PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

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Universidade Federal de Santa Maria Pró-Reitoria de Graduação Centro de Educação Curso de Graduação a Distância de Educação Especial 1ªEdição, 2005 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III 3º Semestre

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Universidade Federal de Santa Maria

Pró-Reitoria de Graduação

Centro de Educação

Curso de Graduação a Distância de Educação Especial

1ªEdição, 2005

PSICOLOGIA DAEDUCAÇÃO III3º Semestre

Page 2: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

Ficha catalográfica elaborada porMaristela Eckhardt CRB-10/737Biblioteca Central - UFSM

Elaboração do ConteúdoProfa. Ane Carine MeurerProfa. Fabiane Adela Tonetto CostasProfa. Lorena Inês Peterini MarquezanProfessoras Pesquisadoras (Conteudistas)

Laura Menna BarretoAcadêmica Colaboradora

Desenvolvimentodas Normas de RedaçãoProfa. Ana Cláudia Pavão SilukProfa. Luciana Pellin Mielniczuk (Cursode Comunicação Social | Jornalismo)Coordenação

Profa. Maria Medianeira PadoinProfessora Pesquisadora ColaboradoraDanúbia MatosIuri Lammel MarquesAcadêmicos Colaboradores

Revisão Pedagógica e de EstiloProfa. Ana Cláudia Pavão SilukProfa. Cleidi Lovatto PiresProfa. Eliana da Costa Pereira de MenezesProfa. Eunice Maria MussoiComissão

Revisão Textual(Curso de Letras | Português)

Profa. Ceres Helena Ziegler BevilaquaCoordenação

Marta AzzolinAcadêmica Colaboradora

Direitos Autorais(Direitos Autorais | Núcleo de Inovação e deTransferência Técnológica | UFSM)

Projeto de Ilustração(Curso de Desenho Industrial | Programação Visual)

Prof. André Krusser DalmazzoCoordenação

Paulo César Cipolatt de OliveiraTécnicoGuilherme EscosteguyAndré Schmitt da Silva MelloLucas Franco ColussoRodrigo Oliveira de OliveiraAcadêmicos Colaboradores

Fotografia da Capa(Curso de Desenho Industrial | Programação Visual)

Prof. Paulo Eugenio KuhlmannCoordenação

Projeto Gráfico, Diagramaçãoe Produção Gráfica(Curso de Desenho Industrial | Programação Visual)

Prof. Volnei Antonio MattéCoordenação

Clarissa Felkl PrevedelloTécnicaBruna LoraFilipe Borin da SilvaAcadêmicos Colaboradores

ImpressãoGráfica e Editora Pallotti

* o texto produzido é de inteira responsabilidade do(s) autor(es).

P974 Psicologia da educação III : 3º semestre / [elaboração do conteúdo profa. AneCarine Meurer... [et al.] ; revisão pedagógica e de estilo profa. Ana CláudiaPavão Siluk... [et al.]].- 1. ed. - Santa Maria, Universidade Federal de SantaMaria, Pró-Reitoria de Graduação, Centro de Educação, Curso de Graduaçãoa Distância de Educação Especial, 2005.

80 p. : il. ; 30 cm.

1. Educação 2. Ensino 3. Psicologia da educação I. Meurer, Ane Carine II. Siluk, Ana Cláudia Pavão III. Universidade Federal de Santa Maria. Pró-Reitoria de Graduação. Centro de Educação. Curso de Graduação a Distância de Educação Especial. IV. Título.

CDU: 37.015.3

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Presidente da República Federativa do BrasilLuiz Inácio Lula da Silva

Ministério da EducaçãoFernando HaddadMinistro da Educação

Prof. Ronaldo MotaSecretário de Educação a Distância

Profa. Cláudia Pereira DutraSecretária de Educação Especial

Universidade Federal de Santa Maria

Prof. Paulo Jorge SarkisReitor

Prof. Clóvis Silva LimaVice-Reitor

Prof. Roberto da Luz JúniorPró-Reitor de Planejamento

Prof. Hugo Tubal Schmitz BraibantePró-Reitor de Graduação

Profa. Maria Medianeira PadoinCoordenadora de Planejamento Acadêmicoe de Educação a Distância

Prof. Alberi VargasPró-Reitor de Administração

Sr. Sérgio LimbergerDiretor do CPD

Profa. Maria Alcione MunhozDiretora do Centro de Educação

Prof. João Manoel Espinã RossésDiretor do Centro de Ciências Sociais e Humanas

Prof. Edemur CasanovaDiretor do Centro de Artes e Letras

Coordenação da Graduaçãoa Distância em Educação Especial

Prof. José Luiz Padilha DamilanoCoordenador Geral

Profa. Vera Lúcia MarostegaCoordenadora Pedagógica e de Oferta

Profa. Andréa ToniniCoordenadora dos Pólos e Tutoria

Profa. Vera Lúcia MarostegaCoordenadora da Produção do Material do Curso

Coordenação Acadêmica do Projeto deProdução do Material Didático - Edital MEC/SEED 001/2004

Profa. Maria Medianeira PadoinCoordenadora

Odone DenardinCoordenador/Gestor Financeiro do Projeto

Lígia Motta ReisAssessora Técnica

Genivaldo Gonçalves PintoApoio Técnico

Prof. Luiz Antônio dos Santos NetoCoordenador da Equipe Multidisciplinar de Apoio

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Sumário

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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

UNIDADE AO ESTRUTURALISMO PSICOGENÉTICO

1. Principais conceitos

2. A construção Epistemológica

3. Os estágios do desenvolvimento para Jean Piaget e a Educação

UNIDADE BA ESCOLA SÓCIO - HISTÓRICA

1. O Autor fundador Lev Vygotsky

2. Principais Conceitos

3. A relação entre linguagem e formação das funções psicológicas superiores

4. Os períodos do desenvolvimento e a educação

UNIDADE CO DESENVOLVIMENTO DIALÉTICO

1. Henri Wallon e o desenvolvimento dialético

2. A formação do pensamento sincrético

3. A importância da emoção no desenvolvimento

4. Implicações educacionais dos estudos de Wallon

REFERÊNCIASReferências Bibliográficas

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Apresentaçãoda Disciplina

O objetivo desta disciplina de Psicologia da Educação III é

conhecer e identificar as principais teorias interacionistas e seus

aportes nos processos de aprendizagem e desenvolvimento, assim

como nas ações pedagógicas.

Para isso, discutiremos conosco mesmos, com os nossos

colegas, professores, familiares, autores que iremos estudar ou

recordar, algumas das perguntas básicas da Psicologia da Educação

tais como: Como é que aprendemos? Como construímos

conhecimento? O que dizemos quando expressamos o

conhecimento de algo ou de alguém? O que é o conhecimento?

Como chegamos a um conhecimento mais elaborado e reconhecido

como científico? Como o conhecimento muda e evolui? O que é que

conhecemos? Como conseguimos conhecer o que conhecemos?

Neste semestre, gostaríamos de convidá-los a estudar as seguintes

unidades temáticas: O Estruturalismo Psicogenético; A Escola Sócio -

Histórica e o Desenvolvimento Dialético. Desta forma estudaremos 3

importantes autores da Psicologia da Educação, Piaget, Vygotsky e

Wallon.

Cada uma de suas unidades está organizada com leituras e

atividades. A avaliação será contínua e estaremos seguindo estes

critérios: participações e contribuições qualitativas nos bate-papos,

leituras, fóruns de discussão, assim como, ao final de cada unidade,

serão elaboradas, pelos alunos, as sínteses de cada unidade, as

quais deverão ser enviadas aos professores via ambiente virtual de

aprendizagem.

PSICOLOGIA DAEDUCAÇÃO III3º Semestre

Esta disciplina será desenvolvida com uma carga horária

de sessenta (60) horas/aula.

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Objetivo da Unidade:

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7

O ESTRUTURALISMOPSICOGENÉTICOProfa. Lorena Inês Peterini Marquezan

Ressignificar a teoria do Estruturalismo

Psicogenético de Piaget a partir da releitura do

caderno de Psicologia da Educação I e dos conceitos

e texto sobre Educação e Epistemologia Genética.

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Introdução

Nesta unidade ressignificaremos a teoria

Piagetiana, pois acreditamos que ela é

fundamental para a formação pedagógica de

todos os educadores. Inicialmente,

retornaremos com alguns conceitos já

conhecidos para, após, aprofundarmos com um

texto produzido por uma autora

internacionalmente conhecida, a professora

Amélia Americano Domingues de Castro.

Acreditamos que este processo é sempre

instigante, desafiador e, como o próprio Piaget

afirmava, necessitamos de homens abertos,

críticos, flexíveis capazes de se adaptar num

mundo em constante mutação.

Nesta unidadeconvidamos você aretomar o Caderno dePsicologia da EducaçãoI, mais especialmente ateoria de Piaget, a fimde aprofundarmosalguns conceitos etentarmos a relaçãoteoria-prática.

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U N I D A D E A

Principais conceitos1

Figura A.1: Jean Piaget

Gui

lher

me

Esco

steg

uy

EpistemologiaPiaget voltou seus estudos, desde muito cedo

às ações do comportamento humano, mais

precisamente ao comportamento e ações das

crianças. Questionou-se como seria possível a

aquisição do conhecimento do mundo em que

vivemos e do meio que nos circunda. Para

Piaget, o conhecimento é algo adquirido a partir

de vivências do sujeito sobre o objeto de

conhecimento.

O sujeito do conhecimento era considerado

por Piaget o sujeito epistêmico, ou seja, aquele

ideal e universal. Mas o que é a Epistemologia?

Podemos dizer que é o estudo crítico do

conhecimento científico.

Portanto, podemos salientar que, partindo

disso, Piaget faz uma analogia do modo de como

a criança aprende com o como o cientista

Desta forma, se esclarece porque Piaget

denomina sua teoria do conhecimento de

Epistemologia. Pois, segundo ele,

A epistemologia é a teoria do conhecimento válidoe, mesmo que este conhecimento nunca sejaum estado, é sempre um processo, éessencialmente a passagem de uma menorvalidade para uma validade superior. Daí resultaque a epistemologia confundir-se-ia com a lógica,ora, o seu problema não é puramente formal,mas consiste em como o conhecimento atinge oreal, logo quais as relações entre o sujeito e oobjeto. Se apenas se tratasse de fatos, aepistemologia reduzir-se-ia a uma psicologia dasfunções cognitivas, e esta não tem competênciapara resolver as questões de validade. A primeiraregra da epistemologia genética é pois, uma regrade colaboração, sendo o seu problema estudarcomo se aumentam os conhecimentos, trata-seentão, em cada questão particular, de fazercooperar psicólogos que estudem odesenvolvimento como tal , lógicos queformalizem as etapas ou estados de equilíbriomomentâneo desse desenvolvimento (...) juntar-se-ão naturalmente matemáticos que assegurema ligação entre a lógica e o domínio em questãoe cibernéticos que garantam a ligação entre apsicologia e a lógica. É então, e somente emfunção, desta colaboração que as exigências defato e de validade poderão ser igualmenterespeitadas (PIAGET, 1972, p.18 - 19).

constrói a física, pois para o autor, a criança

constrói seu conhecimento através das

vivências, das hipóteses; e o cientista através

do experimento.

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A construção Epistemológica2Piaget denominou sua teoria como

Epistemologia Genética, pois considerava toda

a estrutura orgânica da espécie humana, o que

para ele é determinante no ato de conhecer,

principalmente, em relação às estruturas

mentais que aparecem como fruto da interação

entre meio e sujeito.

Essa interação ocorre, segundo o psicólogo

Piaget, através dos processos de Assimilação e

Acomodação acontecendo em diferentes níveis

desde os mais elementares até os mais

elaborados como as trocas simbólicas.

Portanto, pode-se considerar Epistemologia

Genética, dentro das concepções de Piaget,

pois o indivíduo nasce com herança hereditária,

a qual dará partida para a construção de seu

conhecimento, inserindo seus esquemas

motores, adaptação ao meio e interação entre

meio e organismo.

Como coloca Piaget (1973, p.89)

Assimilação eAcomodação estãomelhor explicados noCaderno I, como jáforam citados.

"Ora as duas grandes lições que a criança nos dá éque o universo só é organizado se ela tiver inventado,passo a passo, essa organização, estruturando osobjetos, o espaço, o tempo e a causalidade,constituindo assim uma lógica " .

Sendo assim, a Epistemologia Genética de

Piaget pode ser considerada, essencialmente,

o estudar da forma como se estrutura o

conhecimento, sua natureza e evolução, no qual

o desenvolvimento é uma construção

dependente do equilíbrio entre organismo e

meio, isto é, a construção de processos

cognitivos conforme suas estimulações. "O

desenvolvimento é uma construção do real,

para além do inatismo e o empirismo, e que é

o conjunto de estruturas e não uma acumulação

aditiva de aquisições isoladas" (PIAGET, 1973,

p.90).

É, portanto, a partir da adaptação orgânica

e intelectual ao meio que será possível a

construção e organização de processos

cognitivos os quais permitirão o compreender,

agir, pensar, ou seja, conhecer.

A Epistemologia constituiu-se durante muito

tempo na filosofia. Grandes filósofos

cientistas como Descartes, Leibniz, Kant,

Platão e Aristóteles, podem ser citados

como teóricos do conhecimento científico

que aprenderam a refletir suas próprias

ciências tornando possível uma maior

reflexão, reconhecendo, assim, a

Epistemologia.

Para saber mais sobrea teoria epistemológicade Piaget acesse o site:http://www.centrorefeducacional.com.br/estagios.html

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U N I D A D E A

Os estágios do desenvolvimentopara Jean Piaget e a Educação

3

Para Piaget, os estágios e períodos do

desenvolvimento caracterizam as diferentes

maneiras do indivíduo interagir com a realidade,

ou seja, de organizar seus conhecimentos

visando sua adaptação, constituindo-se na

modificação progressiva dos esquemas de

assimilação.

No entanto, é de extrema importância para

o seguimento da disciplina que façamos uma

releitura do que diz respeito aos estágios do

desenvolvimento para Jean Piaget.

Texto para complementaçãoPara aprofundarmos esta Unidade, nos

reportamos, na íntegra, ao texto original,

permitido pela autora Amélia Americano

Domingues de Castro, que foi escrito em 1990,

pois acreditamos na sua grande contribuição para

a formação profissional, uma vez que essa autora

produziu sua obra com originalidade, com

fundamentação científica, contribuindo para a

efetivação das transformações necessárias na

prática pedagógica do cotidiano escolar.

Fonte: CASTRO, Amélia Americano Domingues de. In.

Um olhar construtivista sobre educação Orly Zucatto

Mantovani de Assis et al. (organizadores). Campinas,

SP: R. Vieira, 2001.

Para saber mais sobreos estágios dodesenvolvimentocognitivo recomenda-mos a releitura dolivro: WOOLFOLK, AnitaE. Psicologia daeducação. Porto Alegre:Artes Médicas Sul,2000. p.40-52. OuReleia o cadernodidático de Psicologiada Educação I.

Educação eEpistemologia GenéticaVII Encontro Nacional de Professores do PROEPRE -

1990

Foi a partir do livro Didática Psicológica

(Aebli, 1951), que um grupo de professores

de Didática, da antiga Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da USP, do qual fazíamos parte,

descobriu Piaget e sua importância para a

Didática. Gosto sempre de lembrar que foi o

Professor Onofre de Arruda Penteado Júnior, que

teve o mérito de nos trazer a referida obra de

Hans Aebli, datada de 1951, com prefácio do

Mestre de Genebra. Mais tarde, outros autores,

e entre eles, Constance Kamii e Rheta DeVries,

começaram a relatar suas tentativas de aplicar,

em salas de aula, hipóteses piagetianas; mas

esse caminho, o de pensar pedagogicamente

Piaget, foi longo. Devo lembrar dois marcos que

pontuaram esse movimento em nossa terra. O

primeiro foi a tese de doutorado: "A solicitação

do meio e a construção das estruturas lógicas

elementares na criança" defendida em 1976,

pela Professora Orly Zucatto Mantovani de Assis,

que relatava uma tentativa pioneira no Brasil: a

de tratar, experimentalmente, um processo de

intervenção na escola, a partir de hipóteses

piagetianas. Esse trabalho teve continuidade por

intermédio do PROEPRE - Programa de

Educação Infantil e Ensino Fundamental;

iniciativa originada daquela primeira experiência

e que desabrocha hoje em auspiciosa realidade.

O segundo marco é a revelação da vitalidade

PROEPREPrograma de EducaçãoPré- Escolar,denominação adotada apartir de 1980 paradesignar o "processode solicitação do meio"que foi objeto deestudo da referida tese.

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da teoria piagetiana, após dez anos do

falecimento de Piaget, comprovada por este

Encontro. Lamentamos a falta do Mestre, porém

comemoramos, após dez anos da sua ausência,

a riqueza dessa teoria. Acontece, por vezes, que,

em lhe faltando o chefe, uma escola científica

se enfraquece e/ou se reduz. O que aconteceu

com os piagetianos, no entanto, foi talvez uma

dispersão, seguida de ampliação, ou seja,

daquela escola inicial que continua concentrada

em Genebra, originaram-se muitos e muitos

centros que estão participando de sua herança

e prosseguem pesquisando. O centro brasileiro

reuniu-se em torno de algumas universidades,

agregou outras entidades especiais e encontra,

hoje, dez anos depois, uma teoria que se

expande e que não ficou limitada ao que Piaget

nos deu durante sua vida, mas aos rumos que

traçou e que seus discípulos, inclusive aqueles,

às vezes, chamados de neo-piagetianos,

avançaram.

Focalizaremos, nesta oportunidade, alguns

aspectos da Epistemologia Genética, que

consideramos relevantes para fundamentar suas

relações com a Educação. Como é do

conhecimento dos leitores de Piaget, a intenção

inicial dele não era, exatamente, a pesquisa em

psicologia infantil . Interessado em

Epistemologia, Piaget queria saber como o

homem conhece, como se explica que,

nascendo um ser orgânico tão indefeso, pode

transformar-se em criador de ciência e

desenvolver sua mente, ultrapassando a

característica biológica da qual, no entanto,

continua participando. No entanto, deixemos

de lado esse aspecto e tentemos ver como essa

teoria pode ser útil à educação.

Ora, quando se trata de transpor uma teoria

como a de Piaget, que abrange a Epistemologia

e a Psicologia Genéticas, para outro campo, o

da Educação, ou seja, uma teoria que vai ter

suas hipóteses trabalhadas num diferente setor

da realidade, temos um perigo que é o da

traição. Podemos trair a teoria ou podemos trair

os problemas com os quais a confrontamos,

empobrecendo a ambos. Essa é uma questão

que nos ocupa sempre e exige muito cuidado.

Temos que ser fiéis, sem traições, fiéis àquilo

que é original na teoria, e fiéis também aos

novos problemas, no caso, os educacionais: não

podemos encaixá-los, simplesmente, na teoria;

temos que colocar as hipóteses dessa teoria e

Figura A.2: Construção do conhecimento através dos jogos

Rodr

igo

Oliv

eira

de

Oliv

eira

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U N I D A D E A

verificá-las no novo campo. Temos, hoje, uma

quantidade razoável de trabalhos de pesquisa

piagetianos, que nos fornecem novos dados

para pensar e agir em educação, mas temos

algo mais a nos ajudar, que é a própria evolução

da teoria. Possuímos os dados que podemos

dizer provenientes do "último Piaget" e dos

piagetianos que lhe deram continuidade e o

enriqueceram. Piaget dizia que ele próprio era

o maior revisor da sua teoria, de modo que ela

foi sendo construída e reconstruída no decurso

de sua vida. Na verdade, Piaget nunca se

contradisse, mas foi colocando novas aquisições

sobre os primeiros alicerces e integrando-as em

quadros cada vez mais amplos.

Algumas idéias nos servirão de fundamento

e, entre elas, a principal é a idéia do

construtivismo. Deixem-nos primeiro

recomendar um estado de alerta. Como outros

educadores, que descobriram Piaget nos

primeiros tempos de sua divulgação,

entendíamos que ele era interessante,

sobretudo por causa da teoria das etapas, já

que nos relata - a partir de experimentação

muito ampla, apoiada por suas idéias

fundamentais - como a criança percorre esses

estágios no decurso do seu desenvolvimento,

passando pelos períodos sensório-motor, pré-

operatório, operatório concreto e operatório

formal. Todavia, a teoria das etapas vem a ser

uma arma de dois gumes. Pode ser usada para

restringir a educação a dizer "não" ao pequeno,

afirmando que "não pode fazer tal coisa porque

não chegou ao período operatório", que ele não

pode atingir certos patamares de

conhecimentos, porque "ainda está no sensório-

motor"; no entanto, entendemos que essa é

uma atitude totalmente contrária à teoria de

Piaget. Pode, outrossim, ser usada de modo

positivo, pois a teoria das etapas é, sobretudo

a indicação de que há uma evolução que

acompanha a interação entre o indivíduo e o

meio e que, portanto, nós podemos ajudar a

criança a transpor pedagogicamente seu

caminho. Podemos incentivá-la ou desafiá-la a

transpor esses estágios e chegar à realização

máxima, plena, das suas potencialidades. Vemos,

pois, que a teoria das etapas tem seu lugar na

Epistemologia Genética, apesar de ter sido uma

derivação, uma inferência que provém do

construtivismo, sua ideia fundamental: o

princípio de que o desenvolvimento do ser

humano é construtivo, já que nem é pré-

moldado, nem modelado pelo meio. Aponta-

se essa força da ação, essa força da atividade

de que os seres orgânicos dispõem, para que o

sujeito, ao mesmo tempo, construa o mundo

para si e construa as suas estruturas para

conhecê-lo. A criança, pois, ao explorar o mundo

e construir a sua realidade, vai também elaborar

seus instrumentos de conhecimento. Vemos,

então, que, se o que existe de endógeno são

as estruturas biológicas, que permitem ao sujeito

essa capacidade de atuação, no entanto,

negamos a exclusiva atuação modeladora do

meio, impondo-se a idéia da construção,

explicada pela interação entre as estruturas do

sujeito e o ambiente no qual atua. É feita de

modo progressivo e no decurso do tempo,

acompanhando o desenvolvimento físico da

criança. A teoria das etapas é pois, necessária,

por esclarecer como, aos poucos, vai-se

construindo a inteligência, construindo um ser

moral, construindo um ser afetivo. Mas o que

passa a interessar Piaget nos últimos anos, não

são mais as etapas, pois ele já as havia

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investigado muito e sob todos os pontos de

vista, quando tratara da construção do tempo,

do espaço, da causalidade, do número, do acaso

e de tantas outras noções; porém, nos últimos

tempos, preocupou-se, sobretudo, com os

processos de construção. Como é que se dá

essa construção, através de que "mecanismos"?

Essas idéias de Piaget, que estavam em embrião

nos seus trabalhos mais antigos, acentuaram-

se nos mais recentes. Vamos recorrer a dois de

seus aspectos, pois a grande riqueza e

complexidade dos trabalhos da Escola de

Genebra não nos permitem traçar um panorama

completo. Esses dois aspectos do desenvolvi-

mento, como mecanismos construtivos, podem

ajudar muito o professor a organizar o seu

trabalho com as crianças: a abstração reflexiva

e a lógica das significações.

Primeiro, precisamos rever uma imagem

que Piaget elaborou (Piaget, 1974) para

simbolizar "a epigênese das funções cognitivas".

É a secção de um cone invertido, tendo na parte

interna uma espiral, cuja parte central simboliza

o desenvolvimento. As "voltas" da espiral seriam

as várias etapas, sabendo-se que as anteriores

não se perdem, mas são integradas nas

superiores. No corte do cone, vê-se um intervalo

entre a parte interna e a parte externa, e os

traços, que os preenchem, mostram a influência

do meio sobre as funções do sujeito e do

sujeito sobre o meio (nota-se que os traços se

entrecruzam). Vemos que, se essa espiral toma

esse aspecto de desenvolvimento, de amplia-

ção, de aumento de potencialidades, é porque

houve constante interação com o meio. Seria

possível fazermos mil traços cruzados, mostrando

as relações entre o endógeno e o exógeno na

construção das estruturas do conhecimento.

Figura A.3: Corte através do cone reverso que

simbolizaria a epigênese das funções cognitivas

Paul

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ésar

Cip

olat

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Oliv

eira

Ora, Piaget destaca a abstração reflexiva

como um processo de construção que estaria

presente em toda a imagem da espiral. A

imagem fala por si, não precisamos de outra,

mas devemos completá-la pelo que disse Piaget,

ao comentá-la, indicando que a abstração

reflexiva não depende apenas dos fatores

internos, mas também desse trabalho com o

meio. Conforme Piaget:

"Nesse desenvolvimento há constantemente, salvono ponto de partida, inato, interação entre osprocessos endógenos (que se ampliam sob o efeitoconstrutivo das abstrações reflexivas) e os processosexógenos ou utilização da experiência" (Piaget, 1974,pg.86).

Quando falamos em abstração, podemos nos

referir a qualquer idade da criança. Há quem

ache essa afirmação estranha, porque é comum

pensarmos em abstração como sendo algo

puramente interno, não nos lembrando de que

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15

U N I D A D E A

ela começa com o nosso trato com o meio, o

nosso debate com o meio. Então, entendemos

que o processo de abstração começa com o

bebê, começa com a criança muito pequena,

pois é o processo pelo qual a criança resolve

problemas novos que a realidade lhe propõe,

por meio das coordenações internas disponíveis.

É realmente um processo pelo qual ela

abstrai, embora, como diz Piaget, "nesses casos,

nada saibamos das tomadas de consciência do

sujeito". Todos os processos, pelos quais a

criança passa, exigem coordenações: co-

ordenação de ações, como, por exemplo,

coordenar as ações da mão com a visão, mas

também coordenação e reorganização de

estruturas em função de novos dados (Piaget,

1977). Temos aí todo o processo de abstração

que se desenvolve, mas precisamos lembrar

que, como a teoria de Piaget tem uma idéia de

aprendizagem muito diferente das outras,

conhecê-la é fundamental para nós

entendermos essa questão da abstração.

Quando surgiram os livros de Piaget sobre

abstração reflexiva (Piaget, 1977), voltamos a

rever outros, antigos, da mesma coleção (Piaget,

1959), que tratam de aprendizagem,

experiência e estruturas lógicas; pois, a teoria

já estava lá, quando Piaget nos falava de

aprendizagem. Sobre o assunto, o autor, que

contraria as idéias dos behavioristas ou

comportamentalistas, distingue dois tipos de

aprendizagem. Um deles se verifica quando

aprendemos por uma experiência direta sobre

as coisas; afinal, experimentar é fazer alguma

coisa e ter o resultado do que fazemos; fazer

alguma coisa ao real que nos cerca e ao real

que nós somos. Na mesma linha não podemos

nos esquecer, que cada um de nós é um objeto

entre outros, e que a criança experimenta

consigo mesma; por exemplo, quando ela junta

as suas mãos, quando está coordenando partes

de seu próprio corpo e faz experiência com a

sua realidade e com a realidade que a cerca.

Então, temos aí um tipo de experiência, que se

dá por abstração dita empírica e outra série de

experiências (que Piaget denominou lógico-

matemáticas) que se referem às coordenações

internas de ações. Nestas últimas, o objeto da

descoberta são as propriedades das ações do

sujeito. A aprendizagem, lato-sensu, como diz

Piaget, inclui a experiência empírica e a

atividade coordenadora do sujeito. As pesquisas,

que resultaram na obra de 1977, dão

continuidade e aperfeiçoam essas explicações.

Outro aspecto da teoria de Piaget, que vai

esclarecer questões de aprendizagem é

encontrado nos estudos sobre a lógica das

significações (Piaget, 1987), uma vez que as

coisas significam algo para a criança, e nem

sempre o mesmo que para o adulto, como todos

nós sabemos. Como os educadores de pré-

escola estão cansados de saber, se você

pergunta à criança: "o que é um copo?" ela diz:

é para beber água. Indica a utilidade que tem,

não descreve copo, não dá conceito de copo

em termos lógicos, passando-nos a idéia de para

que serve, do que eu posso fazer com isso; um

tipo de abstração que parece muito simples,

muito direto, exigindo, porém, uma consciência

ou uma tomada de consciência, não apenas

dessa realidade do copo, mas do modo pelo

qual se pode interagir com essa realidade; do

que se pode fazer com o objeto: pode ser um

copo para beber água, ou um copo para

quebrar. Conhecemos crianças que denominam

de "bolas de estourar" as bexigas ou balões

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cheios de ar, pois entendem que é essa a sua

"utilidade" ou "finalidade" deles. O processo

de abstração, portanto, não provém diretamente

das coisas, mas da nossa ação sobre elas, pois

vemos, no exemplo dado, que a criança está

se referindo à ação dela sobre o objeto. Como

na aprendizagem, envolve a ação sobre a

realidade e a coordenação das ações sobre a

realidade.

Vamos deixar um pouco de lado esse tema

para completarmos a questão da abstração.

Ficou dito acima, que abstraímos, diretamente

dos objetos, certas propriedades; mas, por outro

lado, temos certas abstrações que dependem

do que nós "fazemos", física ou mentalmente,

e não do que as coisas são. As coisas continuam

sendo o que são quando nós mudamos o seu

arranjo no espaço, quando observamos como

elas atuam umas sobre as outras sob o nosso

impacto (o que acontece quando a criança

empurra o carrinho, ou o que acontece quando

ela vira a direção da sua bicicleta, por exemplo)

e a criança vai, então, fazendo as suas abstrações

dentro das significações que tem. Queremos

chegar um pouco adiante. Já se pensou,

também, que a abstração (e isso é uma das

armadilhas da idéia de abstração) seja alguma

coisa eminentemente pessoal, isto é, se alguém

está refletindo, ou abstraindo; então, seria essa

uma atividade muito íntima, muito pessoal. Não

há dúvida de que há verdade nisso; porém,

parcial. Há duas faces na abstração: o fator social

e o fator pessoal. Se duas pessoas, por exemplo,

procuram resolver um "puzzle", elas podem

discutir, cada uma constatar a solução da outra

e o resultado ter contribuições diferentes, mas

reunidas numa solução conjunta. O fator social

na abstração é importante; pois, na

investigação, obriga-nos a uma abstração mais

coordenada, mais aprofundada, já que

precisamos satisfazer também a inteligência do

outro e dar as nossas explicações. Então, não

vamos cair nessa armadilha de que abstrair é

alguma coisa que nós fazemos só intimamente,

o que seria, ou uma fase posterior, ou o começo

de uma abstração, que depois poderá ser

exteriorizada. O fator social, pois, indica a

importância da "conversa" na escola, do diálogo

entre as crianças que permite a troca de

experiências e amplia a reflexão.

Figura A.4: Educadora observa a resolução dos

problemas

Andr

é Sc

hmitt

da

Silv

a M

ello

Page 17: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

17

U N I D A D E A

Rapidamente, vamos passar à parte que

gostaríamos de acentuar mais, a questão da

significação e da inferência, já que a abstração

nos permite ir além dos objetos e de suas

representações. A criança, a partir da função

simbólica, seu instrumento relacional mais

poderoso, vai ter conceitos, além de imagens

mentais, para trabalhar e usar logicamente.

Piaget investigou essa lógica, essas inferências,

de modo especial, no livro "Da Lógica da

criança à Lógica do Adolescente" (Piaget,

1955). Nessa obra, Piaget quer mostrar como

a criança passa das operações concretas às

operações formais, focalizando, então, a lógica

da criança maior e do adolescente, que procura

descrever em termos simbólicos. Todavia, o que

aconteceu de interessante, foi que Piaget, nos

últimos tempos, voltou novamente a atenção à

lógica da criança pequena, objeto de seus livros

mais antigos, o que nos faz entender melhor o

pré-escolar do zero a seis anos. Qual é a

diferença? Pois bem: quando falamos em

termos de lógica, numa situação mais avançada,

temos aquela idéia de que, quando pensamos

logicamente, fazemo-lo em termos de relações

entre os elementos que focalizamos pelo

pensamento, ou seja, há lógica, se as relações

forem bem colocadas. Nesse sentido, se a lógica

só se refere às relações, não há interesse pelos

elementos, podemos ter absurdos, e até

formulações consideradas completamente

doidas; pois, usando certas normas lógicas, eu

posso chegar a afirmar: "se a lua é um queijo,

então eu sou um gato", o que pode ser

logicamente válido, usando-se um cálculo lógico

bem feito, um cálculo de relações, partindo de

certas premissas e valores. Contudo, Piaget

mostra o seguinte: o adulto pode ser capaz de

aceitar essa lógica sem conteúdo na qual as

relações sendo certas, os cálculos lógicos sendo

certos, eu posso chegar a conclusões absurdas,

mas a criança, não, porque ela parte das

significações que têm os elementos. Citaremos

um caso, relatado pela Prof.a. Dra. Maria Teresa

Eglér Mantoan. Perguntou para Manoela se ela

sabia onde Piaget nasceu e como a menina já

tinha essa informação, disse que era na Suíça.

Thereza perguntou-lhe então: "- É perto?". "-

Não, é longe", respondeu Manoela. Nova

pergunta: "- Pode-se ir de bicicleta?" A menina

pensou um pouco e disse: "- Não, só de moto".

Ora, o raciocínio é perfeito dentro das

significações dela, pois sabia que era longe e

que a bicicleta significa um meio de transporte

usado para pequenas distâncias. A moto,

entretanto, "voa", pode ir mais longe e mais

rapidamente. Raciocínio perfeito dentro das

significações e das informações da criança,

incluindo o que envolve a comparação de

velocidades. É isso que Piaget nos esclarece na

sua lógica das significações. Relataremos outro

caso, muito curioso, que aconteceu com uma

criança de seis ou sete anos e que interessa à

questão da Educação Religiosa. A irmã mais

velha de um menino de onze anos, que era

impressionado com a questão da morte, estava

lhe explicando que, nesse caso, o corpo fica, e

a alma vai para o céu. Como ele não estivesse

entendendo, ela deu-lhe o exemplo, que tinham

dado a ela, dizendo: "- Olha, o corpo é como

uma roupa, ele fica e a alma vai". O irmão ficou

um pouco preocupado e perguntou: "- Mas a

alma vai pelada para o céu?". Vê-se que a idéia

de alma é um conceito com significação muito

fraca para a criança; uma significação muito

fluída, pensada talvez como um corpo dentro

Page 18: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

18

de um outro corpo. Essas histórias não são

anedotas, pois nos ensinam que nunca sabemos

exatamente qual é a significação que a criança

dá aos eventos relatados ou às realidades.

É das semelhanças de significação entre o

conhecido e o desconhecido que as crianças

tiram suas inferências e fazem seus raciocínios.

Num dos últimos livros de Piaget (Piaget,

1987), demonstra-se que a criança pode tirar

inferências quando há, pelo menos, alguma

semelhança, algum atributo semelhante entre

dois elementos ou mais; quando se pode fazer

uma comparação entre coisas diferentes e

encontrar alguma semelhança. Há experiências

curiosas na obra citada (Piaget, 1987. Em uma

delas pergunta-se à criança, diante de algum

objeto ou dispositivo: "- O que você pode fazer

com isso?". No caso de uma caneta, podem-se

obter respostas como: " -eu posso escrever, eu

posso cutucar, eu posso bater, etc". Quanto mais

velha a criança, maior número de significações

terá uma caneta. Em outros experimentos,

apresenta-se aos sujeitos uma série de bastões,

cada um com uma forma, e a tarefa da criança

é tirar, de dentro de uns recipientes de vidro,

os bichinhos de pelúcia que lá estão. Os objetos

têm formas diferentes. Um deles, por exemplo,

é um animal com a cauda enrolada que pode

ser enganchada no bastão conveniente; mas,

enquanto a criança não inferir a conexão entre

o rabo do animal e a forma do bastão vai fazer

tentativas infrutíferas, batendo, sacudindo, ou

exercendo outras ações na tentativa de retirar

o objeto, sem usar o caminho mais rápido, que

seria o de enganchá-lo ao bastão. O adulto

também atribui significações. Como já nos

referimos, diante da experiência de resolver um

puzzle, ficamos procurando a significação das

suas diferentes partes, para conseguir encaixá-

las. A questão da lógica das significações tem

muito a dizer aos professores. É fácil, por

exemplo, pedirmos para a criança dizer alguma

coisa sobre o que se pode fazer com certo

objeto, seja uma garrafa, uma caixinha, um

brinquedo, uma caneta, etc, pois vemos que

ela o faz em suas brincadeiras. Atribuem

significações a brinquedos, por exemplo. Há

pouco tempo, tivemos, em mãos, uma pesquisa

muito interessante que incluía a observação de

crianças trabalhando com o LEGO, material que

consiste em bloquinhos coloridos de plástico

que podem ser compostos entre si de diferentes

modos. Verifica-se a variedade de objetos que

as crianças constróem com eles e que, antes e

durante a construção, elas realizam abstrações

e vão elaborando significações, envolvidas pelo

aspecto lúdico da atividade. O jogo de

construção relaciona-se, na maioria dos casos,

com o jogo simbólico; pois, é comum que toda

uma história seja construída em torno da "casa"

que está sendo edificada. A criança mostra

evidências de processos de abstração e de

atribuição de significações na continuidade do

trabalho.

Por outro lado, as experiências dos

piagetianos nos mostram que é muito difícil para

a criança responder a questões sobre o que ela

não pode fazer com isto, o que isto não é. O

não é muito difícil para a criança, pois toda a

sua experiência é positiva, por referir-se aos

elementos com os quais interage. O não ser ou

não estar é para a criança uma realidade meio

nebulosa, difícil. Esse tipo de experiência pode

fornecer pistas muito interessantes para

atividades de pré-escola, para atividades nas

quais as crianças possam desenvolver a sua

Page 19: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

19

U N I D A D E A

capacidade de atribuir significações. Na

pesquisa acima referida, observava-se o trabalho

das crianças com o Lego, conversando com elas

e os desenhos que faziam, e que exigiam delas

abstrações e atribuição de significações. Certa

ocasião, após apreciar o desenho de um garoto,

a investigadora lhe disse: "- Olha, pegue aqui

sua folha", e o menino a olhou sem

compreender. Tratava-se de uma comunidade

rural e folha, para o garoto, era folha de árvore.

Outra conversa ocorreu quando os meninos

referiam-se a um pé de milho e alguém lhes

indagou: "- E esse pé que está aí debaixo da

mesa, dentro do sapato, o que é?" E as crianças

começaram com toda uma fabulação, ficaram

pensando, até descobrirem que há pé de gente

e pé de árvore, refinando assim uma

significação.

A Prof.a. Orly Zucatto Mantovani de Assis

relatou-nos o seguinte comentário de uma

criança: "- Que engraçado, pente tem dente,

mas o dente do pente não tem dor de dente".

Mencionou, ainda, que as professoras do

PROEPRE recebem orientação no sentido de

que, quando trabalharem com as crianças:

perguntando-lhes, que é isto?"; o que as faz

pensar nas propriedades dos objetos,

perguntarem também "o que isto não é?". E

descreve o caso de uma criança que, com seis

anos, numa atividade desse tipo, chegou à

negação lógica. Complementando, a Professora

nos disse: "- É coisa impressionante; se a gente

se preocupar em perguntar o que as coisas são

e o que as coisas não são, de repente, a criança

vai, num certo momento, compreender, por

exemplo, que essa garrafa não é tudo a não ser

ela mesma e quando ela chega a compreender

isso, a abstração reflexiva e a idéia de

classificação caminham bastante".

Nesse exemplo muito elucidativo, vê-se o

que é possível fazer na prática. A propósito,

queremos nos referir a um ponto muito

importante. É o seguinte: devemos estar sempre

alerta a respeito das possibilidades positivas da

criança e esquecer aquelas leituras superficiais

de Piaget, dando a idéia de que a teoria das

etapas era uma restrição feita à criança, ou de

que a criança não teria lógica. O próprio Piaget,

nos primeiros trabalhos, referia-se à criança

pequena como pré-lógica; mas, passou depois,

a falar na lógica da ação, numa forma de lógica

própria à criança. É também uma interpretação

errónea supor que uma criança, que está no

período pré-operatório, que não opera e não

conquistou ainda todas as formas de

conservação, não tenha inteligência. A

inteligência manifesta-se de vários modos e está

sendo construída durante toda a vida. As

crianças são mais inteligentes do que supomos

muitas vezes. A diferença, que vai ser examinada

nas últimas obras de Piaget, é a seguinte: a

criança é capaz de realizar todas as operações

lógicas descritas nos livros de lógica mais

avançados, mas tem grande dificuldade em

coordená-las. Realiza operações de modo

fragmentado e, é interessante verificar que, num

dado momento da meninice, no limiar da

adolescência, as operações tendem a reunir-se

e podem ser descritas por Piaget por meio do

grupo quaternário das transformações que

reúne as operações antes dissociadas. Tomemos

como exemplo a questão da inversão. Há uma

brincadeira que consiste em pedir a outra

pessoa (no caso, uma criança) que pense num

número, some três a ele, multiplique o

resultado por dois, some mais cinco (e pode

Page 20: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

20

prosseguir) e diga o resultado em voz alta.

Quando o adulto declara à criança que

"adivinhou" o número inicialmente pensado, ela

fica admirada. No entanto, ele pode incentivar

a criança a descobrir como decifrou a charada.

As crianças tentam fazê-lo, pensando que

alguma coisa tem que ser feita com aqueles

números que foram somados, subtraídos ou

multiplicados, mas a dificuldade delas é que

serão duas as inversões: inverter a ordem das

operações da última para a primeira e inverter

as operações (adição/subtração, multiplicação/

divisão). Existem outros exemplos: pedir ao

pequeno que construa uma espécie de

cogumelo com joguinhos do tipo Lego e depois

dizer como é que vai fazer para desmontar a

construção sem que ela desmorone. As crianças

chegam rapidamente à solução: começar

tirando os de cima com todo cuidado até chegar

aos primeiros que foram colocados. A dificuldade

surge quando o adulto pergunta o que há de

semelhante entre essa atividade e a

"adivinhação" do número acima descrita. A

inversão parece ser dificilmente abstraída.

Vemos, no entanto, que certas atividades e

certas formas de interação com crianças

acentuam comparações, favorecendo assim a

abstração. Na comparação, são necessárias tanto

abstrações diferentes para cada elemento

comparado, quanto significações igualmente

diferenciadas, o que exige raciocínios em dois

graus sucessivos. A comparação é uma atividade

de segundo grau; pois, de duas abstrações

resulta uma terceira. Perguntar à criança o que

há de semelhante ou de diferente entre tipos

de folhas ou plantas, exige que ela focalize

tanto diferenças (usualmente mais fáceis)

quanto semelhanças; desafiando seu raciocínio.

Devemos colocar, agora, uma questão

extremamente importante do ponto de vista

pedagógico: a relação entre as ações da criança,

a verbalização e o pensamento. Lamentamos

sempre que não se dê ao escolar maior

oportunidade de verbalizar seu pensamento;

pois, só quando o faz, é que podemos perceber

qual o nível de seu desenvolvimento em

abstração e significação. Rousseau já pedia aos

professores, no século XVI I I: "por favor,

conheçam seus alunos, ouçam seus alunos". A

tomada de consciência da ação revela-se

quando a criança consegue simbolizar por

palavras (ou por ações e construções) a

realidade e suas abstrações. O verbalismo na

escola era usualmente limitado à transmissão

verbal dos conhecimentos, devolvidos pelas

crianças também verbalmente; porém, a escola

antiga separava verbalização e ação. Hoje,

observa-se, no entanto, que é bem mais

eficiente que a criança tenha oportunidade de

acompanhar sua ação com a verbalização,

permitindo-se, assim, que ela se revele ao

educador e a si mesma. E o pensamento dela

onde está? Ele está presente, desde o começo,

desde a ação a partir da qual realiza abstrações,

que dizem respeito tanto às propriedades das

coisas, dos objetos, quanto às propriedades da

sua ação. Posteriormente, quando as ações

podem ser realizadas apenas em pensamento,

os adolescentes podem voltar a pensar seus

próprios pensamentos. Há um fato muito

conhecido: as crianças sabem ir à escola e voltar

dela, a algumas quadras distante de sua casa,

como são capazes perfeitamente de se

movimentar dentro da escola; mas, quando

pedimos que descrevam ao outro como o

fazem ou desenhem o trajeto, têm maior

Page 21: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

21

U N I D A D E A

dificuldade. A ação deve ser acompanhada por

abstrações e simbolizações, e a dificuldade se

acentua nas atividades de simbolização: falar

ou representar visualmente (desenho,

modelagem, montagem, dramatização, etc). É

de extraordinária fecundidade a integração

entre agir, falar e pensar, que funciona como

um caldo de cultura valioso para o

desenvolvimento.

Vamos ao final, pois falta-nos a referência

ao contexto sócio-escolar. Trabalhando sempre

com professores, com formação de professores,

colocamos o seguinte problema: qual o papel

do professor em todo esse processo?

Todo esse desenvolvimento, todo esse

incentivo para que a criança possa abstrair, possa

adquirir significações mais amplas e realizar

inferências, que é de grande importância para

o desenvolvimento das operações de classes,

séries, números, ou seja, dos instrumentos

lógicos do pensamento, que Piaget codifica já

na fase operatória, todo esse processo não

poderia ter sucesso, a não ser em casos muito

excepcionais, sem ajuda. Não nos esquecemos

de que tudo isso está sendo preparado desde

que a criança nasce e que, mesmo quando ela

só é capaz de fazer classificações parciais e

enumerações incompletas, está trabalhando

para compor a lógica mais abstraía. Seria capaz

de chegar sozinha aos níveis mais elevados?

Verificamos que a idéia de ajudar a criança

a se desenvolver parece ter surgido, com a

humanidade, na figura do educador, mãe, pai,

irmão mais velho ou membro da comunidade.

É muito antiga a idéia de que o adulto tem o

dever de ajudar a criança no seu

desenvolvimento, embora utilizando fórmulas

das mais diferentes. É certo que, nas sociedades

pouco complexas, não se definiu a figura do

educador, mas as que conhecemos (da

civilização ocidental) dele necessitaram.

Precisamos de professores. Quais são os

limites de sua intervenção? É melhor

perdermos o medo das palavras e dizermos que

a ação educativa é um processo de intervenção.

Piaget o reconhece quando diz que as crianças

se desenvolvem espontaneamente, mas

também se desenvolvem por meio das

experiências que preparamos para elas.

Podemos acrescentar que o desafio cognitivo

(ou moral) é uma das estratégias de ajuda mais

eficiente, mas não podemos esquecer que as

crianças desenvolvem-se também pela própria

interação entre elas. O PROEPRE oferece disso

muitos exemplos, incluindo o desenvolvimento

moral que acontece quando há liberdade para

que as crianças construam a sua autonomia

moral no decurso de seu convívio social sob a

orientação dos educadores. Sabemos, hoje, que

o problema do desenvolvimento intelectual é

paralelo ao problema do desenvolvimento

moral, com influências mútuas; resultando disso

que a criança trabalha, intelectualmente, com

a consciência moral e, moralmente, com as

construções intelectuais. Podemos exemplificar

essa problemática através do trabalho de

pesquisadora que trabalhou com adolescentes,

favorecendo a discussão de dilemas morais. Os

próprios alunos traziam-lhe os problemas, por

vezes extremamente sérios, envolvendo sexo

e drogas, além de conflitos de comportamento,

referentes às leis da escola e ao convívio entre

alunos e professores. Nesse trabalho, a autora

(Oliveira, 1989) teve bons resultados quanto

ao desenvolvimento moral, quando conseguiu

de adolescentes, alunos de curso noturno, uma

Page 22: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

22

discussão inteligente sobre esses temas, ou seja,

quando o intelecto passou a ajudar os jovens a

elucidarem as razões que tinham para serem

contra determinados comportamentos ou a

favor deles, para fazerem a crítica e a autocrítica

da parte moral da nossa sociedade e dos seus

próprios comportamentos. Isso não quer dizer

que possamos garantir que tais atividades levem

obrigatoriamente a uma mudança de conduta;

porém, podemos supor que os participantes

obtiveram visão mais clara dos dilemas

enfrentados, de modelos diferentes de

comportamento e que conseguiram perceber

quais os valores que estavam em jogo. Somos,

pois, compelidos a reconhecer a interferência

da inteligência na parte moral, mas vemos,

também, que a inteligência tem a sua moral.

Chegar a uma conclusão a partir de falsas

premissas ou com uma lógica falsa é uma

imoralidade intelectual, o que revela as

exigências morais da inteligência. Pode-se

concluir que, nas escolas, não estamos

trabalhando só com inteligência, só com moral,

ou só com o social: estamos sempre

trabalhando com a pessoa integral.

Chegamos agora a uma reflexão final.

Revisamos alguns aspectos da teoria piagetiana

que lançam hipóteses pedagógicas muito

importantes, muito fortes, muito poderosas.

Verificamos que temos tido pesquisa sobre

esses assuntos. São, no entanto, pesquisas que

dão conta de aspectos parciais do problema.

Falta-nos não só um acervo mais numeroso, mas

a própria coordenação dessas pesquisas.

Devemos também considerar que, no Brasil,

temos problemas peculiares, e apenas

começamos a verificar como as hipóteses da

teoria que acolhemos funcionam diante de

nossas condições. Na verdade, já temos aqui

muito trabalho sério que precisa ser reunido e

comparado, para que algumas conclusões

provisórias apareçam mais claramente. Não

obstante essa dificuldade, entendemos que já

estamos no momento de formular alguns

elementos de uma teoria pedagógica com base

piagetiana. Sobre esse tema, algumas questões

prévias devem ser colocadas. Por exemplo: que

perguntas temáticas teríamos que fazer a uma

teoria piagetiana para fundar uma teoria da

educação? Quais os conceitos principais dessa

teoria? Deveríamos, também, definir do que

trata essa teoria. Se optarmos por uma teoria

do ensino, uma teoria didática, esta deverá ser

coerente com uma teoria da aprendizagem. Ora,

a completa mudança no que se entende por

aprendizagem, efetuada por Piaget, obrigar-nos-

ia a alterar, também, o que se entende por

ensino. Devemos, pois, redefinir conceitos e

pensar em termos novos, ou melhor, em

significações diferentes para os termos

tradicionais da didática - o aluno, o professor, o

que se ensina, como se ensina, por que e para

que ensinar - formulando novos conceitos sobre

tais elementos didáticos. Tal redefinição poderá

exigir um novo conceito de "conteúdo", que

não será apenas matemática, história ou

geografia, ou dos objetivos atribuídos à escola.

Dar-se-ia mais importância a atividades que

ensinem a pensar ou a incentivar o uso do

pensamento pelo aluno. O ensino não se

confundiria com a aquisição de informações,

mas com a construção de conhecimento e com

o desafio ao pensamento. A teoria, que espero

seja um dia formulada, poderá ajudar o

professor, se conseguir deixar claros os princípios

nos quais se baseia: os mesmos do

Para maioresinformações sobreEpistemologia Genéticaacesse o site:http://www.escoladofuturo. com.br-page4.html

Page 23: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

23

U N I D A D E A

Com as leituras já realizadas sobre

Epistemologia Genética de Piaget faça uma

síntese da Unidade com os principais

conceitos abrangendo no máximo 20

(vinte) l inhas. Esta atividade será

disponibil izada no ambiente virtual,

conforme as orientações da professora da

disciplina.

construtivismo piagetiano. Deixamos a sugestão

para quem se interessar por ela.

Page 24: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

24

Page 25: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

Objetivo da Unidade:

UN

IDA

DE

25

A ESCOLASÓCIO - HISTÓRICAProfa. Fabiane Adela Tonetto Costas

Compreender as implicações da teoria Sócio-

Histórica na Educação e suas influências nos

processos de aprendizagem de pessoas com

Necessidades Educacionais Especiais.

Page 26: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

26

Introdução Essa unidade tratará da teoria Sócio-Histórica,

cujo fundador foi Lev Vygotsky. Os pressupostos

que corporificam essa concepção encerram um

caráter interacionista da relação aprendizagem-

desenvolvimento, pois consideram tanto o

substrato biológico quanto o entorno social na

constituição do ser.

Page 27: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

27

U N I D A D E B

O Autor fundadorLev Vygotsky

1

Figura B.1: Lev Semmionovich Vygotsky

Gui

lher

me

Esco

steg

uy

Lev Semmionovich Vygotsky nasceu em 1896,

em Orsha, na Bielo-Rússia, falecendo em 1934,

com trinta e oito anos. Durante seu curto

período de vida, produziu mais de duzentos

trabalhos científicos. Muitos desses até hoje não

foram publicados e outros acabaram extraviados

ou censurados no período estalinista, devido à

determinadas discordâncias ideológicas que se

contrapunham à ordem então vigente.

Formou-se em Direito e Filologia, na

Universidade de Moscou, no ano de 1917, em

plena Revolução Russa. As idéias marxistas

diretamente influenciaram suas concepções

sociais.

Devido ao fato de sua formação teórica

basear-se no marxismo, compreendia em

minúcias os meandros do método dialético,

conhecendo em profundidade os trabalhos de

Marx, Engels e Lênin, dos quais algumas idéias,

como o nascimento da consciência social, a

função das ferramentas e a atividade produtiva

nos processos de humanização e hominização

inspiraram-no a construir uma psicologia

dialética. Porém, essa psicologia dialética não

se originou apenas das idéias marxistas de

Vygotsky. Pode-se afirmar que ela vem a ser a

superação do pensamento psicológico presente

na Rússia daquela época, o qual estava pleno

do mentalismo de Wundt e do mecanicismo

de Pavlov.

Denominou a primeira da velha psicologia

e, a outra, denominou de psicologia objetiva -

behaviorismo norte-americano. Durante muito

tempo, elas estudaram as funções psicológicas

superiores como processos naturais, como

reduzidas a processos elementares ou chamados

inferiores, desprezando as particularidades e leis

específicas do desenvolvimento cultural

humano.

A psicologia vigente na União Soviética do

final do século XIX e início do século XX oscilava

entre dois grandes pólos. Por um lado, havia

uma psicologia cujas pesquisas visavam a

denotar seus resultados como produtos da

segmentação do espírito humano, obtidos de

maneira por demais subjetiva, e reduzidos a

sensações, sentimento de prazer/ desprazer e

esforço volitivo, atenção e associações. Por

outro lado, havia a psicologia objetiva, que

desconsiderava os aspectos qualitativos das

formas superiores do comportamento, não

vendo diferenças entre os processos superiores

e os inferiores ou elementares.

Dessa forma, todos os processos do

desenvolvimento estariam divididos em reflexos

associativos, diferenciando-se pela sua

amplitude e número de associações em uma

Page 28: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

28

cadeia de comportamentos. Aqui cabe ressaltar

as pesquisas elaboradas por Titchener (1914)

e Ach (1921) sobre as reações complexas, as

quais foram consideradas como excessivamente

descritivas por Vygotsky (1995). Elas não

explicavam as causas e a dinâmica do processo

de formação das funções psicológicas

superiores, porque dimensionavam o fenótipo

em detrimento da genética.

Vygotsky conhecia, por sua vez, em

profundidade, o pensamento psicológico que

estudava a atividade psicológica superior e as

unidades estruturais básicas das funções

adaptativas: os reflexos condicionados, em que

Pavlov analisava materialmente as funções

mentais, abordagem que ele não aceitava. Outra

idéia que se fazia presente no pensamento

psicológico daquela geração era o idealismo

inatista, que postulava estarem as funções

superiores incorporadas ao espírito do indivíduo

e, portanto, serem de origem interna e já

estruturadas ao nascer, sofrendo pouca

influência do meio onde se insere o indivíduo.

Ambas as correntes psicológicas, no entanto,

possuem rasgos comuns quanto a seu

procedimento metodológico, pois as duas

partem de uma análise que divide o todo em

partes, reduzindo formações e funções

superiores, desvalorizando os aspectos

qualitativos e enaltecendo os aspectos

quantitativos. Em suma, para Vygotsky, nenhuma

delas encerraria um pensamento científico

dialético, falhando na tentativa de explicar o

desenvolvimento, isto é, a construção das

funções psicológicas superiores.

Vygotsky (1986), por outro lado, entendia

que as relações, transformações e apropriações,

no que diz respeito ao desenvolvimento/

aprendizagem e, conseqüentemente, às funções

psicológicas superiores, ocorre de maneira

dialética e qualitativa.

Segundo Vygotsky, o desenvolvimento da

criança é um processo dialético complexo. Esse

processo caracterizado pela periodicidade,

irregularidade no desenvolvimento das

diferentes funções, pela metamorfose ou

transformação qualitativa de uma forma ou de

outra, pela inter-relação de fatores externos e

internos e pelos processos adaptativos que

superam e vencem os obstáculos com os quais

cruza a criança.

As "metamorfoses" do desenvolvimento

infantil o autor russo entendeu como sendo

intrínsecas ao desenvolvimento cultural das

funções psicológicas superiores. Essas

metamorfoses, os psicólogos da época muitas

vezes deixaram de considerar, mas, na

concepção vygotskyana, constituíam pontos

decisivos para a aprendizagem da criança.

Sob essa ótica, a aprendizagem é premissa

básica para o desenvolvimento qualitativo do

comportamento mais vinculado às funções

superiores. Logo, as funções superiores também

estão embricadas no desenvolvimento, porque

a construção dessas funções pressupõe uma

interação com o meio, objetivando a apropriação

e a internalização de instrumentos e signos, e

essa interação constrói-se pela aprendizagem.

Porém, Vygotsky (1986) salienta que a

aprendizagem é um processo que depende,

embora não de maneira absoluta, da maturação.

Mas é dependente, principalmente, das

relações que as crianças estabelecem com os

outros, mais especificamente com o adulto,

pois nessas relações interativas reside o seu

caráter social.

Page 29: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

29

U N I D A D E A

Sem dúvida, a maturação em si não produziria

as funções psicológicas superiores que se

utilizam de signos e símbolos, que em princípio

são instrumentos interativos cuja apropriação

exige inevitavelmente a ajuda e a presença dos

outros. Assim, o desenvolvimento das funções

psicológicas superiores necessita da

interiorização de conhecimentos, ferramentas

e signos que estão presentes no contexto em

que atua a criança, nas relações criança-criança

e criança-adulto social.

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2 Principais Conceitos

Funções psicológicas superioresPara analisar de forma clara as funções

psicológicas superiores do ser humano deve-

se, primeiramente, considerar o que Vygotsky

entendia ser uma psicologia dialética e verificar

qual o papel da atividade instrumental na

construção das funções supracitadas.

Vygotsky acreditava que uma psicologia

dialética pressupõe a unificação dos processos

psíquicos e fisiológicos do ser humano, sem,

contudo, que tais processos se fundam

totalmente. Para ele, os processos psíquicos são

de caráter evolutivo, demonstrando-se através

do aprimoramento dos processos cerebrais

(fisiológicos). Os primeiros (os psíquicos) não

se encontram divorciados destes últimos (os

fisiológicos), mas são de cunho qualitativo e

componentes das funções superiores cerebrais,

construindo-se ambos, como natureza

psicofisiológica, denominada por Vygotsky

(1995) de psicológica.

Luria (1988) entendia que o estudo dos

processos psicológicos superiores, proposto por

Vygotsky, leva a investigar de que modo os

processos naturais ou elementares se enredam

nos culturais.

Para que isso ocorra, é necessária a

interação com outros indivíduos, signos ou

ferramentas constituintes da humanidade. Esses

representam a cultura e a sociedade inseridas

em um contexto histórico. Ainda por essa razão,

Luria, referindo-se ao estudo psicológico de

Vygotsky, fez menção às três características nele

encontradas:

Instrumental

Devido ao aspecto mediador intrínseco, as

funções psicológicas superiores, ao inserir

estímulos auxiliares, em que os mesmos não

são apenas respondidos, mas transformados,

tornamse instrumentos na relação interpessoal

do indivíduo com quem ou com o que o cerca,

e, ainda, com quem ou com o que esteja fora

seu alcance;

Cultural

Acreditava que, no social, são gerados

instrumentos tanto externos, que se tornarão

internos em processo de apropriação e

interiorização, quanto internos que

permanecerão dessa forma para que os seres

humanos deles se utilizem para a execução de

tarefas sociais;

Figura B.2: Estímulos auxiliares (agenda)

Luca

s Fr

anco

Col

usso

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31

U N I D A D E B

Histórica

Considerava que os instrumentos dos quais a

sociedade faz uso foram construídos e

aperfeiçoados no transcurso da sua histori-

cidade, sendo determinantes na ordenação do

processamento cognitivo superior.

Figura B.3: Apropriação da língua escrita

Andr

é Sc

hmitt

da

Silv

a M

ello

Desse modo, Vygotsky (1995) percebia a

atividade instrumental como um elemento de

transformação do meio, e não simplesmente

como uma resposta ou reflexo a determinado

estímulo, sendo que essa atividade estaria ligada

ao conceito de mediação.

O uso de certos instrumentos auxiliares pode

possibilitar, a um só tempo, o desenvolver da

regulação da conduta reflexa e a própria

construção da consciência.

Não é equivocado afirmar que as ferramentas

e signos presentes em certo meio são quase

que indispensáveis para a construção da

consciência, assim como de qualquer objeto

da humanidade. Eles, signos e ferramentas

proporcionam a regulação do meio externo e,

conjuntamente, a regulação da própria conduta

e da conduta de outrem.

Deve-se levar em conta, assim, a função

mediadora intrínseca aos signos e ferramentas,

mas, ao mesmo tempo, considerar as diferentes

atuações de ambos na atividade humana.

Por intermédio dos signos que são

instrumentos psicológicos internos que

mediatizam o relacionamento do ser humano

com os outros e com ele próprio, Vygotsky,

afirmava que a análise dos signos é o único

método adequado para investigar a consciência

humana.

Figura B.4: Transformações e avanços na ferramenta para medição de tempo (relógio)

Luca

s Fr

anco

Col

usso

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C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

32

Vygotsky (1991) afirmava, também, que as

ferramentas têm como função conduzir a ação

humana sobre determinado objeto da atividade,

recebendo orientação externa, e estabelecendo

indispensavelmente transformações objetais.

Essa é uma forma de ação em que a atividade

humana externa é direcionada para controlar e

dominar a natureza.

Portanto, admite-se a expressão funções

psicológicas superiores, sendo referendada

através da presença conjugada das ferramentas

e o signos na atividade psicológica.

Assim, conforme Vygotsky (1991, p.62) "O

controle da natureza e o controle do

comportamento estão mutuamente ligados,

assim como a alteração provocada pelo homem

sobre a natureza altera a natureza do próprio

homem".

Explica-se, dessa forma, a maneira pela qual

o autor russo percebia o processo de

desenvolvimento do ser humano, ou seja,

dialeticamente interligado, em que aspectos

naturais afetam comportamentos e vice-versa,

transformando a cultura e o meio em que a

criança está inserida.

Pode-se descrever, ainda, como essas

apropriações culturais, através dos signos e

ferramentas, vão ocorrendo ao longo da

existência do ser humano. De início, a criança

precisa sobremaneira dos signos externos, mas,

no decorrer do desenvolvimento, as operações

com esses signos transformam-se: se antes havia

um determinante externo para a ação da criança,

com a mediação, esses signos passam a

interiorizar-se e orientar-se internamente.

O que se percebe é que a criança começa

a desempenhar melhor determinadas atividades,

tornando-se independente dos signos externos.

O que de fato ocorre é um processo de

interiorização de uma atividade, ou seja, "a

reconstrução interna de uma operação externa"

(VYGOTSKY, 1991, p.63). Assim, os signos

passam a ser elaborados predominantemente

de forma interna.

O processo de internalização representa, de

modo bastante ilustrativo, o desenvolvimento

espiralado que Vygotsky postulava e que

acontece por meio de mudanças consideradas

qualitativas.

Nesse contexto, o desenvolvimento não se

dá mais em estágios, em que um embasa o

posterior, não de maneira linear, mas, sim, em

espiral, retornando ao mesmo ponto a cada nova

revolução, em direção a um ponto superior.

E, desse modo, esse processo pode ser

descrito como:

1ª) Uma ação que, no princípio, constitui

uma atividade exterior, é reconstruída e passa

a acontecer interiormente. Para o

desenvolvimento de comportamentos

superiores, é relevante a mudança da atividade

que usa signo, cuja história e características são

representados pela evolução da "inteligência

prática, da atenção voluntária e da memória"

(VYGOTSKY, 1991, p.64)

2ª) Uma relação entre pessoas passa a ser

uma relação consigo mesmo. No processo do

desenvolvimento infantil, as relações se dão de

duas formas: primeiro em nível social e,

posteriormente, em nível individual; a priori com

os outros (interpsicológica) e, depois,

internamente na criança (intrapsicológica),

influenciando, também, a atenção voluntária, a

memória lógica e a formação de conceitos.

3ª) O câmbio das relações interpessoais para

relações internas do indivíduo resulta de vários

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33

U N I D A D E B

Zona dedesenvolvimento proximalPara a formulação de sua teoria, Vygotsky

(1988,1991) colocou como hipótese

fundamental a premissa de que o aprender da

criança é demonstrado muito antes de seu

ingresso em uma instituição formal de ensino.

Logo, aprendizagem e desenvolvimento não são

confrontados nos bancos da escola, aos 6 ou 7

anos de idade, e, sim, estão conjugados

praticamente a partir do nascimento do ser

humano.

O autor, dessa forma, através de suas

pesquisas, estabelece uma nova teoria que

prevê no ser humano uma área de

desenvolvimento proximal.

Para chegar a essa concepção, Vygotsky

analisou os processos de desenvolvimento e

aprendizagem, postulando que a aprendizagem

não é superposta ao desenvolvimento, nem é

procedente do mesmo. Mas, ao contrário, a

aprendizagem, por potencializar zonas proximais,

é anterior ao desenvolvimento, o qual se

estabelece interligado à aprendizagem.

Nesse contexto relacional entre ambos os

processos, ao mesmo tempo em que o autor

insere essa nova teoria a respeito da

possibilidade de aprendizagens em potencial,

torna-se imprescindível visualizar que o

desenvolvimento se constrói em dois níveis: o

nível real/atual/efetivo e através da zona de

desenvolvimento proximal.

Explicitando-os, pode-se afirmar que a

primeira engloba todas as ações efetivadas

individualmente: as funções superiores já

interiorizadas. Esse nível tem características

retrospectivas, pois demonstra o que o indivíduo

pode realizar sem ajudas externas. O nível real

acontecimentos efetivados no decorrer do

desenvolvimento. Isso quer dizer que, apesar

das relações interpessoais se modificarem, elas

não deixam de existir, elas geram funções

psicológicas superiores que permitem ao sujeito

operar internamente.

Em certas funções, como é o caso da língua

escrita, por exemplo, o nível de signo externo

cultural é permanente, mas, ao mesmo tempo,

é apropriado e interiorizado por processos de

mediação.

Outras funções avançam em sua evolução,

estabelecendo-se paulatinamente como

funções interiores, ganhando "status" de

processos internos.

Os conceitos científicos são um claro

exemplo disso, pois são interiorizados

mediadamente, através dos outros, pelo uso de

signos e ferramentas culturais, bem como em

atividades de instrução formal. Aqueles têm

como componentes fundamentais os conceitos

cotidianos, interiorizados de forma espontânea

pela criança em espaços anteriores à vida

escolar institucional, mas que não desaparecem

nem são anulados, e, sim, possibilitam as formas

superiores dos conceitos, os denominados

conceitos científicos.

Portanto, a concepção de que as funções

superiores constroem-se socialmente, de forma

mediada por signos e ferramentas, permite uma

nova abordagem na relação desenvolvimento/

aprendizagem, isto é, possibilita a percepção

de que a aprendizagem precede o

desenvolvimento, enquanto uma edificação

partilhada com outros.

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C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

34

pode ser percebido através de avaliações

psicológicas e educacionais.

A zona de desenvolvimento proximal pode

ser interpretada como a prospecção das funções

superiores que estão se construindo por meio

das inter-relações com outras pessoas, signos e

ferramentas. Essa construção interativa permite

observar a capacidade potencial desse indivíduo,

que, sem essas interferências, intencionais ou

não, por parte do adulto, não resolveria tarefas

que estariam "além" de seu desenvolvimento real.

Como os níveis de desenvolvimento real e

proximal evoluem dialeticamente de forma

espiralada e não linear, ou em degraus, pode-

se afirmar que, se uma criança desempenha,

num determinado momento, tarefas com

auxílio, quando essas funções se construírem

internamente ela passará a agir sozinha e o que

era proximal transforma-se em real e, assim,

sucessivamente.

Portanto, segundo Leontiev (apud

VYGOTSKY, 1991, p. 445), "o emprego deste

conceito teve aplicações práticas diretas para o

diagnóstico do desenvolvimento intelectual da

criança, que desde esse momento poderia se

efetuar tanto a partir do nível real como do

potencial".

Relacionando todas as discussões teóricas

elaboradas por Vygotsky (1986,1988,1991),

não se pode deixar de lado o papel do ensino

incluído nos processos de aprendizagem e

desenvolvimento.

Na sua visão, o ensino pode ser uma das

origens do desenvolvimento, porque, quando

o professor tem o conhecimento e a concepção

do aluno como um ser em potencial, articula

os conteúdos de maneira a motivar o

desenvolvimento deste (aluno), considerando

a aprendizagem como propulsora de todo o

processo de desenvolvimento.

Percebe-se, assim, que a adequada

organização do ensino visando à aprendizagem,

faz com que venham a emergir processos de

desenvolvimento. Logo, a educação, de forma

ampla, e, em particular, os professores, podem

beneficiar-se sobremaneira das descobertas de

Vygotsky, por sua ação direta no espaço escolar.

Ao estabelecer a concepção de

desenvolvimento em dois planos, real e

proximal, estando o segundo em um constante

processo dialético de concretização, sendo

ambos precedidos pela aprendizagem, os

professores terão a possibilidade de planejar

suas ações no sentido de "arranjar a

aprendizagem", pretendendo influenciar

diretamente nas funções que se estão

construindo na criança, visando a potencializar

seu desenvolvimento mental.

Visando abarcar a perspectiva dos

constructos da criança, bem como das

apropriações do adulto que se encontra em

processo interativo, Newman, Griffin e Cole

(1991) estabelecem uma ampliação do

conceito de zona de desenvolvimento proximal.

Para os autores a ZDP representa não apenas a

ajuda de um sujeito mais capaz, mas um lócus

em que significados são compartilhados e

negociados socialmente. Essa negociação pode

ocorrer na escola, onde professores e alunos

têm a possibilidade de agir conjuntamente,

repartindo e expressando suas compreensões

sobre um mesmo fato, conteúdo, objeto,...

Do mesmo modo que as crianças não necessitamconhecer a análise cultural completa da compreensãode uma ferramenta para começar a utilizá-la, oprofessor não tem porque dispor de uma análisecultural completa da compreensão que as crianças

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35

U N I D A D E B

Sob esse prisma potencializador, o ensino

deixa de embasar-se apenas no já estruturado

pela criança e no já testado pelo adulto, como

a comprovação do nível real retrospectivo de

desenvolvimento, mas pode e deve calcar-se

nos processos em formação, para organizar e

executar as ações pertinentes ao fazer docente.

Através dessas ações educativas e interativas

(interpessoais), o ensino age como instrumento

gerador e possibilitador da transformação dos

processos interpsicológicos em processos

tem da situação para começar a utilizar suas açõesdentro do sistema maior (NEWMAN, GRIFFIN e COLE,1991, p.80).

intrapsicológicos, transmutando as "zonas de

desenvolvimento proximal" em real,

desenvolvendo as funções psicológicas

superiores, e, conseqüentemente, novas

aprendizagens em todos os partícipes do enredo

educativo.

Após apresentar e dissertar sobre esses

conceitos propostos por Vygotsky em sua obra,

pretende-se que esses conceitos embasem e,

simultaneamente, corporifiquem o tema central

dessa pesquisa, qual seja a construção de

conceitos científicos na infância, o que será

abordado logo em seguida.

Page 36: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

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36

3 A relação entre linguagem eformação das funçõespsicológicas superiores

Apesar da teoria de Vygoysky (1993) englobar

todos os processos psicológicos superiores, ele

inicialmente se interessou pelo

desenvolvimento da linguagem em sua relação

com o pensamento, e, em sentido mais geral,

pela relação entre a linguagem humana e a

consciência. No trabalho de Vygotsky, esse

problema tornou-se a base de sua obra mais

popular: Pensamento e Linguagem.

A relação entre pensamento e linguagem,

onto e filogeneticamente , foi uma das primeiras

metas da análise de Vygotsky. Pensamento e

linguagem apresentam origens genéticas

independentes e evoluem no transcurso de

diferentes linhas. Em seu desenvolvimento

filogenético, não há correlação fixa. O intelecto

observado em macacos antropóides, assemelha-

se ao dos humanos em certos aspectos

(utilização de ferramentas), e sua "linguagem"

se parece com a fala humana em pontos

diversos (como função, como comunicação

social). Ontogeneticamente distingue-se o

desenvolvimento entre uma fala pré-intelectual

e um estágio intelectual pré-lingüístico no

desenvolvimento do pensamento. Essas duas

linhas de desenvolvimento tornam-se

entrelaçadas, em determinado tempo, em que

o pensamento torna-se verbal e a linguagem

intelectual. Ocorre, então, uma mudança

relevante rumo ao desenvolvimento cultural.

Nessa direção acrescentam-se as pesquisas

de Leontiev (1978) e Luria (1987 e 1991), os

quais entendiam que o transcurso filogenético

da conduta animal do homem, para a atividade

consciente, é resultante tanto do trabalho

socialmente dividido, como do surgimento da

linguagem. No trabalho, os seres humanos

relacionam-se, precisam de ordenação e

coordenação de ações, acontece o câmbio de

vivências e a transmissão do saber acumulado

pela humanidade e, conseqüentemente, a

necessidade de comunicação e, assim, a

linguagem.

Em seus primórdios, a linguagem era

expressa por meio de gestos e sons inarticulados

e pela entonação usada. Sua significação

dependia do contexto prático envolvente,

definido por Leontiev como "uma comunicação

material entre os homens" (1978, p. 87).

Luria (1987) entendia a linguagem inicial

como um sistema de códigos que simbolizavam

objetos e ações, vinculado à atividade prática.

No decorrer da evolução da humanidade, a

função comunicativa foi sendo incorporada, isto

é, foi surgindo a comunicação verbal, na qual

se inseria um sistema de códigos que permitia

o repasse de informações; entretanto, tal

comunicação era ainda muito atrelada ao

mundo prático.

A evolução da linguagem, desembocando

no que Luria (1987, p.45) denominou de

"códigos sintáticos complexos", permitiu ao

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37

U N I D A D E B

homem a construção de frases inteiras, que

possibilitaram o entendimento de qualquer

informação, alheia ao ambiente da ação prática,

o que, segundo ele, foi imprescindível para o

desenvolvimento da atividade consciente no

homem. Afora represar caracteres

comunicativos e transmissivos, a linguagem

proporcionou ao homem ir além dos aspectos

sensoriais, e conseguir operar mentalmente;

permitiu-lhe abstrair, generalizar, categorizar,

transformando, enfim, o pensamento abstrato

categorial.

A relação entre pensamento e linguagem,

sob o enfoque ontogenético, acontece de modo

mais complexo. Seu surgimento é diverso e

ambos possuem um transcorrer evolutivo

independente, não ocorrendo constante e

observável relacionamento entre eles.

Diferenciando fala pré-intelectual e

pensamento pré-verbal, assim como teorizando

que, enquanto a inteligência tem formas pré-

verbais, a fala também tem manifestações pré-

intelectuais (balbucio e choro), Vygotsky

(1993) percebe, aliado aos estudos de Köhler

e Bühler ( apud VYGOTSKY, 1997) que a

criança, muito cedo, já age com

intencionalidade, antes que a fala assuma o

papel de planejadora e reguladora de ações.

Charlotte Bühler apontou que crianças

menores de um ano de idade vocalizam,

visando a contatos sociais. Por volta de dois

anos de idade, as crianças demonstram um

novo processo mental: pensamento verbal e

fala inteligente, pois até essa idade pensamento

e fala encontravam-se separados, ou seja, a fala

pré-intelectual possuía uma função afetiva

(descarga emocional) e uma função social

(comunicação), em síntese uma fala afetivo-

conativa. A fala continuava, ainda, pré-

intelectual, mas o pensamento já tinha um

status pré-lingüístico.

Não se deve pensar simplesmente que há

um tempo no desenvolvimento em que as

linhas verbal e intelectual se unem. Um dos

grandes aportes de Vygotsky nas pesquisas

sobre a linguagem da criança, foi desvelar

"engajamentos" e "separações" entre as funções

verbais e intelectuais. Para tanto, torna-se

inadiável compreender a relação entre

linguagem e pensamento na construção do

pensamento verbal, o que remete ao significado

da palavra, pois a palavra é um ato verbal do

pensamento e vincula signo e generalização.

Ao compreender o signo e a generalização

como componentes da linguagem e do

pensamento, e como expressões das funções

social e intelectual da palavra, é importante

perceber a linguagem como um sistema

mediatizante, protagonizando o transmitir de

vivências e pensamentos de outrem.

Podem ser citadas três espécies de

linguagem: externa, egocêntrica e interna.

A primeira refere-se à fala para e com os

demais, como linguagem social. Conforme

Vygotsky (1993, p.112), "é a tradução do

pensamento em palavras, a materialização e

objetivação do pensamento".

A linguagem egocêntrica é uma fase da fala

que antecede a linguagem interna. Expressa-se

de modo externo, mas possui função e

estrutura interna. Sua evolução está ligada à

transição entre as funções interpsicológicas e

intrapsicológicas, e é atinente ao

desenvolvimento das funções psicológicas

superiores. Provém da coletividade do indivíduo

para uma atividade mais individual. Constitui-

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C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

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se em sentido descendente e transmuta-se em

linguagem interna. Extingue-se pelo progresso

de uma nova fala, a fala interior.

A terceira é a fala para si mesmo, fala

interiorizada em pensamento. Em termos de

estrutura. Sua forma é diminuída e abreviada,

predicativa. Com uma sintaxe própria, até certo

ponto desconexa, não completa comparativa-

mente a linguagem externa. Há a dominância

do sentido em detrimento do significado, da

frase sobre a palavra e do contextual sobre a

frase.

Essa fala aparece tardiamente e encerra

diversas mudanças, de uma linguagem externa

e audível passando a uma linguagem em

fragmentos e sussurros, que planifica e regula

ações, tanto em tarefas consideradas fáceis

quanto naquelas mais difíceis, para, finalmente,

tornar-se interna. Ao internalizar-se, essa

linguagem suscita a ação voluntária complexa,

a auto-regulação.

No princípio do processo de construção da

linguagem, a palavra encerra um caráter de

orientação da atividade do indivíduo em relação

aos objetos por ele percebidos por via sensorial.

Pode-se afirmar que a linguagem, nesse

momento, é bastante restrita em suas funções

e possibil idades, ocorrendo como uma

"comunicação prática". A apropriação histórica

e cultural acumulada depende da compreensão

individual do sistema de significações verbais.

Vygotsky (1993) propôs que o

desenvolvimento da fala segue certas etapas.

A primeira é chamada de "primitiva", quando

se apresenta pré-intelectual com pensamento

pré-verbal, desconectada de operações da

inteligência auxiliares da função verbal, e

desvinculada do desenvolvimento do

pensamento. Tem como características

expressivas o balbucio, o choro, as primeiras

palavras. A seguir, evolui para a denominada fala

psicológica ingênua, sucedendo-se o exercitar

da inteligência prática, quando a criança controla

a lógica da atividade do problema e a solução

em nível sensório-motor. Nessa fase, a fala

revela correção no uso de formas e estruturas

gramaticais, apesar de a criança ainda não

entender as operações lógicas que representam.

Figura B.5: Balbucio

Rodr

igo

Oliv

eira

de

Oliv

eira

O dominar da sintaxe da fala precede o

controle da sintaxe do pensamento. Pode-se

encontrar crianças usando formas semelhantes

- porque, se, quando - mas não percebendo as

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39

U N I D A D E B

relações causais, condicionais ou temporais. A

sintaxe do pensamento até este estágio ainda

está imersa em operações concretas, uma vez

que a sintaxe da fala está envolvida em tarefas

concretas e comunicativas. Já na terceira etapa

percebe-se o uso de símbolos externos

significativos como auxiliares para solucionar

problemas internos.

A criança conta nos dedos, usa ajudas

mnemônicas primitivas, etc, o que demonstra

a fala egocêntrica. Essa fala, de acordo com

Vygotsky (1993), e como já mencionado

anteriormente, é uma forma transitória entre a

fala comunicativa primitiva e formas verbais

mais maduras, apontando para o controle de

seu próprio comportamento e pensamento.

Enfim, a última fase tem como principal

característica a internalização e operações com

signos internos. O processo de interiorização

permite à criança operar com símbolos internos

significativos, por exemplo, resolvendo em sua

cabeça problemas de lógica e aritmética, sem

recorrer a manipulações com mediadores reais.

A fala também se internaliza, e silenciosamente

planifica ações intelectuais e verbais.

Considerando-se os estágios de

desenvolvimento da fala, há um outro aspecto

que, por sua relevância, não pode deixar de ser

Figura B.6: Fala egocêntrica

Rodr

igo

Oliv

eira

de

Oliv

eira

Figura B.7: Interiorização de signos

Rodr

igo

Oliv

eira

de

Oliv

eira

citado, qual seja a função reguladora da

linguagem.

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40

Já é de conhecimento que a fala,

inicialmente, tem uma função interpessoal,

facilitando o manejo de objetos, o controle

ambiental e o controle do comportamento

infantil. Posteriormente, estabelece-se uma

nova relação entre fala e ação, ou seja, vem à

tona a função reguladora da fala, que mostra

tendências a preceder a ação, agindo de modo

auxiliar, dirigindo e determinando o decorrer

da ação.

A função reguladora, num primeiro

momento, está ligada ao comportamento

voluntário, quando a criança se subordina ao

comando do adulto. A linguagem, aqui, mostra-

se aliada a gestos indicadores e colabora para

modificar a organização da atividade psíquica

do indivíduo.

Em segundo lugar, a criança passa a controlar

a linguagem e ordenar-se a si própria, auxiliada

pela linguagem externa. Por fim, essa linguagem

externa modifica-se, tornando-se interna e

evocando a função reguladora da conduta,

despontando, assim, a ação voluntária

autônoma mediada pela linguagem.

Portanto, a linguagem penetra em todos os

campos da atividade consciente do homem e

possibilita a transposição a patamares superiores

nos processos psíquicos, sendo responsável pela

formação da consciência. Ela duplica a

percepção do meio circundante, permitindo ao

homem manejar objetos, mesmo em sua

ausência, garantindo a transformação do que

antes estava atrelado aos sentidos para

operações intelectivas superiores.

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41

U N I D A D E B

4 Os períodos dodesenvolvimento e a educação

Conceitos científicos naconcepção de VygotskyVygotsky (1993) teve grande preocupação com

a formação dos conceitos na infância,

concluindo a respeito de sua existência e

desenvolvimento. Para ele, seria equivocado

pensar que a criança não encerra uma lógica

diversa e oposta à do adulto, assim como pensar

que, quando uma criança se utiliza de modo

acertado de algumas palavras do mundo adulto,

ela possua a mesma conceitualização do adulto.

Uznade (apud VYGOTSKY 1993, p.124) faz

algumas ressalvas nesse sentido: "... a palavra

pode adotar a função do conceito e pode servir

aos sujeitos como instrumento de compreensão

mútua muito antes de formar-se totalmente o

conceito"

O contemporâneo de Vygotsky entendia ser

necessária uma investigação para o que ele

denominou "equivalentes funcionais" dos

conceitos. Porém, havia certas complicações

metodológicas em efetivar tal investigação, pois,

como seu nome sugere, as representações pré-

conceituais das crianças são, muitas vezes,

funcionalmente equivalentes aos conceitos.

A funcionalidade, contudo, suporta a

diferenciação entre formas pré-conceituais e

conceituais de pensamento. Sakharov (apud

VYGOTSKY,1993) modificou o teste de

classificação de Ach (1921), contribuindo para

o êxito, em termos de instrumento, da coleta

de dados referentes ao processo de construção

conceitual .

O teste consistia no uso de vinte e dois

blocos de madeira, variando em cor, forma,

peso e tamanho. Em uma parte de cada bloco

estava escrita uma parte de quatro palavras sem

sentido: lag, bik, mur e sev. Apesar da cor ou

forma, lag foi escrita na parte superior dos

grandes blocos, bik em todas as grandes figuras

planas, mur em toda a parte superior das únicas

pequenas figuras, e sev nas figuras pequenas e

planas. No início do experimento, todos os

blocos foram espalhados no centro de um

quadro especial, com quatro áreas nos cantos.

O experimentador apanhou um bloco de

amostra, mostrou-o ao sujeito e leu seu "nome".

Depois que o sujeito foi instigado a selecionar

todos os blocos que poderiam pertencer à

mesma classe e lugar, deveria colocá-los nas

áreas dos cantos. Quando o sujeito terminava a

classificação, o experimentador apanhava um

dos blocos selecionados erroneamente, lia seu

"nome" e encorajava o sujeito a continuar

tentando. Então, a cada nova tentativa de

classificação, um outro dos blocos selecionados

erroneamente era recolocado e seu nome

revelado. Gradualmente o sujeito descobriria

que as características dos blocos referiam-se a

palavras sem sentido (KOZULIN 1990 e

VYGOTSKY, 1993).

O "método da dupla estimulação" tornou-

se conhecido no Ocidente como "teste dos

blocos de Vygotsky". É chamado de "dupla

estimulação", pois dois jogos interativos de

simulação estão presentes no teste. Um deles

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C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

42

é atinente às propriedades físicas dos blocos, o

outro a palavras desconexas, as quais, no

desenvolver da experiência, tornavam-se nomes

reais de um dado grupo de blocos.

O modo como os indivíduos manejavam o

jogo demonstraria como as duas funções, verbal

e não verbal, entrariam em contato, formando

um sistema funcional. O esboço do teste

permitiu que dinâmicas para a solução do

problema fossem desdobradas, da primeira

aproximação das tarefas a suas soluções finais.

A manipulação pelos sujeitos dos blocos em

diferentes estágios, para resolução de problemas

e suas respostas, serviu como indicadora do

nível de pensamento conceitual.

Uma das conclusões importantes da pesquisa

sobre formação de conceitos em crianças foi

que o grau elevado de soluções para problemas

verdadeiramente conceituais, acontece

somente na adolescência.

As crianças muito pequenas empregam

equivalentes funcionais aos conceitos,

diferenciados dos conceitos reais no tipo de

generalização envolvida e na maneira como as

palavras são usadas para designá-los. Vygotsky

(1993) concluiu que o momento central na

formação de conceitos e seu curso generativo

é um uso especial das palavras como

ferramentas funcionais.

Contudo, o estudo aponta três grandes tipos

de representações pré-conceituais: grupo

sincrético, conceitos complexos e potenciais.

Esses não podem ser confundidos, como etapas

naturais no desenvolvimento cognitivo da

criança, mas prestam-se para discernir,

metodologicamente falando, a mais evidente

maneira da formação de conceitos em certa

idade.

Indispensável lembrar que determinados

tipos de representações pré-conceituais são

retidas por crianças maiores e adultos, que,

muitas vezes, se utilizam as mais primitivas

formas de estratégia para solução de uma dada

tarefa. Suas opções, conseqüentemente,

tornam-se dependentes de sua interpretação

mais rudimentar.

A representação sincrética caracteriza a

primeira espécie de pensamento pré-conceitual.

As crianças juntam diversos objetos ou blocos,

o que para o adulto sugeriria um amontoado.

Esse aglomerado demonstra uma base difusa,

altamente subjetiva, rapidamente cambiável e

sem maiores dificuldades. A palavra, nesse nível

pré-conceitual, é tratada pela criança como algo

que designa a agregação de objetos isolados

aleatoriamente.

Figura B.8: Pensamento sincrético

Rodr

igo

Oliv

eira

de

Oliv

eira

Page 43: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

43

U N I D A D E B

A impressão ocasional faz com que a criança

perceba, pense e aja no sentido de unir diversos

elementos em uma representação mental

desconectada. Apesar da subjetividade e da

aparente desarticulação no amontoado de

objetos, esse processo demonstra certa

objetividade, pois acontece sob a égide de uma

determinada palavra. Isso garante que certas

palavras possuam o mesmo significado tanto

para o adulto, quanto para a criança.

O sincretismo, na formação de conceitos,

denota estágios anteriores, estando no início a

tentativa por ensaio e erro. A seguir, os

elementos são agrupados pela sua posição

espacial, conforme o posicionamento no campo

visual da criança. Em terceiro lugar, há a

abrangência dos sub-estágios precedentes,

porém os grupos são formados com base em

outras aglutinações efetivadas anteriormente

pela criança. A novidade está em tentar dar

novos significados a uma nova palavra.

Outro tipo de representação é o chamado

complexo. Em comparação com o grupo

sincrético, os tipos complexos servem como

equivalentes funcionais dos conceitos, porque

eles refletem relações realmente existentes

entre os objetos. Existe nos pré-conceitos

complexos uma vinculação entre seus

componentes, mas essa é concreta e factual, e

não abstrata e lógica. Exemplificando o exposto,

pode-se citar o nome da família "Souza", pois

todos os membros dessa família encontram-se

unidos por semelhanças genotípicas fenotípicas

comuns, o que demonstra que o tipo de

pensamento complexo ainda se percebe nos

adultos quando se referem aos componentes

de certa família por suas similitudes

exteriormente perceptíveis.

Qualquer conexão factualmente presente pode levara inclusão de um determinado elemento em umcomplexo. Enquanto um conceito agrupa objetosde acordo com um atributo, as ligações que unemos elementos de um complexo ao todo, e entre sipodem ser tão diversas quanto os contatos erelações que de fato existem entre os elementos.

Aprofundando o adulto, mesmo que já faça

uso do pensamento conceitual científico e

como forma superior de conduta, em certas

situações retornará ao pensamento por

complexo, pois, através dele, explicitará relações

objetivas de aproximação e ligação entre os

membros de certa família, tanto quanto as

crianças.

Apesar destas últimas ainda não possuírem

a objetividade do pensamento conceitual em

si, a criança que está nessa fase pensa como se

todos os objetos pertencessem a determinadas

famílias, ou coleções, que estão separadas, mas

que fatalmente podem relacionar-se.

Segundo Vygotsky (1993, p.141), há uma

diferença cabal entre um complexo e um

conceito:

Figura B.9: Pensamento por “complexos”

Rodr

igo

Oliv

eira

de

Oliv

eira

Page 44: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

44

Foram detectados cinco tipos de complexos:

o associativo; combinações ou coleções;

complexo em cadeia; complexo difuso e o

pseudoconceito.

No primeiro caso, a criança associa uma

determinada palavra ou objeto núcleo a todos

aqueles objetos que se encontram inseridos

em um determinado grupo, ou seja, se lhe

apresentam um triângulo e se ele for colocado

com um grupo de figuras geométricas, as

mesmas passarão a chamar-se triângulos, ou

ainda, se o objeto núcleo tiver a cor vermelha

a criança tenderá a incluir todos os objetos que

possuírem a cor vermelha no grupo. Assim, os

objetos poderão estar inclusos ao complexo

tanto por sua cor ou por sua forma. O que

interessa ao sujeito são as características

concretas do objeto as quais poderão ser

assemelhadas ou contrastadas, pois sempre

referem-se a uma conexão concreta.

Nas combinações ou coleções, o que ocorre

é que a criança pode eleger os objetos

contrastantes daqueles da amostra, por

exemplo: escolher um quadrado pela sua

espessura grossa. Sua "nova" coleção

provavelmente conterá diversos quadrados de

diversas cores, porém todos com espessura

grossa. O aglutinar por coleções origina-se da

experiência prática da criança, nas suas

interações culturais com certos grupos

funcionais, tais como lápis, borracha, apontador,

caneta, folhas; computador, disquete, mouse,

impressora; internet, sites, e-mail, etc.

O complexo em cadeia é a essência do

pensamento por complexos. É a união de vários

elementos que não apresentam relações entre

si. Não existe um atributo que irá definir a

escolha durante o processo, mas vários atributos

vão se tornando característicos dentro de uma

corrente de objetos. Por exemplo: num certo

momento, a cor pode ser o atributo regente,

em seguida a forma, depois a espessura,

dependendo da vontade da própria criança.

Num grupo de objetos concretos, certas

semelhanças quase que imperceptíveis poderão

estabelecer uma ligação entre dois objetos. Essa

seria a característica marcante do pensamento

por complexo difuso. Nesse caso, conforme

Vygotsky (1993, p.142), uma criança, para

combinar um triângulo amarelo poderia eleger

trapézios e triângulos, pelos seus vértices

cortados. Os trapézios levariam a quadrados, os

quadrados a hexágonos, que levariam a

semicírculos.

Por fim, vem a transição entre o pensamento

por complexos e a formação de conceitos

propriamente dita, isto é, os pseudoconceitos.

Eles ligam os complexos ao pensamento por

conceitos. Sem eles, as crianças não chegariam

a pensar em termos científicos. Porém, as

crianças que estão nesse estágio pré-conceitual,

principalmente aquelas em idade pré-escolar,

podem confundir o experimentador quanto a

já haver construído o pensamento conceitual.

Isso pode ser percebido quando se mostra a

uma criança um quadrado vermelho, por

exemplo, e ela pega todos os outros quadrados

existentes nos blocos. A probabilidade é de que

a sua ação orienta-se pelos aspectos perceptivos

da figura, o que ainda não é o pensamento

conceitual.

O terceiro tipo representativo é o "conceito

potencial", o qual carrega a função elementar

da abstração. Aqui a criança deverá ser capaz

de ater-se a apenas um atributo da amostra,

distinguir entre atributos essenciais e não

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45

U N I D A D E B

essenciais. Forma-se através do pensamento

perceptual, bem como do pensamento prático

(voltado para a ação). No primeiro caso, baseia-

se em impressões de semelhança e, no segundo

caso, em semelhanças vinculadas a significâncias

funcionais. Ele possibilita o desenvolvimento

de uma abstração isolada, presente em muitas

crianças pequenas.

A mais primitiva forma de abstração isolada

é mais um produto da formação de um hábito.

A associação de um atributo específico, tal

como a cor, pode ser condicionada e aprendida

quando consistentemente reforçada. A

abstração isolada, desse modo, é absolutamente

insuficiente para resolver problemas

conceituais. Para um problema obter uma

solução de cunho abstrato-conceitual, deve

estar complementado pela generalização, e esta

se evidencia somente no momento em que a

criança domina formas mais complexas de

raciocínio.

Desse modo, uma criança inicia a prática

de generalizações conceituais antes que esteja

consciente das operações envolvidas, o que

ratifica a idéia de que esse processo faz parte

da evolução intelectual da criança.

Para Vygotsky (1993), a criança já se

apropriou de termos como "conceito-em-si" e

"conceito-para-outros", anteriormente ao

"conceito-em-mim". A ocorrência desses

fenômenos remete às interações com os

adultos. Uma criança recebe muitas respostas

positivas a uma generalização pseudoconceitual,

suportando uma questão fundamental: a

natureza construtiva e dialética da

conscientização humana. A conscientização de

uma única operação cognitiva decorre da prática

de operações fenotipicamente similares e sua

descrição por outros.

Não se nasce com raciocínio conceitual, mas

este pode ser desenvolvido ao compartilhar

formas conceituais com outros. O raciocínio da

criança é construído interpsicologicamente, por

meio de coincidências entre as representações

das crianças e as do adulto. "A conscientização

humana aparece, assim, com uma construção

social, muito mais do que um instrumento

obediente da consciência do eu - consciente"

(KOZULIN, 1990, p.163).

Finalizando, pode-se dizer que a construção

conceitual, com vias a cientifização, transcorre

de dois modos seqüenciais. O primeiro ocorre

via representações por complexos; o segundo

se dá pelos chamados conceitos potenciais, e,

em ambos os casos, a palavra é intrínseca na

evolução e, a um só tempo, potencializa e

sintetiza conceitos reais.

Segundo Vygotsky (1993), os conceitos

cotidianos estariam mais vinculados a vivências

espontâneas, não organizadas, as quais se

realizariam no ambiente natural da criança, o

qual hoje pode ser bastante discutível, sendo

passível de novas investigações. Isso, visto que,

muito cedo, as crianças já ingressam em creches

ou pré-escolas, pois já existe grande

preocupação em tornar a educação infantil um

espaço de aprendizagens (OLIVEIRA, 1988,

1994; GARCIA, 1993; COSTAS, 1996).

Já os conceitos científicos formar-se-iam

através das ações intencionais do adulto, e,

principalmente, via instituições de ensino, via

atitudes mediativas. Eles estariam intimamente

atrelados à linguagem do adulto e seu discurso,

e resultariam das organizações do pensamento

espontâneo da criança.

Em vista disso, Vygotsky (1993) e seus

Page 46: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

46

auxiliares preconizavam que, em termos de

desenvolvimento, tanto os conceitos

espontâneos quanto os científicos, possuem

interfaces, inserem-se simultaneamente no

mesmo processo: a formação de conceitos.

Para comprovar seus postulados, Vygosky

(1993) revisou certos pressupostos teóricos de

outros autores, tais como Piaget (1923, 1924,

1926, 1927,1933) e Claparède (1934). Piaget

(1923, 1924, 1926, 1927, 1933, 1999), ao

tentar explicar o processo de conscientização e

controle do pensamento por parte da criança,

lança mão de duas leis da Psicologia: a lei da

percepção, formulada por Claparède, e a lei da

transferência.

A primeira lei foi elaborada através das

observações sobre semelhanças e diferenças,

sendo comprovada por Claparède. Perceber o

que é ou está diferente é um processo

antecedente à percepção de semelhanças.

Assim, a tomada de consciência surge mediante

o grau de dificuldade experimentado na

resolução de uma questão. Ao defrontar-se com

situações conflitantes, a criança conscientiza-

se, transpõe a ação para a linguagem, utilizando-

se da segunda lei. Ao fazer uso da linguagem,

ela opera mentalmente em um patamar

superior ao pensamento verbal. Esse é, porém,

um processo lento que poderia explicar o êxito

tardio da criança no uso conceitual

propriamente dito da palavra/linguagem.

Porém, no entender de Vygotsky (1993),

essas interpretações são falhas, pois é certo que

a criança percebe o que é diverso antes do

que seja semelhante. Isso se percebe pelo fato

de que, para se observarem semelhanças,

necessitam-se estruturas de generalizações e

conceitualizações mais aprofundadas, sendo,

assim, indispensável avocar um conceito e uma

generalização que englobem todos os objetos

que sejam semelhantes, ao passo que a

consciência da diversidade prescinde de certa

generalidade.

Ele partiu, assim, para investigações que

abarcassem aprendizagem e desenvolvimento,

encontrando quatro categorias delimitadoras: o

nível de desenvolvimento das funções psíquicas

que possibil itariam a aprendizagem de

conteúdos escolares básicos; a relação de tempo

entre aprendizado e desenvolvimento e a

evolução das funções psicológicas superiores

atinentes a esses; o processo de transferência

de treinamento, porém elegendo como

variáveis os conteúdos escolares basilares

aliados às funções superiores e, por fim, as

formas de mensuração do aprendizado infantil.

Vygotsky (1993, p.183) acreditava que:

O desenvolvimento do conceito científico de carátersocial se produz em processo de instrução, queconstitui uma forma singular de cooperaçãosistemática do pedagogo com a criança. Durante odesenvolvimento dessa cooperação amadurecemas funções psíquicas superiores da criança comajuda e participação do adulto.

Suas conclusões estabeleceram que, em

todas essas categorias analisadas, a

aprendizagem antecede o desenvolvimento e

potencializa-o, e que as ajudas externas, tais

como ferramentas e signos culturais e do adulto

social, possuem importantes papéis, como já

foi mencionado, atuando junto à zona de

desenvolvimento proximal, como mediadores

na aquisição dos conceitos científicos.

Shif (1935), sob a orientação de Vygotsky

(1993), passou a buscar respostas mais

sistematizadas sobre o desenvolvimento dos

conceitos cotidianos e científicos.

Page 47: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

47

U N I D A D E B

Um dos dados apontados pelo estudo

refere-se à conscientização da criança sobre os

conceitos cotidianos. Ela os estrutura mais

tardiamente, pois demora a definí-los com o

uso de palavras. Por exemplo: ao se propor uma

definição de carro a uma criança, ela dirá,

provavelmente, que ele serve para passear, irá

imputar-lhe sua funcionalidade e não sua

definição precisa, mesmo conhecendo-o e

interagindo com ele.

Porém, no caso dos conceitos científicos,

esses já são definidos verbalmente e usados

em situações de ensino escolar, mas carecem

de experiência particular, que passa a ser

adquirida ao longo da vida educacional formal

da criança.

Vygotsky (1993, p. 252) entendia que: "(...)

o desenvolvimento dos conceitos espontâneos

da criança é ascendente, enquanto o

desenvolvimento dos seus conceitos científicos

é descendente, para um nível mais elementar

e concreto".

Apesar de sua aparente oposição, que

envolve, além do exposto, sua origem, estrutura

psicológica e funções, ambos são deveras

próximos, pois uma criança adquire um conceito

científico quando houver certo

desenvolvimento de um conceito espontâneo

pertinente. Logo, explica-se o porquê da criança

pequena demorar a apropriar-se de conceitos

espaciais - como perto, longe - ou de tempo -

tais como ontem, hoje e amanhã - pois primeiro

deve desenvolver conceitos cotidianos, como

aqui, lá, agora, depois...

Outro aspecto importante diz respeito aos

conceitos inter-relacionados em sistemas.

Hipotetizando que o grau de generalização

conceitual depende da variável psicológica de

ordenação inerente a cada faixa etária, Vygotsky

(1993) percebeu que os conceitos são

generalizações, como também sua inter-relação

é uma generalidade. Exemplificando: a

classificação cachorro, mamífero, vertebrado. A

partir dessa relação, pode-se afirmar que a

criança já elaborou um sistema conceitual.

Determinante na equivalência conceitual, a

generalidade está presente nas operações

intelectivas de certo conceito, o que permite a

criança mais velha pensar sem usar palavras,

ação anteriormente bastante difícil. Logo, a

distinção entre conceitos cotidianos e científicos

está intimamente ligada à inexistência de um

sistema, ou seja, no uso de conceitos cotidianos

a criança não utiliza generalidades, ao passo que

nos conceitos científicos elas estão presentes.

Corroborando com essas afirmações,

acrescenta-se a função potencial da escola

formal na construção dos conceitos científicos,

mais especificamente dos conteúdos

disciplinares. Inserindo-se como parte

integrante dos conceitos científicos, a disciplina

formal modifica paulatinamente a estrutura dos

conceitos espontâneos, transformando-os em

sistemas, o que resulta em elevação do grau

de desenvolvimento infantil e, por fim, na

imersão da criança no mundo adulto.

Sob esse prisma, ao resgatar o papel da

escola, do ensino e do coletivo, como

mecanismo desenvolvente na construção de

conceitos científicos, Vygotsky (1997) sugeriu

uma outra questão importante em seus

trabalhos: a inserção de indivíduos, com alguma

espécie de necessidade especial, nos

estabelecimentos formais de ensino.

Seus trabalhos, efetivados entre os anos 20

e 30, profetizaram muito do que hoje já se

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C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

48

discute em termos de inclusão e integração

escolar e servem de suporte teórico para

diversas pesquisas na área de educação especial.

Enfim, a escola e a educação formal da

atualidade, ainda privilegia o conhecimento

científico e, conseqüentemente, as idéias de

Vygotsky (1993), no que tange a apropriação

de conceitos científicos, revestem-se de

relevante suporte teórico para a ação docente

com vistas a uma educação, de fato, inclusiva.

O papel da coletividadenos processos inclusivos:o olhar de VygostskyReconhece-se a existência de leis comuns no

estudo comparativo da criança dita normal e

da criança com necessidades especiais. Dessa

forma, as pesquisas com fins comparativos

devem atentar para estabelecer um duplo

sentido: entabular os aspectos comuns do

desenvolvimento infantil e desvendar

diferenciações nas variantes desse

desenvolvimento. Devido a isso, o ponto de

partida para o estudo está no que existe de

aproximado ou comum em termos de

desenvolvimento, para então resgatar as

particularidades referentes às crianças com

deficiência, levando em conta, nas

investigações, a função da coletividade como

fator de desenvolvimento da criança com

necessidades especiais.

Investigando o processo de

desenvolvimento da criança, na perspectiva

vygotskyana, constata-se que as funções

psicológicas superiores têm origem social, tanto

onto como filogeneticamente. Quanto à

filogênese, não ocorrem muitas celeumas, posto

que o pensamento, a linguagem, a memória e

a atenção observam uma evolução histórica

milenar que remonta a própria origem da

humanidade.

Já na ontogênese percebe-se que a

organização e a estruturação dessas funções

encerram um caráter social, de inter-relação e

mediação, de conduta coletiva interpessoal,

interpsicológica, num primeiro plano e, em

segundo plano, de conduta individual, como

adaptação pessoal, como processo interno,

intrapsicológico, refletindo uma dupla formação.

Como exemplo do exposto, Vygotsky (1995,

1997) faz menção à formação da linguagem

nas diferentes etapas filo e ontogenética, e sua

relevância na construção do pensamento verbal,

destacando a linguagem egocêntrica como

mediadora nos processos de interiorização e

internalização dos valores e conhecimentos

social e historicamente acumulados pela

humanidade.

No caso das crianças com necessidades

especiais, a deficiência ou o desenvolvimento

insuficiente das funções psicológicas superiores

torna imprescindível o encontro dessa

diferença, pois nela reside o cerne de toda a

psicologia da criança com defasagem.

Vygostky (1997) postulava que o

desenvolvimento incompleto dos processos

superiores não está condicionado pela

deficiência de modo primário, mas de modo

secundário, espelhado na esfera psicossocial,

e, por conseguinte, representa a escala mais

frágil de toda a rede de características da criança

com necessidades especiais. Logo, os esforços

pedagógicos devem ir ao encontro do

rompimento desse ponto fraco da cadeia.

Em conseqüência, o desenvolvimento

incompleto das funções superiores é uma

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49

U N I D A D E B

superestrutura secundária sobre a deficiência.

O desenvolvimento incompleto provém do que

se chama isolamento social da criança com

necessidades especiais. A separação social ou

a dificuldade de inserção social pode determinar

o desenvolvimento incompleto das funções

superiores, as quais, quando acontecem

seguindo a ordem das relações em sociedade,

estruturam-se diretamente através do processo

interativo da atividade coletiva da criança.

O uso de signos ou ferramentas, por parte

da criança com necessidades especiais,

mediados através do ensino, permite o domínio

de formas culturais gerais, tornando possível a

construção dos valores sociais e dos conceitos

existentes em determinado tempo histórico.

Então, quando através do ensino há a

valorização das atividades de caráter coletivo,

que envolvam crianças com necessidades

educacionais especiais, resgata o valor

incalculável da ação escolar, pois valoriza o

processo que regula e auto-regula a formação

dessas funções superiores.

Essa tese é comprovada por Vygotsky e seus

seguidores, os quais salientam que, nas classes

em que existe a presença de crianças com

diversos graus de deficiência mental, os

agrupamentos são mais estáveis e duradouros,

pois trabalham com a idéia de zona de

desenvolvimento proximal, ao contrário do

ensino mais tradicional, que privilegia classes

de crianças que contenham o mesmo nível

mental, ou seja, propõe o nível real como

parâmetro de desenvolvimento e de grupo.

Na criança cega, percebe-se o mesmo

problema de construção das funções superiores,

no que tange à coletividade, pois as tarefas

pedagógicas restringem-se ao adestramento do

tato e do ouvido, assinalando a relevância do

método visual-direto como pressuposto de

desenvolvimento.

O estudo da personalidade da criança cega

vem confirmando que a compensação da sua

deficiência não ocorre através das percepções

táteis, mas no campo dos conceitos, isto é, das

funções psicológicas superiores. E essa

construção só acontece mediada por relações

sociais. Desconsiderando-se as conseqüências

secundárias da cegueira, despreza-se a parte

mais frágil de toda cadeia criada em torno dessa

deficiência. Logo, eliminando-se a própria causa

do desenvolvimento incompleto das funções

superiores da criança cega, descortinam-se ante

ela possibilidades enormes e ilimitadas.

Como a Educação Especial daquela época -

e a atual de certo modo - não compreendia

que o horizonte cultural pode influenciar atrasos

e desvios tanto quanto as limitações biológicas,

Vygotsky nos remete as vias colaterais de

desenvolvimento cultural da pessoa com

deficiência visual, por exemplo, a escrita em

Método Braile.

Corroborando com essas teses, pode-se

apresentar a pesquisa de Carvalho (1998),

quando, ao coletar depoimentos de pessoas

cegas, percebe que estas apontam como

equivocada a crença de que a mais expressiva

forma de mediação a sua aprendizagem seria a

informação oral, acrescentando que uma das

grandes dificuldades por elas encontradas é a

falta de materiais bibliográficos em braile,

tornando-as dependentes de leitores das

gravações em fitas. Mas se por um lado os cegos

não querem sentir-se dependentes daqueles

que enxergam, por outro, eles valorizam

sobremaneira os trabalhos em grupo, pois ao

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50

ouvirem as conversas dos demais adquirem

novos conhecimentos, participam mais e

sentem-se mais considerados.

Quanto à questão da escolarização, os

pesquisados entendem que a escola especial

para cegos é imprescindível pelo menos até o

final do ensino fundamental, porque esse tipo

de instituição facilitaria sua socialização e os

deixaria mais seguros por estarem junto aos seus

colegas, sem, no entanto, os isolarem. Para

eles as escolas especiais devem visar um

intercâmbio constante com outras escolas

chamadas regulares.

Contudo, para o surdo, as vias colaterais se

traduziriam em novas formas de condutas,

excepcionais e sem precedentes, pois a surdez

seria um dos mais complicados problemas no

plano do desenvolvimento cultural.

Nos surdos, a importância de atividades

coletivas demonstra-se com maior ênfase,

porque a essas crianças, normalmente, falta a

fala, por conseqüência, convergem todos os

problemas particulares do desenvolvimento do

surdo. Vygotsky (1997) postulava que somente

a linguagem dentro da coletividade é fator

decisivo para o desenvolvimento lingüístico da

criança surda. Essa linguagem torna-se inerente

ao sujeito surdo, através da linguagem de sinais

e do bil ingüísmo, formas essas que se

constroem aproximadamente a partir do

primeiro ano de vida da criança, pois, quando

falta para a criança o feedback auditivo, por

volta dos seis meses de vida, os rudimentos de

sinais aparecem.

Carvalho (1998) encontrou depoimentos

bastante contraditórios nas suas entrevistas com

pessoas surdas. A maioria alegou como grande

dificuldade a aprendizagem, tanto na escola

como fora dela, o desconhecimento dos

ouvintes sobre a Língua de Sinais, ou a LIBRAS,

pois a comunicação acontece de modo

incompleto ou nem ocorre, devido a não

compreensão nem da fala do surdo, nem da

fala do ouvinte, ou seja, não há interlocução.

Especificamente na questão da

escolarização, os surdos revelaram que o uso

maciço da oralidade da língua dificultava o

entendimento dos conteúdos, considerando um

"verdadeiro martírio". Esses depoimentos, de

certa forma, contradizem as teses de Vygotsky

(1997), quanto a imprescindível inserção do

surdo na escola regular para a qualificação das

funções psicológicas superiores. Isso ocorreu

porque os entrevistados asseguraram que,

muitas vezes aprenderam a articulação de

palavras desconectadas de sentido qualitativo

pragmático, reduzindo a linguagem a sons

emitidos sem um significado de fala interna.

Conforme os surdos da pesquisa, com o uso da

língua de sinais e com a convivência com

pessoas surdas, ou com professores que

fizessem uso da língua de sinais, esses entraves

começariam a se superar.

Outro ponto em comum, levantado por

Carvalho (1998), diz respeito aos critérios

avaliativos da aprendizagem dos surdos. Quase

todos os entrevistados entendem que a escola

valoriza em demasia a forma em detrimento

do conteúdo, ou seja, mais especificamente a

estruturação das frases sobrepõe-se a seu

conteúdo, prejudicando-lhes a avaliação quanto

a notas ou conceitos.

Um único entrevistado fez menção à

importância da integração em escolas regulares,

confirmando as teses de Vygotsky (1997), pois

essas seriam de grande valia para aprendizagem

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51

U N I D A D E B

da leitura, embora ressalte a necessidade

constante de apoio especializado que suporte

os prováveis obstáculos comunicativos. Cabe

destacar que este sujeito é bilíngüe, formado

em dois cursos superiores e encontrava-se

desempenhando funções trabalhistas no INES

(Instituto Nacional de Educação de Surdos),

constituindo-se, talvez, em uma exceção em

termos de oportunidades e processos

mediativos referentes à escola.

Vygotsky (1997), dedicou-se não apenas às

chamadas deficiências de caráter orgânico

(deficiência mental, surdez, cegueira), mas ao

que ele classificava como crianças difíceis. No

seu ponto de vista essas crianças são

consideradas como fora da norma, por fatores

que vão desde as deficiências de origem

orgânica, passando por alterações funcionais,

como no caso de crianças que apresentam

psicopatias, delinqüências, indefinições de

caráter até os superdotados ou ainda os casos

difíceis por influências traumáticas do ambiente,

assim como aquelas crianças em que os fatores

psicológicos internos geram as dificuldades.

Em realidade, o estado de dificuldade

levantado pelo autor russo denota uma possível

e muito provável barreira à escolarização desses

sujeitos, pois ao encontrarem-se destituídos de

um "estado de normalidade" coerente e

condizente ao espaço escolar. Estes não estariam

aptos a receber e absorver os conteúdos

escolares, permanecendo à parte e segregados

de toda e qualquer ação mediativa advinda de

processos de imersão ao conhecimento

científico, introjetando um fracasso que não é

necessariamente seu.

A idéia de infância difícil, abordada por

Vygotsky (1997), pode ser entendida na

atualidade por diversos vocábulos que estão

aliados a certas áreas de conhecimento, tais

como a Medicina, Psicologia, Psicanálise,

Sociologia.

No entender de Corrêa ( 2001, p. 29):

Esses termos têm raízes nas concepções sobre ofracasso escolar: distúrbio é mais usado pelaconcepção médica; dificuldade ou deficiência pelavisão psicológica; diferença em contraste comdeficiência pela concepção sociológica; e problemapela concepção psicanalítica.

Observa-se que se modificam as

terminologias, avança-se no tempo, mas algo

permanece inalterado, o insucesso é algo

estritamente vinculado ao sujeito. É ele que

encerra o distúrbio, a dificuldade, a deficiência,

o problema. É do indivíduo que emergem as

celeumas no processo de aprendizagem. Em

alguns momentos muda-se o foco para o

ambiente, mas é quase que rotineiro atribuir-

se os prejuízos ao entorno familiar do indivíduo,

pouco se mencionando a função da escola

nesse possível fracasso.

Patto (1990, p. 123), já preconizava

semelhante pensamento, acrescentando que:

A escola pública é uma escola adequada às criançasde classe média e o professor tende a agir, em salade aula, tendo em mente um aluno ideal.Esse imaginário escolar e pedagógico instituído, nãosó ratifica, como também colabora para que haja amanutenção e "produção" de insucessos naaprendizagem, pois é evidente que poucas são asescolas públicas que atendem ao mínimo necessárioem termos de instalações e recursos materiais ehumanos.

E, quando possibilitam a seus estudantes

esse parco subsídio, carecem de outros aspectos

relevantes, tais como uma formação continuada

de seus membros, constante atualização

bibliográfica, bem como acesso às novas

tecnologias, hoje quase indispensáveis a uma

educação de qualidade.

Page 52: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

52

Ao se contextualizarem, aqui, as diversas

formas de deficiência, e os modos como a

coletividade as insere, foi necessário não só

buscar exemplos relevantes, mas

principalmente redimensionar o papel das

instituições de ensino como mediadoras no

desenvolvimento humano, e, em especial, nas

crianças com necessidades educacionais

especiais.

Se a escola se inclui na coletividade, todos

os indivíduos constroem seus processos

superiores em relações interativas. A construção

de conceitos científicos está no patamar das

funções superiores. Então, todo ser humano

poderá, desde que lhe sejam oferecidas

estratégias de aprendizagem, apropriar-se de

conceitos científicos, porque é através de

atividades de ensino que os mesmos são

apropriados pela humanidade.

Portanto, o papel que permite desenvolver

a coletividade, reside em disponibilizar-se a

incluir e interagir com todos aqueles que

busquem educação, independentemente de

credos, etnias, gênero, condições sociais, físicas,

econômicas, emocionais e, serem pessoas com

necessidades especiais.

Figura B.10: Coletividade e educação inclusiva

Rodr

igo

Oliv

eira

de

Oliv

eira

Page 53: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

53

U N I D A D E B

Considerando como referência o texto

desta unidade e as discussões nos fóruns,

responda o seguinte questionamento,

conforme orientações disponíveis na

agenda da plataforma, qual a relevância da

Zona de desenvolvimento proximal para a

formação das funções psicológicas

superiores e dos conceitos para pessoas

com necessidades educacionais especiais?

Page 54: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

54

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

Page 55: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

Objetivos da Unidade:

UN

IDA

DE

55

O DESENVOLVIMENTODIALÉTICOProfa. Ane Carine Meurer

Compreender as implicações da Teoria de Henri

Wallon e o desenvolvimento dialético da Educação.

Page 56: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

56

IntroduçãoDurante essa unidade trabalharemos a teoria

de Henri Wallon, procurando compreender

como suas pesquisas poderão auxiliar os

Educadores Especiais na reflexão de uma prática

pedagógica mais responsável.

Page 57: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

57

U N I D A D E C

Henri Wallon e odesenvolvimento dialético

1

Figura C.1: Henri Wallon

Paul

o C

ésar

Cip

olat

t de

Oliv

eira

Wallon nasceu em Paris, em uma família

republicana, nove anos após a proclamação da

Terceira República, nasceu em 13 de junho de

1879. Até completar 20 anos presenciou

inúmeros acontecimentos políticos em seu país,

como a Terceira Republica Francesa. Quando

deflagraram a Segunda Grande Guerra Mundial,

ele estava com 60 anos e conviveu com uma

França invadida pelos alemães. Até esse

momento ele é professor do Collége de France

e, em 1944, assumiu a Secretaria Geral da

Educação Nacional. Dedicou sua vida aos outros.

Foi acadêmico (dedicado pesquisador) e homem

político (tradição herdada do deputado e seu

avô também chamado Henry Wallon). Foi eleito

deputado em 1946.

Poderíamos dizer que a grande pergunta que

geriu suas investigações estava em decifrar

como um recém-nascido transforma-se em um

adulto. Nesse processo atribuiu um papel muito

importante à emoção e elaborou a teoria

psicogenética que é fundamental na sua obra

(ALMEIDA, 1999).

Wallon conviveu com duas grandes guerras:

a de 1914 e a de 1939. Na primeira guerra

mundial, participou como médico do Exército

Francês, cuidando de feridos de guerra. Com

essa experiência pode aprimorar pesquisas que

vinha desenvolvendo, principalmente em

relação às emoções. Numa releitura das obras

constata-se que Wallon trabalhou em dois

sentidos, o primeiro tratando da afetividade e

o segundo sobre a inteligência (ALMEIDA,

1999).

Wallon é reconhecido como o "psicólogo

da infância". Para que fosse contemplada a

grandeza de sua obra, seria necessário situá-lo

na história da Psicologia e compará-lo com as

obras dos outros psicólogos da infância. Assim,

Wallon não elaborou um sistema como Piaget,

nem mesmo colecionou fatos como Gesell, ele

foi um observador, um clínico, um homem de

intuição, um experimentador e, além de tudo,

um filósofo, um homem que sabe refletir

(ZAZZO,1968).

No início do séc. XX, os teóricos da

Psicologia compreendiam que a criança era uma

redução do adulto.

Page 58: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

58

Figura C.2: Crianças adultos em miniatura

Andr

é Sc

hmitt

da

Silv

a M

ello

Wallon, especialmente em 1925, esforçou-

se para explicar a passagem da criança ao

homem, descrevendo minuciosamente cada

etapa, interrogando e refletindo sobre cada uma

delas. Esse fato promoveu uma reforma "(...)

da nossa maneira de pensar ao contato das

coisas e para a sua conquista" (ZAZZO, 1968, p. 11).

Wallon criticava a psicologia idealista que

via o psiquismo como entidade incondicionada,

completamente independente do mundo

material. A forma de acesso a vida psíquica para

essa corrente é somente a introspecção, ou seja,

reflexão do sujeito sobre suas sensações e

imagens mentais, com isso reduziam o

psiquismo a vida interior. Esses psicólogos

argumentavam que a consciência é o ponto de

partida da psicologia e único meio de explicação

para a realidade psíquica. Entre eles encontrava-

se Bérgson. De outro lado, estão os materialistas

mecanicistas, que proclamam as bases

biológicas da ciência psicológica. Remetem as

explicações dos fenômenos psíquicos a fatores

exteriores, nessa perspectiva a consciência seria

decalque das estruturas cerebrais. "(...) O

homem é determinado fisiológica e

socialmente, sujeito, portanto, a uma dupla

história, de suas disposições internas e a das

situações exteriores que encontra ao longo de

sua existência" (GALVÃO, 1995, p. 28).

O materialismo dialético possibil ita a

compreensão das coisas em seu movimento de

formação e transformação. Essa posição

convergiu com a elaboração de uma teoria do

desenvolvimento da personalidade que

Page 59: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

59

U N I D A D E C

compreende o homem em seu constante devir

biológico e social. Assim, entre indivíduo e meio

existe uma relação recíproca e a influência sobre

o indivíduo não é do domínio biológico, mas

também social (ALMEIDA, 1999).

Wallon critica essas abordagens da Psicologia

e Filosofia, tentando superar análises

reducionistas e dicotomias. Comprovou que as

oposições criança X adulto, biológico X social,

indivíduo X sociedade precisam ser repensadas

e ultrapassadas, mas, ainda, precisam ser

localizadas a7s contradições reais,

argumentando que são essas contradições que

podem ser o motor da evolução da criança. Seu

método consiste em estudar as condições

orgânicas, sociais, e analisar como nessas

condições, se edifica um novo plano de

realidade que é o psiquismo, a personalidade.

Para ele, o materialismo dialético é a única

abordagem que permite a superação das

antinomias que entravam a objetiva

compreensão da realidade, uma realidade

híbrida e que permite a compreensão da

existência do homem como indissociavelmente

biológica e social, ou seja, dá-se entre as

exigências do organismo e as da sociedade, entre

os mundos contraditórios da matéria viva e da

consciência. Estudar o psiquismo humano deve

considerar todos esses fatores, sem tratá-los

como independentes. "(...) Para constituir-se

como ciência, a psicologia precisa dar um passo

decisivo no sentido de unir o espírito e a

matéria, o organismo e o psíquico" (GALVÃO,

1995, p. 30). Nessa concepção, o materialismo

dialético auxilia a psicologia a compreender a

realidade em constante transformação e

mudança. Portanto, esse passa a ser o método

por ele aplicado.

Propõe o estudo do desenvolvimento

integrado, onde os vários campos funcionais da

atividade infantil encontram-se contemplados

(afetividade, motricidade, inteligência).

Concebe o desenvolvimento do homem como

geneticamente social, processo que depende

das condições concretas, propõe o estudo

contextualizado, nas relações com o meio

(GALVÃO, 1995).

Para compreender o desenvolvimento

infantil não basta os estudos da psicologia

genética, é preciso ainda, recorrer a outros

campos do conhecimento, neurologia,

psicopatologia, antropologia e a psicologia

animal. Portanto, valeu-se de outras ciências,

tais como a patologia, a neurologia, a psicologia

animal e a antropologia (GALVÃO, 1995).

Wallon identifica nos mitos tentativas

racionais de explicação do real. Acredita que os

mitos estão calcados na objetiva diferenciação

entre a existência sensível e a imaginária. "(...)

Assim, aproxima o pensamento do "primitivo"

do pensamento científico (lógico) e o distancia

do pensamento infantil (...)" (GALVÃO, 1995,

p. 34).

Para que tenha uma outra visão da

abordagem proposta por Wallon leia o

conteúdo do site http://geocities.

yahoo.com.br/simaia psicopedagoga/

biografia_wallom.htm.

Depois de realizar as leituras, escreva o que

compreendeu em no máximo dois

parágrafos. Siga as orientações do professor

da disciplina disponíveis no ambiente

virtual.

Page 60: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

60

O estudo contextualizado da criança faz com

que se compreenda que, a cada idade ocorre

um tipo particular de interação entre elas e o

ambiente. Dessa forma, os aspectos físicos do

espaço, as pessoas próximas, a linguagem e os

conhecimentos próprios a cada cultura formam

o contexto do desenvolvimento. "Dependendo

da idade ela interage mais com um ou outro

aspecto de seu contexto, retirando dele os

recursos para o seu desenvolvimento. O meio

não é estático, mas transforma-se juntamente

com a criança" (GALVÃO, 1995, p. 39).

Os fatores orgânicos e sociais são

responsáveis pela seqüência fixa observada nos

estágios do desenvolvimento, mesmo que não

garantam homogeneidade. A duração de cada

estágio e as idades a que correspondem são

referências relativas e variáveis, em

dependência de características individuais e das

condições da existência. O biológico vai

cedendo lugar ao social. O meio torna-se

imprescindível para a aquisição de condutas

psicológicas superiores, como inteligência

simbólica. É a cultura e a linguagem que

fornecem ao pensamento os instrumentos para

a evolução. O desenvolvimento da inteligência,

e da pessoa não tem limite para terminar, as

funções psíquicas podem prosseguir num

constante processo de especialização e

sofisticação (GALVÃO, 1995).

Para a passagem de um estágio a outro, do

desenvolvimento, não ocorre simplesmente a

ampliação, mas reformulação, assim, nessa

passagem dos estágios pode ocorrer uma crise

que poderá afetar visivelmente a conduta da

criança. Portanto, o desenvolvimento não é

linear, mas pontuado por conflitos. A origem

dos conflitos pode ser exógena, quando

resultantes dos desencontros entre as ações da

criança e o ambiente exterior, estruturado pelos

adultos e pela cultura. De natureza endógena,

quando gerados pelos efeitos da maturação

nervosa. Os conflitos são propulsores do

desenvolvimento, fatores dinamogênicos.

Assim, os momentos de crise da criança, são

para ele os que merecem maior atenção

(GALVÃO, 1995).

Para Wallon, o pensamento infantil não se

organiza da forma como o do adulto. Na criança

o pensamento nasce a partir de impressões que

são despertadas, indistintamente, nos diferentes

campos, o da sensibilidade, o da lembrança, o

da experiência e o da intuição intelectual. O

ato mental ocorre quando esses diferentes

campos, inicialmente isolados, conseguem

coincidir. A criança tem dificuldade em delimitar

os conteúdos mentais e um certo conteúdo

pode impossibilitar o despertar ou o surgimento

de um outro. Há uma desordem no

pensamento que irá diferenciar-se e ordenar-

se entre si, a partir de complexos ora

perceptivos, ora de idéias, que são como que

uma região de sensibilidade, ou de pensamento,

que se organiza de forma difusa, e as relações

das partes podem ser ambíguas, polivalentes e

momentaneamente reversíveis. A representação

2 A formação dopensamento sincrético

Page 61: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

61

U N I D A D E C

da criança pequena, que não exige um interesse

ou necessidade imediatos, pode permanecer

nessa etapa (WALLON, 1989).

Para Wallon, o desenvolvimento da pessoa

ocorre em estágios e a construção é progressiva,

nesse sucedem fases com predominância

alternada entre aspectos afetivos e cognitivos.

Os estágios da psicogênese propostos por

Wallon são cinco e serão trabalhados,

principalmente, a partir do referencial de

Galvão (1995, p. 43). Os estágios são:

Figura C.3: Criança mantendo relações afetivas com a

mãe

Luca

s Fr

anco

Col

usso

Estágio impulsivo-emocional (0 - 1ano)

A emoção é instrumento privilegiado que

promove a interação da criança com o meio. A

afetividade orienta as reações do bebê com as

pessoas as quais intermediam sua relação com

o mundo físico. Como a criança ainda não

aprendeu a agir sobre a realidade, as suas

manifestações afetivas demonstram a

inabilidade que tem. A afetividade nessa fase é

impulsiva, emocional, que se nutre pelo olhar,

pelo contato físico e se expressa em gestos,

mímica e posturas.

Estágio sensório-motor e projetivo

(1 - 3 anos)

Figura C.4: Criança explorando o ambiente, (livros,

objetos)

Paul

o C

ésar

Cip

olat

t de

Oliv

eira

O seu interesse volta-se para a exploração

sensório-motora do mundo físico, a aquisição

da marcha e da preensão (ato de segurar, agarrar

ou apanhar) possibilita-lhe a ampliação da

Page 62: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

62

Estágio do personalismo (3 - 6 anos)

Figura C.5: Criança em interação

Andr

é Sc

hmitt

da

Silv

a M

ello

O principal aspecto a ser desenvolvido nesse

estágio é a formação da personalidade, ou seja,

a construção da consciência de si que ocorre

através das interações sociais. Assim, a criança

re-orienta o seu interesse para as pessoas

definindo o retorno da predominância das

relações afetivas. A afetividade nesse estágio

incorpora os recursos intelectuais,

principalmente a linguagem, desenvolvidos

durante o estágio sensório-motor e projetivo. A

afetividade passa a ser simbólica, capaz de ser

expressada por palavras e idéias podendo,

autonomia e o desenvolvimento da função

simbólica e da linguagem. O termo projetivo

empregado para nomear o estágio deve-se a

características do funcionamento mental neste

período, ou seja, o pensamento da criança ainda

precisa do auxílio dos gestos para se exteriorizar,

portanto, o ato mental projeta-se em atos

motores. Nesse estágio predominam as relações

cognitivas com o meio (inteligência prática e

simbólica). Nesse momento a inteligência

poderá dedicar-se a construção da realidade.

Principalmente no final do segundo ano de vida

a criança apresenta a fala e as condutas

representativas o que confirma uma nova forma

de relação com o real, isso fará com que a sua

inteligência se emancipe no estágio posterior.

Page 63: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

63

U N I D A D E C

também, dar-se a distância o que faz com que

a presença física das pessoas seja dispensável.

Estando a função simbólica e a linguagem

muito bem constituídas, inaugura-se o

pensamento discursivo. As primeiras

manifestações captáveis em diálogos

sustentados surgem a partir dos 5 anos, esses

estão revestidos de características que Wallon

denominou de sincretismo. O pensamento

discursivo é sincrético em sua origem. O

sincretismo alcança não só os conteúdos, mas

também, os processos do pensamento inicial,

assim como os próprios mecanismos de

assimilação e oposição indiferenciados de

maneira que duas coisas são simultaneamente

assimiladas e opostas. Ex.: O Sol é o céu, mas

eles não são a mesma coisa. A criança passa

por uma fase de latência cognitiva (inatividade)

nessa fase está ocupada em reconstruir o eu

no plano simbólico, a inteligência poderá

beneficiar-se dos resultados da redução do

sincretismo da pessoa (DANTAS, 1992). Nesse

momento, a criança está numa fase em que

ainda não construiu a capacidade de distinguir

relações, o que é objetivo e o que é subjetivo,

nem mesmo decompor partes de um todo.

Nessa fase a criança supera o sincretismo

no plano do pensamento, do discurso e do

objeto. Segundo Wallon a função da inteligência

para a criança e para o adulto está na explicação

da realidade. Explicar pressupõe definir. Wallon

entende que definir refere-se à capacidade de

atribuir qualidades específicas de um objeto,

resultando em integrá-lo a uma classe maior e

diferenciá-lo das classes vizinhas. Diferenciação

e integração constituem os processos básicos

envolvidos, que permitem retirar os objetos

da confusão sincrética e estabelecer com eles

uma relação nítida. Explicar é determinar

condições de existência, entendimento que

abarca os mais variados tipos de relações, entre

elas: espaciais, temporais, modais, dinâmicas,

além das causais stricto sensu (no seu sentido

restrito).

Portanto, a opção epistemológica de Wallon

está ligada a concepção dialética da natureza

onde tudo está ligado a tudo, além de estar

em permanente devir (vir a ser, definir-se).

Dessa forma, os interrogatórios a que as crianças

nos submetem representam também a fase em

que se encontra. Assim quando ela pergunta

"o que é...?" está referindo-se a definição do

objeto, situação. Enquanto que quando

pergunta "por quê?" "Como?" "Quando?"

"Onde?", está querendo uma explicação. Os

temas que aborda nas fases referem-se

diretamente as situações vividas e que são

diretamente percebidas pela criança. Assim,

entre os 5 a 9 anos de idade há uma redução

do sincretismo e a criança entra em um outro

estágio que é o que trataremos a seguir

(DANTAS, 1992).

Estágio categorial - a criança atinge esse

estágio por volta dos seis anos. Esse estágio

traz avanços no plano da inteligência, e, assim,

o interesse da criança passa a direcionar-se para

as coisas, para o conhecimento e conquista do

mundo exterior, imprimindo às suas relações

com o meio, supremacia do aspecto cognitivo.

A afetividade nessa fase torna-se cada vez mais

racionalizada, os sentimentos são elaborados no

plano mental, o que possibilita aos jovens

teorizarem sobre suas relações afetivas.

O estágio categorial contempla o que para

Wallon é a sua condição, ou seja, a qualidade

diferenciada da coisa em que se apresenta,

Page 64: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

64

tornada categoria abstrata, exigência sem a qual

não ocorre a definição e, conseqüentemente,

a elaboração do conceito. Essa fase permitirá a

atribuição de qualidades específicas de um

objeto, tornando-o distinto de outros, sem

carregar consigo os demais atributos do objeto

em que aparece. Essa fase nos reporta ao

exemplo: o barco é pesado, mas não pode ser

confundido com outras características do

mesmo barco, tais como o seu tamanho -

grande -. Essa relação tem que estar bem

compreendida, porque não estando, não

impossível chegar a solução de alguns

problemas, tais como: por que uma faca afunda?

O sincretismo começa por ser o do sujeito com

o objeto do discurso: mistura afetiva, pessoal

que refaz no plano do pensamento a

indiferenciação inicial entre inteligência e

afetividade. Wallon alerta que é necessário que

preservemos e disciplinemos o sincretismo, pois

dele dependem a possibilidade de combinar

idéias novas e originais (criatividade,

modalidades artísticas) (DANTAS, 1992).

Durante o desenvolvimento infantil, por

volta dos sete anos, quando ela expressa suas

idéias, escreve uma pequena história, faz uso

da linguagem descritiva, ou seja, os temas

referem-se a experiências que vivenciou, as

frases expressam conclusões muito presas aos

objetos. No entanto, quando começa a atingir

a capacidade de analisar o presente, o passado

e o futuro, imaginar sem necessitar da

concretude, suas idéias passam a expressar

conceitos, categorias e hipóteses que compõem

o pensamento discursivo (forma superior de

pensamento) (ALMEIDA, 1999).

Predominância funcional - a crise da

puberdade rompe a tranqüilidade afetiva do

estágio anterior. Impõe a necessidade de uma

nova definição dos contornos da personalidade

desestruturados em função das modificações

corporais resultantes da ação hormonal. Nesse

processo apresentam-se ao adolescente

questões pessoais, morais e existenciais,

trazendo uma retomada da preponderância da

afetividade.

O adolescente encontra-se em uma crise

construtiva que parte de uma ruptura profunda,

que se dá no nível somático e impõe toda uma

reconstrução do esquema corporal. Nesta fase

é preciso conviver com os novos apelos que o

corpo propõe e abrir-se para as novas definições

do eu. Nesse contexto o adolescente abre-se

para as dimensões ideológicas, políticas,

metafísicas, éticas, etc. A adolescência é para

Wallon um caso onde o interesse do jovem está

longe de ser impessoal e abstrato. Os seus

interesses são pessoais e ele envolve-se,

apaixona-se pelas causas que abraça (DANTAS,

1992).

Em algum dos estágios, há preponderância

dos aspectos afetivos, e, em outros o cognitivo.

Wallon denomina essa preponderância como

funcional, pois ocorre quando os objetivos e o

dispêndio de energia estão relacionados a um

dos aspectos. Assim, na sucessão dos estágios

há uma alternância entre as formas de atividade

que assumem a preponderância em cada uma

delas, por vezes são os aspectos do eu para o

mundo, das pessoas para as coisas e, assim por

diante. Essa variação denomina-se princípio da

alternância funcional. Apesar de alternarem a

dominância, afetividade e cognição não se

mantém como funções exteriores uma a outra.

Page 65: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

65

U N I D A D E C

O PRINCÍPIO DEINTEGRAÇÃO FUNCIONAL

(...) Este é um princípio extraído do processo dematuração do sistema nervoso, no qual as funçõesmais evoluídas, de amadurecimento mais recente,não suprimem as mais arcaicas, mas exercemsobre elas o controle. As funções elementaresvão perdendo a autonomia conforme sãointegradas pelas mais aptas para adequar asreações as necessidades da situação. No casodas funções psíquicas, o processo é semelhanteao das funções nervosas: as novas possibilidadesque surgem num dado estágio não suprimem ascapacidades anteriores. Dá-se uma integração dascondutas mais antigas pelas mais recentes, emque estas últimas passam a exercer o controlesobre as primeiras (...) (GALVÃO, 1995, p.46).

A integração funcional não é definitiva,

marcando os retrocessos que permeiam o

desenvolvimento, isso faz com que haja o

reaparecimento de formas anteriores mesmo

que já se esteja em um estágio bem mais

avançado. Isso ocorre inclusive na vida adulta,

pois o movimento pendular continua presente,

e assim, em determinados momentos da vida

nos voltamos mais para a realidade exterior e,

em outros, para nós mesmos. Essa alternância

de fases permite que haja, por vezes, a

tendência em acumular energia, e, em outras,

para o seu dispêndio (GALVÃO, 1995, p. 47).

Page 66: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

66

3 A importância daemoção no desenvolvimento

Para Wallon, as teorias clássicas

compreendem a emoção sob uma lógica

mecanicista, dessa forma, ele procura

compreende-las tentando "(...) apreender sua

função (...)" (GALVÃO, 1995, p.57).

As emoções são reações organizadas e que

desempenham função sob o comando do

sistema nervoso central. O fato de contarem

com centros próprios de comando, situados na

região subcortical, indica que possuem uma

utilidade. Se esse comando fosse desnecessário

nós não teríamos mais centros nervosos

responsáveis pela sua regulação. É a análise

genética que nos dá condições de compreender

o significado das emoções. No adulto, as

emoções são mais controladas, reduzidas e

subordinadas ao controle das funções psíquicas

superiores. Portanto, as teorias clássicas, quando

tratam das emoções na vida adulta, tendem a

enfatizá-las como ação sobre o mundo exterior

objetivo, salientando os seus efeitos sobre os

automatismos motores e a ação mental. No

entanto, quando Wallon começa a estudar a

criança revela que "(...) é na ação sobre o meio

humano, e não sobre o meio físico, que deve

ser buscado o significado das emoções"

(GALVÃO, 1995, p.59).

Constatou que a sobrevivência do bebê

depende dos mais experientes na cultura. Assim,

o bebê tenta de todas as formas desencadear

nos outros reações de ajuda, que satisfaçam as

suas necessidades. As reações de bem-estar e

mal estar dos bebês são interpretadas pelas

pessoas que convivem, interagem com ele,

acolhem essa linguagem e estabelecem

entendimento, comunicação afetiva, baseada

em componentes corporais e expressivos. Com

o tempo o bebê vai tornando as suas atividades

cada vez mais intencionais. Assim, os espasmos,

os impulsos passam a ser expressões de

afetividade (GALVÃO, 1995).

Os primeiros reflexos são reflexos tônicos de defesaou de atitude. Um contato (...) na pele provoca umaretracção ou um distenção atetósica do membro.Um ruído provoca um estremecimento, semelhantea esses bruscos relaxamentos do tônus que acarretapor vezes a sua súbita libertação pelo sono. Asinfluências das excitações labirínticas sobre ocomportamento do recém-nascido são evidentes.Elas podem ser suficientes para modificarsistematicamente a posição relativa da sua cabeça edos seus membros e explicam o prazer que elesente em ser embalado (WALLON, 1968, p.147).

É necessário que se distinga a emoção da

afetividade, pois não são sinônimos. A

afetividade é um conceito mais abrangente no

qual se inserem várias manifestações. As

emoções possuem características específicas

que as distinguem das outras manifestações da

afetividade.

Emoções são acompanhadas de alterações

orgânicas, aceleração dos batimentos cardíacos,

mudança no ritmo da respiração, dificuldades

na digestão, secura na boca. Elas também

promovem alterações no funcionamento

neurovegetativo, perceptíveis para quem as

vive, alterações na mímica facial, na postura,

na forma como são executados os gestos.

Externamente, é possível serem observadas as

Page 67: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

67

U N I D A D E C

modificações expressivas, pois elas apresentam

um caráter altamente contagioso e mobilizados

(Galvão, 1995, p.65-66). "(...) É a emoção que

estabelece a ligação entre a vida orgânica e a

vida psíquica" (ALMEIDA, 1999, p. 28).

As emoções, que são a exteriorização da

afetividade, provocam, assim,

transformações que tendem, por outro lado,

a reduzí-las. Nelas se baseiam as

experiências gregárias, que são uma forma

primitiva de comunhão e de comunidade.

As relações que tornam possíveis afinam

os seus meios de expressão, e fazem deles

instrumentos de sociabilidade cada vez mais

especializados. Mas, a medida que vão

tornando-se mais precisos, o seu significado

os torna mais autônomos, separando-os da

própria emoção. Em vez de serem a sua

onda propagadora, tendem a reprimí-la, a

impor-lhe diques que destroçam a sua

potência totalizadora e contagiosa (WALLON,

1968, p.152).

Nesse contexto, a afetividade nos bebês, é

vivida através de sensações corporais e expressa

sob a forma de emoções. Com o decorrer do

tempo e com a aquisição da linguagem, os

estados afetivos e os recursos para sua

expressão diversificam-se e ampliam-se. Com

esse processo, presencia-se o aparecimento de

manifestações afetivas como os sentimentos,

que diante das emoções, não relacionam-se

diretamente em alterações corporais visíveis.

(...) Ao longo do desenvolvimento, a afetividade vaiadquirindo relativa independência dos fatorescorporais. O recurso à fala e à representação mentalfaz com que variações nas disposições afetivaspossam ser provocadas por situações abstratas eidéias, e possam ser expressas por palavras(GALVÃO, 1995, p.62).

Wallon destaca o componente corporal das

emoções. As emoções podem ter relação com

a maneira com que o tônus muscular se forma,

se conserva e se consome. Assim, as emoções

relacionam-se a reações neurovegetativas e

expressivas e que se expressam no corpo. "(...)

A modelagem do corpo realizada pela atividade

do tônus muscular permite, além da

exteriorização dos estado emocionais, a tomada

de consciência dos mesmos pelo sujeito"

(GALVÃO, 1995, p. 62). Reconhecer esses

aspectos pode auxiliar na organização da

consciência pessoal do sujeito por intermédio

do grupo e ao conhecimento de si e dos outros.

Com suas pesquisas, Wallon concluiu que a

emoção é uma atividade eminentemente social,

nutre-se dos efeitos que causa nos outros,

reações que as emoções suscitam no ambiente

funcionam como combustível para sua

manifestação. Em situação de crise emocional

(sujeito mergulha completamente nos efeitos

da emoção e perde o controle sobre suas

próprias ações) a tendência é que os efeitos

da emoção se desvaneçam quando não houver

reações por parte do meio. "(...) Sem platéia,

as crises emocionais tendem a perder sua

força". (GALVÃO, 1995, p. 65).

Nas sociedades primitivas, o caráter

contagioso e coletivo da emoção tem

importância decisiva na coesão do grupo.

Por meio de jogos, danças e outros ritos, as pessoasrealizam simultaneamente os mesmos gestos eatitudes, entregam-se aos mesmos ritmos. Avivência, por todos os membros do grupo, de um

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C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

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A CÓLERA

único movimento rítmico estabelece uma comunhãode sensibilidade, uma sintonia afetiva que mergulhatodos na mesma emoção. Os indivíduos se fundemno grupo por suas disposições mais íntimas epessoais. Por esse mecanismo de contágioemocional estabelece-se uma comunhão mediata,um estado de coesão que independe de qualquerrelação intelectual (GALVÃO, 1995, p.65).

As manifestações emocionais coletivas

diminuem se o grupo dispor de outros recursos

(técnicos ou intelectuais) que lhes permitam

adaptar-se e unir-se ao meio. "(...) Tanto para

o recém-nascido como para as sociedades, as

emoções aparecem como forma primeira de

adaptação ao meio e tendem a ser suplantadas

por outras formas de atividade psíquica"

(GALVÃO, 1995, p.66).

A atividade intelectual que tem a linguagem

como instrumento indispensável depende do

coletivo. "(...) Permitindo acesso à linguagem,

podemos dizer que a emoção está na origem

da atividade intelectual. Pelas interações sociais

que propicia, as emoções possibilitam o acesso

ao universo simbólico da cultura" (GALVÃO,

1995, p.66). As emoções dificultam a reflexão

objetiva, embaçam a percepção do real

impregnando-o de subjetividade, dificultando

reações intelectuais coerentes e bem

adaptadas. A reflexão também é capaz de

reduzir os efeitos de uma crise emocional.

(...) no adulto: redução da emoção através docontrole ou da simples tradução intelectual dos seusmotivos ou circunstâncias; desordem do raciocínioe das representações objectivas provocadas pelaemoção. Na criança, é lento o progresso das suasreações puramente ocasionais, pessoais, emocionais,até alcançar uma representação mais estável dascoisas; e são contínuos os refluxos" (WALLON, 1968,p.153).

A partir de agora, estarei abordando aspectos

que Almeida (1999) traz a respeito das três

emoções básicas do ser humano, são elas: a

alegria, a cólera e o medo.

A alegria é reconhecida como uma emoção

positiva, prazerosa, uma das primeiras

sensações do bebê. Quanto mais a criança

cresce, amplia-se as formas de sentir prazer

(ondas de contrações que o corpo revela

ao ser que esta sendo submetido a carícias

ou a qualquer situação que lhe cause bem

estar). Durante o prazer, o tonos muscular

exaurem-se em espasmos e em

manifestações tônicas e glandulares.

A cólera apresenta-se através de espasmos

de origem visceral e motora. A intensidade

da cólera varia entre os indivíduos e

depende da excitação das mais diversas

origens. Para Wallon, a cólera pode surgir

em diversas circunstâncias, pela

exasperação de um incômodo sentido por

um objeto, por excitações corporais

(carícias excessivas), da incompatibilidade

entre a disposição postural de um indivíduo

e sua atividade profissional. O autor

distingue dois tipos de cólera: centrípeta

(ocorre mais em crianças e mulheres, nela

o objeto da cólera é o próprio indivíduo) e

a projetiva (objeto da cólera é o meio, o

outro, as coisas, pode ser considerada como

forma mais socializada e evoluída de

manifestação).

A ALEGRIA

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69

U N I D A D E C

O medo é, para Wallon, a primeira emoção

sentida pela criança. Ela ocorre pela

precoce sensibilidade labiríntica do bebê.

Existe uma relação particular entre o medo

e as reações de equilíbrio, portanto, ele

ressurge toda vez que ocorre uma ameaça

ao equilíbrio. O medo surge em função da

incapacidade de reagir e da ausência de

controle das atitudes. Apresenta-se na

criança motivado pela mesclagem de

situações, pessoas, coisas novas que

diferem do habitual. O medo pode variar

em função do conhecimento ou não dos

estímulos ambientais. Assim, quando se

prevê os riscos de determinada situação,

ela poderá promover angústia ao passo que

a surpresa pode trazer pavor.

Para Almeida (1999), a emoção e a

inteligência convivem em contínua relação, são

pares que alternam-se porque são ao mesmo

tempo antagônicos e complementares.

O MEDO

Emoção e inteligência são duas propriedadesinseparáveis da atividade humana; quando não serevelam é porque se encontram em estado virtual.(...) convivendo em estado de perfeita comunhão,quando uma sobressai na atividade, é porque aoutra encontra-se eclipsada. Dessa relação decomplementaridade entre a emoção e a inteligênciadepende o desenvolvimento do sujeito. (ALMEIDA,1999, p.82).

Se a emoção é o que colore a vida do

indivíduo, o grande desafio é equilibrar a razão

e a emoção. Um estado emocional pode

impedir que o sujeito exerça determinada

atividade cognitiva. Um exemplo disso são as

provas (concursos, cursos) que, em função da

ansiedade, medo, podem pôr em risco anos de

estudo e dedicação. Wallon sugere que o

equilíbrio ocorre em função da serenidade, ele

efetiva-se quando o indivíduo consegue manter

a racionalidade, ou seja, a ativação dos centros

corticais. A conseqüência da serenidade é um

maior amadurecimento tanto da afetividade

quanto da inteligência.

Wallon afirmou que antes mesmo do

nascimento da inteligência, a criança já possui

afetividade. A afetividade manifesta-se nos

gestos da criança, mesmo que esses sejam

primitivos, mas vai complexificando-se até

atingir comportamentos mais complexos de

ordem moral. A princípio são gestos, descargas

musculares e mais tarde a comunicação

diversifica-se através da linguagem, a palavra

vai ocupando cada mais espaço na vida da

criança fazendo com que a linguagem constitua-

se pouco a pouco o meio de sensibilização da

criança. O diálogo do toque vai sendo

substituído pela comunicação oral, torna-se

importante para ela ouvir e ser ouvida, ser

elogiada (ALMEIDA, 1999).

A vida afetiva da criança começa com a mãe,

dessa forma, a princípio, organiza-se por uma

simbiose de ordem fisiológica (vida embrionária

e fetal) e vai gradativamente sendo substituída

pela simbiose afetiva com a mãe. Essa última

ocorre a partir dos três meses, quando os laços

afetivos se intensificam através de gestos,

sorrisos e sinais de contentamento. Aos seis

meses, os laços afetivos tornam-se tão

importantes quanto a alimentação. Com a

entrada em grupos sociais distintos da família,

principalmente através do ingresso na escola,

ocorrem conquistas afetivas entre elas, a

diferenciação de si e do outro, construindo bases

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para a construção do eu (ALMEIDA, 1999).

Quando começa a operar o conflito entre a

emoção e a razão, aparece um outro tipo de

afetividade, a de ordem moral. Assim, quanto

mais habilidade a criança adquire no campo da

racionalidade, maior será o seu

desenvolvimento da afetividade. Com isso, o

progresso das representações mentais é que

dará sustentação ao surgimento dos

sentimentos e da paixão (ALMEIDA, 1999).

Quanto maior for a idade da criança, mais

complexas serão as relações afetivas dela.

Assim, na puberdade, as transformações atingem

principalmente o campo moral das relações

com o outro, ou seja, o adolescente defronta-

se com o meio e passa a questionar os valores

e as relações sociais. Enfrenta um processo de

transformação e experimenta os mais diversos

sentimento e paixões, entre eles as

modificações corporais conseqüentes da

maturação sexual. Ele procura autoconhecer-

se, integrar-se como pessoa e, assim, enfrenta

vários desequilíbrios, entre eles, sente-se

seduzido pelo outro, mas também o despreza;

é egoísta, mas também é altruísta. A afetividade

tende a tornar-se mais moral, minimizando a

influência orgânica (ALMEIDA, 1999).

A afetividade é um termo abrangente que

inclui sentimentos, estados subjetivos mais

duradouros e menos orgânicos que as emoções,

portanto, integra relações afetivas como a

emoção, a paixão e o sentimento (ALMEIDA,

1999).

A emoção refere-se a um estado fisiológico

e efêmero. É a manifestação de um estado

subjetivo com componentes orgânicos; é a

expressão própria da realidade. Ex: cólera,

medo, alegria tristeza.

A paixão pode aparecer mais tarde, por volta

dos 3 anos e, através dela, a emoção pode

ser controlada. Exige autocontrole da

criança.

O sentimento éideativo, duradouro.Caracteriza-se por serpsicológico, revela umestado maispermanente. Ex.: ódio.

Leia os sites a baixo e colabore com as

discussões no fórum de discussões,

conforme as orientações do professor da

disciplina, disponíveis no ambiente virtual.

h t tp ://www.educacaoonl ine .pro .br/

o_que_e_afetividade.asp?f_id_artigo=370

h t t p : / / n o v a e s c o l a . a b r i l . c o m . b r /

i n d e x . h t m ? e d / 16 0 _ m a r 0 3 / h t m l /

pensadores

Page 71: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

71

U N I D A D E C

Wallon defendia uma educação integral, capaz

de possibilitar a formação do caráter e a

orientação profissional dos alunos. Os

professores deveriam conhecer a criança para

que a sua prática educativa fosse mais eficaz.

Revelava uma preocupação em articular teoria

e prática e a comunhão entre Psicologia e

Pedagogia para que fosse possível compreender

os problemas educacionais (ALMEIDA, 1999).

Destacou, também que é necessário superar

a dicotomia entre indivíduo e sociedade, que

apresenta-se subjacente a maior parte dos

sistemas de ensino.

4 Implicações educacionaisdos estudos de Wallon

(...) A educação tradicional, tendo por objetivotransmitir aos alunos a herança dos antepassados eassegurar-lhe o domínio de idéias e costumes quelhe permitiriam melhor se adaptar à sociedade talcomo é estabelecida, prioriza a ação dos adultossobre a juventude e acena com a perpetuação daordem social. Por outro lado, o movimento da EscolaNova, ao buscar romper com a opressão do indivíduopela sociedade, acabou por desprezar as dimensõessociais da educação preconizando o individualismo(GALVÃO, 1995, p.90).

A prática educativa, para Wallon, deve

integrar aos seus objetivos, as dimensões social

e individual, simultaneamente. Para chegar a

algumas das conclusões que apresentou,

inspirou-se nas obras de Rousseau,

principalmente, quando argumenta da

necessidade da educação ativa concreta e

adequada ao desenvolvimento da criança.

Criticou severamente a excessiva rigidez dos

programas, ensino puramente livresco, do

autoritarismo do professor, dos métodos

tradicionais que colocavam a criança em uma

posição de passividade, impedindo suas livres

investigações sobre o mundo e suas interações

sociais.

Wallon concorda com as críticas à escola

autoritária, mas discorda da atitude de oposição

a ela, desencadeados pelos precursores da

escola nova, pois argumenta que eles ao

resgatarem o indivíduo, inverteram os princípios

e práticas do ensino tradicional. Os

escolanovistas defendiam a condução do ensino

pelo interesse da criança, pois a intervenção

do adulto seria prejudicial. Ao valorizar a

espontaneidade da criança acabavam por

prejudicar a necessidade do ensino

sistematizado e a intervenção do professor

(GALVÃO, 1995).

Os problemas da educação para os quais

Wallon chama atenção, ainda hoje encontram-

se presentes nas escolas, continuamos

oscilando entre os dois pólos, numa luta

constante entre a atualização e

aperfeiçoamento das práticas pedagógicas...

(...) No cenário atual, é comum que, em nome dorespeito aos interesses e necessidades do aluno,negue-se a importância do ensino sistematizado eanule-se as possibilidades de intervenção doprofessor, transformado num mero espectador dodesenvolvimento da criança (GALVÃO, 1995, p.92).

A superação do dilema entre o autoritarismo

dos métodos tradicionais e o espontaneísmo

das práticas que se pretendem renovadas

demanda um raciocínio dialético, que enxergue

as complexas relações de determinação

recíproca que existem entre indivíduo e

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72

sociedade (GALVÃO, 1995).

Wallon acredita que a priorização da

discussão metodológica em detrimento da

reflexão social da educação foi outro fator

responsável pelo individualismo presente na

proposta da escola nova. Para ele, educação

tem sempre papel político. Diante disso,

elaborou críticas ao sistema francês de ensino,

pois aos alunos provenientes das classes

favorecidas reservava longa carreira de estudos

(ensino superior), enquanto que aos

provenientes das classes desfavorecidas

impunha curta carreira até o ensino técnico ou

profissionalizante. Essa seletividade escondia

uma elite que esforçava-se por manter como

classe dirigente o projeto de uma sociedade

capitalista (GALVÃO, 1995).

Para Wallon era importante deixar claro o

projeto de sociedade que se queria e, essa, era

socialista. Esta, caracterizava-se pela democracia

e justiça social. Esse modelo de escola foi

expresso no projeto Langevin-Wallon, elaborado

por pessoas que pensam na reconstrução da

sociedade que naquele momento estava física

e moralmente abalada pela guerra. Esse projeto

organiza administrativo, curricular e

metodologicamente o ensino em torno do

princípio da justiça social e os apóia sobre o

conhecimento científico do ser humano em

desenvolvimento. O projeto propunha

atendimento das aptidões individuais e das

necessidades sociais, pois o aproveitamento

mais adequado das competências de cada um

ocorrem em benefício do indivíduo e da

sociedade. "(...) Para a descoberta dos gostos e

preferências individuais previa um trabalho de

orientação vocacional, a ser realizado pelo

psicólogo escolar" (GALVÃO, 1995, p.94).

Ciente de que não pode alcançar a justiça socialsomente com mudanças no sistema educacional, otexto do projeto alerta para a necessidade demudanças na maneira de a sociedade encarar asvárias tarefas sociais. Muito embora a discussãosobre a valorização social das profissões fuja doâmbito estrito de atuação da escola, pois envolvefatores que estão fora do seu controle, deveria estarpresente na reflexão educacional, como exigênciada fundamental integração que deve existir entreescola e sociedade (GALVÃO, 1995, p.95).

O objetivo de Wallon é a psicogênese da

pessoa concreta, que utiliza como instru-

mento para a reflexão pedagógica uma

prática que atenda as necessidades da

criança nos planos afetivo, cognitivo e

motor, promovendo o seu desenvolvimen-

to, em todos esses níveis. Portanto, ele não

privilegia apenas as capacidades cognitivas.

(...) Ciente de que os progressos do pensamentose devem em grande parte ao crescente domíniodo sistema semiótico e que a capacidade dediferenciação é poderosamente auxiliada pelaapropriação das diferenciações elaboradas pelacultura e cristalizadas nos sistemas simbólicos,particularmente no código lingüístico, a linguagem,a pedagogia walloniana não se furta a transmitirconteúdos. A diferenciação conceitual que (acriança) faz, ou a que capta, já realizada, na língua,são ambas aceitáveis. O uso preciso e ordenadodas palavras é entendido como manifestação deeficiência e rigor do próprio processo mental.Longe de desprezar a aprendizagem lingüística,ela a considera um poderoso auxil iar noprogresso do pensamento (GALVÃO 1999 apudDANTAS 1990, p.29).

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73

U N I D A D E C

A pedagogia waloniana não é resultado,

apenas, do conteudismo, ou seja, não é limitada

a propiciar a passiva incorporação da cultura do

sujeito. O que ele valorizava era a expressividade

do sujeito, o processo de construção da

personalidade, em diferentes graus. Ela traz

como necessidade fundamental a expressão do

eu. Expressar-se significa exteriorizar-se,

confrontar-se com o outro, organizar-se

(GALVÃO, 1995).

A autoconstrução da pessoa ocorre na

alternação do duplo movimento de expulsão e

incorporação e, para tanto, a escola deve

acompanhar esse duplo movimento, além de

oportunizar a aquisição e a expressão, alternando

as dimensões objetiva e subjetiva. Dessa forma,

integra-se arte e ciência (GALVÃO, 1995).

É no meio que a criança retira os recursos

para a sua ação e é sobre ele que ela age e

expressa todas as suas aprendizagens. Assim,

quanto mais a criança vai desenvolvendo-se,

mais ela amplia as possibilidades de interagir

com o ambiente no qual vive. Nesse sentido, a

escola precisa compreender o que a criança já

adquiriu e planejar para que se promova a

ampliação do desenvolvimento. O

planejamento das atividades escolares não

deve restringir-se à seleção de temas, conteúdos

de ensino, mas atingir as várias dimensões que

compõem o meio. O ambiente escolar deve

refletir sobre as oportunidades de interação

social que oferece, tanto individual quanto

coletivamente, pois ao possibilitar a vivência

social diferente do grupo familiar desempenha

importante papel na formação da personalidade

(GALVÃO, 1995).

Para Wallon, a educação tem importante

função no processo de construção do eu,

mesmo que esse esteja condenado ao

inacabamento, pois persistirá sempre, dentro

de cada um. Esse processo era denominado,

por Wallon, como "fantasma do outro", "de sub-

eu". Assim, dentro desse, a educação

responsabilizava-se pela

(....) satisfação das necessidades orgânicas e afetivas,a oportunidade para a manipulação da realidade e aestimulação da função simbólica, depois a construçãode si mesmo. Esta exige espaço para todo tipo demanifestação expressiva: plástica, verbal, dramática,escrita, direta, ou indireta, através de personagenssuscetíveis de provocar identificação. Uma dietacurricular exclusivamente constituída de atividadesde conhecimento da realidade estaria obstruindograndemente o desenvolvimento, se esta concepçãoestiver correta (DANTAS, 1992, p.95).

Wallon destaca o estudo das crises e

conflitos no desenvolvimento da criança. O

professor precisa encontrar maneiras de reduzir

os conflitos emocionais nas crianças e

adolescentes, já que nos adultos elas são menos

freqüentes. O professor deve identificar os

alunos que agem como combustíveis para não

agravar a crise. Durante a crise, não é possível

avaliá-la. Isso só será possível quando ela passar

a refletir, avaliar e compreender (GALVÃO).

Muitas vezes, a crise ocorre em decorrência

da oposição (contrariar), podendo ter motivos

concretos ou não. Quando a aula é chata, o

professor é autoritário, acredita-se que há um

motivo concreto para que a crise se instale.

Porém, a oposição parece vazia. Nesse segundo

caso, os alunos contestam o professor

recusando-se a realizar as suas propostas,

simplesmente pelo sabor de contrariá-lo. Na

escola, o principal alvo para a contestação é o

professor, para tanto, é preciso que ele conheça

o lugar que ocupa e não encare como pessoal

os confrontos, pois tem a ver com a função

que ele ocupa. Medidas que tenham em vista

Page 74: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

74

a ampliação da autonomia e da responsabilidade

podem minimizar as crises e melhorar a

convivência (GALVÃO, 1995).

Outros conflito que pode ocorrer são as

dinâmicas turbulentas, elas ocorrem em:

(...) Situações que deixam visível uma divergênciaentre as intenções do professor - conter e - e a dosalunos - escapar ao controle. Este quadro completa-se pela elevada incidência de exortações eadvertências verbais, tais como "senta e fica quieto","presta atenção", "agora não é hora de fazercorreria", emitidas pelos professor na esperança deconseguir controlar os alunos e estancar aturbulência (GALVÃO, 1995, p.108).

A escola tradicional, que encontra-se na ação

de grande parte dos educadores entende que

o movimento é sinônimo de desatenção, como

consideram a atenção como fundamental,

passaram a eliminar os movimentos da sala de

aula. A contenção dos movimentos é

interpretada como capaz de assegurar a

aprendizagem na criança. Porém, o movimento

tem um importante atributo que relaciona-se a

capacidade de representar emoções. O

movimento, para Wallon, pode gerar emoções

e ser resultado delas. Os professores não têm

muita habilidade em lidar com as emoções na

sala de aula. Dessa forma, situações emotivas

podem ser interpretadas como indisciplina

(ALMEIDA, 1999).

Essas ocorrências devem-se a muitos fatores,

que podem estar no meio, no plano dos

conteúdos de ensino, atitudes do professor,

organização do espaço escolar, tempo das

atividades, entre outros. As dinâmicas

turbulentas permitem uma reflexão sobre a

forma como a escola cuida do corpo e do

movimento, pois a maioria das atividades

propostas exige que o aluno fique sentado,

parado, com atenção concentrada em uma

direção apenas, essas posturas exigem elevado

grau de controle do sujeito sobre a sua própria

ação. Nesse sentido, é preciso que se reduza,

na escola, o tempo durante o qual se exige

posturas de contenção, não é possível indicar

um tempo ideal, mas o tempo deve levar em

conta as possibilidades de autodisciplina próprias

a cada idade e o grau de envolvimento dos

alunos com o assunto tratado nas atividades

(GALVÃO, 1995).

Essa concepção de escola está diretamente

relacionada a concepção de aprendizagem, ou

seja, a compreensão que temos é que só se

aprende quando se está sentado, parado e

concentrado, aspecto que já deveria estar

superado. Deveríamos conceber o movimento

como "(...) fator implicado ativamente no

funcionamento intelectual, a imposição de

imobilidade por parte da escola pode ter efeito

contrário sobre a aprendizagem, funcionando

como um obstáculo" (GALVÃO, 1995, p.110).

Um exemplo de que as propostas educativas

que exigem contenção devem ser superadas

podem ser buscadas nas aulas de Aristóteles,

que dava aulas caminhando (aulas

peripatéticas). Segundo ele, a marcha favorecia

o fluxo do pensamento. Poderíamos

desenvolver aulas em que cada aluno pudesse

escolher a postura mais confortável para si. No

entanto, essa visão ditatorial sobre o corpo está

relacionada em grande parte com a visão

tradicional de disciplina, nessa concepção, o

movimento é tido como transgressão, fonte de

transtornos. Segundo Wallon, é preciso olhar a

criança com ser corpóreo, concreto, uma pessoa

completa (GALVÃO, 1995).

Os professores em grande parte, também

não distinguem sentimento e emoção. Assim,

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75

U N I D A D E C

as emoções são de ordem fisiológica, são

estados simples cuja necessidade de expressão

atingem todo o aparelho da mímica. Ela é tão

imprevisível quanto fugaz é a sua ação. O

sentimento tem raiz psicológica e é subjetivo,

provoca ação duradoura. A emoção sempre vem

acompanhada de expressões, mas não pode ser

reduzida a elas e, assim, o choro, o riso, o grito

e a contração tônica são formas de expressão

da emoção. A emoção precisa ser analisada

quanto à plasticidade, ao contágio e à

regressividade. A plasticidade pode ser

verificada quando, por exemplo, as crianças se

mostram inquietas, o professor deve questionar-

se sobre as atividades que propôs, pois essa

pode ser o motivo da inquietação. Além disso,

deve ler as reações posturais dos alunos. "(...)

A platicidade, quando bem interpretada na sala

de aula, pode assumir a função de indicar a

adequação ou a inadequação de uma atividade"

(ALMEIDA, 1999, p.95-96).

A escola desempenha um importante papel

no desenvolvimento socioafetivo da criança, por

ser diferente da família proporciona uma

diversidade de interações, permitindo que

relações simétricas sejam estabelecidas com os

parceiros da mesma idade, além das

assimétricas com os professores. Se a família a

posição entre os membros é fixa, na escola há

mobilidade de pessoas e papeis. Como a criança

está em processo de evolução ela é marcada

pela instabilidade, assim toda a evolução mental

é marcada por conflitos. O desenvolvimento da

criança não é linear, apresenta oscilações

(avanços, retrocessos conforme a faixa etária)

e é o meio social, com toda a riqueza de

experiências, aprendizagens e exercícios que

proporcionará, em grande parte, as mudanças

no desenvolvimento biopsíquico (ALMEIDA,

1999).

Podemos dizer que à escola e - por que

não dizer? - ao professor, é delegado um

importante papel social: o de compreender o

aluno no âmbito de sua dimensão humana, na

qual tanto os aspectos intelectuais quanto os

aspectos afetivos estão presentes e se

interpenetram em todas as manifestações do

conhecimento (ALMEIDA, 1999).

Para Wallon, a educação voltada para o

desenvolvimento da personalidade concreta da

criança, não separa a afetividade da inteligência,

principalmente quando elas estão misturadas.

Nas escolas a programação, na maioria das vezes

privilegia o aspecto cognitivo em detrimento

do afetivo. Porém, ambos são aspectos

decorrentes de uma mesma e única realidade,

inseparáveis, um depende do outro. O professor,

nesse processo, é o eixo da atividade

pedagógica, incumbe-se de transmitir o

conhecimento, mas também de observar,

articular os aspectos afetivo e intelectual. Ser

afetiva não significa apenas beijar, abraçar, mas

também conhecer, interessar-se pelas suas

coisas, ouvir, conversar, admirar a criança,

exercer uma ação mais cognitiva, em nível da

linguagem (ALMEIDA, 1999).

Para maiores informações, acesse um site

de busca e pesquise: Langevin-Wallon. Após

entre no fórum e escreva o que você

entendeu a cerca dessa proposta.

Page 76: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO III

76

C U R S O D E E D U C A Ç Ã O E S P E C I A L | U F S M

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