PUPO - Para Alimentar o Desejo de Teatro

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N P ara alimentar o desejo de teatr ara alimentar o desejo de teatr ara alimentar o desejo de teatr ara alimentar o desejo de teatr ara alimentar o desejo de teatro M aria Lúcia de Souza Barros Pupo osso propósito ao longo destas páginas é apresentar a atuação dos teatros subsidia- dos pela Prefeitura de Paris sob um pris- ma específico, o das formas de diálogo que eles estabelecem com a cidade, para além da realização de espetáculos propriamente ditos. Para isso examinaremos as modalidades singulares de apropriação das artes da cena por parte do público, formuladas por aqueles tea- tros 1 . Verificar em que consistem exatamente as ações realizadas, como elas são instauradas e, sobretudo, quais são as visões do trabalho cêni- co que elas veiculam, são algumas das questões que nos mobilizaram. O exame de experiências atualmente em curso dentro dos teatros pertencentes ao cha- mado “serviço público” daquela capital visa aqui, indiretamente, a iluminar a nossa própria situação. Pretende-se, em última análise, con- tribuir para a ampliação das perspectivas que vêm norteando no Brasil as políticas públicas que, no campo das artes cênicas, procuram sus- citar o apetite da população – especialmente dos jovens – em direção à cena. 269 Maria Lúcia de Souza Barros Pupo é professora do Departamento de Artes Cênicas e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cências da ECA-USP. 1 As considerações deste artigo são fruto de pesquisa realizada pela autora sobre a atuação dos equi- pamentos municipais voltados para as Artes Cênicas na cidade de Paris, entre março e junho de 2009. A investigação foi apoiada pela própria Prefeitura de Paris e pelo Laboratório ARIAS, vinculado ao Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS. Iniciar qualquer comentário acerca da atuação dos teatros públicos parisienses em prol da ampliação e consolidação do seu público, hoje, implica rever o percurso histórico de de- terminados conceitos-chave, através dos quais se pode detectar toda uma intrincada rede que in- tegra de modo peculiar concepções de políticas públicas, conceitos de arte e visões pedagógicas. Uma série de noções pertencentes a um mesmo campo lexical fundamenta de modo nem sempre visível as práticas atuais daqueles teatros. Parece-nos relevante trazer à tona alguns desses conceitos, na medida em que eles podem favorecer uma compreensão menos ingênua de certas soluções contemporâneas para antigos desafios. Estamos nos referindo a termos que passaram por uma movimentada trajetória, den- tro da qual não cessaram de se redefinir, se fun- dir e se desdobrar a tal ponto, que hoje, ainda férteis mas pouco rigorosos, carregam o ônus de uma relativa imprecisão. É em 1959, com o surgimento do Minis- tério da Cultura, que o país se atribui a missão de “tornar acessíveis as obras capitais da huma-

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PPPPPa ra a l imen ta r o de se jo de t ea t ra r a a l imen ta r o de se jo de t ea t ra r a a l imen ta r o de se jo de t ea t ra r a a l imen ta r o de se jo de t ea t ra r a a l imen ta r o de se jo de t ea t rooooo

MMMMM aria Lúcia de Souza Barros Pupo

osso propósito ao longo destas páginas éapresentar a atuação dos teatros subsidia-dos pela Prefeitura de Paris sob um pris-ma específico, o das formas de diálogoque eles estabelecem com a cidade, para

além da realização de espetáculos propriamenteditos. Para isso examinaremos as modalidadessingulares de apropriação das artes da cena porparte do público, formuladas por aqueles tea-tros1. Verificar em que consistem exatamente asações realizadas, como elas são instauradas e,sobretudo, quais são as visões do trabalho cêni-co que elas veiculam, são algumas das questõesque nos mobilizaram.

O exame de experiências atualmente emcurso dentro dos teatros pertencentes ao cha-mado “serviço público” daquela capital visaaqui, indiretamente, a iluminar a nossa própriasituação. Pretende-se, em última análise, con-tribuir para a ampliação das perspectivas quevêm norteando no Brasil as políticas públicasque, no campo das artes cênicas, procuram sus-citar o apetite da população – especialmente dosjovens – em direção à cena.

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Maria Lúcia de Souza Barros Pupo é professora do Departamento de Artes Cênicas e do Programa dePós-Graduação em Artes Cências da ECA-USP.

1 As considerações deste artigo são fruto de pesquisa realizada pela autora sobre a atuação dos equi-pamentos municipais voltados para as Artes Cênicas na cidade de Paris, entre março e junho de 2009.A investigação foi apoiada pela própria Prefeitura de Paris e pelo Laboratório ARIAS, vinculado aoCentre National de la Recherche Scientifique – CNRS.

Iniciar qualquer comentário acerca daatuação dos teatros públicos parisienses em prolda ampliação e consolidação do seu público,hoje, implica rever o percurso histórico de de-terminados conceitos-chave, através dos quais sepode detectar toda uma intrincada rede que in-tegra de modo peculiar concepções de políticaspúblicas, conceitos de arte e visões pedagógicas.

Uma série de noções pertencentes a ummesmo campo lexical fundamenta de modonem sempre visível as práticas atuais daquelesteatros. Parece-nos relevante trazer à tona algunsdesses conceitos, na medida em que eles podemfavorecer uma compreensão menos ingênua decertas soluções contemporâneas para antigosdesafios. Estamos nos referindo a termos quepassaram por uma movimentada trajetória, den-tro da qual não cessaram de se redefinir, se fun-dir e se desdobrar a tal ponto, que hoje, aindaférteis mas pouco rigorosos, carregam o ônus deuma relativa imprecisão.

É em 1959, com o surgimento do Minis-tério da Cultura, que o país se atribui a missãode “tornar acessíveis as obras capitais da huma-

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nidade, antes de tudo da França, ao maior nú-mero possível de franceses”2. Configura-se en-tão a perspectiva da democratização cultural , vi-sando a diminuir a distância entre as obras eseus destinatários. Caracterizada como proces-so de colocar bens simbólicos ao alcance de to-das as classes sociais, a democratização culturaltem suas raízes no ideal do partilhamento dacultura já formulado por Rousseau em 1777 noartigo “Arte” da Enciclopédia. Fazem parte deseu ideário atrair e integrar indivíduos e gruposde diferentes idades e extratos sociais ao univer-so artístico-cultural, estimulando a convivênciade novos públicos com linguagens distintas dacultura de massa. Forma relativamente estrutu-rada e permanente de intervenção institucional,a democratização cultural se identifica comprincípios e objetivos políticos da educação per-manente realizada fora do âmbito escolar.

Em meio ao clima efervescente de 1968no entanto, constata-se com pesar que a sim-ples difusão da produção cênica – mesmo acom-panhada de animação – é insuficiente para pro-mover o encontro efetivo com os espectadores,sendo necessário para atingir tal fim uma atua-ção mais direta por parte de profissionais espe-cíficos. Pouco depois, ao longo da década de se-tenta se reconhece que, apesar da oferta culturalampla e diversificada, o perfil sócio-profissionaldo público permanece quase inalterado; umacerta impotência diante das desigualdades so-ciais que entravam o acesso à arte e à culturaganha o primeiro plano. Na esteira do ceticis-mo em relação a práticas visando à familiariza-ção dos jovens com as artes da cena, até mesmoo artista preocupado com essa dimensão passa aser considerado como menor. Posteriormente,nos anos 80 e 90 esse ceticismo é relativizado;de modo menos idealizado, a perspectiva de

uma aproximação com a criação cênica ganhanovamente terreno, à luz das concepções estéti-cas do momento.

Nos dias atuais, em que as concepções li-gadas ao acesso a essas artes se transformaram eem que as desigualdades na sociedade francesaaumentam progressivamente, o discurso sobrea democratização cultural cede lugar a outrotema, o da diversidade cultural. Fala-se hoje cadavez mais, por exemplo, em democracia culturalpara designar o reconhecimento ao direito deexpressão de todas as culturas, num contexto devigilância a um mal disfarçado racismo.

Modalidades de ação ou animação cultu-ral constituíram o veículo privilegiado daqueleanseio de democratização. Ao se procurar dimi-nuir desigualdades culturais, o que se tinha emvista era, em última análise, a diminuição dedesigualdades sociais. Cabe lembrar que a de-signação ação cultural é largamente dissemindano Brasil e faz referência a ideais como formarum público de posse de meios de acesso ao tra-balho de criação, capaz de adotar uma posiçãocrítica em relação aos produtos culturais e aomundo em geral, assim como de participar ati-vamente na criação de bens simbólicos3. Umaoutra vertente, a da ação ou animação sociocul-tural – oriunda do movimento de educação po-pular francês, herdeiro do sindicalismo operáriono final do século XIX – se distingue da anteriorpor remeter mais diretamente a processos deexpressão pessoal dos participantes, salientandoa vida em grupo e as relações inter-pessoais.

Mais recentemente assistimos à dissemi-nação do termo ação artística ou ação teatral –empregado pelos teatros observados – que pro-blematiza as relações por vezes turbulentas en-tre a obra de arte e o pano de fundo cultural, demodo a enfatizar a singularidade da percepção

2 Maryvonne de Saint-Pulgent, Culture et Communication. Les missions d’un grand ministère. Paris,Gallimard, 2009, p. 70.

3 Ver a respeito Newton Cunha, Dicionário SESC . A linguagem da cultura, São Paulo, SESC, Perspecti-va, 2003 e Teixeira Coelho, Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo, Iluminuras, 1997.

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estética e o caráter transgressor de que se reves-te o ato artístico.

Outra noção que, embora flutuante, in-fluencia hoje o desempenho dos teatros públi-cos na França é a de mediação cultural. Um me-diador é um profissional ou uma instância em-penhada em promover a aproximação entre aobra e os interesses do público, levando em con-ta o contexto e as circunstâncias. No caso dosteatros, os profissionais que atuam nos chama-dos “serviços de relação com o público”, exer-cem o papel de mediadores ao favorecer a fre-qüentação dos espectadores, zelando pela facili-dade de acesso e pela diversidade de serviçosoferecidos; em outras palavras, eles asseguramum marketing de qualidade. Sua atuação, no en-tanto, pode alcançar maior envergadura quandocoordena ações que promovem a leitura e aapropriação dos espetáculos por parte de jovense menos jovens. Quando os mediadores são con-vidados a explicitar sua própria atuação, apare-cem frases como “devo tomar providências paraque haja público no teatro”, mas surgem tam-bém formulações como “estou aqui para suscitarnas pessoas o desejo de descobrir coisas novas”.

São essas mesmas noções que, sem dúvi-da, vêm influenciando iniciativas do poder pú-blico e da sociedade civil brasileira. No caso par-ticular da efervescência do teatro de grupo,caracterizado por um modo de produção dife-renciado, elas vêm sendo atualizadas continua-mente mediante a ação efetiva e dinâmica dospróprios grupos.

Como verificaremos a seguir, embora amaior parte desses termos não estejam hoje pre-sentes no discurso dos responsáveis franceses,seu desempenho é sempre mais ou menos tri-butário desses ideais, ou, mais precisamente, dastransformações históricas pelas quais eles vêmpassando, sobretudo na última década.

Boa parcela das ações coordenadas pelosteatros parisienses em nossos dias se dá no âm-bito da Educação Artística pela qual as escolassão responsáveis. Apesar do lugar modesto queocupa dentro da escolaridade, a Educação Ar-tística é considerada como alavanca da amplia-

ção da demanda cultural e artística e costumaser marcada por intervenções de artistas e pelafreqüentação de locais onde se dá a criação. Aatuação dos teatros nessa esfera se dá principal-mente pela designação de artistas que, em par-ceria com docentes, elaboram e colocam emprática projetos de natureza artística.

Uma primeira constatação surpreende oobservador: uma formulação “modesta” marcao discurso de vários estabelecimentos teatraisque, evitando assumir posições nítidas em re-lação ao ideário da democratização, nomeiamde acompanhamento as operações realizadas:“acompanhar alunos e professores em sua rela-ção com o teatro” é um objetivo que se repetecom poucas variações. A escolha do termo pro-curaria marcar uma distância do teatro em re-lação às ambiciosas metas defendidas até háalguns anos? Estaria ligada à consciência da fra-gilidade de operações tão pontuais ?

Além de escolas, os projetos efetivadospelos teatros se estendem também a associações,prisões e, em pequena escala, a hospitais. Umaatenção especial é atribuída aos desafios decor-rentes do encontro com públicos jovens, aomesmo tempo cortejados e temidos pelas equi-pes artísticas em função de seu comportamentomuitas vezes pouco cortês, não familiarizadocom os códigos sociais e artísticos inerentes àfreqüentação dos teatros. A dicotomia centro/periferia, entretanto, perde terreno, pois a per-plexidade dos reponsáveis no trato com as gera-ções mais recentes transcende essa geografia.

A programação da temporada – que seestende de setembro a junho – é a referênciabásica para a elaboração das operações conduzi-das pelo teatro na perspectiva de dialogar comseus espectadores, efetivos ou potenciais. É a es-pecificidade de cada espetáculo, ou seja, seutema, a natureza da linguagem formulada, asaberturas que suscita em relação a outros cam-pos do conhecimento que constituem, por as-sim dizer, a matéria-prima das propostas. Cabelembrar que uma apresentação oficial da tem-porada é prevista por cada teatro, meses antesdo seu início. Nessa ocasião, docentes de todas

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as áreas têm oportunidade de se informar sobreos espetáculos futuramente em cartaz naqueleteatro, de modo a planejar uma atuação duran-te o ano letivo que possibilite interseções férteisentre o programa escolar e a cena.

Uma distinção sempre reiterada diz res-peito à origem dos espetáculos que vêm a públi-co. Por um lado há os teatros ditos de difusão,que promovem espetáculos já prontos, escolhi-dos por ocasião de festivais ou encontros simi-lares; seu papel é o de permtir que essas produ-ções possam se dar a conhecer nas melhorescondições possíveis. Já a missão dos teatros tidoscomo de criação se reveste de outra natureza.Detentores de um orçamento bem mais subs-tancioso e de um prestígio incontestavelmentemais elevado, eles sediam processos de encena-ção propriamente ditos, provendo os meios ne-cessários para a sua concretização. Ambas asmodalidades estão presentes nesta análise.

Difusão e criaçãoDifusão e criaçãoDifusão e criaçãoDifusão e criaçãoDifusão e criação nos teatr nos teatr nos teatr nos teatr nos teatros públicosos públicosos públicosos públicosos públicos

O conjunto de teatros observados, por sua vez,se subdivide em dois grupos. O primeiro delesé constituído por teatros mantidos exclusiva-mente pela prefeitura parisiense: o Théâtre dela Ville, equivalente do nosso Teatro Municipale teatros de menor porte espalhados pela cida-de, de modo similar aos teatros distritaispaulistanos. São eles: Théâtre 13, Théâtre 14,Vingtième Théâtre, Théâtre Silvia Monfort,Théâtre Moufettard, Théâtre Paris Villette eMaison de la Poésie.

De modo geral os teatros municipais seauto-definem como “equipamentos de proximi-dade”, ou seja, voltados para um público resi-dente nas imediações e dedicam-se à difusão deespetáculos escolhidos exclusivamente pelo di-retor do estabelecimento a partir de critérioscomo o “conhecimento do terreno” ou “reco-mendação de amigos”. As verbas outorgadaspela prefeitura são destinadas à manutenção; a

produção dos espetáculos fica a cargo das com-panhias, que recebem entre 60 e 70% da receita.

O percurso das companhias que solicitamsubvenções à prefeitura é laborioso. A monta-gem de pesados dossiês para esse fim inclui ahistória do grupo ou coletivo, o que, em certoscasos, inclui experiências de ação cultural oueducativa. Esse lastro pode eventualmente exer-cer algum peso na decisão dos responsáveis, masnão constitui um critério efetivo para a atribui-ção de subvenções. Por outro lado, o fato deuma companhia ter seu espetáculo inscrito naprogramação futura de um teatro municipalconstitui uma vantagem considerável na corri-da pelo apoio público.

Uma vez o espetáculo programado, o pró-prio contrato estabelecido com o teatro podeprever intervenções junto ao público em formade encontros anteriores ou posteriores ao espe-táculo, oficinas ou similares. Há casos em que acompanhia é convidada a exercer ações dessa na-tureza a título de voluntariado, mas ela nuncapode ser obrigada a fazê-lo; a disponibilidadepara estabelecer diálogos com os espectadoresjovens, que possam ir além do simples marketing,envolvendo modalidades de leituras da cena porexemplo, varia muitíssimo em função do tipo decompanhia. Essas ações habitualmente são assu-midas pelos atores; consta que os diretores se in-teressam por elas apenas em início de carreira, jáque mais tarde passam a considerá-las como fon-te de dispersão de seu trabalho.

Alguns desses teatros mantêm uma polí-tica de apoio às jovens companhias. Dentre elesdestaca-se o Théâtre 13 que, através do seu “Prê-mio Jovens Diretores” propõe anualmente umprocesso seletivo gradual desdobrado em trêsturnos – leitura, 30 minutos de uma encenaçãoem processo e finalmente uma encenação de1.30 h – mediante o qual escolhe um espetácu-lo a ser apresentado na temporada seguinte.

Um destaque especial cabe ser atribuídoao evento Sacrées Bobines no Théâtre Mouffe-tard. Espetáculos filmados para a televisão en-tre os anos 60 e 90 são projetados graças a cola-

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boração com o Institut de l’Audiovisuel – INA.A partir deles, estabelece-se diálogo com cenascurtas apresentadas por alunos de escolas de for-mação de ator, cujo teor tenha algum ponto decontato com o filme exibido. O público jovemtem oportunidade de conhecer criações marcan-tes do passado, enquanto os desafios ligados àmemória do teatro vêm para o primeiro plano.

Outra realização digna de nota é o X-Réseau do Théâtre Paris Villette, espaço na redeWeb ao qual todos os interessados são convida-dos. No momento atual, em que a tecnologiamodifica as práticas culturais e os equipamen-tos habituais de acesso às obras artísticas per-dem seu monopólio, a equipe daquele teatropropõe uma relação interativa pela internet, vi-sando à constituição de um novo público. Nes-se caso pode-se ainda falar de “arte viva”? A redepoderia ser considerada como uma cena? Eis oteor de algumas das questões levantadas pelasprimeiras experiências do X-Réseau.

Na esteira dessa iniciativa, uma experiên-cia especialmente promissora acaba de ser leva-da a efeito com alunos entre 11 e 13 anos queconstruíram um blog para se comunicarem comos atores de um espetáculo em processo, cujaestréia se daria em maio de 2009 no ThéâtreParis Villette. O processo em questão foi frutode uma complexa logistica: atores em formação,oriundos de uma escola de teatro do interior daFrança se deslocaram em residência itineranteem Moçambique e África do Sul, ao longo devários meses. A partir da iniciativa de um pro-fessor entusiasta, pequenos grupos formadospor um ator e dois alunos mantiveram diálogosistemático através de blog, em torno do temado retrato, foco da residência.

Se o interesse pedagógico do projeto porsi só é inegável, consideramos que, caso ele ti-vesse atingido o objetivo proposto inicialmen-te, poderia ter se tornado uma referência para aampliação dos horizontes da ação teatral. Umacordo entre a equipe artística e a classe previaque os diálogos tecidos através do blog seriamincorporados de um modo ou de outro ao es-petáculo. Isso no entanto não ocorreu, para

grande decepção dos jovens. Caso essa inclusão– possivelmente transfigurada, reelaborada – ti-vesse acontecido, estaríamos diante do exemplosingular de uma modalidade de ação artísticanão periférica em relação ao espetáculo, mas in-corporada a ele. Aventuras dessa natureza sãoprenhes de saudável radicalidade, dado que arelação entre a equipe artística e os jovens passaa constituir uma das raízes daquilo que a cenavirá a revelar.

Uma oscilação caracteriza o desempenhodos teatros municipais no que se refere às pro-postas de ação artística: dirigir-se aos possíveisinteressados ou esperar que eles venham ao tea-tro. Do ponto de vista da educação artística porexemplo, cabe à escola manifestar suas deman-das, mas essses teatros, por sua vez, poderiamorganizar melhor suas propostas e difundi-las demodo mais efetivo em direção às instituições deensino e ao público jovem mais amplo. Os en-contros com professores e outros responsáveiseducacionais resultam freqüentemente de ini-ciativas isoladas e há muito se sabe que para queações artísticas sejam viáveis, uma verdadeirarede entre as instituições educacionais e o tea-tro necessita ser tecida, de modo a que sejamconstruídas passarelas entre os dois universos.

Um segundo grupo a ser examinado éconstituído por teatros subsidiados apenas emparte pela prefeitura e apoiados sobretudo peloMinistério da Cultura.

Alguns deles foram selecionados em fun-ção do interesse das ações promovidas: Odéon-Théâtre de l’Europe, Théâtre du Rond-Point,Théâtre de la Bastille, Théâtre du Tarmac, Théâ-tre Ouvert e Théâtre de la Cité Universitaire.Eles têm em comum uma programação marcadapor criações em ruptura com formas consagra-das. Adotando muitas vezes abordagens interdis-ciplinares, seus espetáculos ousam experiênciasdiferenciadas em termos de dramaturgia e seusresponsáveis explicitam o desejo de criar elos di-nâmicos entre a equipe artística e o público.

Cada um desses teatros se distingue pelaparticularidade de seu projeto. O Théâtre de laCité Internationale acolhe a multiplicidade das

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formas e linguagens da cena e o cruzamentoentre artes e disciplinas. Criações contemporâ-neas em língua francesa oriundas de fora docontinente, que permitem a descoberta de au-tores desconhecidos do público europeu cons-tituem a programação do Théâtre du Tarmac.O Théâtre Ouvert, por sua vez se dedica à pro-moção da escrita teatral contemporânea realiza-da por autores vivos. Entre os dispositivos desteúltimo se destaca a École Pratique d’Auteurs deThéâtre que coloca em relação autor, diretor eatores diante de um texto em elaboração, como propósito de que o autor retrabalhe sua escri-tura a partir dos questionamentos oriundos doconfronto entre o texto e a cena. Noções comopesquisa e processo ganham nesse contexto oprimeiro plano.

L’Odéon-Théâtre de l’Europe – com seusdois espaços, o tradicional e o espaço dos Ate-liers Berthier – é, entre os visitados, aquele quepossui a maior equipe voltada para ações artís-ticas. O espaço dos Ateliers Berthier, situado embairro periférico vem sendo objeto de um tra-balho intenso junto a escolas e associações, porestar fortemente inserido em uma política mu-nicipal de trabalho em rede, na qual se cruzamações econômicas, sociais e culturais. “Os espe-táculos devem ser apresentados no Odéon jus-tamente porque se esperava que o fossem emBerthier. E reciprocamente, porque Berthierestá situado em um bairro periférico, onde nãohá instituições culturais”. A afirmação do dire-tor, Olivier Py4 reitera a unidade da instituição,já que “as duas salas são um único e mesmo pro-jeto”. De fato, as ações conduzidas não variamem função do local, mas do espetáculo.

De modo mais marcante do que os dogrupo anterior, esses teatros voltados para a cria-ção alimentam laços fortes entre a programaçãoda temporada e as ações artísticas conduzidas,conforme demonstram dois exemplos.

Um ator que faz parte do comitê de lei-tura de textos inéditos do Théâtre du Tarmac,ao coordenar oficina com adolescentes escolheucomo tema a adaptação de um texto inéditodescoberto por aquele comitê.

A temporada 2009-2010 do Théâtre duRond-Point girou em torno de “Familias, máfiase outras tribos” e esse tema foi proposto comoeixo de uma oficina de escrita voltada para jo-vens estudantes, sendo que alguns dos textoselaborados por eles foram apresentados em lei-turas no próprio teatro. Os jovens entraram emrelação direta com a problemática que atraves-sou a temporada e ao mesmo tempo começa-ram a se confrontar com as questões mais am-plas suscitadas pela passagem do texto à cena.

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As chamadas parcerias entre teatros e institui-ções escolares equivalentes ao nosso EnsinoFundamental e Ensino Médio constituem umacooperação freqüente. A iniciativa dos projetos,na esfera da Educação Artística, cabe à escola.Em comum acordo, professor e responsável doteatro escolhem um tema e formulam um pro-jeto pedagógico de atuação, o que explica rele-vância da apresentação prévia da temporada.

Costumam fazer parte do projeto duasvertentes: mediante acordo, professores e o tea-tro elegem determinados espetáculos – em ge-ral três – a serem assistidos pelos alunos ao lon-go do ano; além disso, uma oficina de longaduração – 50 a 70 horas – coordenada por umator designado pelo teatro é oferecida aos alu-nos. O teatro se compromete a assegurar osuporte técnico necessário aos objetivos do pro-jeto, especialmente sala para ensaios da apre-sentação dos resultados da oficina, iluminação,material de cena, etc. Cabe observar que esse

4 “Comment nous dirigeons nos théâtres”, La Scène, n. 52, p. 7.

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benefício aparente comporta um efeito restri-tivo: a determinação prévia de um dispositivocênico frontal veicula determinada visão de tea-tro que, apesar de ser a mais disseminada, podenão ser desejável para os fins propostos, entran-do por vezes em contradição com a prática exer-cida na oficina no decurso do ano escolar.

As ações em parceria entre professor e ar-tista merecem ser cuidadosamente examinadas,pois raras são as ocasiões nas quais efetivamenteas competências de um e de outro chegam a secruzar. Quase sempre cabe ao ator a tarefa decoordenar as sessões de oficina junto a criançase jovens; no entanto, saber atuar não garantenecessariamente as capacidades de transmissãorequeridas no trato com os alunos. Vítima deforte pressão por resultados cênicos que, nãoraro, ele fabrica para si mesmo ou aceita semquestionamentos, quase sempre o ator acabapromovendo apenas uma seqüência de ensaios.Pedagogicamente despreparado, ele atende osalunos em sub-grupos ou individualmente, nãochegando a propor um processo de construçãode conhecimentos sobre a cena, já que a apre-sentação final é sua única meta. Nessas circuns-tâncias a função do professor, sempre presente,acaba melancolicamente se restringindo a soli-citar silêncio e atenção...

Consciente dessas dificulades, o Théâtrede la Ville amadurece projeto de abertura deuma formação específica voltada para atores ebailarinos, de modo a torná-los aptos a intervirem meio escolar. Uma preocupação do mesmogênero já levou a Universidade de Paris III a as-segurar uma formação continuada para os artis-tas desejosos de uma atuação mais responsáveljunto às jovens gerações.

Do ponto de vista dos teatros, as vozes sãounânimes em reiterar a importância capital daatividade de um professor ou responsável da ins-tituição escolar que assume a interlocução efe-tiva com os mediadores. A ligação daquele pro-fissional com a estrutura artística é o âmago daelaboração dos projetos; seu entusiasmo é ovetor mais efetivo das ações. Decorre daí para-doxalmente a fragilidade das parcerias com as

escolas. Esse profissional – docente, bibliote-cário, coordenador – muda de estabelecimen-to, se aposenta e assim por diante. Laços teci-dos laboriosamente a médio ou longo prazo sedesfazem quando ele se ausenta, colocandoquase invariavelmente em xeque a continuida-de da parceria.

Os prOs prOs prOs prOs professorofessorofessorofessorofessores :es :es :es :es :expectativas e dif iculdadesexpectativas e dif iculdadesexpectativas e dif iculdadesexpectativas e dif iculdadesexpectativas e dif iculdades

A aproximação levada a efeito pelos estabeleci-mentos teatrais junto aos docentes é um aspec-to especialmente importante para o êxito dasações artísticas. Nesse aspecto, destacamos doisteatros que dedicam um cuidado especial às ne-cessidades dos professores que os procuram.

A equipe do Théâtre de la Ville propõeações artisticas e de formação em dança e tea-tro, atribuindo atenção particular à difícil rela-ção entre os professores e a arte contemporâ-nea, avaliando com clareza as resistências queeles apresentam ao se confrontar com criaçõesem ruptura com convenções consagradas. Fra-gilizados por manifestações cênicas para as quaisnão possuem as chaves, os docentes tendem ase refugiar em modalidades artísticas mais “se-guras”, o que resulta freqüentemente na esco-lha exclusiva de ballets ou textos clássicos. Ope-rações de envergadura em formação continuadavêm sendo conduzidas junto a esses docentes,para as quais por vezes contribuem as compa-nhias de dança em cartaz. Os responsáveis doteatro desenvolvem um diálogo cuidadoso comos docentes interessados, analisando com eles otipo de alunos e os objetivos propostos. A par-tir dessas informações e da programação do te-atro, modalidades de trabalho são formuladasde comum acordo e implantadas.

No Théâtre du Rond-Point a responsávelpelas relações com estabelecimentos escolares euniversitários explicita de modo interessante assutilezas de sua função. Levando em considera-ção a forte resistência dos professores diante deencenações que fogem aos universos que conse-

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guem reconhecer – texto clássico, entretenimen-to ou, na melhor das hipóteses, autor consagra-do do século XX – a mediadora nos coloca a pardas precauções que orientam seu contato comos responsáveis educacionais. A idade dos alu-nos, sua experiência anterior e o grau de com-plexidade do espetáculo são levados em contana formulação dos projeto em parceria. “É pre-ciso apoiar os professores”5 é a frase que sinteti-za suas posições. Sensível às dificuldades dosdocentes diante de certas manifestações cênicas,ela reconhece o quanto pode ser problemáticopara os educadores admitir diante dos alunos suafalta de instrumentos para analisar determinadaobra. Preconiza uma intervenção a médio prazopor parte da equipe do Rond-Point, tendo emvista uma abertura gradual dos docentes em di-reção a obras menos convencionais.

Dossiês pedagógicos relativos aos espetá-culos, elaborados pelas equipes artísticas ou porprofissionais convidados constituem materiaisbastante prezados pelos docentes, na medida emque contribuem para aumentar a sua segurançadiante da criação.

Dado que se espera do professor um im-pulso considerável no sentido de abrir caminhospara a fruição das artes da cena pelos jovens, osteatros mantidos total ou parcialmente pela Pre-feitura de Paris vêm reivindicando políticas deformação continuada dos docentes. O princípioapontado é o de que, uma vez sensibilizados emrelação à encenação contemporânea, esses do-centes estarão aptos a difundir outras visões dofenômeno artístico em sua atuação na escola.

Modalidades de açãoModalidades de açãoModalidades de açãoModalidades de açãoModalidades de ação

A partir do exame das modalidades de ação co-ordenadas pelos teatros visitados – seja no qua-dro de parcerias institucionais, seja por ocasiãode encontros de caráter mais pontual – foi pos-

sível mapear algumas categorias de intervenção,como se observa a seguir.

• Encontro com o público antes do espe-táculo. Tem em vista apresentar a encenação epode ocorrer dentro do teatro ou fora dele; é ocaso quando um dos membros da companhiavai à escola conversar com os jovens, por exem-plo. Muitas vezes é acompanhado de visita àsinstalações do teatro, incluindo os bastidores,na expectativa de revelar os espaços e os meiosde fabricação da ficção teatral. A visita podetambém ter como diretriz um certo númerode questões levantadas previamente dentro dainstituição escolar, relativas a temas ligados àhistória da companhia, à vida pessoal dos artis-tas, às razões de suas opções profissionais, à es-colha do tema ou do texto do espetáculo e as-sim por diante.

• Oficina antes do espetáculo. Propostahoras ou dias antes, envolve todo o grupo deespectadores e visa a sensibilizá-los em relação aaspectos básicos do trabalho do ator, tais comoconcentração, capacidade de escuta ou de ini-ciativa. Um exemplo especialmente interessan-te por ter aprofundado as relações entre o dis-curso dos jovens e o da cena foi coordenadopelo Théâtre Ouvert, no qual o diretor FrançoisWastiaux apresentava a encenação de “Entre osmuros da escola”, adaptação teatral do romancede François Bégaudeau. O ponto de partida foia entrada de Wastiaux em uma classe de níveltécnico do ensino médio, assumindo o papel deresponsável educacional. Desvendada a ficção,inicia-se uma oficina coordenada pelo própriodiretor, em torno das relações entre os jovensdentro da sala de aula. Motivados pela pertinên-cia do tema, que lhes toca de perto, eles refle-tem, através do jogo teatral, sobre sua posiçãodiante das relações de autoridade no universoescolar, posição essa que é cotejada, na seqüên-cia, com o espetáculo do Théâtre Ouvert. Gra-ças ao apoio do Ministério da Cultura, essa ope-

5 Entrevista com Joëlle Watteau, do Théâtre du Rond-Point.

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ração foi desdobrada em outras duas escolas,tendo como eixo o mesmo espetáculo. Após acomunicação recíproca dos resultados das ofici-nas, eles foram fundidos em uma apresentaçãoúnica que, dentro do próprio teatro, dialogavadiretamente com “Entre os muros da escola”.

• Encontro com o público depois doespetáculo. Sem dúvida a modalidade mais dis-seminada, ocorre preferencialmente nas insta-lações do próprio teatro. As trocas podem en-volver não apenas os atores, mas toda a equipeartística e acontecem imediatamente após o es-petáculo ou em dias fixos previstos dentro datemporada. Quando efetuado dias após a repre-sentação, costuma ser organizado a partir deperguntas preparadas com antecedência pelosespectadores e tende a reproduzir uma relaçãode tipo escolar baseada no binômio questão/res-posta, bastante formalizada.

• Encontro visando a desdobramento deespetáculo. Pode compreender a descoberta deum universo de criação, de um encenador, umconfronto com outras modalidades artísticas,reflexão sobre a temática sugerida pela obra.

• Oficina para prolongamento de espetá-culo. Um exemplo interessante foi observadograças ao dispositivo “Escola Aberta”, coorde-nado pela prefeitura e pelo Ministério da Cultu-ra, através do qual professores formulam projetode trabalho em parceria com o teatro, tendo emvista atingir alunos que não viajam durante asférias. Um grupo de jovens assiste ao espetáculoIl ou Elle no Théâtre du Tarmac, com um grupocongolês dirigido pelo coreógrafo Boris Boue-toumoussa. Na seqüência, o grupo passa porexperiência de oficina sob a responsabilidade docoreógrafo, no qual a cultura do Congo é trazi-da para o primeiro plano; uma articulação fértilentre o espetáculo e a aprendizagem proporcio-nada pela experiência prática é viabilizada.

• Oficina a médio prazo, sem vínculoscom espetáculo. O teatro cede suas instalaçõese indica um profissional – quase sempre ator –que coordena uma oficina ao longo de váriosmeses, sem qualquer ligação com a programaçãoda temporada, dirigida a quaisquer interessados.

O teor da oficina depende da idade e interessedos participantes, mas tem em vista invariavel-mente o trabalho do ator.

• Oficina de escrita. Também desenvolvi-da a médio prazo, pode culminar com a publi-cação dos textos produzidos e ser eventualmen-te completada com sessões de jogo e realizaçãode “pequenas formas” ou “mostrações” abertasa espectadores externos ao processo.

• Encontros específicos com escolas dearte, dirigidos a discentes em formação e volta-dos para temas como figurinos, cenografia,cenotécnica, artes decorativas, etc. Podem se darpor ocasião de um ensaio aberto ou em visitas aum dos espaços do teatro.

Um dado absolutamente surpreendenteatravessa o universo aqui retratado: essas açõesnão são objeto de nenhuma análise escrita oude qualquer outro tipo de registro. A ausênciade memória e de traços de reflexão é uma ca-racterística espantosa do conjunto das interven-ções realizadas, com exceção do Odéon e doThéâtre Ouvert que mantêm registros parciaisde sua atuação, mesmo assim de caráter predo-minantemente quantitativo. Na medida em queinexiste preocupação em documentar essas ex-periências, elas permanecem relativamente ocul-tas e nenhum conhecimento é produzido a par-tir delas. Segundo os responsáveis, o ativismono qual estão mergulhados os impediria de to-mar distância e portanto de refletir sobre essasoperações; problemas ligados à falta de funcio-nários são também evocados.

Não podemos deixar de nos interrogarsobre a pouca relevância atribuída pelos respon-sáveis a essa faceta de suas funções, talvez consi-derada por eles mesmos como menos prestigio-sa. Possivelmente essa situação decorre doreconhecimento insuficiente da relevância des-se trabalho por parte do poder público. Se as-sim for, a falta de clareza no que diz respeitoaos destinatários potenciais desse registro tor-naria ainda mais improvável a sua realização.

As práticas às quais tivemos acesso reve-lam a hegemonia do texto como centro dos pro-cessos artísticos. Consagrados ou inéditos, anti-

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gos ou recentes, construídos de um ou outromodo, na grande maioria dos casos os textos sãoo ponto de partida das práticas e sua razão deser. O que chama a atenção nos percursos queconduzem do papel à cena é que mesmo quan-do se recorre a textos recentes, construídos a par-tir de parâmetros diferentes daqueles já consa-grados, freqüentemente são noções como dicçãoe colocação da voz que norteiam os processos. Anoção de jogo é a grande ausente; aprender pas-sagens de texto de cor é tido como condição ne-cessária para depois se passar ao jogo, mas essapassagem ou não ocorre, ou se dá de modo pre-cário. O prazer do jogo está longe de ser o mo-tor principal dos processos. A tradição literária,poderosa no país, tende a sufocar as possibilida-des corporais e os recursos do movimento.

Embora a aprendizagem da leitura dacena propriamente dita não seja problematizada

em detalhes, é ela que se tem em vista mais oumenos diretamente quando são formulados osdesdobramentos do espetáculo.

O interesse peculiar das ações de caráterartístico propostas pelos teatros mantidos totalou parcialmente pela Prefeitura de Paris se deve,sem dúvida, aos laços estreitos que as vinculamà programação em cartaz. Fruto de um ideáriode democratização cultural marcado histori-camente, essas ações procuram responder, à luzda atualidade, a preocupações que há décadasvêm acompanhando artistas e docentes, inclu-sive no Brasil.

As mutações que transformam sem cessara cena e a própria vida em sociedade nesse iníciode século pedem, sem dúvida, que aquele ideárioseja continuamente trazido à tona e rediscutido,para que possamos pensar, hoje, as relações en-tre o teatro e o espectador dentro da cidade.

Referências bibl iográficasReferências bibl iográficasReferências bibl iográficasReferências bibl iográficasReferências bibl iográficas

ABIRACHED, Robert (org.) La décentralisation théâtrale. 1968, le tournant. ANRAT, Actes SudPapiers, 2005.

LORIOL, Jean-Pierre. “Dossier Éducation Artistique: le Partenariat. Les Ressources Culturelles”.Trait d’Union. Paris: ANRAT, nº 15, janvier 2008.

ROQUES, Sylvie ( org.). ‘Théâtres d’aujourd’hui”. Communications, n. 83. Paris: Seuil, 2008.

SAEZ, Guy (org.). Institutions et vie culturelles. Paris: La Documentation Française, 2004.

WALLON, Emmanuel. “La démocratisation culturelle, un horizon d’action”. Cahier Français, n.348. Paris: La Documentation Française, janvier-février 2009.

RESUMO: Examina-se a atuação de teatros subsidiados pela Prefeitura de Paris no que tange àsmodalidades por eles desenvolvidas visando à apropriação da cena, para além da apresentação deespetáculos. São apresentados os conceitos subjacentes a essa atuação e é salientada a interseçãoentre políticas públicas, visões artísticas e concepções pedagógicas que sustenta o desempenho dasequipes daqueles estabelecimentos.PALAVRAS-CHAVE: política cultural; ação artística; teatros públicos; espectador.