psicologia jurídica e o cotidiano da violência

download psicologia jurídica e o cotidiano da violência

of 8

Transcript of psicologia jurídica e o cotidiano da violência

  • 8/7/2019 psicologia jurdica e o cotidiano da violncia

    1/8

    Psicologa para Amrica LatinaRevista de la Unin Latinoamericana de Psicologa

    www.psicolatina.org

    Psicologia JurdicaO Cotidiano da Violncia: O trabalho doAgente de Segurana Penitenciria nas

    Instituies Prisionais1111

    Rosalice LopesDocente do Centro Universitrio de Santo Andr e do Instituto Sedes SapientiaeDoutoranda do Departamento de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade de

    So Paulo - IPUSP

    SUMRIOEste artigo busca apresentar alguns aspectos da atividade cotidiana dos agentes de segurana penitenciria.So apresentados dados histricos relativos descrio da funo e informaes sobre a situao atual dessacategoria profissional nas prises de So Paulo. Ao final apresentada uma proposta deacompanhamento/atendimento desses profissionais tendo em vista as alteraes comportamentais que muitosagentes de segurana demonstram ao longo dos anos de prtica. As reflexes apresentadas encontram suportenos dados coletados em minha dissertao de mestrado intitulada Atualidades do discurso disciplinar : A

    representao da disciplina e do disciplinar na fala dos agentes de segurana penitenciria, resultado depesquisa realizada entre 1996 e 1997 em unidade penitencirias da capital e interior, assim como nasatividades desenvolvidas como professora nas turmas dos cursos de formao de agentes, coordenados pelaAcademia Penitenciria de So Paulo, nos anos de 96/97 e 98.Palavras chaves: 1- Psicologia Jurdica, 2- Prises, 3- Agentes de Segurana Penitenciria, 4- Trabalho emprises.SUMMARYThis article introduces some aspects of the daily activities of the Penitentiary Security Agents. It presentshistorical facts related to the description of the functions and information about the actual situation of thisprofessional category in the prisons of So Paulo. At the end a proposal to accompany these professionals ispresented because of the alterations in their behavior which many security agents have shown during theirlong years of practice. These reflections represent facts which were collected during my masters dissertationentitled Some Remarks on the Disciplinary Discourse The representation of discipline and of thedisciplinary in the speech of penitetiary security agents, the results of a survey done between 1996 and 1997in some penitentiry units of So Paulo State; as well as from my developing experiences as a teacher during

    the courses of the formation of agents co-ordinated by the So Paulo Penitentiary Academy during 96, 97and 98.Key words: 1- Judicial Psychology, 2- Prisions, 3- Penitentiary Security Agents, 4- Work in Prisons

    Psicologia Jurdica O Cotidiano da Violncia

    1

    1 Agncia Financiadora na poca do estudo : CNPq

    http://www.psicolatina.org/http://www.psicolatina.org/
  • 8/7/2019 psicologia jurdica e o cotidiano da violncia

    2/8

    Agentes de segurana penitenciria: Um pouco de histria...

    As histrias dos carrascos, carcereiros, guardas de presdio, agentes de seguranapenitenciria, independentemente do tempo histrico, guardam em comum um aspecto: o fatode sempre terem estado ligadas s situaes de torturas, agresso, vigilncia e fiscalizao e a

    outros mecanismos disciplinadores utilizados para aplicar o castigo considerado justo, para puniro desvio, promover a adequao e manter uma determinada ordem socialA vida dos profissionais que atuam nas prises , desde o incio, e ainda hoje,

    caracterizada pelo vnculo com o encarceramento, a excluso e a violncia.Os registros sobre a histria profissional desses trabalhadores so escassos e, at onde

    desenvolvi minha pesquisa, encontrei apenas documentos que, ao contar a histria das prises,fazem referncia ao pessoal que atuava junto aos condenados.2

    Britto (1926) e Pestana (1981) evidenciam em seus textos que desde o surgimento dessaprofisso, poucos eram aqueles que se interessavam em exerc-la. Houve poca em que osindicados a ocupar tais cargos poderiam ser presos caso se recusassem a cumprir a ordem detrabalhar como carcereiros. Ou seja, de indicado poderia transformar-se em indiciado.

    A leitura desses autores aponta para o fato de que os indicados eram membros daspopulaes mais pobres que, na condio de dominados, poderiam, por sua insubmisso,tornar-se novos condenados. possvel supor que prisioneiros e carcereiros pertencessem aomesmo grupo social, situao que devia causar um grande embarao. visvel no relato dePestana que os carcereiros eram vtimas da no-escolha profissional e da obrigatoriedade deexerc-la e ainda das precrias condies das prises.

    Analogamente a seus pares do passado, que muitas vezes se recusavam a desempenhar afuno de carcereiros por considerarem-na aversiva, os agentes de segurana se sentem, aindahoje, como que discriminados pela sociedade, responsabilizados por fugas, motins, extorso,corrupo etc. e envergonham-se, muitas vezes, de assumir publicamente essa profisso.

    No estudo que realizei, os dados apontam para o fato de que o agente s se torna agenteporque, ou est desempregado, ou segue a indicao de algum parente. Com o passar do tempo,acaba se habituando pratica, tornando-se gradativamente desestimulado a procurar outrasformas de trabalho mesmo que continue a afirmar que no gosta do que faz. Uns poucosassumem que gostam de ter essa funo; destes ouvem-se as seguintes representaes daprofisso: queria ser um policial e como no passei em concurso e resolvi ento ser ASP (sic). A identificao da atividade de agente de segurana com a de policial militar est presente epode determinar a escolha pelo trabalho na priso.

    As atribuies especficas: do carcereiro ao guarda, do guarda ao agente

    Durante os sculos, a essncia da prtica cotidiana da vigilncia permaneceu a mesma;porm, ao lado das mudanas de denominao para os que exerciam essa vigilncia, foramalteradas a orientao e a expectativa dos mecanismos ordenadores sociais sobres osfuncionrios, para estabelecer a forma mais adequada de agir junto aos sentenciados.

    Psicologia Jurdica O Cotidiano da Violncia

    2

    2A pesquisa desses dados foi realizada na biblioteca da Faculdade de Direito da USP e ainda junto biblioteca da Secretaria da

    Administrao Penitenciria.

  • 8/7/2019 psicologia jurdica e o cotidiano da violncia

    3/8

    As mudanas observadas durante os anos espelham modificaes sofridas no mbito daspolticas penitencirias e permitem conhecer como a prtica cotidiana nas prises tentava umaapropriao dos princpios ordenadores. De modo geral, quase sempre esteve presente aexpectativa de que esses homens agissem como uma espcie de educador, que promovessealgum tipo de mudana nos sentenciados no sentido da reabilitao social. No entanto, ainda que

    a imagem de agentes reabilitadores venha sendo cultivada ao longo da histria, a ao de fato reabilitadora no tem sido desenvolvida.Mas, como era essa funo no passado? o que se exigia do guarda de presdio?O primeiro documento que descreve de forma detalhada a funo do Guarda de Presdio

    o Decreto n 3.706 de 29 de abril de 1924.3 Nessa poca, os guardas eram escolhidos enomeados pelo diretor do estabelecimento penal. O regime de trabalho na penitenciria era o deplantonistas de 24 horas e de diaristas das 8 s 17 horas. Para ser admitido como guarda, ocandidato deveria ser brasileiro, ter mais de 21 e menos de 45 anos, gozar de boa sade e boaaparncia fsica, provar bons antecedentes, moralidade e conduta, sujeitar-se pratica doestabelecimento, fazer exame de competncia; sendo que eram preferidos os que j tivessemexercido prtica anlogas.

    Os guardas estavam diretamente ligados Seco Penal [ qual competia] a policia doestabelecimento. (Decreto n 3076, 1924, p.36). Ao guarda cabia a funo de policiar, ou seja,guardar o cumprimento das leis e normas vigentes na instituio, impedindo e contendo asmanifestaes dos sentenciados que fossem consideradas imprprias.

    Um grande silncio, em termos de documentao sobre os guardas, observa-se nosregistros da biblioteca do sistema penitencirio nas dcadas de 50 e 60. Somente um, dentre osdocumentos da dcada de 70 relatrio do Departamento dos Institutos Penais do Estado (1975), informava sobre o nmero total de guardas: 1887 no total das 12 unidades. Constam ainda dorelatrio, dados sobre o grau de escolaridade dos mesmos. Do total de guardas, 823 tinham oprimrio completo e 53 no o haviam concludo; 245 j haviam completado o 1 grau (antigoginasial) e 365 no; 199 j haviam terminado o 2 grau (antigo colegial) e 110 no. Ainda dessetotal, 37 guardas concluram o curso superior contra 55 que no o haviam terminado. Nenhuminforme dessa poca trata das atribuies do guarda.

    Como est a situao atualmente?As diferenas qualitativas entre as funes de guarda e agente, propostas por Miotto

    (1978), discutidas mais amplamente nos diferentes mbitos da poltica penitenciria culminaram,em 1986, com a criao da carreira de agentes de segurana penitenciria em So Paulo. Oagente cumpre atualmente uma jornada de trabalho que pode ser de dois tipos: plantes de 12horas de trabalho por 36 de repouso ou ainda 8 horas dirias. O total da carga horria semanal de 40 horas.

    O regime de trabalho do agente segue o estabelecido na Lei Orgnica da Polcia Civil,

    conhecido como R.T.P. Regime Especial de Trabalho Policial. Essa vinculao garanteequiparao salarial para aqueles que, mesmo atuando em diferentes mecanismos de represso,objetivam manter a ordem social estabelecida.

    O ingresso de novos funcionrios no sistema se d, desde a dcada de 70, por concursopblico. O candidato precisa ter o 2 grau completo e boa compleio fsica. Atualmente oprocesso seletivo dos agentes consiste das seguintes fases: exame escrito, exame oral e examefsico. Em caso de aprovao nessas fases, o candidato ingressa na atividade e passa a cumprir o

    Psicologia Jurdica O Cotidiano da Violncia

    3

    3Esse Decreto foi a mais antiga compilao encontrada na pesquisa sobre as funes do guarda de presdio.

  • 8/7/2019 psicologia jurdica e o cotidiano da violncia

    4/8

    que denominado estgio probatrio. Esse estgio, a partir de 1998, passou a ser de 3 anos apsos quais o agente ou no confirmado no cargo.

    Certamente os objetivos da formao referem-se capacitao do agente para odesempenho de suas funes: conteno, adestramento, vigilncia e punio dos sentenciados, demodo seguro e eficaz. importante para as instituies prisionais terem um pessoal capacitado

    no desempenho dessas funes.Embora as polticas penitencirias defendam, j h algum tempo, os programasreabilitadores, a funo dos agentes de segurana penitenciria, como o nome evidencia, mantera segurana na unidade. Essa preocupao, j to histrica, tem-se tornado ainda mais acentuadadevido s manifestaes de insubmisso por parte da populao carcerria, como acontece nosmotins e rebelies, as quais tm sido freqentes na ltima dcada. Hoje, mais do que nunca, paraos que coordenam o sistema penitencirio, a segurana fundamental.

    A disciplina e o disciplinar aparecem como aspectos da segurana e, em meu estudo,pude constatar que a prtica disciplinar nas prises de So Paulo est longe de ser consideradaum bom exemplo. Foi possvel colher informaes, nas entrevistas com os agentes, as quais donotcia de uma disciplina calcada na humilhao e na violncia tanto num nvel psicolgico

    como, por vezes, fsico.Refletindo sobre as causas motivadoras de tais comportamentos por parte dos agentes de

    segurana, penso que, em termos dos fatores situacionais, a condio de superpopulao prisionale o reduzido nmero de agentes configuram uma condio de penosidade no trabalho quefavorece a opo por mecanismos contensores mais extremos, principalmente nas situaes derebelies. No entanto, certamente no desprezvel a ao dos fatores disposicionais ou pessoaisna determinao do comportamento violento. Destaco, nesse nvel, as condiesafetivo-emocionais de cada agente que se alteram ao longo dos anos de prtica alm dasrepresentaes especficas acerca da profisso, as quais, num contnuo, oscilam de um lado, entreum lugar de poder e mando na relao com os sentenciados, e de outro, um lugar desubservincia e humilhao.

    Diante desse quadro, a formao e acompanhamento dos agentes aparece como um fatorimportante devendo-se considerar, inclusive, que esses profissionais participam ( ou deveriamparticipar ) de todo e quaisquer procedimentos relativos reabilitao, caso ocorram.

    A Escola Penitenciria antiga Academia Penitenciria o rgo da administraoresponsvel pela formao e capacitao de agentes de segurana; procura, por meio de propostasinovadoras, desenvolver nos agentes uma maior reflexo sobre sua prtica. A formao oferece,alm dos aspectos mais formais e especficos relativos segurana e disciplina, umaprogramao que inclui Direitos Humanos, Psicologia, Relaes Humanas e Sade doTrabalhador. Busca-se que o agente desenvolva uma viso mais abrangente acerca do sentidosocial de seu trabalho.

    Porm, no podemos pensar as questes da formao desvinculadas de um cotidianoopressor vivido pelos agentes de segurana. Em primeiro lugar, podemos refletir se o nmeroatual de agentes de segurana 15.488, sendo que 537 esto em licena sade de no mnimo 30dias adequado ao atendimento dos 59.055 sentenciados que ocupam hoje as 67 unidades doestado de So Paulo. Num primeiro momento estes nmeros indicam que cada guarda estariaatendendo 4 sentenciados e que esta proporo no parece to ruim. No entanto, sabe-se que a

    Psicologia Jurdica O Cotidiano da Violncia

    4

    Estes dados foram informados pela Secretaria da Administrao Penitenciria de So Paulo e referem-se ao mes dedezembro de 2000.

  • 8/7/2019 psicologia jurdica e o cotidiano da violncia

    5/8

    distribuio no assim to regular, e que, por exemplo, em unidades como a Casa de Detenode So Paulo j aconteceu de um nico agente de segurana ficar responsvel pela vigilncia demais de 500 sentenciados no ptio externo5.

    Um outro aspecto a refletir nessa relao agentes / sentenciados e que pesasubstancialmente para aqueles agentes que esto desempenhando atividades de vigilncia que

    muitos agentes so transferidos para a rea administrativa e outros ainda encontram-se emlicena sade. Segundo dados da Secretaria da Administrao Penitenciria, em dezembro de2000, havia 537 agentes afastados das atividades por motivos de sade.

    Como pensar, ento, numa formao com o nmero restante de agentes e desconsiderara significativa presso que sofrem no desempenho da atividade devido carncia deprofissionais? H que se considerar ainda que muitos agentes desenvolvem outras atividadesquando fora do planto para complementar a renda familiar. Todos esses aspectos ampliam ascondies de estresse e prejudicam, certamente, a qualidade do desempenho da atividade, pormelhor que seja a formao.

    Da parte da Escola Penitenciria, sabe-se que os cursos no ocorrem com a freqncianecessria e, mesmo que as dificuldades desta instituio formadora fossem superadas e pudesse

    ser oferecida uma formao continuada, sabemos, com Foucault, que a prtica cotidiana nasprises dificilmente deixaria de fazer parte de um sistema de excluso, engendrando umverdadeiro campo de guerra, onde, de um lado, esto os agentes, porta-vozes ltimos da moralsocial e, de outro, os sentenciados, representantes de tudo aquilo que a sociedade rejeita emtermos de comportamento. Se, admitimos como possvel a imagem das prises como umaespcie de campo de guerra, fica difcil descartar a possibilidade de ocorrncia de atos deviolncia em seu cotidiano. As instituies prisionais, locais criados para segregar, vigiar e punirso aqueles onde a violncia constantemente reproduzida.

    Nesse sentido, vejo com certo pessimismo a possibilidade de manuteno, no cotidianodas relaes entre agentes e sentenciados, dos ideais desenvolvidos nos cursos de formaoenquanto ela continuar ocorrendo da forma como assistimos at o momento. Ela se presta mais ainformar do que a formar e o cotidiano nas prises acaba por fragilizar talvez at apagar damemria dos agentes os ideais desenvolvidos no incio da profisso.

    Na realidade, penso que os cursos de formao e aprimoramento, embora fundamentaisenquanto instrumentos de formao e reciclagem, so insuficientes para dar conta dacomplexidade dos fenmenos que envolvem o sistema de segurana e disciplina nas prises e,consequentemente, o que vai sendo produzido a partir das relaes entre sentenciados e agentesde segurana.

    sabido que muitos agentes, ao longo dos anos, passam a apresentar alteraescomportamentais. Tornam-se alcolatras, dependentes de drogas psicotrpicas anti-depressivos, ansiolticos. Outros se envolvem em praticas delinqenciais e descobrem,

    tardiamente, como tnue a linha que separa a conduta criminal da no criminal.Nas prises, parece ser uma triste verdade, especialmente para a categoria de agentes, quequando se est exposto, de um lado, s presses resultantes do contato dirio com a delinqnciaencarcerada, e de outro, s necessidades econmicas pessoais, se torna mais tentador oenvolvimento com os ganhos rpidos que a vida criminal oferece.

    De modo a ilustrar a situao vivida por essa categoria, apresento a seguir a reproduooriginal de uma redao elaborada por um agente se segurana num dos curso de atualizao

    Psicologia Jurdica O Cotidiano da Violncia

    5

    5Este dado faz parte de minha dissertao de mestrado e foi colhido junto a um agente que atuava na Casa de Deteno.

  • 8/7/2019 psicologia jurdica e o cotidiano da violncia

    6/8

    profissional onde atuei como professora. Foi solicitado aos participantes que imaginassem umagente fictcio e relatassem sua prtica cotidiana na forma de uma redao. Ela um exemplode como as transformaes ocorrem na vida desses profissionais. Mesmo tendo sido escrita em1996, podemos acreditar que, em muitos casos, ainda hoje, as vivncias desses profissionaisfictcios so comparveis.

    So Paulo, 14/05/96 Histria --Joo foi um trabalhador, em uma empresa particular, sendo que o

    mesmo prestava suas colaboraes na empresa sem maiores problemas.--At que um determinado dia, veio a calhar uma resseo no Pas, que

    fora provocada por uma iperinfrao. Essas consequncias foram trgicas paraJoo que logo colocara em pnico.

    --Joo era um moo passivo, educado, sensato, tinha seus 26 anosquando se viu desempregado, pela trgica Histria que o Pas passava, nesseinterino Joo saia de casa, para procurar emprego encontrava muita dificuldades.At que um dia Joo saiu de casa e decidiu se juntar para protestar junto com oscaras pintadas, Joo se viu no meio do tumulto, onde tambm fazia seu protesto

    que lhe valeu a pena com o ipetman do Presidente da Repblica.--Na manh seguinte Joo com sua curiosidade e anseio de achar umtrabalho, pois se na banca de jornal e viu as manchetes, por considncia acaboudesviando sua ateno para um edital do Dirio Oficial CONCURSO PARAA.S.P. salrio R$ 500,00. No dia 7/4/94 Joo se inscreveu, prestou concursopassou em 1 lugar. Ele no sabia que encontraria pela frente, porque o curso do

    CRAPH6 no lhes deu as informaes concretas sobre o que viria pela frente notrabalho. Passara 2 anos, o desgate era tanto lhe venho o stresse, donas.

    Ele percebia que sua sade no era a mesma. Chegava em casa batia namulher, tomava pinga nos bares, junto com seus amigos. Joo no era omesmo, foi para na psiquiatria jamais se recupero. Hoje Joo lamenta com suaesposa e filhos que deveria ter procurado uma outra funo sem ser A.S.P.

    Essa era a humilde e trgica histria de um trabalhador, que no

    reconhecido por uma sociedade e nem autoridade competente. Adeus Joo pois afalecer no dia 28/5/96.

    Consideraes finais e proposta

    Penso no ser possvel ler essa redao, e no se sensibilizar com ela. Muitos dos fatos,citados na fico elaborada pelo agente de segurana, ocorrem na vida real. Muitos deles tmsuas vidas profundamente modificadas aps anos de trabalho em instituies prisionais. Ficaevidente na redao as angstias relativas ao ver e sentir a vida se transformando em runas.

    Fatos como a superpopulao prisional e a carncia de funcionrios no setor de segurana

    das prises acabam por cronificar o desgate fsico e mental cotidiano desses profissionais.O sistema penitencirio, atravs de seus rgos administrativos, tem se esforado no

    sentido de criar alternativas de atendimento aos agentes de segurana que apresentam problemascomo decorrncia do trabalho. No entanto, essas alternativas so ainda insuficientes.

    Psicologia Jurdica O Cotidiano da Violncia

    6

    6O CRHAP, Centro de Recursos Humanos da Administrao Penitenciria, era na dcada de 80, a instituio responsvel pelaformao de agentes de segurana.

  • 8/7/2019 psicologia jurdica e o cotidiano da violncia

    7/8

    Embora, em alguns casos, seja possvel estabelecer parcerias junto aos servios de sadedo trabalhador disponveis na comunidade, penso ser necessria a criao de um sistema deatendimento especfico para os agentes de segurana no s porque o nmero de agentes ematividade significativamente grande, mas tambm porque as caractersticas que envolvem essaprtica profissional so muito especficas.

    A criao de um espao privilegiado, onde os agentes de segurana possam falar sobresuas angstias, ansiedades e medos relativos ao trabalho nas prises premente.Entendo que um atendimento humanizado que objetive at mesmo a reabilitao de

    sentenciados atendimento no qual os agentes desempenham papel fundamental - se tornar-se-iauma realidade mais observvel se as necessidades e os conflitos daqueles que lidamcotidianamente com a delinquncia encarcerada tambm fossem alvo de ateno e cuidados.

    Um servio como esse visaria atender um grande nmero de agentes - no apenas aquelesagentes refns nas rebelies na forma de um programa preventido em sade fisica e mental nosistema penitencirio uma vez que o elevado nvel de sofrimento no trabalho dos agentes acabapor produzir modificaes comportamentais dos mais diferentes tipos e com difrentes graus degravidade. Alm disso, esse servio poderia substituir, em defnitivo, o atendimento prestado aos

    agentes pelos profissionais que atuam nas prises7.Penso que esse servio deva ser implantado de forma regionalizada e coordenado pela

    Escola Penitenciria com assessoria do Departamento de Sade do Sistema Penitencirio8 e serdesenvolvido fora dos muros da priso. As parcerias com a Secretarias Estadual e Municipalde Sade, alm das Universidades, seriam fundamentais no que se refere ao estabelecimento deestratgias de ao e desenvolvimento de projetos de pesquisa.

    Embora o trabalho dos agentes seja de grande valor numa sociedade que mantm asprises como parte de um sistema de controle social, muito ainda est por ser feito em prol dessacategoria profissional.

    A minimizao dos efeitos das experincias cotidianas em um campo de guerra principalmente a violncia no pode ser alcanada somente com cursos de formao ouaprimoramento. Eles so importantes, mas parciais. Entendo que no basta ensinar estratgias deenfrentamento de rebelies e tticas anti-sequestro. No basta despertar a conscincia paraquestes referentes aos direitos humanos e tica prossional. Em ambientes como as prises preciso fazer mais por aqueles que l trabalham. preciso cuidar da sade fsica e mental dosfuncionrios.

    Psicologia Jurdica O Cotidiano da Violncia

    7

    8Orgo responsvel pela elaborao de programas de sade no mbito do sistema penitencirio.

    7Tem sido frequente o atendimento de agentes por funcionrios - em sua maioria psiclogos - que trabalham nas unidadesprisionais. Embora muitos deles no estejam atendendo sentenciados ao mesmo tempo, eles no foram contratados paraexercer tal funo. Suas atividades, embora louvveis em termos dos objetivos, acabam por fragilizar ainda mais o precrioservio prestado aos sentenciados.

  • 8/7/2019 psicologia jurdica e o cotidiano da violncia

    8/8