furtado e Teixeira (2008) explicam que, a partir

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da percepção do meio social e dos outros, o indivíduo or-ganiza as informações, relacionando-as aos afetos, e de-senvolve uma predisposição a agir em relação às pesso-as ou aos objetos do meio social. Essas informações, que predispõem o indivíduo para a ação, são as atitudes. As atitudes, analisam os autores, são desenvolvidas. “Nós não tomamos atitudes (comportamento, ação), nós desenvolve-mos atitudes (crenças, valores, opiniões) em relação aos ob-jetos do meio social” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 181). As atitudes são modificadas à medida que surgem novas informações, afetos ou situações.

Sobre este conceito, leia as considerações de Glassman (2008), que esclarece que uma das teorias mais conhecidas da mudança de atitude é a teoria da dissonância cognitiva de-senvolvida por Leon Festinger, em 1957.

segundo Festinger, todos procuramos

nos comportar de uma maneira auto-

consistente. ou seja, nossas ações de-

vem se adequar às nossas palavras e

às nossas atitudes. o que acontece, no

entanto, se nossas ações não se ajustam

às nossas crenças, ou se duas crenças

estão em conflito? Festinger declarou

que, quando há conflitos deste tipo,

experimentamos uma tensão que ele

chamou de dissonância cognitiva. Por

exemplo, suponhamos que você odeie

o burburinho da cidade de nova York,

mas tem bons amigos que vivem lá e

que quer ver. isso cria um conflito en-

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tre sua atitude com relação à nova York

e sua atitude com relação a seus amigos,

o que resulta em dissonância. a teoria de

Festinger lida com a natureza desses con-

flitos e com o modo como os resolvemos.

[...] a teoria da dissonância tem gerado

enorme quantidade de pesquisa na psico-

logia social, em parte porque as questões

que levanta são interessantes e, em parte,

devido às aparentes fragilidades da teo-

ria. (GLassman, 2008, p. 218)

As fragilidades da teoria ocorrem porque não há pos-sibilidade de prever, com precisão, o que acontece em uma determinada situação, tendemos a ignorar as informações ou situações que criam conflito e estão disseminadas as reações de dissonância na vida diária. A teoria de Festinger mostra a influência da cognição ao sinalizar que os processos internos, como as atitudes e a redução da dissonância, são importantes para a compreensão do comportamento social.

Vamos continuar conhecendo outros conceitos estuda-dos pela Psicologia.

(5.3)

Aptidão

Consiste no potencial para realização de tarefas e pode ser agrupada em três categorias:

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Cognitivas ou intelectuais

aptidão verbal, numérica, espacial, compreensão mecânica, criatividade literária e artística, velocidade de percepção, percepção de formas, etc.

Físicascoordenação motora, destreza manual, aptidão sensorial, etc.

Interpessoaiscapacidade de liderar, lidar com o outro, decidir, etc.

(5.4)

Inteligência

Capacidade cognitiva ou intelectual que integra a glo-balidade humana nos seus aspectos afetivos, sociais e cog-nitivos. Há diversas definições e teorias sobre inteligência. A abordagem da psicologia diferencial, baseada na tradição positivista, define a inteligência como um composto de habi-lidades que poderiam ser medidas pelos testes psicológicos. A abordagem dinâmica define a inteligência como a produ-ção cognitiva e intelectual do homem. A inteligência passa a ser compreendida como capacidade cognitiva e intelectual que integra a globalidade humana e não pode ser analisada isoladamente (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).

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Uma outra corrente, de Howard Gardner, que estuda a inteligência, defende a existência das múltiplas inteligências, ou seja, que temos a capacidade lógico-matemática, capacidade linguística (aptidões medidas pelo QI), a capacidade musical, espacial, corporal-cinestésica, naturalista, existencial e a capa-cidade intrapessoal e interpessoal, todas inter-relacionadas.

No final do século XX, os estudos sobre um tipo especí-fico de inteligência foi bastante debatido: a inteligência emocio-nal. A teoria da inteligência emocional, defendida por Daniel Goleman e Howard Gardner, explica que a inteligência emo-cional pode ser desenvolvida, proporcionando maior facilida-de para o indivíduo lidar com suas próprias emoções e com a dos outros. Fazem parte desse conjunto: autoconhecimento, autocontrole, empatia, habilidades interpessoais, etc. Voltare-mos a tratar da inteligência emocional nas próximas aulas.

(5.5)

Comunicação

É um processo presente nas relações interpessoais em qualquer grupo, assim como a liderança e a motivação, mas, se for pouco cuidada, gera como consequência muitos confli-tos. Nesse processo, há o emissor e o receptor e, entre os dois, existem os ruídos e bloqueios que advêm de interpretações, respostas que, muitas vezes, atrapalham a comunicação.

Vale lembrar que inúmeras são as formas de comunica-ção - fala, escritos, desenhos, corpo, códigos, entre outros - e muitos são os ruídos que interferem na comunicação e que

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derivam da falta de atenção, dos preconceitos, do negativis-mo, do uso impróprio da linguagem, da parcialidade e da au-sência de uma comunicação franca e aberta. Minicucci (2001) acrescenta que os bloqueios, as filtragens e os ruídos provo-cam ressentimentos nas reações interpessoais e podem durar muito tempo. As nossas necessidades e experiências tendem a colorir o que vemos e ouvimos, a dourar certas pessoas e ex-cluir o que não queremos saber, pois entram em conflito com as nossas velhas ideias. Sem contar que o efeito de uma emo-ção poderá distorcer a comunicação, ou seja, “[...] quando nos sentimos inseguros, aborrecidos ou receosos, o que ouvimos e vemos parece mais ameaçador do que quando nos sentimos seguros [...]” (MINICUCCI, 2007, p. 55).

Leia o exemplo, a seguir, e reflita sobre o que ocorreu na comunicação do capitão ao sargento, até alcançar o cabo:

Comunicação Linear - O Eclipse Solar no Quartel

Capitão ao Sargento-ajudante:

-Sargento! Dando-se amanhã um eclipse do Sol, determino que a companhia esteja formada, com uniforme de campanha, no Campo de exercício, onde darei explicações em torno do raro fenômeno que não acontece todos os dias. Se por acaso chover, nada se poderá ver e neste caso fica a companhia dentro do quartel.

Sargento-ajudante ao Sargento de Dia:

-Sargento, de ordem de meu capitão, amanhã haverá

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um eclipse do sol, em uniforme de campanha. Toda a companhia terá de estar formada no campo de exercício - onde seu capitão dará as explicações necessárias, o que não acontece todos os dias. Se chover, o fenômeno será mesmo dentro do quartel!

Sargento de Dia ao Cabo:

Cabo, o nosso capitão fará amanhã um eclipse do sol no campo de exercício. Se chover, o que não acontece todos os dias, nada se poderá ver. Em uniforme de campanha o capitão dará a explicação necessária, dentro do quartel.

Cabo aos Soldados:

Soldados, amanhã para receber o eclipse que dará as explicações necessárias sobre o nosso capitão, o fenômeno será em uniforrne de exercício. Isto, se chover dentro do quartel, o que não acontece todos os dias.

Fonte: http://www.sit.com.br/SeparataDIV0034.htm

A comunicação é importante para que os proces-sos se desenvolvam adequadamente, é uma aliada na execução de tarefas.

A comunicação, esclarece Robbins (2002), tem quatro funções básicas dentro de um grupo, a saber:

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Controle

Motivação

A comunicação estimula a motivação, através do esclareci-mento sobre as tarefas, as metas, a qualidade do desempenho e o que pode ser melhorado.

Expressão emocionalA comunicação favorece a

expressão de sentimentos e posi-cionamentos frente aos mesmos.

Informação

A comunicação proporcio-na as informações que as pessoas precisam para analisar, avaliar e tomar decisões.

É importante lembrar que existem barreiras que podem impedir a eficácia da comunicação, como a filtragem ou mani-pulação das informações pelo emissor; a percepção seletiva, ou seja, o receptor vê e escuta, de acordo com os seus interesses, as suas experiências e características pessoais; a sobrecarga de informações; a defesa diante de sentimentos de ameaça; o tipo de linguagem e o medo ou a ansiedade de falar, escrever, evi-tando a comunicação em situações necessárias.

E os grupos sociais? Como você analisa?

“O outro guarda um segredo: o segredo do que eu sou” (J. P. Sartre)

Sabemos que o comportamento não reflete apenas o nosso modo de ser e pensar, mas também a posição que o sujeito ocupa nos seus grupos de referência e as relações que estabelece.

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Você concorda com a expressão de sartre? a imagem que você tem

de você mesmo é o retrato do que os outros veem em você?

Certamente que não! Concorda? Mesmo porque os outros não veem a mesma pessoa, porém acrescentam mui-to nessa construção de quem somos nós, nessa “viagem” de querer responder às inquietações, dúvidas e, às vezes, angús-tias sobre quem somos. Então, contam muito as imagens que os outros, que estão nos nossos grupos de referência (famí-lia, amigos, comunidades, trabalho), têm de nós. A partir daí, inauguram-se modos bem diversos de relações.

Reflita: Por que, nos grupos, às vezes, é tão difícil um trabalho coletivo? Como trabalhar as relações interpessoais num grupo de pessoas que não se gostam, não confiam umas nas outras, não se respeitam, não cedem e não se retiram?

Os grupos têm uma grande relevância na nossa vida, em todos os contextos, inclusive no mundo do trabalho, as-pecto que chamaremos mais atenção nesta aula.

(5.6)

Grupos: definição e classificação

Um grupo é definido pela interdependência e intera-ção entre dois ou mais indivíduos que visam alcançar um determinado objetivo. Podem ser classificados como formais

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os grupos de uma organização que possuem atribuições, ta-refas e metas a serem alcançadas; e como informais os ca-racterizados pela reunião de pessoas com outros interesses, como contato social. Podem ser classificados como primários os voltados para relacionamentos interpessoais diretos, como a família; e secundários, os orientados para tarefas e metas, como os grupos de trabalho. Um outro modo de classificar os grupos é através da duração da existência. Assim, eles pode-rão ser temporários ou permanentes.

Os motivos para a formação de um grupo são muitos, como a amizade, a segurança, o reconhecimento, o poder, a solução de problemas, entre outros.

O grupo é o elemento que completa a dinâmica de construção social da realidade, reproduz, realiza, reformula as regras e promove os valores. São atributos básicos do gru-po: o status individual e do grupo, papéis, normas, coesão e pensamento grupal.

O grupo é responsável pela produção dentro das organiza-ções e pela singularidade, afirmam Bock, Furtado e Teixeira (2001).

No campo da psicologia do século XX, sobre esse assunto, destacamos os estudos de Kurt Lewin (1890-1947), professor ale-mão refugiado do nazismo nos Estados Unidos, que considerava que o comportamento humano deve ser visto em sua totalidade. Segundo esse pesquisador, o comportamento humano é função tanto das características da pessoa quanto do meio em que a pes-soa está inserida; por essa razão, deve ser levada em consideração a totalidade dos fatos coexistentes. No grupo, há uma interdepen-dência entre as pessoas. Os processos que ocorrem no interior do grupo alteram a sua dinâmica e podem afetar, de modo singu-lar, cada um. Os estudos de Lewin tiveram grande importância

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para as pesquisas na área da motivação social e da dinâmica dos grupos, pois os conceitos de grupo e campo social embasam as teorias e técnicas de trabalho de grupo, explicam Bock, Furtado e Teixeira (2001). Sobre isso, eles acrescentam que, quando um gru-po se estabelece, os fenômenos grupais passam a atuar sobre as pessoas individualmente e sobre o grupo (o processo grupal). A coesão é condição necessária para a manutenção do grupo, atra-vés do cumprimento das regras que foram estabelecidas.

Quando alguém começa a participar

de um novo grupo, terá seu comporta-

mento avaliado para verificação do grau

de adesão. os membros mais antigos já

não sofrem esse tipo de avaliação e se,

eventualmente, quebram alguma regra

(que não seja muito importante), não são

cobrados por isso. ocorre que, no caso

dos membros mais antigos, é conhecido

o grau de aderência ao grupo e sabe-se

que eles não jogam contra a manutenção

do grupo. Esta certeza da fidelidade dos

membros é o que chamamos de coesão

grupal. os grupos, de acordo com suas

características, apresentam maior ou

menor coesão grupal (BocK; Furta-

Do; tEiXEira, 2001, p. 221).

Depreendemos que um grupo tende a se dissolver se há um baixo grau de coesão grupal e que a coesão é um aspecto que influencia o relacionamento interpessoal e a produtividade.

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rEFLita:

No ambiente organizacional, o que promovem os gru-pos muito coesos? Promovem mais sinergia e menos conflito?

Um elevado nível de coesão grupal pode afetar o de-sempenho e a criatividade individual?

A coesão diz respeito ao grau em que membros são atraídos entre si e motivados a permanecer como grupo, es-clarece Robbins (2002). A coesão está relacionada com a pro-dutividade do grupo e depende das normas de desempenho estabelecidas:

se essas normas forem de alto nível

(por exemplo, excelência de resulta-

dos, trabalho de qualidade, coopera-

ção de indivíduos de fora do grupo),

um grupo coeso será mais produtivo

do que um grupo menos coeso. se a

coesão for grande, com normas de

desempenho fracas, a produtividade

será baixa. se a coesão for pequena

e as normas, de alto nível, a produti-

vidade será mais alta, mas menor do

que um grupo coeso com as mesmas

normas. Quando tanto a coesão como

as normas de desempenho são fracas,

a produtividade fica entre baixa e mo-

derada (roBBins, 2002, p. 231).

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A atenção e o estímulo em relação à coesão do grupo são necessários e podem ser alcançados através de redução do tamanho do grupo, do aumento do tempo juntos, do pres-tígio social do grupo, entre outros.

Silvia Lane (1984) revisou as teorias sobre os grupos e, ao tratar desse assunto, enfatiza o seu aspecto histórico e dialético. Os grupos existem em todas as instituições - famí-lia, escola, universidade, entre outras - e, na análise, é preciso estar atento ao tipo de inserção do grupo na instituição e a participação de cada membro. O grupo, para a autora, é uma experiência histórica que se constrói através das relações, das contradições sociais que expressam e da articulação entre as-pectos pessoais, características grupais, vivência subjetiva e a realidade objetiva.

O grupo é uma estrutura social, um conjunto que não pode ser reduzido à soma dos seus membros através de rela-ções de interdependência. As relações de poder e as práticas compartilhadas promovem a construção das identidades.

Veja o quadro Operários, de Tarsila do Amaral, disponível em http://www.tarsiladoamaral.com.br/index_frame.htm

Observe a imagem e responda: as pessoas serão neces-sariamente um grupo?

Albuquerque e Puente-Palacios (2004) esclarecem que, para lidar com pessoas, devemos compreender que o grupo é maior do que os indivíduos. Você concorda?

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Vamos analisar o que os autores explanam sobre essa questão:

[...] o grupo é maior do que os indiví-

duos, embora por eles seja constituído.

Possuir uma visão global ou sistêmica é

o caminho mais adequado para conseguir

estabelecer padrões de comportamento

desejáveis em uma organização. com-

preendendo que os grupos existem, que

estabelecem normas de convivência e que

essas normas podem ir a favor ou contra

os objetivos organizacionais o adminis-

trador pode estabelecer suas próprias re-

gras comportamentais para interagir de

maneira adequada com os diversos gru-

pos e assim lograr seus objetivos.

Embora possa parecer simples, geren-

ciar o comportamento humano é uma

tarefa complexa. os membros da or-

ganização reconhecem as diferenças

entre os comportamentos socialmente

sustentados pelo seu grupo e as cobran-

ças feitas pela organização. nessas cir-

cunstâncias, a comunicação constitui

um elemento que favorece o adequado

gerenciamento. contudo, ela é benéfica

apenas à medida que as pessoas encar-

regadas de gerenciar indivíduos conhe-

cem os grupos aos quais pertencem e

também as regras que, nesses grupos,

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norteiam o comportamento (aLBu-

QuErQuE; PuEntE-PaLacios,

2004, p. 360).

à complexidade de comportamentos que existe em qualquer organização aponta para a necessidade da comu-nicação, do diálogo e do silêncio, que implica saber falar, sa-ber ouvir, comunicar-se face a face, não fingir que ouve, estar atento às expectativas, predileções e aos interesses do outro, saber distinguir o momento oportuno da mensagem ser en-viada, não gerar intrigas e procurar ser direto e simples (MI-NICUCCI, 2007). Desse modo, o diálogo é um princípio e não pode ser reduzido a uma estratégia nas relações.

Além dos processos analisados, vamos refletir sobre a liderança. O líder, explicam Albuquerque e Puente-Palacios (2004), é um fenômeno grupal, funcional, ele sintetiza as aspi-rações do grupo e existe de modo contextualizado, ou seja, em determinada circunstância e lugar histórico. Exercer a lideran-ça significa estabelecer um processo interativo, estar centrado nos grupos, ser capaz de defender os interesses, correr riscos para cumprir metas e representar o poder instituído.

Existem diferentes modos de ocupar as posições de liderança. Estas podem ocorrer de acordo com a oportuni-dade e por determinado tempo. Acrescentamos que nem sempre há valorização da cooperação, da competência e da interação nessas situações:

as pessoas são o ingrediente essencial

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das organizações. se as pessoas, no seu

conjunto, não mudam, as instituições

não mudarão. as pessoas com liderança

são as que ditam o ritmo das mudanças.

Existem líderes que inspiram confiança

e incentivam a participação; outros só

impõem diretrizes e conseguem obter

adesões superficiais. Em organizações

autoritárias, há muito pouca comuni-

cação real. Existem muitas mensagens

unidirecionais e feedback pouco confiá-

vel. muitos se limitam a obedecer e ofe-

recer informações desejadas, esperadas,

não as reais.

Por ter tido educação deficiente, princi-

palmente no aspecto emocional, encon-

tramos muitas pessoas mal resolvidas,

que guardam rancor e esperam o mo-

mento de prejudicar alguém ou sabo-

tar decisões tomadas. Elas conseguem

atrasar significativamente o processo de

mudança organizacional. muitas delas

estão mais atentas às críticas do que à

cooperação, à sabotagem do que à cola-

boração. Funcionários mal resolvidos

semeiam discórdia, divisão, mal-estar e

pessimismo. Fomentam o ambiente de

fofoca, de intrigas. Estabelecem redes

paralelas de informação, que corroem

a confiança, geram incerteza e envene-

nam umas pessoas contra as outras.

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Existem grupos de pessoas que não sa-

botam diretamente, mas adotam uma

postura passiva e indiferente quanto às

mudanças. são aquelas que resistem

silenciosamente. aparentemente cola-

boram, mas, sem um controle externo,

pouco produzem. infelizmente nossa edu-

cação valoriza mais a obediência do que a

autonomia; a competição do que a cola-

boração, e isso se reproduz no ambiente

profissional. (moran, 2007, s.p.)

Compreendemos, dessa forma, que os grupos possuem as suas características, se organizam, se influenciam e ten-dem a se ajustar, porém, quanto mais coeso o grupo, maior será a resistência às mudanças no próprio grupo e mais poder ele exercerá sobre os demais.

A discussão sobre liderança tem a contribuição dos es-tudos de Hersey e Blanchard (1986), que analisam que não existe um único estilo de liderança que é adequado a todas as situações. O que irá nortear o comportamento do líder com os liderados é a relação entre líder, liderados e a situação. Esse estudo sobre liderança situacional fundamenta-se na inter-re-lação entre a quantidade de orientação e direção que o líder oferece, estabelecendo objetivos, metas e definindo papéis; o apoio emocional dado pelo líder aos seus liderados - encora-jando, ouvindo, elogiando - e a maturidade dos subordinados no desempenho de uma tarefa.

Sobre as relações de poder que existem, Albuquerque e Puente-Palacios (2004) analisam que é um fenômeno comple-

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xo presente nas interações, que pode ser considerado como força impulsionadora, provocadora de mudanças ou manu-tenção de comportamentos de pessoas, grupos, organizações.

os elementos básicos do poder são os

jogadores - pessoas pertencentes ou

não à estrutura organizacional que tem

a intenção de exercer influência nos

resultados organizacionais - chamados

influenciadores. Esses influenciadores

usam meios e sistemas de influência -

autoridade, ideologia, especialidade ou

perícia e política - para controlar as de-

cisões nas organizações (PaZ; mar-

tins; nEiVa, 2004, p. 386).

É necessário identificar as pessoas que exercem influ-ência, ou seja, que utilizam o tempo, a habilidade política e a competência na dinâmica das organizações para alcançar as necessidades que desejam que sejam atendidas, pois o poder que possuem é capaz de afetar os resultados nas organizações.

O poder é um componente importante em qualquer grupo ou organização. A psicologia social e a psicologia orga-nizacional adotaram o poder como objeto de estudo, analisan-do a dinâmica do poder nos níveis grupais e organizacionais.

Muitos estudos contemplam a dimensão negativa do poder e o concebem como coerção, repressão, manipulação, dominação, etc. Os estudos da abordagem comportamental

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caracterizam o poder, descrevendo-o como imposição de vontade de uns sobre outros. Para a psicologia social, o poder está na tessitura das relações humanas, demarcando, delimi-tando territórios e produzindo sentidos e estratégias de en-frentamento e resistência.

De acordo com Paz, Martins e Neiva (2004), a teoria do poder organizacional de Mintzberga2, caracterizada pelo enfoque sistêmico, contempla os níveis individual e coletivo, interno e externo, intra e entre grupos e caracteriza o poder organizacional com dinamicidade, fluidez e capacidade de afetar os resultados organizacionais. O poder organizacio-nal é refletido nas configurações de poder, que sinalizam aos grupos e membros quais são os comportamentos típicos das organizações e as formas de funcionamento:

Autocracia

O poder é centralizado no mais alto chefe da organização que define as metas. Nas organizações pequenas, esse tipo de configuração é comum.

Instrumento

O poder se encontra fora da organização, que serve de instrumento para o alcance dos objetivos propostos pelo influenciador ou grupo de influenciadores dominantes. A hierarquia é rígida e o poder flui de fora para dentro.

2 A teoria de Mintzberg resultou de pesquisa em organizações na sociedade ocidental sobre o poder dentro e em torno das organizações.

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Missionária

O poder é a própria ideologia organizacional. A dinâmica da organização é centrada em uma missão que domina toda a atividade organizacional. Há um comprometimento afetivo.

Meritocracia

O poder é dos especialistas que, com base nas habilidades e no conhecimento, influenciam fortemente a organização.

Sistema autônomo

O poder é da coalizão interna, de pessoas que vivem o cotidiano das organizações. Os influenciadores são os próprios membros da organização que, para exercerem controle interno, usam de padrões burocráticos e trabalham com um sistema de metas.

Arena política

O poder fica dividido numa organização em crise em que os influenciadores perseguem seus objetivos individuais.

Para os autores Paz, Martins e Neiva (2004), essas configurações de poder são as mais comuns, mas não são estanques, pois as organizações vivem processos de transformação ou declínio.

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Reflita:

O assédio sexual no local de trabalho é um aspecto importante para

discussão, pois envolve poder e gênero. O assédio sexual é definido

como ato de constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou

favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de

superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego,

cargo ou função (Art 216 A - Lei 10.224).

E o assédio moral?

O assédio moral, que diz respeito à exposição das tra-balhadoras e trabalhadores a situações humilhantes, cons-trangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho ou no exercício de suas funções, também envolve uma intensa discussão sobre as relações de poder.

A questão do poder, da liderança e da comunicação são aspectos importantes na discussão sobre a teoria dos grupos. Muitos outros autores, como Pichon-Rivière (1998), analisa-ram a estrutura e o funcionamento dos grupos através do conceito de Grupos Operativos, baseado na teoria do vínculo. O Vínculo, estrutura psíquica complexa, de caráter social, um dos princípios organizadores do grupo operativo, é impor-tante para a compreensão do conceito, assim como a Tarefa, um outro princípio, que diz respeito ao modo pelo qual cada integrante do grupo interage a partir das suas necessidades. O grupo operativo configura-se como um modo de interven-ção, organização e resolução de problemas grupais. Através dessa teoria, é possível avaliar determinado grupo durante a realização de tarefas concretas, e identificar o campo de fan-tasias e simbolismos presentes nas relações interpessoais.

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Moscovici (1998) esclarece que o relacionamento inter-pessoal harmonioso proporciona um trabalho cooperativo, mas essas condições resultam das competências interpesso-ais que se expressam no interjogo entre sentimentos, intera-ções e atividades. As relações interpessoais e o clima de gru-po influenciam-se reciprocamente. Sentimentos de simpatia e atração nas organizações ensejam mais produtividade, ao passo que sentimentos de rejeição tendem a afetar as inte-rações, a comunicação e produzem queda na produtividade.

Na teia de relacionamentos, não podemos deixar de tratar da dimensão ética que regula as relações e as ações, pois a ética é o conjunto de valores e a moral que conduzem a pessoa a tomar decisões. Vidal (1998), sobre esse assunto, esclarece que a ética nasce da pessoa e se refere à pessoa, pois somos pessoas quando estamos em relação, partilhando e exercendo uma escuta sensível do outro.

Reflita:

O que significa ética? Ela define um modo de comportar-se com o

outro?

É o mesmo que moral?

E os valores morais?

Qual é a sua importância neste estudo sobre as relações interpessoais?

Para tratarmos desses termos, seus significados e re-lações, precisaríamos de mais uma aula, mas é importante enfatizar que ambas refletem o nosso momento histórico, não provêm da natureza, e sim da disposição humana para a sociabilidade e para valores como justiça, honradez, integri-dade, generosidade e tantos outros que dizem respeito a nós

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mesmos e às relações que mantemos com os outros.

Na contemporaneidade, há uma redescoberta da ética, esclarece Passos (2007), pois há exigências de valores éticos e morais em todas as instâncias sociais. No momento em que a nossa sociedade passa por uma crise de valores, identificada pelo senso comum como falta de decoro, de respeito pelo ou-tro, de limites e, também, pela dificuldade de internalizar as normas, leis e regras sociais, precisamos da ética, ciência que estuda o comportamento moral dos homens na sociedade, para compreender os valores que constituem a vida huma-na e que configuram os projetos de vida individuais ou co-letivos. Portanto, é importante identificar as bases morais da nossa sociedade hoje, as características das relações humanas e a repercussão desses aspectos nas dimensões subjetivas.

Precisamos, então, encontrar meios para melhor convi-ver com as pessoas, quer seja na família, no trabalho, na co-munidade. Para isso, torna-se necessário interrogar sempre:

Que valores estão orientando a minha vida e minha prática profissional? Qual é o meu projeto de vida? Quais são os compromissos que assumi com o outro, com a sociedade?

A preocupação com a dimensão humana, com a cons-trução do projeto de vida compromissado com a sociedade significa preocupação com a dimensão ética, “pois se esta-belece o respeito no lugar do desrespeito, a confiança em vez da desconfiança, o companheirismo e a solidariedade e não a competição cega e desenfreada” (PASSOS, 2007, p.124).

Ainda, como explica a autora:

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as pessoas são chamadas e incentiva-

das a mostrarem suas preferências e

suas competências, a reivindicarem e

participarem, sem o receio de serem to-

madas como impertinentes e criadoras

de problemas. a ética assegura o res-

peito à diferença e a inclusão de todos

e não somente dos que pensam e agem

dentro da mesma tendência (Passos,

2007, p.124).

A submissão às coisas e às exigências do mundo, para dar conta das ânsias de consumo e aquisição de bens, poderá ser rompida através da redefinição constante do papel social e da interrogação sobre a razão de ter que se submeter, aceitar uma condição. Saber escolher e construir espaços individuais e coletivos, em que o respeito seja ponderado e em que possa-mos participar fraternalmente de equipes de pessoas, implica reconhecer-me no outro.

Enfim, podemos nos sentir convocados a criar redes mais envolventes, a aprender a partilhar, a ser sensível ao outro...

São caminhos e compromissos de cada um.

Fiquemos, agora, com o poema de Olavo Bilac, que se-lecionamos para terminar a nossa aula:

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“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto ...

Direis agora: “Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

Fonte: BILAC, Olavo. Ora (direis) ouvir estrelas. Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/bilac2.

Saudações afetuosas!

síntEsE

Nesta aula, analisamos a importância das relações in-terpessoais nos grupos sociais e os elementos que interferem nessas relações. Discutimos os processos presentes nelas, como a comunicação, a liderança, entre outros.

QuEstão Para rEFLEXão

Assista ao vídeo Indivíduo Coletivo, da série “Não é o que parece”, disponível em http://www.pol.org.br/publicacoes/video_play_dvd05.cfm, e reflita sobre o conteúdo estudado.

Como podemos analisar a relação entre o individual e o coletivo?

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LEituras inDicaDas

Para aprofundar os seus conhecimentos, leia o texto:

CAMPOS, Vera Felicidade. A questão do ser, do si mesmo e do eu. Disponível em: <http://www.verafelicidade.com.br/page13.html>. Acesso em: 01 ago.2012.

sitEs inDicaDos

Assista aos vídeos e reflita sobre o conteúdo estudado:

Mesa redonda on-line Diálogos com a Psicologia Organizacional e do Trabalho - Evolução, desafios e novos rumos.

Assista ao debate disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Aaw6GTT7jgc>. Acesso em: 15 ago.2012.

Liderança: Profissão Impossível

Como se constrói um líder? Ele é realmente necessário? Nem sempre foi assim. O que se espera, então? Qual o papel da liderança? E do liderado? Disponível em: <http://www.pol.org.br/publicacoes/video_play_dvd06.cfm>. Acesso em: 15 ago.2012.

http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/videos_020701_0052.html

http://www.assediomoral.org/spip.php?article1

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rEFErÊncias

ALBUQUERQUE, F. J.; PUENTE-PALACIOS, K.E. Grupos e equipes de trabalho nas organizações. In: ZANNELI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J.; BASTOS, A. V. B. Psicologia, orga-nizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psico-logias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001.

BRASIL. Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/LEIS_2001/L10224.htm>. Acesso em: 26 maio.2012.

CAMPOS, V. F. A questão do ser, do si mesmo e do eu. Dis-ponível em: <http://www.verafelicidade.com.br/page13.html>. Acesso em: 01 ago.2012.

DAVIDOFF, L. Introdução à psicologia. São Paulo: Makron Books Editora, 2005.

GLASSMAN, W.; HADAD, M. Psicologia: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed, 2008.

HERSEY,P.; BLANCHARD,K.H. Psicologia para administra-dores: a teoria e as técnicas da liderança situacional. Trad. Edwino A. Royer. São Paulo: Editora Pedagógica e Universi-tária, 1986. p.189.

LANE, S. O processo grupal. In: LANE, S.; CODO, W. Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984.

190

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MINICUCCI, A. Relações humanas: psicologia das relações interpessoais. São Paulo: Atlas, 2001.

MINICUCCI, A. Relações humanas: psicologia das relações humanas. São paulo: Atlas, 2007.

MAXIMIANO, A. C. M. Teoria geral da administração. São Paulo: Atlas, 2007.

MORAN, J. M. A comunicação em grupo e organizações. Disponível: <http://www.eca.usp.br/prof/moran/reorg.htm>. Acesso em: 01 ago. 2012.

MOSCOVICI, F. Desenvolvimento interpessoal: treinamen-to em grupos. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1998.

PAZ, M. das G.; MARTINS, M. do C.; NEIVA, E. R. O poder nas organizações. In: ZANNELI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J.; BASTOS, A. V. B. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

PICHON-RIVIÈRE, E.; QUIROGA, A. P. Psicologia da vida cotidiana. São Paulo: Martins, 1998.

PASSOS, E. Ética nas organizações. São Paulo: Atlas, 2007.

ROBBINS, S. P. Comportamento organizacional. São Paulo: Prentice Hall, 2002.

SAWAIA, B. Identidade: uma ideologia separatista? In: SA-WAIA, B. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2004.

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SIBILIA, P. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

VIDAL, M. A ética civil e a moral cristã. São Paulo: San-tuário, 1998.

( 6 )

A dinâmica das relações nos grupos e equipes de trabalho

Cláudia Vaz Torres

Olá!Analisamos, nas unidades passadas, os grupos, as

relações interpessoais e os elementos que interferem nessas relações. Discutimos como nos constituímos como sujeitos, indivíduos singulares e com modos diversos e complexos de ser e estar no mundo. Compreendemos, também, que as inú-meras possibilidades de ser de cada um são construídas na interação com o outro e com o mundo. Nesta aula, ampliare-mos a discussão sobre as dinâmicas dos relacionamentos que ocorrem nos grupos e nas equipes de trabalho. Mas, antes de discutirmos sobre isto, precisamos assistir ao vídeo:

Trabalho em equipe:

http://www.youtube.com/watch?v=oYmWPucPRTQ

E, então? A partir do que foi abordado, é possível interrogar:

Quais são as principais dificuldades para a realização de um trabalho em equipe?

Qual é a diferença entre grupos e equipes de trabalho?

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o desempenho é o mesmo? E as relações?

Um grupo de trabalho tem por objetivo compartilhar informações e tomar decisões sem, contudo, ter o engajamen-to de um trabalho coletivo. São pessoas que dão a sua contri-buição individual, na área em que cada uma é responsável. A equipe de trabalho apresenta um esforço coletivo coordenado para o alcance de objetivos; uma responsabilidade compar-tilhada em torno de um projeto específico; certa autonomia para decidir e a efetividade da equipe é evidenciada a partir do seu desempenho e produção.

Há situações de desigualdade em um grupo de trabalho?

Em um grupo de trabalho, podemos analisar a divisão sexual do trabalho que envolve a constatação da situação de desigualdade e a necessidade da reflexão sobre os processos que existem na sociedade, que fazem essas diferenciações para hierarquizar essas atividades e os gêneros. Helena Hirata e Da-niele Kergoat (2007) analisam que a divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente de princí-pios (separação e hierárquico) que regem as relações sociais en-tre os sexos, que designam aos homens a realização de funções com maior valor social e às mulheres, a esfera reprodutiva.

Muitos autores definem grupos e equipes de trabalho de modo divergente. Albuquerque e Puente-Palacios (2004, p. 370-371), a partir dos estudos de Gonzáles, Silva e Cornejo (1996), esclarecem que grupos e equipes de trabalho possuem estruturas de desempenho bem diferentes.

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[...] as diferenças são claras, pois, en-

quanto os grupos se caracterizam por:

a) ter um líder claramente designado

por um elemento externo perante o

qual responde pelo grupo; b) trabalhar

em prol do objetivo da organização; c)

enfatizar, em aspectos individuais para

o desempenho, definição de responsabi-

lidades e estabelecimento de recompen-

sas; d) ter a sua efetividade evidenciada

a partir da influência que exercem so-

bre outros membros ou grupos da orga-

nização, as equipes se caracterizam por:

a) compartilhar as responsabilidades

que não recaem apenas sobre o líder; b)

trabalhar em prol de um projeto espe-

cífico e próprio; c) enfatizar no esfor-

ço conjunto tanto para o desempenho

como para recompensas e responsabili-

dades; d) ter a sua efetividade eviden-

ciada a partir dos produtos da equipe.

O comprometimento e a dinâmica das relações são di-ferentes nas equipes de trabalho, por conta do interesse nos resultados. As mudanças nas estruturas organizacionais que abandonaram um padrão de verticalização para a formação de equipes com mais autonomia e flexibilidade estão de acordo com o momento histórico e social de consolidação do capitalis-mo, do consumo, da competitividade e da necessidade de fle-

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xibilização do processo produtivo nas diversas organizações.

É importante considerar, conforme apontam analistas como Segnini (2000), que, no contexto atual, a força de traba-lho está fragilizada pela flexibilização das estruturas produti-vas, das formas de organização do trabalho, por meio do em-prego/desemprego. Com a difusão das tecnologias apoiadas na automação e informática e as mudanças na estrutura do mercado de trabalho marcadas pelas altas taxas de desem-prego, precariedade das formas de ocupação e a flexibilização da força de trabalho evidenciada nos contratos de tempo par-cial, subcontratação, terceirização. São importante a educação e a formação profissional aspectos necessários para adaptar os trabalhadores às mudanças técnicas e sociais.

Acrescentamos que o contexto, os recursos, a estrutu-ra, a liderança, o clima de confiança, o sistema de avaliação de desempenho, as recompensas, as habilidades dos integrantes para a solução de problemas, tomadas de decisões e relacio-namento interpessoal, são aspectos a serem observados antes da formação de uma equipe.

Depreendemos que as mudanças numa organização, tornando-as mais horizontalizadas, proporcionam desafios como saber e ter autonomia para decidir, lidar com a informa-ção rápida e com o poder implicado nas relações. A confiança que resulta do estabelecimento dessas relações numa equipe de trabalho torna as pessoas mais comprometidas, criativas e capazes de atuar em um ambiente dinâmico.

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Reflita sobre o trecho da música da Legião Urbana:

Sem trabalho eu não sou nada

Não tenho dignidade

Não sinto o meu valor

Não tenho identidade

Mas o que eu tenho

É só um emprego

(6.1)

Classificação das equipes

Há uma diversidade de classificação de equipes, entre-tanto, analisaremos a classificação adotada por Albuquerque e Puente-Palacios (2004). Para os autores, as equipes podem ser classificadas a partir do tempo de duração, natureza da atividade, organização dos elementos (objetivos, pessoas, tec-nologias, formas de desempenho), finalidades, etc.

Por tempo de duração

Permanentes - realização de tarefas permanentemente. Temporárias - realização de uma tarefa específica, por tem-po determinado.

Pela natureza do trabalho

Equipes de trabalho - execução de tarefas.

Equipes de desenvolvimento - incrementação da efeti-

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vidade dos processos organizacionais.

Pela organização dos elementos e finalidades

Grupos força-tarefa - priorização de um objetivo a ser alcançado

Equipes - valorização dos indivíduos e as relações interpessoais estabelecidas. Ex.: time de futebol

Tripulação - valorização do objetivo e da tecnolo-gia. Ex.: tripulação de um avião.

Robbins (2002) adota um outro modo para classifi-car as equipes, a saber:

Equipes de solução de problemas

Pessoas trocam ideias, oferecem sugestões sobre processos e métodos de trabalho. Raramente, a equipe tem autoridade para implementação de ideias.

Na década de 80, os Círculos de Qualidade formados por pequenos grupos de funcionários de uma organização, que se reuniam durante determinados períodos do trabalho para identificar, analisar e debater formas de melhorar a qualidade, a produtividade, reduzir custos, reduzir acidentes de trabalho, etc., eram exemplos de equipes de solução de problemas.

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Equipes de trabalho autogerenciadas

São grupos de funcionários que têm responsabilidade pela administração do seu trabalho e desenvolvimento de carreira, realizam trabalhos muito relacionados ou interdependentes e avaliam os desempenhos uns dos outros.

Equipes multifuncionais

São formadas por pessoas de nível hierárquico equivalente nas diferentes áreas de uma organização, que desenvolvem ideias, sugestões, solucionam problemas e coordenam projetos complexos.

Equipes virtuais

São pessoas que compartilham informações, tomam decisões, realizam tarefas on-line, utilizando meios de comunicação como redes internas ou externas, videoconferência, entre outros.

Para refletir:

Imagine situações que representem as equipes estudadas.

O que supera o individualismo nas equipes de trabalho?

Quais são as dificuldades enfrentadas por pessoas de nível hierárquico

equivalente, áreas e habilidades diferentes na solução de problemas de

uma organização?

Como conciliar as vaidades dos membros de uma equipe com os

objetivos da organização?

Períodos de turbulência diante de situações complexas

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e falta de confiança fazem parte do processo de desenvolvi-mento de uma equipe, em que pessoas possuem diferentes experiências, histórias e perspectivas. As equipes de trabalho passam por diferentes fases, que vão desde a formação até o favorecimento do desempenho de tarefas. Sobre isso, esclare-cem Albuquerque e Puente-Palacios (2004, p. 372):

Essas fases não são uma peculiaridade

das equipes de trabalho. são fases do

desenvolvimento na vida dos grupos,

e, como as equipes constituem um tipo

específico de grupo, passam também

por elas. De maneira adicional, cabe

destacar que nem todas essas etapas

são seqüências e pode ocorrer de voltar

de uma etapa para a anterior antes de

ir para a seguinte. isso pode ser conse-

qüência de mudanças ou pressões vin-

das do meio externo. também é possível

que uma equipe nunca atinja o estágio

final ou até faça o possível para não

atingi-lo.

Algumas fases do desenvolvimento das equipes po-dem ser identificadas, tornando mais fácil o reconhecimento de que as experiências e situações vivenciadas fazem parte de um processo de crescimento que, às vezes, precisam de uma intervenção direta.

Sabemos que trabalhar em equipe envolve desafios,

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principalmente quando estamos realizando um trabalho em um ambiente altamente competitivo. Robbins (2002, p. 261) acrescenta que:

Para ter um bom desempenho como

membro de uma equipe, a pessoa pre-

cisa ser capaz de se comunicar aberta

e honestamente, confrontar diferen-

ças e resolver conflitos, bem como

sublimar suas metas pessoais, para o

bem do grupo.

Para o autor, algumas pessoas possuem habilidades in-terpessoais que facilitam a realização de trabalho em equipe; outras, habituadas a contribuir e a serem reconhecidas pelo seu trabalho e desempenho individual, encontram dificulda-de para se perceberem como parte de uma equipe em que o reconhecimento por um desempenho satisfatório é comparti-lhado por todos e não apenas um.

[...] a implantação da equipe de trabalho

exige do indivíduo habilidades diferen-

tes daquelas exigidas para realizar o

trabalho sozinho. ao trabalhar em equi-

pe, facilmente pode-se perder o controle

sobre a evolução do trabalho, os avanços

tidos ou os problemas enfrentados, pois

não depende mais do que um indivíduo

faz ou deixa de fazer, depende agora do

esforço conjunto. (aLBuQuErQuE;

PuEntE-PaLacios, 2004, p. 377)

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Depreendemos, com a citação, que algumas habilida-des são imprescindíveis para o trabalho em equipe.

Reflita:

Como desenvolver habilidades de resolução de problemas, comunicação, manejo de conflitos, gerenciamento, etc.?

É possível desenvolver habilidades de resolução de problemas, comunicação, manejo de conflitos, gerenciamento, etc., embora envolva um exercício de paciência e um eficien-te sistema de recompensas individuais e coletivas, acompa-nhado de uma boa comunicação entre as pessoas que fazem parte de uma equipe e de uma disponibilização adequada pela organização das informações que são necessárias para a análise da relação entre esforço, desempenho e resultados.

Alguns funcionários possuem excelentes habilidades interpessoais, mas outros precisam de treinamento para me-lhorá-las. Isso inclui aprender a ouvir, a comunicar as ideias de maneira mais clara e a ser um membro mais eficaz na equipe (ROBBINS, 2002, p. 469).

além das habilidades interpessoais e

habilidades técnicas, é também possível

desenvolver o raciocínio e a habilidade

de identificação de problemas, de le-

vantamento das causas, alternativas e

soluções para ampliar a efetividade de

uma equipe.

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Acrescentamos que não existem procedimentos únicos para o alcance dos objetivos nas equipes, é preciso sempre uma atenção ao contexto, aos recursos disponíveis, ao tem-po, à seleção dos membros, aos mecanismos que favorecem o desempenho, entre outros. Assim, na construção de uma equipe, é importante analisar os processos que ocorrem, de-terminar como o trabalho vem sendo realizado, analisar os papéis de cada um, a percepção que as pessoas têm em rela-ção aos outros, os estereótipos e os conflitos.

Depois da formação de uma equipe, é traçado, pelos integrantes, um projeto de trabalho que possibilitará respon-sabilidade, comprometimento e autonomia de cada um. Sen-do assim, o comprometimento de todos com um propósito comum, o estabelecimento de metas específicas, a identifica-ção dos níveis de conflito e a contribuição com a formação de pessoas como membro de uma equipe são pontos que preci-sam ser destacados.

síntEsE

Nesta aula, discutimos as dinâmicas dos relaciona-mentos que ocorrem nos grupos e nas equipes de trabalho. Na próxima aula, refletiremos sobre a importância das emo-ções e dos afetos no cotidiano do trabalho.

QuEstão Para rEFLEXão

Como preparar pessoas para serem membros de uma equipe?

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LEitura inDicaDa

ROBBINS, S. P. Comportamento organizacional. São Paulo: Prentice Hall, 2002.

sitEs inDicaDos

http://www.rh.com.br/ler.php?cod=4539

http://www.catho.com.br/estilorh/index.phtml?combo_ed=95&secao=200

rEFErÊncias

ALBUQUERQUE, F. J.; PUENTE-PALACIOS, K. E. Grupos e equipes de trabalho nas organizações. In: ZANNELI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J.; BASTOS, A. V. B. Psicologia, orga-nizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

ROBBINS, S. P. Comportamento organizacional. São Paulo: Prentice Hall, 2002.

SEGNINI, L. Educação e trabalho: uma relação tão necessá-ria quanto insuficiente. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/spp/v14n2/9791.pdf Acesso em: 28 ago. 2012.

( 7 )

Emoções, sentimentos e afetos: delimitações conceituais e repercussões

no cotidiano do trabalho

socorro, alguém me dê um coração,

Que esse já não bate nem apanha

Por favor, uma emoção pequena,

Qualquer coisa

Qualquer coisa que se sinta,

tem tantos sentimentos, deve ter

algum que sirva Arnaldo Antunes

Olá!

Nesta unidade, iremos refletir sobre a importância das emoções, sentimentos e afetos na composição da nossa dimensão subjetiva, e discutiremos sobre a importância das emoções e afetos no cotidiano do trabalho.

Você conhece bem as suas emoções?

Os afetos determinam o nosso comportamento?

Quais afetos acompanham seus pensamentos e fantasias?

Como conciliar as diferentes emoções com as obriga-ções do trabalho?

O que controla a sua emoção? É a cognição?

Qual a importância da cognição no estudo sobre as emoções?

Cláudia Vaz Torres

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Todos os nossos campos de estudo, trabalho, lazer, etc. são extremamente ricos em objetos, pessoas e situações que despertam reações afetivas, cognitivas e comportamentais. Falamos, então, em afeto, emoção, sentimento; mas, antes de respondermos as perguntas feitas anteriormente, faz-se im-portante compreender o significado de cada termo.

Até o século XIX, os termos emoção e sentimento eram utilizados de modo indiscriminado. Atualmente, distinguimos esses termos de modo mais preciso. A emoção diz respeito a um estado agudo e transitório e o sentimento é um estado mais atenuado e durável, esclarece Bock, Furtado e Teixeira (1993).

Gondim e Siqueira (2004) aprofundam a compreen-são e esclarecem que não há consenso em relação às defi-nições das diversas manifestações afetivas. Os autores re-sumem, da seguinte forma, os estados afetivo-emocionais, que incluem as emoções e afetos:

na maior parte das definições há forte

associação das emoções com alterações

fisiológicas e corporais desencadeadas

por estímulos internos ou externos que

parecem não estar sob total controle

consciente da pessoa. os afetos abarca-

riam os sentimentos, os humores e os

temperamentos, que teriam em comum

sua maior persistência no tempo e sua

relação com aspectos cognitivos. os

sentimentos não estariam relacionados

à prontidão da ação tanto quanto as

emoções, mas à interpretação subjetiva

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da situação que pela persistência do ob-

jeto na memória faria perdurar o afeto

em relação a ele. o humor também seria

um estado afetivo mais duradouro, mas

não estaria relacionado especificamen-

te a um objeto, repercutindo de modo

significativo na maneira como a pessoa

agiria em vários contextos de interação

durante o período de permanência de

seu estado afetivo. o temperamento,

por sua vez, seria a manifestação de um

estado afetivo individual persistente

no tempo, pouco passível de modifica-

ção por fatores circunstanciais e que

estaria incorporado nas características

subjetivas de cada pessoa. (GonDim;

siQuEira, 2004, p. 211)

Assim, depreendemos que os afetos estão presentes na vida da pessoa, constituem a nossa dimensão subjetiva e marcam a nossa relação com o outro. Porém, definir os esta-dos afetivos tem criado divergências teóricas no que diz res-peito à ênfase em determinados aspectos, como a influência da cultura na expressão das emoções e afetos.

Henry Wallon, um importante teórico da Psicologia, destacou as manifestações da vida afetiva, como as emoções, os sentimentos e os desejos nos seus estudos sobre o desen-volvimento da pessoa humana, numa perspectiva integrada. Para o autor, somos pessoas completas em que o afeto, a cog-nição e o movimento são interdependentes e participam das nossas relações. Na análise walloniana, a afetividade é um

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conceito mais abrangente no qual se inserem manifestações ou expressões, como a emoção.

A emoção, para o autor, é uma atividade eminente-mente social, que se nutre do efeito que causa no outro.

As emoções possuem características específicas que as distinguem de outras manifestações da afetividade. São sempre acompanhadas de alterações orgânicas, como acele-ração dos batimentos cardíacos, mudanças no ritmo da respi-ração, dificuldades na digestão, secura na boca. Além dessas variações no funcionamento neurovegetativo, perceptíveis para quem as vivem, as emoções provocam alterações na mímica facial, na postura, na forma como são executados os gestos. Acompanham-se de modificações visíveis do exterior, expressivas, que são responsáveis por seu caráter altamente contagioso e por seu poder mobilizador do meio humano.

no bebê, os estados afetivos são, inva-

riavelmente, vividos como sensações

corporais, e expressos sob a forma de

emoções. com a aquisição da lingua-

gem diversificam-se e ampliam-se os

motivos dos estados afetivos, bem como

os recursos para sua expressão. tor-

nam-se possíveis manifestações afeti-

vas como os sentimentos, que, diferente

das emoções, não implicam obrigatoria-

mente em alterações corporais visíveis

(GaLVÂo, 2003, p. 61-62).

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A análise walloniana sobre a emoção traz importantes elementos para que possamos compreender melhor o com-portamento emocional, as situações de conflitos, as crises e identificar os fatores que provocam os conflitos, os posiciona-mentos das diferentes pessoas que acirram a crise, as nossas próprias reações e o que reduz a temperatura emocional.

O exemplo, a seguir, ilustra essa ideia:

confusão começou com discussão entre

duas meninas; em outra oportunida-

de, teriam tentado pôr fogo no colégio

“Porrada, porrada, porrada.” Foi em

meio a esses gritos que os alunos da

Escola Estadual amadeu amaral, no

Belém, zona leste de são Paulo, come-

çaram a depredar o colégio, por volta

das 9h40 de ontem. Pedras e carteiras

foram arremessadas nos vidros, por-

tas arrombadas, tapas e socos fizeram

os professores, acuados, se trancarem

dentro de uma sala. a “rebelião” só

terminou por volta das 12 horas com

a entrada da Polícia militar, acio-

nada por vizinhos e funcionários da

unidade. Em meio à correria, ado-

lescentes de 5ª a 8ª séries choravam

e gritavam e a diretora da escola des-

maiou, segundo testemunhas. u., uma

aluna de 15 anos que teria sido pivô

da confusão, ficou levemente ferida.

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[...] um professor, que pediu para não

ser identificado, afirma que desde o iní-

cio do ano os alunos têm quebrado jane-

las e até tentaram botar fogo na escola

na segunda-feira passada [...] (rEH-

DEr, 2008, s.p.)

Esse fato, ocorrido numa sala de aula, é apenas uma das situações que acontecem em muitas outras escolas do país, mas que reflete uma situação de tensão emocional, em que professores e alunos convivem com agressões verbais e físicas no ambiente escolar.

Reflita:

Como enxergar e lidar com essa situação de modo mais objetivo? Por

que os grupos apresentam um espaço propício para manifestações

emocionais coletivas?

Para Wallon, as emoções têm um poder de contágio e propiciam relações interindividuais nas quais se diluem os contornos da dimensão subjetiva de cada um. O poder con-tagioso e coletivo da emoção tem uma importância decisiva na coesão do grupo social, pois estabelece uma comunhão imediata, esclarece Galvão (2003).

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Vamos assistir ao vídeo do Pink Floyd - The Wall: http://www.youtube.

com/watch?v=HxsexRjNcb4 e refletir sobre o conteúdo da nossa aula:

Como analisou as manifestações das emoções?

A partir do vídeo, podemos depreender que a apo-logia à disciplina, o adestramento, a racionalidade e a ten-tativa de suprimir os impulsos, impedindo a manifestação das emoções, podem provocar uma explosão de emoções que resulta em ações negativas.

Nas revistas semanais ou em jornais, podemos encon-trar relatos de experiências que evidenciam os benefícios das expressões das emoções na vida pessoal e profissional, e os danos que podem advir quando guardamos tudo para nós mesmos por conta da dificuldade em expressar as an-gústias, o medo, a raiva, etc., ou pelo receio de ser conside-rado frágil, imaturo, passional, etc. diante de uma repentina manifestação de emoções.

Embora exista o preconceito com relação à livre ex-pressão das emoções, é importante enfatizar que as emoções permitem a comunicação interpessoal, a manutenção das re-lações, a interação social e a preparação para a ação diante de situações importantes para a nossa sobrevivência.

Acrescentamos, porém, que nas pesquisas em Psicolo-gia existem muitas divergências teóricas, uma delas em con-sequência da função que a emoção cumpre na vida da pessoa.

As discordâncias com relação à ênfase nas funções bio-lógica, psicológica ou social da emoção não são únicas, pois existem outros focos de divergência. Quanto à compreensão

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de como ocorre o processo emocional e o nível de consciência da resposta emocional, esclarecem Gondim e Siqueira (2004).

As abordagens biológicas defendem que:

o cérebro, ao detectar subliminarmen-

te por meio de algum mediador um

determinado estimulo, desencadeia re-

ações fisiológicas, tais como aumento

dos batimentos cardíacos, sudorese e

sensação de calor, que ao se tornarem

conscientes fariam com que a pessoa

procurasse interpretar o evento atri-

buindo estados afetivos: medo, tristeza,

alegria, etc. (GonDim; siQuEira,

2004, p. 212).

A abordagem cognitiva incorporou alguns aspectos das teorias de origem biológica, mas enfatizou a emoção e o afeto como manifestações culturais que dependem dos con-textos sociais. Nessa perspectiva, a excitação biológica, como as mudanças na frequência cardíaca, na respiração e na pres-são sanguínea, é importante, mas é preciso analisar o modo como a nossa interpretação da situação influencia as nossas emoções, em termos de como percebemos o seu efeito no nos-so bem-estar ou em nossos objetivos. Nessa abordagem, Glas-sman e Hadad (2008) esclarecem:

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[...] as emoções atualmente desempe-

nham um papel muito mais matiza-

do em nossas vidas, em grande parte

graças à influencia dos processos cog-

nitivos. através da interpretação per-

ceptual e da memória das experiências

passadas, avaliamos as situações para

sentir não apenas medo ou prazer,

mas também amor e tristeza, orgulho

e vergonha. como acontece com mui-

tos fenômenos, o entendimento final da

emoção pode envolver uma interação

complexa de diferentes fatores - e os

processos cognitivos certamente serão

um fator. (GLassman; HaDaD,

2008, p. 222)

Assim, compreendemos que o modo como interpreta-mos o contexto tem um importante papel nas emoções e que essas diferenças estão muito baseadas na aprendizagem, atra-vés das interações que ocorrem na cultura.

Outras abordagens como a filosófica, comportamental e clínica adotam premissas específicas para a compreensão das emoções e afetos:

- Abordagem filosófica - este tema é tratado desde a Antiguidade. Nesta abordagem, os filósofos partem da pre-missa de que o afeto implica uma ação sofrida e que a emoção está na base da formação moral.

- Abordagem comportamental – baseada no estudo de eventos observáveis, enfatiza os fatores externos no desenca-

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deamento das emoções. Para esta abordagem, as emoções são condicionadas. Glassman e Hadad (2008) citam, como exemplo:

um bebê recém-nascido pode instin-

tivamente responder ao contato com o

corpo da mãe, mas, mais tarde, essa res-

posta agradável torna-se associada ao

rosto da mãe e, mais tarde ainda, a ob-

jetos da casa e, talvez, mesmo a própria

casa. os indivíduos que experimentam

prazer ao escutar uma velha canção

favorita experimentam emoções que se

tornaram associadas ao estimulo condi-

cionado da música. mesmo quando va-

mos ao cinema, o condicionamento está

envolvido (provavelmente através de

um processo de ordem mais elevada em

nossas reações aos heróis, aos vilões e a

várias situações intrigantes). (GLass-

man; HaDaD, 2008, p. 138)

Os teóricos desta abordagem acreditam que a aprendi-zagem é o principal fator para explicar as mudanças de com-portamentos e, dependendo do tipo de resposta, isso envolve o condicionamento clássico, que destaca que os estímulos condicionados vão eliciar respostas condicionadas, ou o con-dicionamento operante, que enfatiza a possibilidade de uma resposta voluntária mudar em função das consequências am-bientais. O condicionamento clássico e o condicionamento operante estão inter-relacionados no nosso comportamento, mas esta abordagem postula que a aplicação do condiciona-

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mento operante ao comportamento cotidiano consiste na mo-dificação do comportamento.

De qualquer modo, assim como os pensamentos, os sentimentos e os outros estados mentais internos não po-dem ser estudados empiricamente, portanto, não têm lugar nesta abordagem.

- Abordagem clínica – aborda as emoções como pertur-bações decorrentes da dinâmica psíquica inconsciente, centra a atenção nos processos psicopatológicos. O conceito abrange uma intricada rede de outros conceitos, como angústia e pul-são. O afeto é um estado emocional permanente e intenso, que inclui toda a variedade de sentimentos e que estão pre-sentes ao longo da nossa vida.

Leia um trecho do texto “O afeto no tempo” de Corrêa (2005). Disponível em: http://www.cbp.org.br/rev2806.htm

a partir deste ponto Lacan propõe re-

considerar outros textos de Freud sobre

o afeto. a separação entre representa-

ção e quantidade (quantum) e a separa-

ção entre o intelectual e o afetivo criam

dificuldades no seu entendimento. La-

can nos diz então que “algo no afeto é

verdadeiro como um signo, quer dizer,

ele é imediatamente compreensível”

Laurent (1986). o afeto seria uma rela-

ção, um acesso direto ao verdadeiro in-

dependente da cultura, da época ou da

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língua. Existe sua expressão como as

lágrimas na tristeza, o riso na alegria,

embora esse riso possa também, em de-

terminadas circunstâncias, expressar

ferocidade, como é o caso dos chineses.

o ponto de partida para a compreensão

do afeto pela psicanálise tem sido sem-

pre a manifestação histérica. Em 1915

Freud disse que o afeto é um ataque

histérico codificado, estabelecido e fi-

xado na espécie. Daí possivelmente La-

can ter considerado o afeto como uma

estrutura de ficção, como no sintoma

histérico. Dito de outro modo, o sujeito

histérico sabe que o afeto mais verda-

deiro é faz-de-conta, é semblante. Esta

questão coloca o próprio sujeito frente

à suspeição sobre a verdade e não-ver-

dade do próprio afeto. no seu conflito, é

comum o histérico declarar as dúvidas

sobre a autenticidade ou veracidade de

seus afetos e até de suas paixões.

Em televisão, Lacan (1973) ensina

também que o afeto não é verdadeiro,

ele é aquilo que deve ser verificado. na

experiência analítica precisamos fa-

zer com que o afeto seja tomado como

verdadeiro, isto é, explorar aquilo que

no afeto tem a ver com o inconsciente.

mas, precisamos saber até que ponto

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um afeto procede do inconsciente. Para

Lacan o afeto não é sentimento, como

a angústia. não sendo um sentimento

é uma paixão, ou como está dito mais

claramente: “o afeto é uma paixão da

alma”, reforçando a diferença entre afe-

to e paixão.

Lacan (1973) nos diz, então, que o afeto traz algo para ser decifrado, compreendido e interpretado, o afeto não é sen-timento, como podemos compreender a angústia. Não sendo um sentimento, é uma paixão; ou como explica: o afeto é vi-venciado como uma paixão da alma. Tal definição explica a diferença entre afeto e paixão.

Nesta direção, compreendemos que o afeto permeia a nossa condição humana e pode ser percebido no nosso modo tão singular de expressar a nossa divisão, o nosso desassossego, a nossa falta, tudo que nos move e nos torna sujeitos desejantes.

E no trabalho, como as emoções são vivenciadas?

O trabalho, além de viabilizar a construção de um lu-gar singular para mulheres e homens, repercute também na subjetividade, à medida que dá origem a novas referências e atitudes frente à realidade.

Na psicanálise, Freud (1930), no texto O Mal-Estar na Civilização, revela que um dos aspectos que parece melhor caracterizar a civilização é a estima e o incentivo à atividade. Quando o homem descobriu que estava em suas mãos melho-rar a sua sorte na terra e dominar a natureza através do traba-lho, um outro homem que trabalhasse com ele ou contra ele

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passou a não ser mais indiferente, passou a ser um auxiliar na garantia de melhores condições de vida. “Esse outro ho-mem adquiriu para ele o valor de um companheiro de traba-lho, com quem era útil conviver.” (FREUD, 1930, p. 119). Desse modo, através das atividades humanas, há um deslocamento de grande quantidade de componentes libidinais, agressivos e eróticos para a utilidade, obtenção de prazer e substituição do poder do indivíduo em prol de uma comunidade.

Sabemos que, principalmente no contexto de trabalho, os aspectos afetivos sempre foram desconsiderados em prol da objetividade, da previsibilidade, da estabilidade e do controle. Pensar um espaço em que exista a espontaneidade, a impulsi-vidade e a expressão de emoções tem sido possível nos dias de hoje, por conta da valorização da afetividade e da sua impor-tância nas análises sobre motivação e satisfação no trabalho.

Tornou-se um imperativo, na contemporaneidade, co-nhecer mais sobre as pessoas e os seus processos psicológicos. A nossa realidade, alicerçada nas bases aparentemente ilusórias da cultura do espetáculo e da visibilidade, exercem uma pres-são, como esclarece Sibilia (2008) sobre as subjetividades, para que estas se projetem de acordo com os novos códigos e regras. Mas, as pessoas não mudam facilmente para se tornarem com-patíveis com as engrenagens da cultura organizacional.

Precisamos, então, sempre considerar que a prescrição de papéis, que cada pessoa inserida num contexto organiza-cional irá exercer, auxilia na lógica da racionalidade que pre-valece nesses ambientes e que define o que, como e quando fazer, mas não assegura que as ações realizadas pelas pessoas serão bem feitas e bem-sucedidas. Isso ocorre porque as pes-soas vivem um turbilhão de emoções construídas nas suas relações familiares, comunitárias, de lazer, trabalho, etc. e to-

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dos esses processos repercutem no seu fazer diário. Por isso, para analisarmos as repercussões das emoções, sentimentos e afetos no mundo do trabalho, importa refletir, inicialmente, sobre a relação entre cognição e afeto.

A psicologia possui diferentes abordagens teóricas, uma delas é a cognitivista. Esta abordagem prioriza todos os processos envolvidos no conhecer (BASTOS, 2004). A ativida-de de conhecer inclui, de acordo com o autor, construção, or-ganização e uso de conhecimento; algo que vai além do pro-cessamento, armazenamento e recuperação de informações e que envolve o raciocínio, julgamentos, afirmações, atribui-ções e interpretações. A cognição, então, não deve ser tradu-zida apenas como atividade racional, intelectual e consciente.

As abordagens cognitivistas têm um importante papel na análise da complexa relação entre contexto de trabalho e comportamento do trabalhador.

Para Bastos (2004), a importância que vêm assumindo as variáveis cognitivas nos estudos sobre as organizações deve-se ao reconhecimento de que a natureza do ambiente ao qual o indivíduo responde é construída nos seus processos de interação social. Pesquisador da Universidade Federal da Bahia, Antonio Virgilio Bittencourt Bastos conduz um con-junto de pesquisas sobre cognição e organização. Ele esclare-ce que a ênfase nos processos cognitivos, ou no entendimento do que as organizações são, e os processos nelas envolvidos, não devem nos levar a uma visão simplista das complexas relações que unem a cognição humana e os processos consti-tutivos das organizações de trabalho, pois não existem rela-ções simples e lineares, como também não há uma tecnologia cognitiva efetiva que ajude a lidar com os problemas organi-zacionais. Não há, então, como fixar modelos ou adotar ma-

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nuais sobre como gerenciar cognições individuais e coletivas.

Analisar em profundidade a cognição humana é um importante aspecto para a compreensão de vários fenôme-nos. Sobre esses fenômenos, Bastos (2004) esclarece:

Estes, vão desde as percepções indivi-

duais sobre eventos, passam pelas in-

terações e seus conflitos no interior de

díades e pequenos grupos de trabalho,

pelas cognições e decisões das pessoas

com poder gerencial de moldar regras

e estruturas, e chegam até aos proces-

sos pelos quais o ambiente é percebido

e interpretado e como tais percepções

influem na formulação de planos, pro-

jetos e políticas, tidos como necessários

para a sobrevivência e melhoria das

organizações. (Bastos, 2004, p. 203)

Compreendemos, com o autor, que os estudos sobre a cognição humana possibilitam a compreensão sobre as per-cepções individuais, as interações, os conflitos, as lideranças, as relações de poder, as retaliações, etc. Os avanços nesse campo de estudo destacam que as pessoas são ativas na cons-trução da sua realidade, interpretam o seu mundo, intera-gem, e não podem ser manejadas no ambiente organizacional na mesma lógica que os recursos materiais o são.

A cognição e a emoção são processos imbricados e in-

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separáveis no contexto de uma organização e em todos os outros em que estejam presentes as ações humanas. A abor-dagem da cognição e do papel das emoções no campo dos es-tudos organizacionais ampliou o debate sobre as pessoas, os seus processos psicológicos e rompeu com a ideia da ênfase na racionalidade, no ambiente de trabalho.

Esses estudos promovem a compreensão do modo como o ambiente externo repercute nas manifestações afeti-vas e como há uma tentativa constante de neutralizar, norma-lizar, ajustar a expressão das emoções a diferentes situações sociais. Algumas emoções devem ser inibidas para garantir o bem-estar coletivo.

Você concorda que as emoções devem ser inibidas?

Quais manifestações afetivas devem ser inibidas?

E a inveja, a raiva e o ciúme?

E, ainda, a hostilidade, a atitude de retaliação, a insegurança?

Como devem ser consideradas as manifestações afetivas no ambiente

de trabalho? É possível um trabalho emocional para compreender e

redirecionar essas manifestações? É possível padronizar a expressão das

emoções no ambiente de trabalho para que todos demonstrem alegria e

satisfação?

Vamos analisar, então, as emoções a partir da HQ “Conveniências emocionais”, de campos de estudo e pesqui-sa sobre o assunto:

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“Conveniências emocionais” de Vinicius Mitchel disponível em oglobo.

globo.com/blogs/gibizada/default.asp?a...

A HQ “Conveniências emocionais”, as questões ante-riores e tantas outras questões são de interesse de estudiosos que discutem a afetividade no contexto do trabalho. As in-vestigações sobre as condições de trabalho (físicas, temporais, sociais) e sua relação com a afetividade do trabalhador po-dem ser encontradas em estudos realizados na primeira me-tade do século XX. Nesses estudos, em que é apontada a visão mecanicista, há o esclarecimento de que o homem é avesso ao trabalho e o realiza com desagrado, tendo como incentivos, o dinheiro e o medo do desemprego. Para aqueles que não concordavam com a visão mecanicista, uma configuração adequada do ambiente de trabalho poderia tornar as pessoas mais felizes, produtivas e assíduas no trabalho e contribuir com o bem-estar físico e emocional de todos os envolvidos (GONDIM; SIQUEIRA, 2004)

Nesse campo de investigação, alguns pesquisadores têm profundo interesse em conhecer como agem as pesso-as emocionalmente inteligentes e como é possível aprender a controlar as emoções (GOLEMAN, 1995).

Goleman (1995) analisou as habilidades que as pes-soas emocionalmente inteligentes possuem - como au-toconsciência, automotivação, autocontrole, empatia e sociabilidade - e reconheceu que essas habilidades são im-portantes na solução de problemas, na regulação de ações em diversos contextos, no conhecimento de si (inteligência intrapessoal) e na interação satisfatória com os outros. Sa-ber lidar com emoções implica saber identificar o impacto

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das emoções no ambiente de lazer, familiar e de trabalho e tomar a iniciativa para saber responder às emoções confli-tantes das pessoas de modo construtivo.

Para saber mais sobre a inteligência emocional, leia a entrevista de Daniel

Goleman no endereço que está disponível a seguir:

http://www.abrae.com.br/entrevistas/entr_gol.htm

(7.1)

A afetividade no contexto de trabalho

Vamos iniciar nossa reflexão sobre o tema, através da leitura do texto, a seguir:

Emoções e manifestações afetivas discre-

tas no trabalho

Emoções discretas no trabalho são de-

finidas como manifestações afetivas de

qualidades distintas. Entre elas estão,

por exemplo, o medo, a raiva, a surpresa,

a alegria, a tristeza e o asco. no Brasil,

pouco se tem dado atenção aos estudos

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que são voltados para as emoções discre-

tas no trabalho.

uma pesquisa de mendonça (2003), po-

rém, vem avaliar uma outra manifestação

afetiva discreta, a retaliação. Ele avaliou

se a orientação dos valores individuais,

a percepção de justiça organizacional e a

percepção e o julgamento da retaliação in-

fluenciam a atitude de retaliação, dentro

da organização. a atitude de retaliação

seria formada por dois componentes, o

afetivo e o conativo. o componente afe-

tivo da atitude de retaliação se apoia na

crença de que a injustiça provoca ressen-

timento e também no próprio sentimento

de indignação para com a organização. Já

o componente conativo inclui a tendência

consciente para retaliar, sendo que, para

a pessoa, esta é a maneira mais adequada

para reparar uma injustiça.

Dentre as conclusões da pesquisa, con-

tatou-se que a percepção e o julgamento

da retaliação favorecem a atitude de reta-

liação. Porém, nesse aspecto, nem sempre

os trabalhadores irão reagir com a mesma

intensidade emocional às injustiças, pois

nem todos a perceberão da mesma forma.

constatou-se também que pessoas com

mais tempo na organização tendem a ter

atitudes de retaliação.

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a escolaridade pareceu não influen-

ciar nessas atitudes, porém pessoas com

maior grau de instrução percebem injus-

tiças na empresa com mais rapidez e de

forma mais aguçada. no entanto, mesmo

as percebendo com mais clareza, elas não

avaliam a retaliação como a melhor forma

de reparação.

outro aspecto constatado foi o de que car-

gos de chefia não aprovam a retaliação e

tendem a perceber poucas injustiças, de-

vido ao grau de comprometimento com a

empresa e seus valores. Em relação aos

aspectos individuais, pessoas que visam

alcançar objetivos apenas pessoais, den-

tro da empresa, estão mais propensas às

atitudes de retaliação.

uma das limitações dessa pesquisa está no

fato de que ela avalia a retaliação apenas

no plano cognitivo e não a atitude propria-

mente dita, ou seja, ela analisa a propensão

à retaliação, o que não é o mesmo que ana-

lisar a retaliação na prática das empresas.

isso ocorre porque, mesmo agindo de for-

ma coerente com nossos sentimentos, nem

sempre essa relação se estabelece de modo

concreto, ainda mais em organizações,

onde não se permite quaisquer atitudes de

agressão ou violência.

Fonte: Emoções e Afetos no Trabalho - Psicologia Organizacional - Atuação - Psicologado Artigos http://artigos.psicologado.com/atuacao/psicologia-organizacional/emocoes-e-

-afetos-no-trabalho#ixzz22dKczcfn

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Uma perspectiva de estudo no campo da Psicologia so-bre a afetividade é a teoria sobre as atitudes, explicam Gon-dim e Siqueira (2004), que compreende as atitudes como uma rede de sentimentos, crenças, tendências para agir em dire-ção a pessoas, grupos, ideias e objetos.

Esta abordagem foi a que conseguiu levar maior núme-ro de pesquisadores em Psicologia e de outras áreas correlatas a investigar afetividade no contexto de trabalho. Ela também pode ser apontada como o principal eixo teórico responsável pelo conhecimento psicossocial aplicado ao trabalho durante o século XX, tendo como seus principais representantes os conceitos atitudinais denominados por: satisfação no traba-lho, que diz respeito ao grau de contentamento com chefia, colegas, salário, promoções e trabalho realizado; envolvimen-to com o trabalho, que pode ser compreendido pelo nível de identificação com o trabalho realizado e o comprometimento organizacional afetivo, que são os afetos dirigidos à empresa empregadora (GONDIM; SIQUEIRA, 2004).

Depreendemos, com os autores, que satisfação, envol-vimento e comprometimento com o trabalho são vínculos que se relacionam entre si.

O conceito de satisfação no trabalho envolve mais que grau de contentamento com chefia, colegas, salário, promoções e trabalho realizado. A satisfação no trabalho, que resulta de ex-periências no meio organizacional e tem os seus desdobramen-tos na vida social da pessoa, é um aspecto a ser destacado por ser um indicador de influências do trabalho na saúde mental, na relação entre trabalho e vida familiar e entre trabalho e vínculos afetivos. A satisfação no trabalho, afirmam Siqueira e Gomide Junior (2004), abrange um bem-estar semelhante à satisfação ge-ral com a vida, estado de ânimo, otimismo e autoestima.

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Este conceito, assim como tantos outros que estudamos ao longo da disciplina, possui as suas divergências, pois al-guns consideram a satisfação no trabalho como um conjunto de reações específicas a vários componentes do trabalho, que produzem graus diferentes de satisfação ou insatisfação. Ou-tros aspectos também são considerados como fontes de satis-fação, como: relação com a chefia, com os colegas, atribuições do cargo, o salário e as chances reais de promoção (GONDIM; SIQUEIRA, 2004). Para outros, a satisfação no trabalho incide na proximidade do trabalho com a casa, na carga horária, nos benefícios, etc.

De qualquer modo, é importante destacar que a sa-tisfação no trabalho, que também diz respeito à natureza de um vínculo afetivo, promove melhor desempenho, mais produtividade e bem-estar.

Para tratarmos desse assunto, convém uma reflexão so-bre um ponto extremo que diz respeito ao sofrimento mental relacionado ao trabalho. As políticas internas da organização, a política de pessoal, a competitividade, as práticas gerenciais e de organização do trabalho produzem diferentes sentimen-tos, criam culturas e novos modos de subjetivação.

Algumas vezes, as situações de medo, insegurança, in-certeza, as retaliações, as injustiças, o individualismo em di-ferentes contextos que a pessoa está inserida produzem um mal-estar e, em certas circunstâncias, um sofrimento psíquico.

Elizabeth Roudinesco (2000), psicanalista, esclarece que o sofrimento psíquico manifesta-se, atualmente, sob a forma de depressão.

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atingido no corpo e na alma por essa

estranha síndrome em que se misturam

a tristeza e a apatia, a busca de identi-

dade e o culto de si mesmo, o homem

deprimido não acredita mais na valida-

de de nenhuma terapia. (rouDinEs-

co, 2000, p. 13)

Para a autora, antes de buscar vencer o vazio refletindo sobre as causas da angústia, a pessoa trata as suas dores com receitas médicas. Sobre isso, ela acrescenta:

Quanto mais a sociedade apregoa a

emancipação, sublinhando a igualdade

de todos perante a lei, mais ela acentua

as diferenças. no cerne desse dispositi-

vo, cada um reivindica sua singulari-

dade, recusando-se a se identificar com

as imagens da universalidade, julgadas

caducas. assim, a era da individualida-

de substituiu a da subjetividade: dando

a si mesmo a ilusão de uma liberdade

irrestrita, de uma independência sem

desejo e de uma historicidade sem his-

tória, o homem de hoje transformou-se

no contrário do sujeito. Longe de cons-

truir seu ser a partir da consciência

das determinações inconscientes que

o perpassam à sua revelia, longe de ser

uma individualidade biológica, longe

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de pretender-se um sujeito livre, des-

vinculado de suas raízes e de sua cole-

tividade, ele se toma por senhor de um

destino cuja significação reduz a uma

reivindicação normativa. Por isso, liga-

-se a redes, a grupos, a coletivos e a co-

munidades, sem conseguir afirmar sua

verdadeira diferença (rouDinEsco,

2000, p. 13-14).

Depreendemos que, nas suas relações, a pessoa pro-cura evitar a angústia, através muito mais de estratégias de normalização e fuga que de enfrentamento do vazio, que ful-mina as relações sociais e afetivas. Discernir a evolução des-se sofrimento e o modo como afeta o trabalho é um aspecto importante dos estudos sobre a psicopatologia do trabalho.

Para muitas pessoas, o trabalho pode ser pesado, exaustivo, obrigatório e meio de sobrevivência, não há satis-fação e prazer. Somado a isso, as políticas internas da orga-nização de estruturação das práticas, as políticas de pessoal, a rotina massificante, as dificuldades nos relacionamentos, a ausência de momentos de lazer repercutem nas subjetivida-des e podem ocasionar problemas de ordem física, emocional ou social. Os problemas mais comuns são: estresse, irritabili-dade, depressão, ansiedade, distúrbios de sono, etc.

O trabalhador pode fazer muito por si mesmo no seu ambiente de trabalho, porém, a organização deve preocupar--se com a qualidade de vida de todos os seus integrantes, de-senvolvendo ações que promovam o bem-estar e crescimento profissional. Uma ação interinstitucional é necessária, diante

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dos graves problemas de saúde que atingem os trabalhadores.

Para finalizar a nossa aula, assista ao vídeo disponível em: http://

www.youtube.com/watch?v=rUWqQZMyK7M

Leia, a seguir, o poema de Fernando Pessoa para refle-tir sobre os afetos e direcionamentos que damos à nossa vida:

se em certa altura

tivesse voltado para a esquerda em vez

de para a direita;

se em certo momento

tivesse dito sim em vez de não, ou não

em vez de sim;

se em certa conversa

tivesse tido as frases que só agora, no

meio-sono, elaboro

se tudo isso tivesse sido assim,

seria outro hoje, e talvez o universo

inteiro

seria insensivelmente levado a ser

outro também.

mas não virei para o lado irreparavel-

mente perdido,

não virei nem pensei em virar, e só

agora o percebo;

mas não disse não ou não disse sim, e

só agora vejo o que não disse;

mas as frases que faltou dizer nesse

momento surgem-me todas,

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claras, inevitáveis, naturais,

a conversa fechada concludentemente,

a matéria toda resolvida...

mas só agora o que nunca foi, nem

será para trás, me dói.

o que falhei deveras não tem esperan-

ça nenhuma

Em sistema metafísico nenhum.

Pode ser que para outro mundo eu

possa levar o que sonhei.

mas poderei eu levar para outro mun-

do o que me esqueci de sonhar?

Saudações afetuosas!

síntEsE

Nesta aula, refletimos sobre a importância das emo-ções, sentimentos e afetos, parte integrante da nossa dimen-são subjetiva e analisamos as manifestações afetivas no am-biente de trabalho.

Na próxima aula, discutiremos sobre a motivação hu-mana e as suas principais questões.

QuEstão Para rEFLEXão

Como evitar que as pessoas não sejam manejadas no ambiente organizacional na mesma lógica que os recursos materiais o são?

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LEituras inDicaDas

Inteligência Emocional. Disponível em: <http://www.din.uem.br/ia/emocional/>. Acesso em: 16 jul. 2012.

BISPO, P. Emoção e profissionalismo. Disponível em: <http://www.rh.com.br/Portal/Mudanca/Entrevista/4629/emocao-e-profissionalismo.html>. Acesso em: 16 jul. 2012.

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SELIGMANN-SILVA, E. Psicopatologia no trabalho: aspectos contemporâneos. Disponível em: <http://www.prt18.mpt.gov.br/eventos/2006/saude_mental/anais/artigos/Edith_Seligmann_Silva.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2012

sitE inDicaDo

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rEFErÊncias

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( 8 )

A motivação no trabalho

“o alcance da promessa

o salto do desejo

o agora e o infinito

só o que me interessa”

(Lenine)

Cláudia Vaz Torres

Olá!

Nas unidades anteriores, refletimos sobre a importân-cia das emoções e afetos no cotidiano do trabalho. Nesta aula, discutiremos sobre a motivação, processo psicológico básico que, n à complexidade da vida organizacional, é assunto mui-to discutido por pesquisadores da psicologia organizacional, administração, entre outros. Para iniciarmos, é preciso refle-tir sobre as seguintes questões:

O que é motivação?

A motivação é o que desperta, mantém, orienta e de-marca o nosso comportamento. É uma força que nos impul-siona a buscar, perseverar, sustentar, criar estratégias para alcançar e atingir metas.

A motivação envolve uma discussão sobre necessidade, que produz uma tensão, novos estímulos e ações. É, também, associada a outros conceitos como satisfação, comprometimento e envolvimento no trabalho, o que dificulta sua delimitação te-órica no campo de estudos do comportamento organizacional.

Gondim e Silva (2004) esclarecem que os conceitos, ci-tados acima, estão relacionados à motivação. Entretanto, exis-

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tem especificidades, pois, satisfação, como analisado na aula anterior, refere-se ao nível de contentamento com as relações entre chefe e colegas, com o sistema de recompensas, remu-neração e trabalho realizado. O envolvimento está atrelado à identificação e à afinidade com o trabalho realizado e o com-prometimento organizacional refere-se aos afetos dirigidos ao trabalho e ao contexto organizacional.

A motivação, para Gondim e Silva (2004), é definida como ação dirigida a objetivos, autorregulada, biológica ou cognitivamente, persistente no tempo e ativada por um con-junto de necessidades, emoções, valores, metas e expectativas.

(8.1)

Motivação: ênfase, foco, per-gunta e resposta

Ênfase, foco, pergunta e resposta, envolvidos no con-ceito de motivação, repercutiram na construção de teorias sobre esse processo psicológico. A ênfase envolve ativação, direção, intensidade e persistência como pontos importantes para compreender a motivação; o foco é o objeto de atenção; a pergunta envolve indagações a respeito da escolha do alvo, da intensidade da motivação; e a resposta abrange o nível de compreensão que se deseja obter.

De acordo com Robbins (2002), a motivação é um pro-cesso responsável pela intensidade, direção e persistência de esforços para o alcance de uma meta. Intensidade diz respeito

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à medida do esforço que a pessoa despende em direção aos objetivos da organização. A qualidade e a persistência são medidas que apontam quanto tempo uma pessoa consegue manter-se motivada para que os objetivos sejam atingidos.

Nas décadas de 40, 50 e 60 desenvolveram-se importan-tes teorias da motivação: Teoria das Necessidades de Maslow (1943); Teoria das Necessidades (afiliação, poder e realização) de McClelland (1953); a Teoria ERC (existência, relacionamento e crescimento) de Aldefer (1969); a Teoria bifatorial de Herzberg, Mausner e Snyderman (1959); entre outras. As antigas teorias fundamentam as teorias contemporâneas sobre motivação e os conceitos ainda são utilizados para explicar a motivação.

(8.2)

Três modelos de classificação das teorias da motivação

As teorias da motivação podem ser organizadas em três modelos de classificação, de acordo com os estudos de Gondim e Silva (2004). Como afirmam os autores, o primei-ro modelo da classificação divide as teorias da motivação em dois grupos: teorias de conteúdo, que explicam a motivação a partir das necessidades/carências; e teorias de processo, que entendem a motivação como um processo de tomada de de-cisão, que abrangem as percepções, objetivos, expectativas e metas pessoais. As mais conhecidas são a Teoria de Maslow e a Teoria de McClelland. As teorias motivacionais de processo explicam o processo pelo qual a conduta inicia-se, mantém-se

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e termina. Nesse grupo, desponta a teoria de Vroom.

O segundo modelo de classificação postula uma outra dimensão de diferenciação entre as teorias da motivação, em razão das referências ao reforço da conduta e à cognição. De acordo com esse modelo, é possível estabelecer uma relação entre a motivação e o que ocorre depois da ação (reforço), ou na mente da pessoa que decide agir (cognição).

Já o terceiro modelo de classificação enfatiza a motiva-ção como uma teoria da ação.

Destacamos, a seguir, algumas das teorias mais referi-das nos manuais que tratam do tema:

A motivação é intrínseca, ou seja, é impulsionada in-ternamente e constitui a base para buscar a novidade, o desa-fio, o envolvimento e a satisfação. Não resulta de treino, ins-trução, mas pode ser influenciada pela ação do outro.

Como exemplo, podemos citar a situação de um aluno motivado em sala de aula, que demonstra envolvi-mento no processo de aprendizagem, engaja-se nas tare-fas, faz uso de estratégias, esforça-se, desenvolve novas habilidades, apresenta entusiasmo e orgulha-se da supe-ração dos desafios. Nesse contexto, temos o estilo motiva-cional do(a) professor(a) que está - de acordo com as suas crenças, confiança e estratégias de ensino - interagindo com esse aluno e facilitando a sua autonomia.

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(8.3)

Teoria das Necessidades de Maslow - Teoria da Hierarquia das Necessidades (1943)

De acordo com a Teoria de Maslow, as necessidades humanas têm origem biológica e estão dispostas em uma hie-rarquia. O autodesenvolvimento e a capacidade de realização fazem parte desse conjunto; mas, é preciso que as necessida-des básicas, como as necessidades fisiológicas e de segurança, sejam satisfeitas e as necessidades sociais e de estima sejam motivadoras da conduta humana.

A autorrealização, para o autor, é o maior estágio que a pessoa pode alcançar. É sempre singular.

Maslow procurou difundir o movimento da Psicolo-gia Humanista e conferir-lhe um grau de respeitabilidade acadêmica. Ele estudou uma pequena amostra de pessoas saudáveis psicologicamente a fim de determinar de que maneira diferiam das pessoas com saúde mental compro-metida. A partir desse estudo, o autor desenvolveu uma teoria da personalidade que enfatizava a motivação para crescer, desenvolver-se e realizar-se a fim de concretizar de modo pleno as capacidades e potencialidades humanas (SCHULTZ; SCHULTZ, 1981).

O método de pesquisa e os dados de Maslow foram criticados em razão da pequena amostra pesquisada e dos critérios subjetivos de escolha dos sujeitos. Sobre isso, Schultz e Schultz (1981, p. 397) confirmam: “apesar da sua populari-

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dade entre os lideres de negócio, a teoria tem um baixo grau de validade cientifica e uma aplicabilidade apenas limitada ao mundo do trabalho.”

(8.4)

Teoria ERC (existência, rela-cionamento e crescimento) de Aldefer (1969)

Aldefer, no final da década de 60, a partir da teoria de Maslow, redefiniu as cinco necessidades hierarquizadas e as agrupou em três (GONDIM; SILVA, 2004):

Existência (E) - necessidades fisiológicas e de segurança.

Relacionamento (R) - necessidades sociais e de estima.

Crescimento (C) - necessidade de autorrealização.

Para Aldefer, não há uma hierarquia, como foi apontada por Maslow, pois a motivação da conduta humana não obede-ce a um único sentido, o progressivo. As necessidades de nível baixo promovem o desejo de satisfazer as necessidades do ní-vel mais alto; mas múltiplas necessidades operam, ao mesmo tempo, motivando a conduta humana e provocando sentimen-tos de frustração pela não satisfação da necessidade.

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(8.5)

Teoria das Necessidades (afi-liação, poder e realização) de McClelland (1953)

A teoria de McClelland afirma que há três tipos de neces-sidades: poder, afiliação e realização; que são interrelacionadas e se apresentam em níveis de intensidade variados, de acordo com o perfil psicológico da pessoa e os contextos dos seus pro-cessos de socialização. Gondim e Silva (2004, p. 151) esclarecem:

Quando a necessidade de auto-realização

prepondera, a pessoa evidencia alta mo-

tivação para a auto-realização e a busca

de sua autonomia, assumindo, inclusive,

desafios realísticos no trabalho e lutando

continuadamente pelo seu sucesso pesso-

al. Quando a necessidade mais forte é a

da afiliação, a pessoa centra sua atenção

na manutenção de seus relacionamentos

interpessoais, muitas vezes em detrimento

de seus interesses individuais. Estar mais

próximo do outro e ser aceito por ele é o

que orienta sua ação. Por último, quando

a necessidade de poder é a que está mais

desenvolvida, a pessoa se sente motivada

pelo desejo de influenciar, reorientar e mu-

dar as atitudes e as condutas alheias.

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Percebemos que para compreender a motivação é pre-ciso analisar os arranjos entre os três tipos de necessidades de McClelland, que destacou, ainda, que o comportamento não é aleatório, está relacionado aos grupos, aos processos de socialização e à cultura.

(8.6)

Teoria bifatorial de Herzberg, Mausner e Snyderman (1959)

Esta teoria foi formulada a partir da investigação sobre o que as pessoas desejam do seu trabalho, destacando o que promovia bem-estar ou mal-estar nesse contexto. Depois de categorizadas, as respostas foram separadas pela relação di-reta com a satisfação e insatisfação no trabalho.

De acordo com Robbins (2002), as pesquisas de Herz-berg apontam que o oposto da satisfação não é a insatisfação, pois a eliminação das características de insatisfação de um trabalho não o torna necessariamente satisfatório.

[...] os fatores que levam a satisfação

com o trabalho são diferentes e separa-

dos daqueles que levam á insatisfação.

[...] as condições em torno do trabalho,

como a qualidade da supervisão, a re-

muneração, as políticas da empresa,

as condições físicas de trabalho, o re-

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lacionamento com os outros e a segu-

rança no emprego foram caracterizados

por Herzberg como fatores higiênicos.

Quando elas são adequadas, as pessoas

não se mostram insatisfeitas, mas tam-

bém não estão satisfeitas. (roBBins,

2002, p. 155)

A motivação das pessoas no trabalho, de acordo com Herzberg, deverá incidir nos fatores intrínsecos ao trabalho, ou seja, aqueles associados com o trabalho em si ou nos re-sultados diretos dele, como as oportunidades de crescimento pessoal, reconhecimento, responsabilidade e realização.

Fatores higiênicos extrínsecos ao

trabalho

Fatores de motivação

intrínsecos ao trabalho

Política da empresa Realização

Supervisão Reconhecimento

Salários O trabalho

Condições de trabalho Responsabilidade

Relacionamento com os colegas

Crescimento

A teoria de Herzberg foi muito divulgada e, também, criticada por vários motivos, como: não há uma medida geral para satisfação; as variáveis situacionais são ignoradas; não há relação entre satisfação e produtividade.

A partir dos estudos de Kanfer - que considerou as te-

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orias de Maslow, Aldefer, McClelland, Herzberg como teorias baseadas no conceito de necessidade e insuficientes para a orientação da conduta humana - Gondim e Silva (2004) expli-cam que apenas a identificação da necessidade não promove a ação, pois, às vezes, a pessoa não dispõe de informações que a encaminhem para a satisfação da sua necessidade.

Podemos acreditar que uma pessoa

apresente um desempenho ruim no tra-

balho porque não se sinta aceita por sua

equipe e concluir que ela precisa suprir

tal necessidade para melhorar sua per-

formance, mas este reconhecimento não

traz implícito quais seriam os passos

para conseguir tal aceitação. (Gon-

Dim; siLVa, 2004, p. 153)

As ações seriam sempre consequência de fatores internos e, desse modo, não conseguiríamos redirecionar a motivação de uma pessoa, pois a intervenção externa não provocaria mudanças.

(8.7)

Teoria das expectativas

Uma teoria bem difundida e aceita é a Teoria das Ex-pectativas de Vroom, visto que concebe a motivação como uma força de natureza emocional e consciente, que é ativada no momento em que a pessoa é levada a escolher entre di-versos planos de ação (GONDIM; SILVA, 2004). A força dessa

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escolha estaria relacionada às expectativas individuais e à avaliação subjetiva das consequências.

Podemos citar, como exemplo, uma pessoa que deseja uma promoção e constrói a expectativa que o resultado do seu trabalho resultará numa boa avaliação do seu desempe-nho, que esta avaliação irá oferecer-lhe recompensas e o al-cance do que deseja. Para Gondim e Silva (2004), na teoria de Vroom, as pessoas decidem sobre suas ações de modo instru-mental, maximizando o prazer e ganhos e minimizando as perdas e o desprazer. A escolha resultaria de três conceitos:

Valência, instrumentalidade e Expectância.

Valência

Sentimentos acerca dos resultados, importância atribuída aos resultados obtidos; “é o que faz com que uma pessoa sinta atração ou repulsa, por exemplo, por uma promoção” (GONDIM; SILVA, 2004, p. 153).

Instrumentalidade Clareza da relação entre a ação a ser empreendida e a obtenção do resultado esperado.

Expectância ou expectativa

Relação percebida entre esforço e rendimento; clareza de que os esforços concretizarão os objetivos desejados (GONDIM; SILVA, 2004).

A valência, a instrumentalidade e as expectativas so-frem as restrições do ambiente, assim como é importante enfatizar que não há um princípio universal que explique a motivação das pessoas. Essa teoria procura compreender os objetivos de cada pessoa, a relação entre esforço e desem-

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penho, desempenho e recompensa e recompensa e alcance de metas pessoais. Para o autor, uma pessoa irá esforçar-se bastante no trabalho se perceber que existe uma forte relação entre esforço e desempenho, desempenho e recompensa e re-compensa e satisfação de metas pessoais.

A relevância das teorias está em compreender o alcan-ce e as limitações de cada uma delas, pois não são modelos que explicam universalmente o comportamento humano ou resolvem os problemas enfrentados numa organização quanto à satisfação, produtividade e comprometimento no trabalho.

As teorias fornecem subsídios importantes para a realiza-ção de intervenções efetivas com o objetivo de motivar as pesso-as, como também refletir sobre o pacto que envolve a relação da pessoa com a organização, os vínculos e o desempenho.

as diferentes teorias motivacionais

não podem ser concebidas como so-

luções fáceis para a compreensão da

amplitude da disposição de determina-

da força de trabalho. a concepção da

necessidade e integração de diferentes

teorias, entendidas como complemen-

tos que auxiliam na visibilidade do

quadro motivacional de determinado

agrupamento humano, aparece apon-

tar a tendência de os teóricos desse

tema perceberem, cada vez mais, as

diferentes facetas e circunstâncias que

acompanham o fenômeno da motiva-

ção (GonDim; siLVa, 2004, p. 173).

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Identificar os fatores que são motivadores para as pes-soas, no ambiente do trabalho, em determinada circunstân-cia, e intervir de modo efetivo é necessário. Assim como é importante estar atento à relação entre motivação e desempe-nho no trabalho, aspecto que envolve uma discussão sobre o significado do trabalho para a pessoa que o realiza, a história de vida, as identidades assumidas, o sistema de recompensas, as punições, as relações interpessoais, o estilo de liderança e a relação entre os objetivos pessoais e os organizacionais.

Atualmente, as discussões sobre motivação e satisfação no trabalho foram ampliadas através das questões que envol-vem o conceito de Qualidade de Vida no Trabalho. Esse conceito baseia-se numa visão integral das pessoas, com ênfase no grau de satisfação da pessoa com a empresa, condições ambientais e promoção da saúde.Origina-se da medicina psicossomática, que propõe uma visão integrada ou holística do ser humano.

A promoção da Qualidade de Vida no Trabalho é estraté-gica, pois os impactos da baixa qualidade de vida do trabalhador na produtividade não podem ser desconsiderados. Um aspecto importante é a satisfação no trabalho que decorre, entre outras coisas, das relações interpessoais agradáveis e produtivas.

síntEsE

Nesta aula, analisamos a motivação humana, os mo-delos de classificação e as principais teorias. Percebemos que existem diversas concepções sobre o tema e que o estu-do de cada uma das abordagens proporciona a compreensão do ser humano nas dinâmicas intrapessoais e interpessoais no mundo do trabalho.

Saudações afetuosas!

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QuEstão Para rEFLEXão

E você, está motivado para o estudo, o trabalho? O que mais proporciona o seu envolvimento e satisfação?

LEitura inDicaDa

GONDIM, S. M. G.; SILVA, N. Motivação no trabalho. In. ZANNELI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J.; BASTOS, A. V. B. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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Maslow - www.maslow.org

rEFErÊncias

GONDIM, S. M. G.; SILVA, Na.. Motivação no trabalho. In: ZANNELI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J.; BASTOS, A. V. B. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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Prentice Hall, 2002.

SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia mo-derna. São Paulo: Cultrix, 1981.