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2010 Gestão para Parcerias PÚBLICO-PRIVADAS João Martins Tude Renato Luis Pinto Miranda

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Gestão para ParceriasPÚBLICO-PRIVADAS

João Martins TudeRenato Luis Pinto Miranda

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Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.

T889g TUDE, João Martins; MIRANDA, Renato Luis Pinto / Gestão para Par-cerias Público-Privadas. / João Martins Tude; Renato Luis Pinto

Miranda. — Curitiba, PR: IESDE Brasil S.A. , 2010. 144 p.

ISBN: 978-85-387-0949-7

1. Parcerias Público-Privadas. 2. Gestão Pública. 3. Estado. 4. Descentraliza-ção. 5. Administração. I. Título.

CDD 350.4

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Doutorando, mestre e bacharel em Administra-ção pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Também é especialista em Metodologia e Di-dática do Ensino Superior pela Faculdade São Bento e mestre em Estudos Contemporâneos da América Latina pela Universidad Complutense de Madrid. Atualmente é professor efetivo da Uni-versidade Federal de Alagoas (UFAL), coorde-nador executivo da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimen-to Territorial da UFBA e pesquisador do Labora-tório de Análise Política Mundial (LABMUNDO).

João Martins Tude

Doutorando em Administração pela Universi-dade Federal da Bahia (UFBA), mestre em Admi-nistração pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), Advogado, bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Atualmente, atua em assessoria jurídica junto à Incubadora Tecnológica de Economia Solidá-ria e Gestão do Desenvolvimento Territorial da UFBA; leciona as disciplinas Direito Administra-tivo e Direito Tributário/Empresarial no Centro Universitário Jorge Amado; orienta a elaboração de TCCs de pós-graduação em Direito Tributário no Instituto de Educação a Distância Luiz Flávio Gomes (LFG); e desenvolve pesquisas na área de Administração Pública, Administração Política, Federalismo Fiscal e Tributação.

Renato Luis Pinto Miranda

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As parcerias na Administração Pública: privatização e descentralização administrativa

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11 | Introdução

12 | Concepções de Estado e Sociedade Civil

18 | A reformulação do conceito de “Público”

21 | Modelos de gestão e parcerias na Administração Pública

28 | Privatização

29 | Descentralização

Parcerias entre Estadoe Sociedade Civil no Brasil 41

41 | Introdução

41 | Organizações de Terceiro Setor X Organizações da Sociedade Civil

44 | A Sociedade Civil no Brasil

46 | Tipos de pessoas jurídicas das OSCs

47 | Fundações

48 | Sociedades

48 | Marco legal das parcerias Estado-Sociedade Civil no Brasil

A concessão e as Parcerias Público-Privadas 73

73 | Conceito e modalidades de concessão

75 | Concessão de serviço público

86 | Concessão de obra pública

86 | Concessão de uso de bem público

87 | Permissão de serviço público

88 | Autorização de serviço público

PPP: Parceria Público-Privada 97

97 | Compreendendo o seu conceito

101 | Modalidades de concessão

109 | Licitação prévia

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Franquia, terceirização, convênios e consórcios públicos

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119 | Introdução

119 | Franquia pública

124 | Terceirização

129 | Convênio

131 | Consórcio público

Anotações 143

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A partir das novas configurações institucionais, característica de um contexto globalizado, é possível dizer que a Administração Pública vem passando por diversas transformações, inclusi-ve no que diz respeito à relação do Estado com o setor privado. Assim, o desenvolvimento do capitalismo apresenta o desafio de um estudo cada vez mais responsável a respeito das in-terdependências existentes entre o Estado e a sociedade.Em face de tal cenário, não poderia deixar de emergir a questão das “parcerias” firmadas pela Administração Pública como um ponto de relevo nas ditas relações, o qual merece ser estudado tanto pelos acadêmicos da área como pelos ges-tores e promotores das políticas públicas. O co-nhecimento das formas de parceria possíveis de serem implementadas pela Administração Pú-blica tem o poder de munir o gestor de alterna-tivas teóricas e instrumentais para a consecução das finalidades da administração, contribuindo, dessa forma, para o amadurecimento e aprofun-damento da relação entre o setor público e o privado, em regime de complementaridade.Para o dito conhecimento das parcerias difun-didas na gestão pública, tem-se neste manual a estruturação dos principais institutos que pos-sibilitam a sua consecução. Importa, desde já, mencionar que alguns desses institutos, surgi-dos com o passar do tempo, vieram simplesmen-te para complementar premissas constantes em institutos já existentes, ou seja, atualmente a Ad-ministração Pública conta com uma vasta gama de institutos jurídicos para traçar diferentes mo-dalidades de parceria, as quais, em essência, não precisariam de tantas derivações.O que se quer dizer é que, em muitos casos, são criados novos institutos que nada mais são do que a criação de vocábulos para formas de par-

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Apresentação

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ceria já firmadas anteriormente pela Adminis-tração Pública, porém sem a utilização de insti-tutos jurídicos específicos.Dessa forma, o presente livro tem a proposta de apresentar as diferentes modalidades de par-ceria possíveis de serem utilizadas pelo gestor público, apontando as suas distinções e especi-ficidades, de modo a permitir ao leitor o conheci- mento dos elementos essenciais a cada uma delas, assim como do contexto mais apropriado para a sua utilização.Estruturamos este livro em cinco capítulos. O primeiro, chamado “As parcerias na Administra-ção Pública e a caracterização dos modelos de gestão no Estado brasileiro: privatização e des-centralização administrativa”, que trata da con-textualização das parcerias na Administração Pública a partir da discussão existente em torno das concepções de Estado e Sociedade Civil. Essa contextualização visa introduzir o leitor no universo da relação entre o público e o privado, a fim de possibilitar uma abordagem compre-ensiva das diversas modalidades de parceria na Administração Pública, a serem tratadas nos ca-pítulos subsequentes.O segundo capítulo, denominado “Parcerias entre Estado e Sociedade Civil no Brasil” se des-tina a trazer a reflexão sobre as parcerias entre Estado e Sociedade Civil no Brasil, conhecendo seu processo de formação, assim como as dife-rentes políticas e instrumentos que as moldam. Passa, portanto, por uma explicação dos concei-tos de “Terceiro Setor” e “Sociedade Civil”, uma análise da Sociedade Civil brasileira a partir de seu desenvolvimento e consolidação, seguida da apresentação dos diferentes tipos de pes-soas jurídicas correspondentes às Organiza-

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ções da Sociedade Civil no Brasil e o respectivo marco legal das parcerias entre o Estado e tais organizações.O terceiro capítulo, por sua vez, aborda a con-cessão pública como uma forma de descentra-lização da máquina pública, em razão da trans-ferência de tarefas próprias do Estado para o setor privado, mediante a remuneração de tais atividades pela própria população usuária do serviço.O quarto capítulo versa sobre as chamadas Par-cerias Público-Privadas (PPP), que se traduzem em nada mais do que uma das formas de par-ceria possíveis de serem estabelecidas entre o Estado e o setor privado, consistindo, portanto, em tipologias contratuais específicas existen-tes dentro do amplo universo das concessões públicas.O quinto e último capítulo trata de institutos pouco utilizados pela Administração Pública no firmamento de parcerias com o setor privado. São eles a franquia pública, a terceirização, o convênio e o consórcio público.

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As parcerias na Administração Pública: privatização e descentralização administrativa

IntroduçãoA Administração Pública vem passando por diversos desafios no decurso

do tempo. Ou poderíamos dizer que a relação entre o Estado e a sociedade vem sofrendo alterações provenientes da própria interdependência entre ambos no desenvolvimento do capitalismo.

As parcerias na Administração Pública emergem da interseção entre o Estado e a sociedade, refletindo assim os contornos assumidos por essa re-lação dentro de contextos sociopolíticos específicos. Dessa forma, a aborda-gem das diversas formas de parceria estabelecidas entre o Estado e a Socie-dade Civil passa, inevitavelmente, por uma compreensão das suas principais concepções, e ainda, sobre o contexto no qual estão inseridas.

Diante disso, o presente capítulo tem por objetivo a contextualização das parcerias na Administração Pública a partir da discussão existente em torno das concepções de Estado e Sociedade Civil. Essa contextualização visa in-troduzir o leitor no universo da magnífica relação entre o público e o privado, a fim de possibilitar uma abordagem compreensiva das diversas modalida-des de parceria na Administração Pública.

Dessa forma, o capítulo se divide em seis partes: além da presente intro-dução, passamos por uma evolução das teorias sobre a instituição do Estado e as correlatas concepções de Sociedade Civil; posteriormente, trazemos a discussão sobre o conceito de “Público” e a difusão das parcerias na Adminis-tração Pública; em seguida, abordamos as parcerias à luz da caracterização dos modelos de gestão pública, como forma de trabalhá-las já dentro de uma perspectiva administrativa; nos dois últimos tópicos, tratamos dos ins-titutos da privatização e descentralização, como processos impulsionados pelas conformações assumidas na relação Estado-sociedade.

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As parcerias na Administração Pública: privatização e descentralização administrativa

Concepções de Estado e Sociedade CivilO conceito de Estado foi discorrido a partir de diversas perspectivas ao

longo da história da humanidade. Tal diversidade se deve ao fato de que a delimitação dessa organização política parte de diferentes paradigmas e con-cepções, que tentam fazer valer suas premissas em face das demais, preten-dendo trazer uma percepção mais elucidativa tanto da formação originária como da atual conjuntura do Estado.

Considerando serem as parcerias na Administração Pública um reflexo da relação entre Estado e Sociedade Civil, é importante mencionar que a conceituação desses dois institutos se apresenta de forma interdependente, ou seja, a delimitação de uma dada percepção de Estado está intimamen-te ligada a uma correlata noção de Sociedade Civil. Assim, conforme ensina Bobbio (2004, p. 33), “não se pode determinar o significado de Sociedade Civil e delimitar sua extensão senão redefinindo simultaneamente o termo ‘Estado’ e delimitando a sua extensão”.

Nesse seguimento, o principal debate ocorrente entre as diversas con-cepções de Estado é travado por duas principais correntes, uma composta pela doutrina liberal e democrático-burguesa, e outra, pelo marxismo e ideias afins. Partiremos, dessa forma, de um trajeto sobre as percepções contratua-listas de Estado, ou seja, aquelas afinadas ao conceito liberal e democrático--burguês, para então trazermos alguns apontamentos desferidos pela crítica marxista.

Como forma de explicação preliminar do conceito de Estado, vale men-cionar o utilizado por Gruppi (1980), ao tentar apresentar um esboço con-vencional do conceito de Estado, antes de criticá-lo. Assim, o Estado apresen-ta ser [...] um poder político que se exerce sobre um território e um conjunto demográfico (isto é, uma população, ou um povo); e o Estado é a maior orga-nização política que a humanidade conhece (GRUPPI, 1980, p. 7).

Esse mesmo autor, ao esboçar o conceito preliminar de Estado a partir da Enciclopédia Treccani, identifica três elementos básicos, caracterizadores da existência dessa organização política, quais sejam: o poder político, o povo e o território.

Seguidamente, numa contextualização dos elementos que compõem o Estado moderno, o autor discorre sobre as distinções entre este e os Estados passados, pontuando como um dos principais aspectos a sua não mais sub-

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missão à autoridade do papa, a partir de acontecimentos históricos como a rebelião da Inglaterra, em 1531, quando Henrique VIII é proclamado chefe da igreja anglicana. A partir de então, as estruturas do Estado moderno passam a ser identificadas por duas características: a plena soberania do Estado, sem se curvar a nenhuma outra autoridade; e a separação entre Estado e Socie-dade Civil, evidenciada a partir da ascensão da burguesia. Outro aspecto que diferencia o Estado moderno daquele preponderante na Idade Média é a questão patrimonial, pois enquanto neste o Estado é propriedade do senhor – podendo o mesmo dispor dos homens e bens que nele se encontram –, naquele o Estado se identifica com a própria figura do monarca, a qual representa em si a soberania estatal (GRUPPI, 1980, p. 9-10).

É em meio a esta composição do Estado moderno que surgem as ideias de Nicolau Maquiavel, conhecido também como o precursor da ciência po-lítica. Suas concepções trazem uma teoria de constituição do Estado mo-derno, possuidor de características próprias a partir do manejo da política e autodeterminação de acordo com suas próprias leis (GRUPPI, 1980, p. 10). Maquiavel propõe uma dissociação entre a moral e a política, considerando a moral a partir de uma visão egoística da natureza humana, o que, segundo ele, se reflete nas relações sociais entre os cidadãos demandando a constru-ção de um Estado absoluto, com poderes suficientes para ser temido pelos homens (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2000).

Os contratualistasAdentrando uma perspectiva propriamente contratualista da concepção

de Estado, pode-se dizer que o mesmo consiste na associação humana para a superação de um hipotético estado de natureza por meio de um contra-to social firmado pelos homens na origem das civilizações, o que, natural-mente, confere legitimidade ao poder estatal. Esse contrato social se traduz numa metáfora fundadora da racionalidade social e política da modernidade ocidental (SANTOS, 2006).

Mas, para a perfeita compreensão dessa ideia e da própria origem do Estado, não se poderia deixar de observar as premissas trazidas pelos prin-cipais pensadores da modernidade, os quais se puseram a discutir as nuan-ces inerentes ao estado de natureza e ao consequente contrato social, como Hobbes, Locke e Rousseau, considerando também o posterior posiciona-mento de Hegel.

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Para Hobbes (1999), pautado em tendências declaradamente absolutis- tas1, no estado de natureza, isto é, antes de qualquer sociabilidade, o homem é dono de um poder ilimitado, sendo capaz de fazer tudo aquilo que seu pró-prio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim, o que, naturalmente, conduz a uma preponderância de interesses egoístas e a uma atmosfera de insegurança, angústia e medo. Diante disso, o homem reco-nhece a necessidade de “renunciar a seu direito a todas as coisas, contendo-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que os outros homens permitem em relação a si mesmo.” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 210).

O contrato social surge, portanto, como um pacto celebrado para instituir uma nova ordem, na qual todos abdicam de sua vontade em favor de um homem ou de uma assembleia de homens (ARANHA; MARTINS, 1993). Dessa forma, dentro das premissas pregadas por Hobbes (1999), esse contrato seria um instrumento de superação de uma condição humana caracterizada es-sencialmente por uma situação de guerra de todos contra todos, em que cada um é governado por sua própria razão.

Diferentemente de Hobbes, Locke não enxergava o estado de natureza como uma situação de guerra de todos contra todos e egoísmo, pontuan-do apenas que o homem em estado natural é juiz em sua causa própria, o que poderia ensejar a interferência de paixões e parcialidades na desesta-bilização das relações sociais. Assim, como forma de garantir a proteção ao direito de propriedade, este consagrado pelas aspirações liberais2, as pes-soas consentem em instituir um corpo político, sem que, no entanto, ao contrário do absolutismo, desapareçam os direitos naturais do homem (ARANHA; MARTINS, 1993).

Rousseau (2002), por sua vez, construiu uma hipótese de homens em estado de natureza, vivendo em condições de felicidade e liberdade ao trata-rem da própria sobrevivência, até que o processo civilizatório viria a corrom-pê-lo, visto que, segundo suas percepções, a socialização em concomitância com a desigualdade material traria a renúncia à liberdade do homem.

Renunciar à liberdade é o mesmo que renunciar à própria qualidade de homem, aos direitos da Humanidade, inclusive aos seus deveres. Não há nenhuma compensação possível para quem quer que renuncie a tudo. Tal renúncia é incompatível com a natureza humana, e é arrebatar toda moralidade a suas ações bem como subtrair toda liberdade à sua vontade. (ROUSSEAU, 2002, p.17)

O contrato social, para Rousseau, é tido como legítimo, uma vez que, para ele, se trata de uma congregação de forças, em que cada um participa daqui-

1 Absolutismo: Surgido talvez no século XVIII, mas difundido na primei-ra metade do século XIX, para indicar nos círculos liberais os aspectos ne-gativos do poder monár-quico ilimitado e pleno, o termo-conceito Absolu-tismo espalhou-se desde esse tempo em todas as linguagens técnicas euro-peias para indicar, sob a aparência de um fenôme-no único ou pelo menos unitário, espécies de fatos ou categorias diversas da experiência política, ora (e em medida predo-minante) com explícita ou implícita condenação dos métodos de Governo autoritário em defesa dos princípios liberais, ora, e bem ao contrário (com re-sultados qualitativa e até quantitativamente efica-zes), com ares de demons-tração da inelutabilidade e da conveniência se não da necessidade do sistema monocrático e centraliza-do para o bom funciona-mento de uma unidade política moderna (BOBBIO et al., 2000, p. 1).

2 Liberalismo: Em contra-posição ao Estado absolu-to, o liberalismo traz como premissa a liberdade polí-tica, mediante a participa-ção indireta dos cidadãos na vida política e a res-ponsabilidade do gover-no diante das assembleias e/ou dos eleitores, além da própria autonomia da Sociedade Civil como autogoverno local e asso-ciativo ou como espaço econômico (mercado) e cultural (opinião pública) no interior do Estado não diretamente governado por ele (BOBBIO et al., 2000). A consolidação do pensamento econômico liberal clássico ocorreu a partir da segunda metade do século XVIII, quando Adam Smith publicou o livro A Riqueza das Nações (1776), defendendo a atu-ação limitada do Estado na economia, censurando que o mesmo deveria ser apenas responsável pela segurança interna e exter-na, pela garantia do cum-primento dos contratos e pela prestação de serviços essenciais à utilidade pú-blica (PAULA, 2007).

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lo que é determinado em prol do todo social, por meio de uma associação, nestes termos:

Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, e permaneça tão livre quanto anteriormente. (ROUSSEAU, 2002, p. 24)

Diante disso, vistas as teorias contratualistas, vale mencionar a concepção de Estado trazida por Hegel, a qual se opõe à anterioridade dos indivíduos, pois, segundo esta, é o Estado que fundamenta a sociedade. Nesse sentido, não haveria homem em estado de natureza, haja vista ser o mesmo sempre um in-divíduo social. O Estado seria a sintetização dos interesses individuais, contradi-tórios dentro de uma perspectiva social coletiva (ARANHA; MARTINS, 1993).

Para Rousseau, “o Estado dissolve-se na sociedade e a Sociedade Civil triun- fa sobre a sociedade estatal. Para Hegel, ao contrário, é o Estado que triunfa sobre a Sociedade Civil e absorve esta” (GRUPPI, 1980, p. 24).

Muito embora existam especificidades nas diversas concepções contratu-alistas de Estado, há de se observar que todas contam com uma separação entre este e a Sociedade Civil3, vindo a ser o mesmo o garantidor das liberda-des individuais e, principalmente, da propriedade privada. Registre-se que a questão da proteção à propriedade emergirá como um dos principais pontos de debate entre os contratualistas, pois apenas Rousseau entende pela im-possibilidade de exercício da liberdade em meio à desigualdade material, ou seja, enquanto os demais contratualistas liberais se assentam em defender a legitimidade da igualdade formal – igualdade perante a lei, igualdade jurídi-ca –, ou até da desigualdade como forma de promoção da liberdade, Rousseau acusa a impossibilidade de liberdade sem a igualdade econômica ou econômico-social.

A ideia de exercício de liberdade é, portanto, o ponto crucial de distin-ção entre a concepção liberal e democrática de Estado no século XIX. A esse respeito cabe trazer a definição de Gruppi (1980):

a a) concepção liberal, que defende a correlação entre propriedade e li-berdade (isto é, a liberdade exige a desigualdade);

a b) concepção democrática, segundo a qual a liberdade baseia-se na igual-dade, mas essencialmente na igualdade jurídica (embora Rousseau chegue a colocar o problema da propriedade). (GRUPPI, 1980, p. 22, grifo do autor).

3 Vale registrar que, den- tro desta concepção, o conceito de Sociedade Civil abarca tanto conjunto das organizações não estatais na esfera das relações entre indivíduos e grupos (ARANHA; MARTINS, 1993), como o próprio merca-do em regime de livre concorrência.

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O mesmo autor não deixa de mencionar o fato de que já naquela época começa a se delinear uma fusão entre liberalismo e democracia, a partir de uma ampliação do sufrágio universal e da igualdade jurídica, que viria a se fortalecer no decorrer do século XX.

De maneira indireta à ideia de comunidade política, esta, advinda desde a pólis grega até o Estado moderno, Bobbio (1986) atenta para um ponto comum existente entre as teorias contratualistas, qual seja, a oposição ao estado de natureza. Entretanto, assevera que apenas a lei garantiria a uni-dade do todo, assegurando a totalidade que mantém unidas partes que de outra forma estariam em perpétuo conflito entre si.

Nesse sentido, a teoria do Estado moderno estaria toda centrada na figura da lei como fonte de padronização de convivência,

[...] contraposta à figura do contrato, cuja força normativa está subordinada à da lei, se explícita apenas nos limites de validade estabelecidos pela lei e, além do mais, reaparece, sob a forma de direito pactício, nos casos em que a soberania do estado singular se choca com a idêntica soberania dos demais estados. (BOBBIO, 1986, p. 131)

Assim, o citado pensador tenta demonstrar que a figura do contrato es-taria subordinada à lei, enquanto esta, por sua vez, estaria subordinada a quem cabe o poder de fazer as leis, ou seja, o soberano. Constata-se, dessa forma, que as teorias contratualistas tratam apenas de uma “figuração” da vida política, posto que a mesma se apresenta por meio de conflitos jamais resolvidos definitivamente, de modo que a doutrina traçada pelos escritores políticos e de direito público, de Bodin a Rousseau, de Hobbes a Hegel, tem não só um caráter explicativo, mas também um caráter normativo, preceitu-ando apenas “o que deveria ser” (BOBBIO, 1986).

A crítica marxistaA crítica marxista às concepções liberais e democrático-burguesas de

Estado emerge a partir da constatação de que a igualdade e a liberdade são destinadas a apenas uma parcela da população, qual seja, a burguesia eco-nomicamente dominante. Nesse sentido, entende-se Karl Marx pela cone-xão entre Sociedade Civil e Estado – ao contrário da separação entre ambos pregada pelo pensamento liberal. O Estado é entendido, portanto, como uma expressão da Sociedade Civil, ao chancelar a perpetuação das relações econômicas capitalistas (GRUPPI, 1980).

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Contrariando os preceitos hegelianos de que o Estado teria fundado a Sociedade Civil, Marx trouxe a concepção de que esta última, a partir do seu conjunto de relações econômicas autônomas, é que explica o surgimento do Estado com a finalidade de proteção às liberdades individuais centradas no direito à propriedade privada e liberdade das transações econômicas. Dessa forma, pode-se dizer que as relações de produção constituem a estrutura econômica da sociedade, a qual, por sua vez, serve de alicerce para a difusão de uma superestrutura jurídica e política – materializada, entre outros, na figura do Estado –, a serviço de um processo de dominação da classe bur-guesa sobre a proletária (GRUPPI, 1980).

Friedrich Engels, reconhecendo o nascimento do Estado a partir de um contexto de luta de classes, vai além das premissas marxistas e traz a ideia de que o mesmo, muito embora advenha da sociedade, se coloca acima dela para tentar harmonizar as contradições a ela inerentes. Desse modo, o Estado entendido como a expressão de dominação de uma classe serve como me-diador da própria luta que o originou, regulamentando juridicamente os con-flitos em prol de um possível equilíbrio jurídico e político (GRUPPI, 1980).

Para o intelectual italiano Antônio Gramsci – estudioso da obra de Marx –, o surgimento da Sociedade Civil se dá a partir de um aumento na comple-xidade do fenômeno estatal causado pela intensificação dos processos de socialização da participação política. Desse modo, a Sociedade Civil pode ser compreendida como o conjunto das organizações responsáveis pela elabo-ração e/ou difusão de ideologias, abarcando assim o sistema escolar privado sem fins lucrativos, os partidos políticos, as igrejas, os sindicatos, as organi-zações profissionais, entre outros (COUTINHO, 2003).

A partir dessas concepções, não se pode deixar de observar que, enquan-to as teorias liberais contratualistas entendem, em regra, pela formação do Estado a partir de um pacto celebrado espontaneamente pelos homens no hipotético estado de natureza, a teoria marxista aponta a origem do Estado a partir da legitimação de um processo de dominação entre classes e perpe-tuação de uma estrutura econômica capitalista.

A crítica marxista traz, portanto, uma nova forma de visualizar a relação entre Estado e Sociedade Civil. Todavia, o fato é que no decurso da história da humanidade a aliança entre liberalismo e democracia fez triunfar a con-cepção de Estado tida como “burguesa”. Assim, é possível afirmar que, de um

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modo geral, a comunidade política ocidental veio a assentar seus entendi-mentos com base nas concepções contratualistas de constituição do Estado, desenvolvendo novas formas de interpretação a partir de suas premissas.

Vistas as teorias que tentam explicar a constituição do Estado e as suas respectivas interações com a Sociedade Civil, importa mencionar que dentro de um contexto mais contemporâneo esses institutos estão sujeitos a fato-res de diferentes ordens que contribuem e interferem em sua configuração. O Estado contemporâneo se encontra numa atmosfera de constantes e in-tensas mudanças, às quais nem ele nem a Administração Pública podem se esquivar (VERGARA, 2004). Nessa nova configuração, a qual ainda não pode ser precisamente delineada dada a velocidade das suas mudanças, o Estado assiste à emergência da hegemonia dos mercados em face de um panora-ma globalizado, no qual parece buscar a redefinição do seu papel e reflexão sobre as suas reais premissas.

Como forma de demonstrar a manifestação dessas novas configurações estatais e suas correlações com as formas de parceria na Administração Pú-blica, é importante discorrermos sobre a reformulação do conceito de “Públi-co” e os principais modelos de gestão pública identificados nesse panorama a fim de tecermos uma apresentação contextualizada dessas parcerias, pois, conforme se perceberá a seguir, as mesmas são produto de diferentes pro-cessos políticos permeados por interesse sociais e econômicos específicos do contexto em que são instituídas.

A reformulação do conceito de “Público”O conceito de “Público” encontra-se diretamente relacionado com as con-

cepções acerca da composição do Estado e da própria Sociedade Civil. Assim, a delimitação do que se poderia entender por “espaço público”, ou seja, o espaço de todos, passa pela reflexão das interdependências existentes entre o Estado e a Sociedade Civil, inclusive no âmbito da sua complementaridade. Dessa forma, a partir da compreensão do conceito de “Público” dentro dessa relação passaremos a compreender de forma contextualizada as nuances das parcerias na Administração Pública, as quais emanam justamente das relações entre o Estado e a sociedade.

Nesse sentido, é importante mencionar o entendimento esboçado pelo cientista político Norberto Bobbio em sua obra “Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política”, onde apresenta:

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Embora prescindindo da consideração de que os dois processos – do Estado que se faz sociedade e da sociedade que se faz Estado – são contraditórios, pois a conclusão do primeiro conduziria ao Estado sem sociedade, isto é, ao Estado totalitário, e a conclusão do segundo à sociedade sem Estado, isto é, à extinção do Estado, o fato é que eles estão longe de se concluir e, exatamente por conviverem não obstante a sua contraditoriedade, não são suscetíveis de conclusão. (BOBBIO, 1997, p. 51)

Conforme se observa, o mencionado cientista político discorre acerca da formação da Sociedade Civil e do Estado a partir de um processo de tensão inerente à sua coexistência e reconstrução mútua através do pro-cesso de participação. Dá seguimento ainda ao entendimento de que as figuras do cidadão participante e do cidadão protegido encontram-se em situação conflituosa, onde o cidadão participante exige maior proteção do Estado e, por conseguinte, reforça a existência deste último. O que permite uma clara percepção da articulação interna do sistema social em sua com-plexidade (BOBBIO, 1997).

Segundo Keinert (2000), o “público” deve ser considerado como um espaço dinâmico, produto do entrelaçamento entre Estado e Sociedade Civil, não comportando, dessa forma, uma delimitação dicotômica entre este e o “privado”. Em relação sobre a rearticulação das relações entre Estado e socie-dade, essa autora aponta para o que Grau (1995) chama de “deslocamento do público”, percebido a partir da consideração de duas principais matrizes estatais, a Estadocêntrica e a Sociocêntrica.

Essa segmentação é de vital importância para visualizarmos o conceito de público à luz das configurações estatais, pois a partir de uma compreensão do entendimento de “espaço público” em face das matrizes Estadocêntrica e Sociocêntrica será possível perceber os fundamentos basilares do processo de “privatização” das funções estatais, no qual as parcerias da Administração Pública emergem como principal meio de implementação.

A matriz Estadocêntrica surge a partir do início do século XX numa contra-posição à hegemonia do liberalismo e suas configurações estatais. Apresen-ta assim um entendimento pelo intervencionismo do Estado na economia e nas relações sociais, absorvendo, dessa forma, os conflitos de interesses desenvolvidos na esfera privada (KEINERT, 2000). Num processo de interpe-netração, pode-se afirmar então que a sociedade passou a assumir formas mais estatizadas e o Estado, por sua vez, feições mais sociais.

Um marco da difusão dessa matriz estatal é a crise de 1929, a qual [...] coloca em xeque a economia liberal, quando se manifestam as limitações da própria concorrência no mercado, produto, entre outros, da concentração de

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capitais. O Estado transforma-se em interventor por demanda, inclusive do setor privado (KEINERT, 2000, p. 77).

É a partir dessa percepção de Estado intervencionista, centralizador das decisões políticas, que viria a se difundir o chamado Estado do Bem-Estar4, caracterizado pela restrição dos livres mercados, um maior domínio sobre a Sociedade Civil, um compromisso com os direitos sociais e com a condução do desenvolvimento econômico da nação.

Segundo Pereira (2009, p. 72), a origem do Estado do Bem-Estar encontra--se associada a três elementos básicos, quais sejam

[...] a existência de excedentes econômicos possíveis de serem realocados pelo Estado para atender às necessidades sociais; o pensamento keynesiano, que estruturou a sua base teórica; e a experiência de centralização governamental durante a Segunda Guerra Mundial, que fomentou o crescimento da capacidade administrativa do Estado.

Registre-se que a garantia de um relativo bem-estar às classes menos fa-vorecidas, por parte do Estado, não se configura como uma oposição ao sis-tema capitalista, mas sim como forma de harmonizar a relação de exploração do trabalho e concentração de capital, ou seja, a partir de uma redistribuição de bens por meio da assistência estatal, busca-se uma manutenção da de-manda agregada evitando o surgimento de novas crises de acumulação, tais como a de 1929.

Ocorre que com o advento da crise do petróleo no decorrer da década de 1970, veio também a crise fiscal e de governabilidade, associadas a um mo-mento histórico de globalização tanto das relações financeiras como comer-ciais. A dita crise fiscal veio a se agravar em meados da década subsequente, tendo como consequências medidas de privatização de setores antes domi-nados pelo Estado. A Inglaterra foi a nação precursora nessa “onda” de reto-mada das premissas do Estado mínimo, pregada pelo liberalismo clássico.

Conforme define Di Pietro (2009, p. 13), “[...] o Estado, ao mesmo tempo em que foi chamado a agir nos campos social e econômico, para assegurar a jus-tiça social, passou a pôr em perigo a liberdade individual [...]”. Nesses termos, reorienta-se a concepção de “público” e as premissas constantes na matriz Estadocêntrica cedem lugar às ideias da matriz Sociocêntrica de Estado.

A matriz Sociocêntrica de Estado, surgida a partir da década de 1980, nasce num contexto de aceleradas mudanças impulsionadas pelo pro-cesso de globalização, as quais trazem consigo avanços na tecnologia da informação, seguidas de novos formatos institucionais (KEINERT, 2000).

4 Estado do Bem-Estar, também conhecido como Welfare State, pode ser definido como: Sistema econômico baseado na livre empresa, mas com acentuada participação do Estado na promoção de benefícios sociais. Seu objetivo é proporcionar ao conjunto dos cidadãos padrões de vida mínimos, desenvolver a produção de bens e serviços sociais, controlar o ciclo econômi-co e ajustar o total da pro-dução, considerando os custos e as rendas sociais (SANDRONI, 1999. p. 220).

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Esses novos formatos inevitavelmente exercem influência sobre a confi-guração do Estado-Nação uma vez que o fluxo internacional dos capitais financeiros foge da esfera de controle estatal, compondo a chamada “nova ordem internacional”, caracterizada pela hegemonia dos mercados e exis-tência de Agências Internacionais de regulação. Com essa diminuição da esfera de atuação do Estado,

O pensamento político administrativo vai rumando concretamente em direção à sociedade. Surgem novas formas de representação e manifestação da sociedade que ampliam a esfera pública, clamando também por uma reforma do Estado – no sentido de torná-lo mais permeável à participação da população e aos novos atores sociais – e por formatos institucionais inovadores. (KEINERT, 2000, p. 88)

Conforme será demonstrado ainda neste capítulo, muito desse processo de redução do Estado se materializa através das chamadas “privatizações”, numa redefinição dos limites de atuação do próprio Estado. Ou seja, a partir de uma tentativa de reversão das aduzidas disfunções do Estado interven-cionista, o mesmo cede lugar à iniciativa privada para o desenvolvimento de atividades econômicas específicas que antes eram da sua alçada.

A diminuição da máquina pública estatal conta, dessa forma, com a delegação de atribuições do Estado à iniciativa privada, restando em sua competência própria e direta apenas as atividades de segurança, justiça, polícia, legislação, defesa e relações exteriores. As demais esferas, tais como a social e a econômica, dentro de um processo de “privatização” vivido pelo Estado, são administradas em regime de cooperação entre o poder público e a iniciativa privada, dando motivo ao que podemos chamar de “parcerias da Administração Pública.”

Essas parcerias se verificam principalmente a partir das mencionadas novas configurações estatais, tendo sua máxima expressão baseada no modelo de gestão pública denominado de “gerencialista”. Para a compreen-são sobre a difusão e implementação das “parcerias da Administração Pú-blica”, compete trazermos uma breve conceituação sobre os principais mo-delos de gestão pública, como forma de esboçar os parâmetros em que tais parcerias vêm sendo deliberadas na realidade brasileira.

Modelos de gestão e parcerias na Administração Pública

Os modelos de gestão pública podem ser classificados em três formas que foram ou são predominantes ao longo do tempo: o Patrimonialismo,

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a Burocracia e o Gerencialismo. Neste tópico trataremos de cada um deles e a partir do contexto em que se mostram preponderantes, uma vez que tais modelos não se encontram presentes de forma pura na realidade, su-cedendo-se apenas em forma de predominância, pois não se pode despre-zar a possibilidade de em um mesmo contexto histórico serem encontrados elementos pertinentes aos três modelos de gestão, misturados numa única Administração Pública.

PatrimonialismoO Patrimonialismo é a gestão do Estado com base na vontade do gover-

nante; nas palavras de Chiavenato (2006, p. 120) “no Patrimonialismo, o apa-relho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano”.

Os cargos da administração são ocupados de acordo com o arbítrio do governante que nomeia seus favoritos segundo critério próprio. “Os cargos são considerados prebendas” de que o soberano dispõe, geralmente, a seu favor e de seus colaboradores (NOGUEIRA, 2006, p. 231). O mesmo acontece com os bens públicos; utilizados não em interesse da coletividade, mas do soberano e de seus correligionários, resultando assim na abundância de cor-rupção e nepotismo.

No Brasil, o predomínio dessa forma de gestão pública ocorreu duran-te a época do Brasil-Colônia, através do sistema de capitanias hereditárias. A predominância desse modelo de gestão perdurou até depois da procla-mação da República. Segundo assevera Paula (2005), no período colonial, a gestão pública era extremamente centralizada e o desenvolvimento do país era deixado de lado pela Administração Pública que tinha função primor-dialmente tributária.

Vale ressaltar que a consolidação do Patrimonialismo no país contava principalmente com a chamada “política” de recursos humanos então pre-ponderante, na qual os cargos eram distribuídos sem nenhum critério além do arbítrio do soberano.

Desse modo, o serviço público não era profissionalizado. Aproximava--se da imagem de uma instituição parasitária e com atribuições confusas entre seus diversos órgãos. “As esferas política e econômica se confundiam, transformando a busca do poder político na posse de um ‘patrimônio’ de

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grande valor ou no controle direto de uma fonte substancial de riqueza.” (PAULA, 2005, p. 106).

As parcerias entre a Administração Pública e o setor privado não podem ser identificadas num contexto como esse, uma vez que, nessas circunstân-cias, o próprio conceito de “Público” ainda não se encontra amadurecido. Não há, portanto, uma clara concepção das relações e interdependências entre o Estado e a Sociedade Civil – tal como colocados neste capítulo –, justamente em razão de os interesses, público e privado, emanarem de um único ator político.

BurocraciaDesde a Antiguidade encontram-se algumas características burocráticas

em diversas sociedades (gregos, romanos, egípcios). Porém, ela só passa a ser difundida como uma forma de organização social – e de administração – a partir do século XIX. Seu fortalecimento deve-se em grande parte ao robus-tecimento da democracia e do capitalismo; e ao descontentamento dessa nova sociedade (capitalista e democrata) com o sistema patrimonialista.

A Burocracia é uma forma de administração fundada basicamente na busca por racionalidade, eficiência, na impessoalidade, na hierarquização, na profissionalização e num sistema de controle comportamental efetuado a priori, ou seja, a Burocracia tenta prever as ações indesejáveis e cria regula-mentos e sistemas de punição anteriores à ação do indivíduo.

Em oposição à arbitrariedade do Patrimonialismo, este modelo conta com mecanismos que limitam a liberdade de ação do burocrata, de modo que este fica restrito a agir apenas de acordo com o que lhe é estabeleci-do pela Burocracia em que está inserido. As atividades-meio, dessa forma, estão muito bem “amarradas” dentro desse modelo de gestão. Tal fato ga-rante que as políticas estabelecidas sejam cumpridas pelo corpo de funcio-nários do aparelho do Estado, visando garantir a efetividade em relação à realização dos processos, o que não significa uma igual preocupação com a obtenção dos resultados.

A Burocracia é uma forma de organização baseada no que Weber chama de poder racional-legal. Nele os indivíduos obedecem aos regulamentos e aos superiores por estarem estes legitimados pela lei e por acreditarem que é o melhor para a organização.

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Aragão (1997) nos traz uma boa caracterização da burocracia com base no modelo ideal de Weber (é importante ter em mente que o modelo ideal nunca será encontrado em sua forma pura, visto que transpô-lo para realida-de torna-o imperfeito):

a) estrutura de autoridade impessoal; b) hierarquia de cargos baseada em um sistema de carreiras altamente especificado; c) cargos com claras esferas de competência e atribuições; d) sistema de livre seleção para preenchimento dos cargos, baseado em regras específicas e contrato claro; e) seleção com base em qualificação técnica (não há nomeação e não há eleição); f ) remuneração expressa em moeda e baseada em quantias fixas, graduada conforme o nível hierárquico e a responsabilidade do cargo; g) o cargo como a única ocupação do burocrata; h) promoção baseada em sistema de mérito; i) separação entre os meios de administração e a propriedade privada do burocrata; e j) sistemática e rigorosa disciplina e controle do cargo. (ARAGÃO, 1997, p. 109)

Outra característica importante da Burocracia, porém não explícita na anterior citação, é a formalização da comunicação. Todos os processos são documentados e a comunicação é feita não informalmente, mas por canais previamente estabelecidos e também documentados.

A Burocracia, entretanto, não ficou isenta de críticas. Um dos seus pontos negativos é o excesso de ênfase no controle dos processos, pois o burocrata passa a trabalhar em função dos regulamentos; perdendo de vista o propó-sito de seu trabalho e os objetivos do Estado. Outro ponto de observação é a rotinização dos processos de trabalho, que em sua origem serviria para tor-ná-los mais rápidos e eficientes. Porém, no centro da Administração Pública, tal rotinização “engessa” o aparelho do Estado visto que o torna muito menos flexível para lidar com problemas que exigem soluções inovadoras. Decorre ainda dessa rotinização a resistência a mudanças muitas vezes necessárias em um contexto dinâmico.

No caso da Administração Pública brasileira, esse modelo de gestão tem uma das suas primeiras manifestações a partir da mencionada criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) no governo Vargas, configurando-se assim um período de transição entre a predominância do modelo patrimonialista para o burocrático até o advento do governo militar. Surgia assim uma nova consciência de adequação do aparelho do Estado às necessidades da sociedade.

Num primeiro momento essa adequação foi feita por meio de um aper-feiçoamento técnico da gestão aliado à centralização do poder estatal. O Estado passava agora a se preocupar com uma atuação de agente promo-tor do desenvolvimento econômico do país. Surgiram “ministérios, órgãos centrais fortes e instrumentos legais para atuação e controle” (NOGUEIRA,

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2006, p. 128). Nesse sentido, a partir de 1942, a Administração Pública passa a focar esforços no desenvolvimento do país, ficando a regulação econô-mica em segundo plano. O Estado cria várias empresas de direito privado que intervêm na produção nacional. Investe-se na estrutura infraeconômica do país, na indústria de base e estimula-se a pequena produção industrial. Registre-se que essas reformas não foram elaboradas de forma estudada, que visasse à realidade brasileira. Isso provocou um “inchaço” da máquina estatal e a eficiência pretendida não foi alcançada.

Esse processo prossegue até 1952, quando é elaborado um anteprojeto de reforma da Administração Pública federal. Posteriormente, em 1956, é criada a Comissão de Simplificação Burocrática, a COSB, que visava reduzir os trâmi-tes burocráticos e torná-los mais ágeis. Também em 1956 é criada a Comissão de Estudos e Projetos Administrativos, que tinha o intuito de assessorar o con-gresso na elaboração da reforma administrativa (NOGUEIRA, 2006). Entretan-to, longe de atingir os resultados, essas comissões provocaram maior centrali-zação do executivo e pioraram o problema do excesso de procedimentos.

Depois dessa fase, no início dos anos 1960, o aparelho do Estado começa a implementar o que chamamos de “descentralização administrativa”, a partir da criação de entidades componentes da “administração indireta”. Esse pro-cesso é acelerado pelo advento da ditadura militar.

Na medida em que o Estado burocrático, dentro ainda de uma matriz Es-tadocêntrica do conceito de Público, passa a assumir atividades no campo social e econômico – antes pertencentes ao setor privado –, surge a necessi-dade de uma maior “especialização” das suas ações para atuar nessas áreas. Uma expressão maior desse início do processo de “descentralização” se verifi-ca a partir do Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, o qual definia a au-tarquia (“administração indireta”) como entidade responsável pela prestação de serviço público da competência do Estado.

Contudo, os esforços empreendidos na descentralização da máquina pú-blica não viriam a romper com a carência de flexibilidade do modelo bu-rocrático. A inflexibilidade, que no momento de expansão burocrática não era vista como um problema passou a se tornar um elemento insustentável a partir do advento da globalização e do aprimoramento da tecnologia da informação, pois com isso o próprio papel do Estado transformou-se e suas atribuições passaram a demandar novos formatos institucionais – principal-mente no plano socioeconômico.

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GerencialismoDas críticas ao Estado burocrático surge um novo modelo de gestão pú-

blica: o Gerencialismo.

Aplicado inicialmente nos EUA e no Reino Unido, nos governos Reagan e Thatcher, o Gerencialismo emerge como uma alternativa à burocracia na segunda metade do século XX, ganhando força principalmente a partir dos anos 1980 (PAULA, 2005).

Devido às novas demandas da sociedade para com o Estado e ao dina-mismo da chamada “nova ordem internacional”, torna-se de vital importân-cia que o aparato estatal seja mais flexível e eficiente na implementação de suas ações, otimizando assim a alocação dos escassos recursos públicos de que dispõe. Como forma de atendimento a essas demandas deu-se o início de um processo de “importação” de ferramentas gerenciais pertencentes à administração privada para a esfera da Administração Pública.

Vale mencionar que, apesar das diferenças, o modelo gerencialista não propõe um rompimento completo com a totalidade das premissas burocrá-ticas, mas sim uma série de mudanças em suas disfunções. O profissionalis-mo continua sendo aspecto fundamental na gestão pública.

Conforme afirma Chiavenato (2006, p. 121):

[...] a Administração Pública gerencial está apoiada na anterior, da qual conserva, embora flexibilizando, alguns dos seus princípios fundamentais, como a admissão segundo rígidos critérios de mérito, a existência de um sistema estruturado e universal de remuneração, as carreiras, a avaliação constante de desempenho, o treinamento sistemático.

Ao contrário do modelo burocrático, no Gerencialismo o controle é exer-cido a posteriori; sobre os resultados e não sobre os processos. Os gestores públicos passam a ter mais autonomia e responsabilidade sobre seus recur-sos. Suas ações estão voltadas para o contribuinte e não para a manutenção do poder do Estado, sendo o alcance dos objetivos o elemento mais impor-tante para o gestor público.

É a partir desse modelo de gestão, pautado no monitoramento de resulta-dos, que se viabiliza uma maior descentralização das unidades executoras das políticas do Estado, visto que o controle dos resultados dispensa uma super-visão direta. O controle por resultados ou administração por objetivos permi-te, além da descentralização, a horizontalização da hierarquia. Isso é possível porque nessa gestão vários cargos de controle tornam-se desnecessários.

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Especificamente no caso do Brasil, pode-se dizer que durante a década de 1990 voltaram a oscilar as preocupações com a reforma administrativa do Estado. A aliança social-liberal do governo Fernando Henrique Cardoso decidiu seguir as recomendações do Consenso de Washington, que busca-va auxiliar os governos da América Latina quanto às crises em suas gestões. Nesse alinhamento, o governo brasileiro decidiu implementar o Gerencialis-mo, tendo como passo inicial para tal intento a criação do Ministério da Ad-ministração e Reforma do Estado, o MARE, sendo indicado para a ocupação do cargo de ministro o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira.

Ao retornar do Reino Unido, onde fora aprender sobre a implementação do Gerencialismo, o já então ministro Bresser-Pereira apresenta o Plano Dire-tor da Reforma do Estado, em janeiro de 1995. Após discussões no Conselho da Reforma do Estado e no Congresso Nacional, a reestruturação recomen-dada no dito plano foi finalmente promulgada em 1998.

Em resumo, o plano consistia numa divisão da estrutura administrativa do Estado em dois grandes blocos: um de atividades exclusivas do Estado, e outro de não exclusivas. As primeiras compreendem

[...] a legislação, a regulação, a fiscalização, o fomento e a formulação de políticas públicas, que são atividades que pertencem ao domínio do núcleo estratégico do Estado, composto pela Presidência da República e os Ministérios (Poder Executivo), e que seriam realizadas pelas secretarias formuladoras de políticas públicas, pelas agências executivas e pelas agências reguladoras. (PAULA, 2005, p. 38)

Já atividades não exclusivas são

[...] as “atividades não exclusivas” do Estado: os serviços de caráter competitivo e as atividades auxiliares ou de apoio. No âmbito das atividades de caráter competitivo estão os serviços sociais (e.g. saúde, educação, assistência social) e científicos, que seriam prestados tanto pela iniciativa privada como pelas organizações sociais que integrariam o setor público não estatal. Já as atividades auxiliares ou de apoio, como limpeza, vigilância, transporte, serviços técnicos e manutenção, seriam submetidas à licitação pública e contratadas com terceiros. (PAULA, 2005, p. 38)

É justamente essa percepção da esfera pública não estatal – já menciona-da na explanação sobre a matriz Sociocêntrica de Estado – que virá a acentuar a difusão das parcerias entre o Estado e a Sociedade Civil, especificamente, entre a Administração Pública e o setor privado. A consideração do setor pri-vado como agente de cooperação no desempenho das atividades estatais é o elemento propulsor da difusão das parcerias da Administração Pública como efetivo instrumento de gestão.

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PrivatizaçãoVistas as configurações estatais e os principais modelos de gestão públi-

ca como forma de caracterização do contexto onde se inserem as parcerias entre o Estado e o setor privado, importa agora discorrermos sobre o proces-so de privatização impulsionado por tais forças.

Sem desconsiderar a amplitude do termo “privatização”, Di Pietro (2009) elenca suas principais medidas caracterizadoras, quais sejam: a) a desregu-lação (diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico); b) a desmonopolização de atividades econômicas; c) a venda de ações de em-presas estatais ao setor privado (desnacionalização ou desestatização); d) a concessão de serviços públicos (empresas privadas como concessionárias); e e) o contractin out (colaboração com o setor privado e outras formas de terceirização).

Em citação de Rojas (1993, p. 100-101) a mesma autora transcreve o con-ceito amplo de privatização consistente em iniciativas governamentais

[...] a incrementar o papel do setor privado e, paralelamente, a reduzir o intervencionismo estatal na economia. É um conceito que engloba vários meios destinados a mudar a relação entre o Governo e o setor econômico privado, distintos e em grande medida alternativos entre si.

Assim, considerando o termo “privatização” em sentido amplo é possí-vel afirmar que o mesmo comporta diversas formas de parceria entre a Ad-ministração Pública e a iniciativa privada. Contudo, não se pode deixar de mencionar que existe também o conceito restrito de privatização, o qual corresponde à transferência de empresas estatais para o setor privado, seja por meio dos seus ativos ou de ações, ou ainda, da transferência de um dado setor econômico específico. Essa forma de privatização encontra-se normatizada pela Lei 9.491/97.

O sentido amplo do instituto da privatização serve então para designar todos os instrumentos utilizados pelo Estado para reduzir o tamanho da sua máquina administrativa, sendo

[...] correto afirmar que a concessão de serviços e de obras públicas e os vários modos de parceria com o setor privado, inclusive a parceria público-privada, constituem formas de privatizar; e que a própria desburocratização proposta para algumas atividades da Administração Pública também constitui instrumento de privatização. (DI PIETRO, 2009, p. 8)

Nesses termos, o processo de Reforma do Estado a partir da redução do intervencionismo e implementação do modelo de gestão pública gerencia-

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lista conduzem a um processo de privatização caracterizado pelo fomento das atividades econômicas de livre concorrência na prestação de serviços antes tidos como de competência estatal, e, ainda, ao estabelecimento de parcerias entre o setor público e o privado, numa relação de complementa-ridade entre essas duas esferas.

É correto afirmar, portanto, que a privatização manejada pelo fomen-to à iniciativa privada e o estabelecimento de parcerias se afiguram como forma de trazer maior flexibilidade às ações estatais, as quais precisam se desburocratizar para atender o dinamismo dos novos formatos institucio-nais contemporâneos.

DescentralizaçãoA descentralização é um fenômeno que pode ser analisado por diversos

âmbitos, portanto, cumpre mencionar que abordaremos neste tópico a partir da sua perspectiva administrativa, ou seja, apenas no que tange à conforma-ção assumida pela Administração Pública em sua estrutura organizacional para o desempenho de suas funções.

Dentro dessa perspectiva, os novos formatos institucionais, acompa-nhados da complexificação das relações sociais, trouxeram uma demanda por maior especialização de funções na execução das atividades do Estado. Assim, o governo passa a transferir atividades que seriam próprias da Admi-nistração Pública, a fim de atender as necessidades da sociedade, delegando atribuições que seriam de uma pessoa jurídica pública – p. ex.: União, Estados ou Municípios – para outra pessoa jurídica, a qual pode ser pública ou não.

Em alusão ao processo de descentralização vivido pelo Brasil a partir da Reforma do Estado, Ribeiro (2002, p. 11) registra: “A perspectiva de descen-tralização adotada pautou-se numa nova visão das relações Estado-Socie-dade e baseou-se numa visão histórica da evolução do aparelho do Estado, representando uma ruptura conceitual com o modelo institucional vigente nos últimos 60 anos”.

Segundo a autora ora transcrita, a mudança no padrão de intervenção social do Estado pode ser sentida a partir da concepção do espaço público não estatal, acompanhada do estabelecimento de parcerias e outras formas de cooperação entre o setor público e o privado.

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As formas de descentralização podem ser classificadas em: a) territorial ou geográfica; b) por serviços, funcional ou técnica; ou ainda c) por colabora-ção. A primeira modalidade é muito comum em Estados unitários, quando uma entidade local é dotada de personalidade jurídica própria para o de-senvolvimento de uma capacidade administrativa genérica. No caso brasi-leiro, por se tratar de um Estado federado – e não unitário – essa modalida-de de descentralização se verifica apenas no caso dos chamados “territórios federais”, os quais, dentro de um certo limite geográfico, possuem a capaci-dade genérica de administrar serviços como de saúde, segurança e justiça (DI PIETRO, 2009).

A segunda modalidade de descentralização ocorre quando o Estado, na pessoa da União, Estados ou Municípios, “cria uma nova pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela atribui a titularidade e a execução de deter-minado serviço público” (DI PIETRO, 2009, p. 45). A criação dessa nova pessoa jurídica se dá por meio de lei, surgindo assim uma autarquia, fundação go-vernamental, sociedade de economia mista ou uma empresa pública.

As autarquias, fundações governamentais, sociedades de economia mista e empresas públicas compõem o que se chama de “administração indireta”, esta fortalecida pelo processo de descentralização administra- tiva com o fim de melhor atender as demandas do novo contexto socio-político de forma específica e flexível. Já a “administração direta”, de outro ponto, consiste naqueles órgãos públicos diretamente vinculados ao chefe de governo, não possuindo assim personalidade jurídica própria nem auto-nomia administrativa ou financeira. São casos de “administração direta”, por exemplo, as Secretarias e Ministérios.

A terceira modalidade de descentralização – por colaboração – se dá a partir de um acordo de vontades5 ou ato administrativo unilateral6, nos quais “se transfere a execução de determinado serviço público a pessoa jurídica de direito privado, previamente existente, conservando o poder público a titu-laridade do serviço” (DI PIETRO, 2009, p. 46). Registre-se que, ao contrário das duas modalidades anteriores, na descentralização por colaboração o gover-no não cria uma nova pessoa jurídica e delega a ela a titularidade da execu-ção do serviço público, o que ocorre nesse caso é uma manutenção da titu-laridade do serviço em mãos do Estado, sendo delegada apenas a sua execução a pessoa jurídica já existente.

5 As principais formas de acordos de vontades são: as diversas formas de concessão; a permissão de serviço público disci-plinada pela Lei 8.987/95; os contratos de gestão com organizações sociais; e a franquia que tenha por objeto a delegação de ser-viço público (DI PIETRO, 2009).

6 As principais formas de ato administrativo unila-teral são: a autorização de serviço público preconiza-da pelo art. 21, incisos XI e XII, da Constituição Fede-ral; e a permissão de ser-viço público (DI PIETRO, 2009).

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Em resumo, pode-se afirmar que o processo de descentralização adminis-trativa do Estado consiste numa forma encontrada pela Administração Pública para atuar em áreas especializadas da vida econômica e social a partir de um regime jurídico mais flexível do que o da “administração direta”. A acentuação desse processo de descentralização se deve à tentativa de implementação de ferramentas da gestão privada no desenvolvimento das atividades públicas.

Ampliando seus conhecimentos

Descentralizar para privatizar?(POUPEAU, 2003)

As escolas francesas se mobilizam contra a descentralização liberal da edu-cação, que prejudica os profissionais e oferece condições para a criação de um mercado dentro do espírito de acordos internacionais já assinados na OCDE.

O tratamento dado pela mídia aos movimentos que agitam o sistema escolar francês ilustra de forma exemplar a maneira pela qual os reais interes-ses em jogo nas lutas sociais podem estar distantes do debate público. Greves que se podem ser prorrogadas e ocupações de estabelecimentos de ensino pelos pais de alunos ampliaram-se depois das férias da Páscoa, nas escolas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio de inúmeros departamentos1. Em al-gumas cidades, fizeram-se articulações com assalariados em via de demissão ou pertencentes a outras áreas do setor público e os funcionários da educa-ção participaram muito das manifestações do mês de maio. É evidente que a questão das aposentadorias continua mobilizando o corpo docente que, em virtude do período de formação, começa sua vida profissional mais tarde. Mas foram os projetos de descentralização, considerados como uma operação de desmantelamento do serviço público de educação, que desencadearam o movimento em curso.

Desde o fim do mês de abril, as escolas em luta de todos os departamen-tos2 mobilizados participam de reuniões nacionais. Os coletivos dos que par-ticipam do programa empregos-jovens3 e do pessoal não docente estão re-presentados nelas. O desafio é organizar um movimento de amplitude

1 Ver o site que atualiza a cada dia o conjunto de escolas em greve. Dispo-nível em: <www.reseau-desbahuts.net>.

2 Divisão administrativa da França.

3 Trata-se, na França, de emprego em tempo inte-gral, no setor público ou associativo, reservado aos jovens (18 e 30 anos de idade).

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nacional e com bases comuns: crítica da descentralização, defesa dos contra-tados por tempo determinado e inspetores de alunos, volta aos 37,5 anos de contribuição para o cálculo das aposentadorias. Trata-se também de evitar o desânimo e a desmobilização diante do silêncio por parte da maioria dos meios de comunicação, que pareceu ignorar que, há várias semanas, escolas do Havre, de Montpellier, de Béziers, de Toulouse e de Seine-Saint-Denis – sem esquecer os da Ilha de Reunião – estão em greve prorrogável.

Privatização disfarçada de “descentralização”

Criaram-se 16 mil vagas para coordenadores pedagógicos, mas sua situação lembra a flexibilização crescente de outros setores de atividade

As assembleias gerais demonstram o grau de motivação dos professores. A ameaça da descentralização já se faz sentir nas zonas menos equipadas quando a coletividade local não tem condições de compensar a redução das despesas do Estado. Em La Courneuve, em Seine Saint-Denis, o Fundo de Ação Social reduziu seu orçamento pela metade. Tomando-se apenas o caso do co-légio Politzer, 62 famílias estão ameaçadas de cobrança judicial por não terem podido pagar a conta de seus filhos no refeitório. Estes não almoçam mais na escola. Exemplos desse tipo alimentam o protesto dos professores que, no entanto, são taxados de “corporativistas”. Seu movimento está enraizado na constatação das dificuldades crescentes para assegurarem as tarefas peda-gógicas diante da omissão do Estado. As medidas recentes parecem-lhes um ataque suplementar contra o serviço público.

O movimento atual é um prolongamento das mobilizações que ocorreram desde que Luc Ferry assumiu suas funções no Ministério da Educação Nacional. Num primeiro momento, o ministro apostou na revalorização do corpo docente. Em janeiro, anunciou um “esforço significativo” de contratação de professores (30 mil, dos quais 18 mil para o Ensino Fundamental II) a fim de remediar provisoria-mente as saídas por aposentadoria. Nem todos os funcionários se beneficiaram dessa aparente vontade de conciliação. A criação de 16 mil postos de coorde-nadores pedagógicos em 2003 – em substituição à saída de 5 600 monitores de internato e inspetores de alunos (MI-SE) e à dispensa de 20 mil auxiliares de ensino, cujos contratos vencem este ano – deixa os últimos sem a formação e sem as perspectivas de futuro que lhes haviam sido prometidas. Desde dezem-bro de 2002, esses contratados por tempo determinado se mobilizaram na indi-ferença de algumas estruturas sindicais. O estatuto proposto aos coordenadores

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pedagógicos envolve, no entanto, muitos interesses em jogo: ele se baseia na contratação local e no estabelecimento de base anual para o tempo de traba-lho, coisas que lembram a flexibilização crescente de outros setores de atividade. Essa medida confirma, pois, as preocupações daqueles que nunca deixaram de denunciar a privatização latente do sistema de ensino. Sob a aparência de “des-centralização”, de desconcentração administrativa e de “autonomia das escolas”.

Equipes eficientes, contratos precários

Há uma privatização latente do sistema de ensino. Sob a aparência de “des-centralização”, de desconcentração administrativa e de “autonomia das escolas”

Nesse domínio, as políticas escolares da direita dão continuidade àquelas da esquerda. Quando questiona a “demagogia” da lei de orientação de 1989, que coloca “o aluno no centro do sistema”, Luc Ferry se esquece de que sempre faltaram os meios para se ensinar “de modo diferente”, como horas para a inte-gração das equipes pedagógicas ou acompanhamento individual dos alunos. A lei de orientação de 1989 ratificou a transferência (iniciada com as leis de descentralização da década de 1980) das atribuições administrativas para os estabelecimentos públicos de ensino. O ministro que afirma que a autonomia das escolas é a “chave de todas as outras reformas4” não ignora que o Ensino Fundamental I já experimentou, no plano municipal, o que as escolas do Ensino Fundamental II provavelmente vão conhecer no âmbito do departa-mento ou da região.

Marselha. No pátio da escola de Ensino Fundamental I Korsec, os professo-res das escolas em funcionamento esperam os pais de alunos para uma reu-nião informativa antes de irem juntos à manifestação de 1.° de maio. Nesse estabelecimento de ensino cercado de prédios caindo aos pedaços, 99% dos alunos são de origem imigrante, sendo 37% deles de primeira geração. Há dois anos, essa escola apresentava os resultados mais baixos da ZEP5 de Mar-selha, cidade que obteve a pior “classificação” escolar. A atuação da equipe pedagógica fez com que os resultados melhorassem, particularmente graças a classes com número reduzido de alunos e a encontros regulares com as fa-mílias. Mas o encarregado da biblioteca, contratado pelo programa emprego--jovem, deixou a escola – seu contrato não foi renovado. Resta apenas um dos quatro contratados pelo referido programa e que trabalhavam no ano ante-rior. A enfermeira se prepara para receber sua carta de transferência para a diretoria – dentro de pouco tempo, a escola só terá professores.

4 Libération, 20 de março de 2003.

5 Zona de Educação Prio-ritária, onde a ação edu-cacional é intensificada para combater o fracasso escolar.

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“Eficácia” e “coerência”

Depois de darem uma volta pela cidade, os professores da Korsec fica-ram estupefatos ao descobrir o quanto as escolas dos “bairros chiques” eram melhor equipadas. Os ideólogos da descentralização não mencionam o clien-telismo latente por ela veiculado. Em muitas escolas, a faxina já é terceirizada e o refeitório, mantido pela empresa Sodexho. Ao invés de privatização geral, o sistema de ensino é desmembrado e vendido aos pedaços. A distribuição das partes de mercado entre os municípios até pode ser feita sob a proteção de serviço público. Mas as escolas mais carentes, que têm a clientela menos “rentável” em termos de votos, não serão beneficiadas com isso. Para o Ensino Fundamental I, as consequências da descentralização e da “gestão local” não são diferentes apenas entre as regiões, mas também entre as escolas de uma mesma cidade e até de uma mesma zona.

A qualidade das escolas melhora com a atuação da equipe pedagógica, mas elas são desmembradas ao fim de seus contratos temporários

O primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin, no entanto, justifica – como seus antecessores socialistas – a transferência de mais de 110 mil funcionários da Educação Nacional para as coletividades territoriais dizendo que se trata da busca de maior “eficácia” e de maior “coerência” na organização do serviço pú-blico. Os assistentes sociais e os médicos das escolas serão incorporados aos conselhos gerais que já são encarregados da ação social; os quadros técnicos, operários e da área social (TOS), irão para os departamentos e regiões e serão responsáveis pela manutenção das escolas do Ensino Fundamental II. Os orien-tadores educacionais-psicólogos também vão ser transferidos para as regiões. Novo patrão, novas tarefas: eles se dedicarão ao trabalho de inserção e à profis-sionalização. A falta de treinamento tornará mais difícil ainda o funcionamento labiríntico das carreiras e das opções para os alunos de origem popular.

A revisão no estatuto do funcionário

Os defensores da descentralização invocam a “proximidade” entre serviços públicos e “usuários”. Essa lógica econômica, admitida como tal pelos poderes públicos, deve privilegiar os “consumidores de escola”. Raffarin anunciou, por exemplo, que “o Conselho Regional decidirá, de comum acordo com os diri-

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gentes, sobre a grade curricular das formações profissionais até a conclusão do Ensino Médio e mais três anos de curso superior”. Propõe-se a generali-zação dos “liceus de ofícios” a fim de aproximar a oferta de ensino do tecido econômico local. Tal medida vai permitir reorientar os alunos dos meios popu-lares que compõem o essencial das carreiras técnicas e profissionais desde o final da sétima série. A transferência de atribuições e de pessoal tem outras fi-nalidades que não a melhoria do “serviço”: ela se insere num movimento geral de economias orçamentárias.

A faxina já é terceirizada e o refeitório, mantido pela empresa Sode-xho. Ao invés de privatização geral, o sistema de ensino é desmembrado e vendido aos pedaços

Nesse sentido, um relatório parlamentar apresentado no início de abril pelo presidente da Comissão de Finanças da Assembleia Nacional, Pierre Méhaignerie, pede a redução das despesas do Estado e a reposição de apenas metade das vagas por aposentadoria. Depois virá revisão do estatuto do fun-cionário: “A contratação de auxiliares que não integram o quadro de funcioná-rios […] e a descentralização devem levar a uma deflação dos efetivos do Estado. Recorrendo a empregos com contratos especiais, ele poderia ainda pedir aos funcionários titulares efetivos que renunciassem à garantia do em-prego vitalício em troca de salários mais atraentes6”. Auxiliares contratados sem treinamento nem apoio pedagógico: tal parece ser a revalorização dos professores prometida pelo governo.

6 Disponível em: <http://www.assemblee-national.br/12/rap-into/i0765.asp>.

Atividades de aplicação1. A partir de uma definição do conceito de “Público”, defina qual o con-

texto do surgimento da matriz Sociocêntrica de Estado e qual a sua influência nas “privatizações”?

2. O modelo de gestão pública burocrático foi responsável pela diminui-ção ou acentuação do processo de “descentralização”? Fundamente.

3. Apresente e conceitue 5 medidas caracterizadoras da privatização.

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Gabarito1. A matriz Sociocêntrica de Estado surgiu na década de 1980, em um

contexto de aceleradas mudanças impulsionadas pelo processo de globalização e pelos novos formatos institucionais, os quais exercem influência sobre a configuração do Estado-Nação, haja vista a superve-niência da hegemonia dos mercados e das Agências Internacionais de regulação. O processo de redefinição dos limites do Estado influencia a difusão das “privatizações”, a partir da delegação de atribuições do Estado à iniciativa privada, restando em sua competência própria e

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direta apenas as atividades de segurança, justiça, polícia, legislação, defesa e relações exteriores.

2. A Burocracia acentuou o processo de descentralização. O Estado buro-crático, a partir de uma matriz Estadocêntrica do conceito de público, se incube de atividades no campo social e econômico – antes perten-centes ao setor privado. Assim, surge a necessidade de uma maior “es-pecialização” das suas ações para atender a diversidade de demandas nos mais variados setores da sociedade e da economia. Para tanto, passou a utilizar-se do instituto da “descentralização” (criação da “ad-ministração indireta”) para conseguir atender a todas as demandas a que se propunha envolver.

3. As medidas caracterizadoras são: 1. Desregulação (diminuição da in-tervenção do Estado no domínio econômico); 2. Desmonopolização de atividades econômicas; 3. Venda de ações de empresas estatais ao setor privado (desnacionalização ou desestatização); 4. Conces-são de serviços públicos (empresas privadas como concessionárias); e 5. Contractin out (colaboração com o setor privado e outras formas de terceirização).

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