qualidade em radiologia diagnóstica

download qualidade em radiologia diagnóstica

of 9

Transcript of qualidade em radiologia diagnóstica

Artigo de RevisoRevista Brasileira de Fsica Mdica. 2009;3(1):91-9.

Garantia de qualidade em radiologia diagnsticaQuality assurance in diagnostic radiologyTnia A. C. Furquim1, Paulo R. Costa21

Instituto de Eletrotcnica e Energia da Universidade de So Paulo (USP) So Paulo (SP), Brasil. 2 Instituto de Fsica da USP So Paulo (SP), Brasil.

ResumoAs imagens radiolgicas proporcionam informaes importantes para a deciso dos futuros passos de um diagnstico, um tratamento ou acompanhamento de um procedimento. Ento, o nvel necessrio de qualidade de imagem para o correto diagnstico tem que ser obtido na mais baixa dose de radiao possvel ao paciente. Esses benefcios podem ser alcanados a partir da implementao de um rigoroso programa de garantia de qualidade. Como os avanos em tecnologia digital permitiram o rpido desenvolvimento de aplicaes radiolgicas, a transio de um sistema cran-filme a ambientes digitais tornou-se uma tarefa difcil, pois deve ser acompanhada de um processo de otimizao de exposies e qualidade de imagem. Esse trabalho revisou alguns destes novos detetores e descreveu algumas questes associadas a um programa de garantia de qualidade dedicada a tecnologias como: radiologia digital e computadorizada, mamografia digital e computadorizada e tomografia computadorizada multidetetores. Assim, pretendeu-se enfatizar que a crescente complexidade destes novos equipamentos demanda uma nova competncia tcnica, o que implica educao continuada sistemtica para os fsicos mdicos. Palavras-chave: radiologia diagnstica; garantia de qualidade; radiologia digital; mamografia digital.

AbstractX-ray images provide important information for the establishment of a diagnosis, treatment and follow-up procedure. Then, the necessary level of image quality for correct diagnosis has to be obtained at the lowest possible radiation dose to the patient. These benefits could be achieved by the implementation of rigorous quality assurance program. As advances in digital technology allowed the fast development of different detectors for radiological applications, the transition from a screen-film system to a digital environment became a difficult matter, and this should be accomplished with an optimization of exposures and image quality. This paper aimed to review some of the new digital detectors and describe some issues associated with a quality assurance program dedicated to technologies like digital and computed radiography, digital mammography or computed tomography multislice. Thus, it is intended to emphasize that the increasing complexity of radiological equipment demands a new technical competence and that systematic continuing education of medical physicists is necessary. Keywords: diagnostic radiology; quality assurance; digital radiology; digital mammography; CT multislice.

IntroduoA radiologia diagnstica tem como funo principal diagnosticar patologias. Quando se utilizam imagens obtidas a partir da interao da radiao ionizante com o paciente, espera-se que esta apresente qualidade de modo a minimizar os erros de interpretao e identificao de estruturas, possibilitando diagnstico mais preciso e com a menor dose. Uma imagem sem a qualidade adequada deve ser repetida e h alguns custos envolvidos neste processo que devem ser evitados, e o principal a duplicao de dose em um mesmo paciente. Assim, a adoo de conceitos de qualidade em radiologia torna-se muito til, uma vez que auxilia no controle do processo de

obteno de imagem com a reduo de erros previsveis. A norma IEC 61223-11 define os conceitos associados qualidade que orientam a sua implementao em radiologia diagnstica: garantia de qualidade: aes sistemticas e planejadas, necessrias para prover confiana adequada, assegurando que o produto ou servio satisfaa exigncias de qualidade; programa de garantia de qualidade: instrues detalhadas para realizar aes de garantia de qualidade para cada componente do equipamento, sistemas de equipamentos ou instalaes, incluindo elementos de gesto da qualidade e tcnicas de controle de qualidade;

Correspondncia: Tnia A. C. Furquim Universidade de So Paulo, Instituto de Eletrotcnica e Energia Av. Prof. Luciano Gualberto, 1289 Cidade Universitria 05508-010 Sao Paulo (SP), Brasil E-mail: [email protected]

Associao Brasileira de Fsica Mdica

91

Furquim TAC, Costa PR

controle de qualidade: tcnicas operacionais e atividades que so utilizadas para atender exigncia de qualidade; testes de aceitao: testes iniciais que se realizam quando se compra um equipamento. Devem verificar todas as possibilidades de utilizao do equipamento de acordo com o contrato de compra e venda; testes de qualidade (constncia): avaliao rotineira dos parmetros tcnicos de desempenho; testes de estado: fotografia do desempenho de um equipamento em um dado momento.

Ao se associar estes conceitos radiologia diagnstica, programas de garantia da qualidade (PGQ) devem ser compostos, ao menos, pelas seguintes atividades: elaborao de memorial descritivo de proteo radiolgica; clculo de barreiras; realizao de levantamentos radiomtricos; testes de aceitao e de constncia (qualidade); sensitometria; valores representativos de doses; implementao de padres de qualidade de imagem; assentamento de testes, tabelas de exposio; cuidados com avisos conforme a legislao vigente; identificao de falhas humanas e de equipamentos; verificao dos procedimentos de rotina; treinamento de tcnicos, tecnlogos, engenheiros, fsicos e mdicos envolvidos no processo de obteno de imagem; auditorias pelos titulares; otimizao constante de doses e qualidade de imagem. Porm, para vrios dos passos acima, necessrios para a implementao do PGQ, devem-se conhecer as tecnologias e fenmenos fsicos envolvidos no processo de gerao da radiao e formao da imagem mdica.

Um pouco de histriaSo bastante imprecisas as origens histricas dos programas que, atualmente, chamamos de controle de qualidade em nosso pas. No Brasil, tem-se notcia das iniciativas no desenvolvimento de tcnicas e dispositivos para o controle de qualidade em Radiologia realizadas no Departamento de Fsica do Campus de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo (USP), desde meados da dcada de 1970, sob liderana do professor Thomaz Ghilardi Netto. O Professor Ghilardi, apoiado e estimulado pelo Professor John Cameron, desenvolveu uma srie de dispositivos para a realizao de testes de controle de qualidade em equipamentos radiolgicos e, o que foi mais importante, iniciou a formao de pessoal especializado para o desenvolvimento de novas tcnicas de avaliao. Esses novos profissionais rapidamente se espalharam em diferentes cidades do

Estado de So Paulo e tambm em outros Estados no pas, dando incio a programas de controle de qualidade locais, precursores dos programas atuais. Na cidade de So Paulo, at o final da dcada de 1980 havia somente algumas poucas iniciativas para se estabelecer rotinas de controle de qualidade, ainda sem maiores preocupaes com periodicidades e com o estabelecimento de critrios de avaliao de desempenho dos equipamentos de diagnstico por imagens. Entre 1989 e 1990, profissionais do Instituto de Eletrotcnica e Energia da USP (IEE/USP) iniciaram um programa-piloto no Hospital Universitrio do campus do Butant que incluam alguns testes de desempenho dos equipamentos de radiologia e de fluoroscopia, bem como a anlise de rejeio de filmes. Algumas entidades de fomento tais como a Financiadora de Estudos e Projetos, a Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico passaram a apoiar projetos nesta rea que permitissem o desenvolvimento de tcnicas de controle de qualidade, no apenas de equipamentos radiolgicos mais simples como tambm de outros tipos de tecnologias de imagens, tais como a tomografia computadorizada, a ultrassonografia, a ressonncia magntica e as tcnicas de radiologia intervencionista. Os progressos vivenciados pelo programa de controle de qualidade desenvolvido no IEE/USP respondiam a uma demanda crescente de implementaes de programas desta natureza em hospitais e clnicas das redes pblica e privada. Este processo foi intensificado com a publicao da Resoluo Estadual 625/942 que, entre outras coisas, estabelecia a obrigatoriedade de implementao desses programas em todo o Estado de So Paulo. Apesar da evidente gerao de conflitos e resistncias por parte de alguns profissionais da classe mdica, pelo estabelecimento da obrigatoriedade de implementao, algumas das iniciativas tornaram-se casos de sucesso, demonstrando que, em mdio prazo, o controle de qualidade traz benefcios a todos os elementos envolvidos. Dado o sucesso da implementao da Resoluo 625/94 no Estado de So Paulo, quatro anos mais tarde a Portaria MS 453/983 ampliaria essa iniciativa a todo o pas. Todo esse esforo de profissionais da rea na poca, tentando estabelecer critrios para implementar diversos PGQs cumpriu uma grande tarefa pioneira. Os PGQs previstos por estas publicaes visavam a alcanar os servios de radiologia convencional, odontolgico, mamografia convencional, processadoras que deveriam ser controladas diariamente, equipamentos de fluoroscopia com intensificador de imagem e alguma iniciativa em tomografia computadorizada. A Portaria tentou organizar um servio em termos de se ter um memorial descritivo de proteo radiolgica que deixasse os recursos de imagem do servio o mais expostos possvel. Foram estabelecidos alguns critrios de conformidade para parmetros eltricos e geomtricos dos equipamentos e periodicidade mnima de acompanhamento. Porm, apesar de ter oferecido pouco

92

Revista Brasileira de Fsica Mdica. 2009;3(1):91-9.

Garantia de qualidade em radiologia diagnstica

direcionamento em termos de controle de doses a pacientes e qualidade de imagem, foi de grande importncia para se estabelecer o domnio sobre a irradiao de pacientes, uma vez que os equipamentos passaram a ser calibrados e a funcionar em ambientes melhor controlados, uma vez que houve um grande nmero de servios que passou a ter clculo de blindagens e a realizar levantamentos radiomtricos. Com base na implementao da Portaria MS 453/98 e com testes dos exatos parmetros dos equipamentos nela exigidos, a Figura 1 ilustra alguns resultados alcanados pelo IEE/USP, no perodo de 2000 a 2006. Os parmetros mais problemticos para estes equipamentos de modelos com filme, e com cerca de dez anos de instalao, mostram que a frequncia de problemas nos convencionais maior que em outra modalidade. Por serem mais antigos, a calibrao do tempo de exposio ainda era um problema, pois este ainda era selecionado no painel de controle. As doses sempre mostram que h espao para otimizao, principalmente em equipamentos fluoroscpicos comuns.

Nova etapa da histriaNovos parmetros de avaliao Com o passar dos anos, os avanos rpidos em tecnologia digital permitiram o desenvolvimento de detectores que capturam a imagem radiolgica com propriedades que levam avaliao de grandezas diferentes daquelas utilizadas em sistemas de cran-filme. As imagens digitais so formadas por elementos de imagem chamados de pixels (picture element), que compem uma matriz que possui um comprimento e uma largura, que dimensionam a imagem bi-dimensional. Assim, alguns parmetros fundamentais da imagem vo depender do tamanho desta matriz, considerando-se o tamanho dos pixels e o espaamento entre eles (pitch)4. A menor unidade da informao digital seria o bit, com dois possveis estados: 0 ou 1. Assim, a profundidade do bit passa a

ter importncia na formao da imagem, pois a quantidade de bits utilizada para codificar a intensidade do sinal (escala de cinza) de cada pixel de uma imagem. Uma vez formada a imagem, alguns parmetros devem ser considerados para que se possa avaliar a qualidade da informao que traz, e alguns deles so discutidos a seguir. A resoluo de contraste a habilidade de um sistema em distinguir dois objetos com diferentes intensidades de sinal. afetada pela quantizao e limitada pela profundidade de bit5. A resoluo espacial definida como a habilidade em se distinguir pequenos objetos em alto contraste e limitada pelo tamanho mnimo do pixel. Esta no melhorada com o aumento da radiao aplicada ao detector; por outro lado, a radiao espalhada ou mesmo ftons de luz podem afet-la, de maneira a reduzir a resoluo4,5. De acordo com o Teorema de Nyquist, dado um tamanho de pixel x, a mxima resoluo espacial alcanvel seria x/2. A funo de transferncia de modulao (modulation transfer function, ou MTF) proporciona a descrio mais completa da resoluo espacial de um detector. A MTF descreve a eficincia com que variaes senoidais no contraste do sinal, em diferentes frequncias espaciais, so reproduzidos pelo sistema de obteno de imagem6. representada por um grfico da porcentagem de contraste disponvel versus a frequncia espacial. Mais especificamente, a MTF tem a funo de converter valores de contraste de objetos de diferentes tamanhos em nveis de intensidade de contraste na imagem. A faixa dinmica a diferena em intensidade de sinal ou frequncia, entre o maior e menor sinal que um sistema pode processar ou mostrar. A densidade tica a diferena entre as regies teis mais claras e mais escuras da imagem. Aumentando o nmero de bits por pixel, em uma imagem digital aumenta a faixa dinmica da imagem5. Em radiologia de cran-filme, a resposta do filme exposio representada pela curva sensitomtrica, cuja faixa dinmica definida como o intervalo linear da curva. Os detectores digitais apresentam uma resposta mais ampla e linear exposio (Figura 2), ou seja, a funo do detector digital melhora com o aumento da exposio.

Figura 1. Resultados de testes de qualidade em equipamentos previstos na Portaria MS 453/98, realizados pelo IEE/USP no perodo de 2000 a 2006. Os parmetros foram analisados conforme os critrios da Portaria MS 453/983

Figura 2. Grfico ilustrando a faixa dinmica de sistemas cranfilme e equipamentos que produzem imagem digital.Revista Brasileira de Fsica Mdica. 2009;3(1):91-9.

93

Furquim TAC, Costa PR

Porm, deve-se tomar cuidado com este comportamento uma vez que pode haver super exposio do paciente para obteno de uma imagem que poderia ter qualidade diagnstica com doses menores. Em radiologia convencional, a anlise da qualidade da imagem voltada praticamente ao contraste e resoluo espacial. Esses fatores so frequentemente tratados como se tivessem caractersticas absolutas7, desconsiderandose o rudo na imagem como um dos fatores principais. No caso de detectores digitais, tanto o rudo como a razo sinal-rudo (signal-noise ratio, ou SNR) passam a ter importncia central na avaliao da qualidade da imagem. A imagem passa a ter tanto contraste quanto nitidez dinmicos, devido a recursos de ps-processamento; porm, qualquer variao de apresentao da imagem limitada pelo rudo nela contido. Assim, o parmetro que passa a determinar a qualidade da imagem a razo entre o sinal e o rudo, pois este est relacionado ao contedo de informao da imagem. Uma grandeza til para caracterizar o desempenho do detector quanto ao sinal e o rudo a eficincia de deteco quntica (detective quantum efficiency, ou DQE). A DQE uma funo da frequncia espacial e descreve a eficincia de transferncia da SNR (ao quadrado) contido no padro de raios X incidente sada do detector8. Como, em geral, a obteno da imagem radiogrfica efetiva depende da maximizao da SNR e minimizao da dose ao detector, pode-se dizer que7-10:

chassis e o leitor. Uma placa no exposta colocada em um chassi, que similar ao de filmes, tanto em tamanho como em forma. A diferena fundamental em relao ao sistema de cran-filme est na aquisio da imagem. O material que compe a IP tem a propriedade de colocar os eltrons em armadilhas quando absorvem energia no processo de irradiao, formando a imagem latente. Os eltrons so liberados ao serem estimulados com energia suficiente de um feixe laser (l ~ 630 nm) no leitor das IPs. O processo de retirar os eltrons das armadilhas libera ftons com comprimentos de onda prximos ao da luz azul (l ~ 460 nm), os quais so direcionados a um tubo fotomultiplicador, convertidos em sinal eltrico e armazenados como imagem digital9,11. Esse processo chamado de luminescncia fotoestimulvel. As IPs so expostas a uma intensa luz branca que tem a propriedade de retirar todos os eltrons,das armadilhas tornando a IP pronta para uso novamente. Radiologia digital Os sistemas de radiologia digital (digital radiology ou DR) so unidades seladas, e podem ser empregadas em radiologia convencional, odontologia, mamografia ou fluoroscopia. Diferente do que acontece em sistemas cranfilme e computadorizados, eles capturam raios X de forma mais direta e produzem uma imagem digital. Eles podem ser classificados em indiretos ou diretos: indiretos: possuem uma camada de material cintilador que converte os ftons de raios X em ftons do espectro visvel, que ento so coletados por transistores de filmes finos (TFT) ou por dispositivos de carga acoplado (charge-coupled device ou CCD), convertendoos em sinal eltrico que formaro as imagens digitais. O material cintilador pode ser iodeto de csio dopado com tlio CsI[Tl], que formado por cristais tipo agulha, e se comporta como fibra tica, o que evita o espalhamento de luz e a consequente perda de resoluo na imagem devido ao espalhamento de luz. diretos: no precisam de uma etapa intermediria de converso; os ftons de raios X liberam eltrons diretamente no material e estes so coletados pela matriz de TFT9,10,11,12. Estes detectores so compostos por um cristal de selnio amorfo (a-Se). Comparativamente, os sistemas DR direto e indireto possuem aproximadamente ganho de converso de raios X e rudo eletrnico aproximados. Uma vantagem do sistema digital direto em relao ao indireto que pode ser fabricado com tamanhos de pixel menores. No caso da mamografia, esta diferena pode chegar a 30%. Estes sistemas podem apresentar alguns tipos de artefatos de imagem, como fantasmas (ghost). Este um tipo de artefato que pode aparecer devido alterao na sensibilidade ou ganho do detetor como um resultado de exposies anteriores a raios X. Fantasmas em detetores de a-Se aparecem como reduo de sensibilidade devido

Equao 1

onde: SNRentrada: razo sinal-rudo antes de entrar no detector; SNRsada: razo sinal-rudo quando sai do detector. Assim, por no existir um detector perfeito, DQE