Psicologia Da Arte - Vigotsky

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Psic%gia da Arte L. S. Vigotski Martins Fontes

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Psic%gia da Arte L. S. Vigotski

Martins Fontes

liev SemlOnovitc:h Vig( ,tski (1 896-

1936) e uma das figuras mais

importantes da escola psicol6gica

russa . Entre as suas mais destacadas

contribui90es estao os estudos

sobre a psicologia geral, infantil,

pedag6gica e genetica, assim como

sobre a psicopatologia. No entanto

devem ser lembradas especialmente

as suas teorias sobre a origem

s6cio-hist6rica das fun90es psfquicas

superiores e sobre as fun90es do

ensino no desenvolvimento psfquico

da crian9a. Suas investiga90es

sobre psicologia da arte come9am

a influenciar as principais

tendencias ocidentais preocupadas

com esta area da atividade

humana. Vigotski coloca e resolve

questoes sobre psicologia da arte

que marcam uma reviravolta

completa nas concep90es

trad iciona is.

CA~A

PSICOLOGIA DAARTE

Esra obra fo; publicada origina/mente em russo com 0 titulo PS/JOLOGUIA ISKUSSTVA.

Copyright © L. Vigolski's silcessor ill title - Vigotskayo Gira Lic\'ol'lIo.

Copyright © 1999, Livraria Martills Fontes Editora Ltcla.,

Sao Paulo, para a presellfe edi{ ilO.

j;} edic;ao je\'ereiro de 1999

2~ tiragern

lIovembro de 2001

Tradu«;:fto PA ULO BEZERRA

Revisao da tradu~ao

Vadim Valentinovitel! Nikirin

Revisao gratica Soiange Martins

Ivete Batista dos Santos

Alldrea Stahel M. da Silva

Produc;ao grafica Cera/do Alves

Capa

Katia Harumi Terasaka

Dados Internacionais de Catalogac;ao na Publicac;ao (eIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Vygolsky, Lev Semenovitch, 1 896~ 1 934.

Psicologia da arte I L. S. Vigotski ; trad u~ao Paulo Bezerra. ~ Sao

Paulo: Martins Fontes, 1999.

Titulo original: Psijologuia iskusstva.

Bibliografia.

ISBN 85·336· 1003·3

I. Artes - Aspectos psicol6gicos I. Titulo.

99·0098

indices para catalogo sistematico: 1. Arte : Psicoiogia 701. 15

CDD·70 1.15

Todos os direitos para a lingua portuguesa reservados a Livraria Martins Fontes Editora Llda.

Rua Conselheiro Ramalho, 3301340 01325·000 Sao Paulo SP Brasil Tel. (1 / )3241.3677 Fax (11) 3105.6867

e-mail: [email protected] http://www.martinsfonres.com.br

.. Sum a rio

Pre/acio a edifiio brasileira Pre/acio

METODOLOGIA DO PROBLEMA

1. 0 problema psico16gico da arte "Estetica de cima" e "estetica de baixo ". A teoria mar­xista da arte e a psicologia. Psicologia social e indivi­dual da arte. Psicologia subjetiva e objetiva da arte. 0 metodo objetivo-analitico e sua aplicafaO.

CRiTlCA

2. A arte como conhecimento Principios 'cia critica. A arte como conhecimento. 0 intelec­tualismo dessa formula. Critica a teo ria da jigurafaO. Re­sultados praticos dessa teoria. A nao compreensao da psi­cologia da forma. Dependencia em face da psicologia associativa e sensualista.

3. A arte como procedimento Reafao ao intelectualismo. A arte como procedimento. PSicoiogia do enredo, da personagem, das ideias literarias,

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dos sentimentos. A contradi(:iio p sicologica do Forma­lismo. A niio compreensiio da psicologia do material. A pratica do Formalismo. Um hedonismo elementar.

4. Arte e psicamilise ........ .. .. .... .... ........ .. ............................... 81 o inconsciente na psicologia da arte. A psicanalise da arte. A niio compreensiio da psicologia social da arte. Critica ao pansexualismo e ao infantilismo. 0 papel dos momen-los conscientes em arte. A aplica(:iio pratica do metodo psiC'Clnalitico. -

ANALISE DA REA9AO ESTETICA

5. Analise da fabula ... .......... ... ................... ...... .. ...... .... .... ..... 103 A fabula, a novela, a tragedia. A teoria da fabula de Les­sing e Potiebnya. Afabula em poesia e prosa. Elementos da constru(:iio da fabula: a alegoria, 0 uso de animais, a moral, a narra(:iio, 0 estilo poetico e os procedimentos.

6. "Veneno sutil". A sintese .... ...... ...... .. .... .... .... .. .. .. ...... .. .... .. 141 o germe da lirica, do epos e do drama na fabula. As fabu-las de Krilov. Sintese da fabula. A contradi(:iio emocional como base psicologica dafabula. A catastrofo dafabula.

7. Leve alento .. ..... .......... ... ......................... ... ... .. .. .... .... .... ..... 177 "Anatomia "e "ftsiologia" da narra(:iio. Disposi(:iio e com­

posi(:iio. Caracteristica do material. Sentido funcional da composi(:iio. Procedimentos auxiliares. Contradi(:iio emo­cional e destrui(:iio do conteudo pela forma .

8. A tragedia de Hamlet,principe da Dinamarca .... .... .... .... .. .. 207 o enigma de Hamlet. Solu(:oes "subjetivas "e "objetivas". o problema do carater de Hamlet. Estrutura da tragedia: fabula e en redo. Identifica(:iio do heroi. A catastrofo.

PSICOLOGIA DA ARTE

9. A arte como catarse .............................. .... ........ .. .. .. .......... 249 A teoria das emo(:oes e a fantasia. A lei do menor esfor(:o. A teo ria do tom emocional e da empatia. A lei da "dupla

CI

expressiio das emo(:oes". A lei da "realidade das emo­(:oes ". A descarga central e periferica das emo(:oes. A con­tradi(:iio emocional e 0 principio da antitese. A catarse. A destrui(:iio do conteudo pela forma.

10. Psicologia da arte .............................. ...... ........ .... ........ .. .. . 273 Verifica(:iio da formula. Psicologia do verso. Lirica, epos. Herois e personagens. 0 drama. 0 camico e 0 tragico. 0 teatro. A pintura, 0 graftco, a escultura, a arquitetura.

11. Arte e vida .... ............................ ...... .................. .... ........ .... · 303 Teoria do contagio. Sentido vital da arte. Sentido social da arte. Critica da arte. Arte e pedagogia. A arte do futuro.

Comentarios Notas ......... ... ... ............... .. ... ...... ... .. ... .. .... ... . Obras sobre Vigotski Bibliografia

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Ate hoje ninguem definiu aquilo de que 0 corpo e capaz ... mas dizem que seria impossivel deduzir apenas das leis da Natureza, uma vez considerada exclusiva­mente como corp6rea, as causas das edifica<;oes arqui­tetonicas, da pintura e coisas afins que s6 a arte huma­na produz, e que 0 corpo humano nao conseguiria cons­truir nenhum templo se nao estivesse determinado e dirigido pela alma, mas eu ja mostrei que tais pessoas nao sabem de que e capaz 0 corpo e 0 que concluir do simples exame da sua natureza ...

ESPINOSA

(Etica, III, Teorema 2, Esc6lio)

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Pre/acio a edifiio brasileira

Psicologia da arte chega as maos do publico brasileiro um ana depois do centemirio de nascimento do seu autor, ja bastante conhecido entre n6s, particularmente entre aqueles que trabalham nos campos da Lingiiistica, da educa9ao e psicologia da educa-9ao. A Editora Martins Fontes ja publicou dele Pensamento e lin­guagem, Aformar;iio social da mente (1984), Os metodos em psi­cologia (1995) e esta com Psicologia pedagogica e uma edi9ao integral e traduzida do original russo de Pensamento e linguagem no prelo. 0 estudo especifico que Vigotski dedicou a Hamlet e vinha em anexo no original russo saira em livro a parte com 0 titu­lo A tragedia de Hamlet, principe da Dinamarca.

Em Psicologia da arte, salta a vista a preocupa9ao sistemica que acompanha t~ a reflexao do a~ A arte aparece como urn fen6meno humano, que decorre da rela9ao_direta ou mediata do - ~~~-lIomem com urn cosmo fisico, social e cultural, onde se cons-troem e se multiplicam variedades de facetas e nuan9as que caraCf terizam 0 homem como integrante desse cosmo. Dai decorre uma questao central de. implica9ao interdisciplinar: a psicologia nao ode explicar 0 cODE2ort~ento humano ignorando a ~ao este­

tica suscitada pela arte naquele que a frui . Essa questao diz res­p eitoas rela90es de r,eciprocidade entre 0 homem e 0 mundo e as ~e.illa90es que 0 homem faz do mundo.

Vi got ski enfoca a obra de arte como psic610go, mas se opoe ao psicoiogismo tradicional por considera-lo limitado e redutor,

XII Psic%gia da arte

incapaz de dar conta das amp las rela90es presentes na arte e da sua rela9ao com 0 publico. Nesse sentido, concorda com Theodor Lipps e admite que a ~N.t~ca~p~ojSl...§el. definida como disciplina pertencente ao campo da psicologia aplicada, mas acrescenta a tese -marxista segundo a qual 0 enfoque sociologico da arte nao anula o enfoque estetico mas 0 admite como complemento. Trata-se de uma questao de extrema complexidade, porque :). arte_e o,socjal em nos" e, mesmo que 0 seu efeito se registre em urn individuo a Parte,isso ainda nao nos autoriza a afirmar que as raizes e a es­sencia da arte sejam individuais, assim como seria ingenue ima­ginar 0 social apenas como coletivo, como somatorio de pessoas.

Esse postulado multidisciplinar condiz com a concep9ao de Vigotski sobre 0 carater mediato da atividade psiquica e a origem dos processos psiquicos interiores na atividade inicialmente ex­terna e interpsiquica. Portanto, trata-se de uma atividade de fundo social na qual 0 homem se forma e interage com seus semelhan­tes e seu mund9 numa rela9ao intercomplementar de troca. A re­la9ao entre 0 homem e 0 mundo passa pela media9ao do discurso, pela forma9ao de ideias e pensamentos atraves dos quais 0 ho­mem apreende 0 mundo e atua sobre ele, recebe a palavra do mundo sobre si mesmo e sobre ele-homem e funda a sua propria palavra sobre esse mundo. Entende Vigotski qu~,c> 1?~sament<l. s.f!

. rearrza na l?alavra, f9rma-se na palavr~iSCliTs2,; Trata-se de uma rela -' ntre ensa~discurso,que 0 autor ve como questao centra a PSICO ogia, pois envolve urn processo latente ~ co~nicayao s?cial ep cuja ve!:.ba}iza9~0 da-_s~e .<?J?ro­cesso de transi9ao de urn senti do subjetivo, ainda nao verbalizado _[~]JD1~igivel1t.2 E~6prio ,~l!.i eifo~ p.a.r2:~ sistellla &-ser:!!i~(); o~ significa90es verbalizado e inteligivel a qualquer ouvinte. Esta­mos dianteG'5'}ffO'Cesso de constru9fu)Oa enunc1a9ao, q~ se faz presente em toda a ref1exa~em. Como a sua visao de arte literaria passa pelo crivo da linguagem, sem cuja especifica9ao e impossivel entender 0 que tOflla literaria uma obra, 0 enfoque estetico da arte deve ter fundamento psicossocial, isto e, deve combinar as vivencias do ser humane em nivel indivi­dual com a recep9ao do produto estetico percebido como produto social e cultural. E isso que 0 leva a firmar que "a arte e 0 social em nos".

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Pre/acio a edi9iio brasileira XIII

Psicologia da arte e uma obra polemica. Da introdu9ao ao ultimo capitulo 0 autor polemiza com as correntes e autores mais importantes no campo da psicologia e da estetica.

Vigotski discute a arte como conhecimento e traz informa-90es de excepcional importancia para 0 lei tor brasileiro ao expor e analisar a teoria de Potiebnya, fundador de uma das mais imp or­tantes escolas da filologia e da critic a russas, e abordar 0 essencial da obra de Ovsianiko-Kulikovski, importante critico e pensador russo, principal discipulo de Potiebnya. Ao discutir a teoria da fi-

,. gUl2,~de..£Qtiebpyit§ sua escola, para quem a poesia e a prosa s~ acima de tudo urn modo de pensamento e con1i~ifuentQ;~Vi~­gotSK:i discorda dessa concep9ao, que considera redutora, gualifi-

c ando-a de teona p utamente intelectual que reduz a arte a mem rxercicio intelectual, enfatiza apenas as opera90es do ensamen­to e des reza tu 00 ais or considera-Io fenomeno secundario " . na psicologia da arte. Ao polemizar com Potie nya e sua escola, 'nlgOtski esta semprepreocupado com a especificidade do esteti­co, com 0 que justifica 0 qualificativo de artistico aplicado a urn produto ficcional.

Ao discutir os procedimentos de constru9ao do discurso lite­rario em "A arte como procedimento", 0 autor desenvolve uma discussao apaixonada de urn dos movimentos criticos mais co­nhecidos do seculo XX: 0 Formalismo Russo ou Escola Formal. Depois de expor com clareza meridiana os postulados basicos do Formalismo, enaltecendo sua contribui9ao no comb ate ao intelec­tualismo da escola de Potiebnya e Ovsianiko-Kulikovski, ,Y.igill:slci­aponta para 0 fato de que os formalistas, a 12retexto de co~eL

uma doutnna psicoI6g~~a bar~p.QlU!~da a,rie, acabam de-fato renunciand? a cont~~_~~a~ de qualg~Sl!J2~2!ogia 2ara~a constru­~ teona CIa arte. Resulta dal a tentativa de estudar a forma 7lrusllca COllo a1go independente das ideias e em090es que the in- I

tegram a composi9ao e 0 material psicologico, 0 que invalida toda a importancia das leis do estranhamento descoberta pelos forma­listas. Estes acabam nao entendendo a importancia psicologica do material e caindo em urn sensualismo unilateral identico ao inte­lectualismo unilateral a que a incompreensao da forma levara os discipulos de Potiebnya. Para Vigotski, os formalistas nao conse­guiram entender a imensa importancia das suas proprias des co-

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XIV Psicoiogia da arte

duo --or entender ue a ex lica<;ao deve artir do grande circulo da vida SOCIa. ~ Apesar das restri<;oes a aspectos da aplica<;ao do metodo psi-

canalitico a analise de obras de arte, Vigotski nao se deixa levar pelo reducionismo e a simples animosidade que caracterizariam mais tarde 0 posicionamento da critica oficiosa sovi6iica em face da psicanalise. Se ele rejeita os reducionismos que frequentemente dominam alguns enfoques psicanaliticos, por outro lade se iden­tifica com aspectos desse metodo, particularmente com alguns desenvolvidos por Freud. Em Psicologia pedagogica ha urn capi­tulo denominado "A educa<;ao estetica", no qual ha mais identida­de que divergencia entre Vigotski e Freud no tocante ao enfoque das artes e sua fun<;ao. Ali Vigotski defende a concep<;ao segundo a qual so ha duas saidas para as frustra<;oes da vida: a sublima<;ao ou a neurose. Do ponto de vista psicologico, a arte e um mecanis­mo biologico permanente e indispensavel de supera<;ao das esti­mula<;oes (Freud diria "desejos") nao realizadas. As emo<;oes, nao realizadas na vida, encontram vazao e expressao na comb ina­<;ao arbitraria dos elementos da realidade, antes de tudo na arte. A arte nao so da vazao e expressao a emo<;oes varias como sempre as resolve e liberta 0 psiquismo da sua influencia obscura. A cria­<;ao artistica e uma necessidade profunda do nosso psiquismci em termos de sublimafclO de algumas modalidades inferiores de ener-

Pre/acio d edifiio brasileira XV

gia. A cria<;ao artistica surge no momenta em que certa energia, nao acionada nem aplicada em urn objetivo imediato, continua nao realizada e migra para alem do limiar da consciencia, de onde retorna transformada em novas formas de atividade. E note-se que Vigotski faz essas considera<;oes em um capitulo dedicado a educa<;ao estetica das crian<;as! Psicologia pedagogica e Psicolo­gia da arte sao cria<;oes contemporaneas, arnbas escritas entre 1924 e 1926.

Se as considera<;oes esteticas acima arroladas soariam mais tarde como urn sacrilegio para a visao oficiosa de arte do jdano­vismo, ha outra passagem no mesmo capitulo de Psicologia peda­gogica que, pela otica da estetica stalinista, justificaria a proibi­<;ao do livro. Aqui Vigotski afirma que a verdade da arte e a ver­dade da realidade estao numa rela<;ao sumarnente complexa: a realidade sempre aparece tao modificada e transfigurada na arte que nao ha qualquer possibilidade de transferir 0 sentido dos fenomenos da arte para os fenomenos da vida. Exatamente 0 opos­to do que pregava a estetica stalinista.

Os capitulos dedicados as formas de narrativa popular reves­tem-se de importancia excepcional para a teoria da arte popular e sua rela<;ao com as outras formas de arte narrativa. Ao concentrar na fabula a sua analise, aplica urn metodo analitico claramente diacronico, que parte do mais simples para 0 rnais complexo, e a fabula, a novela e a tragedia sao enfocadas como formas literarias interligadas e sobrepostas. Sua escolha da fabula como ponto de partida deve-se ao fato de que essa modalidade narrativa esteve sempre em contiguidade com a poesia, podendo-se perceber a concep<;ao geral de arte de urn estudioso pela sua mane ira de fo­calizar a fabula. Por outr~ lado, seu mergulho prof undo nas teo­rias da fabula de Lessing e Potiebnya oferece ao lei tor e pesquisa­dor brasileiro urn valiosissimo material de consulta tanto pela abrangencia do enfoque da rela<;ao entre as formas primitivas de arte e formas mais desenvolvidas quanta pelo ineditismo da teo­ria de Potiebnya entre nos.

No capitulo VII, centrado na analise do conto de Ivan Bunin Leve alento, Vigotski se apresenta como urn autentico teorico da li­teratura. Aplicando de modo convincente e original as categorias centrais da narrativa desenvolvidas pelo Formalismo Russo, ele

XVI Psicologia da arte

cria um esquema de disposi9ao e composi9ao, urn modelo de ana­lise (aqui ele nos lembra 0 brilhante ensaio "Dialetica da malan­dragem", que Antonio Candido dedicou ao romance M emorias de um sargento de milicias) que permite acompanhar passo a passo to do 0 movimento da narrativa pela estrutura da forma, estabele­cendo as fun90es de cada componente e cada momenta e as rela-90es de tensao entre eles, mostrando 0 dinamismo da forma como elemento fundamental na composi9ao da narrativa. A analise ba­seada nesse esquema de disposi9ao e composi9ao permitiu a Vi got ski perceber uma falacia propagada pela estetica durante se­culos~ ~ontrario da decantada harmonia entre forma e con~u­do, da afirma9ao segundo a qual a forma ilustra, completa e acom­panha 0 con1:eudo, 0 que "lhe reservaria urn papel passiw, ele ~ forma Iuta com 0 conteugg..e 0 supera, e ~ contradi9ao dialetica entre conteudo e forma parece resumir-se 0 sentido psicol6 ico ci;-que ele chama de r ea9ao estetica. _Essa visao aa forma como elemen 0 mamico aproxima Vigotski de Bakhtin, que, em polemica com os formalistas em 1924, definiu a forma como elemento ativo a qual se opoe urn conteudo passi­yo. Cabe observar que os dois chegam a essa concep9ao pratica­mente semelhante a partir de uma reflexao sobre os procedimen­tos do Formalismo.

A analise de Leve alento, alem de representar uma importan­tissima contribui9ao para a teoria da narrativa, reveste-se de imp or­tancia particular como uma teoria do conto e seus constituintes.

o estudo sobre Hamlet, incluido neste livro como capitulo VIII, constitui a primeira tentativa de penetra9ao na obra de Sha­kespeare empreendida por Vigotski aos dezenove anos. Mais tarde ele retornara a Hamlet no estudo que sera publicado em livro por esta editora. 0 que impressiona na analise empreendida por um jo­vern de apenas dezenove anos e 0 seu amplo conhecimento de Sha­kespeare e da critica do dramaturgo ingles, alem de uma vi sao sutil que ele desenvolve da pe9a, como 0 mostra Vsievolod Ivanov em notas a esta edi9ao. Chama aten9ao, ainda, a refinada concep9ao do genero tragico e suas nuan9as em urn critico tao jovem.

A discussao da arte como catarse, tema do capitulo IX, e su­mamente interessante pela originalidade com que 0 autor a des en­volve, assumindo textualmente que sua concep9ao nao e exata-

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Prefacio a edir;iio brasileira XVII

mente igual aquela consagrada por Arist6teles, embora considere que nenhum dos termos empregados depois da estagirita tern con­seguido grandes avan90s. Contudo entende que a descarga de ener­gia nervosa, essencia de todo sentimento, no processo da catarse realiza-se em sentido contrario ao habitual, e assim a arte se torna instrumento poderosissimo para suscitar importantes descargas de energia nervosa mais racionais ou uteis. E conclui que a catarse consiste em uma em09ao ou afeto que se desenvolve em dois senti­dos opostos e encontra sua destrui9ao em urn ponto culminante, numa especie de curto-circuito. Alem da teoria da catarse, Vigotski ainda desenvolve nesse capitulo uma original concep9ao do fantas­tico, que ele associa a expressao central da rea9ao emocional.

o capitulo X fecha a discus sao em torno da psicologia da arte. E aqui 0 autor resume 0 resultado do seu estudo ao afirmar que a prevalencia daquela contradi9ao afetiva que ele chama de catarse constitui a parte central e determinante da rea9ao estetica. Alem de retomar a discus sao do seu conceito de catarse, Vigotski levanta questoes te6ricas fundamentais como a diferen9a entre romance e tragedia, os conceitos de her6i estatico e her6i dinami­co, 0 processo de transforma9ao da tragedia em drama. Desenvol­ve uma concep9ao do riso e sua fun9ao que muito 0 aproxima de Bakhtin, aprova com alguma res salva a concep9ao de humor e chiste em Freud e afirma que essa concep9ao corresponde perfei­tamente a forma de catarse por ele descoberta como fundamento da rea9ao estetica.

Ao produzir 0 efeito que redunda na catarse e incorporar a esse fogo purificador as com090es mais intimas e vitalmente im­portantes da alma individual, a arte esta produzindo urn efeito social. Essa dialetica do individual e do social em arte leva-o a concluir que 0 sentimento representado na arte nao se torna social I

mas individual na medida em que a pessoa que frui a arte conver­te-se em individuo sem deixar de ser social.

Apesar de nao haver impedimento para sua publica9ao na epoca em que foi escrito, Psicologia da arte nao foi publicado em vida do autor, 0 que provavelmente se deve ao inacabamento de algumas reflexoes por ele desenvolvidas. 0 veto imposto a reedi-9ao de Psicologia pedagogica sugere que a Psicologia da arte es­taria reservado destino identico caso houvesse sido publicado,

XVIII Psicologia da arte

pois muitas das reflexoes ali desenvolvidas iriam fatalmente con­trariar a estetica oficial sovietica, principalmente a partir do jda­novismo. Hoje, 0 resgate da obra vigotskiana representa uma con­tribui9ao essencial para 0 aprofundamento das gran des conquis­tas do pensamento humano em campos como a psicologia, a pe­dagogia, a lingiiistica, a teo ria da literatura e a filosofia.

PAULO BEZERRA

USP-UFF

Prefacio*

Este livro e resultado de trabalhos pequenos e mais ou menos grandes no campo da arte e da psicologia. Tres estudos litenlrios - sobre Krilov, Hamlet 1 e a composi9ao da novela - e varios arti­gos e notas de revistas2* serviram de base as minhas analises. Nos capitulos que tratam da questao neste livro apresentamos apenas breves resumos, ensaios e sumarios desses trabalhos, porque e im­possivel uma analise completa de Hamlet em urn capitulo, ja que o assunto requer urn livro especifico. A busca da supera9ao dos limites precarios do subjetivismo determinouigualmente_os_d~-

""'fiiiOSao estudo das artes e da psicologia na Russia..durante~ses ..... anos·lssa tendencia para 0 objetivismo, para ~ conhecimento clentlfico-natural, materialista e exato em ambos os campos, criou o presente livro.

Por urn lado, 0 estudo das artes come9a a carecer cada vez mais de fundamenta90es psicol6gicas. Por outro, a psicologia, ao tentar explicar 0 comportamento em seu conjunto, tambem nao pode deixar de propender para oscomplexos problemas da rea9ao f

estetica. Se incorporarmos aqui a mudan9a que ora experimentam ambas as ciencias, a crise de objetivismo que as envolve, isto ira determinar ate 0 fim a acuidade do nos so tema. De fato, 0 estudo

* 0 leitor encontrara neste livro do is tipos de nota. As notas aCOIppanha­das de asterisco sao do proprio Vigotski ; as demais sao de Vyatcheslav Ivanov. (N. do T.)

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2 Psicoiogia da arte

tradicional das artes sempre se baseou, consciente ou inconscien­temente, em premissas psicologicas, mas a velha psicologia popu­~ de satisfazer por do is motivos: primeiro, serVia amda

para alimentar toda sorte de sub'etivismoem estetica, emboraas c orrentes 06jetivas necessitassem de premissas objetivas; segundo, desenvolvia-se uma nova psicologia, que reconstruia 0 fundamen-to de todas as anti gas chamadas "9iencias ~ alma". 0 objetivo da nos sa pesquisa foi justamente rever a psicologja tradicional da arte e tentar indicar urn novo campo de pesquisa para a psicologia objetiva - levantar 0 problema, oferecer 0 metodo e 0 principio psicologico basico de explica<;ao, e so.

Ao optar pelo titulo Psic%gia da arte, 0 autor nao quis dizer que 0 livro apresenta urn sistema de questionamentos, urn circulo completo de quest6es e fatores. Nosso objetivo foi bern diferente: tivemos sempre em vista e aspiramos como fim nao a urn sistema mas a urn programa, nao a todo urn circulo de quest6es mas ao seu problema central.

Pelo exposto, deixamos de lado a discussao sobre 0 psicolo­gismo em estetica e os limites que separam a estetica do puro co­nhecimento das artes. Supomos com Lipps quej!,.~ica p-2£!~ §..¥T gefil}ida como disciplina da psicologia aplicaaa, entret~n.to e!TI nenhuma passagem colocamos essa questao como urn todo, con­tentando-nos com defender a legitimidade metodologica e de prin­cipio do enfoque psicologico da arte no mesmo nivel de todos os outros enfoques, com sugerir a sua importiincia essenciaP*, com procurar 0 seu lugar no sistema da ciencia marxista da arte. Aqui tivemos como fio condutor a famosa tese do marxismo segundo a

ual 0 enfoque sociologico da arte nao anula 0 estetico mas, ao • c~~scancara diante dele as pOLtas e 0 pressup6e como, 'segundo Pliekhanov, seu compLe~mentQ. 0 enfoque estetico da arte, uma vez que nao pretende romper com a sociologia marxista, deve fon;osamente ter fundamenta<;ao sociopsicologica. E facil mostrar que aqueles criticos de arte, que separam com absoluta justeza 0 seu campo da estetica, tambem introduzem na elabora­<;ao dos conceitos e problemas basicos da arte axiomas psicologicos acriticos, arbitrarios e inconsistentes. Endossamos 0 ponto de vis­ta de Utitz, segundo 0 qual a arte vai alem dos limites da estetica e tern inclusive tra<;os basicamente distintos dos valores esteticos,

Pre/acio 3

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4 Psicoiogia da arte

Contudo, analisando a fabula podemos descobrir a lei da psi colo­gia que the serve de base, 0 mecanismo pelo qual ela atua, e a isto chamamos psicologia da fabula. Na pratica, essa lei e esse meca­nismo nunca atuaram em parte alguma sob forma pura, mas se complexificaram em fun<;ao de toda uma serie de fen6menos e processos de cuja composi<;ao faziam parte; no entanto, estamos tao autorizados a excluir da a<;ao concreta da fabula a sua psico­logia quanta 0 psicologo que exclui a resposta pura, sensoria ou motora, da sele<;ao ou da diferencia<;ao, e a estuda como resposta impessoal.

Por ultimo, achamos que a essencia da questao e a seguinte: a psicologia teorica e a psicologia aplicada da arte devem revelar todos os mecanismos que movem a arte e, com a sociologia da arte, fornecer a base para todas as ciencias especificas da arte.

o objetivo do presente trabalho e essencialmente sintetico. Miiller-Freienfels dizia, com muito acerto, que 0 psicologo da arte lembra 0 bi610go, que sabe fazer uma analise completa da mate­ria viva, dividi-Ia em seus componentes, mas e incapaz de recriar o todo com esses componentes e descobrir-Ihe as leis. Toda uma serie de trabalhos se dedica a esse tipo de analise sistematica da psicologia da arte, no entanto nao conhe<;o trabalho que tenha co­locado e resolvido objetivamente 0 problema da sintese psicologica da arte. Neste sentido, penso que a presente tentativa da urn novo passo e se atreve a lan<;ar algumas ideias novas, ainda nao sugeri­das por ninguem, no campo da discussao cientifica. Esse novo, que 0 autor considera que the pertence no livro, necessita, eviden­temente, de verifica<;ao e critica, de passar pela prova do pens a­mento e dos fatos . E mesmo assim ele ja se afigura tao fidedigno e maduro ao autor, que este ousa anuncia-Io neste livro.

Este trabalho teve como tendencia geral aspirar a sobriedade cientifica em psicologia da arte, 0 campo mais especulativo e mis­ticamente vago da psicologia. Meu pensamento constituiu-se sob o signa das palavras de Espinosa7 e, seguindo-as, procurou nao cair em perplexidade e compreender, sem rir nem chorar.

Metodologia do problema

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Capitulo 1 o problema psicolOgico da arte

"Estetica de cima "e "estetica de baixo ". A teoria marxista da arte e a psicologia_ Psicologia social e individual da arte. Psicologia subjetiva e objetiva da arte. 0 metodo objetivo-analitico e sua apli-cQl;:iio. 1:::.

Se formos apontar 0 divisor de aguas que separa todas as cor­rentes da estetica atual em duas grandes tendencias, teremos de indicar a psicologia. Os dois campos da estetica atual- 0 psi colo­gico e 0 nao-psicologico - abrangem quase tudo 0 que h:i de vivo nessa ciencia. Fechner delimitou com muito acerto essas duas tendencias, chamando uma de "estetica de cima para baixo" e a outra de "estetica de baixo para cima".

Po de facilmente parecer que se trata nao so de dois campos de uma unica ciencia, mas ate da cria9ao de duas disciplinas inde- 4 pendentes, cada uma com seu objeto especifico e seu metodo \. '"'" especifico de estudo. Enquanto para alguns a estetica ainda conti- ~ nua sendo uma ciencia predominantemente especulativa, outros, ~ como O. Kiilpe, tendem a afirmar que, "no presente momento, a es- ~ tetica passa por uma fase de transi9ao ... 0 metodo especulativo do ~ idealismo pos-kantiano foi quase inteiramente abandonado. Ja a pesquisa empirica ... esta sob influencia da psicologia .. ~, ·t bemos a estetica como uma teo ria do comportamento estetico ~"'0 ~le dizer, do estado geral que abrange e penetra ~---to do 0 homem e tem a impressao estetica como seu ponto de par- ff tida e centro ... A estetica deve ser considerada como psicologia ~ do razer estetico e da cria9ao artistIca . 98 .

Vo e t sustenta a mesma opmIaO: "0 objeto estetico ... adqui- _ / re 0 seu carMer estetico es ecifico ap~,f{ asens 9ao e da fantasia do sujeito receptor." (162, S:- -'

- - ---------24'- ~c£pl(S e' fv,,£.,~l..Q.., r/fJ ~-!v\ 0/{!CC)

8 Psicologia da arte

Ultimamente, ate estudiosos como Viessielovski (26, p. 222) vern tendendo para a psicologia. E as palavras de Volkelt tradu­zem com bastante fidelidade urn pensamento geral: "A psicologia deve ser tomada como fundamento da estetica." (117, p. 192) "No presente momento, a meta mats Imedlata, mais premente da este­tica nao sao, evidentemente, as construyoes metafisicas, mas sim a analise psicologica minuciosa e sutil da arte." (117, p. 208)

Opiniao oposta tern sido sustentada-p o; todas as correntes antipsicologicas da filosofia alema, tao fortes no ultimo decenio, das quais G. Chpet fez urn apanhado geral em seu artigo (cf. 136). A discussao entre os partidarios de ambos os pontos de vista estri­bou-se principalmente em argumentos negativos. Cada ideia en­controu sua defesa na fraqueza da ideia oposta, e a esterilidade basica de uma e da outra corrente prolongou a discussao e adiou sua soluyao pratica.

A estetica de cima hauriu as suas leis e demonsB;:;sQ~ da _ __ ..J 1_~_"...1 _ ___ " ___ ~ _ ____ "- _1 .... ___ ____ _ __ "'- _____ ...... _

Metodologia do problema 9

16gicas da teoria da arte, a que mais avanya e apresenta maior coe­rencia e a ~or~ateria!illi!.o historico, que procura construir

..!!!!1a analise cientifica da arttLa base dQsJll.esmQ~ipios apli­cados ao estudo de todas as formas e fen6menos da vida sociaP. ----. - - ~-- --- -Desse ponto de vista, costuma-se enfocar a arte como uma das for-mas de ideologia, forma essa que, a semelhanya de todas as ou­~tras, ~~como sUl2erestrutura~ base da§..r.el5 0es econ<lmlcas e de produ9ao. E, a medida que a estetica de baixo foi sempre uma

...f \ e§tetica empirica e positiva, e perfeitamente compreensivel que a ~ teoria marxista da arte revele nitidas tendencias a reduzir a psi co-

1 i logia as questoes de estetica teorica. Para Lunatcharski, a estetica ~ OS:. e simplesmente urn dos ramos da psicologia. "Seria, entretanto, i 7; superficial afirmar que a arte nao dispoe de lei propria de desen-~ -:' volvimento. Urn fluxo d'agua e determinado pelo seu leito e suas ~ i margens: a agua ora se represa, ora se arrasta numa correnteza

calma, ora se agita e espuma no leito rochoso, ora cai em casca­tas, guina para a direita ou para a esquerda, chegando ate a retro­ceder bruscamente. Contudo, por mais que a correnteza de urn 'I regato seja determinada pela ferrea necessidade das condiyoes ex­ternas, ainda assim a sua essencia e determinada pelas leis da hidrodinamica, leis que nao podemos apreender partindo das con­diyoes externas do fluxo mas tao-somente do conhecimento da propria agua." (70, pp. 123-124)

Para essa teoria, 0 divisor de aguas, que antes separava a t

estetica de cima da estetica de baixo, passa hoje por uma linha inteiramente diversa: agora separa a sociolggia da arte da psicolo­gia da arte, indicando a cada urn desses campos 0 seu ponto de vista e'Specifico sobre 0 mesmo objeto de estudo.

Pliekhariov delimita, com absoluta clareza, os dois pontos de

C:" vista em seus estudOSde arte, indicando que os mecanismos psi-

, cologicos:-que determinam 0 comportamento estetico do homem, sao sempre determinados em seu funcionamento por causas de

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10 /'r{!113 + ~ I-Mv /£0 '-<- ~jzf!l (j Psic%gia da arte ~$yuc,.-pcO '

ordem sociol6gica. Dai ser absolutamente claro que 0 estudQ..do

( funcionamento desses mecanismos e 0 qye constitui 0 objeto da

-psi'Cologia, enquanto 0 es1U('f'O({O ~ c ondicio';amento_e objeto:' j.9-es~gico. "A nat'u~a..dQ h~em E-z com que ele pos-

).3.f!. te~ .... ~~oes que 0 cercam~ .sle.!.en:uiuam~ a t~m~o dessa'y~ibi.Jidade _em realidade,

r~r elas se _~2.!i~quc...9-etel]E.inado homem social (isto e, dada

socis:d~dW~o, c!.ada clas~eJ1h_a i!fstamente esses e nao _ outros gostos e conceit os esteticos ... " (87, p. 46) Pois bern, errr-­

difer~t~6pocas dodesenVolvimento social, .oJ1olP.!:1£. rec~be .~a natureza d~J:a.~ imp~.ssoes'xp.2J;que elti ~~~a de dife~ Pes pontos de vIsta. - .. =-

--== * A"'"a:9ao- das leis gerais da natureza psiquica do homem nao cessa, e claro, em nenhuma dessas epocas. Contudo, uma vez que em diferentes epocas "chega as cabe<;as humanas urn material inteiramente diverso, nao surpreende que os resultados da sua ela­bora<;ao nao sejam nada identicos" (87, p. 56). "Em certo sentido, as leis psicol6gicas podem servir de chave para explicar a hist6ria da ideologia em geral e a hist6ria da arte em particular. Na psico­logia dos homens do seculo XVII, 0 principio da antitese des em­penhou 0 mesmo papel que desempenha na psicologia dos nossos contemporaneos. Por que, entao, os nossos gostos esteticos sao 0

oposto dos gostos dos homens do seculo XVII? Porque nos en­contramos em situa<;ao inteiramente diversa. Logo, chegamos aja conhecida conclusao: a natureza psicol6gica do homem faz com que ele possa ter conceitos esteticos e com que 0 principio da an­titese de Darwin (a 'contradir;:ao' de Hegel) exer<;a urn papel de extrema importancia, ate hoje insuficientemente avaliado, no me­canismo desses conceitos. Nao obstante, depende das condi<;oes saber que motivos levam determinado homem social a ter justa­mente esses e nao outros gostos, a go star justamente desses e nao de outros objetos." (87, p. 57)

Ninguem, como Pliekhanov, explicou com tanta clareza a necessidade te6rica e metodol6gica do estudo da psicologia para uma teoria marxista da arte. Segundo ele, "todas as ideologias tern uma raiz comum: a psicologia de dada epoca" (89, p. 76).

Tomando como exemplo V. Hugo, Berlioz e Delacroix, ele mostra como 0 romantismo psicol6gico da epoca gerou em tres

---

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...

Metodologia do problema v·" ~ - / , . , - "~'F."': 11

diferentes campos - a pintura, a poesia e a musica - tres diferen­tes formas de romantismo ideol6gico (89, pp. 76-78). Na f~, Loposta por Pliekhanov 12.ara §xJ~.rimir ~ !S!la<;.ao_entre base_e. '>x?<'

@ strutura d~rimin'!IDos c~m~entos subseqiie~s : I'". ~ ) 1) 0 estado das for<;as produtivas; ..J' ~~cF 2) as rela<;oes economicas; ~ 9 '..f:. V<.; (/ <.

3) 0 sistema politico-social; cf' Q;~-:Y:;C/'t" 4) 0 psiquismo do homem social; '>(v (

5) as diferentes ideologias, que refletem em si as proprieda­des desse psiquismo (89, p. 75).

Assim, 2 _psiquismo do homem social e visto como subsolo comum de todas as ideologias de dada epoca, inclusive da arte. Com

I sto s e eSta reconhecendo que a -a~, no maisllProximado sentido,_e detS<.rminada.e condicionada pelo psiquismQdo homem social. .. Deste modo, em vez da antiga h; stilidade encontramos urn esbo<;o de reconcilia<;ao e concordancia entre as tendencias psico-16gica e antipsicol6gica na estetica, uma delimita9aO, entre elas, do campo de estudo com base na sociologia marxista. A tenden­cia que menos se observa nesse sistema sociol6gico - na filosofia do materialismo hist6rico - e, evidentemente, a de explicar ~j.a 0

qu~Jor a Qartit do jlsiqu}smQl!1gl1anQ.fQ..mo <::ausa fin~lMas, em 19ual mediF esse sis~ti;a nao tende a negar ou ignorar esse psi­quismo e a importancia de- estuda-Io como mecanismo mediador, atraves do qual as rel~ecOnomicaseo SIStema po-Iitico-social criam essa ou aquela ideologia. Ao estudar formas de arte com 0

minimo de complexidade, essa teoria insiste, positivamente, na . necessidade de estudar 0 psiquismo, uma vez que a distancia en­tre as· rela<;oes economicas e a forma ideol6gica cresce cada vez mais e a arte ja nao pode ser explicada diretamente a partir das rela<;oes economicas. Isto Pliekhanov tern em vista quando com- I

para a dan<;a das mulheres australianas e 0 minueto do seculo XVIII. "Para compreender a dan<;a da nativa australiana, basta saber que papel exerce na vida da tribo a colheita de raizes silves­tres pelas mulheres. E para compreender, digamos, 0 minueto, nao basta, absolutamente, conhecer a economia da Fran9a do se­culo XVIII. Aqui estamos diante da dan<;a, que tra'duz a psicolo­gia de uma classe nao produtora ... Logo, 0 ' fator' economico cede, aqui, a honra eo Iugar ao psicol6gico. Mas que nao se esque<;a de

12 Psicologia da arte

que 0 proprio surgimento de classes nao produtoras na sociedade e produto do desenvolvimento economico desta." (89, p. 65)

Assim, 0 enfoque marxista da arte, sobretudo nas suas for­mas mais complexas, incorpora necessariamente 0 estudo da a9ao psicofisica da obra de arte4*.

o objeto de estudo sociologico pode ser ou a ideologia em si, ou a sua independencia em face de formas divers as de desenvol­vimento social; contudo, nunca 0 estudo sociologico em si, sem 0 complemento do estudo psicologico, estara em condi9ao de reve­lar a natureza imediata da ideologia: . 0 psiquismo do homem social. Para estabelecer os limites metodologicos entre os dois pontos de vista, e de suma importancia e essencial elucidar a dife­ren9a que distingue a psicologia da ideologia.

Desse ponto de vista toma-se inteiramente compreensivel 0 papel especifico que cabe a arte como forma ideologica absoluta­mente peculiar, ligada a um campo total mente singular do psi­quismo humano. E se quisermos elucidar precisamente essa sin­gularidade da arte, aquilo que a distingue com seus efeitos dentre todas as outras formas ideologicas, necessitaremos inevitavel­mente da analise psicologica. Tudo consiste em que a arte siste­lJlatiza um campo inteiramente especifico do psiquismo do ho­mem social - precisamente 0 campo do seu sentimento. I;:, embo­ra todos os campos do psiquismo tenham como subjacentes as mesmas causas que os geraram, operando, porem, atraves de di­versos Verhaltensweisen* psiquicos, acabam dando vida a diver­sas formas ideologicas.

Assim, a antiga hostilidade e substituida pela alian9a de duas tendencias na estetica, e cada uma so ganha sentido em um siste­ma filos6fico geral. Se a reforma da estetica de cima para baixo e mais ou menos clara em seus contomos gerais e esta esb09ada em toda uma serie de trabalhos, em todo caso em um grau que permi­te a continua elabora9ao dessas questoes no espirito do materia­lismo historico, ja no campo contiguo - no estudo psicologico da arte - ocorre justamente 0 contrario. Vem surgindo toda uma serie de complica90es e problemas antes desconhecidos da antiga meto-

* Em alemiio, no original russo. (N. do T.)

"

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13 Metodologia do problema ~

dologia de toda a estetica psicologica. E, dentre essas novas com­plica90es, a mais substantiva e 0 problema da..deJimitasao da psi: ~gia social e da individual ~!!1d;aas questoes da arte. E de absoluta evidencia que 0 antigo ponto de vista, que nao admitia .. ~ duvidas quanta a delimita9ao dessas duas oticas psicologicas, L

hoje deve ser objeto de uma revisao fundamentada. Penso que a concep9ao corriqueira do objeto e do material da psicologia so-cial revela-se falsa na propria raiz ao passar por uma verifica9ao de um novo ponto de vista. De fato, 0 ponto de vista da psicologia social ou psicologia dos povos, como a entendia Wundt, adotou como objeto de estudo a lingua, os mitos, os costumes, a arte, os sistemas religiosos, as normas juridicas e eticas. Fica absoluta-mente claro que, do ponto de vista do que acabamos de expor, nada mais disso e psicologia: trata-se de coagulos de ideologia, de cristais. Ja a meta da psicologia consiste em estudar a propria argamassa, 0 pro rio . si9.ll.ismo~o~al e na2..a ideol£gia. A lin-

-;;gttft;:;;ps_co til es ,e-o"S ffiifo~ sa9 todos res~raon:chr:!tivuraQ~ £.§iguismo so~L<t. nao 0 pmcesso dessaatiyidad~. Por isso, quan­do a psicologia social trata desse-s objetos, slilistitui a psicologia pela ideologia. E evidente que a premissa fundamental da antiga psicologi~ soci~l e da ressurgente reflexo~~g~o.trtiva, segun~o a qual a pSIcologIa do homem parfttwar nao servma para elucIdar a psicologia social, acaba abalada pelas novas hipoteses metod~ logicas. 0

_ BiekhtleJiey_afirma: "e evidente que a 2.sicologia ~~i­~rticulares_nao serve para elucidar os !!loyimentos s.ociais .. ':: (18, p. 14). Esse mesmo ponto de vista e sustentado por psicolo- .

_ gos socials ~l2-11cDougaIUe Bon, F~~ eOUtros, Rara quem ~ gstqtii~m<U2.~'l.L!_~~ s.:cur.$a~io: q~e s~e .d? individua~. ,

Neste caso, supoe-se queexIsfe urn pSIqmsmo mdIvIdual especI­fico, e depois, ja como produto da intera9ao dessas psicologias individuais, surge uma psicologia coletiva, comum a todos esses in­dividuos. Ai a psicologia social surge como psicologia de um indi­viduo coletivo, do mesmo modo que a multidao e formada de individuos particulares, embora tenha a sua psicologia suprapes­soal. Assim a psicologia social nao marxista entende 0 social de modo grosseiramente empirico, necessariamente como multidao, coletivo, rela9ao com outros individuos. A sociedade e ai entendi-

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14 Psicologia da arte

da como reuniao de pessoas e condi9ao suplementar da atividade de urn individuo. Esses psicologos nao admitem a ideia de que, no movimento mais intimo e pessoal do pensamento, do sentimento, etc., 0 psiquismo de urn individuo particular seja efetivamente so­cial e socialmente condicionado. Nao e nada dificil mostrar que 0 psiquismo de um individuo particular e justamente 0 que consti­tui 0 objeto da psicologia social. E inteiramente falsa a opiniao de G. Tchelpanov, seguida freqiientemente por outros, segundo a qual a psicologia marxista, em especial, e uma psicologia social, que estuda a genese das formas ideologicas pelo metodo especifi­camente marxista, metodo que consiste em estudar a origem das referidas formas em fun9ao do estudo da economia social; segun­do tal opiniao, a psicologia empirica e experimental nao pode tor­nar-se marxista, como nao 0 podem a mineralogia, a fisica, a qui­mica, etc. Tchelpanov se apoia no oitavo capitulo do Questoes fun­damentais do marxismo, de Pliekhanov, em que 0 autor fala com absoluta clareza da origem da ideologia. E antes verdadeira preci­samente a ideia oposta, ou seja, a ideia segundo a qual a psicolo­gia individual (respectivamente a empirica e a experimental) so pode tornar-se marxista. De fato, uma vez que negamos a existen­cia da alma popular, do espirito PoPular, etc., como podemos diS-=-

-:I08~5-P~~~~~d~,~ ,~la ~~oI0i£.a soc.lal, e p~~~~ ~SO}~~l~ d~ um mdlv~~~ ...Quo p~rhc1J.!.ar, aqUIlo que ele ... tem na cab~9a. Nao eXlste nenhurn ~UITO 12siquismo. Tudo 0 m~is e metafisica otrlcleologiaJ ijzao por gu~ i!.firma?~e 1; psicologia do individuo particul;t. n~o 'pode tornar-se marxista, isto e, social, como nao 0 podem a mineralo-

_ gia, a quimica, etc ., implica nao entender a afirma9ao hasica de Marx de que "0 homem; no mais lato sentido, e urnz~, nao so urn animal a quem e intrinseca a comunici9ao mas um ani­mal que so em sociedade pode isolar-se" (1, p. ) 70). Considerar 0

psiquismo do homem particular, isto e, 0 objeto da psicologia experimental e empirica, tao extra-social quanto 0 objeto da mineralogia, significa estar em posi9aO diametralmente oposta ao marxismo. Isso ja sem dizer que a fisica, a quimica e a mineralo-

* Animal politico (Arist6teles, Politica, v. I, cap. I.).

Metodologia do problema _ _ __________ ___ --'-___ _

gia podem, evidentemente, ser marxistas e antimarxistas, se por ciencia nao entendermos mera rela9ao de fatos e cataIogos de de­pendencias e sim urn campo mais volumosamente sistema~ de conhecimento de toda urna parte do mundo.

Resta urna unica questao: /a genese das formas ideologicas. Seria 0 estudo da dependencia dessas formas em face da econo­mia social 0 autentico objeto da psicologia social? De maneira nenhurna, penso eu. Esta e uma questao geral de cada ciencia par­ticular, como os ramos da sociologia gera!. A historia das religioes e do direito e a historia da arte e da ciencia resolvem sempre essa questao para 0 seu proprio campo.

Mas nao so a partir de considera90es teoricas se esclarece a falsi dade do ponto de vista anterior, pois esta se manifesta de forma bem mais clara atraves da experiencia pratica da propria psicologia social. Ao estabelecer a origem dos produtos da arte social, Wundt acabou sendo for9ado a recorrer a obra de um indi­viduo (163, p. 593). Ele diz que outroindividuo pode reconhec,e-Ia n~la expressao adequada de suas proprias representa90es e emo- . 90es, e por isto uma multiplicidade de individuos diversos pode serjgllrume~ cri adora de uma so~represen.ta&:ao. Em critica a

"I""" Wundt, Biekhtieriev tem toda raz~o ao mostrar que, "neste caso, e evidente que nao pode haver psicologia social, uma vez que para ela nao se coloca nenhuma meta nova alem daquelas que inte­gram 0 campo da psicologia dos individuos particulares" (18 , p. 15). De fato, 0 antigo ponto de vista, segundo 0 qual existiria uma diferen9a de principio entre os processos e os produtos da cria9ao popular e individual, parece hoje abandonado por unani­midade. Hoje ninguem afirmaria que a bilina* russa, registrada a partir das palavras de um pescador de Arkhanguelsk, e urn poema de Puchkin, cuidadosamente corrigido por ele nos manuscritos, , sao produtos de diferentes processos de cria9ao. Os fatos mostram justamente 0 contrario: 0 estudo preciso estabelece que ai a dife­ren9a e meramente quantitativa; por um lado, se 0 narrador da bi­!ina nao a transmite exatamente como a recebeu do antecessor e faz nela algumas mudan9as, cortes, acrescimos, altera9ao na ordem

* Canyiio epica russa. (N. do T.)

)::

16 Psicologia da arte

das palavras e das partes, ele ja e 0 autor de tal variante e usa os esquemas prontos e os lugares-comuns da poesia popular; e abso­lutamente falsa a concep9ao segundo a qual a poesia popular surge sem artificios e e criada por to do 0 povo e nao por profissio­nais - narradores, cantores, fabuladores e outros profissionais da cria9ao artistica -, donos da tecnica do seu oficio, rica e profun­damente especializada, da qual fazem uso exatamente como os escritores das epocas mais tardias. Por outro lado, 0 escritor que _ fixa 0 produto escrito da~ ~ao tamb~o e, absolutamente, o criador individual da sua obra. Puchkin nao e, de modo algum, 0-autor li1cf1Vidual do seu poema. Como qualquer escritor, nao inventou sozinho os modos de escrever em versos, de rimar, de construir 0 enredo de deterrninada forma, etc., e, como narrador da bilina, foi apenas 0 divulgador de uma imensa heran9a da tra­di9ao literaria, e narrador dependente, em imenso grau, da evolu-9ao da lingua, aa tecnica ao verso, dos enredos tradicionais, dos temas, das imagens, dos procedimentos, das composi90es, etc.

Se quisessemos calcular 0 que, em cad a obra de arte literaria, foi criado pelo pr6prio autor e 0 que ele recebeu ja pronto da tra­di9ao literaria, observariamos com muita frequencia, quase sem­pre, que deveriamos atribuir a parte da cria9ao pessoal do autor apenas a escolha desses ou daqueles elementos, a sua combina-9ao, a varia9ao, em certos limites, dos lugares-comuns, a trans fe­rencia de uns elementos da tradi9ao para outros sistemas5, etc. Noutros termos, tanto no fabulador* de Arkhanguelsk quanto em Puchkin sempre podemos encontrar a presen9a de ambos os mo­mentos - da autoria individual e da tradi9ao literaria. A diferen9a esta apenas na correla9ao quantitativa desses dois momentos. Em Puchkin projeta-se 0 momenta da autoria individual, no fabulador, o momenta da tradi9ao literaria. Mas os dois lembram, segundo feliz compara9ao de Sillverswan, urn nadador em urn rio, arrasta­do para urn lado pela corrente. 0 caminho do nadador, como a obra do escritor, sera sempre a resultante de duas for9as - dos esfor90s pessoais do narrador e da for9a deslocadora da corrente./

* 0 termo "fabulador", do russo skazitiel, e aqui empregado no sentido de narrador de bilinas, can90es e baladas medievais, em suma, de continuador da tradi9iio oral. (N. do T.)

Metodologia do problema 17

Temos todos os fundamentos para afirmar que, do ponto de ------- ~--vista psicol6gico, nao M diferen9a de principio entre os J2[ocessos ...------ - -de cria9aopopular e) ndividual. E, sendo as~, :tIS.1l_d teve toda razao ao afirmar "que a psicologia individual, desde 0 inicio, e ao mesmo tempo uma psicologia social" (122, p. 3). Por isso a psi co-

'--logia intermental (interpsicologia) de Gabriel Tarde, como a psi-cologia social de outros autores, deve adquirir significado inteira­mente diverso.

A exemplo de Sighele, De-Ia-Grasseri, Rossi e outros, incli­no-me a pensar que se deve distinguir psicologia social de psico­logia coletiva, s6 que nao me inclino a reconhecer como tra90 distintivo de ambas 0 que esses autores apresentam, mas outro tra90 bern diferente. Foi justamente por ter a distin9ao se baseado no grau de organiza9ao do grupo estudado que essa opiniao nao foi aceita por todos na psicologia social.

o tra90 de distin9ao se delineia por si mesmo se levamos em conta que 0 objeto da psicologia social vem a ser precisamente 0

psiquismo do individuo particular. E absolutamente claro que, neste caso, 0 objeto da antiga psicologia individual coincide com a psicologia diferencial, cuja meta e estudar as diferen9as indivi­duais em individuos particulares. Tambem coincide inteiramente com isto 0 conceito de reflexologia geral diferenciada da reflexo­logia coletiva em Biekhtieriev. "Neste sentido, existe certa corre­la9ao entre a reflexologia do individuo particular e a reflexologia coletiva, uma vez que a prime ira procura elucidar as particulari­dades do individuo particular, encontrar a diferen9a entre 0 modo individual de ser de individuos particulares e indicar 0 fundamento reflexol6gico de tais diferen9as, ao pas so que a reflexologia cole­tiva, ao estudar as manifesta90es coletivas da atividade correlata, visa, propriamente, a elucidar como, atraves da intera9ao de indi­viduos particulares nos grupos sociais e da atenua9ao das suas diferen9as individuais, obtem-se os produtos sociais da atividade correlata de tais individuos." (18, p. 28)

Dessas considera90es fica absolutamente claro que se trata precisamente da psicologia diferencial na acep9ao precisa do terrno. Neste caso, 0 que vern a ser 0 objeto da psicologia coletiva no sentido pr6prio da palavra? Podemos mostra-lo atraves do mais simples raciocinio. Tudo em n6s e social, mas isto nao quer dizer,

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18 Psicologia da arte

de modo algum, que as propriedades do psiquismo do individuo particular sejam, em sua totalidade absoluta, inerentes a todos os demais integrantes de dado grupo. So certa parte da psicologia in­dividual pode considerar-se patrimonio de determinado grupo, e e essa parte da psicologia individual, nas condic;oes de sua manifes­tac;ao coletiva, que e sempre estudada pela psicologia coletiva quando esta estuda a psicologia do exercito, da igreja, etc.

Assim, em vez de distinguir psicologia social de psi~ individual, deve-se distingllir.-I2Sicologia social ~psicologia col&: EVa. Arustmc;ao entre psicologia social e individual em estetica ~parece da mesma forma que a distinc;ao entre estetica norma­~descritiva, porque, Como 0 mostrou com absoluta razao Miins-_ terberg, a estetica historica estava ligaaa-apsicologia social, e a ~lca normafiVa: a psicologia i~ividual (Cf. 156). --- Bern m is im ortante e a distinc;ao entre sicolo ia subjetiva

3--12S,!,C019glg obiEtiva _ a arte~ 0 trac;o distintivo do metodo intros­pectivo aplicado a,o estudo das emoc;oes esteticas revela-se com total evidencia em certas particularidades dessas emoc;oes. Por sua propria natureza, a emoyao estetica permanece incompreellSiYe1-e ~toem sua essencia e transcor~ia.-Nunca sabe­,ElQs nem e~em?s pO.r .9ue essa ou aq~e1a obra foi .do nosso a~Tudo 0 que Imagmamos para exphcar 0 seu efelto vern a ser urn artifici tardio, uma racionalizac;ao ostensiva de processos inconscientes A ro ria emo ao continua urn eni rna ara nos A arte consiste Justamente em esconder a arte, como diz urn prov r­bio frances. Por isso a psicologia tentou chegar a uma soluc;ao ex­perimental dos seus problemas, mas todos os metodos da estetica experimental- seja na forma aplicada por Fechner (0 metoda da

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escolha, orientac;ao e aplicac;ao), seja na forma como foram apro-vados por Kiilpe/( 0 metodo da escolha, da mudanc;a gradual e da

""'" variac;ao do tempo H Cf. 148) - foram, no fundo, imprestaveis para romper 0 circulo das avaliac;oes esteticas mi;lis elementares e simples. -

Resumindo os resultados dessa metodologia, Frobes chega a conclusoes muito lamentaveis (143, S. 330). Hamann e Croce a cri­ticaram severamente, e Croce a qualificou textualmente de antro­pologia estetica (cf. 30; 62).

Urn pouco acima de tais concepc;oes esta 0 enfoque reflexo­logico ingenuo do estudo da arte, que estuda a personalidade do

Metodologia do problema 19

artista atraves de testes da seguinte ordem: "Qual seria sua atitu­de se a pessoa que voce ama 0 traisse?" (19, p. 35) Se mesmo nes­te caso toma-se 0 pulso e mede-se a respirac;ao, ou sugere-se ao artista escrever sobre primavera, verao, outono, inverno, ainda assim permanecemos nos limites de uma pesquisa ingenua e ca­mica, s~PQiO-e impotente ao extremo. -

• =--CZ.erro pri~c~a estetica e~~erimental est~ n~ fa:o de ela <::J come9aipe1o-frm, .pelo prazer estetlco e pela avahac;ao, 19noran­.l do 0 proprio processo e esquecendo que 0 prazer e a avaliac;ao 1 podem ser momentos amiude fortuitos, secundarios e ate mesmo ~ suplementares do comportamento estetico. 0 segundo erro dessa ~ estetica-""manifesta-se na incapacidade de encontrar 0 especifico

~ ~ que separa a emoc;ao est6tica da em09ao Gomum. No fundo, essa '" ) estetica esta condenada a permanecer sempre fora do limiar da es­~ ~ tetica, c,aso sugira para avaliac;ao as mais simples combinac;oes de

1

\) cores, sons, linhas, etc., perdendo de vista que esses momentos nao caracterizam, de modo algum, a perce ao estetica como tal.

Por ultimo, a terceira e rincipal falh daquela estetica - a falsa premissa de que a emoQao estetica complexa surgiria como ~enosy~res.-£steticos particulares. Esses estet~

supoem que a beleza da obra de arquitetura ou de uma sil}fonia musical pode ser algum dia por nos atingida como expressao su­maria de percepc;oes particulares, consonancias harmoniosas, acor­des, justa proporc;ao, et£J>or isso e absolutamente claro que, para a antiga estetica, 0 objetivo e 0 subjetivo eram sinonimos de este­tica nao-psicoI6gic_a,_Pill urn lado, e de estetica psicologica, .por

-outro (CC'l I). 0 12roprio_co.Dce!to_~tetica objetivamente psi­cologi~!!.m9_combinac;ao,absurd<Lejnternamente contradito­ria de conceitos e palavras. -. A crise por ue ora passa a psicologia no mundo inteiro divi- f

diu, grosso modo, todos os mllCo ogo~s camE,9s. De urn ~ temos urn ~logos que se recol . m'

antes ao subjetivismo Di t eye outros). Trata-se de uma psi­cologla que ten e mtldamente para 0 bergsonismo. De outro lado, nos mais diversos paises, da Amerreaa Es;;Uha:-vemos as mais variadas tentativas de criac;ao de uma psicologia obietiva. 0 beha­viorismo americano, apsicologia da Gestalt alema, a reflexolo i e a psico ogla marxlsta sao to as tenta Ivas orientadas pela ten-/ ==== :::>

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20 Psicologia da arte

dencia, geral"'para 0 objetivismo que ~e verifica na psicologia atual. E evidente que, ao lado da revisao radical de toda a metodo-

'rogla da antiga estetica, essa tendencia para 0 objetivismo abrange tambem a psicologia estetica. Assim, essa psicologia tern como problema maior criar urn metoda objetivo e urn sistema de psice­logia da arte . Tornar-se objetivo e auestao de vida ou morte para ~------- ----------=--:=----odo sse cam 0 do conhecimento. Para a15Oroar a soluyao desse

problema, e necessario defimr com mais precisao em que consis­te a psicologia da arte e so entao passar ao exame dos seus metodos.

E facilimo mostrar que qualquer estudo da arte e sempre e necessariamente foryado a lanyar mao desses ou daqueles dados e premissas psicologicas. Na ausencia de algurna ja consumada teo­ria psicologica da arte, tais estudos usam a psicologia vulgar do pequeno-burgues e das observayoes domesticas. Com exemplos e mais facil mostrar como livros serios pelos fins e pela execuyao cometem freqiientemente erros imperdoaveis quando comeyam a apelar para a psicologia do comum. Entre tais erros esta a carac­terizayao psicologica da medida do verso. Em livro recem-publi­cado de Grigoriev esta escrito que, com 0 auxilio da curva do rit­mo que Andriei Bieli ins ere para determinados versos, pode-se esclarecer a sinceridade da emoyao do poeta. E ele mesmo que faz a seguinte descriyao psicologica do coreu: "Foi observado que o coreu .. . serve para exprimir disposiyoes de animo, danya ('Nu­yens correm, nuvens se emoscam'). Se ai algum poeta aproveita 0 coreu para exprimir algum estado de espirito elegiaco, fica claro que esse estado elegiaco nao e sincero, e afetado, e a propria ten­tativa de usar 0 coreu para a elegia e tao absurda quanto, segundo comparayao jocosa do poeta I. Rukavichnikov, e absurdo esculpir urn negro de marmore branco." (41 , p. 38)

Basta lembrar 0 poema de Puchkin mencionado pelo autor ou ao menos urn verso puchkiniano - "rasgando-me 0 corayao com urn ganido queixoso ou urn bramido" - para nos convencermos de que aqui nao ha nem vestigio daquela "disposiyao de animo e danya" que 0 autor atribui ao coreu. Ao contrario, ha uma tentati­va mais que evidente de usar 0 coreu em urn poema lirico sobre urn sentimento angustiante e desesperador. Tal tentativa 0 nosso au­tor qualifica de absurda, como e absurdo esculpir urn negro de marmore branco. Contudo, seria mau escultor aquele que se me-

Metodologia do problema 21

tesse a pintar de negro uma estatua se ela tivesse de representar urn negro, como e precaria a psicologia que, a esmo, contrariando as evidencias, co10ca 0 coreu na categoria das disposiyoes de ani­mo e danya.

Em escultura urn negro pode ser branco, como na lirica urn sentimento sombrio pode ser expresso pelo coreu. Mas e inteira­mente verdadeiro que ambos os fatos precisam de uma explicayao especial, e so a psicologia da arte pode da-Ia.

Em pandant* cabe citar outra caracterizayao analoga do me­tro, feita pelo professor Iermakov: "No poema 'Caminho no In­verno ' .. . 0 poeta usa a medida triste e iambica em urna obra de conteudo elevado e cria uma desarmonia interior, uma nostalgia opressiva ... " (49, p. 190) Neste caso a teoria psicologica do autor pode ser rejeitada pela simples referencia factual de que 0 poema "Caminho no Inverno" foi composto a base de urn coreu tetramico puro e nao em "medida iambica triste". Assim, os psicologos que tentam interpretar a tristeza de Puchkin a partir do seu iambico e o estado de espirito animado a partir do seu coreu equivocam-se com esses iambicos e coreus e nao levam em conta 0 fato ha mui­to estabelecido pela ciencia e formulado por Gershenzon, segun­do 0 qual, "para Puchkin, a medida do verso parece indiferente; pela mesma medida ele descreve a separayao da mulher amada (,Para as margens da patria distante') e a caya do gato ao rato (em '0 Conde Nulin'), 0 encontro de urn anjo com 0 demonio e urn tentilhao preso ... " (34, p. 17).

Sem urn estudo sicologico especial nunca vamos entender que eis regem os sentimentos numa obra e arte, e sempre nos

'" arriscaretTiOSacOmeter erros crassos. Alem dlsso, e notavel que os estudos sociologicos da arte nao estejam em condiyao de expli­car integralmente 0 proprio mecanismo de ayao da obra de artt:f. Aqui muita coisa e explicada pe10 "principio da antitese" que, seguindo Darwin, Pliekhanov incorpora para explicar muitos fenomenos em arte (87, pp. 37-59). Tudo isso diz da colossal com­plexidade das influencias sofridas pela arte~ que de modo algum podem ser reduzidas a uma forma simples e univoca de reflexo.

* Em frances, no original russo. (N. do T.)

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22 ------------- ---_______ Psicologia da arte

u~elasamda cQ.n~inuam os proporcionar prazer estetico e em certo senhdo, se~a e mode 0 inacesslvel" 0, pp. 736-737).

Eis uma coloca9ac) bemprecisa do problema psicologico da arte. 0 que se deve elucidar nao e a origem dependente da econo­mia, mas 0 sentido do efeito e do encanto que "nao esta em con­tradi~ao com 0 nivel social atrasado em que medrou" (1, pp. 737-738). Deste modo, 0 vincul entr a arte e as reta oes economicas ue the dao vida e de extrema com lexida e.

Is 0 nao Slglll lca, de modo algum, que as condi~oes sociais nao determinam definitiva e integralmente a natureza e 0 efeito da obra de arte, mas que as determinam apenas indiretamente. Os proprios sentimentos que suscitam a obra de arte sao socialmente condicionados, 0 que a pintura egipcia confirma magistralmente. Nesta a forma (a estiliza~ao da figura humana) tern a nitida fun­~ao de comunicar urn sentimento social que esta ausente no pro­prio objeto representado e the e conferido pela arte. Generalizando esse pensamento, podemos confrontar 0 efeito da arte com 0 efei­to da ciencia e da tecnica. E mais uma vez 0 problema se resolve, para a estetica psicologica, pelo mesmo modelo que se resolve para a estetica sociologica. Estamos dispostos a repetir com Hausen­stein, substituindo sempre 0 termo "sociologia" por "psicologia": "A sociologia genuinamente cientifica da arte e uma fic~ao mate­matica." (32, p. 28) "Uma vez que a arte e forma, a sociologia da arte so acaba merecendo essa denomina~ao quando e sociologia da forma. A sociologia do conteudo e possivel e necessaria, mas nao e sociologia da arte no sentido proprio do termo, visto que a sociologia da arte, na acep~ao exata da palavra, so pode ser socio­logia da forma. Ja a sociologia do conteudo e, no fundo , uma so­ciologia geral e pertence antes a historia civil que a historia este-

Metodologia do problema 23

tica da sociedade. Quem ve urn quadro revolucionaro de Delacroix do ponto de vista da sociologia do conteudo esta, no fundo, tratan­do da historia da revolm;ao de julho e nao da sociologia de urn ele­mento formal marc ado com 0 grande nome de Delacroix." (32, p. 27) Para esse estudioso, seu objeto de estudo nao e 0 objeto da psicologia da arte mas a psicologia gera!. "A sociologia do estilo nUllca pode ser uma sociologia do material artistico ... para a socio­logia do estilo trata-se ... da influencia sobre a forma." (31 , p. 12)

Conseqiientemente, 0 problema consiste em saber se e possi­vel ou impossivel estabelecer quaisquer leis psicologicas de influ­xo da arte sobre 0 homem. 0 idealismo extremado tende a negar a existencia de lei na arte e na vida psicologica. "Hoje, como antes, e depois, como agora, a alma e e sera inatingivel a compreensao ... As leis para a alma nao foram escritas, e por is so tambem nao foram escritas para a arte." (6, pp. VII -VIII) Se admitirmos uma lei em nossa vida psicologica, deveremos for~osamente incorpora-Ia a explica~ao do influxo da arte, porque esse influxo sempre OCOf­

re em rela~ao a todas as outras formas da nossa atividade. Por isso 0 metodo estopsicologico de Hennequin continha a

id6ia correta segundo a qual so a psicologia social pode fornecer urn ponto de apoio segura e orienta~ao ao pesquisador da arte. Entretanto esse metodo encalhou fora do campo intermediario situado entre a sociologia e a psicologia, campo que ele esbo~ou com bastante clareza. Assim, a psicologia da arte requer, antes de tudo, uma consciencia absolutamente clara e precisa da essencia do problema psicologico da arte e seus limites. Estamos inteira­mente de acordo com Kiilpe, que mostra que, no fundo, nenhuma estetica evita a psicologia: "Se as vezes questiona-se essa rela~ao com a psicologia, isto decorre, ao que tudo indica, apenas de uma divergencia internamente secundaria: para uns, as tarefas especi-' ficas da estetica consistem em empregar urn ponto de vista origi­nal ao examinar os fenomenos psiquicos, para outros, em estudar urn campo especifico de fatos, geralmente pesquisados em termos meramente psicologicos. No primeiro caso temos a estetica dos fatos psicologicos, no segundo, a psicologia dos fatos esteticos." (64, pp. 98-99)

~ontudo , a meta consis!e.em delimitar com toda a precisao 0

problema psicologico da arte do problema sociologico. Com base "------= ::---

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24 Psicologia da arte

em tudo 0 que examinamos, penso que 0 mais correto e faze-lo usando a psicologia de urn individuo particular. E clarissimo que, aqui, e inaceitavel a formula universalmente difundida, segundo a qual as em090es de urn individuo particular nao podem ser mate­rial para a psicologia social. E incorreto dizer que a psicologia do vivenciamento da arte por urn individuo particular e tao pouco so­cialmente condicionada como urn mineral ou urn composto quimi­co; e isso e tao evidente que a genese da arte e sua dependencia em face da economia social sera estudada especialmente pela historia da arte. A arte como tal- como tendencia definida, como soma de obras concluidas - e ideologia como qualquer outra ideologia.

Para a psicologia objetiv~ ser ou nao s.er e uma Q.uestao de ,~~t0<.!2 . Ate hoje 0 estudo psicologico da arte foi sempre d~ volvido em uni dentre dois sentidos: ou se estudava a psicologiL do cria~.i!..-e1ll.-que ela se manifestava nesse ou naguele ~u se estudava a emocao do espectador, do leit~cep-= tor dessa obra. A imperfeicao e a esterilidade d~m(~todos sao bern evidentes. Se levarmos em conta a inusitada complexida­~ dos processos &cria9ao e a total ausencia de qualquer n09ao das leis que regem a expressao do psiquismo do criador em sua obra, veremos com toda clareza que e imllossiveilltroceder da obrq :\.psicologia do seu criador, se naoquisermos per~ ~nte em me ras ciffijeturas. -Msto se acrescenta ainda que toda ideologia, como mostrou Engels, sempre se realiza como falsa consciencia ou, no fundo, de modo inconsciente. Diz Marx: "Como nao se pode julgar urn homem com base no que ele mesmo pens,a de ~ nao se pode julgar uma epoca de reviravolta pela sua cons­clencia. Ao contrario, essa consciencia precisa ser explicada a partir das contradi90es da vida material." (2, p. 7) E Engels expli­cou essa questao da seguinte maneira em uma carta: "A ideologia e urn processo que 0 chamado pensador realiza-, embora com con sciencia, mas com consciencia falsa. As verdadeiras for9as motivadoras que 0 movem continuam ignoradas por ele~ do con­trario isto nao seria urn processo ideologico. Consequentemente, ele cria representa90es de for9as motivadoras falsas ou aparen­tes." (4, p. 228)

~>igual maneira vern a ser esteril a analise da emo oes do espectador;-uma vez que e a tambem esta oculta no campo in-~ ----------

Metodologia do problema 25

consciente do psiquismo. Por isso penso que se deve propor outro metodo para a psicologia da arte, 0 qual necessita de certa funda­menta9ao metodologica. A ele podem facilmente objetar 0 mesmo que objetaram ao estudo do inconsciente pela psicologia: sugeria­se que 0 inconsciente, pelo proprio senti do do termo, era algo que nao podiamos apreender nem conhecer, razao por que nao podia ser objeto de estudo cientifico. AJem disso, partiam da falsa pre­missa de que "podemos estudar apenas aquilo (e em geral pode­mos saber so sobre aquilo) de que "temos consciencia imediata". Contudo essa premissa carece de fundamento , pois conhecemos e estudamos muito do que nao temos consciencia imediata, do que sabemos apenas atraves de analogia, hipoteses, conjeturas, con­clusoes, dedu90es, etc., em suma, muito do que conhecemos ape­nas por via indireta. Assim se criam, por exemplo, todos os quadros do passado, que restabelecemos atraves de variadissimas estima­tiVas e hipoteses baseadas em material que frequentemente nao apresenta nenhuma semelhan9a com esses quadros. "Quando 0

zoologo, pelos ossos do animal morto, determina 0 tamanho, 0 as­pecto extemo e 0 modo de vida desse animal, diz de que ele se ali­mentava, etc. ; nada disso e dado imediatamente ao zoologo, e vivenciado imediatamente por ele como tal, tudo ai sao conclusoes baseadas em alguns vestigios de ossos, etc." (46, p. 199) i& base n as ide a90es, podemos sugerir a uele novo metodo ~..gue na c assifica9ao de metodos de Muller­Freienfels foi denominado ",meJodo objetivamente anaHtic_o~' (154,

- , ---' .... -- ,..,. .. ---~ ..... ~--'

S. 42-43}o*. E necessario tomar or 'base nao 0-autor e 0 es ecta-~s a propria obra de arte., E verdade que,_por si so, ela_nao

e, de modo algUm,-objeto da psicologia, e nela 0 psiquismo como tal nao e dado. Contudo, se tivermos em mente a posiyao do his­toriador que do mesmo modo estuda, digamos, a revolu9ao Fra!l­cesa or materiais em que os proprios objetos da sua pesquisa nao! estao dados nem msen os, ou 0 geologo~ yeremosquetoda uma S6riede CieIlQi~te da necessidade de antes recriar 0 seu

..Q.bjeto de estudo com 0 au~o;::..., etodos indiret -isto' ana­~. Procurar a verdade nessas ciencias lembra muito amiude 0

oce ~ci ento da verdaae no 'ul amento de algum £!iDlea g~nd.£. 0 pr~ crimei a e coisa do ~e 0 iuiz teN a disp~~rovas indiretas: vestigjosa pistas, testemunh.9-

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26 Psicologia da arte

Seria urn mau juiz aquele ue roferisse senten a com base no d _ J~oimento do reu ou da vir a ou seja, de pessoa notoriamente parcIal, que pela propria essencia da questao deforma a verdade. Da mesma forma age a psicologia, quando recorre a depoimentos

- do leitor ou do espectador;-Mas de forma alguma degQJ:.Luiaj..Q1!e ~juiz geY.a n;cl!.sar~se_terminantemente a ouvir as partes interes­s~di!~ uroi!ve~ .. gue_as priva antecjRadamente~~ Da m-e5-rna forma 0 psicologo nunca se recusa a usar esse ou aquele mate­riai, embora este possa s~ de antemao reconhecido como falso. So confrontando toda uma serie de teses falsas , submetendo-as a verificac;ao atraves de testemunhos objetivos, provas materiais, etc. o juiz estabelece a verdade. 0 historiador tambem tern de usar qua­se sempre materiais notoriamente falsos e parciais, e, exatamente como 0 historiador e 0 geologo que antes recriam 0 objeto do seu estudo e so depois 0 levam a estudo, 0 psicologo e levado a recor­rer mais amiude precisamente a provas materiais, as proprias obras de arte, e com base nelas recriar a psicologia que lhes cor­responde, para ter a possibilidade de estudar essa psicologia e as leis que a regem. Alem dis so, toda obra de arte e vista natural­mente pelo psicologo como urn sistema de estimulos, organizados consciente e deliberadamente com vistas a suscitar resposta este­tica. Ao analisarmos a estrutura dos estimulos, recriamos a estru­tura a resposta. Isto po e ser explicado com 0 exemplomais..sim­~damos a estrutura..ritmica...de...algum tr@o de discurso, l~mos Q...temy.2 todo com...fatos~naQ .. psi.Yologicos, mas ac)imali­sarmos essa estrutura ritmica do discurso como orientada de di­versos modos para suscitar uma ~~;;posta corresponaentemente fu"ilcional, atraves GeSsa analise e- com base emaados Plenamen­.t~ oQjetivos,fwjamos alguns trac;os da resposta ~srehca. A1em dissa,­e evidente que, assim recriada, a resposta estetica..sew absoluta­mente impessoal, ou seja, nao pertencera a nenhum individuQ

-particular nem refletrra nenhum processo psiquico jndiYidualeID toda a sua concretude, pois isto sera apenas urn merito dela. Esta

'circunstancia nos ajuda a estabelecer a natureza da resposta este­tica em sua forma genuina, sem mistura-Ia com todos os proces­sos casuais de que ela se cerca no psiquismo individual.

Esse metodo IlO.s .. arante ainda suficiente_ob~s ~~ d~to 0 0 ist~~ d.L~~...9..ue ele

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Metodologia do problema 27

parte sempre do estudo de fatos s6lidos, que existem objetiva­'mente e saoleVaOosem conta. 0 sentIdo gera! desse metodopode ~resso na seguinte formula: da forma da obra de arte, pas­sando pela analise funcional dos seus elementos e da estrutura, para a recriac;ao da resposta estetica e 0 estabelecimento das suas leis gerais.

Em funs:ao do novo metodo, as tarefas e 0 .. plano do presente trabaih(;(kvem ser deflnidos comotentativa de aplica-lo com urn minimo de detalhe e planejamento. E perfeitamentec ompreensi­vel que essa circunstancia nao nos " tenha permitido propor ne­nhum objetivo sistematico. No campo da metodologia, da critica da propria pesquisa, da generalizac;ao teorica dos resultados e do seu valor aplicado, tiv~mos sempre de abrir mao da tarefa de rever de forma fundamental e sistematica todo 0 material, pois is so po­deria ser 0 objeto de multiplas pesquisas.

Em todo 0 estudo tivemos de trac;ar os caminhos da soluc;ao dos problemas mais simples e fundamentais para experimentar 0

metodo. Por isso inseri alguns estudos particulares da fabula, da no­vela e da tragedia em ordem antecipada para mostrar, com plena clareza, os procedimentos e 0 carater dos metodos que aplico.

Se 0 resultado desta pesquisa fosse 0 ensaio mais geral e aproximado da psicologia da arte, estaria cumprida a meta que 0

autor se propos.

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C(f{' Capitulo 2 A arte como ca

Principios da critica. A arte como conhecimento. 0 intelectua­lismo dessa formula. Critica a teoria da figurat;50. Resultados pniti­cos dessa teo ria. A n50 compreens50 da psicologia da forma. De­pendencia em face da psicologia associativa e sensualista .

quase nenhum sistema inteiramente concluido e com urn minimo ~ -------- - ----- -- ~ -de reconhecimento geral na psicologia da arte. Aqueles autores que, Coii:l.OM'u11er-FreJenteIs, tentam reduziremum to do unico tudo 0

que de mais valioso foi criado nesse campo, pela pr6pria essencia do assunto, estao 'condenados a uma sinopse ecletica dos mais diversos pontos de vista e concepc;oes. Em SUfi maio ria, os psic6-logos elaboraram, e de forma incompleta e fragmentaria, apenas alguns problemas da teoria da arte que nos interessa, e' ainda de­senvolveram esse estudo amiude em pIanos bern diferentes e dis­sociados, de sorte que, sem qualquer ideia unificante ou principio metodol6gico, seria dificil fazer uma critica sistematica de tudo 0

que a psicologia fez nesse senti do. S6 podem ser objeto do nos so estudo aquelas teorias psicol6-

gicas da arte que, em primeiro lugar, tenham constituido urn mini­mo de teoria sistematica acabada e, em segundo, estejam no mesmo plano com 0 estudo que estamos empreendendo. De outra forma teremos de enfrentar criticamente apenas aquelas teorias psicol6-gicas que operam apoiadas no metodo objetivamente analitico, isto e, que centram sua aten<;;ao na analise objetiva da pr6pria obra de arte e, partindo dessa analise, recriam a psicologia que corres-

32 Psicologia da arte

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POnde a tal obra. Os sistemas baseados em outros metodos e pro­cedimentos aparecem em plano inteiramente diverso, e para veri­ficar os resultados do nosso estudo com 0 auxilio dos fatos e leis anteriormente estabelecidos teremos de aguardar os proprios re­sultados finais da nossa pesquisa, uma vez que so conclusoes

'I r finais podem ser comparadas a conclusoes de outras pesquisas

\} ,lj desenvolvidas por via inteiramente diversa.

Gra<;as a isto limita-se e restringe-se bastante 0 circulo de teorias sujeitas a exame critico e torna-se possivel reduzi-Ias a tres sistemas psicologicos tipicos e principais, que reunem indivi­dualmente em torno de si uma infinidade de estudos particulares, de concep<;oes descoordenadas, etc.

Resta ainda acrescentar que a propria critica que adiante ten­cionamos desenvolver deve, pelo proprio fim que se propoe, par­tir do merito puramente psicologico e da autenticidade de cada teoria. Aqui nao se levam em conta os meritos de cada urna das teo­rias examinadas em seu campo especifico, por exemplo, na lin­gUlstica, na teoria da literatura, etc.

A formula prime ira e mais difundida com que depara 0 psi­colo go ao enfocaraartedefine a arte como conhecimento. Tenao Huiiibo1dt comOpOrito de partida~~~e"'vista foi'brilhan­temente desenvolvido por Potiebn~ e sua escola, e serviu de prin­cipio fundamental de toda uma serie de estudos fecundos des en­~ p~sa me sma fOrmula, urn pouco modlflcaaa, aproxima-se muitissimo da doutrina amplamente difundida e ori­gimlria da remota Antiguidade, segundo a qual a arte e 0 conheci­mento da sabedoria e tern como urn dos seus fins principais pre­gar1i<;oes de moral e servir de guia. 0 ponto de vista principal ~oria e a analogia entre a atividade e 0 desenvolvimento da lingua e a arte.

-~ada palavra, como mostrou esse sistema psicologi.£9..-de !inguistica, distigguimos tres elementos basicos: primeiro ~ son?ra externa, segundo, a imagem ou forma interpa e, terceiro, 0

~lIDffica.&:.': i se denomina forma inteiitf6tFrlificado etimolo-ico mais aproximado da palavra, atraves da qual ele ad uire a:

possibilidade de Sl nificar 0 conteu 0 ne a: inserido. E~ casos essa forma iuterna foi esquecida e reca ca a sob a.in~a

-do significado da palavra em crescente expansao. Contudo, em outra

I :j fe-·v.. Co- ~X ~~ ~f'lr~ 'v~~"'~

, Critica 'J >1 ,)",j ~ c..).o

~of...o;:. i~ \.

33

parcela de palavras e extremamente facil localizar essa forma -inte~ ~oestudo etimologico mostra que, mesmo nos casos em que so se mantiveram a forma extern a e 0 significado, a_ forma interna existiu e so foi esquecida no processo de evolu<;ao da lin­~Assim, outrora rato significou "ladrao"', e s6 atraves da for­ma interna esses sons conseguiram tornar-se significado de rato. Em palavras como molokosos* (fedelho), tchernila (tinta para caneta), konka (vagao), liotchik (aviador)*, etc., essa forma inter­na continua clara ate hoje, e e perfeitamente claro 0 processo de suplanta<;ao da imagem pelo conteudo da palavra em permanente expansao, como e claro 0 conflito que surge entre a sua aplica<;ao estreita inicial e a mais ampla posterior. Quando dizemos "tramuei

- a vapor" ou "tinta vermelha para caneta", percebemos com toda clareza esse conflito. ,Para compreender 0 significado da forma interna, que desempen~senclahsslmo na analogia com a ar ~ e e u 11 a e examinar urn fen6meno como os sin6ni-~ D~ sin6nimos tern forma sonora diferente em urn so con­

.---teudo gra<;as unicamente ao fato de que a forma interior de cada urna dessasj?,alavras e totalmente diversa. Assim, as palavras luna e miessiats** designam em russo a me sma coisa atraves de dife­rentes sons, gra<;as ao fato de que, etimologicamente, a palavra luna designa 1!lgo fantasios?2, voluvel, inconstante, caprichoso (alusao as fases da lua), e miessiats significa algo que serve para medir (alusao a mensura<;ao do tempo por fases).

~ren..£a entre as duas referidas palavras e mera­~nte psicologica. ~evam a urn unico resultado, so que atraves de diversos processos de pensamento. Do mesmo modo, mediante duas diferentes insinua<;oes podemos fazer suposi<;oes sobre 0

mesmo objeto, mas 0 caminho da suposl<;ao sera sempre diferen­teTotiebnya faz ai urna brilhante formula<;ao, ao dizer: "A forma ,

)AD LO \)..:: LE irE ! * Molok0fit.s ~ d rnoloka (leite e sossat (chupar, sugar); lehernila -

derivad~ern, radica e Ie erni (negro, preto); konka, (vagao puxado a cavalo, sobre trilhos, anterior ao surgimento do bonde); liatehik - de liot (v60), derivado de lietat (voar), com supressao da desinencia de infinitivo at e incor­pora9ao de tehik, sufixo formador de nome derivado. (N. do T.)

** Miessiats~ illeS, IUL{N. do T.)

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34 PSic%gia da arte

interna de cada uma dessas palavras orienta de modo diferente 0 pensamento ... " (93, p. 146)J

Os mesmos tres elementos ue distingllimos na palavra, aque­SIC encontram tambem na obra de arte, ao afirmarem

que os processos psicol6gicos a percep'ta9_ e a criayao da obra de arte co ' ncidem com os processos similares na percepyao e na criaQ~e determinad~a avra. "Os mesmos eleme~ Potiebnya, "podem ser encontrados sem dificuldade tambem na obra de arte, se ra,ciocinarmos assim: 'Esta e uma estatua de mar­mBfe (f<2!'ma externa) de uma mulher com uma espada e u~ ba­lanya (forn~int~na), representando a justiya (colJteudo).' Ocor­re ue na obra de arte a imagem esta ligada ao conteudo como na ~vra a [email protected] esta ligada a ima~~~ou ao con­ceito.") Em vez do "cont€udo" da obra de arte podemos empregar -- --~_expressao maiUOIDllJ!1.j>recisamente a ~a" (93, p. 146).

Dessa analogia esboya-se 0 mecanismo dos processos psi co­l6gicos correspondentes a obra de arte, e ainda se estabelece que o carater de si!nbolo ou imagem da pala~a eguipara-se a sua poe­ticidade e, dest~ modo, 0 fundamento da emo<;ao artistica passa a s~ ima~m cuja natureza-gefarTCO~Es pro riedades comuns do processo intelectual e co nitivo. Uma crian<;a, que VlU pe a primeira vez urn globo de vidro, denominou­o melanciazinha, explicando uma impressao nova e para eltU!,es­conhecida do globo atraves da noyao anterior e conhecida de me­lancia. A antiga noyao de "melanciazinha" ajudou a crian<;a a aper­ceber-se da outra. "Shakespeare criou a imagem de_Otelo", diz Ovsianiko-Kulikovski, "para aperceber-se da ideia de ciUme, da mesma forma que a crianya lembrou-se e disse melanciazinha para aperceber-se do globo .. . 'CiUme - sim, isso e Otelo', disse Shakespeare. A crian<;a, bern ou mal, explicou a si mesma 0 globo. Shakespeare explicou excelentemente 0 ciUme 12rimeiro a­si mesmo, depois a toda a humanidade." (80, pp. 18-20). ~ifica-se, RQ!s, que~poesia ou a arte sao urn modo espe0-

fico de pensament04 ue acaba acarretando 0 mesmo ue 0 GO­~ecimento clentifico ac~(a explica<;ao do ciume em~-:.. kespeare), s6 que 0 faz por outras vias.~ apenas pelo seu ~ ou seja, pelo modo de vivenciar, '0le ~dIzer> psicoiogicamente. "Como a prosa", diz Potiebnya, "a poe-

Critica 35

sia e antes e principalmente urn 'certo modo de pensamento e co­tihecimento.:-:"-"'-(91, p~9j "Sem imagem rra-o existearte, parti~u-

J armente poesia." (91, p. 83) - ---Para formular integralmente 0 ponto de vista dessa teoria

sobre 0 processo de compreensao artistica, cabe indicar que toda obra de arte, desse ponto de vista, pode ser aplicada como predi­cado a fenomenos novos ainda nao interpretados ou ideias para aperceber-se deles, da me sma forma que a imagem na palavra ajuda a que nos apercebamos do novo significado. 0 que nao es­tamos em condiyao de compreender diretamente podemos com­preender por via indireta, atraves da alegoria, e toda a ayao psi co­l6gica da obra de arte pode ser integralmente resumida ao aspecto indireto dessa via.

"Na palavra mich (rato) do russo moderno", diz Ovsianiko­Kulikovski, "a ideia caminha no sentido do objetivo, isto e, da designayao do conceito, e da urn pas so por via direta; no much do sanscrito era como se ela caminhasse por via indireta, primeiro no sentido do significado de vor (ladrao) e depois ja no sentido do significado de mich, dando, assim, dois passos. Este movimento, comparado ao primeiro, linear, afigura-se mais ritmico .. . Nc;l psi­cologia da linguagem, isto e, no pensamento factual, real (e nao formalmente l6gico) toda a essencia esta nao no que foi ditb, no que foi pensado, mas na maneira com que foi dito, pensado, no modo como foi representado determinado conteudo." (80, pp. 26-28)

Assim, e absolutamente claro que estamos operando com uma teoria puramente intelectual. A arte requer apenas 0 trabalho da mente, do pensamento, tudo 0 mais e fenomeno casual e secunda­rio em psicologia da arte. "A arte e urn determinado trabalho do pensamento" (80, p. 63), formula Ovsianiko-Kulikovski. Esses mesmos autores explicam como fenomeno casual e nao sedimen- ,----- '" tado no pr6prio processo 0 fato de ser a arte acompanhada de cer-ta inquieta<;ao muito importante tanto no processo de criayao quanta no processo de percepyao. Tal fenomeno surge como re­compensa pelo trabalho, porque a imagem, necessaria a interpre-ta<;ao de certa ideia, e urn predicado dessa ideia "que 0 artista me deu antecipadamente, e de forma gratuita" (80, p. 36). E eis que essa sensa<;ao gratuita de uma relativa leveza, de prazer parasita-rio auferido do uso gratuito do trabalho alheio, vern a ser a fonte

36 Psic%gia da arte

do prazer estetico. Grosso modo, Shakespeare trabalhou por nos ao descobrir para a ideia de ciume a imagem correspondente de Otelo. Todo 0 prazer que experimentamos ao lermos Otelo resu­me-se integralmente ao agradavel usufruto do trabalho alheio e ao emprego gratuito do trabalho criador alheio. E de sumo interesse observar que esse intelectualismo unilateral do sistema e reconhe­cido de modo inteiramente franco por todos os mais notaveis re­presentantes dessa escola. Neste sentido, Gomfeld* diz textual-:.-------- -- ---- -mente sue a defini<;ao de 2[te como conhecimento "abrange ape-nas urn aspecto do proCe.SB_O de cria<;a<.t (35, p. 9). E sugere que, assim concebida a psicologia da arte, oblitera-se 0 limite entre os processos de conhecimento artistico e cientifico, que-neste senti­do "as grandes verdades cientificas sao semelhantes as imagens artisticas" e que, conseqiientemente, "tal defini<;ao de poesia re­quer uma differentia specifica** mais sutil que nao e tao faci! encontrar" (35, p. 8).

E sumamente importante observar que, neste sentido, a refe­rida teoria contraria frontalmente toda a tradi<;ao psicologica na questao. Era comum os estudiosos excluirem quase inteiramente os processos intelectuais do campo da analise estetica. "Muitos

---......::, teoricos ressaltavam unilateralmente que a arte e urn problema de Percep<;ao ou fantasia, ou sensa<;ao, e opunham com fanta veemen­CIa a arte fClencia como campo do conhecimento que pode pare-

~ cer quase incompativel com a ~eoria da arte a afirmayao de que-os atos intelectivos sao parte do prazer artistico." (113 , S. 180)

E assim que se justifica um daqueles autores ao incluir os processos intelectivos na analise do prazer estetico. Aqui 0 pensa­mento e posto em relevo na explica<;ao dos fenomenos da arte.

Esse intelectualismo unilateral manifestou-se com extrema brevi dade, e a segunda gera<;ao de pesquisadores teve de fazer corre<;6es essenciais na teoria do seu mestre, corre<;6es que, em termos rigorosos, reduzem a nada tal afirma<;ao do ponto de vista psicologico. Nao foi outro senao Ovsianiko-Kulikovski que lan-

* Gornfe ld, Arkadi Grigorievitch (1867-1941), discipulo de Potiebnya, foi estudioso da teoria e psicologia da cria9iio artistica. (N. do T.)

** Em latim, no original russo. (N. do T.)

Critica 37

<;ou a teoria segundo a qual a lirica e uma modalidade absoluta­mente especifica de arte (cf. 79), que revela "uma diferen<;a psi­cologica de principio" em face da epopeia. Ocorre que a essencia da lirica nao pode, absolutamente, ser reduzida aos processos de conhecimento, ao trabalho do pensamento, contudo 0 papel deter­minante no vivenciamento lirico e desempenhado pela errio<;ao, emo<;ao essa que pode ser separada com absoluta precisao das emo­<;6es secundarias que surgem no processo de cria<;ao cientifica filos6fica. "Em toda cria<;ao humana hi emo<;6es. Ao analisar­mos, por exemplo, a psicologia da cria<;ao matematica, encontra­mos sem falta uma especifica 'emo<;ao matematica'. Contudo nem o matematico, nem 0 filosofo, nem 0 naturalista concordam com que sua tarefa se resuma a cria<;ao de emo<;6es especificas, liga­das a sua especialidade. Nao denominamos atividades emocio­nais nem a ciencia nem a filosofia ... As emo<;6es desempenham imenso papel na cria<;ao artistica - par imagem. Aqui elas sao suscitadas pelo proprio conteudo e podem ser de qualquer especie: emo<;6es de dor, tristeza, compaixao, indigna<;ao, condolencia, como<;ao, horror, etc., etc., s6 que par si mesmas nao sao liricas. Mas a elas pode juntar-se a emo<;ao lirica - de fora, precisamente da parte da forma, se dada obra de arte esta revestida de forma rit­mica, por exemplo, de forma em verso ou de uma forma em prosa em que esteja observada a cadencia ritmica do discurso. Veja-se a cena da despedida de Heitor e Andromaca. Ao ler a cena, 0 lei tor pode sentir uma forte emo<;ao e derramar lagrimas. Sem qualquer duvida, essa emo<;ao, sendo como e suscitada pela como<;ao da propria cena, nao implica nada de lirico. Mas a tal emo<;ao, susci­tada pelo conteudo, incorpora-se 0 efeito lirico dos hexametros harmoniosos, e 0 leitor ainda experimenta a mais uma emo<;ao lirica suave. Esta foi bern mais forte naqueles tempos em que os poemas homericos nao eram livros de leitura, em que os rapsodos ' cegos cantavam tais cantos fazendo-os acompanhar da citara. Ao ritmo do verso incorporava-se 0 ritmo do canto e da musica. 0 elemento lirico aprofundava-se, intensificava-se, e talvez tenha bloqueado esporadicamente a emo<;ao suscitada pelo conteudo. Se 0 lei tor quiser receber tal emo<;ao em sua forma pura, sem qualquer mescla de emo<;ao lirica, e so transferir a cena para uma prosa desprovida de cadencia ritrnica, imaginar, por exemplo, a

38 Psicoiogia da arte

despedida de Heitor e Andromaca narrada por Pissiemski *. 0 lei­tor experimentara a autentica emo<;ao de simpatia, compaixao, pena, e ira ate derramar lagrimas - mas, no fundo, ai nada havera de lirico." (79, pp. 173-175)

Assim, urn imenso campo da arte - toda a musica, a arquite­tura, a poesia - acaba inteiramente excluido da teoria que explica a arte como trabalho do pensamento. Devem-se destacar essas artes nao s6 como urn feito especial dentro das pr6prias artes, mas ate mesmo situa-las numa modalidade inteiramente especifica de cria<;ao, tao estranha as artes por imagem quanta a cria<;ao cien­tifica e filos6fica, e que mantem com estas a mesma rela<;ao. Ocorre, contudo, que e sumamente dificil tra<;ar urn limite entre 0

lirico e 0 nao lirico no amago da pr6pria arte. Noutros termos, se reconhecermos que as artes liricas nao requerem 0 trabalho do pensamento mas algo diferente, teremos de reconhecer, conse­qiientemente, que em qualquer outra arte existem imensos cam­pos que nao podem, de modo algum, ser reduzidos ao trabalho do pensamento. Por exemplo, teremos de situar obras como 0 Fausto de Goethe, 0 visitante de pedra, 0 cavaleiro avaro e Mozart e Sa­fieri de Puchkin na arte sincretica ou mista, semifigurada, semili­rica, obras com as quais nem sempre podemos operar como 0

fazemos com a cena da despedida de Heitor. Pela teoria do pr6-prio Ovsianiko-Kulikovski nao ha nenhurna diferen<;a de princi­pio entre prosa e verso, entre discurso cadenciado e nao-cadencia­do e, conseqiientemente, nao se pode apontar, na forma externa, urn indicio que permita distinguir a arte por imagem da arte lirica. "0 verso nao passa de prosa pedante em que foi observada a uni­formidade da medida, enquanto a prosa e urn verso livre em que os iambicos, os coreus, etc. se alternam livre e arbitrariamente, 0

que de maneira algurna impede que certa prosa (por exemplo, a de Turguieniev) seja mais harmoniosa que certos versos." (80, p. 55)

Vimos em seguida que na cena de despedida de Heitor e An­dromaca as nossas emo<;5es transcorrem como que em dois pla-

* Pissiemski, Aleksiei Feofihiktovitch (1821-1881), escritor russo cuja obra foi marcada pela alternancia de modalidades narrativas como a beletristica, o romance e a novela. (N. do T.)

Critica 39

nos: de urn lado, as emo<;5es suscitadas pelo conteudo, aquelas que permaneceriam ate mesmo com a cena sendo reformulada por Pissiemski, de outro, as outras emo<;5es suscitadas pelos hexame­tros, que em Pissiemski desapareceriam de modo irreversivel. 0 que se pergunta e se existiria ao menos uma obra de arte sem essas emo<;5es complementares. Ou se e possivel imaginar uma obra que, reproduzida por Pissiemski de tal modo que dela s6 res­tasse 0 conteudo e desaparecesse inteiramente toda a forma, ainda assim nada se perdesse. Ao contrario, a ~nalise e a observa<;ao co­tidiana nos deixam a convic<;ao de que na obra em imagem a in­dissolubilidade da forma coincide inteiramente com a indissolu­bilidade da forma em qualquer poema lirico. Ovsianiko-Kulikovski situa entre as obras genuinamente epicas, por exemplo, 0 Ana Ka­rienina de Tolst6i. Mas eis 0 que 0 pr6prio Tolst6i escreveu sobre o seu romance, particularmente sobre 0 aspecto formal: "Se eu quisesse dizer em palavras tudo 0 que tinha em mente exprimir no romance, eu teria de reescreve-lo desde 0 come<;o ... E, se hoje os criticos ja compreendem e podem exprimir em folhetim 0 que eu estou querendo dizer, eu os felicito e posso assegurar sem vacila­<;ao qu 'Us en savent plus long que moi*. E se os criticos miopes pens am que eu quis descrever apenas 0 que eu gosto, como almo­<;a Oblonski e os ombros de Ana Karienina, estao equivocados. Em tudo, em quase tudo 0 que escrevi, orientou-me a necessidade de reunir ideias concatenadas para expressar a mim mesmo, con­tudo cada ideia expressa em palavras, isoladamente, perde 0 sen­tido, sofre terri vel aviltamento quando retirada sozinha do enca­deamento em que se encontra. 0 pr6prio encadeamento e consti­tuido nao pela ideia (e 0 que acho) mas por algo diferente, e e absolutamente impossivel externar em palavras e de forma ime­diata 0 fundamento desse encadeamento; pode-se faze-lo apenas I

de forma imediata, descrevendo em palavras imagens, a<;5es, situa­<;5es." (108, pp. 268-269)

Aqui Tolst6i indica com plena clareza a operacionalidade do pensamento na obra de arte e a absoluta impossibilidade de tal

* Que eles 0 sabem melhor que eu (Red.). Em frances , no original russo. (N. do T.)

40 Psicologia da arte

opera<;ao para Ana Karienina, que Ovsianiko-Kulikovski aplica it cena de despedida de Heitor e Andromaca. Pareceria que, refor­mulando Ana Karienina com nossas proprias palavras ou com palavras de Pissiemski, estariamos conservando todos os meritos intelectuais desse romance e negando-Ihe emo<;ao lirica comple­mentar, uma vez que ele nao fora escrito em hexametros harmo­niosos e por isto nada deveria perder com semelhante opera<;ao. Ocorre, por outro lado, que romper 0 encadeamento de ideias e 0

encadeamento de palavras nesse romance, isto e, destruir-Ihe a forma, significa matar 0 romance tanto quanta reformular urn poema lirico segundo Pissiemski. E outras obras mencionadas por Ovsianiko-Kulikovski, como A filha do capitiio e Guerra e paz, provavelmente nao resistiriam a semelhante opera<;ao. E preciso dizer que nessa destrui<;ao real ou imaginaria da forma e que con­siste a opera<;ao fundamental da analise psicologica. E a diferen­<;a entre 0 efeito da mais precisa reprodu<;ao e a propria obra serve de ponto de partida para a analise da emo<;ao especial da forma. No intelectualismo desse sistema refletiu-se da forma mais clara possivel a absoluta incompreensao da psicologia da forma da obra de arte. Nem Potiebnya nem seus discipulos mostraram urna {mica vez como se explica 0 efeito absolutamente singular e especifico da forma artistica. Eis 0 que Potiebnya diz a respeito: "Seja qual for a solu<;ao que encontremos para, entre outras coisas, saber por que a musicalidade da forma sonora - 0 ritmo, a melodia, a asso­nancia e a combina<;ao com a melodia - esta mais ligada ao pen­samento em poesia (em suas formas menos complexas) que ao pensamento em prosa, tal solu<;ao nao pode solapar a exatidao das teses segundo as quais 0 pensamento em poesia po de dispensar a medida, etc., assim como 0 pensamento em prosa pode ser artifi­cialmente revestido da forma em verso, ainda que saia prejudicado." (91, p. 97) E evidente que a medida do verso nao e obrigatoria para a poesia, como e evidente que uma regra matematica expos­ta em versos ou a exce<;ao gramatical ainda nao sao objeto da poe­sia, Contudo, 0 fato de que 0 pensamento em poesia pode ter abso­luta independencia em face de qualquer forma externa, exatamen­te 0 que afirma Potiebnya nos trechos citados, e a contradi<;ao principal com 0 primeiro axioma da psicologia da forma artistica, segundo a qual s6 em sua forma dada a obra de arte exerce 0 seu efeito psicol6gico. Os processos intelectuais vern a ser apenas par-

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Critica 41

ciais e componentes, auxiliares e acessorios no encadeamento de ideias e palavras que e a forma artistica. Esse encadeamento pro­priamente dito, isto e, a propria forma, segundo Toistoi, nao e composto de pensamento mas de algo diferente. Noutros termos, se 0 pensamento integra a psicologia da arte, a forma em to do 0

seu conjunto ainda assim nao e trabalho do pensamento. Toistoi ressaltou com absoluta precisao essa inusitada for<;a psicologica da forma artistica, ao indicar que a viola<;ao dessa forma em seus elementos infinitamente pequenos acarreta imediatamente a des­trui<;ao do efeito artistico. "Ja tive oportunidade de citar a profunda senten<;a do pintor russo Briulov sobre arte", diz Toistoi, "mas nao posso deixar de tornar a cita-Ia, porque e ela que melhor mostra 0

que se pode e 0 que nao se pode estudar nas escolas. Ao corrigiL o estudo de urn aluno, Briulov deu urn leve toque em algumas par­

/tes, e 0 estudo ruim e morto de repente ganhou vida. 'Vejam, bas-'tou urn mimmo toque e tudo mudou' , disse urn dos alllllos. 'A arte come<;a onde comeca esse minimo' , disse BriulQv~mindo com essas palavraS"'t proprio tra<;o caracteristico da arte. E,..sSiLOb: s.erya\(ao .e correta para todas as artes, mas a sua justeza se faz perceber 'almente na execu ao da musica ... Vejamos as tres condi<;oes principais - a altur~ 0_ tem12o_e a intensidad~ do som. A execu<;ao musical so e arte e contagia quando 0 som nao esta mais alto nem mais baixo do que deve ser, isto e, quando se pega aque-

Ta media infinitamente baixa da nota exigida, quando essa nota e alongada na exata medida do necessario, e quando a intensidade do som nao e mais forte nem mais fraca do que se faz necessario. o menor desvio da altura do som numa ou noutra dire<;ao, 0 me­nor aumento ou diminui<;ao do tempo e a men or intensifica<;ao ou redu<;ao do som, contrariando 0 que se exige, destroem a perfei<;ao da execu<;ao e, com isso, 0 poder de contagio da obra. De sorte que, 0 contagio pela arte da musica, que, parece, suscita-se de ' modo tao simples e facil, so 0 conseguimos quando 0 executante encontra aqueles momentos infinitamente pequenos, necessarios it perfei<;ao da musica, 0 mesmo acontece em todas as artes: urn minimo mais claro, urn minimo mais escuro, urn minimo acima, abaixo, it direita, it esquerda na pintura; entona<;ao um minimo ate­nuada ou refor<;ada na arte dramatica, ou produzida um minimo antes, ou urn minimo depois; urn minimo de repeti<;ao, de reticen­cia e exagero em poesia, e nao ha contagio. So se consegue 0 con-

42 PSicologia da arte

tligio na medida em que 0 artista encontra aqueles momentos infi­nitamente pequenos dos quais se forma a obra de arte. E nao ha nenhuma necessidade de ensinar a encontrar externamente esses momentos infinitamente pequenos: so sao encontrados no mo­mento em que 0 homem se entrega ao sentimento. Nenhum ensi­namento pode fazer com que 0 danr,;arino entre no proprio com­passo da musica e 0 cantor ou violinista pegue a propria media infinitamente pequena da nota e 0 desenhista trace a tinica linha necessaria entre todas as possiveis e 0 poeta encontre a unica dis­tribuir,;ao necessaria das Unicas palavras necessarias. So 0 sentimen­to encontra tudo isso." (106, pp. 127-128)

E clarissimo que a diferenr,;a entre urn regente genial e urn me­diocre na execur,;ao da mesma per,;a musical, a diferenr,;a entre urn pintor genial e urn copiador absolutamente preciso de seu quadro resurne-se inteiramente a esses elementos infinitamente pequenos da arte, que pertencem a correlar,;ao dos seus componentes, isto e, aos elementos formais. A arte comer,;a onde comeca 0 minimo, e isto ~ale a dizer que a arte comeya on<reCoili'er,;a a forma. -

Desse modo, uma vez que a forma e, decididamente, propria de toda obra de arte, seja esta lirica ou figurada, a emor,;ao especi­fica da orma e condi ao nec a ' a a..expr.e{siO artistic a, e por 1SS0 perde a validade a propria diferenciar,;ao feita por Ovsianiko­Kulikovski, para quem em umas artes 0 prazer estetico "surge antes como resultado do processo, como uma especie de recom­pensa - pela arte - que cabe ao artista, por compreender e re­petiT a criar,;ao de outro para quem quer que venha perceber a obra de arte . Outra coisa sao a arquitetura, a lirica e a musica, em que essas emor,;oes na.o so tern 0 significado de 'resultado' ou 'recompensas', mas antes de mais nada exercem 0 papel de prin­sipal momenta da alma, no qual esta concentrado todo 0 cen­tro de gravidade da obra. Essas artes podem ser chamadas emo­,cionais, a diferenr,;a de outras, que denominamos intelectuais ou 'por imagens' ... Nestas ultimas 0 processo espiritua1 e posto sob a formula: da imagem 4 idha e da ideia a emOfGo. Nas pri­meiras a formula dele e: da emOfGO, produzida pela forma exter­na, a outra emOfGO intensificada, que se desencadeia por~ a forma externa convertido em simbolo de idha para 0 sUjeito" (80, pp. 70-71).

Critica 43

Essas duas formulas sao totalmente falsas. Seria mais corre­to dizer que, na percepcao da arte tanto par imageus quanto lirica, o processo espiritual e or anizado sob a formula: da em Of GO da forma a a go que a sucede. Em to do caso, a emO(;iio da orma e 0 momenta inicial, 0 ponto departida sem 0 ua1 nao ocorre nenhU-

aTrit'erpretar,;ao da a e. s 0 e con 1rmado de modo evidente pela propria operar,;lhrpsicologica que 0 autor empreendeu em Rome­ro, e tal operar,;ao, por sua vez, desmente por completo a afirma­r,;ao de que a arte e trabalho do pensamento. ~emor,;ao da arte nao

~~ra .n.enhuma, ser reduzida a~mocoes,gu~~Wi­am "~e predicaJiio e, particularmente, 0 ato ae predi­

carao gramatical. Foi dada a resposta a questao, foi encontrado 0 predicado - eo sujeito experimenta urn tipo de satisfar,;ao intelec­tual. Foi encontrada a ideia, criada a imagem - e 0 sujeito sente uma singular alegria intelectual" (79, p. 199). ~ mostramo~ apag? inteiramente q!:!elquer dife­

renr,;a psicologica entre a alegria intelectual que se experimenta ao resolver uma questao matematica e aquela que se experimenta ao. ouvir urn concerto. Gornfeld tern toda razao ao dizer que "nessa ~eiramente cognitiva foram deixados de lado os elementos emocionais da arte, e nisto reside a lacuna da teoria de Potiebnya, lacuna que ele sentia- e com certeza teria preenchido se tivesse dado continuidade ao seu trabalho" (35, p. 63).

Nao sabemos 0 que faria Potiebnya se continuasse 0 seu tra­balho, mas sabemos em que redundou 0 seu sistema, que seus se­guidores elaboraram consecutlvamente: 0 sistema teve de excluir illt -rormula do fundador quase mais da ni'etade da arte e teve de entrar em contradir,;ao com os fatos mais evidentes uando quis ,eservar a in uenCla essa ormula para a outra metade. _

ara nos, e maiS que eV1dente que as operar,;oes intelectuais, os processos intelectivos que surgem em cada urn de nos com a ajuda e por motivar,;ao da obra de arte nao pertencem a psicologia da arte stricto sensu. Sao urna especie de resultado, de efeito, de conclusao, de conseqiiencia da obra de arte. E a teoria que come­r,;a por esse efeito age, segundo expressao jocosa de Chklovski, como 0 cavaleiro que pretende montar 0 cavalo pulando por cima dele. Essa teoria erra 0 alvo e nao elucida a psicologia da arte como tal. Podemos nos convencer de que isto realmente ocorre pelos

44 Psicoiogia da arte

seguintes exemplos. Ao adotar esse onto de vista Valieri Briussov ~m~ toda obra de arte leva, por metodo especifico, aos ..!!lesm~unaaoscogmr~cesso Clectemonstra-~a..9 cLen.ti!ica. Por exemplo, 0 que expenmentamos ao lermos 0

poema de Puchkin "0 Profeta" pode ser demonstrado tambem por metodos cientificos. "Puchkin demonstra a me sma ideia por metodos da poesia, isto e, sintetizando noc;oes. Uma vez que a conclusao e falsa, deve haver erros tambem nas demonstrac;oes. De fato: nao podemos aceitar a imagem do Serafim, nao podemos aceitar a substituic;ao do corac;ao por brasa, etc. A despeito de todos os elevados meritos artisticos do poema de puchkin ... so pode­mos percebe-Io sob a condic;ao de adotarmos 0 ponto de vista do poeta. '0 Profeta' de Puchkinja nao passa de fato historico, a se­melhanc;a, por exemplo, da teoria da indivisibilidade do atomo." (22, pp. 19-20) A ui r·· telectual e levada ao absurdo e por isso sao sobretudo e . entes as suas incongruencias sicol ' icas. Resulta que, se a obra de arte esta na contramao da verdade cien­tifica, mantem para nos a mesma importancia da teoria da indivi­sibilidade do atomo, ou seja, de uma tt;!oria cientifica ~n­.c:ionada. So que, neste caso,99% (fa arte universal seriamjogados fora e pertenceriam apenas a historia.

Urn dos magnificos poemas de Puchkin comec;a assim:

A Terra e imovel: a abobada do ceu, Tu a seguras, Criador, Nao cairiio sobre a terra as aguas, E nem nos esmagariio.

Enquanto isso, cada aluno do curso primario sabe que a Terra nao e imovel mas gira, donde se conclui que esses versos nao podem ter nenhurn sentido serio para urn homem cultO. Por que, entao, os poetas recorrem a ideias claramente falsas? Ell]. pleno desacordo com isto, Marx aponta como questao mais importante da arte a elucidac;ao das causas que levam a epopeia grega e as tragedias de Shakespeare, produtos de epocas ha muito passadas, a manterem ate hoje 0 sentido de norma e modelo inacessivel ,~ apesar de ter desaparecido ha muito tempo para nos a base das ideias e relac;oes em que elas medraram. So na base da mitologia ~

Critica 45

grega pode surgir a arte grega, e no entanto ela continua a nos emOClOnar, em bora essa mltolO~Ma perdido Qill]Ulos-quaI­quer sentido real exCeto 0 historico. A melhor prova de que essa teoria opera, no fundo, com 0 momento extra-estetico da arte e 0

destino do simbolismo russo, que em suas premis~as teq.ricas coincide inteiramente com a referida teoria.

As conclusoes a que chegaram os proprios simbolistas foram magnificamente concentradas por Vyatcheslav Ivanov em sua formula, que reza: "0 simbolismo esta situado fora das categorias esteticas." (55, p. 154)-Os processos intelectivos estudados por essa teoria estao igualmente situados fora das categorias esteticas e fora das vivencias psicologicas da arte como tal. Em vez de nos explicar a psicologia da arte, elas mesmas precisam de explica­c;ao, que so pode ser dada a base de uma psicologia da arte cienti-

ficamente elaborada. Contudo, 0 mais facil e julgar qualquer teoria pelas conclu-\

soes extremadas, que se apoiam em urn campo ja totalmente di­verso e permitem verificar as leis descobertas com base na materia dos fatos de uma categoria bern diferente. E interessante observar, na teoria que criticamos, as conclusoes apoiadas na historia das ideologias. A prime ira vista, essa teoria se combina da melhor forma possivel com a teoria da mutabilidade permanente da ideo­logia da sociedade em func;ao da mudanc;a das relac;oes de produ­c;ao. E como se ela mostrasse com absoluta clareza como e por que muda a impressao psicologica de uma mesma obra de arte, apesar de manter-se inalterada a forma dessa obra. Uma vez que nao se trata do conteudo que 0 autor inseriu na obra mas daquele que 0 leitor traz de sua parte, e perfeitamente claro que 0 conteu­do dessa obra de arte e uma grandeza dependente e variavel, uma func;ao do psiquismo do homem social, e modifica-se com esse , psiquismo. "0 merito do artista nao esta no minimum* de conteu­do que ele imaginava ao criar, mas em certa flexibilidade da ima­gem, na forc;a da forma interna para suscitar 0 mais variado con­teudo. 0 modesto enigma urn diz 'Deus, de-me luz' , outro 'Nao permita Deus', urn terceiro diz 'Pra mim e tudo a mesma coisa (a

* Em latim, no original russo. (N. do T.)

46 PSic%gia da arte

janela, a porta, etc.), pode sugerir a rela~ao de diversos segmen­tos da popula~ao com 0 progresso das ideias politica, etica e cien­tifica, e tal interpreta~ao so sera falsa se a apresentarmos como significado objetivo do enigma e nao como 0 nosso estado pes­soal por ele suscitado. Em urn conto simples, urn pobre quis apa­nhar agua do Savo para dissolver urn gole de leite que tinha na xicara, uma onda levou-lhe da xicara 0 leite sem deixar vestigio, e ele disse: 'Savo, Savo! Nao se ofendeu mas me entristeceu.' Nes­se conto, alguem pode imaginar estar venda a implacavel a~ao espontanea e destruidora do fluxo dos acontecimentos mundiais, a infelicidade de certas pessoas, 0 clamor arrancado do peito pelas perdas irreversiveis e, do ponto de vista pessoal, imerecidas. E facil e uivocar-se im ondo ao povo outra inter reta~ao, ma:;-;-evidente que tais contos atravessa eculos nao elo sentido lite-~ quetem mas l?~lo~neles pode ser inserido.1.illu7p ica por c9R~<;.6es de ente e seculos obscuros podem preservar seu valor artistico em tempos de intenso esenvolvlmen 0 e, mes-~ 0 motivo pelo quiil,a despeito d~iCt~l~rniCIade ~

arte, chega 0 momenta em que 0 aurnento das dificuldades de interpreta~ao e 0 esquecimento da forma interna levam as obras de arte a perderem 0 seu valor." (93, pp. 153-154)

areceria . ue estaria ex . utab "lidade his.!o-~e. "Liev Toistoi compara 0 efeito da obra de~arte , ao contagio; aqui essa compara~ao esclarece particula~~e a questao: fui contagiado de tifo por Iva, mas estou com 0 meu tifo e nao com 0 dele. E eu tenho 0 meu Hamlet, e nao 0 Hamlet de Shakespeare. Ja 0 tifo e uma abstra~ao necessaria ao pensamento teo rico e por ele criada. Cada gera~ao tern 0 seu Hamlet, cada in­dividuo tern 0 seu Hamlet." (38, p. 114)

E como se is so explicasse bern 0 condicionamento historico da arte, mas a propria compara~ao com a formula de Toistoi des­mascara por completo essa ficticia explica~ao. De fato, para Toistoi a arte deixa de existir em caso de perturba~ao de urn dos seus mais infimos elementos, se desaparece urn dos seus "mini­mos". Ele acha que toda obra de arte e a mais completa tau ·a formal. Em sua orma a obra e sempre 19ua a si mesma. "Eu disse o que disse" - eis a unica resposta do artista se the perguntarem -0 que quis dlzef com sua obra. E ele nao podia verificas a si mesmo

Critica 47

senao tornando a repetir com as mesmas palavras to do 0 seu ro­mance. Para Potiebnya, a obrade arte e sempre .Y1Da ~ria: "Eu nao disse 0 que disse, mas outra coisa" - eis a sua formula para a obra e ar e. Donde fica absolutamente claro que essa teoria elu­cida nao a mudan~a da psicologia da arte em si, mas tao-somente a mudan~a do usufruto da obra de arte. Essa teoria mostra que cada gera~ao e cada epoca usufrui a seu modo da obra de arte, mas para tal usufruto e necessario, antes de mais nada, vivencia­la, mas como a vivencia cada epoca e cada gera~ao e questao a qual essa teoria da resposta nem de longe historica. Neste sentido, falando da psicologia da lirica, Ovsianiko-Kulikovski observa a seguinte particularidade: ela nao suscita 0 trabalho do pensamen­to mas do sentimento. E ai ele apresenta as seguintes teses:

" 1) caracterizam a psicologia da lirica os tra~os especiais que a distinguem acentuadamente da psicologia de outras modalida­des de arte; ( ... ) 3) os tra~os psicologicos distintivos da lirica devem ser tra~os eternos: estes ja se manifestam na fase mais antiga e acessivel ao estudo do lirismo, passam atraves de toda a sua historia, e todas as mudan~as a que sao expostos no processo de evolu~ao, alem de nao violarem a sua natureza psicologica, ainda propiciam a sua consolida~ao e a plenitude da sua expres­sao" (79,p. 165).

Dai fica perfeitamente claro que, uma vez que se trata de psi­cologia da arte na acep~ao do termo, ela vern a ser eterna; apesar de todas as mudan~as, ela revela de forma rnais plena a sua natu­reza e parece como que retirada da lei geral do desenvolvimento historico, ao menos em sua parte essencial. Se lembrarmos que a emo~ao lirica e, para 0 nosso autor, uma emo~ao no fundo intei­ramente artistica, ou seja, uma emo~ao da forma, veremos que, por ser uma psicologia da forma, a psicologia da arte permanece, eterna e imutavel, e so 0 seu emprego e usufruto se desenvolvem e se modificarn de uma gera~ao para outra. 0 monstruoso esgar­~amento do ensamento ue or si so salta a vista quando s ggi-

os otiebnya e tentamos inserir urn im~do num enigma modesto, e efeito direto do fato de nao ser a pesguisa desenvolvi­da sempre no campo do enigma em si mas do seu ernprego e usu­ITuto. I udo pode ser compreendido.""Eill Gornfeld encontramos uma ilrlTrtidade de exemplos de como interpretarnos de forma total-

48 PSicoiogia da arte

mente arbitniria qualquer absurdo (38, p. 139), enquanto as expe­riencias com mancha5.-de..linta-de..caneta~mf'r-egadas-tl+timamen_ te Dor Rorschach, oferece~

casu

~ Em outros termos, a obra de arte em si nunca po de ser res--:-- onsabiliz.ada_ or aquelas Idel~ ue dela ossam resu or sl

me sma, a Ideia do progresso po -ltico e do tratamento variado a ela grspensado por divers as concepc;5es nao esta presente no enig~a modesto. Se substituirmos 0 sentido literal do enigma (janela,

- porta) por urn sentido alegorico, 0 enigma deixa de existir como ' obra de arte. Do contnirio nao haveria nenhuma diferenc;a entre enigma, fabula e a obra mais complexa, se cada uma delas pudes­se abranger as mais grandiosas ideias. A dificuldade nao esta em mostrar que 0 usufruto das obras de arte em cada epoca e de cara-c!~ especial, que A divina comMia em nQssa epoca tem fUlli;ao in­teiramente diversa daquela que tinha na epoca de Dante; a dificul­dade esta em mostrar que 0 leitor, que mesmo hoje sente 0 efeito das m~smas emoc;5es formais que sentia 0 contemporaneo de Dan­te, vale-se de modo diferente dos mesmos mecanismos psicoJogi-

< cos e vivencia a A divina comedia de mane ira diferentt: . ;; ~ ~sarmos outras Pa1aYras, a meta consiste el!lJllilS!.!:ar / que nao so interpretamos de modo diferente as obras de arte como ~~s de a 'ra ta~ente. Nao foi por acaso

que orn eld eu ao artigo referente a subjetividade e mutabilida­de da interpretac;ao 0 titulo de "Da interpretac;ao <ill oQra ge arte" -- -(38, pp. 95-153). Importa mostrar que a arte mais objetiva e, pare-ceria, puramente figurada, como 0 mostrou Guiot para a paisagem, e, no fundo, a mesma emoc;ao lirica no amplo sentido do termo, isto e, a emoc;ao especifica da forma artistica. "0 mundo das Me­morias de um cafador, diz Gershenzon, e, sem tirar nem por, 0

campesinato da provincia de Orlov dos anos 40; contudo, se obser­varmos atentamente, e facil perceber que se trata de urn mundo de mascaras, vale dizer, sao imagens dos estados d'alma de Turguieniev, disfarc;adas da carne, das figuras, do modo de vida e da psi colo­gia dos camponeses de Oriol, bern como da paisagem da provin­cia de Oriol." (34, p. 11)

Critica 49

Por ultimo, e 0 mais importante, a subjetividade da interpre­tac;ao e 0 sentido que trazemos conosco de forma alguma sao uma particularidade especifica da poesia: sao urn indicio de toda e qualquer interpretac;ao. Como formulou com inteira razao Hum­boldt, toda interpretac;ao e uma incompreensao, ou seja, 6s pro­cessos do pensamento, que 0 discurso do outro suscita em nos, nun­ca coincidem plenamente com os processos que ocorrem com 0

falante. Ao ouvir e compreender 0 discurso do outro, qualquer urn de nos apercebe-se de suas palavras e de seu significado, e 0 sen­tido do discurso sera sempre, para cada um, nem mais nem menos subjetivo que 0 sentido de uma obra de arte.

Briussov segue Potiebnya, ao ver a peculiaridade da poesia em valer-se ela de juizos sinteticos a diferenc;a dos juizos analiti­cos da ciencia. "Se 0 juizo '0 homem e mortal' e, no fundo, ana­litico, mesmo que se tenha chegado a ele por induc;ao, pela obser­vac;ao de que todos os homens morrem, a expressao do poeta (F. Tylittchev) '0 som adormeceu' e umjuizo sintetico. Por mais que analisemos 0 conceito de 'som', nele nao podemos descobrir 0

'sono'; precisamos atribuir ao 'som' qualquer coisa de fora, rela­cionar, sintetizar com ele para obtermos a combinac;ao '0 som adormeceu'." (22, p. 14) Entretanto, todo mal esta em que 0 nosso discurso do dia-a-dia, da rotina e da ac;ao jornalistica esta positi­vamente repleto de tais juizos sinteticos, e com 0 auxilio de seme­lhantes juizos nunc a iremos encontrar 0 trac;o especifico da psico­logia da arte, que a distingue de todas as demais modalidades de emoc;ao. Se urn artigo de jornal diz: "0 Ministerio caiu", nesse juizo havera tanto de sintetico quanta na expressao "0 som ador­meceu". Ao contrario, no discurso poetico encontraremos toda urna serie de juizos que nao podem ser reconhecidos como juizos sinteticos no sentido que acabamos de mencionar. Quando Puchkinl diz: "Ao amor todas as cidades sao submissas", esta fazendo urn juizo sem nada de sintetico mas, ao mesmo tempo, produzindo um verso muito poetico. Vemos que, ao nos determos nos proces­sos intelectuais suscitados pela obra de arte, corremos 0 risco de perder 0 trac;o preciso que os distingue dos demais processos inte­lectuais.

Se nos ativermos a outro indicio da emoC;ao poetica, apresen­tado por essa teoria como distinc;ao especifica da poesia, teremos

50 Psicoiogia da arte

de mencionar a configura9ao de imagens e a evidencia sensorial da representa9ao. Segundo essa teoria, a obra e tanto mais poeti­ca quanta mais evidente, plena e precisa e a mane ira pel a qual suscita a imagem sensorial e a representa9ao na consciencia do leitor. "Se, por exemplo, ao pensar 0 conceito cavalo eu me dei tempo de restabelecer na mem6ria a imagem, digamos, de urn ca­vale murzelo a galope, de crina esvoa9ante, etc., minha ideia indu­bitavelmente se torna artistica: sera urn ate de urna pequena obra de arte." (86, p. 10)

Resulta, assim, que toda representa9ao evidente ja e, ao mes­mo tempo, tambem poetica. E preciso dizer que aqui se manifes­ta da maneira mais clara possivel a liga9ao existente entre a teo ria de Potiebnya e a corrente associativa e sensualista em psicologia, na qual se baseiam todas as constru90es te6ricas dessa escola. A reviravolta colossal que ocorreu na psicologia desde os tempos da critic a mais violenta a essas duas correntes ate os processos supe­riores de pensamento e imagina9ao nao deixa pedra sobre pedra do antigo sistema psicol6gico, caindo total mente com elas todas as concep90es de Potiebnya baseadas naquela concep9ao. De fato, a nova psicologia mostrou com plena exatidao que 0 pr6prio pensamento se realiza em suas formas superiores sem qualquer participa9ao das representa90es sem imagens* . A teoria tradicio­nal, segundo a qual 0 pensamento e mera rela9ao de imagens ou representa90es, parece inteiramente abandonada depois dos estu­dos capitais de BUhler, Ach, Messer e Wat e outros psic610gos da Escola de Wiirzburg. A ausencia de representa90es evidentes em outros processos de pensamento pode ser considerada uma con­quista absolutamente inabalavel da nova psicologia, e nao por acaso Kiilpe tenta tirar dai conclusoes de suma importancia tam­bern para a estetica. Ele sugere que toda a concep9ao tradicional da natureza evidente do quadro poetico inviabiliza-se inteiramen­te diante das novas descobertas: "Cabe apenas atentar para as observa90es dos leitores e ouvintes. Nao raro ficamos sabendo de que se trata, compreendemos a situa9ao, 0 comportamento e 0

* Representa<;oes sem imagens, ou representa<;oes concretas, ou eviden­tes. Adapta<;1io que os estudiosos russos fazem de urn termo da psicologia sen­sualista, que e1es traduzem como naglyadnoe predstavlienie. (N. do T.)

Critica 51

carater dos personagens, mas s6 por acaso imaginamos a represen­ta9ao respectiva ou evidente." (65 , p. 73)

Schopenhauer diz: "Sera que traduzimos 0 discurso que ouvi­mos em imagens de uma fantasia que passa ao nosso lado como urn raio e encadeia-se, transformando-se em conformidade com as palavras que afluem e seu uso gramatical? Que confusao formar­se-ia em nossa cabe9a ao ouvirmos urn discurso ou lermos urn livro! Em todo caso, is so nao acontece." De fato, e horrivel imaginar que monstruosa deforma9ao da obra de arte poderia acontecer se realizassemos nas representa90es sensoriais cada imagem do poeta.

Navegam na atmosfera Sem Ierne nem vela Serenos por entre bruma Coros airosos de estre1as

Se tentarmos imaginar com evidencia tudo 0 que aqui esta enumerado, como Ovsianiko-Kulikovski sugere fazer com 0 con­ceito de cavalo - imaginar a atmosfera, 0 Ierne, a bruma, 0 ar e as estrelas -, teremos tamanha confusao na cabe9a que nao sobrara vestigio do poema de Liermontov. Pode-se mostrar, com absoluta clareza, que quase todas as descri90es artisticas sao construidas com a inten9ao de inviabilizar inteiramente a tradu9ao de cada expressao e palavra para a representa9ao evidente. E como pode­mos imaginar 0 seguinte distico de Ossip Mandelstam5

:

Nos l<ibios arde como urn negro gelo A lembran<;a do rumor do Estige

Para a representa9ao evidente isto e urn not6rio absurdo: "0 negro gelo arde" - isto e inconcebivel para 0 nosso pensamento' prosaico, e mau lei tor seria aquele que tentasse realizar na repre­senta9ao evidente os versos dos Cantares de Salomao:

Os teus cabelos sao como 0 rebanho de cabras Que descem ondeantes do monte de Gileade.

52 Psicologia da arte

A esse lei tor aconteceria 0 mesmo que aconteceu no poema parodico de urn humorista russo a urn artesao que tentou fundir a estatua da Sulamita com a intenyao de produzir uma realizayao evidente das metaforas dos Cantares: resultou num "papalvo de cobre de tres metros".

E interessante que, aplicado ao enigma, e justamente esse distanciamento da imagem em face do que deve significar 0 que constitui a garantia obrigatoria do seu efeito poetico. Diz urn dita­do com absoluto acerto: do enigma a decifrayao, sete leguas de verdade (ou inverdade). Ambas as variantes exprimem uma so ideia: a de que entre 0 enigma e a decifrayao ha sete leguas de ver­dade e inverdade. Se destruirmos essas sete leguas desaparecera to do 0 efeito do enigma. Assim procediam os professores que, desejosos de substituir os sabios e dificeis enigmas populares por enigmas racionais que educassem 0 pensamento infantil, propu­nham as crianyas enigmas insipidos do tipo: 0 que e, 0 que e, que esta num canto e com que se varre 0 quarto? Resposta: vassoura. lustamente por prestar-se a mais plena realizayao evidente, esse enigma carece de qualquer efeito poetico. V. Chklovski indica, com plena razao, que a relayao da imagem com a palavra por ela signi­ficada nao justifica, absolutamente, a lei de Potiebnya, segundo a qual "a imagem e algo bern mais simples e claro que aquilo que ela explica", isto e, "visto que 0 objetivo da figurayao e aproximar a imagem da nossa compreensao, e como sem isto a figurayao carece de sentido a imagem nos deve ser mais bern conhecida do que aquilo que ela explica" (91, p. 314). Diz Chklovski: "Esse 'deve' nao e realizado pela comparayao dos relampagos com de­manios surdos-mudos, feita por Tylittchev, pel a comparayao go­goliana do ceu com a casula de Deus nem pelas comparayoes sha­kespearianas, que impressionam pela tensao." (131, p. 5)

Acrescentemos que, como ja foi indicado, todo e qualquer enigma sempre caminha do simples para 0 mais complexo e nao ao contrario. Quando 0 enigma pergunta 0 que e, 0 que e: "Num vasa de carne 0 ferro esta fervendo", e respondem que e "Urn freio", 0 enigma produz, e claro, urna imagem que impressiona pela complexidade se comparada a uma simples adivinhayao. E e o que sempre acontece. Quando, em Terrivel vingan{:a, Gogol faz a famosa descriyao do Dniepr, alem de nao contribuir para uma

S3 Critica _______________________ ~~

representayao figurada e com nitida evidencia desse rio, ainda cria uma representayao notoriamente fantastic a de algum rio en­cantado, sem qualquer semelhanya com 0 verdadeiro Dniepr e sem a minima realizayao em representayoes evidentes. Quando Gogol afirma que 0 rio Dniepr nao tern igual no mundo - mesmo saben­do-se que em realidade ele nao esta entre os maiores rios, ou quando ele diz que "e raro 0 passaro que consegue voar ate 0 meio do Dniepr", ao passo que qualquer passaro atravessa esse rio va­rias vezes nos dois sentidos, ele nao so nao nos propicia uma representayao evidente do Dniepr como ainda nos desvia dele, de acordo com os fins globais e metas da sua fantastica e romantic a Terrivel vinganfa. No encadeamento de ideias que compoem essa novela, 0 Dniepr e de fato urn rio incomum e fantastico.

Os manuais escolares usam com muita freqiiencia esse exem­plo para elucidar a diferenya entre a descriyao em poesia e em prosa, e de pleno acordo com a teoria de Potiebnya afirmam que a diferenya entre a descriyao de Gogol e a descriyao do manual de geografia consiste apenas em que Gogol faz urna representayao por imagens, pictorica e evidente do Dniepr, ao pas so que a geo­grafia fornece urn conceito seco e preciso do rio. Nao obstante, a analise mais simples deixa claro que a forma sonora daquele tre­cho ritmado e a sua figurayao hiperbolica e inusitada visam a criar urn significado inteiramente novo, necessario ao todo dessa novela, na qual 0 trecho representa uma parte.

Tudo isso pode levar a uma clareza plena, se lembrarmos que, por si so, a palavra, que e 0 verdadeiro material da criayao poetica, nao possui, absolutamente, evidencia obrigatoria e que, conseqiientemente, 0 erro fundamental da psicologia consiste em que a psicologia sensualista substitui a palavra pela imagem evi-, dente. "Nao sao as imagens nem as emoyoes 0 material da poesia, mas a palavra" (53, p. 131), diz lirmunski; pode nem haver ima­gens sensoriais suscitadas pela palavra, em todo caso serao ape­nas urn acrescimo subjetivo, que 0 receptor faz ao sentido das pa­lavras percebidas. "Com essas imagens e impossivel construir a arte: a arte requer acabamento e precisao, e por isto nao pode ser entregue ao arbitrio da imaginayao do leitor: nao e 0 leitor mas 0

poeta que cria a obra de arte." (53, p. 130) -

54 Psic%gia da arte

E facil nos convencermos de que, pela pr6pria natureza psi­col6gica da palavra, esta quase sempre exclui a representa<;ao evi­dente. Quando 0 poeta diz "cavalo", sua palavra nao inclui nem a crina esvoa<;ante, nem a corrida, etc. Tudo is so 0 leitor acrescenta da sua parte e de forma totalmente arbitraria. Basta apenas aplicar a tais acrescimos do leitor a celebre expressao "urn minimo", e veremos quao pouco esses elementos fortuitos, vagos e indefini­dos podem ser objeto da arte. Costuma-se dizer que 0 leitor ou a fantasia do leitor completa a imagem produzida pelo artista. Con­tudo Christiansen esclareceu brilhantemente que isto s6 ocorre quando 0 artista permanece senhor do movimento da nossa fanta­sia e quando os elementos da forma predeterminam com absoluta precisao 0 trabalho da nossa imagina<;ao. Assim acontece quando se representa em urn quadro uma profundidade ou distancia. Mas o pintor nunca representa 0 acrescimo arbitrario da nossa fantasia. "A gravura representa todos os objetos em preto-e-branco, mas estes nao tern tal aspecto; ao examinarmos uma gravura, nao fica­mos com a impressao de objetos negros e brancos, nao percebe­mos as arvores como vermelhas, os prados como verdes, 0 ceu como branco. Mas sera que isto depende, como se supoe, de que nossa fantasia completa as cores da paisagem numa representa<;ao por imagem, substitui 0 que a gravura efetivamente mostra pela imagem de uma paisagem colorida com arvores e prados verdes, flores multicores e ceu azul? Acho que 0 pintor agradeceria muito por semelhante trabalho dos profanos com sua obra. A possivel desarmonia das cores acrescentadas poderia arruinar-lhe 0 dese­nho. Contudo procurem observar a si mesmos: talvez vejamos real­mente cores; e claro que temos a impressao de uma paisagem absolutamente normal, com cores naturais, mas nao a vemos, a impressao fica de fora da imagem." (124,95)

Em pesquisa minuciosa, que logo ganhou grande notorieda­de, Theodor Meyer mostrou com plenitude que 0 pr6prio material usado pela poesia exclui a representa<;ao evidente e por imagem daquilo que ela retrata6*, e definiu a poesia como "arte da repre­senta<;ao verbal nao evidente" (153, S. IV).

Analisando todas as formas da representa<;ao verbal e do sur­gimento das representa<;oes, Meyer chega a conclusao de gue a representatividade e a eviden'Cla sensorial y ao sao lli'.9priedade

55 Critica ________________________ ----=~

psicol6gica da emoyao poetica e que 0 conteudo de toda descri<;ao o etica esta, pela pr6pria essencia, fora da imagem. Christiansen mostrou 0 mesmo atraves de uma critica e analise extr&mameR?e perspicazes, ao estabelecer que " 0 fim da representa<;ao concreta

"Jm arte nao e a imagem sensoriaT do objeto mas a 1m ressao sem imagem do objeto" (1 24, p. ,ca en 0 assinalar que seu mer ito ~pecial foi ter demonstrado essa tese para as artes plasticas, nas quais essa tese esbarra nas maiores obje<;oes.

"Porque criou raizes a opiniao de que 0 objetivo das artes plasticas e servir a visao, de que elas querem fornecer e ainda re­for<;ar a qualidade visual das coisas. Entao, sera que tambem nes­te caso a arte nao tende a imagem sensorial do objeto mas a algo sem imagem, quando cria urn 'quadro' e ela mesma se denomina plastica"? (124, p. 92) Contudo, a analise mostra que "tambem nas artes plasticas, como na poesia, a impressao sem imagem e objetivo final da representa<;ao do objeto ... " (124, p. 97)

"Por conseguinte, em toda parte fomos for<;ados a entrar em contradi<;ao com 0 dogma que afirmava ser 0 conteudo sensorial em arte urn fim em si mesmo. Distrair os nossos sentimentos nao constitui objetivo final na inten<;ao artistica. 0 principal em musica eo inaudivel, nas artes plasticas, 0 invisivel e 0 intangivel" (124, p. 109); onde a imagem surge de modo intencional ou casual, ela nunca pode servir de indicio de poeticidade. Referindo-se a essa teoria de Potiebnya, Chklovski observa: "Essa teoria tern por base a equa<;ao: figura<;ao e igual a poeticidade. Na realidade tal igual­dade nao existe. Para que existisse, seria necessario aceitar que todo emprego simb6lico da palavra e for<;osamente poetico, ao menos no primeiro momento da cria<;ao de dado simbolo. Entretan­to, e possivel 0 emprego da palavra em seu sentido indireto, sem que surja ai imagem poetica. Por outro lado, as palavras emprega-! das em sentido direto e unificadas em ora<;oes que nao propiciam nenhuma imagem podem compor uma obra em poesia, como, por exemplo, 0 poema de Puchkin: 'Eu vos amei: 0 amor, quem sabe, ainda ... ' A figura<;ao, a propriedade simb6lica nao e 0 que difere a linguagem da poesia da linguagem da prosa." (131, p. 4)

Finalmente, no ultimo decenio a tradicional teoria da imagi­na<;ao como combina<;ao de imagens foi objeto da critica mais fundamentada e demolidora. A Escola de Meinong e outros pes-

56 - --- ------------- --_ ___ Psicologia da arte

quisadores mostraram com suficiente profundidade que a imagina­c;:ao e a fantasia devem ser vistas como fun90es a servi90 da nossa esfera emocional, e, mesmo quando revelam semelhan9a externa com os processos de pensamento, a emoc;:ao esta sempre na raiz gesse pensamento. Heinrich Maierindicou as malS Importantes­peculiaridades desse pensamento emocional, ao estabelecer que a tendencia basica nos fatos do pensamento emocional e inteira­mente diversa daquela do pensamento discursivo. Aqui se coloca em segundo plano, recalca-se e nao se reconhece 0 processo cog­nitivo. Na consciencia ocorre "eine Vorstellungsgestaltung, nicht Auffassung". 0 objetivo principal do processo e inteiramente di­verso, embora as formas externas coincidam freqiientemente. A atividade da imagina9ao e uma descarga de em090es, como senti­mentos que se resolvem em movimentos expressivos. Entre os psicologos existem duas opinioes: a em09ao se intensificaria ou se atenuaria sob a influencia das representa90es emocionais. Wundt afirmava que a emoc;:ao se torna mais fraca. Leman adrnitia que ela se intensifica. Se aplicamos a essa questao 0 principio da uni­polaridade da perda de energia, introduzido pelo professor Korni­loy na interpretac;:ao dos processos intelectuais, fica absolutamente claro que tanto nos atos do sentir quanta nos atos do pensamento toda intensifica9ao da descarga no centro leva a enfraquecer a descarga nos orgaos perifericos. Nos dois casos as descargas cen­tral e periferica estao em relac;:ao inversa entre si e, conseqiiente­mente, to do reforc;:o oriundo das representac;:oes emocionais e, no fundo, urn ato de em09ao, anaIogo aos atos de complexificac;:ao da reac;:ao pela adi9ao, ai, dos momentos intelectuais da escolha, diferencia9ao, etc. Assim como 0 intelecto nao passa de vontade inibida, e provavel que devamos conceber a fantasia como senti­mento inibido. Em to do caso, a visivel semelhan9a com os pro­cessos intelectuais nao pode empanar a diferen9a fundamental que ai existe. Ate mesmo os juizos meramente cognitivos, que dizem respeito 11 obra de arte e constituem Verstandis-Urteile, nao sao juizos mas atos emocionais do pensamento. Se ao observar A Santa Ceia de Leonardo da Vinci surge-me a ideia: "Olhem aquele ali, e Judas; tudo indica que esta assustado, derrubou 0 saleiro"; para Maier, isto nao passa do seguinte: "0 que eu estou vendo so e Judas para mim por for9a do modo estetico emocional de repre-

Critica 57

sentac;:ao." (veja-se 152) Tudo isso indica harmoniosamente que a teo ria da figura9ao, como a afirma9ao relativa ao carater intelec­tual da rea9ao estetica, encontra a mais forte objec;:ao por parte da psicologia. On de a figura9ao ocorre como resultado da atividade da fantasia, esta ela subordinada a leis bern diferentes daquelas da costumeira imaginac;:ao reprodutora do habitual pensamento logi­co-discursivo. A arte e trabalho do pensamento, mas de urn pen­samento emocional inteiramente especifico, e mesmo fazendo esse adendo nos ainda nao resolvemos 0 problema que se nos coloca. Precisamos nao so elucidar com inteira precisao 0 que distingue as leis do pensamento emocional dos demais tipos desse proces­so, precisamos avan9ar e mostrar 0 que distingue a psicologia da arte de outras modalidades do mesmo pensamento emocional.

Em nenhum exemplo a impotencia da teoria intelectual se manifesta com tamanha plenitude e clareza como nos resultados praticos a que ela conduziu. No fim das contas e mais facil veri­ficar qualquer teoria pela pratica que ela mesma suscita. A melhor prova do quanta essa ou aquela teoria conhece e compreende cor­retamente os fenomenos que estuda e a medida em que ela domi­na esses fenomenos. E, se atentarmos para 0 Iado pratico da ques­tao, veremos uma manifestac;:ao evidente da absoluta impotencia dessa teoria no dominio dos fatos da arte. Nem no campo da lite­ratura ou do seu ensino, nem no campo da critica social, nem, por ultimo, no campo da teoria e psicologia da cria9ao ela criou nada que pudesse mostrar que dominou essa ou aquela lei da psicolo­gia da arte. Em vez de criar uma historia da literatura, criou uma historia da intelectualidade russa (Ovsianiko-Kulikovski), uma his­toria do pensamento social (Ivanov-Razlimnik) e uma historia do movimento social (Pipin). Ate nesses trabalhos superficiais e me­todologicamente falsos ela deformou igualmente a literatura, que Ihe serviu de material, e a historia social que tentou interpretaJ:f com 0 auxilio dos fenomenos literarios. Quando aqueles autores tentaram entender a intelectualidade dos anos 20 do seculo XIX a partir da leitura de Ievguieni Onieguin, criaram uma impressao igualmente falsa de Ievguieni Onieguin e da intelectualidade dos anos 20. E claro que em Ievguieni Onieguin existem certos tra90s da intelectualidade dos anos 20 do seculo passado, mas esses tra-90S sairam de tal forma modificados, transfigurados, completa-

58 Psicoiogia da arte

dos por outros, colocados nurna relac;ao inteiramente nova com to do 0 encadeamento de ideias, que a base deles e tao impossivel fazer urna noc;ao exata da intelectualidade daqueles anos 20 quan­to escrever as regras e leis da gramatica russa com base na lingua­gem dos versos de puchkin.

Seria urn mau estudioso aquele que partindo do fato de que em Ievguieni Onieguin !'refletiu-se a lingua russa" tirasse a conclusao de que, na lingua russa, as palavras se distribuem na medida do iambico tetrametro e rimam como rimam as estrofes em puchkin. Enquanto nao aprendemos a separar os procedimentos complemen­tares da arte, atraves dos quais 0 poeta reelabora 0 material que tirou da vida, continua metodologicamente falsa qualquer tentativa de conhecer seja 0 que for atraves da obra de arte.

Resta mostrar 0 ultimo: que a premissa universal dessa apli­cac;ao pratica da teoria - a tipicidade da obra de arte - deve ser vista com a maior duvida critica. De forma alguma 0 artista for­nece uma foto coletiva da vida, e a tipicidade nunca consiste for­c;osamente na qualidade a que ele visa. E por isso que quem, espe­rando encontrar sempre na literatura russa essa tipicidade, tentar estudar a historia da intelectualidade russa tomando como exem­pio Tchatski e Pietchorin*, arrisca-se a limitar-se a uma com­preensao inteiramente falsa dos fenomenos estudados. Partindo de semelhante orientac;ao da investigac;ao cientifica, corremos 0

risco de atingir 0 objetivo apenas urna vez em cada mil. E isto, me­lhor que quaisquer considerac;oes teoricas, diz da inconsistencia da teoria cujas intenc;oes tomamos como alvo da nossa pontaria.

* Personagens de A desgrar;:a de ter inteligencia , de A. S. Griboiedov, e a her6i do nosso tempo, de M. Lierrnontov. (N. do T.)

Capitulo 3 A arte como procedimento

Rear;:iio ao intelectualismo. A arte como procedimento. Psicolo­gia do enredo, da personagem, das ideias iiterarias, dos sentimentos.

A contradir;:iio psicol6gica do Formalismo. A niio compreensao da psicologia do material. A pratica do Formalismo. Um hedonismo elementar. .

Ja vimos ate aqui que a zaum da psicoiogia da forma foi 0

pecado capital da teoria psicologica da arte que dominou entre nos e que 0 intelectualismo e a teoria da figurac;ao, falsos nos seus proprios fundamentos, geraram toda urna serie de concepc;oes confusas e muito distantes da verdade. Como uma saudavel rea­c;ao a esse intelectualismo, surgiu entre nos a corrente formahsta, que so comec;ou a ser fundada e tomar consciencia de si mesma por oposic;ao ao sistema anterior. Essa nova corrente tentou tomar

~ como c,entro de atenc;ao a forma artistica antes desprezada; para (~ tanto partiu nao apenas dos fracassos das antigas tentativas de

~,~ compreender a arte abandonando-Ihe a forma, mas tambem do

~-s' fato psicologico fundamental que, como veremos, serve de base a

~ ~. todas as teorias psicologicas da arte. Esse fato consiste em que a ~ de arte perde ~u efeito estetico caso se Ibe ~ forma. Dai era tentador concluir d a for a do seu efeito

i estava 19ada exclusivamente a sua fq!"ma. Era assim que os novos ~ eoncos formulavam a sua concepc;ao de arte, advo ando que e

rl

~ 1" ~a pura, q~e nao epen e, a solutamente, d~ qualqu~r .con­~ -- teudo. A arte fOl declarada rocedimento, que servia d0)bjetlvo a

I mesmo, e onae os anhgos estu lOS0S Vlam complexidade do pensamento os novos viram simplesmente urn jogo da forma artistica. Alem disso, a arte voltava para os estudiosos uma faceta bern diferente daquela que antes apresentava a ciencia. Chklovski formulou essa concepc;ao ao declarar: "A obra de arte e forma

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60 Psicologia da arte

pura, nao e coisa, nao e material, mas uma relac;ao de materiais. E, r como qualquer relac;ao, essa tambem e urna relac;ao de mensura­c;ao zero. Por isso e indiferente a escala da obra, 0 significado arit­metico do seu nurnerador e denominador; importa a relac;ao entre eles. As obras burlescas, tnigicas, mundiais, ambientes, as contra­posic;oes do mundo ao mundo ou do gato ao gato sao equivalen­tes." (134, p. 4)

~fun9ao dessa mudanca de concepc;ao, os formalista~ deveriam renunciar as categorias usuais de forma e conteudo e substitui-Ias por dOlS novos conceitos: forma e material. Tudo 0

ue 0 artista encontra pronto, palavra, ; s, fabclas correntes, i~ comuns,~., tudo lSS0 const1uh 0..!1:ill1erial da obra de arte, incluindo-se as ideias contidas na obra. q modo de distribui-9ao e construc;ao desse material e designado como forma dessa 'obra, outra vez mdepenaentemente de aplicar-se ou nao esse con­ceito a disposic;ao dos sons no verso ou a disposic;ao dos aconte­cimentos na narrac;ao ou do pensamento no mono logo. Assim, tambem do ponto de vista psicologico foi substancialmente de­~olvido , e de modo suma~ fecundo, 0 trivial conceito de ~. Enquanto, como antes, entendia-se p or forma na ciencia rugol:>astante proximo do usa dessa palavra no senso comum, isto e, 0 aspecto externo da obra sensorialmente percebido, uma espe­cie de involucro externo dela, atribuindo-se a forma os elementos puramente sonoros da poesia, as combinac;oes de tons na pintura, etc., a nova concepc;ao amplia essa palavra a condic;ao de princi­pio universal da criac;ao artistica . .RIa subentende por forma toda disposic;ao artistica do material pronto, feita com vistas a Sl!~ 2erto efeito estetico. E a isto que se chama procedimento artisti-80. Deste mOdo, toda relac;ao do material na"obra d~ arte s~ni forma ou procedim~nto . Deste po~t~ de ~sta, 0 verso nao e urn conJunto de ~ns q"Ue 0 constituem mas uma seqiiencia ou alter­nancia da sua relac;ao. Se se deslocarem as palavras no verso, a soma dos sons que 0 constituem - isto e, 0 seu material - continua inviolavel, mas desaparece a forma, 0 verso.

Assim como em musica a soma dos_~ns nao constitui a ~~=--1 __ , ~

Critica 61

~ Desse ponto de vista os formalistas enfocam 0 enredo da obra

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.@--arie .... I®Z os ~anteriores denominavain conteudo. 0 mais das vezes 0 poeta encontra pronto 0 material dos aconteci­~entos~ e situacoes, que constituem 0 material da sua nar­rac;ao, e sua criac;ao consiste a~nas em compor esse material, coloca-Io na ~artistica, em perfeita analogia com 0 fato de q~ ele, p~ta, nao mventa palavras mas apenas as dispoe nos ver­sos. ';Os metodos e procedimentos da formac;ao do eg,redo sao

-~" . \\\ ~ semelhantes e, em principio, sao os mesmos dos procedimentos da instrumenta ao sonora, or exemplo. As 06fas de literatura sao urn encaae(1mento e sons, movimentos articulatonos e ideias. A ideia numa obra literaria ou e 0 mesmo material que e 0 aS2,ecto pronunciavel ou sonoro de urn morfema, ou urn corpo estranho." (132, p. 143) Ainda: "0 conto maravilhoso, a novela, 0 romance sao uma combinac;ao de motivos; a canc;ao e uma combinac;ao de motivos estilisticos; por isso 0 enredo e a propriedade do enredo sao a mesma forma que 0 e 0 ritmo. Ao analisarmos urna obra de arte do ponto de vista da propriedade do enredo nao deparamos com a necessidade de urn conceito de 'conteudo'." (132, p. 144)

Deste modo~o e definido pela nova escola em relac;ao a fabul~, assim cO.JllO--~m relac;ao as palavras que 0 com-

=-' poem, a melodia em relac;ao as nos ue a com 5em, e a forma em relac;ao ao matenal. "0 enredo se opoe a fa ula: sao os mes­mos acontecimentos, mas em sua exposic;ao, na ordem em que sao comunicados na obra, na relac;ao em que sao apresentadas na-obra as comunicac;oes sobre eles ... " Em termos sucintos, a {Abula e~_ lie houve de fato" 0 enr '''co 0 0 leitor tomou c :::-

,!!!ento disso" (110, p. 131). . 1<>0-~ Mt-. -r-o "A fabula e apenas 0 material para a enformac;ao do enredo",

diz Chklovski. "Assim, 0 enredo de Ievguieni Onieguin nao e 0, romance do protagonista com Tatiana, mas uma elaborac;ao dessa fabula .em nivel de enredo, produzida pel a introduc;ao de digres­soes que se interrompem." (133 , p. 39)

Desse ponto de vista os formalistas enfocam tambem a psi­cologia das personagens. Tambem devemos entender essa psico­logia apenas como procedimento do artista; este consiste em que o material psicologico, dado de antemao, e artificial e artistica­mente reelaborado e enformado pelo artista em correlac;ao com a

62 Psic%gia da arte

sua meta estetica. Assim, a explica<;ao da psicologia das persona­gens e dos seus atos nao deve ser buscada nas leis da psicologia mas no condicionamento estetico as metas do autor. ~ demora a matar 0 rei, a causa disto nao deve ser buscada na psico­lOgia da mdeClsi'io e {alta de vontade,.1llasJlas leis da constru ao artistica-A demora de Hamlet e mero procedimento artistico a

...o=:e::::+:d· HI' - 1 . Sh k trage la, y .. am et so nao mata ogo 0 reI Forquea es.peare precisava estender a a<;ao tragica obedecendo a leis puramente 10rmms, como o_p.oeta precisa selecionar as palavras por rima nao por serem essas as leis da fonetica mas por serem essas as metas da arte. "A tragedia nao e retardada porque Schiller precisa elabo­rar uma psicologia do retardamento mas justamente ao contrario

~ - Vallenstein demora porque e preciso retardar a tragedia, e reve-

~ ~ lar esse re.tardamen. to ..... o mesmo ocorre em R .. a .. mlet." (138, p. 81) ~ Assim, a concep<;ao corrtm!e, s~!!!!Qo a~ual pela obra 0 ~:f cavaleiro afuro.. ~~se -~tudar a_.psi~109.fi_ da ..evl!!Ea e pela ~ ~ obraMozart e Sali~129~ue ~~ar U'...sicol~a da inveja, perde_ '-~ ~ ( defmfuVa"'mente~ibiE.d.!de~o!po . 2utra~ c~.t}-cep<;6e~ Igual:_ ~ ~ l],ente populares segundo as qums P~ Vlsana ~repr~se~ a ~ ~ avareza e a inveja, enqu~nto caberia ao leitor interpreta-las. Do ~ ~ novo ponto d~ vista, tanto a ava:eza ~~to a inveja :ao apenas 0

~ ~ mesmo matenal para a constru<;ao arhshca como 0 sao os sons no ~ verso e a escala do piano.

"Por que 0 rei Lear nao reconhece Kent? Por que Kent e Lear nao reconhecem Edgar? .. . Por que vemos na dan<;a 0 pedido de­pois do consentimento? ° que separou e espalhou pelo mundo Glahn e Edward em Pan, de Samsun, embora essas personagens se amassem?" (132, p. 115) Para todas essas perguntas seria absurdo procurar resposta nas leis da psicologia, porque tudo is so tern uma motiva<;ao - a motiva<;ao do procedimento artistico, e quem nao entende isto nao entende igualmente por que as palavras no verso nao sao dispostas na ordem que 0 sao no discurso comum, equal o efeito inteiramente novo que essa disposi<;ao artificial do mate­rial vern a surtir.

A mesma mudan<;a sofre a concep<;ao comum do sentimento que estaria implicito na obra de arte. Os sentimentos tam bern vern a ser apenas material ou procedimento da representa<;ao. "A s timentalidade nao pode ser conteudo da a . ~

£~Ii5ckw~~ "'<M+~ 63

nao haver conteudo na arte . A representa<;ao dos objetos 'do ponto de vista sentimental' e urn metodo especifico de represen­ta<;ao como 0 e, por exemplo, a representa<;ao dos mesmos do ponto de vista de urn cavalo (Kholstomer, de Tolstoi) ou de urn gigante (Swift)."

~ ~ ~

~ ""'- "Por sua ro ria essencia a arte e extra-emocional... A arte e ~ ~ impie osa ou extrapiedosa, ex~eto aque es casos em que 0 senti- ~

~ ~ mento de compaixao e tornado como material para a constru<;ao. ~ ~ .. ~~- Mas mesmo neste caso, ao falar-se dela, e preciso examina-la do ~ ~ ponto de vista da composi<;ao, da mesma forma que, caso se dese- ~ '-~ je entender uma maquina, e necessario considerar a correia de j # ~ transmissao como urn detalhe da maquina e nao do ponto de vista ~ ~ de urn vegetariano." (133, pp. 22-23) ?? ~ € a# ,:?r,.&J.w{~ ~ ~

~ ess modo 0 sentimento tambem vern a ser apenas urn de- ~ ~ talhe ~a rna' rtistica, acionaao pela correIa da orma artistica. ~

E evidente que com essa mudan<;a e uma concep<;ao extre-mada de arte "niio se trata de metodos de estudo da literatura, mas de principios de construfiio de uma ciencia da literatura", como diz Eikhenbaum (137, p. 2). Nao se trata da mudan<;a do

'-.

-~ metodo de estudo, mas do proprio principio basico de explica<;ao. ~ Alem disso, ~oprios formalistas partem do fato de que acaba- , ~-3 ram com a doutrina pSlcologica barata e 0 ula a..arte, razaO-pQr ~ ~ que estao mc ma os a considerar 0 seu principio como rinci io " ~ 1-~. Urn dos seus ndamentos metodo- ~ ~ l' . cos c nsiste em rejeit r ualguer psico ogismo a constru ao ~

~ entam estuoar a forma arhshca como algo '--f...-absolutamente objetivo e independente das ideias e sentimentos que the integram a composi<;ao e de qualquer outro material psi­cologico. "A criaGao artistica", diz Eikhenbaum, "e,_por sua prO-pria essencia, sugrapsicologjca, sai cia serie de fenomenos..espiri- ' tuais comuns e c2catactenza-se pela supera<;ao do lade empirico do espirito. Neste sentido~o espiritual, como algo passivo, dado e necess~rio deve ser diferen<;ado do intelectual, do pessoal, do individual." (137, p. 11)

Entretanto, acontece com os formalistas 0 mesmo que com todos os teoricos da arte, que pensam em construir a sua ciencia fora dos fundamentos sociologicos e psicologicos. Referindo-se a esses mesmos criticos, Gustave Lanson disse com toda razao:

.......

.;~ /I. A. 1$'/0 (!,·s/-ytlorlenAcrI' ._ c:::, .0., h £.v....?9O;"-d-vl ~Y4/-Pj ~ /,L'7 tVf<? L c;../ )J;fp lorw.~ ~~Io..e. rl

64 t>L fJ-i-f-vV'~ ~ oke.- (~r~Jlos?U. fe.~f..('a) -----.2----_________ Psicologia da arte

" "N6s, criticos, fazemos 0 mesmo que 0 senhor Jourdain. Falamos ..... ~ 'por prosa', ou seja, sem que 0 saibamos, estudamos sociologia",

. e, como a famosa personagem de Molliere deveria saber apenas X por intermedio do preceptor que passara a vida inteira falando por

~ , prosa, todo estudioso de arte ira saber atraves do critico que, sem 4 \ ~ que desconfiasse, estudara de fato sociologia e psicologia, porque ~ ~ as palavras de Lanson podem referir-se com plena exatidao tam­~ ~ ~ bern it psicologia. ~ ~ .t E de extrema facilidade mostrar que 0 principio formal, do ~ 't ~ mesmo modo que quaisquer outros principios de constrw;:ao da ~ 5 arte, baseia-se em determinadas premissas psicol6gicas, e que os $. ~ ~ formalistas foram de fato fon;:ados a ser psic610gos e falar vez por ~ ':; outra por uma prosa confusa mas inteiramente psicol6gica. E 0 ~ ) ~ caso da pesquisa de Tomachevski, baseada nesse principio, que ~ 't come<;a pelas seguintes palavras: "E impossivel dar uma defini-,,~ ~ <;ao precisa e objetiva de poesia. E impossivel apontar os indicios ~ . ~ principais que separam poesia e prosa. IdentificaITlO§..,um P9~a

~ ?--'-.

~ ~ ~rcepxao im:diata. 0 indicio de 'poeticidade'llasce nao s6 ~ '1 <s das propriedades objetivas do discurso da poesia mas tambem das L~ condi<;oes da sua percep<;ao artistica, do juizo de gosto que 0 lei-~ ~ i torfaz dele." (109, p. 7) ~ ~ ~ 0 que e isso senao 0 reconhecimento de que, sem uma ex- 'i-

plica<;ao psicol6gica, a teoria formal nao dispoe de nenhum dado ~ l objetivo para uma defini<;ao basica da natureza da poesia e da ~ " prosa, esses dois procedimentos formais mais precisos e nitidos. ~ ~ O-mesmo ganha certeza meridiana tambem a partir de uma anali-~ r; se superficial da f6rmula, lan<;ada pelos formalistas. Essa f6rmu- ~ ~ la - "arte como procedimento" - suscita naturalmente uma per- l' ~ gunta: "iYocedi~n:trLde~qy[£" Com.2kflWJ1Ski teve op~funida- ~ ~ de de ind~car com toda raza~procedimento pelo wc;2T.:n~o;.~ ...", o procedlmento tornado eriiSihl@mo, nao onentado para COIsa -. -.... . ~ nenhuma~nao e procedimento mas urn truque. E por mais que os formalistas procurem deixar essa questao sem resposta, mais uma vez, como Jourdain, respondem a ela sem terem consciencia de faze-Io. A res osta ::c:&ffi"ffi't'rem ' - - oceaimento da-;t~ u ue 0 e me mtegra" men e ao po EUler definido ~ e~ceitQ§ PSLCO Oj lCOS._ ase essa teoril!.PSlcol6gica e a doutrina do automatismo de todas as nossas emo<;oes costu-

....-<=::::;;a; '--- ---=>~ ________. ..- - --:..=-.

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Critica f L, .j.,V 65

_ . ___ ~s2 .M~ep; 'tao, veremos ue ao se rn Itu\a~~tomatI-

./ta . Assim, por exemplo, passam para 0 ambito do inconsciente-~atico todos os nossos hi-:bit£,?.: concordani conosco aquele que se lembrar da sensa<;ao experimentada ao segurar umacaneta pela prim~ira vez ou ao falar pela primeira vez uma lingua estran­geira, e comparar essa sensa<;ao com aquela que experimenta ao fazer isto pel a decima vez. Pelo processo de aJ:!1Qmatiza!(ao expli­cam-se as leis do nosso discurso prosaico, com sua frase inacaba­'da e sua palavra semipronunciada .. . Nesse metodo algebric~ de pensamento, os objetos sao tornados pelo numero e pelo espaco, nos nao os vemos mas...os.reconhecemos-pelos primeiros tra<;os. 0

, . ~o nosso lado como se estivesse empacotado>.. sa~ mos que ele existe pelo lugar que ocupa, mas vemos apenas a sua superficie ... E eis que para devolver a sensa<;ao de vida, para sen­ti~etos, para fazer da pedra pedra existe aquilo que se cham~e) 9 fim da arte e propicia~ns~ao do objeto, como

--v-- • ecimento.:....o orocedimento da arte e 0

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66 Psicologia da arte

unilateralidade intelectualjs.l:a. Os formalistas admitem que em arte 0 material nao desempenha nenhum papel, e que urn poema sobre a destruiC;ao do mundo e urn poema sobre 0 gato equivalem-se plenamente do ponto de vista do seu efeito poetico. Pensam, com Heine, que "em arte a forma e tudo, e 0 material nao tern nenhu­ma importiincia: 'Staub (alfaiate) cobra por urn fraque que faz com seu proprio tecido 0 mesmo que cobra por urn fraque que faz com 0 tecido do cliente. Ele pede que the paguem so a forma, 0

material ele da de grac;a.'" Entretanto, os proprios estudiosos de­veriam se convencer de que nao sao so todos os alfaiates que nao se parecem com Staub, mas ainda de que, numa obra de arte, paga­mos nao so pela forma mas tambem pelo material. 0 proprio Chklovski afirma que a selec;ao do material nem de longe e indi­ferente. Diz ele: "Escolhem grandezas significantes, sensiveis. Cada epoca tern 0 seu index, a sua relac;ao de temas proibidos por serem obsoletos." (134, pp. 8-9) Contudo, e facil nos convencer­mos de que cada epoca tem uma relac;ao nao so de temas proibi­dos, mas tambem de temas a serem elaborados por ela e que, con­seqiientemente, 0 proprio tema ou 0 material da construc;ao nem de longe sao indiferentes em termos de efeito psicologico do to do da obra de arte.

Critica 67

<!WJi "principios form~st~e urna nOC;ao absolutamente falsa de que 0 tema, 0 Illilter1a'ie 9 conteudo nao desemQenham Pl112d n.a obra de arte. 1i'iifuIDski observa com toda razao que 0 proprio conceito de genero poetico como unidade composicional especi­fica esta ligado a definic;oes tematicas. A ode, 0 poema e a trage­dia tern, cada urn, seu circulo caracteristico de temas.

Os formalistas so poderiam chegar a tais conclusoes toman­do como ponto de partida das suas formulac;oes teoricas as artes nao plasticas, sem objeto, como a musica ou 0 ornamento decora­tivo, interpretando decididamente todas as obras de arte por ana­logia com 0 desenho. c~amento...aJinha nao tellLoutto­fim senao 0 formal, os formalistas negam a Lealidade_extraforma1 em todas as outras. "Dai", diz Jirmunski, "a identificac;ao do enre­do de Ievguieni Onieguin com 0 amor de Rinaldo e Angelica em Orlando enamorado, de Boiardo: toda a diferenc;a consiste em que em Puchkin 'as causas da nao simultaneidade do envolvimen­to de urn pdo outro estao na complexa motivac;ao psicologica', ao passo que em Boiardo '0 mesmo procedimento e motivado pelos encantos' ... Aqui mesmo poderiamos incorporar a famosa fabula do grou e da garc;a, em que 0 mesmo esquema do enredo se realiza em forma 'desnuda' : 'A ama B, B nao ama A; quando B passou a amar A, Aja nao amava B.' Penso, entretanto, que para a impres­sao artistica de Ievguieni Onieguin essa identidade com a fabula e bastante secundaria e que bern mais substancial e a diferen9a qua­litativa que se cria grac;as a diferenc;a do tema (do valor aritmeti­co do numerador e do denominador) de Onieguin e Tatiana, em urn caso, e do grou e da garc;a, em outro." (52, pp. 171-172)

Os estudos de Christiansen )]lostraram que "0 material da obra de arte participa da sintesedo objeto eStetico" (124, p. 58) e que de modo algurn de se subordina a lei da razao geometrica, isenta d~ qualquer dependencia em face da grandeza absoluta dos membros que a integram. Isto e faci1 perceber sob a mesma forma e com mu­danc;a da grandeza absoluta do material. "A obra musical parece independente a altura do m a escultura,~ quando as mudanc;as atingem os hmites extremos a deformac;ao do objeto estetico se torna perceptivel a todos." (124, p. 176)

~ operac;ao a ser feita para nos convencermos da significa­c;ao do-.materiaLe absolutamente analoga aquela atraves da qual

G<Jv~ ' "

..:....:.~-----____ --________ _ Psicologia da arte

n6s nos convencemos da significayao da forma. Ali destruimos a forma enos convencemos da destruiyao da impressao artistica; se, conservando a forma, nos a transferimos para urn material totalmente outro, mais uma vez nos convenceremos da deforma­yao do efeito psicol6gico da obra. Christiansen mostrou como e importante essa deformayao, se imprimimos a mesma gravura em seda, papel do Japao ou da Holanda, se esculpimos a mesma esta­tua em marmore ou bronze, se traduzimos 0 mesmo romance de uma lingua para outra. Alem do mais, se reduzirmos ou aurnen­tarmos 0 minimo que seja da grandeza absoluta de urn quadro ou a altura do tom de urna melodia, obteremos uma deforl1'Ul9ao de absoluta evidencia. Isto ficara ainda mais claro se levarmos em conta que por material Christiansen subentende 0 material stricto sensu, a pr6pria materia de que e feita a obra, e destaca separada­mente 0 conteudo concreto da arte, em face do qual chegaexa­tamente a mesma conclusao. Isto, entretanto, nao significa que 0

material ou conteudo concretO deve s~u sentI do as suas~ljda-d es extra-esteticas, Qor exemplo, gra9as ao custo do bronze-ou do iifarmore, etc. "Embora a influencia do objeto nao dependa dos s eus valores extra-esteticos, ainda assim ele pode vir a ser com12o-nente importante do objeto sintetizado ... Urn molho de rabano bern desenhado e superior a uma madona mal desenhada, logo, 0

objeto nao tern a minima importancia ... 0 mesmo pintor que pinta urn born quadro sobre 0 tema 'urn molho de rabano' talvez nao consiga dar conta do tema da madona ... Sendo 0 objeto totalmen­~evante, 0 que p~Jllimped~ue~­dro 19ualmente bela em urn ou em outro tema" (124, p. 67)

- Para elucid-;;:a si mesmo oefuitOe a influencia do material, e necessario levar em conta as duas seguintes considerayoes de suma importancia: a primeira consiste em que a percepyao mais simples da forma ainda nao e, por si mesma, urn fato estetico. Deparamos com a percepyao das formas e relayoes a cada passo em nossa atividade cotidiana, e, como as brilhantes experiencias de Kohler mostraram recentemente, a percepyao da forma desce muifci-n:rndo pela escada d~voluyao ·d~i®isrrliUU1.imal. Suas experiencias consistiram em adestrar uma galinha para a percepyao das relayoes ou das formas. Apresentavam a galinha duas folhas de papel A e B, sendo A cinza-claro e B cinza-escuro. Os graos

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~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

Critica 69

foram colados a folha A e ficaram soltos na folha B; ap6s varias experiencias, a galinha aprendeu a dirigir-se diretamente a folha B, cinza-escura. Entao foram apresentadas de urna s6 vez duas folhas de papel a galinha: urna a cinza-escura anterior, e outra nova, a C, de urn cinza ainda mais escuro. Assim, no novo par manteve-se urn membro anterior, so que agora mais claro, isto e, na mesma funyao antes desempenhada pela folha B, a qual a galinha deveria tambem agora dirigir-se diretamente, urna vez que a folha nova the era des­conhecida. Assim ocorreria se 0 adestramento visasse a qualidade absoluta da cor. Mas a experiencia mostra que a galinha procura a folha nova C e contoma a anterior B, porque nao foi adestrada para a qualidade absoluta da cor mas para a sua forya relativa. Ela nao -responde a folha B mas aos membros do par, ao mais e~curo, e, uma Vez que B nao desempellha no novo par 0 pa12cl anteriQr, exerce aqui ~feito inteiramente cli.~ .. (2.3.,J2p..203-205.1. ..... . ss~errenClaS, filstoncas para a psicologia, mostram que tanto a percepyao das formas quanta das relayoes e urn ate bastante elementar e talvez ate secundario do psiquismo animal. Donde fica absolutamente claro que nem de Ion e qualquer er­seQcao oa orma e forcosamente lim ato artistiC(L

A segunda considerayao nao e menos irnportante. Parte do pr6-prio conceito de forma e deve esclarecer que a forma, em seu senti­do concreto, nao existe fora do material que ela enforma. As rela­yoes dependem do material que se correlaciona. Obtemos urnas relayoes se esculpirnos urna figura de papier mache, e outras intei­ramente diversas se a esculpimos de bronze. A massa de papier mache nao pode entrar exatamente na mesma relayao que entra a massa em bronze. Do mesmo modo, certas correlayoes sonoras sao possiveis na lingua russa, outras, na alema. As relayoes do enredo de nao coincidencia no amor serao urnas se tomarmos Glahn e Edward, outras se tomarmos Onieguin e Tatiana, terceiras se tomarmos 0 '

grou e a garya. Assim ual uer deformayao do material e, ao ~, urna deformayao da 'p!"opna orma. _ nos comeya­mos a compreender por que justamente a obra de arte acaba irrever­sivelmente deformada se transferirnos a sua forma para outro mate­

", rial. Em outro material essa formaja sera outra.: ~, a vontade de evitar 0 dualismo no exame da psicolo­

gia da arte leva a que ate 0 unico dos fatores a ui mantidos rece-

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70 PSic%gia da arte

ba um enfoque incorreto. "A si nifica ao da forma para 0 conteu­do ma . esta-se com mais evidencia naqueles efeitos ue se reve­lam ua do se tem e su traI- a, por exemplo,.J simplesmente de contar 0 enredo. Neste caso a signi lCac;:aO artlstica do conteudo aesvaloriza-se, 6 claro, mas sera que decorre dai que 0 efeito que antes derivava da forma e do conteudo, fundidos numa unidade artistica, dependia exclusivamente da forma? Semelhante conclu­sao seria tao equivocada quanta a id6ia de que todos os indicios e propriedades da agua dependem da incorporac;:ao do hidrogenio ao oxigenio, porque se 0 retirarmos nao mais encontraremos nada no oxigenio que lembre agua." (9, pp. 312-313)

Deixando de lado a justeza material dessa comparac;:ao e dis­cordando de que a forma e 0 conteudo constituem uma unidade como 0 oxigenio e 0 hidrogenio compoem a agua, ainda assim nao podemos deixar de concordar com a justeza logica do modo como se revela aqui um erro de julgamento dos formalistas. "Achamos que hi muito foi reconhecido por todos e dispepsa dis­cussao 0 fato de que a forma 6 sumamente significativa na obra de arte, que sem forma, neste sentido es eci i~l!,_nao hi obra de arte.

a . 0 slll1ficaria que aforma sozinha cria a obra? . aro~e nao. Ora, isto poderia ser demonstra 0 se osse possfVel tomar ~

apenas a forma e mostrar que essas ou aquelas obras indiscutivel-mente artisticas sao constituidas apenas por ela. Mas isto, afirma­mos nos, nao foi e nao pode ser feito." (9, p. 327).

o primeiro grupo de tais tentativas consiste no experimento psicologico que fazemos com a obra de arte, ao transferi-la para um novo material e observar a deformac;:ao que nela se processa.

Outras tentativas sao representadas pelo chamado experi­mento material, cujo fracasso retuinbante refuta melhor que quais­quer considerac;:oes teoricas a teoria unilateral dos formalistas.

Aqui, como sempre, verificamos a teoria da arte pela sua pratica. As conclusoes praticas tiradas das id6ias do formalismo foram a ideologia inicial do futurismo russo, a pregac;:ao da lin­guagem do zaum*2, a ausencia de enredo, etc. Vemos que, de fato,

* Zaum ou linguagem do za!im. Etimologicamente, 0 que esta za (alem de) um (inteligencia, intelecto). Coisa excessivamente intricada, complexa, lingua­gem transracional. Como categoria da experimenta9ao poetica, foi introduzida a

Critica 71

a pratica levou os futuristas a uma brilhante negac;:ao do que afir­mavam em seus manifestos a partir das suposic;:oes teoricas: "Des­truimos os sinais de pontuac;:ao, lanc;:amos pela prime ira vez e tomamos consciencia daquilo em que consiste 0 papel da massa verbal" (98, p. 2), afirmavam eles no Cap. 6 do seu manifesto.

Na pratica, isso levou os futuristas, a16m de nao passarem sem a pontuac;:ao em sua pratica do verso, a introduzirem ainda toda uma s6rie de novos sinais de pontuac;:ao, como, por exemplo, a famosa linha quebrada do verso de Maiakovski.

"Nos destruimos os ritmos", anunciavam eles no Cap. 8, e na poesia de Pasternak produziram um prototipo de construc;:oes rit­micas requintadas hi muito nao visto na poesia russa.

Eles pregavam a linguagem do zaum, afirmando no Cap. 5 que ~m desperta e liberta a fantasia criadora sem of en de-l a com nada de oncret - "a palavra se reduz de sentido, encolhe, petrifica-se" (cf. p. 63) -, mas na rea Idade levaram 0 e emento semantlco em arte a uma do~aca~eceden~arIto 0 propi101\1aia­kovski fazia publicidade em versos p.ara_n.Mnsselpmm*. - Eles propagavam a ausencia de enredo, mas na pratica cons­

truiam obras rigorosamente centradas no enredo e inteligiveis. Rejeitavam todos os temas antigos, mas Maiakovski comec;:a e termina pela elaborac;:ao do tema do amor tragico, que dificilmen­te poderia situar-se entre os temas novos. Portanto, na pratica 0

futurismo russo fez de fato um experimento natural para princi­pios formalistas, e esse experimento mostra de forma patente 0

equivoco das concepc;:oes lanc;:adas4•

Pode-se mostrar 0 mesmo quando se aplicam os principios formalistas aquelas conclusoes extremadas a que 0 movimento

partir de 1910 pelos poetas cubofuturistas e futuristas russos D. Burliuk,V. Khliebnikov, V. Kamienski, A. Krutch6nnikh e outros, para representar imita9ao de sons, ritrnos, etc., abstraidos dos sentidos habituais do lexico. Para os futuristas era uma lingua artificial , constituida de combina95es arbitrarias de sons sem conteudo logico mas capazes de transmitir sensa<;5es individuais gra<;as ao colo­rido emocional que cada poeta pudesse dar as suas combina<;5es de sons.Vejam­se as notas 2 e 3 de Vyatceslav Ivanov no final deste capitulo. (N. do T.)

* Grupo Moscovita de Empresas de transforma<;ao de produtos da indus­tria agricola. (N. do T.)

I j i :1

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72 Psicologia da arte

chega. Indicamos que, ao definir 0 objetivo do procedimento ar­tistico, 0 formalismo se enreda em sua propria contradiyao e aca­ba por afirmar aquilo que COllleyara negando. Proclama-se que dar vida aos objetos e tarefa fundamental do procedimento, so que a teoria nao elucida qual e 0 objetivo dessas sensayoes renovadas, impondo-se por si me sma a conclusao de que nao ha urn objetivo subseqiiente, de que esse processo de percepyao dos objetos foi adotado em si mesmo e serve COmo urn fim em si mesmo em arte. Todas as estranhezas e constrUyoes complexas da arte acabam servindo ao nosso prazer decorrente da sensayao de coisas agra­daveis. "0 processo de percepcao em art~ e urn ogie1iV.D ~ si", como af irma Chklovski E eis que essa afirmayao do objetivo em si do processo de percepyao e a definiyao do valor da arte pela dOyura que ela proporciona it nossa sensayao revelam de repente toda a pobreza psicologica do formalismo enos remete de volta a Kant, para quem "belo e 0 que agrada independentemente do sen­tido". Tambem decorre da doutrina dos formalistas que a percep­yao do objeto e agradavel por si mesma, assim como e a.gradavel por si mesma a plurnagem bonita das aves, as cores e a forma de urna flor, ~ colorayao brilhante de urna concha (exemplos d~ Kant). Esse hedonismo elementar e uma retomada da teoria ha muito abandonada do deleite e do praZer que auferimos da contempla­yao de objetos belos, e chega qUase a ser 0 ponto mais fraco na teoria psicologica do formalismo5• E, da me sma forma que nao se pode fazer uma definiyao precisa de poesia e sua diferenya em relayao it prosa sem recorrer a Uma explicayao psicologica, nao se pode resolver com precisao a questao do sentido e da estmtura de toda a forma artistica sem ter nenhuma ideia definida no campo da psicologia da arte.

,A inconsistencia da teoria Segundo a qual a tarefa da arte e criar coisas belas e renovar sua percepyao foi revel ada ela psi co­logia com uma autenticidade de verda e propna as ciencias na­iigais e ate da matematica. Penso que de todas as generalizayoes de Volkelt nao ha uma mais indiscutivel e mais fecunda do que a formula lac6nica: "A arte consiste em descoislfzcar 0 representa­vel." (117, p. 69)

Tanto em obras particulares quanta em campos inteiros da atividade artistica pode-se mostrar que a forma, no fim_ das con-

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tas, personifica 0 material com que opera, e 0 prazer proporciona­do pela percepyao desse material nao pode ser, de maneira nenhu­rna, reconhecido como prazer auferido da arte. Contudo, urn erro bern maior consiste em reconhecer como momento fundamental e determinante da psicologia da arte 0 prazer proporcionado por qualquer tipo ou modalidade. "As pessoas so compreenderao 0 sen­tido da e n 0 deixarem dJ considerar como hm dessa ativi­/ ade a beleza, isto e, 0 razer" (10 , p . 61), diz Tolstoi.

o mesmo Olstoi mostra, com exemplo extremamente primi­tivo, como as coisas bonitas podem, por si mesmas, criar uma obra de arte incrivelmente vulgar. Ele conta como uma senhora nao inteligente mas civilizada leu para ele urn romance que ela havia escrito. "Nesse romance a coisa comeyava assim: a heroina em urn bosque poetico, it beira d'agua, vestindo uma poetica roup a branca, com os cabelos poeticos soltos, lia versos. A coisa acon­tecia na Russia, e de repente, de tras dos arbustos, aparece 0 heroi de chapeu com pluma, a la Guillaume Tell (assim estava escrito), e acompanhado de dois poetic os caes brancos. A autora achava tudo isso muito poetico." (106, p. 113)

Sera que esse romance com caes brancos e todo constituido de cQiS;s bonitas, cuja percepyao so pode suscitar prazer, era.J>a­n~ e mim apenas porque a autora ~capaz de tirar a perceQQ..ao (~sses obietos d.? automatismo e :@z~ aned{a,pe.dra, isto e, levar a perceber com clareza 0 cao branco, os cabelos soltos e 0 chapeu com plum31 Nao pareceria antes 0 contrario, que quanta mais in­tensamente percebessemos todas essas coisas, tanto mais insupor­tavelmente banal seria 0 proprio romance? Croce faz uma magni­fica critica do hedonismo estetico, ao dizer que a estetica formal , particularmente a de Fechner, propoe-se estudar as condiyoes objetivas do belo. "A que fatos fisicos corresgonde 0 belo? A quais .

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de~ ~sponde 0 feio? E como se nos pusessemos a procurar ~~ leis da troca na economia politica e, na natureza fisica, aqueles objetos que participam da troca." (62, p. 123)

No mesmo autor encontramos duas considerayoes sumamen­te importantes a esse mesmo respeito. A primeira e 0 reconheci­mento absolutamente franco de que so no campo da psicologia p~e....r:esol-vef-o-p-roblema do influxo do material e da forma juntos, como, entre outras coisas, 0 problema do genero politico,

74 Psic%gia da arte

do comico, do delicado, do humoristico, do sol ene, do sublime, do feio, etc. na arte. 0 pr6prio Croce nem de longe e partidario do psi­cologismo em estetica, contudo tern consciencia da absoluta im­potencia tanto da estetica quanta da filosofia na soluyao desses problemas. Cabe perguntar se vamos entender grande coisa na psicologia da arte se nao conseguirmos elucidar pelo menos 0 pro­blema do comico e do tragico nem se nao formos capazes de en­contrar a diferenya entre eles. "Uma vez que a psicologia (cujo carater puramente empirico e descritivo vern sendo, efetivamente, cada vez mais salientado em nossos dias) e a disciplina cientifico­natural que se propoe 0 objetivo de criar tipos e esquemas para a vida intelectual do homem, entao todos esses conceitos estao fora da gestao da estetica e da filosofia em geral e devem ser deixados precisamente com a psicologia." (62, pp. 101-102)

Vimos 0 mesmo no exemplo do formalismo, que, sem usar explicayoes psicol6gicas, revelou-se sem condiyao de considerar corretamente 0 efeito da forma artistica. A outra reflexao de Cro­ce ja se ref ere diretamente aos metodos psicol6gicos de soluyao desse problema; aqui ele se manifesta com toda razao e de forma decidida contra a tendencia formalista, logo assumida pela esteti­ca indutiva ou estetica de baixo para cima, justamente por ter ela comeyado pelo fim, pela elucidayao do momento de prazer, isto e, do momenta em que os formalistas tambem esbarraram. "Ela co­meyou conscientemente pela coleyao de objetos bonitos, por exem­plo, de envelopes para carta de forma e tamanho variados, e de­pois procurou definir quais deles produziam impressao de beleza e quais a impressao de feiilla ... Urn grosseiro envelope amarelo, feissimo perante os olhos de quem deseja por nele uma mensa­gem de amor, e sumamente adequado a uma citayao para depor em juizo, carimbada por urn porteiro ... Mas a questao nao estava ai. Eles [os indutivistas] apelaram para urn recurso em conformi­dade com 0 qual e dificil nao duvidar do rigor das ciencias natu­rais. Puseram em circulayao os seus envelopes e proclamaram urn reforendum*, procurando estabelecer por maioria simples de votos em que consistiam 0 bela e 0 feio ... A despeito de todos os seus

* Em latim, no original russo. (N. do T.)

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esforyos, a estetica indutiva nao descobriu ate hoje nenhuma lei." (62, p. 124)

De fato, a estetica experimental formal, desde os tempos de Fechner, via na maioria de votos urna prova a favor da verdade dessa ou daquela lei da psicologia. 0 mesmo criterio de autentici­dade e freqiientemente usado na psicologia em enquetes subjeti­vas, e ate hoje muitos autores admitem que se a imensa maioria de experimentandos, colocados na me sma condiyao, apresenta teses absolutamente similares, isto pode servir de prova de que sao ver­dadeiras. Nao existe nenhum equivoco mais perigoso para a psi­cologia do que esse. De fato, basta apenas supor a existencia de alguma circunstancia presente em todos os pesquisados, que por al­gum motivo deturpe os resultados das suas respostas e os tome inveridicos, para que todas as nossas buscas da verdade se tomem estereis. 0 psic6logo sabe 0 quanta ha, em cada experimentando, desses envolvimentos, de preconceitos sociais universais e de in­fluencia da moda, etc. deturpando de antemao a verdade. Obter a verda de psicol6gica por esse meio e tao dificil quanto obter pelo mesmo meio urna auto-avaliayao do homem, porque a imensa maio­ria dos pesquisados iria afirmar que pertencem ao numero dos inteligentes, enquanto 0 psic610go que assim procedesse deduzi­ria a estranha lei de que nao existe, absolutamente, gente boba. De igual modo procede 0 psic610go, quando se ap6ia na resposta do experimentando sobre 0 prazer, sem considerar de antemao que 0 pr6prio momenta desse prazer, urna vez nao explicado para 0 pr6-prio sujeito, e comandado por causas a ele incompreensiveis e precisa ainda de urna analise profunda para 0 estabelecimento dos fatos verdadeiros. A pobreza e a falsidade da concepyao hedonis-

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este demonstrou com uma clareza comp eta que, na PSICO ogla a arte somos colocados diante de urn tipo extremamente com lexo j e atividade, na qual o,!lloE!epto de Qrazer esempenha urn papel inconstante e freqiientemente insignificante. Wundt aplica, em linlias gerais, 0 conceirnCle empaha desenvolvido por R. Fischer e Lipps, e considera que a psicologia da arte "se explica melhor pela expressao 'empatia' porque, de urn lado, indica com absolu­ta justeza que no fundamento desse processo psiquico estao os

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sentimentos e, de outro, indica que, neste caso, os sentimentos sao transferidos para 0 objeto pelo sujeito da percep9ao" (29, p. 226).

Contudo, Wundt de forma alguma reduz todas as em090es ao sentimento. Ele da ao conceito de empatia uma defini9ao muito ampla e, em seu fundamento, profundamente verdadeira, da qual partiremos doravante ao analisarmos a atividade artistica. "? ob~­to atua como urn estimulador da vontade", diz ele, "mas nao pro­

dUz 0 ato volitivo real e suscita aRenas aspiracoes e retar~ 60S quais se constitui 0 desenvolvimento da a9ao, e essas aspira-90es e retardamentos se transf~para 0 pr6.P!io objeto, de sorte ~se apresenta como urn obj~.CLque...atua...em..diferentes-seu.,. ~rrc~sistencia de fon;as estrgnhas. Iran~feridos assim

ara 0 objeto, e como se os sentimentos volitivos 0 personificas­s~""::n:"-ta-s'-:'se-m-o-e-sp-e-c-:-ta-d"o-r-;d'o-d'e-se-m-p-e-nh"-o-d"a-a-c-;;-ao~.~"-;;(2~9:;-,-p-. 223)

Eis que complexa realidade vern a ser para Wundt ate mesmo o processo do sentimento estetico elementar e, de pleno acordo com essa analise, ele se refere desdenhosamente ao trabalho de C. G. Lange e outros psic610gos, que afirmam que "na consciencia do artista e de quem percebe a sua cria9ao nao ha outro objetivo senao 0 prazer... Teria Beethoven tido 0 objetivo de propiciar prazer a si e aos outros, quando na Nona Sinfonia verteu em sons todas as paixoes da alma humana, da mais profunda dor a mais lumino­sa alegria?" (29, p. 245) Ao fazer essa pergunta, Wundt queria, evidentemente, mostrar que, se no nosso discurso comum chama­mos inadvertidamente de prazer a impressao que nos causa a Nona Sinfonia, para 0 psic610go isto e urn erro imperdoavel.

Com um exemplo particular e mais facil mostrar como 0 meto­do formal e impotente por si mesmo sem apoio na explica9ao psico-16gica e como toda questao particular da forma artistica, dentro de certa evolu9ao, mergulha nas questoes psicol6gicas e revela de ime­diato a absoluta inconsistencia do hedonismo elementar. Quero mostrar isto tomando como exemplo a teoria do ru!Pel dJ:l,S sons na po~,_na forma como a desenvolvem os forrilaTistaS: ., .. :::.

Qs formahstas comecaral!LP..o~ssalta!: o §.ignificado preva,­lente 'do ~sonoro do verso. Passaram a afirmar qu~e as­PeCtQ"tem no verso significado prevalente e que ate "as percep90es de urn poema habitualmente tambem se reduzem a percep9ao do

. seu modelo sonoro. Todos sabem como percebemos surdamente ~-- ...-- ~

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~:'-1 0 conteudo dos versos que pareceriam os mais compreensiveis" ~ ~. (130, p. 22). ~ ~ Com base nessa observa9ao absolutamente correta, Yakubinski 9' () chegou a conclusoes perfeitamente corretas: "No pensamento em

linguagem de verso os sons emergem no campo luminoso da consciencia; em face disto surge em relafiio a eles um tratamen­to emocional, que, por sua vez, acarreta 0 estabelecimento de certa dependencia entre 0 'conteudo ' do poema e os seus sons; para esta ultima circunstancia contribuem ainda os movimentos expressivos dos 6rgiios dafala." (142, p. 49)

Assim, partin do da analise objetiva~form31 e sem r~correr a psicologia pode-se estabelecer apenas que os sons exercem certa fun9ao emocional na percep9ao de um poema, mas estabelecer tal

-coisa significa apelar para a psicologia a procura de explica9ao '_dessa fun9ao. As tentativas vulgares dedefinir as proprieaa~s emocionais dos sons ariindo do efelto Imedlato obI: o.s.na~ ~~L . a~te, nenhum fuQdamento .• Quando Balmont definia 0

sentido emocional do alfabeto russo, dizendo que 0 "a" e 0 som mais claro, umido, temo, 0 "m" um som angustiante, 0 "i" "0 sem­blante sonoro da admira9ao, do espanto" (11, pp. 59-60, etc.), podia corroborar todas essas afirma90es com exemplos isolados mais ou menos convincentes. Contudo, seria possivel apresentar 0 mesmo nUmero de exemplos que atestam justamente 0 contrario: nao sao poucas as palavras do alfabeto russo com a inicial "i" que nao expressam nenhuma admira9ao. Essa teoria e velha como 0 mundo e urn nUmero infinito de vezes foi objeto da mais decidida critica6

Os calculos que faz Andriei Bieri, sugerindo profunda signi­fica9ao dos sons "r", "d", "t" na poesia de Alieksandr Blok (14, pp. 282-283) e as considera90es de Balmont carecem igualmente de qualquer convencibilidade cientifica. A respeito dessa mesma I

teoria segundo a qual 0 som "a" implica algo de imperioso, Gomfeld cita uma inteligente observa9ao de Mikhail6vski: "E digno de aten9ao que, pela estrutura da lingua, a enfase preferen­cial sobre 0 fonema "a" cabe principalmente as mulheres: eu, Ana, andava espancada a pau; eu, Varvara, estava encerrada na torre, etc. Donde a natureza imperiosa das mulheres russas." (35, pp. 135-136)

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Wundt mostrou que a simbolica dos sons7 6 encontrada na lingua com suma raridade e que 0 numero de tais palavras nu­ma lingua 6 infimo se comparado ao nUmero de palavras sem qualquer significa<;:ao sonora; e estudiosos cO[l1o Nyrop ~ Grammont8 descobriram inclusive a fonte psicologica da origem ITa expressividade sonora das palavras. " lodos os sons de uma 1m: gua, vogais e consoantes, podem adquirir significado expressivo quando para tal contribui 0 proprio sentido da palavra em que sao encontrados. _Se 0 sentid~ dajJala~ra nao contrioUl nesses termos, os sons permanecem inexpr,essivos. E evidente que, se em um verso · h-a c oncentra<;:ao de certos fen6menos sonoros, estes, em fun<;:ao da id6ia que exprimem, vi~ao a ser expressivos-eu ao con­tnirio.~p~eservir para expressar id6ias bem,dis-~nks-entre si." (147Y200J -

o mesmo estabelece Nyrop, ao citar um imenso numero de palavras expressivas e nao-expressivas, mas construidas a base do mesmo som. "Havia a id6ia de que entre os tres 'os' da palavra monotone e seu sentido existia uma rela<;:ao misteriosa. Nada similar existe na realidade. A repeti<;:ao da mesma vogal surda 6 observada tambem em outras palavras de significado inteiramente diverso: protocole, monopole, chronologie, zoo logie, etc." Quan­to as palavras expressivas, para melhor transmitir as nossas id6ias nao nos resta senao citar a seguinte passagem de Charles Bally: "Se 0 som de uma palavra de associar-se ao seu si nificado entao algumas combina<;:5es de sons contn uem ara a perce <;:ao sensoria e suscitam uma no<;:ao concreta; por si mesmos os sons SffO incapazes cre proauili semclhilli!e efeit~ (10, p~ ~iOSos estao de acordo em um ponto: p-or si sos os sons nao tem nenhuma expressividade emocional;'e da-=t'milis~ das proprie a es dos proprios sonslluiiCi" co~iremos extrair as leis do seu efeito sobre nos. Os sons se tornariio expressivos se para tanto contribuir 0 sentido da alavra. Os sons poaell tornar-

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"\ , se expressivos se para isto contnbuir 0 vers09• Noutros termo~ nr6prio valor dos.sons no verso vem a ser nao }2!fim em si, co~ sup5e Chklovski se do or6m, urn com lexo efeIto sicologico

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a estruJ;U~s~. E curioso que os propnos formalistas tomam consciencla de que 6 necessario substituir 0 efeito emocional de determinados sons pelo significado da imagem sonora, afirman- ~

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Critica 79

do, como 0 faz D. Vigotski no estudo sobre Afonte de Bakhtchis­sadri, que essa imagem sonora e a sele<;:ao de sons nela baseada nao visam, absolutamente, ao prazer sensorial causado pela per­cep<;:ao dos sons em si, mas a certo significado dominante, "que em dado momento completa a consciencia do poeta" e, como se pode supor, esta ligado as mais complexas emo<;:5es do poeta, de sorte que 0 estudioso se atreve a lan<;:ar a suposi<;:ao de que 0 nome de Raievskaya estaria no fundamento da imagem sonora do poema de Puchkin (95, pp. 50 s.).

De igual modo Eikhenbaum critica a tese de Bi6li, segundo a qual a "instrumenta<;:ao dos poetas traduz inconscientemente 0

acompanhamento do conteudo ideol6gico da poesia pela forma externa" (14, p. 283).

Eikhenbaum indica com plena razao que nem a imita<;:ao dos sons nem a simbolica elementar sao proprias dos sons de um verso (138, pp. 204 ss.). Dai se imp5e por si mesma a conclusao de que a meta da estrutura sonora do verso vai al6m do simples prazer sensorial que auferimos dos sons. E, no fundo, 0 que qui­semos descobrir aqui com um exemplo particular da teoria dos sons pode ser estendido a exatamente todas as quest5es a serem resolvidas pelo m6todo formal. Onde quer que estejamos, depara­mos com 0 desconhecimento da psicologia correspondente a obra de arte em estudo, logo, com a incapacidade de interpreta-Ia cor­retamente partindo apenas da analise das suas propriedades exter­nas e objetivas.

De fato , 0 principio basico do formalismo mostra-se total­mente incapaz de revelar e explicar 0 conteudo psicossocial histo­ricamente mutatorio da arte e a escolha do tema, do conteudo ou do material condicionado aquele conteudo. ToIst6i criticou Gontcha­roy como homem totalmente urbano, que dizia nada mais haver a , escrever sobre a vida popular depois de Turguieniev; "a vida dos ricos, com os seus enamoramentos e descontentamento consigo mesmos parecia-Ihe plena de um conteudo infinito. Um persona­gem beija a sua dama na mao, outro no cotovelo, e um terceiro de alguma maneira. Uns suspiram de pregui<;:a, outros porque nao sao amados. E ele achava que nesse campo era infinita a diversi­dade ... Achamos que os sentimentos experimentados pela gente da nossa 6poca e circulo sao muito significativos e diversificados,

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e entre tanto quase todos os sentimentos da gente do nosso circulo se reduzem, em realidade, a tres sentimentos muito futeis e sim­ples: orgulho, luxuria e tedio de viver. E esses tres sentimentos e suas ramificayoes constituem quase 0 conteudo exclusivo da arte das classes ricas" (l06, pp. 86-87).

Podemos discordar de ToIst6i em que todo 0 conteudo da arte se resume precisamente a esses tres sentimentos. Contudo, depois que as pesquisas hist6ricas elucidaram suficientemente 0 acerto do fato, dificilmente alguem iria negar que cada epoca tern a sua gama psicol6gica escolhida pel a arte.

Vemos que 0 formalismo chegou a mesma ideia, s6 que do lado oposto ao que chegaram os partidarios de Potiebnya: ele tam­bern se mostrou impotente em face da ideia da mudanya do con­teudo psicol6gico da arte e lanyou teses que, alem de nada eluci­darem na psicologia da arte, ainda precisam ser explicadas por essa psicologia.,.A..despeiliLd~todos os imensos meritos parciais da escola de Potiebnya e do formalismo russo, em seu fracasso te6rico e pratico manifestou-se a falha basilar de toda teoria da arte que tenta partir apenas dos dados objetivos da forma artistica

.- ou do conteudo-;eqlle em suas construyoes nao se baseia em n~­nhuma teoria psicol6gica da arte.

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