QUARTA REGIÃO · 5 OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Excelência na Administração...

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QUARTA REGIÃO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 1-599, 2006

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Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1

(jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. – Trimestral.

ISSN 0103-6599

1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.Tribunal Regional Federal 4ª Região.

CDU 34(051)34(094.9)

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4ª Região

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300CEP 90.010-395 - Porto Alegre - RS

PABX: 0 XX 51-3213-3000e-mail: [email protected]: 850 exemplares

Ficha Técnica

Direção:Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Assessoria:Isabel Cristina Lima Selau

Direção da Divisão de Publicações:Arlete Hartmann

Análise e Indexação:Eliana Raffaelli

Giovana Torresan VieiraMarta Freitas Heemann

Revisão, Formatação e Layout:Leonardo Schneider

Maria Aparecida C. de Barros BertholdMaria de Fátima de Goes Lanziotti

Os textos publicados nesta revista são revisados pela Escola da Magistraturado Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGONDes. Federal Diretor da Escola da Magistratura

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

JURISDIÇÃORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná

COMPOSIÇÃOEm dezembro de 2006

Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – 09.12.1994 – PresidenteDes. Federal Amaury Chaves de Athayde – 05.02.1997 – Vice-Presidente

Des. Federal João Surreaux Chagas – 14.06.1996 – Corregedor-GeralDesa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – 09.12.1994

Des. Federal Vilson Darós – 09.12.1994Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – 09.12.1994

Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – 09.12.1994 – Vice-Corregedor-GeralDesa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – 05.02.1997Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior – 15.06.1998

Des. Federal Valdemar Capeletti – 08.06.1999Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – 17.09.1999 – Diretor da

Escola da Magistratura Des. Federal Tadaaqui Hirose – 08.11.1999

Des. Federal Dirceu de Almeida Soares – 28.06.2001Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – 28.06.2001 – Conselheiro da Escola

da MagistraturaDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – 28.06.2001

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – 28.06.2001Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira – 06.12.2001 – Conselheiro

da Escola da MagistraturaDes. Federal Néfi Cordeiro – 13.05.2002

Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – 03.02.2003Des. Federal João Batista Pinto Silveira – 06.02.2004

Des. Federal Celso Kipper – 29.03.2004Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – 02.07.2004Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – 02.07.2004

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – 27.04.2005Des. Federal Joel Ilan Paciornik – 14.08.2006Des. Federal Rômulo Pizzolatti – 09.10.2006

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – 11.12.2006Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch (convocada)

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Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)Juiz Federal Leandro Paulsen (convocado)

Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha (convocada)

Juiz Federal Luiz Antônio Bonat (convocado)Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

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PRIMEIRA SEÇÃODes. Federal Amaury Chaves de Athayde – Presidente

Des. Federal Vilson DarósDes. Federal Dirceu de Almeida Soares

Des. Federal Antônio Albino Ramos de OliveiraDes. Federal Otávio Roberto Pamplona Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan Paciornik

SEGUNDA SEÇÃODes. Federal Amaury Chaves de Athayde – Presidente

Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves GoraiebDesa. Federal Marga Inge Barth Tessler

Des. Federal Edgard Antonio Lippmann JúniorDes. Federal Valdemar Capeletti

Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

TERCEIRA SEÇÃODes. Federal Amaury Chaves de Athayde – Presidente

Des. Federal Victor Luiz dos Santos LausDes. Federal João Batista Pinto Silveira

Des. Federal Celso Kipper Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

Des. Federal Rômulo Pizzolatti Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

QUARTA SEÇÃODes. Federal Amaury Chaves de Athayde – Presidente

Des. Federal Élcio Pinheiro de CastroDesa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Néfi Cordeiro

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PRIMEIRA TURMADes. Federal Vilson Darós – PresidenteDes. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan Paciornik Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha (convocada)

SEGUNDA TURMADes. Federal Dirceu de Almeida Soares – Presidente

Des. Federal Antônio Albino Ramos de OliveiraDes. Federal Otávio Roberto Pamplona

Juiz Federal Leandro Paulsen (convocado)

TERCEIRA TURMADesa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – Presidente

Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores LenzJuíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

QUARTA TURMADesa. Federal Marga Inge Barth Tessler – Presidente

Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior Des. Federal Valdemar Capeletti

Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)

QUINTA TURMADes. Federal Celso Kipper – Presidente

Des. Federal Rômulo Pizzolatti Juiz Federal Luiz Antônio Bonat (convocado)

SEXTA TURMADes. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – Presidente

Des. Federal João Batista Pinto Silveira Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

TURMA SUPLEMENTAR

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Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – PresidenteDes. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch (convocada)

SÉTIMA TURMADesa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – Presidente

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Néfi Cordeiro

OITAVA TURMADes. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente

Des. Federal Paulo Afonso Brum VazDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

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SUMÁRIO

DOUTRINA .......................................................................................15 O planejamento estratégico e sua implantação no Judiciário Marga Barth Tessler ................................................................17 A nova lei de tráfico: uso indevido de drogas e juizados especiais Élcio Pinheiro de Castro .........................................................33 Tutelas de urgência e o princípio da fungibilidade (§ 7º do art.

273 do CPC) Paulo Afonso Brum Vaz ...........................................................43 Imunidade Constitucional dos Livros, Jornais, Periódicos e papel

destinado à sua impressão (alcance do art. 150, VI, d, da CF) Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ..................................61 A onda reformista do direito positivo e suas implicações com o

princípio da segurança jurídica Humberto Theodoro Júnior .....................................................65

DISCURSOS ......................................................................................97 Amaury Chaves de Athayde .....................................................99 Joel Ilan Paciornik ......................................................................

105 ...............................................................................................Paulo Afonso Brum Vaz ...............................................................111 ...............................................................................................

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Rômulo Pizzolatti .........................................................................115 ...............................................................................................

ACÓRDÃOS.....................................................................................123 Direito Administrativo e Direito Civil ...................................125 Direito Penal e Direito Processual Penal ...............................277 Direito Previdenciário ............................................................341 Direito Processual Civil .........................................................393 Direito Tributário ...................................................................421

ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ...........................543

SÚMULAS .......................................................................................553

ÍNDICE NUMÉRICO .......................................................................563

ÍNDICE ANALÍTICO ......................................................................567

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DOUTRINA

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O planejamento estratégico e sua implantação no Judiciário

Marga Barth Tessler*“O Conselho Nacional de Justiça deu ao Judiciário o que ele

não tinha, a estratégia”.Ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, em

palestra no Rio de Janeiro, em 26.04.2006 (Jornal do Comércio, 26 abr. 2006. Página Direito e Justiça)

Introdução

Segundo Paulo Roberto Motta,1 “pensar estrategicamente é voltar-se para o futuro, produzir análises inusitadas sobre o presente, conscientizar--se de fatores críticos e, principalmente, questionar atuais decisões. A reflexão estratégica pressupõe a sabedoria do pensamento sistematizado, da consulta, da participação e das análises”.

Sobre o tema reúnem-se ainda as seguintes definições:“Planejamento estratégico é o processo de desenvolver a estratégia – a relação

pretendida da organização com seu ambiente. O processo de planejamento estratégico compreende a tomada de decisões que afetam a empresa por longo prazo, especialmente decisões sobre produtos e serviços que a organização pretende oferecer e os mercados

* Desa. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Mestre em Direito do Estado, Pontifícia Uni-versidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. 1 MOTTA, Paulo Roberto. Planejamento Estratégico. Cadernos do Projeto de Mestrado Profissional em Poder Judiciário. Fundação Getúlio Vargas. 2 MAXIMILIANO, Antonio Cesar Amaru. Teoria Geral da Administração: Da Revolução Urbana à Revo-

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e clientes que pretende atingir.”2

“O planejamento estratégico fundamenta-se num pensamento que sintetiza e en-volve intuição e criatividade, para oferecer uma visão perspectiva e futura do empre-endimento objetivado, contando com a participação dos atores, com suas interações e aprendizagens.”3

“Os planos que se aplicam à organização inteira, que estabelecem os objetivos globais e que buscam posicioná-la em termos de seu ambiente são chamados de planos estratégicos.”4

O que é afinal ter pensamento estratégico? Utilizo a lição de Djalma de Pinho Rebouças de Oliveira:5

“A base de sustentação para o pensamento estratégico é o executivo da empresa possuir um raciocínio e uma lógica estratégica, que permitam a visualização da especialidade de cada componente do desenvolvimento de estratégia empresarial. Este raciocínio estratégico pressupõe todo um sexto sentido por parte dos executi-vos, o que, neste ponto, diferencia os executivos com pensamento estratégico dos executivos comuns.

O executivo vai adquirir este pensamento ao longo do tempo, inclusive com autotrei-namento e muita perseverança, mas respeitando a premissa básica para todo o processo: ter visão aberta e abrangente da empresa e seu ambiente. Além disso, ele deve ter o apoio de uma equipe eficiente e eficaz; de uma estrutura organizacional perfeitamente delineada e aceita; e de um sistema de informações gerenciais adequado.”

1 A Estratégia como arte militar

A origem do conceito de estratégia6 se situa na Grécia antiga, desig-nando uma função militar. O estratego era o comandante militar que comandava e projetava as manobras e objetivos militares. O emprego do termo e a realidade da função desempenhada pelo estratego podem ser observados no relato de Tucídides na História da Guerra do Peloponeso.7

Após a Renascença, a estratégia passou a ser conhecida como “arte da guerra”.8 Maquiavel dedicou-se ao estudo da estratégia9 procurando

lução Digital. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.3 DUARTE, Geraldo. Dicionário de Administração. Fortaleza: Imprensa Universitária – UFC, 2002.4 ROBBINS, Stephen P. A Administração: mudanças e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2001.5 OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Excelência na Administração Estratégica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1995.6 Id. Gestão Contemporânea: A Ciência e a Arte de Ser Dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1991.7 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. 3. ed. Brasília: UnB, 1987.8 Verificar em: SUN TZU. A Arte da Guerra. 21. ed. São Paulo: Record, 1999.

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instruir o príncipe a manter o seu “estado”, isto é, o seu domínio políti-co. O sentido contemporâneo foi dado por Carl Von Clausewitz,10 que concentra na estratégia o foco principal de suas análises. Sob o ponto de vista militar a estratégia adquiriu um sentido bem mais amplo, para compreender planos e alternativas de segurança que podem ou não in-cluir a guerra.

2 A estratégia na administração gerencial

A utilização do termo estratégia na administração gerencial trouxe uma visão mais científica para o termo, servindo também para alargar a am-plitude do seu espectro de aplicação. Tornou-se hoje crucial a existência de planos gerenciais, de estratégia empresarial que, em face das circuns-tâncias, são elaborados segundo um alto grau de incerteza, característico do ambiente empresarial atual. O termo estratégia é sempre lembrado quando se analisa a competição empresarial. A simples transposição da visão militar do termo estratégia para a gerência organizacional não con-duz a bons resultados. Há necessidade de temperamentos e adaptações. As habilidades gerenciais para a condução de uma organização moderna pouco têm em comum com artimanhas, espertezas ou habilidades em luta armada. Sobre as habilidades gerenciais, verificar em Djalma Rebouças de Oliveira, na obra citada, os comentários para as características ideais do administrador estratégico: 1ª) saber trabalhar com as turbulências ambientais; 2ª) ter atitude empreendedora e saber trabalhar com riscos e erros; 3ª) estar voltado para o processo de inovações; 4ª) ter racionali-dade com intuição; 5ª) ter diálogo otimizado e fazer “parte do mundo”; 6ª) ter valores culturais consolidados; 7ª) ter interesse pelo negócio e lealdade às pessoas; 8ª) ter adequado processo de tomada de decisões e prioridades, ter adequado processo de autocontrole; 9ª) ser líder e ético, ser agente de mudanças, saber assumir responsabilidade, ter um plano estruturado de sucesso, ser generalista com algumas especialidades, ter conhecimento de administração e economia e estar voltado para as necessidades de mercado.

9 MACHIAVELLI, Niccolò (MAQUIAVEL, Nicolau). O Príncipe. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.10 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.11 MOTTA, op. cit.

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Paulo Roberto Motta11 alinhava as semelhanças entre a estratégia militar e a estratégia empresarial, que são: Na estratégia militar: 1º) a definição clara de objetivos; 2º) a visão de escopo além do campo de ba-talha; 3º) o horizonte de tempo mais amplo; 4º) a flexibilidade planejada; 5º) comando e liderança efetivos; 6º) a moral do grupo. Na estratégia empresarial: 1º) a gerência por objetivos (Drucker, 1952); 2º) a estratégia empresarial baseada na base de negócio, ampliando a visão da formula-ção; 3º) planejamento a longo prazo, longo alcance; 4º) a flexibilidade estrutural dependente da estratégia; 5º) comando e liderança introduzida por Fayol e fundamentada em bases modernas por Barnard; 6º) moral de grupo desde o início da administração científica.

3 A estratégia na administração gerencial: introdução da idéia

A introdução da idéia de estratégia no gerenciamento empresarial serve ao propósito de criar a base para o redirecionamento contínuo da organização, indicando as necessidades de uma visão de grande escopo e longo prazo. As perspectivas de curto prazo não estão mais afinadas com as necessidades contemporâneas. José Carlos Bonato,12 em didático artigo, sintetiza com rara felicidade as razões para planejar estrategica-mente: “Entre uma excelente idéia e (sua realização) a realidade está o Planejamento Estratégico”.

O conceito de estratégia, então, começou a ser difundido no meio da administração gerencial com o intuito de despertar nas empresas uma nova perspectiva de futuro, através do conhecimento de como expandir sua atuação e melhorar o seu desempenho. As mudanças ambientais, sociais e econômicas rápidas fizeram surgir a necessidade de perspectivar e prospectar através de análises racionais e prognósticos sobre produtos e serviços. O planejamento estratégico parte da premissa de um ambiente em constante mutação e turbulência com possíveis variações no sentido da missão socioeconômica da empresa.13

12 BONATO, José Carlos. Por que Planejamento? E Estratégico. Administração em Revista, São Jerônimo, v. 2, n. 1, p. 27-28, jan./jun. 2003.13 Verificar um exemplo empresarial recente: publicada pelo Jornal “O Estado de São Paulo”, 18 abr. 2006, que transcreveu reportagem do “The Wall Street Journal Americas - Dow Jones & Company, Inc.” com o título: “Novo gás para a Coca-Cola”. Como Neville Isdell tenta mudar a cultura da empresa para fazer frente a seus desafios.14 Ibid.

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A introdução dessa visão ampla da empresa conforme a sua inserção no contexto social, econômico e político amplia sobremaneira o hori-zonte temporal de atuação da instituição. No planejamento estratégico, segundo Motta,14 a atividade de dimensionamento organizacional é con-tínua e sistemática, e a ênfase metodológica concentra-se na formulação de estratégias e oportunidades. Na análise de ambiência configuram-se alternativas para a ação, no método de diagnóstico é feita a análise macro-econômica, incluindo considerações sociais e políticas. Na aproximação do futuro trabalham-se as conjecturas e os cenários.

Na definição do futuro não se perspectiva um só, mas futuros alterna-tivos, futuros possíveis. Os instrumentos de análise são uma combinação de métodos qualitativos e quantitativos. A avaliação e o controle não são ocasionais, mas permanentes, como forma de corrigir cursos de ação. A base teórica é um sistema globalístico-contingencial.

O produto do planejamento estratégico são estratégias e resultados compatíveis com a missão, visão e objetivos organizacionais. O plane-jamento estratégico existe justamente para dar um sentido de direção e não para implantar ou incrementar mais atividade burocrática.

Salienta-se, ainda, em apertada síntese, que refletir estrategicamente significa pensar coletivamente a razão de ser e os objetivos da organi-zação. Trata-se de um processo de liberar o potencial criativo e de con-cretização existente nas pessoas. Investe-se algum tempo em conhecer melhor o caminho e o futuro, com possibilidades de criar o futuro.

Feito o esforço de resumir alguns dos aspectos relevantes do tema, passa-se agora a examinar e a refletir sobre o planejamento estratégico nas Cortes de Justiça. A análise será feita com base nos movimentos para a implantação do Planejamento Estratégico no Superior Tribunal de Jus-tiça – STJ e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF-4ª Região.

4 O planejamento estratégico no Superior Tribunal de Justiça

O Conselho da Justiça Federal, em 14.11.2001, promoveu um encon-tro de magistrados representantes dos cinco Tribunais Regionais para a elaboração da proposta de Planejamento Estratégico para a Justiça

15 Documento anexo.16 Plano Estratégico 2004/2006. 2. ed. Superior Tribunal de Justiça. Documento anexo.

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Federal, recomendando a sua adoção nos demais Tribunais Federais. Após a idéia inicial, lançada em 2001 e reforçada em 2003, foi em 2004 que efetivamente restou elaborado o Plano Estratégico do Superior Tribunal de Justiça,15 com a apresentação de sua missão, visão de futuro e valores. Houve consideração aos diversos cenários, interno e externos, e foram lançadas estratégias, objetivos e metas. A metodologia adotada para nortear o processo de planejamento estratégico foi o “Balanced Score-Card”, BSC, desenvolvido por Robert Kaplan e Daniel Norton. Trata-se de uma metodologia que traduz a missão e a estratégia em objetivos e medidas tangíveis.

Após as sugestões e trabalhos iniciais, no segundo semestre de 2004, foi implantado o Plano Estratégico 2004/2006.16 Trata-se de um sistema gerencial para administração a longo prazo que se propõe a representar a estratégia organizacional de forma balanceada, clara e objetiva, pos-sibilitando que todos os setores atuem de maneira alinhada com a visão estratégica organizacional.

Do exame dos elementos disponibilizados, percebe-se que foram rea-lizadas análises dos cenários externo (ameaças e oportunidades) e interno (pontos fortes e fracos) de forma a serem considerados os fatores que têm impacto positivo e negativo no cumprimento da missão institucional.

Foram consideradas como ameaças ao desenvolvimento do Superior Tribunal de Justiça: 1º) a legislação processual desatualizada; 2º) a pro-telação da reforma do Judiciário; 3º) a ausência de lideranças no Poder Judiciário com a desarticulação entre os órgãos, as reformas previdenciária e tributária pelo possível aumento da demanda; 4º) a desvalorização do servidor público; 5º) a escassez de recursos e os cortes orçamentários; 6º) a remuneração inadequada dos magistrados e servidores; 7º) o descrédito do Judiciário; 8º) o excesso de recursos do Executivo. No cenário externo foram identificadas como oportunidades: 1º) a abertura da instituição para a realização de intercâmbios com organismos do Judiciário Internacional; 2º) a criação dos Juizados Especiais; 3º) a tendência à integração dos sistemas informatizados; 4º) a reforma do Judiciário; 5º) a boa imagem

17 Relatório de Desempenho 2005. Superior Tribunal de Justiça. Núcleo de Planejamento Estratégico. Dispo-nível em: <http://www.stj.gov.br/webstj/Institucional/PlanejamentoEstrategico/>. Acesso em: 25 abr. 2006.18 O folder muito bem apresentado mostra as “entranhas do Poder”. Os corredores do Superior Tribunal de Justiça, sugerindo o movimento interno na instituição. Aspecto suntuoso pelos belos jogos de luz e sombra.

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perante os advogados; 6º) a posição de destaque do Superior Tribunal de Justiça no processo de modernização do Judiciário. Foi também proce-dida à análise interna com identificação de pontos fortes e pontos fracos.

As estratégias planejadas para o cumprimento da missão foram identi-ficadas, a saber: 1º) agilizar a prestação jurisdicional, reduzir o tempo de permanência dos processos no Superior Tribunal de Justiça; 2º) aproximar o Tribunal da sociedade, trabalhando com foco no cidadão; 3º) garantir uma prestação jurisdicional efetiva e transparente; 4º) contribuir para a expansão e modernização da Justiça.

Os objetivos estratégicos foram identificados, sendo os sinalizadores dos pontos de atuação organizacional apresentados no seguinte mapa estratégico:

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Em 1º.02.2005, por ocasião da sessão inaugural da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, foi apresentado o relatório de atividades de 2004 e constatou-se que houve um atingimento muito bom das metas antes eleitas. No que respeita à agilização na tramitação dos processos, que tinha como meta a tramitação dos processos recursais em 180 dias na média e dos processos originários em 90 dias em média, até novembro de 2005, houve dificuldade na forma de apuração dos dados estatísticos, não sendo possível mensurá-lo em 2004. Salienta-se, assim, a crucial importância de indicado-res adequados e confiáveis, pois a agilização da prestação jurisdicional foi a primeira estratégia eleita. Em janeiro de 2006 foram disponibilizados os dados de 2004/2005 e, no que respeita ao objetivo comentado, observe-se que foi possível a mensuração. A meta era de obter 80% dos recursos tra-

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mitando em até 180 dias. O resultado foi positivo, pois o índice alcançado foi de 70%, muito próximo da meta eleita. No que respeita aos processos originários, como o indicador depende de outros órgãos, o indicador e a meta serão revistos para 2006. Nota-se aí o planejamento estratégico como um processo que não nasce pronto, mas é construído no tempo.17, 18

5 O planejamento estratégico no TRF-4ª Região

Examinando a geração do Plano Estratégico do Tribunal Regional Fe-deral da 4ª Região, verifica-se que as reflexões em torno da implantação do Planejamento Estratégico realizaram-se durante diversos encontros, sendo que o início ficou marcado por uma reunião realizada em Santa Cruz do Sul, em 24 e 25 de novembro de 2001, tendo nos dias 14 e 15 de maio de 2002 sido realizada a reunião com servidores representantes

Os integrantes das artes gráficas foram muito felizes. 19 A capa do folder da apresentação mostra a antiga sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que logo seria abandonada, no final da gestão Zavascki. Para projetar-se mais ao futuro, poderia ter utilizado o novo prédio que estava na ocasião em final de construção, a mudança ocorreu em 2003. A imagem não projetou o futuro.20 Gestão da hoje Ministra Ellen Gracie.21 Corregedor Desembargador Federal Vilson Darós.

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de todos os setores do Tribunal. O Planejamento Estratégico, na ótica do instrumento de sua introdução, propõe “uma nova forma de pensar: estabelece providências que devem ser tomadas, considerando que o futuro será diferente do presente e do passado e que podemos interferir nisso”. A proposta é “reduzir as incertezas, aumentar a probabilidade do alcance dos objetivos estabelecidos, enfim, a garantia do desenvolvimento organizacional”.19

Foram propostos, após a revisão da Visão e Missão do Tribunal, valores institucionais que haviam sido fixados quando da implantação do Programa de Qualidade em 1995,20 no sentido do preenchimento de lacunas apresentadas no item “Estratégias e Planos”, apontadas no relatório da avaliação da gestão de 2001, tendo também o objetivo de adaptar-se ao disposto na Emenda Constitucional nº 19, caput do artigo 3º, em especial, o prestigiamento da eficiência. Observa-se que houve

22 BONATO, José Carlos. Professor, Administrador, especialista em Custos, Curso de Especialização da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, e servidor do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Assessor da Assessoria de Planejamento e Gestão). Artigo publicado no Jornal “A Região”, 15 abr. 2005.23 BONATO, José Carlos. Pessoas fazem a diferença. Administração em Revista, São Jerônimo, v. 1, n. 1, p. 8-9, jul./dez. 2002.

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um roteiro básico para a implantação do projeto, com indicação da visão, da missão, construção de princípios que indicam os valores da insti-tuição. Empreendeu-se a análise de cenário externo, identificando-se as ameaças do ambiente externo, bem como as oportunidades geradas pelo mesmo ambiente, em boa parte coincidentes com as detectadas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Entre a análise do cenário interno, no aspecto das deficiências, podem--se destacar os seguintes aspectos: 1º) dispersão das atividades em vários prédios; 2º) insuficiência de servidores e magistrados; 3º) comunicação interna deficiente, desmotivação, descontinuidade administrativa, resis-tência às mudanças, existência de uma cultura individualista, rotatividade de servidores.

Apenas em 1º.02.2005,21 após ser aprovado pelo Conselho da Admi-nistração e depois de uma primeira tentativa de aprovação em 2004 pelo Plenário, hipótese não implementada em face de alguns pedidos de vista por parte de desembargadores, inobstante não oferecerem sugestões, foi aprovado o Plano pelo Plenário.

A Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, durante a gestão 2003/2005, efetuou planejamento das correições, plano mantido até o momento, podendo-se então falar na existência de um planejamento estratégico a direcionar as atividades da importante função correicional.

Ocorre que não se conseguiu no Tribunal Regional Federal da 4ª Re-gião internalizar a idéia de que o processo de planejamento estratégico é processo; isto é, ao planejamento seguem-se a execução, a avaliação e a correção de rumos, e assim sucessivamente. Nota-se uma considerá-vel dificuldade em completar o ciclo que é dinâmico. Verifique-se que o Superior Tribunal de Justiça, ao que parece, está conseguindo fazer isso.

Ainda no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, veio a ser divulgado recentemente o Planejamento Estratégico dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região para 2006/2007, que entre as suas dire-trizes estratégicas apresenta a de agilizar a prestação jurisdicional, o que aliás é a razão de ser dos Juizados. O desdobramento das diretrizes prevê como primeiro item a redução do tempo de tramitação de processos.

24 CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo: Companhia da Letras, 1995.

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O Planejamento Estratégico da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região (COJEF) não se referencia ou se filia ao planeja-mento anteriormente existente no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi realizado obedecendo à disposição legal, no sentido de que os Coordenadores dos Juizados Federais deveriam realizar a atividade de planejamento e enviar o relatório ao Conselho da Justiça Federal. Saliento, então, que houve compulsoriedade legal para a sua realização, houve necessidade de elaborar um planejamento. Quando há necessidade de fazer algo, normalmente é feito.

6 Considerações sobre dificuldades e benefícios na implantação do Planejamento Estratégico

Passando agora a refletir sobre as dificuldades para a implantação de um Planejamento Estratégico nos Tribunais sob o ponto de vista do cenário interno, destaco os seguintes pontos:

6.1 Dificuldades na implantação do Planejamento Estratégico 6.1.1 A falta de visão de longo prazo e o individualismo excessivo A falta de planejamento a longo prazo e o individualismo exacerbado

dos integrantes da magistratura constituem enorme obstáculo ao plane-jamento de longo prazo. Tanto a análise interna do Superior Tribunal de Justiça quanto a análise do cenário interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região são concordes em destacar a falta de continuidade, pois cada gestor preocupa-se em deixar a sua marca individual na instituição.

6.1.2 O conservadorismo

Outro ponto negativo a destacar é o conservadorismo do Judiciário e a sua pouca disposição de enfrentar mudanças. A propósito, a relativa dificuldade em gestar um programa de Planejamento Estratégico constitui obstáculo sempre presente e visível em diversas oportunidades. Sobre as dificuldades nos âmbitos privado e público, José Carlos Bonato,22 em artigo intitulado “Administração da Mudança: um desafio gerencial”,

25 CASTRO E COSTA, Flávio Dino de. O Conselho Nacional de Justiça: competências e aspectos processuais. In: FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Dario Almeida Passos de (orgs.). Direito e Administração da Justiça. Curitiba: Juruá, 2006. p. 77.

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relata antiga fábula publicada pela Revista Cátedra y Vida, Buenos Aires, 1959, “O que fazer com os Igníferos”. Muitas vezes é pelo viés humorístico que captamos aspectos dramáticos da realidade.

6.1.3 O descompromisso

Destaco o elemento colhido dos resultados ofertados pelo Superior Tribunal de Justiça no item de redução do prazo de tramitação dos pro-cessos, isto é, a agilidade nos julgamentos. O referido item depende sem dúvida da adesão de todos e de cada um. Nem sempre todos os magis-trados estão dispostos a abandonar antigos métodos ou acelerar o ritmo de seus trabalhos, e é sintomática a dificuldade na apuração dos dados estatísticos. Não há uma efetiva cobrança por resultados, por desem-penho. O quadro poderá alterar-se com o funcionamento do Conselho Nacional de Justiça.

6.1.4 A ausência de lideranças efetivas23

Na realidade, o que o Judiciário necessita é de lideranças para gerir-lhe um Planejamento Estratégico. São de pouca valia as iniciativas isoladas nas cortes inferiores, o planejamento estratégico deve partir do Superior Tribunal de Justiça e agora do Conselho Nacional de Justiça, e os tribunais inferiores e a magistratura em geral devem alinhar-se às metas propostas. Analisando o histórico antes resumido, vemos que o Superior Tribunal de Justiça iniciou a trilhar o aludido caminho e o Conselho Nacional de Justiça também já lançou expressivas e positivas metas estratégicas, como, por exemplo, vetando a continuidade do nepotismo. A dificuldade apontada então parece que será em breve superada, com os órgãos da cúpula do Judiciário a trabalhar na formulação do Planejamento Estra-tégico e os tribunais inferiores e a magistratura em geral funcionando no aspecto tático e operacional.

Quanto à insuficiência de servidores e restrições orçamentárias que são unanimemente apontadas como entraves ao desempenho melhor da instituição, cabe verificar realisticamente que a carência de recursos humanos e materiais será uma constante no futuro próximo e, possivel-mente, não serão eliminados, mas sim agravados.

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6.1.5 Inexistência da necessidade

O exemplo que ocorreu com a Coordenadoria dos Juizados Espe-ciais Federais da 4ª Região (COJEF)/Tribunal Regional Federal da 4ª Região serve como luva para o que se quer dizer. Havendo neces-sidade/compulsoriedade, a atividade é implementada. No referido aspecto, sobre a ausência de necessidade, é eloqüente que no Relatório Anual de Atividades do Tribunal Regional Federal da 4ª Região de 2005, elaborado sob o signo da “transição entre duas administrações” (fls. da apresentação), não há referência ao Planejamento Estratégico durante a gestão 2003/2005 e durante a gestão 2005/2006 (fl. 26), há referência ao Planejamento Estratégico que teria sido aprovado, após pedidos de vista, em 2003. À fl. 110, nas atividades da Assessoria de Planejamento e Gestão – Aplang, observamos que há uma Comissão de Revisão do Planejamento Estratégico (fl. 112) e vemos que o setor orientou o planejamento estratégico que foi apresentado pelos Juizados Federais da 4ª Região. Não há referência aos integrantes ou resultados referentes aos estudos da referida Comissão de Revisão. Observa-se então que, a não ser no caso dos Juizados – que foi le-galmente compelido –, não há ainda a real necessidade de avaliar os resultados e de corrigir rumos.

6.2 Benefícios na implantação do Planejamento Estratégico

Verificando agora sobre a necessidade de ser implementado um progra-ma de Planejamento Estratégico nos Tribunais, conclui-se pela absoluta necessidade de fazê-lo. Elias Canetti, na obra “Massa e Poder”,24 nos transmite a idéia de que só as instituições com fundado sentido de dire-ção conseguem sobreviver e projetar-se no tempo. O Judiciário precisa planejar estrategicamente para continuar a ser um Poder. É o que fará o Conselho Nacional de Justiça à vista do disposto no artigo 103-B da Constituição Federal de 1988, introduzido pela Emenda nº 45, em es-pecial, planejamento estratégico, como bem observado por Flávio Dino de Castro e Costa ao examinar as competências do Conselho Nacional de Justiça, em esclarecedor artigo.25

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Dos três exemplos de Planejamentos Estratégicos examinados todos têm como objetivo principal a celeridade da prestação jurisdicional e a necessidade de modernizar a Administração da Justiça, objetivos que são cruciais para a Instituição. A adoção do Planejamento Estratégico sem dúvida contribuiu para o fortalecimento institucional do Judiciário enquanto organização e conduzirá a instituição ao cumprimento efetivo de sua missão, qual seja: a distribuição da Justiça.

O realista ajusta as velasNavegar é preciso

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A nova lei de tráfico: uso indevido de drogas e juizados especiais

Élcio Pinheiro de Castro*

Frente ao espantoso crescimento de organizações criminosas, o com-bate ao tráfico ilícito de drogas vem merecendo cada vez maior atenção do Estado. Sobre o tema, além do intenso debate, incontáveis são os estudos no meio jurídico e social, não só no âmbito doméstico como também nos demais países.

Nosso objetivo não é outro senão o de promover brevíssima análise das recentes modificações no campo dos Juizados Especiais quanto ao uso de entorpecentes, buscando com isso apontar algumas dúvidas, esti-mular maiores reflexões e assim colaborar com os operadores do direito na solução de cada caso.

Em síntese, a nova Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, indica me-didas para prevenir a utilização indevida, cuidados especiais, bem como a recuperação social de usuários e dependentes de substâncias tóxicas. Estabelece, ainda, normas para reprimir a produção não autorizada e o tráfico ilícito de alucinógenos, além de definir os respectivos crimes.

Segundo o comando inscrito no art. 28, quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou * Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; e III – comparecimento a programa ou curso educativo.

Como se vê, no que pertine às reprimendas, trata-se de rol exaustivo, sendo nula a sentença que colocar em prática qualquer outra sanção ao usuário.

Diversamente da revogada Lei 6.368/76, embora tenha alargado sua área de atuação, a nova norma não mais comina pena privativa de liberdade aos consumidores e daí sua retroatividade por mais benéfica, devendo alcançar os crimes ocorridos antes de sua publicação, não só por força do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal, mas também pelo disposto no parágrafo único do art. 2º do Código Penal.

Dessa forma, estando o processo na fase de audiência de instrução e julgamento, ao sentenciar, sendo a decisão condenatória, deve o juiz empregar as novas reprimendas. O mesmo deverá acontecer no segundo grau de jurisdição (Turma Recursal) ou em sede de recurso extraordinário. Após o trânsito em julgado, caberá ao juízo da execução, de ofício ou a requerimento das partes, o exame da lex mitior, nos termos da Súmula 611 do STF.

Contudo, resta saber se tais punições devem ou não ser aplicadas em conjunto.

Apesar da locução “será submetido às seguintes penas”, podem as referidas sanções ser empregadas de forma autônoma (art. 27 c/c § 5º do art. 48), nada impedindo ao julgador, diante de cada caso, reunir duas delas tendo em conta, por exemplo, os antecedentes, ou até impor as três se socialmente recomendáveis frente às circunstâncias, à personalidade ou à conduta do infrator.

A duração das medidas educativas deve observar o prazo máximo de cinco meses. Em caso de nova infração, pode ser estipulada em até dez meses.

Pretendendo alcançar fins pedagógicos, deixou o legislador registrado que seu cumprimento dar-se-á em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferen-cialmente, da prevenção ao consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

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Em princípio, as tarefas devem ser cumpridas à razão de uma hora por dia de condenação (no máximo), fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho do agente. (art. 46, § 3º, do CP)

Entretanto, não tendo a norma estipulado o número de horas sema-nais a serem executadas durante o período de prestação de serviços à comunidade e tratando-se de infrações de menor potencial ofensivo, é de se deduzir que sua fixação deve ser pautada consoante a sensibilidade do julgador frente ao caso concreto, desde que respeitado o tempo de duração da reprimenda.

Importa ressaltar que, não satisfeita a obrigação (sem plausível jus-tificativa), é facultado ao magistrado infligir a pena de admoestação verbal e, se ainda assim não surtir efeito, determinar o pagamento de multa, que não poderá ser inferior a 40 nem superior a 100 dias-multa. O cálculo, entre os apontados limites, deverá ser realizado com apoio exclusivamente na reprovabilidade da conduta, observando-se o princípio da proporcionalidade a fim de assegurar a indispensável individualiza-ção. Firmado o número de unidades, o julgador prescreverá o valor de cada dia-multa (entre 1/30 e 3 vezes o maior salário mínimo) segundo a capacidade econômica do recalcitrante. Tais importâncias, após o re-colhimento, serão destinadas ao Fundo Nacional Antidrogas e não mais ao Tesouro Nacional.

De outra parte, o agente de qualquer das indigitadas condutas, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 do novo Diploma, será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei 9.099/95 que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais. (§ 1º do art. 48)

Por outras palavras: a competência para a conciliação, transação, julgamento e execução das infrações penais em tela permanece atribuí-da aos juizados especiais, exceto quando houver concurso com um dos referidos crimes, de competência da justiça comum.

Não obstante, na dicção de Julio Fabbrini Mirabette, “por se tratar de competência ratione materiae fundada na Constituição Federal, não é admissível que o processo estabelecido para os Juizados Especiais Criminais seja objeto de feitos em curso no Juízo Comum, estadual ou federal. Não é possível invocar os princípios da isonomia, igualdade e eqüidade, como às vezes já se tem feito, para permitir a aplicação dessas normas nos órgãos judiciários comuns. É a própria Constituição Federal

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que, excluindo tal possibilidade, reserva aos juizados a competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo. Nenhum princípio genérico pode sobrepor--se às normas expressas na Carta Magna”. (Juizados Especiais, 4. ed. Editora Atlas, p. 39)

Nessa linha, segundo Ada Pellegrini Grinover, “havendo conexão ou continência deve ocorrer a separação dos processos para julgamento da infração de competência dos Juizados e da infração de outra natureza. Não prevalece a regra do art. 79, caput, que determina a unidade de processo e julgamento de infrações conexas, porque, no caso, a competência dos Juizados Especiais é fixada na Constituição Federal, não podendo ser alterada por lei ordinária”. (Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099/95, 4. ed. Editora Revista dos Tribunais, p. 67)

A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Sendo inquestionável a prevalência de norma constitucional sobre qualquer le-

gislação infraconstitucional, não pode o Código de Processo Penal, na parte que regula as hipóteses de unificação de processos pela conexão ou continência, sobrepor-se às regras constitucionais de competência. Havendo previsão, na Constituição Federal, da competência dos Juizados Especiais Criminais, na hipótese de conexão ou continência entre delito de competência destes e outro de procedimento ordinário, cada qual deverá ser processado e julgado pelo respectivo juízo, não sendo possível a unificação.” (REsp 611.718-RS, Rel. Min. Gilson Dipp, publ. em 03.11.2004)

No mesmo sentido veja-se o HC 40.040 tendo como Relatora a Mi-nistra Laurita Vaz, publicado no DJU de 23.05.2005 além do HC 41.172, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, publicado em 16.05.2005.

Como se depreende, a questão é polêmica. Ainda se discute sobre a pos-sibilidade ou não de julgamento conjunto das pequenas infrações conexas com os crimes da competência do juízo comum, e daí o debate que poderá se instaurar quanto à legitimidade do apontado dispositivo legal.

É certo que, recentemente, objetivando solucionar a controvérsia, a Lei 11.313/06, ao dar nova redação ao art. 60 da Lei 9.099/95, bem como nele incluir um parágrafo, assim deixou averbado: “O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.”

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Além disso o mencionado parágrafo único foi lavrado nas seguintes letras: “Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis”.

Pensamos não haver qualquer ofensa à Constituição Federal, isso porque está escrito no seu art. 98:

“A União, no Distrito Federal e nos territórios, e os Estados criarão juizados espe-ciais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permiti-dos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”.

Concludentemente, para que uma causa possa ser atribuída ao Juizado, primeiro é preciso dizer que não se cuida de questão complexa (quando a discussão é no cível) ou que se trata de infração de menor potencial ofensivo (quando criminal). Diante da indefinição do constituinte, essa incumbência, sem dúvida, restou delegada ao legislador ordinário. Por-tanto, é ele quem dirá se determinado feito, por sua complexidade ou por sua gravidade, deve ou não ser examinado pelo juízo comum. Em suma, a Constituição da República autorizou tão-só a criação dos Juizados, sem fixar qualquer regra de competência.

Atendendo ao referido preceito constitucional, vieram ao mundo jurídico a Lei 9.099/95 e posteriormente a Lei 10.259/01 regulando as hipóteses de transação e julgamento de tais crimes. Saliente-se que a própria Lei 9.099/95 coloca ao largo de seu alcance algumas situações. A propósito, veja-se aquela que em razão de sua complexidade não permite formulação imediata da denúncia (art. 77, § 2º). Outra, assegurando que, não sendo encontrado o acusado para ser citado, o juiz deve encaminhar as peças existentes ao juízo comum para a adoção do procedimento previsto em Lei (art. 66, parágrafo único) e agora, também de forma expressa, quando houver conexão ou continência com crime de maior gravidade. (art. 60, parágrafo único)

Portanto, a partir dessa nova regra, todas as infrações afetas ao Juizado Especial, quando ligadas (de qualquer modo) a crimes dele excluídos, deverão ser encaminhadas ao Juízo Comum competente para o julga-

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mento do ilícito mais grave, aplicando-se o disposto no art. 78, II, do Código de Processo Penal.

É evidente que, por força do concurso, o crime de uso não mais será ob-jeto de Termo Circunstanciado, mas sim de inquérito policial, instrumento adequado para o levantamento de todas as infrações penais cometidas.

Superada tal questão e não sendo possível a separação dos processos, resta indagar qual o procedimento a ser adotado pelo julgador ou pelo Ministério Público, nos casos de conexão ou continência entre crime comum e infração penal de menor potencial ofensivo, porquanto, como já visto, restou consignado na parte final do parágrafo único do referido art. 60 que deverão ser observados “os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.”

Tendo em conta o novo texto legal e preenchidos os requisitos exi-gíveis, com certeza não pode a infração de maior gravidade obstar a possibilidade de transação penal e, conseqüentemente, a composição dos danos causados.

Acontece que o ressarcimento dos prejuízos somente se dá entre o autor do fato e a vítima. Na hipótese em estudo, cuidando-se de crimes fundados na aquisição, guarda ou transporte de entorpecente para consu-mo próprio, s.m.j. não há como se promover tal acordo, já que o sujeito passivo do ilícito é exclusivamente o Estado.

Afinal, deve ser oferecida peça acusatória única no juízo comum ou é facultado ao Ministério Público apresentar denúncia pelo fato mais grave e proposta de transação em apartado?

Entendemos que, não tendo o agente direito à transação, deve a peça acusatória ser oferecida, de imediato, abordando os dois crimes. Caso contrário, cuidará a mesma tão-só da infração de maior gravidade e, paralelamente (nos mesmos autos), da proposta de transação que, por economia processual, poderá ser efetivada por ocasião do interrogatório. Aceita a proposta, seguirá o processo exclusivamente quanto ao delito mais grave. Frustrada a transação por qualquer motivo, caberá ao Mi-nistério Público formular aditamento apontando também a violação da lei penal de menor potencial ofensivo.

Todavia, cumpre lembrar que as medidas educativas apresentadas pela nova lei prescrevem em dois anos (art. 30), devendo ser observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do

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CP. Sendo o infrator menor de 21 anos à época do crime, esse espaço de tempo será reduzido à metade. (art. 115 do CP)

E mais, à luz do art. 44 (reprisando regra contida no diploma dos Crimes Hediondos), as infrações previstas nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória.

Assim, se o acusado estiver em liberdade, resta viabilizada a transação que deverá ser apresentada segundo o disposto no § 5º do art. 48 da nova lei, ou seja, “o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena prevista no art. 28, a ser especificada na proposta”, e não mais com apoio no comando inscrito no caput do art. 76 da Lei 9.099/95.

Porém, estando preso (como normalmente acontece nos crimes de tráfico), em princípio estará obstruída a possibilidade da outorga do bene-fício de prestação de serviços à comunidade ou comparecimento a curso educativo, por serem tais sanções incompatíveis com o encarceramento, salvo, é claro, se a proposta do Ministério Público consistir exclusivamente no pagamento de multa que poderá ser reduzida até a metade, conforme estabelece o § 1º do referido art. 76 da Lei dos Juizados, objetivando, com isso, estimular a aceitação do acordo pelo infrator.

Não bastasse, consoante a melhor doutrina, os crimes conexos, em-bora estejam abrangidos por um só processo, mantêm sua autonomia e prescrevem separadamente. (art. 119 do CP)

Poder-se-ia cogitar da regra que as penas mais leves prescrevem com as mais graves (art. 118 do CP). Nada obstante, tal entendimento não se ajusta ao caso de concurso de crimes, como na hipótese, mas sim tão-só às penas a serem aplicadas pelo mesmo delito.

Diante dessa perspectiva, frustrada a transação, com quatro instâncias a serem percorridas e não havendo marco interruptivo no segundo grau em caso de sentença condenatória, como impedir a ocorrência da pres-crição no que tange às infrações de menor potencial ofensivo em tela? E se não prescritas em razão da celeridade processual, tendo em conta o disposto no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, como executá-las se incompatíveis com o regime fechado, mantido pela nova lei, ou inicialmente fechado, por força da jurisprudência?

Como já salientado, a não ser que sejam criados cursos educativos e implantada prestação de serviços à comunidade dentro dos próprios

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presídios, não vemos como harmonizar o cumprimento das referidas penas com as privativas de liberdade.

Por fim, reveladas as observações que nos animaram a promover o presente estudo, do exame das demais regras do novel Diploma Legal, ainda que de forma concisa, podemos concluir:

a) No tráfico ilícito de drogas a pena mínima foi majorada de 3 para 5 anos. A manutenção da máxima em 15 anos acabou por reduzir o cálculo do tempo médio de cada vetorial negativa. Entretanto, deve o juiz, na sua fixação, considerar, com preponderância, a natureza e a quantidade da substância tóxica, além da personalidade e da conduta do agente.

b) A pena de multa (exacerbada pelo legislador) restou cominada em abstrato, entre 500 e 1.500 dias-multa. O valor de cada unidade não pode ser inferior a 1/30 nem superior a 5 vezes o maior salário mínimo. Havendo concurso, devem ser cumuladas, facultado seu aumento até o décuplo se a situação econômica do réu permitir e quando as circuns-tâncias indicarem sua necessidade.

c) Nas mesmas penalidades incorrerá quem de qualquer modo forne-cer matéria-prima; cultivar plantas destinadas à preparação de drogas; ou ainda aquele que consentir que imóvel sob sua administração seja utilizado para a guarda de entorpecente.

d) Cuidando-se de agente primário, com bons antecedentes e não integrando organização criminosa, tais sanções poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada sua conversão em restritivas de direitos.

e) O oferecimento, a qualquer título, de máquinas destinadas à pro-dução ilegal de entorpecentes constitui crime, punido com reclusão de 3 a 10 anos.

f) Frente à gravidade, o financiamento ou custeio de tais crimes rece-beu a maior pena fixada na nova lei, ou seja, de 8 a 20 anos.

g) Havendo associação de duas ou mais pessoas para a prática, reite-rada ou não, dessas infrações penais, a reclusão será de 3 a 10 anos em concurso material.

h) Qualquer auxílio a grupo ou organização criminosa será punido com reclusão de 2 a 6 anos. Em contrapartida, o indiciado ou acusado que colaborar na fase policial ou em juízo na identificação dos demais co-autores e na recuperação do produto do crime terá a pena reduzida de um a dois terços.

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i) Para o induzimento ou instigação ao uso indevido de droga a sanção restou estabelecida entre 1 e 3 anos.

j) A pena mínima do singelo oferecimento de substância tóxica, ainda que gratuito, para consumo em conjunto, foi assentada em 6 meses, e a máxima, em 1 ano de detenção, sem prejuízo das medidas educativas de que trata o art. 28.

l) As penas serão aumentadas de um sexto a dois terços nos seguin-tes casos: 1) se a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito, o que, por certo, vai auxiliar a fixação da competência quanto aos fatos ocorridos nos municípios limítrofes com o exterior; 2) quando o agente realizar o crime prevalecendo-se de função pública ou no de-sempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância; 3) o cometimento da infração ocorrer nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, recreativas, inclusive em transportes pú-blicos; 4) se o crime tiver sido efetivado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo ou qualquer outro processo de intimidação; 5) quando caracterizado o tráfico entre Estados da Federação; 6) na hipó-tese de sua prática envolver ou visar atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, reduzida ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação; 7) quando o agente financiar ou custear a execução do crime exceto, à evidência, no que pertine às infrações previstas nos arts. 33, caput e § 1º, e 34, por já contar com tipificação autônoma no art. 36, sob pena de bis in idem.

m) A nova Lei Antitóxicos é omissa quanto ao regime prisional. Re-vogou tão-só as Leis 6.368/76 e 10.409/02. Nesse contexto, entendemos que permanecem as regras dos crimes hediondos (Lei 8.072/90) e daí o cumprimento da pena no regime integralmente fechado. Entretanto, a guerreada quaestio já nasceu vencida pela jurisprudência do Supremo. Satisfeitos dois terços da sanção, a norma autoriza a outorga do livra-mento condicional, vedada sua concessão ao reincidente específico.

n) Diversamente da legislação anterior, estando o indiciado preso, o inquérito policial deverá encerrar-se em 30 dias, ou em 90 quando solto. Havendo necessidade, devidamente justificada, tais prazos podem ser duplicados pelo juiz.

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o) Ofertada a denúncia, o acusado será notificado para apresentar defesa preliminar em 10 dias, por escrito, nela expondo as razões que entender de direito, facultada a juntada de documentos. Poderá ainda especificar provas e arrolar até cinco testemunhas. Não manifestada tal resposta, o julgador nomeará defensor para tanto. Sendo imprescindí-vel, determinará o comparecimento do preso, bem como a realização de diligências, exames e perícias.

p) Recebida a peça acusatória, o juiz designará dia e hora para audi-ência de instrução e julgamento. Na data aprazada, após o interrogatório do acusado e da inquirição das testemunhas, será dada a palavra primeiro ao Ministério Público, depois à defesa. Encerrados os debates, a sentença poderá ser prolatada de plano ou no prazo de 10 dias.

q) Salvo se primário e de bons antecedentes, em caso de condenação, é defeso ao réu apelar sem recolher-se ao cárcere, o que, certamente, vai gerar muita discussão.

r) Cuidando-se de tráfico transnacional, a competência será sempre da Justiça Federal, ainda que praticado em Município que não seja sede de vara da Justiça Federal. A competência residual, antes delegada à Justiça Comum do Estado, com recurso ao respectivo TRF, restou expressamente afastada em decorrência da expansão da Justiça Federal.

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Tutelas de urgência e o princípio da fungibilidade(§ 7º do art. 273 do CPC)

Paulo Afonso Brum Vaz*

Sumário: Considerações iniciais. 1. As tutelas de urgência e a possibilidade de comunicação dos seus regimes, sem perda da autonomia. 2. O princípio da fungibilidade e o seu alcance nas tutelas de urgência. 3. Aspecto procedimental da fungibilidade prevista no § 7° do art. 273: sentença e efeitos recursais. 4. Antecipação de tutela de direito material em procedimento cautelar como medida de exceção. Conclusões.

Considerações iniciais

A introdução no processo de conhecimento do instituto da antecipação da tutela representou a dissipação de toda e qualquer dúvida acerca do âmbito de incidência do processo cautelar. Descabe, desde então, indagar--se sobre a possibilidade de o processo cautelar servir para o manejo de pretensão que constitua antecipação dos efeitos da futura sentença a ser proferida no processo de conhecimento. O ilustrado Arruda Alvim ano-ta o seguinte: “Se passou a existir o instituto da antecipação de tutela, como figura de abrangência geral (art. 273), encartada no processo de conhecimento, isso importa redefinir, inequivocamente, a função cautelar como inábil à obtenção de efeito próprio do processo de conhecimento.

* Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e Professor de Direito Processual Civil.1 Anotações sobre alguns aspectos das modificações sofridas pelo processo hodierno entre nós, Revista de

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O meio de obtenção desse efeito passa a ocorrer, no processo de conhe-cimento, não por intermédio da medida cautelar, mas da antecipação da tutela, quando isso seja possível”.1

Ao tempo em que se busca deixar bem definidos os campos de atu-ação da tutela cautelar e da tutela antecipatória, tarefa árdua que impõe exame aprofundado e atento dos casos concretos, em razão da existência de situações fronteiriças não muito nítidas, convém não radicalizar em relação às conseqüências práticas decorrentes da chamada “purificação do processo cautelar”.2 A obstinação e o excessivo zelo por parte do juiz ao fiscalizar o emprego da adequação técnica poderão comprometer a efetividade da prestação jurisdicional.

É nesta perspectiva que analiso a aplicação do princípio da fungibi-lidade entre tutela cautelar e tutela antecipada. Antes, porém, é preciso relembrar “que os provimentos cautelares destinam-se a garantir o resultado eficaz do processo, assegurando a efetividade (probatória ou executiva) de uma pretensão, sem, no entanto, interferir no plano do di-reito material; ao revés, os provimentos antecipatórios não se satisfazem em apenas conservar a incolumidade da pretensão ou a efetividade do processo, mas dispõem diretamente sobre o direito material litigioso, representando, por assim dizer, o atendimento da pretensão, ou de parte dela, antes mesmo de proferida a sentença. Pode-se, pois, afirmar com segurança que existe uma distinção manifesta e relevante entre as natu-rezas dos danos que uma e outra pretendem afastar. Na tutela cautelar, almeja-se afastar o risco ou a insegurança que ameaçam a possibilidade de se chegar a uma sentença de mérito favorável (produção antecipada de provas – garantia de efetividade probatória) e de se executá-la com êxito (arresto – garantia de efetividade executiva); na tutela antecipa-tória, o que se busca afastar é a permanência do estado de insatisfação do direito, o dano que decorre da impossibilidade de fruição do direito de plano, a refletir a necessidade de se obter a antecipação concreta, no mundo dos fatos, de efeitos (mandamentais e executivos) que dizem

Processo, nº 97, Ed. Revista dos Tribunais, p. 79. 2 Conforme expressa Teori Albino Zavascki. (Antecipação da Tutela. 2. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 45)3 O professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira distingue com precisão as funções preventivas de dano da tutela cautelar e da antecipatória: “No processo cautelar, a prevenção do dano dá-se sem interferência do

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respeito ao próprio direito material objeto da lide. Qualquer cotejo entre tutela cautelar e tutela antecipatória deve le-

var em conta que, embora sejam institutos de espécies diferentes, uma e outra se legitimam pela função de prevenção do dano – ainda que diversas as naturezas do receio de lesão –,3 compondo ambas o gênero tutelas de urgência, técnica que integra a preocupação com a efetividade do processo, tendo como elemento comum a inaptidão para produzir a coisa julgada material.4 Não poderia deixar de referir, contrastando os institutos, a irretorquível observação de Teori Zavascki no sentido de que as medidas cautelares e as antecipatórias identificam-se por desempenhar função constitucional semelhante, qual seja, a de propiciar condições para a sobrevivência harmônica dos direitos fundamentais à segurança jurídica e à efetividade da jurisdição, mas sujeitam-se a regimes proces-sual e procedimental diversos.5 Complementaria dizendo que ambos os institutos têm assento constitucional no princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV), de cujo enunciado brota o direito fundamental à efetividade da prestação jurisdicional, e revelam conformação de relevante interesse público, na medida em que deve o Estado – detentor do monopólio da jurisdição – envidar todo o esforço para proporcionar aos jurisdicionados a concretude deste direito, con-

plano do direito material, nele não se verificando efeito antecipado da futura sentença de mérito. A cautelar atua no plano sensível com caráter puramente conservativo, destinada apenas a garantir o resultado útil da função de conhecimento ou de execução. (...) Já na hipótese do art. 273, não basta apenas conservar para afastar a insatisfação decorrente do estado antijurídico, mostrando-se necessária a antecipação parcial ou total, dos próprios efeitos materiais da sentença a ser proferida no processo de conhecimento. A natureza do periculum in mora constitui-se, neste caso, não pelo temido desaparecimento dos meios necessários à formação e execução da providência principal, e sim, precisamente, pela permanência do estado de insatisfação do direito, objeto do futuro juízo de mérito, receio de lesão este que só pode ser prevenido com a antecipação dos efeitos da própria sentença final.” (Perfil dogmático da tutela de urgência, Revista Forense, n. 342, p. 19)4 A tutela de urgência compreende a tutela cautelar (de segurança) e a tutela antecipada (satisfativa). Há casos, entretanto, em que se concede a tutela antecipada sem que esteja presente o requisito urgência, tal como ocorre na hipótese do inciso II do art. 273, que trata da tutela antecipada punitiva, e do § 6º do mesmo artigo, que cuida da tutela antecipada de pedido incontroverso.- Ovídio Baptista da Silva, invocando os ensinamentos da doutrina italiana, especialmente de Frederico Carpi, classifica as espécies de tutela de urgência em três grupos: a) tutela de urgência satisfativa autônoma; b) tutela de urgência satisfativa interinal; e c) tutela de urgência propriamente cautelar (Curso de Processo Civil: processo cautelar (tutela de urgência). v. 3. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tri-bunais, 1998, p. 16).5 Medidas Cautelares e Medidas Antecipatórias: Técnicas Diferentes, Função Constitucional Semelhante. Revista de Processo, nº 82, Ed. Revista dos Tribunais, p. 68.6 A propósito da preocupação em estabelecer-se distinções entre tutela cautelar e tutela antecipada, vale re-gistrar a posição de J. C. Barbosa Moreira: “Não sei se vale a pena, aliás, insistir nessa preocupação de traçar

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cebendo os instrumentos processuais necessários. (effettività tecnica, no dizer de Comiglio, in Giurisdicione e processo nel quadro delle garanzie constitucionali, Rivista Trimestrali di diritto e procedura civile, p. 1.070)

1. As tutelas de urgência e a possibilidade de comunicação dos seus regimes, sem perda da autonomia

Explica-se o denodo e o zelo com que a doutrina busca elementos para distinguir as tutelas cautelar e antecipatória. Não fosse o indispensável rigor científico que o trato da matéria exige, impor-se-ia a necessidade de exata delimitação de seus campos de atuação, cobrando do operador do direito definição de rumos a serem seguidos em cada caso concreto. Não obstante, poder-se-ia objetar acerca da utilidade prática de buscar--se a exata definição jurídica de uma e de outra. Mas, se ao proceder à comparação for possível ao jurista destilar semelhanças, êxito pode-se considerar obtido, porquanto se estará, com base na resultante “zona de interseção”, caracterizada por traços comuns, viabilizando a comunicação dos regimes no manejo pragmático dos institutos, quando dúvida houver sobre qual deva ser o adequado.6 Isso é basilar, não se podem comunicar regimes de institutos que não guardem semelhanças, seja no que diz res-peito ao objeto, seja no que diz respeito ao fundamento. A circunstância de estarem, a tutela cautelar e a tutela antecipada, inseridas no gênero tutelas provisórias de urgência e de terem função constitucional idêntica autoriza que se comuniquem seus regimes jurídicos, sempre que não haja incompatibilidade. Não se trata, ademais, de desprezar a autonomia dos institutos, olvidando o tratamento científico que cada uma merece, nem de tornar meramente acadêmica a árdua tarefa de diferenciá-las,

uma linha divisória, absolutamente rígida, que separe esses institutos, como se tratasse de compartimentos estanques, de fronteiras sem nenhum poro. De algum tempo para cá, venho tendendo a convencer-me de que, por vezes, esse tipo de preocupação é fútil, porque no Direito, como na vida, as distinções nem sempre refletem contraposições; o direito e a vida são realidades que se desenvolvem e se estruturam gradualmente, sem essa obsessão por muros opacos que separem, de maneira radical, um compartimento do outro. A própria ciência processual reconhece hoje que muito do que se tentou fazer em matéria de distinção rigorosa, de quase que separação absoluta entre institutos, na verdade, constituía uma preocupação metodologicamente discutível e, em certos casos, francamente equivocada, porque há sempre uma passagem gradual de uma realidade a outra, e quase sempre se depara uma espécie de zona de fronteira, uma faixa cinzenta, que nem o mais aparelhado cartógrafo saberia dizer com precisão em qual dos dois terrenos estamos pisando.”(A Ante-cipação da Tutela Jurisdicional na Reforma do Código de Processo Civil, Revista de Processo, n. 81, p. 201)7 Consulte-se, a propósito, o excelente artigo da Professora Teresa Arruda Wambier nominado “O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade”. Revista de Processo, n. 137, p. 134-8. 8 Neste sentido, o escólio de Alcides Alberto Munhoz da Cunha, A Lide Cautelar no Processo Civil. Curitiba:

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porquanto cada uma continua com seu campo de incidência bem definido e intangível.

2. O princípio da fungibilidade e o seu alcance nastutelas de urgência

O princípio da fungibilidade, que é princípio implícito do sistema processual, com incidência predominante, mas não exclusiva, nos recur-sos, não pode, entretanto, ser visto como uma espécie de “vale tudo”. Pressupõe sempre a existência de dúvida ou hesitação doutrinária ou jurisprudencial. Sem que ocorra a chamada “zona cinzenta”, não se há de cogitar da solução como base na fungibilidade.7

Com a universalização da técnica da tutela antecipada, a discussão acerca da possibilidade de haver antecipação de tutela por meio de procedimento cautelar restou pacificada. Desde então não mais existem razões práticas ou teóricas para que se busque e obtenha a antecipação dos efeitos de uma futura sentença de mérito senão pela via legal dos arts. 273 e 461 do CPC, vale dizer, no próprio processo de conhecimento, que hodiernamente compreende também a “fase” de execução ou efetivação.

A Lei nº 10.444, de 07 de maio de 2002, acrescentou o parágrafo 7° ao art. 273 do CPC, com a seguinte redação: “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”

Mesmo antes da consagração legal, tanto a doutrina como a juris-prudência apontavam evolução na direção de admitir fossem medidas cautelares determinadas no âmbito do processo de conhecimento.8 Com efeito, se é lícito ao juiz, em certos casos, decretar, de ofício, medidas cautelares, com muito mais razão deve-se admitir que possam ser de-terminadas em atendimento ao pedido da parte interessada, a despeito de ter sido o pedido formulado no próprio processo de conhecimento,

Juruá, p. 143.9 Curso de Processo Civil, v. 3, p. 105-6.10 Fungibilidade das Medidas Inominadas Cautelares e Satisfativas, Revista Jurídica, n. 272, junho/2000, p.20.11 Comentários à novíssima reforma do CPC, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.117.12 Tutela de Segurança, Revista de Processo, n. 88, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 27-9.

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vale dizer, independentemente da formação de uma relação processual autônoma. A inserção da tutela antecipada no procedimento comum praticamente indicava o desaparecimento de qualquer incompatibilidade de se cumular a pretensão cautelar e a principal num mesmo processo. O mestre Ovídio Baptista da Silva asseverou que o princípio da auto-nomia do processo cautelar “deve ser observado sempre que se trate de autênticas ações cautelares, mas não se impõe necessariamente quando se tratar de liminares antecipatórias de eventuais efeitos da sentença de procedência do processo principal (que, após a introdução das chamadas antecipações de tutela dos arts. 273 e 461, não deveriam ser outorgadas pela via do Processo Cautelar, porém nem sempre esta distinção é feita com o rigor desejável); neste caso, embora seja possível secionar a lide, formando com ela dois procedimentos – um destinado à obtenção de medida liminar e o outro conservado como procedimento comum –, pode igualmente o autor cumular numa mesma petição inicial os dois pedidos, o pedido de liminar, pretensamente cautelar, e o pedido principal”.9 No mesmo sentido o escólio de Araken de Assis, calcado também em lição de Ovídio: “Em realidade, a compatibilidade da cumulação de duas ações que se adscrevem a ritos diferentes, como é o caso da medida cautelar atípica e da ação ‘principal’, repousa no respeito à peculiaridade intrín-seca do direito litigioso, eventualmente impossível de se reduzir ‘a um procedimento comum, o qual não reproduzirá, convenientemente, o agir do direito alegado pelo autor’. Ora, a interditalização do procedimento comum, ordinário e sumário, promovida pelo art. 273, acabou com a diferença. Como afirmou Ovídio, o procedimento cautelar é estrutural-mente idêntico ao procedimento comum, dividindo-se nas mesmas fases, residindo a diferença na ‘intensidade da cognição’, motivo por que aquela previsão de adiantamento torna o cúmulo possível”.10

Não obstante a existência de precedentes esparsos apregoando a inflexibilidade e o rigorismo no que diz respeito ao exato manejo da tutela cautelar, este entendimento nunca foi bem assimilado por parte majoritária da doutrina. A nova regra, pelo menos em parte, põe fim à discussão. Analisando o § 7° do art. 273, o professor Joel Dias Figueira

13 A Tutela de Urgência no Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 28.14 Revista Jurídica n. 272, jun./2000, p.18.15 Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 291.

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Júnior destaca a ampliação do sincretismo processual que o referido dispositivo legal consagra: “Com esta novidade, o legislador enceta, em termos concretos, o sincretismo processual absoluto matizado pelo trinômio cognição, execução e cautelaridade, rompendo-se, por com-pleto, o vetusto processo civil clássico, fundado na ordinariedade (ordo iudiciorum privatorum – ordem dos juízos privados), na cognição em busca da “verdade” e “certeza” e no inoperante modelo da ação condena-tória, capaz de gerar tão-somente sentença de mera exortação, desprovida de qualquer carga de satisfação (efetividade no plano fatual). Significa dizer que, doravante, presenciaremos a unificação instrumental plena, em que numa única relação jurídico-processual poderá o Estado-juiz conceder satisfação imediata ao autor, por intermédio das técnicas de antecipação da tutela (execução com efetivação da providência juris-dicional favorável), garantir a incolumidade do bem da vida objeto do litígio, por intermédio de medidas assecurativas (tutela acautelatória) e, concomitantemente, formar paulatina convicção, por intermédio do trâmite do processo de conhecimento. Em síntese, o § 7º do art. 273 do CPC permite ao juiz conhecer, acautelar e executar (= efetivar as pro-vidências de natureza satisfativa), no mesmo processo”.11 Ampliamos aduzindo que, com o advento da Lei nº 11.232/2005, rompendo o vetusto binômio conhecimento/execução, consolidou-se o efetivo sincretismo processual. Na nova disciplina do “cumprimento da sentença”, a execu-ção de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa tornou-se apenas uma fase do processo de conhecimento, dispensado o processo autônomo de execução. Fundem-se em um único processo atividades de conhecimento e de efetivação ou atuação prática do direito.

Assim que hoje, autoriza o citado preceptivo legal, caso pleiteada medida cautelar como se antecipação dos efeitos da tutela fosse, consi-derando-se que seus pressupostos ou requisitos constituem um minus em relação aos que autorizam a antecipação da tutela, sempre que a medida possa ser examinada com base no poder geral de cautela do juiz, no bojo do processo de conhecimento, não haverá óbice em deferi-la.

É necessário dizer que, se postulada medida cautelar e não tutela

16 Manual do Processo de Conhecimento. 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 231. 17 Tem efeito suspensivo o recurso voluntário ou ex officio interposto de sentença concessiva de medida

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antecipada, ou seja, se a parte não faz a confusão entre os institutos e, sabedora de que está pedindo uma medida cautelar, o faz no processo de conhecimento, também será possível o exame da pretensão. Dessarte, embora o novo preceptivo legal (§ 7º) faça alusão a pedido de medida cautelar sob o título de tutela antecipada, obviamente, se postulada com o rótulo de medida cautelar, vale dizer, propositalmente como tutela cau-telar, sem o equívoco de confundi-la com antecipação de tutela, deverá o pedido ser examinado. A doutrina nunca se preocupou com a denomi-nação que a parte atribui à ação. Chiovenda, por todos, afirmava que “a declaração de querer atuada na vontade concreta da lei compreende a designação do bem a que se aspira e das razões pelas quais se pretende tal bem garantido pela lei (petitum e causa petendi, supra, ns. 110 e 111). A esta exposição é essencial a indicação do fato jurídico. Costuma ser implícita à demanda a indicação da norma abstrata que se afirma aplicável no caso concreto, e não é necessário que seja expressa, porque o juiz conhece o direito (iura novit curia; narra mihi factum; narro tibi ius): supra, n. 111; adiante, n. 262. Muito menos é necessário a indicação de determinado nome da ação (editio actionis)(grifei)”.

Parece-nos que não está agasalhada neste dispositivo legal a fun-gibilidade de tutelas, senão que autorizado emprego do procedimento comum ordinário para algumas medidas cautelares, possibilitando-se a cumulação de pedidos cautelar e de direito material (conhecimento) no mesmo processo. Era exatamente isso que a doutrina apregoava, não mais do que isso, como se depreende da palavras do renomado Humberto Theodoro Júnior, quando sustenta que “não haveria óbice em se deferir medidas cautelares requeridas no bojo do processo como antecipação da tutela”.12 Também do professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, ao sustentar que o fato de estarem tutela cautelar e tutela antecipada com-preendidas no gênero tutela de urgência, acarreta, como conseqüência, a impossibilidade de o juiz extinguir o processo sem julgamento de mérito se por mero equívoco a parte denominou a antecipação de cautelar ou vice-versa. O simples nome é sem qualquer relevância jurídica, bastan-do a proposição clara do fato motivador do direito de agir.13 Na mesma linha, o professor Araken de Assis, em aprofundado trabalho nominado

cautelar que importe outorga ou adição de vencimento de servidor, ou, ainda, sua reclassificação funcional. (Leis nos 8.437/92 e 9.494/97)

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“Fungibilidade das Medidas Inominadas Cautelares e Satisfativas”, igualando as tutelas cautelar e antecipatória (tutelas de urgência) em razão da função de litisregulação, sustenta que “o equívoco da parte em pleitear sob forma autônoma providência satisfativa, ou vice-versa, não importa inadequação procedimental, nem o reconhecimento do erro e a cessação da medida porventura concedida. E isso porque existem casos em que a natureza da medida é duvidosa, sugerindo ao órgão judiciário extrema prudência ao aplicar as distinções doutrinárias, fundamental-mente corretas, mas desprovidas de efeitos tão rígidos”.14 Finalmente, o professor José R. dos Santos Bedaque: “O aspecto formal em nada influi na natureza da tutela. Ainda que requerida no bojo do processo cogniti-vo, caracteriza-se como cautelar incidental. Além do mais, não se pode excluir definitivamente seja a antecipação requerida em procedimento autônomo. Desde que necessária, a utilização desta técnica em situação concreta, a fim de assegurar a efetividade da tutela, deve ser admitida. Questões meramente formais não podem obstar à realização de valores constitucionalmente garantidos”.15

Não nos parece lícito estender a fungibilidade cogitada pelo disposi-tivo legal citado para admitir-se a dedução de pretensão cautelar típica, tal como o arresto e o seqüestro, cujo procedimento, de ordem pública e, portanto, indisponível às partes e ao juiz, é tipificado no CPC e cons-titui direito subjetivo do réu. Admitir-se esta espécie de fungibilidade significaria revogar o CPC no que diz respeito ao capítulo do Processo Cautelar, desnecessário que restaria diante da possibilidade de se postular medida cautelar no próprio processo de conhecimento, não obstante a diversidade de rito. Portanto, pressupõe a fungibilidade que se trate de medida cautelar inominada. As cautelares específicas ou típicas, com procedimento autônomo previsto no CPC, não admitem confusão nem engano, constituindo erro grosseiro o requerimento por via processual diversa da prevista no Livro III do CPC (Do Processo Cautelar), Capítulo II (Dos procedimentos cautelares específicos).

18 A Reforma da Reforma. São Paulo: Malheiros. p. 92.19 Notas sobre a disciplina da antecipação da tutela na Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002. Revista de Processo, n. 108, Editora Revista dos Tribunais, out/dez 2002, p. 108-109.

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Consulte-se o escólio abalizado de Marinoni e Arenhart: “O § 7º do art. 273 não supõe identidade entre tutela cautelar e tutela antecipada ou afirma que toda e qualquer cautelar pode ser requerida no processo de conhecimento. Ao contrário, tal norma, partindo do pressuposto de que, em alguns casos, pode haver confusão entre as tutelas cautelar e antecipatória, deseja apenas ressalvar a possibilidade de conceder tutela urgente no processo de conhecimento nos casos em que houver dúvida fundada e razoável quanto à sua natureza (cautelar ou antecipatória).”16

3. Aspecto procedimental da fungibilidade prevista no § 7°do art. 273: sentença e efeitos recursais

Está dito que a fungibilidade preconizada pelo § 7° do art. 273 é meramente procedimental. O que se permitiu foi, em última análise, a cumulação de pedido cautelar e de conhecimento. A pergunta que se impõe responder é se haverá total perda da autonomia procedimental da cautelar. Quanto à sentença, por exemplo, teremos duas, uma resolven-do a lide cautelar (que não deixa de existir) e outra resolvendo o resto? E quanto ao recurso, qual o regime a ser adotado? O fato de a cautelar poder ser decidida incidentalmente no processo de conhecimento não lhe retira integralmente a autonomia procedimental. O rito, obviamente, será o comum ordinário. A sentença deve solver a lide cautelar juntamente com a principal em uma única peça. Isso ocorria, embora não fosse tec-nicamente recomendável, mesmo em se tratando de cautelar com total autonomia procedimental. Mas o regime recursal não pode ser o mesmo. A apelação contra a sentença que defere a medida cautelar, de regra,17 é recebida no efeito meramente devolutivo (art. 520, IV, CPC). Quanto à lide principal, a apelação é recebida no duplo efeito. Parece-nos que se deva observar rigorosamente o regime recursal próprio da cautelar. A propósito, colaciono predecente do STJ:

“PROCESSUAL. AÇÃO CAUTELAR. AÇÃO PRINCIPAL. JULGAMENTO SIMULTÂNEO. APELAÇÃO. EFEITOS (CPC – ART. 520, IV). Se a sentença decide, ao mesmo tempo, a ação cautelar e a principal, a apelação suspenderá os efeitos da

20 No processo cautelar, embora não se possa falar em ausência de instrução probatória, há o que a doutrina chamou de “redução do módulo da prova”, o que se dá pela aceitação das alegações verossímeis. Consoante ensina o Professor Ovídio Baptista da Silva, no processo de conhecimento a prova é produzida para fornecer certeza ao julgador; enquanto que nas cautelares “a prova haverá de orientar-se para oferecer ao magistrado um índice de verossimilhança do direito, a ser protegido pelo provimento assecurativo que eleve a probabi-

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decisão relativa à ação principal e terá eficácia meramente devolutiva, no que respeita ao processo cautelar. (CPC, art. 520)” (STJ, REsp 297426 (200001469932/PR), 1ª T., julg. em 13.08.2002, DJU 16.09.2002, p. 145, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS)

4. Antecipação dos efeitos da tutela de direito material em ação cautelar como medida de exceção

O professor Cândido Rangel Dinamarco sustenta que o “novo texto não deve ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar quando pedida a antecipação de tutela. Também o contrário está autorizado. Isto é, também quando feito um pedido a título de medida cautelar, o juiz estará autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma só mão de direção. Em direito, se os bens são fungíveis, isso significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um”.18

Com isso não está o renomado mestre a afirmar que uma antecipação de tutela de mérito pode ser pleiteada, deferida e processada pelo rito das cautelares. Sim que, se a parte pede, no processo de conhecimento, medida cautelar, o juiz pode conferir-lhe uma antecipação de tutela. Este nos parece ser o alcance da fungibilidade de mão dupla, sobre a qual dissentem a doutrina e a jurisprudência. Aqui, não se está diante da fungibilidade de procedimentos, mas sim de técnica de interpretação, de alcance do pedido, quiçá de releitura do princípio da demanda, pois se o pedido de cautelar foi formulado no processo de conhecimento, sendo o caso de antecipação de tutela, a denominação empregada não poderia ser óbice ao deferimento, estando o procedimento perfeitamente adequado. Poder-se-ia dizer que ninguém pede medida cautelar no processo de co-nhecimento. Pensamos, entretanto, que a fungibilidade em questão deve ser entendida a partir do novo texto legal (§ 7° do art. 273), que autoriza a cumulação de medida cautelar e de conhecimento.

O professor Arruda Alvim argumenta em desfavor da fungibilidade de mão dupla: “se requerida medida cautelar, quando o que caberia seria

lidade de sua existência a um grau aceitável de segurança, segundo os padrões médios do entendimento num dado momento histórico”. Assinala o renomado mestre que os dois princípios vetores da teoria do ônus da

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a tutela antecipada, seria viável, mutatis mutandis, a fungibilidade com finalidade análoga, o que, pela letra da lei, não resta autorizada? A nossa impressão é a de que, em relação à tutela antecipada para cautelar, ter--se-á pedido o “mais” restando concedido o “menos”. Sendo assim, a hipótese inversa importaria em que, tendo-se pedido o “menos”, mas cabendo o “mais”, o juiz concederia o “mais”; em rigor concederia, portanto, nesta hipótese, além do pedido, ou mais do que o tenha sido pedido. Por essa razão – que nos parece estar subjacente à regra de que tratamos – pensamos ser inviável. Trata-se assim de uma fungibilidade numa só direção, sem que se possa pretender estabelecer reciprocidade. Talvez em casos absolutamente extremos, em que poderia haver irre-missivelmente perda do direito, se possa vir a fazer exceção, ainda que arranhando a letra da lei e o próprio princípio que, no caso, informa, que é o referencial do princípio dispositivo”.19 É certo que a medida cautelar representa um minus em relação à antecipação de tutela, mas se exami-nada a pretensão à luz dos requisitos próprios, com a devida vênia do ilustrado professor, não vislumbramos qualquer óbice no deferimento.

Seria possível diante do pedido de medida cautelar, veiculado em procedimento cautelar, deferir-se a antecipação dos efeitos da tutela de mérito? Tome-se, por exemplo, o processo cautelar vertendo pedido de imposição ao Poder Público da compra de medicamentos estrangeiros para o tratamento de doença rara e grave ou de concessão de um benefício da seguridade social, a sustação de protesto, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário etc. Não são casos de tutela cautelar, pois a preten-são constitui adiantamento de efeitos práticos de uma futura sentença condenatória, declaratória ou constitutiva, devendo ser postulados no próprio processo de conhecimento a título de tutela antecipada.

Pensamos que, em linha de princípio, a fungibilidade autorizada pelo novo parágrafo 7º do art. 273 do CPC não abarca a hipótese de anteci-pação dos efeitos da tutela de direito material postulada em processo cautelar. Nem poderia, sob pena de grave subversão da ordem processual e da natureza dos institutos. Se admitida a possibilidade de se deferir antecipação dos efeitos da tutela em processo cautelar, teríamos ferido de

prova, que se encontram nos arts. 333 e 334 do CPC, “não vigoram em sua plenitude no processo cautelar”. (Curso de Processo Civil, v. 3, Processo Cautelar. Porto Alegre: Fabris, 1993. p. 101/102)21 Trago à colação excerto de voto que proferi, em caso concreto desta espécie, na 3a Turma do TRF4: “Antes

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morte o princípio do devido processo legal, em seu aspecto processual. As partes têm direito subjetivo ao rito definido em lei. Pretensão que tenha por objeto o reconhecimento da fruição do direito material objeto do litígio deve ser vertida no processo de conhecimento. Antecipação dos efeitos da tutela corresponde a uma pretensão meritória de direito material, portanto, não pode ser postulada em processo cautelar (no processo cautelar seria possível a antecipação da tutela cautelar, que corresponde à liminar que adianta os efeitos da cautela). Existe uma substancial distinção entre os modelos processuais estabelecidos para cada uma das espécies de tutela, sendo o da cautelar deficitário em re-lação ao antecipação da tutela. O prejuízo processual do requerido seria evidente, seja porque os prazos são mais exíguos, seja porque a instru-ção probatória no processo cautelar é limitada,20 em razão da cognição superficial que o caracteriza, ou ainda porque, sob o ponto de vista dos efeitos recursais, o regime é diverso.

Ainda que se examine a pretensão à luz dos requisitos que lhe são próprios, afastando a burla aos requisitos da antecipação de tutela, sabidamente muito mais rigorosos em relação àqueles autorizadores da concessão de medidas cautelares, teríamos outros aspectos que não podem ser tangenciados. Passamos a expô-los:

1. há um óbice que está relacionado com o retrocesso que representa-ria para o regime processual, cujo avanço foi importante na medida em que, na primeira “onda” de reformas, “purificou” o processo cautelar. Voltaríamos aos tempos em que proliferavam, sob o rótulo de cautelares inominadas, antecipações de tutela de mérito de tal forma satisfativas que, por esgotarem o objeto da lide, dispensavam a propositura da ação principal. Obviamente, não sendo o processo cautelar um fim em si mesmo, mas mero instrumento para a efetivação da pretensão a ser

de analisar o mérito, é indispensável tecer algum comentário sobre a circunstância de o autor, mesmo depois de introduzida a alteração no art. 273 do CPC pela Lei nº 8.952, de 13.12.94, ter ajuizado medida cautelar inominada para obter a sustação do protesto. A ação foi ajuizada em março de 1996. Como se sabe, a nova redação dada ao art. 273 do CPC universalizou o instituto da antecipação da tutela em nosso ordenamento jurídico. Uma das conseqüências imediatas dessa alteração foi que os provimentos meramente assecuratórios sofreram, nas palavras de Teori Albino Zavascki, uma purificação. ‘O que se operou, inquestionavelmente’, diz o eminente doutrinador, ‘foi a purificação do processo cautelar, que assim readquiriu sua finalidade clássica: a de instrumento para obtenção de medidas adequadas a tutelar o direito, sem satisfazê-lo. Todas as demais medidas assecurativas, que constituam satisfação antecipada dos efeitos da tutela de mérito, já não caberão em ação cautelar, podendo ser, ou melhor, devendo ser reclamadas na própria ação de conhecimento, exceto

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vertida no processo principal, não seria lídimo deferir-se neste medida que esgotasse a lide que é deste objeto;

2. outro motivo diz respeito à questão do interesse processual. Se a medida antecipatória pode ser obtida em um único processo (o de conhecimento), faleceria o interesse processual ao autor de postulá-la em procedimento cautelar, que exige a propositura de uma outra ação, denominada principal. Teríamos, então, dois processos, quando por um apenas se poderia solucionar a lide em todos os seus aspectos. A menos que se entenda que o processo principal ficaria dispensado, o que soa como rematado absurdo.

Dessarte, apenas excepcionalmente é que se pode convalidar pre-tensão antecipatória vertida em procedimento cautelar, devendo o juiz: a) determinar a conversão do rito, se possível esta; b) apresentando-se impostergável a concessão da antecipação da tutela, sob pena de prejuízo irreparável ao requerente, deferir a medida e, posteriormente, determinar a conversão de rito; e c) caso não seja atendida a intimação, indeferir a inicial, por impropriedade de rito (inadequação procedimental). É de ter-se sempre presente que a jurisdição se exerce para dar proteção ao direito, não para obstar a sua atuação prática. Somente a perspectiva da jurisdição enquanto instrumento do direito material convalida a abertura da norma procedimental.

Ninguém ignora que a jurisdição deve sempre amoldar-se ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. É cediço que ao juiz se deve conferir poder de adaptação procedimental para que não se frustre a efetividade da jurisdição, sobretudo porque do legislador não é lídimo se exigir previsibilidade integral na estrutura técnica do processo suficiente para atender a todas as tutelas concebidas pelas contingências sociais e reconhecidas pelo direito material. Como bem afirmou o Min. Eros Grau, no julgamento do STF que relativizou o princípio do precatório para fazer face a uma situação emergencial de saúde: “O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade, uma zona de indiferença capturada pela norma. De sorte que não é a exceção que se subtrai à norma, mas ela que, suspendendo-se, dá lugar à exceção – apenas deste modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção.” (Ag. Reg. na Reclamação 3.034-2-PB)

Dessarte, a vedação de se conceder antecipação dos efeitos da tutela

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de direito material por meio de procedimento cautelar não deve assumir caráter absoluto. As hipóteses em que esta modalidade de fungibilidade procedimental revela-se possível, entretanto, devem constituir exceções restritíssimas. Podemos examiná-las à luz de algumas variáveis.

Muitas vezes a parte precisa de um provimento de urgência e ainda não dispõe de elementos suficientes para propor a ação principal, ocasião em que poderia deduzir sua pretensão de tutela antecipada. Neste caso, pensamos que se poderia admitir o manejo do procedimento da cautelar preparatória. Para que não haja burla aos requisitos da tutela antecipada (já se disse, mais rigorosos), basta que, de um lado, o advogado da parte requerente se esmere no sentido de evidenciar a presença dos requisitos da tutela antecipada e, de outro, o juiz examine a pretensão com base nos requisitos do art. 273 do CPC, com o rigorismo que se impõe. Na medida em que proposta a ação principal, pode o processo cautelar ser apenso ou simplesmente trasladadas a este suas peças, prosseguindo-se com apenas um processo.

Outras tantas vezes, o processo já se encontra em grau de recurso, quando, sem grave prejuízo para o requerente da tutela antecipada inde-vidamente vertida como cautelar, não mais se pode proceder à conver-são. Extinguir o processo sem exame de mérito, na segunda instância, representaria aniquilar irremediavelmente a tutela de urgência requerida, com o grave risco de consagrar-se, em nome da forma, lesão de direito à parte litigante.21

Ainda em outros casos, a fronteira entre a cautelaridade e o adianta-mento do provimento de direito material não é bem nítida, disseminando a dúvida e a discórdia no seio da jurisprudência e da doutrina. Nestas hipóteses, impõe-se como obrigatória a maior flexibilização. Seria injus-to e contrário ao princípio do acesso à justiça que, por uma questão de forma, quando o próprio Judiciário titubeia diante do caso concreto, se exija que a parte formule o pedido que aos olhos do juiz parece correto. A propósito o bem lançado escólio da Professora Teresa Arruda Wambier,

nos casos, raros, já referidos, em que a lei expressamente prevê ação autônoma com tal finalidade. Postulá-las em ação cautelar, na qual os requisitos para a concessão de tutela são menos rigorosos, significará fraudar o art. 273 do Código de Processo Civil, que, para satisfazer antecipadamente, supõe cognição em nível mais aprofundado, pois exige verossimilhança construída sobre prova inequívoca’ (Antecipação da Tutela, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 45). A regra então – e com essa posição estou perfeitamente de acordo – é que a

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ao asseverar que “não pode a parte ser prejudicada pela circunstância de doutrina e jurisprudência não terem chegado a um acordo quanto a qual seja o meio adequado para se atingir, no processo, determinado fim. Ora, afinal, se nem os estudiosos do processo ou magistrados têm certeza a respeito de qual seja o caminho adequado em certas situações, a parte é que teria de saber?”.22

Quiçá por se deparar com situações deste jaez, marcadas pela ex-cepcionalidade, é que a jurisprudência, temos que reconhecer, é qua-se que uníssona em considerar que a nova regra do § 7º do art. 273 do CPC agasalha a chamada fungibilidade de duplo sentido. Consultem-se, a propósito, os exemplares precedentes: STJ, REsp. nº 199900082451/

ação cautelar seja reservada aos provimentos tipicamente assecuratórios, devendo a tutela antecipatória ser requerida diretamente na ação de conhecimento. O pedido de sustação de protesto tem natureza antecipatória. Configura, ainda nas palavras de Teori Zavascki, ‘antecipação satisfativa da eficácia negativa do preceito contido na sentença’ (op. cit. p. 86). Entendo, no entanto, que a questão deve ser analisada com temperamento. Refiro-me evidentemente à situação do presente recurso. A parte propôs ação cautelar com o fim de obter a sustação do protesto do título. Obteve medida liminar, que acabou sendo confirmada pela sentença. Não se revelaria razoável a extinção pura e simples do processo, por inadequação do procedimento escolhido pelo autor. É conveniente lembrar que a ação foi proposta pouco tempo depois de introduzida a modificação na redação do art. 273 do CPC, época em que tanto a doutrina quanto a jurisprudência não haviam estabelecido ainda critérios seguros para distinguir os provimentos assecuratórios dos provimentos antecipatórios. Mes-mo hoje em dia – é preciso dizer – não há ainda posição pacífica sobre a matéria, conforme se observa na literatura especializada. Se a matéria não logrou alcançar consenso no âmbito jurisprudencial e doutrinário, como penalizar a parte nessa já adiantada fase do processo? A situação seria diferente, a meu ver, se o juiz de primeiro grau não admitisse o procedimento escolhido pelo autor. Nesse caso, haveria a possibilidade, ainda na primeira instância, de formulação do pedido antecipatório na própria ação de conhecimento. Poder--se-ia argumentar – com razão, aliás – que os requisitos da tutela antecipatória são mais rigorosos do que aqueles necessários à concessão da tutela assecuratória. Acontece que, na situação específica do presente recurso, a medida liminar veio a ser confirmada na sentença, tendo o magistrado utilizado, para a concessão do pedido, os mesmos argumentos usados para julgar a ação principal. Quer dizer, mesmo que ao tempo da propositura da demanda não estivesse configurada a verossimilhança, tal requisito encontrava-se presente, indiscutivelmente, por ocasião da prolação da sentença. Optar pela extinção do processo nesse momento, argumentando com a inadequação do procedimento, seria ceder a um formalismo exagerado, em detrimen-to do direito afirmado pela parte autora, que acabou por ser reconhecido em juízo.” (Apelação Cível n° 97.04.13978-0/SC, julg. em 31.08.2000, v.u.)22 O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo. n. 137, p. 134-8.23 A legitimidade da atuação do juiz a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, Revista da Escola Nacional da Magistratura (AMB), a. 1, n. 1, abr./2006, p. 74.

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PB, 3a Turma, DJU 07.06.2004, p. 215, Rel. Min. Castro Filho; TRF2, AC n° 20012010202353/RJ, 4a Turma, DJU 07.07.2003, p. 96/97, Rel. Des. Federal José Antônio Neiva; TRF3, AC nº 1999900000012021/MS, 5a T., DJU 21.10.2003, p. 432, Rel. Desa. Federal Suzana Camargo; TRF4, AI nº 200204010523968/PR, 5a T., RTRF4 n° 48/2003/368, Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira.

Em todos os casos, três aspectos são curiais: 1. a profundidade do exame da pretensão por parte do juiz. Se o pedido caracteriza tutela antecipada, ainda que nominada de cautelar, e vertida por esta angusta via processual, impõe-se o exame mais aprofundado dos requisitos, que hão de ser os previstos no art. 273 do CPC; 2. a ausência de prejuízo processual para a defesa. Se o réu não alega o prejuízo processual, não se deve reconhecer a nulidade, tal como recomenda o princípio da instrumentalidade das formas; 3. em todos os casos, a flexibilização procedimental precisa ser devidamente motivada.

Consoante leciona Luiz Guilherme Marinoni, “quando se pensa na técnica processual capaz de garantir a efetividade da tutela do direito, não é possível esquecer da esfera jurídica do réu. Se é possível escolher a técnica processual capaz de dar proteção ao direito, não há como admitir que essa escolha possa prejudicar o demandado. Isso quer di-zer que a utilização da técnica processual, diante da norma processual aberta, tem a sua legitimidade condicionada a um prévio controle, que considera tanto o direito do autor, quanto o direito do réu”. E prossegue o renomado professor: “Esse controle pode ser feito a partir de duas sub--regras da regra da proporcionalidade, isto é, das regras da adequação e da necessidade. A providência jurisdicional deve ser: i) adequada e ii) necessária. Adequada é a que, apesar de faticamente idônea à pro-teção do direito, não viola valores ou os direitos do réu. Necessária é a providência jurisdicional que, além de adequada, é faticamente efetiva para a tutela do direito material e, além disso, produz a menor restrição possível ao demandado; e, em outras palavras, a mais suave”.23

Conclusões

Diante do exposto, podem-se extrair as seguintes conclusões:

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1. tutela cautelar e tutela antecipada estão compreendidas no gênero tutelas de urgência, cumprindo função constitucional semelhante, mas têm objetos diversos e submetem-se a regimes jurídicos e procedimentos próprios;

2. a regra do § 7º do art. 273 consagra a possibilidade de se postular, com êxito, medida cautelar atípica incidentalmente no processo de co-nhecimento e também, se pedida medida cautelar quando a hipótese era de antecipação dos efeitos da tutela de mérito, não há óbice em deferi-la;

3. a concessão de medida cautelar típica depende do procedimento previsto no CPC para o processo cautelar, sob pena de violação ao prin-cípio do devido processo legal e reconhecimento da total inocuidade do procedimento cautelar previsto no CPC;

4. de regra, não será admitida a antecipação dos efeitos da tutela de direito material em processo cautelar, prática que consistiria retrocesso à reforma do processo civil, no que visava à “purificação do processo cautelar”;

5. excepcionalmente, dependendo de variáveis, como a fase em que se encontra o processo, da dúvida fundada sobre a natureza da tutela a ser postulada e da ausência de prejuízo ao réu, a medida satisfativa de direito material, não obstante adotado o procedimento das cautelares, pode ser convalidada, sobretudo para evitar que o rigorismo formal possa comprometer a atuação do direito material.

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Imunidade Constitucional dos Livros, Jornais, Periódicos e papel destinado à sua impressão

(alcance do art. 150, VI, d, da CF)Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz*

Com efeito, a questão já foi apreciada, em mais de uma oportunidade, pela Suprema Corte, que qualificou dita imunidade como ampla, de modo a transparecerem os princípios e postulados nela consagrados. Portanto, nessa linha, o livro, como objeto da imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o conjunto de serviços que o realiza, desde a redação até a revisão da obra, sem restrição dos valores que o formam e que a Constituição protege. (RE nº 87.049-SP, Rel. Min. Cunha Peixoto, in RTJ 87/608; RE nº 102.141-RJ, Rel. Min. Carlos Madeira, in RTJ 116/267; RE nº 101.441-RS, Rel. Min. Sydney Sanches, in RTJ 126/216)

Quando do julgamento do RE nº 102.141-RJ, assinalou o eminente Ministro Francisco Rezek, verbis:

“A norma constitucional em exame estabelece imunidade em favor do livro e de todos os labores que circundam sua produção. A fonte de produção do livro, o lugar, ou o conjunto de lugares oficinais de onde sai o produto acabado, tudo isso é alcançado pela imunidade constitucional.” (RTJ 116/272)

Outro não é o magistério de Pinto Ferreira, verbis: “Essa interpretação deve estender-se aos insumos que permitem a impressão dos

* Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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jornais, livros, periódicos, como clichês fotográficos, tintas, pastas, etc.” (Comentários à Constituição Brasileira, Saraiva, 1992, v. 5, p. 351)

A respeito, deliberou o Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Re-gião, verbis:

“CONSTITUCIONAL – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.I. As máquinas processadoras importadas pela autora têm a finalidade única de

serem empregadas na elaboração do jornal por ela editado. Considerar a imunidade tributária, apenas para o jornal como produto acabado, seria restringir exatamente os valores que formam e que a Constituição protege.

II. Recurso e remessa necessária improvidos, para manter a sentença.” (AMS nº 92.02.13255-0-RJ, Rel. Juíza LANA REGUEIRA, DJU II 19.08.93)

Da mesma forma, recente precedente do Eg. STF ao julgar o Agravo Regimental no RE nº 339.124-RJ, relator o Ministro Carlos Velloso, verbis:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMUNIDADE TRIBU-TÁRIA: C.F., art. 150, VI, d.

I. Papel destinado à fabricação de álbuns a serem completados por cromos adesivos considerados tecnicamente ilustrações para crianças: admissibilidade da imunidade tributária do art. 150, VI, d, C.F.

II. Precedentes do STF: RE 221.239/SP, Ministra Ellen Gracie, DJ 06.08.2004. III. R.E. improvido. Agravo não provido.” (RTJ 194/1.048)

Por conseguinte, sendo indispensáveis para a confecção dos jornais os bens importados, é de acolher-se, aqui também, a incidência do dis-posto no art. 150, VI, d, da CF/88, pois, caso contrário, anulado estaria o benefício constitucional, já que de nada adiantaria afastar os jornais da incidência dos impostos, se não se estender a imunidade àqueles bens e insumos indispensáveis à realização dos mesmos.

Ao apreciar caso semelhante, quando do julgamento Minneapolis Star & Tribune v. Minn. Com’r of Rev., deliberou a Suprema Corte dos Estados Unidos, verbis:

“Imposition of use tax on cost of paper and ink products consumed in production of publications violated the First Amendment by imposing significant burden on freedom of the press. U.S.C.A. Const. Amend. 1; M.S.A. §§ 297A.14, 297A.24, 297A.25, subd. 1 (i).” (Supreme Court Reporter, West Publishing Co., 1986, v. 103, p. 1.366)

Pertinente o ensinamento de Black, em obra clássica, verbis: “10. It is not permissible to disobey, or to construe into nothingness, a provision

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of the constitution merely because it may appear to work injustice, or to lead to harsh or obnoxious consequences or invidious and unmeritede discriminations, and still less weight should be attached to the argument from mere inconvenience.”

E, em outra passagem, acrescenta, verbis:“13. Where a clause or provision in a constitution, which has received a settled

judicial construction, is adopted in the same words by the framers of another constitu-tion, it will be presumed that the construction thereof was likewise adopted.” (BLACK, Henry Campbell. Handbook of American Constitutional Law. 2. ed., West Publishing Co., St. Paul, Minn., 1897, p. 70-1, respectivamente)

Cabe, novamente, invocar o magistério de Henry Campbell Black, verbis:

“At the same time, the courts have no rightful authority to tax, by construction, subjects not taxed by the terms of the law, nor to create penalties or forfeitures by an expansive system of interpretation. It is the duty of the courts of the Union, undoubtedly, so far as they are invested with any agency in carrying out the financial purposes of the government, fairly to enforce the revenue laws of the country, and see that they are not fraudulently evaded. But they are not at liberty, by construction or legal fiction, to enlarge their scope to include subjects of taxation not within the terms of the law.” (Handbook on the Construction and Interpretation of the Laws, West Publishing Co., St. Paul, Minn., 1896, p. 331, nº 121)

Por outro lado, a questionada imunidade tributária alcança tão-somente livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão, não al-cançando, entretanto, o serviço de sua distribuição.

Nesse sentido, deliberou o Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE nº 88.084-RJ, em que foi relator o Ministro Thompson Flores, verbis:

“Imunidade a que se refere o art. 19, III, d, da Constituição.Inconstitucional não é a tributação da distribuidora de jornais, revistas, agregando

sua atividade à venda de livros, etc.(...).” (RTJ 90/623)

Em seu voto, salientou o Ministro Thompson Flores, verbis:“No caso dos presentes autos, a embargada, além de distribuir jornais e revistas,

vende artigos de papelaria. Portanto, a atividade da embargada não se limita a livros, jornais e revistas, mas também a outras mercadorias.

(...)O que o preceito proíbe é a instituição de qualquer tributo sobre o livro, o jornal e

os periódicos, assim como ao papel destinado à sua impressão.E óbvias são as razões que o inspiram, vindas de Constituições outras.

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Sucede que aqui o que se tributa não é nem o livro nem os periódicos como tais.Mas a atividade, o serviço de sua distribuição...” (RTJ 90/625)

Ademais, é importante registrar que a exata acepção da palavra “livros”, para fins da imunidade insculpida no art. 150, VI, d, da CF, compreende, também, os sucedâneos do livro, como disquetes de com-putador, CD-ROMs, etc., pois, embora não sejam fabricados com papel, igualmente são meios de propagação de idéias.

Nesse sentido, leciona Roque Antonio Carrazza, in Curso de Direito Constitucional Tributário, 16. ed., Malheiros Editores, 2001, p. 647, verbis:

“Todos nós sabemos que um livro é um objeto elaborado com papel, que contém, em várias páginas encadernadas, informações, narrações, comentários etc., impressos por meio de caracteres. Essa é a acepção corriqueira de livro, que qualquer dicionário registra.

Não resta dúvida de que as operações com esse tipo de livro são imunes a impostos.A nosso ver, no entanto, devem ser equiparados ao livro, para fins de imunidade,

os veículos de idéias que hoje lhe fazem as vezes (livros eletrônicos) ou, até, o substi-tuem. Tal é o caso – desde que didáticos ou científicos – dos discos, dos disquetes de computador, dos CD-ROMs, dos slides, dos videocassetes, dos filmes, etc.”

Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.Em célebre julgamento da Suprema Corte Americana, assinalou o

Justice Oliver Holmes, verbis:“...when we are dealing with words that also are a constituent act, like the Cons-

titution of the United States, we must realize that they have called into life a being the development of which could not have been foreseen completely by the most gifted of its begetters. It was enough for them to realize or to hope that they had created an organism; it has taken a century and has cost their successors much sweat and blood to prove that they created a nation. The case before us must be considered in the light of our whole experience and not merely in that of what was said a hundred years ago.” (State of Missouri v. Holland, Supreme Court Reporter, West Publishing Co., 1921, v. 40, p. 383)

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A onda reformista do direito positivo e suas implicações com o princípio da segurança jurídica*

Humberto Theodoro Júnior**

Sumário: Introdução. 1. Segurança jurídica: vínculo com o moderno Estado comprometido com a garantia dos direitos fundamentais. 2. Noção de segurança jurídica. 3. Leis vagas, imprecisas e cláusulas gerais. 4. Exigências de qualidade e previsibilidade para a obra do legislativo. 5. Relatividade do princípio de segurança jurídica. 6. Ética, justiça e segurança na ordem jurídica. 7. Crítica à onda reformista por que passa o país. Conclusões.

Introdução

O Século XX, ao lado de ter proporcionado um ritmo de evolução tecnológica à convivência humana sem precedentes, promoveu também uma indiscutível subversão cultural, destruindo e abalando valores que até então sustentaram, ética e juridicamente, a civilização cristã ocidental.

Desnorteado, o pensador e sobretudo o jurista do Século XXI, diante da “herança” legada pelo século anterior, não encontra valores consagrados e definidos para ditar os rumos da ordem jurídica contemporânea, nem critérios válidos e permanentes para imprimir-lhe eficácia e coerência. Daí a figura de uma colcha de retalhos em que se vai transformando o

* Estudo em homenagem ao Ministro José Augusto Delgado.** Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargador Aposentado do TJMG. Doutor em Direito. Advogado.1 “As novas e sempre crescentes atribuições do Estado intervencionista têm distorcido a cisão de certos prin-

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direito positivo, diante da incoerência e do verdadeiro caos em meio ao qual se realizam as reformas legislativas.

Ao mesmo tempo em que se bate pela dignidade da pessoa humana como fundamento máximo do ordenamento, em qualquer de seus seg-mentos, adota-se, também, nos mais diversos setores do direito, mesmo nos que constituem o chamado direito privado (em que deveria reinar a autonomia e a vontade soberana do indivíduo, em nome da liberdade, sem a qual não se pode pensar em dignidade de homem algum), a de-fesa ostensiva da supremacia do público sobre o privado, do interesse social sobre o individual. Ergue-se aos poucos um leviatã que ninguém consegue definir com precisão e cujo desenvolvimento não se tem como antever aonde chegará.

Para servir a esse indecifrável senhor cuja identificação se contenta com rótulos apenas (social, coletivo, público etc.), o indivíduo – razão de ser da sociedade, do estado e do direito – cada vez mais se anula e mais apreensivo e inseguro se torna. Os valores que sua bimilenar cultura lograra conquistar esfumaçam-se, diluem-se e perdem-se num revolver iconoclasta e impiedoso, a que faltam idéias sólidas e abundam palavras soltas e pensamentos irredutíveis ao anseio do filósofo verdadeiro e de-cepcionantes para o destinatário comum da ordem jurídica.

Com técnicas de direito público, de acendrado teor socializante, sem-pre mais e mais, se coarcta a liberdade individual, sem embargo de o Estado ocidental atual se declarar fundado na livre iniciativa individual. Onde localizar a dignidade da pessoa humana quando o indivíduo não consegue se libertar da intromissão constante e intensa nas esferas não apenas econômicas, mas até mesmo íntimas, personalíssimas? E cada vez mais se exige que o direito se faça presente com força cogente e inarredável, a tal ponto que, em nome do gigante aterrorizante do social e do coletivo, nem mais se consegue separar o direito público do privado.

Dir-se-á: existe a lei como garantia máxima de liberdade e independên-cia do indivíduo frente à sociedade e ao Estado que a representa, porque de seu império nem este escapa. Continua a ressoar magnificamente a máxima fundamental do Estado de Direito: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (C.F, art. 5º, II). No entanto, o que menos se vê no pensamento jurídico dito pós--moderno é a preocupação com a garantia fundamental da legalidade.1

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Advoga-se ostensivamente a supremacia de valores abstratos, por enge-nhosas e enigmáticas fórmulas puramente verbais, que simplesmente anu-lam a importância do direito legislado e fazem prevalecer tendenciosas posições ideológicas, sem preceitos claros e precisos que as demonstrem genericamente e, por isso mesmo, permitem ditar por mera conveniência do intérprete e simples prepotência do aplicador o sentido que bem lhes aprouver nas circunstâncias do caso concreto.

Direito não é mais sinônimo de lei, e norma ou preceito não mais se distinguem dos princípios. Assim, em nome de pretensos princípios, que muitas vezes não se sabe se existem realmente nem de onde foram extraídos, se cria todo um clima de permissividade para o operador do direito. Totalmente descompromissado com a lei ditada pelo poder legiferante instituído, o aplicador do direito procura a regra a aplicar no caso concreto onde bem lhe convier, ou onde bem entender, pois fora do preceito explícito da lei sempre haverá algum raciocínio, algum argumento, alguma justificação para explicar qualquer tipo de decisão, até mesmo aquele aberrante com as tradições histórico-culturais de um povo, as quais, aliás, pouco ou nada valem para a mentalidade emergente do século XX, em segmento quantitativamente expressivo.

O próprio legislador, em quem os indivíduos pensavam poder confiar para, na votação livre e democrática das leis, estabelecer os limites do autoritarismo do poder governante, abdica simplesmente da competência de traçar, com precisão e segurança, os preceitos que deveriam presidir o comportamento individual no seio da coletividade. Preferem, por co-modidade, por menor esforço ou por submissão a idéias de momento e de puro efeito demagógico, legislar por fórmulas excessivamente gené-ricas (cláusulas gerais, normas abertas e quejandas). Aproximando-se de meras declarações de valores (indefinidos e indefiníveis), essa conduta

cípios jurídicos, cuja pureza é dever do jurista distinguir e defender. As concepções do Estado-Providência ou do Estado de Direito Social procuram privilegiar a atuação estatal, visualizada mais como realidade de fins do que como execução ex officio do Direito. Com isto, procura-se esmaecer a força do princípio da legalidade para que possa a Administração interferir no munus da tributação. Esta é uma orientação cuja perversidade cumpre combater (…). Protege-se a pessoa humana dos abusos e inconstâncias da Administração, garantindo--lhe um ‘estatuto’, onde emerge sobranceira a segurança jurídica, o outro lado do princípio da confiança na lei fiscal, a que alude a doutrina tedesca” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter. Reflexões sobre o art. 3º da Lei Complementar 118. Segurança jurídica e a boa-fé como valores constitucionais. As leis interpretativas no Direito Tributário Brasileiro. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 117, p. 112)2 Desastrosa, entre muitas outras, foi, por exemplo, a inserção no novo Código Civil da cláusula geral que submete a liberdade de contratar aos limites da função social do contrato (art. 421). Ora, nunca antes se

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inaceitável e por isso mesmo injustificável do legislador contemporâneo deixa o indivíduo (cuja dignidade diz estar tutelando) entregue à sanha e aos azares de quem detém o poder de julgar a conduta individual e social.

Não se pretende negar o valor dos princípios éticos que podem e devem atuar na formulação das regras legais e em sua interpretação, por parte dos juristas e magistrados. Tudo isso, porém, deve ser feito de modo ponderado, deixando estipulado de maneira clara até onde, até que limites, um valor hermenêutico pode ser adotado na compreensão prática do preceito legal.

Legislar com excesso de cláusulas gerais e por meio de “chavões” que nada dizem (mas que tudo permitem seja dito em seu nome) representa uma verdadeira traição ao ideário do Estado Democrático de Direito. Se este se caracteriza pela defesa dos indivíduos e seus direitos por meio de uma necessária separação entre funções atribuídas aos diversos órgãos encarregados do exercício dos poderes inerentes à soberania estatal, só se pode divisar governo autoritário e ditatorial quando um mesmo órgão acumula as funções de legislar e aplicar a lei por ele mesmo criada.

Seja o Executivo, seja o Judiciário, acumulando numa só mão o poder de legislar e aplicar a norma legal, o Estado foge do programa estatuído pela Democracia, que só se implanta com efetividade quando os poderes soberanos do Estado são desempenhados por órgãos independentes e harmônicos entre si, cada qual respeitando a função do outro e exigindo que na sua função não ocorra ingerência dos demais.

Se, com leis formuladas axiologicamente e traduzidas excessivamente em cláusulas gerais e normas vagas, caberá ao juiz de fato definir o sentido e o alcance da lei, na verdade só se firmará o teor da norma legal depois que o julgador lhe atribuir o resultado que entender de lhe conferir. A lei, na realidade, só existirá como preceito depois que o juiz completar a normatização apenas iniciada pelo legislador. O jurisdicionado somente virá a conhecer a regra de cuja violação é acusado depois de julgado pela sentença. Isso representa, em termos crus, uma verdadeira eficácia retroativa para a norma. Se ela só se fez completa e inteligível após o julgamento do fato, a conseqüência é que a norma tal como foi aplicada não existia ao tempo da ocorrência do mesmo fato. Ou, pelo menos, o seu destinatário somente a pôde conhecer, em toda extensão, depois da sentença.

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Para que essa injustiça não seja cometida, é indispensável que a nor-ma não seja excessivamente em branco, nem seja imprevisível quanto ao modo e aos limites de preenchimento de sua previsão genérica. Pode-se legislar deixando margem de flexibilidade para adaptar-se às particularidades do caso concreto. Mas, em nome da legalidade e da segurança jurídica com que a legalidade se acha visceralmente com-prometida, é imperioso que o legislador, ao empregar a flexibilidade da cláusula geral, indique de forma clara e precisa os padrões e os limites da atividade complementar do juiz. Vale dizer, a cláusula geral só é le-gítima e democrática quando o legislador indica os parâmetros em que, na aplicação, terá de apoiar-se e quais limites dentro dos quais a norma admitirá flexibilização. Em outros termos, a lei terá de proporcionar às pessoas destinatárias de seu preceito o conhecimento e a compreensão do seu teor e dos seus limites.2

Essas ponderações, nós as fazemos porque o clima legislativo oriun-do do final do Século XX acha-se dominado por um furor normativo. Implantou-se a mentalidade de que, reformando as leis, o Estado me-lhoraria no exercício do governo da sociedade e esta aprimoraria seus critérios e valores de comportamento intersubjetivo.

Esquece-se que ética é produto cultural, e não jurídico. É um dado, portanto, apriorístico, que se estabelece ao longo da história na consciên-cia social até alcançar o nível de exigir das pessoas e do próprio Estado a necessária submissão. Não se impõe um valor ético criado em laboratório por juristas inteligentes. Para a lei absorver um valor ético é preciso que já tenha sido ele chancelado pelos usos e costumes sociais. Mas como procurar um valor cultural consagrado numa sociedade despida de valo-res e insubmissa a padrões limitativos das liberdades individuais e que, grosso modo, repele qualquer tipo de censura no modo de conceber o mundo, o homem, seu papel e seu destino?

cogitara de identificar uma função social na contratação dos negócios patrimoniais do direito privado. Como então impor o legislador que se observe um parâmetro desconhecido, sem indicar aos contratantes onde buscar elementos para identificá-lo e sem traçar qualquer espécie de limite a essa busca de uma função nova e inidentificada? O resultado somente poderia ser o caos doutrinário e jurisprudencial. Cada intérprete e cada aplicador usa o parâmetro que lhe é simpático e chega a limites e conclusões os mais díspares e incongruentes.3 O STF já decidiu que “todos os atos emanados do Poder Público estão necessariamente sujeitos, para efeito de sua validade material à indeclinável observância de padrões mínimos de razoabilidade” (...). E que a razoabilidade é exigência que se qualifica como “parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos

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É essa tempestade de ventos e torrentes em entrechoque nas reformas constantes e profundas por que passa o direito positivo de nossos dias que nos convida a meditar e ponderar sobre um princípio, um valor, um fundamento, do qual não se pode prescindir quando se intenta compre-ender a função primária da normatização jurídica. Trata-se da segurança jurídica, que nosso legislador constituinte originário colocou como uma das metas a serem atingidas pelo Estado Democrático de Direito, ao lado de outros valores igualmente relevantes, como a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a justiça, todos eles guindados à categoria de “valores su-premos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”. (Preâmbulo da Constituição de 1988)

O receio (e a quase certeza) de que o propalado furor reformista não se revela preocupado com o problema da segurança jurídica nem se ar-refece diante das desastrosas conseqüências das inovações normativas sobre a estabilidade da ordem jurídica e dos relacionamentos travados entre os jurisdicionados, e entre estes e o Estado, foi que nos motivou a fazer algumas divagações em torno do tema, cuja sede natural é o direito constitucional. Como no Estado constitucional democrático nenhum segmento do direito, seja público, seja privado, pode ser bem compreendido longe das luzes e dos princípios constitucionais, penso que os processualistas e civilistas de nosso tempo necessitam arrefecer seu ânimo renovador para refletir um pouco mais sobre os destinos de nosso ordenamento jurídico. Somente guiada pelos faróis principioló-gicos adotados pela Constituição, a marcha reformista terá condições de prosseguir de maneira segura e serena. Urge evitar a reforma pela reforma, as mudanças inócuas que afetam apenas formas verbais sem alterar o fundo ou a substância das normas e, acima de tudo, não se pode, de maneira alguma, desestabilizar o sistema vigente e comprometer, sem razão aceitável e explícita, os valores fundamentais que o informam, com raízes sólidas no plano da Constituição.3

É nesse plano que devemos voltar os olhos para a segurança jurídica antes de advogar qualquer reforma legislativa e antes de agredir, às ve-zes desnecessariamente, outras vezes de maneira desastrosa, o direito

atos estatais”. Dentro dessa perspectiva o abuso de poder é possível configurar-se também no desempenho da função legislativa, dando ensejo à configuração de inconstitucionalidade. Ou seja, no entendimento da Suprema Corte, “a teoria do desvio de poder, quando aplicada ao plano das atividades legislativas, permite

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positivo e o sistema que o preside.

1. Segurança jurídica: vínculo com o moderno Estado comprometido com a garantia dos direitos fundamentais

A Constituição brasileira consagra o princípio da segurança jurídica em mais de uma oportunidade. Já no preâmbulo se anuncia que o Estado democrático de direito, de que se constitui a República Federativa do Brasil, está destinado a garantir, entre outros direitos fundamentais, a segurança. Esta, ao lado de outros direitos de mesma estirpe, se insere no rol dos “valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”. Também no caput do art. 5º, a declaração dos direitos e garantias fundamentais tem início com a proclamação de que todos são iguais perante a lei, garantindo-se a todos os residentes no país a inviolabilidade do direito à segurança e à propriedade. Esse compromisso do Estado de direito com o princípio de segurança, aliás, não é uma peculiaridade da República brasileira. Todo o constitucionalismo ocidental de raízes européias o adota e exalta.

Em Portugal, v.g., embora a Constituição não consagre de maneira direta e textual o princípio da segurança jurídica, no enunciado dos fundamentos do Estado de direito democrático (art. 2º), doutrina e jurisprudência estão acordes em que dito princípio “decorre necessaria-mente da idéia de Estado de direito e, assim, o têm por consagrado pela Constituição”.4

Não é diferente o posicionamento do direito grego, segundo o qual “o princípio da segurança jurídica é um elemento substancial do Estado de direito, que é o fundamento jurídico da dignidade humana, que o Estado democrático deve respeitar e proteger”.5

que se contenham eventuais excessos decorrentes do exercício imoderado e arbitrário da competência insti-tucional outorgada ao Poder Público, pois o Estado não pode, no desempenho de suas atribuições, dar causa à instauração de situações normativas que comprometam e afetem os fins que regem a prática da função de legislar” (STF, Pleno, MC na ADI nº 2.667-DF, Rel. Min. Celso Mello, ac. 19.06.2002, RTJ 190/875).4 ALMEIDA, Luís Nunes de. Relatório na XV Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en-Provence, em setembro/1999, sobre o tema Constitution et sécurité-juridique. In: Annuaire Internacional de Justice Constitutionnelle, XV, 1999. Paris: Economica, 2000, p. 249. Em doutrina, J. J. GOMES CANOTILHO registra que os princípios de segurança jurídica e de proteção da confiança são elementos constitutivos do Estado de Direito (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4.ed. Coimbra: Almedina, p. 256). Na jurisprudência há uma série de julgados, desde os tempos da Comissão Constitucional até os tempos atuais do Tribunal Constitucional, podendo exemplificar com o acórdão nº 666/94, onde se assentou: “a segurança dos cidadãos (e sua confiança subseqüente na ordem jurídica) é um valor essencial do Estado de Direito que gira em torno da dignidade da pessoa humana – pessoa que é a base e a finalidade do poder e das instituições”

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Tal como se passa em Portugal, também na Constituição dos Estados Unidos não há uma expressa menção ao princípio da segurança jurídica. A jurisprudência, no entanto, chega à segurança jurídica indiretamente, por meio da aplicação da exigência de não-retroatividade e do respeito à cláusula do due process. Pode-se, então, alcançar à concepção, por via jurisprudencial, de que o princípio de segurança jurídica também é visto como “um componente essencial” do Estado de direito e que “o sistema constitucional americano não ficaria realmente fora de suas exigências”.6

Na Itália, em que o princípio da legalidade sofreu pesados compro-metimentos durante o regime fascista, quando o autoritarismo e a arbi-trariedade fizeram escola, a doutrina contemporânea valoriza o princípio da segurança jurídica, fazendo-o corresponder à idéia de “certeza de direito”.7 Na concepção jurisprudencial muito se tem discutido a pro-pósito do tema, e, mesmo no silêncio da Constituição, a Corte Constitu-cional italiana já proclamou que a “segurança jurídica é de fundamental importância para o funcionamento do Estado democrático”8 e que deve ser definida como “um princípio supremo”, ao afirmar que “a confiança do cidadão na segurança jurídica constitui um elemento fundamental e indispensável do Estado de Direito”.9

Goze ou não do elevado grau de princípio supremo, na ordem cons-

(Acórdãos do Tribunal Constitucional, v. 29, p. 349, apud ALMEIDA, Luís Nunes de., op. cit., p. 250). Para este último autor, a tese de que o princípio em questão se consagra como decorrência necessária do Estado de Direito Democrático, do qual participa como elemento constitutivo, configura opinião unânime da jurisprudência e da doutrina em Portugal (ALMEIDA, Luís Nunes de., op. cit., p. 250-251).5 SPILIOTOPOULOS, Epaminondas. Relatório na XVª Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en--Provence, em setembro/1999, sobre o tema “Constitution et sécurité-juridique”. In: Annuaire Internacional de Justice Constitutionnelle, XV, 1999. Paris: Economica, 2000, p. 193.6 SCOFFONI, Guy. Relatório na XVª Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en-Provence, em se-tembro/1999, sobre o tema Constitution et sécurité-juridique. In: Annuaire cit., p. 149. Lembra o autor que a Constituição dos Estados Unidos prevê, expressamente, a interdição para o legislador federal de adotar leis retroativas (art. I, Seção 9-3); e também proíbe os Estados, em sua área de competência, de adotar “lei retroativa” ou de enfraquecer por meio de lei “a força dos contratos”. (art. I, Seção 10-1)7 PIZZORUSSO, Alessandro; PASSAGLIA, Paolo. Relatório na XV Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en-Provence, em setembro/1999, sobre o tema Constitution et sécurité-juridique. In: Annuaire cit., p. 199.8 AC de 12.9.1995, nº 422, Foro italiano, 1995, I, p. 3.386, apud PIZZORUSSO, Alessandro; PASSAGLIA, Paolo, op. cit., p. 224.9 AC de 17.12.1985, nº 349, apud PIZZORUSSO, Alessandro; PASSAGLIA, Paolo, op. cit., p. 219 e 225.10 PIZZORUSSO, Alessandro; PASSAGLIA, Paolo, op. cit., p. 224.11 PIZZORUSSO, Alessandro; PASSAGLIA, Paolo, op. cit., p. 225.12 ZIMMER, Willy. Relatório na XV Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en-Provence, em setem-bro/1999, sobre o tema Constitution et sécurité-juridique. In: Annuaire cit., p. 91.

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titucional italiana, o certo é que o princípio de segurança jurídica na doutrina e na jurisprudência daquele país ocupa uma posição superior à de simples princípio geral de direito. A segurança jurídica insere-se numa ordem superior, para desfrutar do status de “um princípio cons-titucional não-escrito, que pode interligar-se com diversas exigências e com diversos outros princípios”,10 e que, na realidade, desempenha um papel de “importância fundamental para o funcionamento do Estado de direito democrático”.11

Na Alemanha, onde em passado de lastimável memória se ofenderam profundamente as idéias de liberdade e dignidade humana, seu atual di-reito constitucional, voltado para o resgate da democracia e dos direitos da personalidade, atribui à segurança jurídica o status de um princípio, mais precisamente de um imperativo (Gebot der Rechtssicherheit) por-tador de um valor constitucional. Não se trata de um valor próprio, mas algo derivado do princípio geral do Estado de direito, no sentido da Lei Fundamental. Ou seja:

“o princípio de segurança jurídica é um elemento essencial, com a justiça (Ge-rechtigheit), do princípio do Estado de direito e tem, por conseguinte, como todos os elementos estruturadores da noção do Estado de direito, um valor constitucional. Isto decorre de uma concepção teórica mais global da liberdade individual e da sociedade liberal que é aquela onde se nutre a democracia. No seio desta sociedade onde a liber-dade individual se determina a ser um valor de referência e onde o Estado de direito se empenha a ser a garantia, a segurança jurídica aparece como um componente essencial de tal proteção”.12

A tal princípio – é bom dizer – não faz menção expressa a Constitui-ção alemã. Sua feição constitucional irrecusável, no entanto, deriva da própria concepção da noção do Estado de direito concebido como forma institucional da Alemanha nos termos do art. 20 de sua Lei Fundamental. O princípio de segurança jurídica é considerado, no mesmo nível que a justiça, como elemento essencial da noção de Estado de direito.13

O princípio de segurança jurídica, principalmente em razão da valo-

13 ZIMMER, Willy, op. cit., p. 93.14 MATHIEU, Bertrand. Relatório na XV Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en-Provence, em setembro/1999, sobre o tema “Constitution et sécurité-juridique”. In: Annuaire cit., p. 155-156.15 MATHIEU, Bertrand, op. cit., p. 156.16 MATHIEU, Bertrand, op. cit., p. 191. Na doutrina tributária brasileira o princípio da segurança jurídica desfruta de grande prestígio, de sorte que a taxação que a ele não se afeiçoa, por obra do legislativo ou da

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rização dos direitos do homem no seio do direito comunitário, encon-tra grande sucesso no direito francês. Tem-se a consciência de que a segurança jurídica acompanha os desdobramentos da noção de Estado de direito e atende às exigências de segurança impostas em face do desenvolvimento de um ambiente cada vez mais complexo e sujeito a evoluções cada vez mais incertas. Assim como o meio ambiente reclama atenção científica eficiente, o meio social também exige do legislador, para evitar penalizações excessivas, “regras jurídicas que sejam simples, claras, acessíveis e previsíveis”.14

A presença do princípio da segurança jurídica no direito constitucional francês é interpretada como fruto da evolução do Estado de direito de um sistema formal para um sistema que contém exigências materiais. Liga-se ao novo Estado em que se enfraquece o princípio da democracia majoritária e se reforça o sistema dos direitos fundamentais. Essa evo-lução busca superar a visão de um sistema fundado unicamente sobre o respeito à hierarquia das normas jurídicas para se interessar pelo conteúdo dessas normas. Diz-se então que o Estado de direito se organiza por meio de um sistema político e jurídico voltado para a proteção dos direitos fundamentais. É nesse Estado de direito preparado para tutelar os direitos fundamentais que, aos princípios clássicos da separação dos poderes, da legalidade e da proporcionalidade, se agrega o princípio da segurança jurídica, dentro das exigências materiais do atual Estado de direito.15

Nos julgamentos do Conselho Constitucional da França, a propósito principalmente do princípio que exige a clareza e a precisão da lei, é que se revela a importância e a natureza do princípio de segurança jurídica. E nele se vê “uma exigência constitucional”. Essa mesma ótica prevalece quando se trata da jurisprudência relativa à retroatividade das leis fiscais, classificando a irretroatividade, na espécie, como uma das imposições da segurança jurídica, a que se atribui a natureza de “uma das exigências constitucionais”.16

Esse posicionamento do direito constitucional francês afina-se com

administração, incorre em abuso, excesso ou desvio de poder, violando a ordem constitucional (Cfr., Entre outros, MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 31; TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, p. 207).17 CJCE, 14.07.72, affaire 57-69, Rec. P. 933, apud MATHIEU, Bertrand, op. cit., p. 191.18 “A segurança jurídica em sentido geral pode ser considerada como sinônima do princípio do Estado de

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todo o nível do direito comunitário europeu. Com efeito, “o princípio de segurança jurídica foi erigido pela Corte de justiça das comunidades européias ao grau de exigência fundamental”.17

2. Noção de segurança jurídica

O Estado democrático de direito conta com os princípios de “seguran-ça jurídica” e de “proteção da confiança” como elementos constitutivos da própria noção de “Estado de direito”.18 A partir dessa constatação, Canotilho ensaia a conceituação do que ele denomina “princípio geral de segurança jurídica”, em seu sentido mais amplo, e que compreende também a idéia de “proteção da confiança”. Para o grande constitucionalista português, esse princípio geral pode ser assim enunciado:

“Os indivíduos têm o direito de poder contar com o fato de que aos seus atos ou às decisões públicas concernentes a seus direitos, posições ou relações jurídicas fundadas sobre normas jurídicas válidas e em vigor, se vinculem os efeitos previstos e assinados por estas mesmas normas”.19

Completa Canotilho sua conceituação, sublinhando que o princípio de segurança jurídica exige “a confiabilidade, a clareza, a razoabilidade e a transparência dos atos do poder”, para, em seguida, revelar as mais importantes manifestações desse princípio:

“(1) Relativamente a actos normativos – proibição de normas retroactivas res-tritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos; (2) relativamente a actos jurisdicionais – inalterabilidade do caso julgado; (3) em relação a actos da adminis-tração – tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos”.20

A jurisprudência da Corte Constitucional portuguesa, porém, não li-

direito tal qual é tratado pela doutrina e jurisprudência constitucional austríaca” (PFERSMANN, Otto. Relatório na XVª Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en-Provence, em setembro/1999, sobre o tema Constitution et sécurité-juridique. In: Annuaire cit., p. 113).19 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 250 apud ALMEIDA, Luís Nunes de, op. cit., p. 249-250.20 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4.ed. Coimbra: Almedina, s/d, p. 256.21 ALMEIDA, Luís Nunes de, op. cit., p. 251. Nessa linha, a análise do constitucionalismo vigente na Áustria permite afirmar que, entre os publicistas, se considera a segurança jurídica como “um aspecto do princípio do Estado de direito, entendido no sentido formal, isto é, como “a exigência de que a ordem jurídica seja composta de normas precisas e determinadas, excluindo o arbitrário...” (PFERSMANN, Otto. Relatório na XV Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en-Provence, em setembro/1999, sobre o tema Constitution et sécurité-juridique. In: Annuaire cit., p. 110).

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mita a incidência do princípio da segurança jurídica, em matéria de atos normativos, apenas à defesa contra os efeitos retroativos. Exige também que as leis sejam formuladas segundo a exigência de precisão e clareza de seus preceitos, chegando a conceber um princípio que denomina de “princípio de determinabilidade das leis”.21

Há dois sentidos, segundo certos autores, a serem distinguidos no conceito de segurança jurídica: a) a segurança que deriva da previsibili-dade das decisões que serão adotadas pelos órgãos que terão de aplicar as disposições normativas; e b) a segurança que se traduz na estabilidade das relações jurídicas definitivas.22

Entre os doutrinadores brasileiros, o princípio da segurança jurídica tem provocado, no campo do direito tributário, estudos excelentes. É que, numa área delicada como a do direito tributário, maior é a exigência de cuidados com a observância da segurança jurídica, porque a taxação da atividade individual interfere significativamente na viabilidade, no planejamento e na gestão das empresas e dos patrimônios das pessoas físicas ou jurídicas. Vários princípios constitucionais atuam na espécie a fim de assegurar aos contribuintes “tranqüilidade, confiança e certeza quanto à tributação”, como o “princípio da legalidade”, “da anteriori-dade da lei ao exercício de sua aplicação” e da “irretroatividade da lei tributária, salvo para beneficiar o contribuinte”.23

22 GUASTINI, R. La certezza del diritto come principio de diritto positivo?, Le Regioni, 1986, p. 1094 s., apud PIZZORUSSO, Alessandro; PASSAGLIA, Paolo, op. cit., p. 199. Escrevendo sobre direito tributário, mas emitindo lição aplicável à identificação da segurança jurídica como princípio incidente sobre qualquer área do ordenamento jurídico, JAMES MARINS dá uma precisa visão desse importante princípio do Estado de direito democrático: “segurança material consistente na plena previsibilidade das regras de tributação, o que se logra tão-somente através da observância formal e material da reserva absoluta de lei, do princípio da estrita legalidade que se desdobra na tipicidade em matéria tributária (art. 150 e seus diversos parágrafos e incisos, da CF/88). Segurança formal que se expressa no modus operandi administrativo revelado pelo procedimento de fiscalização e lançamento. Segurança processual revelada pela qualidade do procedural due process of law que baliza a atuação dos julgadores administrativos e judiciais, para a lide fiscal. (art. 5º, diversos incisos, da CF/88)” (MARINS, James. Elisão tributária e sua regulação. São Paulo: Dialética, 2002, p. 13-14)23 “Tais princípios existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder. Em face do elemento teleológico, portanto, o intérprete, que tem consciência desta finalidade, busca nesses princípios a efetiva proteção do con-tribuinte” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 31)24 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter. Reflexões sobre o art. 3º da Lei Complementar 118. Segurança jurídica e a boa-fé como valores constitucionais. As leis interpretativas no Direito Tributário Brasileiro. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 117, p. 110-111. “A relação tributária (...) aparece totalmente vinculada pelos direitos fundamentais, declarados na Constituição (…). É rigidamente controlada pelas garantias dos direitos e pelos sistemas de princípios da segurança jurídica.” (TORRES, Ricardo Lobo.

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Tudo isso conjugado delineia o modo global de atuar o princípio da segurança jurídica que haverá de ser respeitado pelo legislador, pelo fisco e pela justiça, de modo a propiciar sempre aos contribuintes condições de conhecer, com adequada antecedência e “com certeza e segurança a que tipo de gravame estarão sujeitos no futuro imediato, podendo, dessa forma, organizar e planejar seus negócios e atividades”.24

A fiel observância do princípio da segurança e da confiança, no caso da legislação tributária, faz cessar, por parte do Estado, “a improvisação, a irresponsabilidade e o imediatismo com que muita vez os governos auto-ritários praticam a tributação, ao arrepio dos mais comezinhos princípios jurídicos, desorganizando a economia e desorientando a comunidade”. Ao contrário, e como é de se desejar, o respeito aos aludidos princípios, por parte dos governantes, acarreta efeitos de suma importância em ma-téria de tributação: (a) assegura aos governados tranqüilidade, confiança e certeza quanto à tributação; (b) assegura ao governo o respeito dos governados; e (c) compartilha o governo com o parlamento a respon-sabilidade pelos rumos da política tributária, como sói acontecer nas verdadeiras democracias”.25

O primeiro cuidado a ser tomado pelo legislador, para garantir segurança jurídica aos indivíduos, é o da publicidade adequada, em que se inclui o período de vacatio legis compatível com a necessidade de conhecer a lei nova a tempo de adaptar-se aos seus preceitos inovadores. Mas, acima da publicidade, há também, na consciência jurídica italiana, a convicção de que é fundamental o problema ligado à exigência de que os atos normativos sejam redigidos de modo a serem “compreensíveis pelos destinatários”.26 Com efeito, a “maneira mais eficaz de reduzir con-sideravelmente a ‘insegurança’ jurídica é, mesmo, a de redigir os textos Curso de direito financeiro. 9.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 207)25 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter. Reflexões sobre o art. 3º da Lei Complementar 118. Segurança jurídica e a boa-fé como valores constitucionais. As leis interpretativas no Direito Tributário Brasileiro. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 117, p. 111.26 PIZZORUSSO, Alessandro. Certezza del diritto. II) Profili applicativi, Enciclopedia Giuridica Treccani, v. VI, 1988, p. 4; PIZZORUSSO, Alessandro; PASSAGLIA, Paolo, op. cit., p. 20527 PIZZORUSSO, Alessandro; PASSAGLIA, Paolo, op. cit., p. 207.28 PIZZORUSSO, Alessandro; PASSAGLIA, Paolo, op. cit., p. 207.29 “A meta da segurança jurídica seria, então, assegurar aos cidadãos uma expectativa precisa de seus direitos e deveres em face da lei. Tal como posta, a segurança jurídica abomina a casuística dos regulamentos e a incerteza que se deve às muitas portarias e demais atos da Administração” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter. Reflexões cit., Revista Dialética de Direito Tributário, v. 117, p. 111).30 SCOFFONI, Guy, op. cit., p. 150.

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normativos à base de regras claras e estandardizadas” (segundo padrões técnicos).27 Além disso, impõe-se outro tipo de cuidado técnico para fugir da insegurança jurídica: tem-se de evitar o caos dentro do sistema geral do ordenamento jurídico. A lei nova não pode desorganizar o sistema, criando contradições ou dificuldades insuperáveis de compatibilização e interpretação, levando o aplicador e o destinatário a perplexidades e conflitos graves e de difícil solução. “A exigência de uma redação mais clara dos textos normativos vem, pois, juntar-se à exigência de coordenar os textos a fim de dar à administração, e também aos cidadãos, os meios de melhor conhecer o direito positivo”.28

Em nome do princípio da segurança jurídica, condena-se também a “doença do excesso de direito”, ao argumento de que a “hipertrofia” das leis acaba por produzir um cipoal de regras cuja aplicação, na prá-tica, em vez de organizar o comportamento social, torna-o exagerada-mente complexo. A inflação normativa, que dificulta a todo instante a constatação de quais são as normas realmente em vigor, não contribui, evidentemente, para os indivíduos terem uma noção clara e precisa de seus direitos e deveres.29

3. Leis vagas, imprecisas e cláusulas gerais

Por simples modismo e, às vezes, por comodismo, o legislador contemporâneo é levado à edição de normas incompletas e vagas, que importam em verdadeira delegação de poder normativo aos órgãos da administração e do judiciário. Não que se deve impedir a adoção de cláu-sulas gerais nos textos legislativos. Valores éticos, para serem incorpora-dos ao direito positivo, reclamam a observância dessa técnica. O abuso, contudo, do emprego constante e injustificado de cláusulas gerais pelo legislador pode desestabilizar o ordenamento jurídico, gerando dúvidas, incertezas e mesmo imprevisibilidade no meio social.

31 ALMEIDA, Luís Nunes de, op. cit., p. 254-25532 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4.ed., p. 257.33 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 257.34 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 257.35 MATHIEU, Bertrand, op. cit., p. 117.36 “O primeiro elemento que a simples existência do direito comporta para a segurança é, por conseguinte, a certeza: os membros da sociedade sabem o que os espera, podendo prever os efeitos das suas condutas e das condutas de terceiros, sabendo antecipadamente com aquilo que podem contar na planificação da sua actuação pessoal, profissional e social” (OTERO, Paulo. Lições de introdução ao Estado do Direito. Lisboa:

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Há na deturpação dessa técnica uma tendência do parlamento de despojar-se, em boa parte, de sua competência legislativa, relegando ao Judiciário completar a tarefa normativa, sem que os indivíduos possam prever, com segurança jurídica, como o órgão aplicador da regra vaga irá colmatá-la. É necessário, logicamente, coibir esse tipo de abuso le-gislativo, para evitar que, de fato, o juiz se torne legislador; e, o que é pior, legislador ex post facto, pois a lei só será ditada em seu conteúdo completo e definitivo depois de consumado o fato sobre que irá incidir. A segurança jurídica, por sua vez, não pode conviver com problemas desse porte. É fundamental, para ter-se uma ordem jurídica como consagradora do princípio de segurança jurídica, que primeiro se observe a separação de poderes entre legislador e juiz e depois que a norma criada pelo pri-meiro somente seja aplicada pelo segundo aos fatos supervenientes à sua edição. É o que proclama a Suprema Corte Norte-Americana, quando insiste na necessidade de interditar “as ex post facto laws, para, assim, permitir [sempre] aos indivíduos terem um conhecimento prévio e estável das leis às quais devem se submeter e das penas às quais se expõem”.30

Se bem que o legislador possa às vezes lançar mão de “conceitos indeterminados” ou de “cláusulas gerais”, o certo é que, para restringir, suprimir ou modificar direitos, liberdades ou garantias, e sempre que autorizar ação discricionária da Administração, “deverá, necessariamente, fazê-lo por meio de lei que compreenda um minimum de critérios obje-tivos, que possam servir de limites da liberdade de escolha da Adminis-tração [e da Justiça], de tal modo que os cidadãos possam contar com um quadro legal, claro e seguro quanto à previsibilidade das opções da Administração e, ao mesmo tempo, que os tribunais possam ter elementos objetivos suficientes para emitir um julgamento sobre a legalidade das decisões administrativas”.31

O Estado de direito democrático, ao inserir em seus fundamentos o princípio de segurança jurídica, impõe sejam os atos normativos editados com precisão ou determinabilidade. Equivale dizer, segundo Canotilho, que há, de um lado, a exigência de “clareza das normas legais” e, de outro, reclama-se “densidade suficiente na regulamentação legal”,32 que

Pedro Ferreira Artes Gráficas, 1998, v. I, t. I, p. 188)37 MATHIEU, Bertrand, op. cit., p. 164.

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nem sempre se revela compatível com o emprego de cláusulas gerais, se não se resguarda um mínimo de concretude. Para o constitucionalista, o ato legislativo “que não contém uma disciplina suficientemente concreta (= densa, determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de: (1) alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos; (2) constituir uma norma de actuação para a administração; (3) possibilitar, como norma de controlo, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos”.33

Em abordagem direta das normas vagas e cláusulas gerais, adverte Canotilho:

“Como é de intuir, a natureza da lei – aberta ou indeterminada, precisa ou concreta – tem muito a ver com as relações de legiferação-aplicação da lei. A indeterminabilidade e abertura da lei poderá ser justificada pelo facto de o legislador se querer limitar a leis de direcção e deixar à administração amplos poderes de decisão. Isto já foi observado: a indeterminabilidade normativa significa, muitas vezes, delegação da competência de decisão. A determinabilidade ou indeterminabilidade é, pois, um problema de dis-tribuição de tarefas entre o legislador e o aplicador ou executor das leis. O controlo destas ‘normas abertas’ deve ser reforçado. Elas podem, por um lado, dar cobertura a uma inversão das competências constitucionais e legais; por outro lado, podem tornar claudicante a previsibilidade normativa em relação ao cidadão e ao juiz. De facto, as cláusulas gerais podem encobrir uma ‘menor valia’ democrática, cabendo, pelo me-nos, ao legislador, uma reserva global dos aspectos essenciais da matéria a regular. A exigência da determinabilidade das leis ganha particular acuidade no domínio das leis restritivas ou de leis autorizadoras de restrição”.34

4. Exigências de qualidade e previsibilidade para a obra do legislativo

O princípio de segurança jurídica, que, na verdade, é o resumo de um complexo de outros princípios constitucionais, é desdobrado por Bertrand Mathieu em dois grandes grupos de exigências, que vão desde a forma até a substância das normas editadas pelo legislador democrático.

Assim, a exigência de qualidade forma um dos grupos e a exigência de previsibilidade configura o outro grupo. Em nome da exigência de qualidade da lei, atuam o “princípio da clareza”, o “princípio da aces-

38 CEDH, A nº 176-A e 176-B, apud MATHIEU, Bertrand, op. cit., p. 165.39 Decisões 98-401-DC e 98-407-DC, de 1998, apud MATHIEU, Bertrand, op. cit., p. 170.40 ALMEIDA, Luís Nunes de, op. cit., p. 25541 ZIMMER, Willy, op. cit., p. 100.42 ALMEIDA, Luís Nunes de, op. cit., p. 255. Embora envolvidos ambos pelo princípio geral da segurança

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sibilidade”, o “princípio da eficácia” e o “princípio da efetividade”. No tocante à exigência de previsibilidade da lei, arrolam-se o “princípio da não-retroatividade”, o “princípio da proteção dos direitos adquiridos”, o “princípio da confiança legítima” e o “princípio da estabilidade das relações contratuais”.

Diante de tal quadro principiológico, Bertrand Mathieu sintetiza o primeiro grupo de exigências ditadas pela segurança jurídica como reve-lador da “qualidade da lei” que se torna “uma exigência constitucional” determinada pela necessidade de o juiz exercer “controle sobre os ele-mentos formais do texto normativo que lhe é submetido”. De outro lado, a segurança jurídica implica uma “certa previsibilidade da legislação”.

Isso porque a segurança jurídica não é outra coisa senão a possi-bilidade reconhecida pelo operador econômico, fiscal, e por todos os jurisdicionados, de um meio jurídico seguro, posto ao abrigo das áleas e reviravoltas eventualmente ocorridas nas regras do ordenamento jurídico.35 Em outros termos, o legislador deve estabelecer e manter regras segundo as quais o particular, ao praticar atos jurídicos, possa se comportar com previsão de seus efeitos e com confiança naquilo que o ordenamento lhe proporcionou.36

Em relação à qualidade da lei (em seu aspecto formal), cujo ponto de partida é a clareza de seu texto, a jurisprudência constitucional francesa a relaciona com a necessidade de posturas normativas caracterizadas pela sinceridade e pela lealdade. Para que os particulares possam se organizar e atuar com segurança jurídica, é necessário, no Estado de Direito, que as leis sejam redigidas de maneira suficientemente “clara e precisa”.37 Lembra Mathieu que a França já foi condenada pela Corte Européia dos Direitos do Homem, em julgamento de 24 de abril de 1990, por ter editado leis imprecisas sobre escutas telefônicas, que, por isso, não respeitavam a segurança jurídica, no pertinente à acessibilidade e à

jurídica, CANOTILHO procura delimitar o terreno próprio da segurança jurídica, da seguinte maneira: “Em geral, considera-se que a segurança jurídica liga-se a elementos objetivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito - enquanto a proteção da confiança se reporta mais aos aspectos subjetivos da segurança, nomeadamente a calculabilidade e a previsibilidade dos indivíduos relativamente aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos” (apud ALMEIDA, Luís Nunes de, op. cit., p. 254, nota nº 29). Também WILLY ZIMMER, embora reconheça que os dois princípios podem ser eventualmente complementares, faz, como CANOTILHO, uma distinção entre eles, situando o princípio

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previsibilidade do direito.38

O Conselho Constitucional da França, por seu turno, também já con-sagrou em diversos casos o princípio da clareza e da precisão da lei como “exigência imposta pelo princípio de segurança jurídica”.39

Em Portugal, o Tribunal Constitucional considerou, em diversas ocasiões, ofensivas às garantias constitucionais do Estado de direito de-mocrático leis que não satisfaziam, em determinadas matérias, o grau de exigência de determinabilidade e precisão do direito; o mesmo ocorrendo com leis que adotavam cláusulas gerais ou conceitos indeterminados, sem respeitar um mínimo de critérios objetivos para delimitar a discri-cionariedade do aplicador da norma.40 Em doutrina, Canotilho registra, a propósito, que o respeito aos postulados da segurança jurídica, na rea-lidade, não é exigível apenas do legislador. Também de todos os demais detentores do poder – Executivo e Judiciário – os ditames da segurança e da proteção da confiança são exigíveis. O mesmo faz Willy Zimmer, em relação ao direito alemão, quando observa que “os atos das autoridades judiciárias e, mais particularmente, as decisões de justiça devem também revestir-se de um caráter seguro e mais genericamente ser submetidos ao respeito do princípio de segurança jurídica”.41 E Nunes de Almeida acrescenta, voltando ao direito lusitano, que são eles exigíveis por parte de qualquer pessoa, física ou moral, privada ou pública.42

Para Willy Zimmer, “a confiança é considerada como conceito de base da democracia. Constitui o fundamento moral da democracia re-presentativa (que começa com o mandato dos eleitores aos eleitos) e se propaga como fundamento de todas as relações travadas pelos cidadãos e os poderes públicos”.43

No domínio do princípio da segurança jurídica, Zimmer insere a exi-gência de clareza do direito, porque sem ela o destinatário da lei não tem como conhecer razoavelmente o comando normativo, o que compromete

da segurança mais no plano do legislador e o da confiança, mais no plano da administração. (op. cit., p. 97)43 ZIMMER, Willy, op. cit., p. 96-97.44 ZIMMER, Willy, op. cit., p. 99.45 No entanto, pela Medida Provisória 2.180/2001, o prazo de embargos à execução, previsto no art. 730 do CPC, foi confusamente alterado por introdução de artigo novo na Lei nº 9.494, cujo objeto era a disci-plina das antecipações de tutela contra a Fazenda Pública. Como a Medida Provisória cogitava de matéria ligada à previdência social, entendeu-se, num esforço interpretativo, que o CPC não tinha sido alterado e o prazo ampliado deveria ficar restrito ao processo de interesse dos entes da previdência social. Mais tarde entendeu-se que a Medida Provisória teria sido revogada tacitamente e, em nova manobra interpretativa, a regra puramente processual foi consolidada no bojo da Lei nº 8.213, que dispõe sobre planos de benefícios

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a perspectiva de previsibilidade e a certeza de seu respeito e pode até chegar ao plano da invalidade jurídica.44

No Brasil, a Constituição preocupou-se com a técnica legislativa e, para afastar o risco de leis ofensivas aos princípios da segurança jurídica e da confiança, determinou a edição de lei complementar para regulamentar “a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis” (CF, art. 59, parág. único). A Lei Complementar que cumpriu o preceito constitucional é a de nº 95, de 26.02.1998. Entre suas diversas normas, figura a imposi-ção de observância de princípios importantes, para assegurar a certeza, a confiança e a previsibilidade, como a exigência da limitação de cada lei ao tratamento de um único objeto e a vedação de inclusão de matérias estranhas a seu objeto, assim como a interdição do disciplinamento do mesmo assunto em mais de uma lei (art. 7º); cuidou, ainda, de exigir, como regra, a explicitação do prazo de vigência da nova lei, fixado de maneira a contemplar sempre “prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento”, reservada a vigência a partir da publicação apenas “para as leis de pequena repercussão (art. 8º); finalmente, determinou--se a abolição da cláusula “revogadas as disposições em contrário”, devendo a cláusula de revogação “enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas” (art. 9º). Quanto ao texto das disposições legais, a Lei Complementar nº 95 determina sejam elas “redigidas com clareza, precisão e ordem lógica” (art. 11, caput). Traçaram-se, ainda, minuciosos dispositivos para recomendar providências redacionais vol-tadas para a “obtenção de clareza” (inc. I), “de precisão” (inc. II) e “de ordem lógica” (inc. III).

O legislador brasileiro, portanto, está ciente das exigências necessárias para dotar o País de leis elaboradas com observância de requisitos técnicos e jurídicos capazes de compatibilizar o direito positivo nacional com o princípio constitucional democrático de segurança jurídica.45

da previdência social e que foi republicada, para consolidação, no DOU de 14.08.98. É bom lembrar que a mesma Medida Provisória não só cuidou de alterar o prazo dos embargos de devedor, previsto no CPC e na CLT, como também alterou a Lei da Ação Civil Pública para alterar dispositivos pertinentes à competência e à coisa julgada das ações coletivas. Eis aí um exemplo de como se legisla desastrosamente, desrespeitando os mais elementares princípios traçados pela Lei Complementar nº 95.Mais recentemente, a Lei nº 10.931, de 02.08.2004, editada, portanto, vários anos após a LC nº 95, tratou, na mais completa promiscuidade, de assuntos de natureza inteiramente diversos como “patrimônio de afetação” em incorporações imobiliárias (arts. 1º a 11), “letra de crédito imobiliário (art. 12 a 17), “cédula de crédito

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A exigência de submissão do legislador à clareza e à precisão da lei pressupõe, entre outras cautelas, que a norma “não utilize cláusulas gerais vagas ou noções jurídicas imprecisas”, ainda na lição de Zimmer. Isso, como já se anotou, não impede que cláusulas gerais sejam utilizadas para introduzir na lei valores éticos. O que não se admite é o recurso a cláusulas excessivamente vagas que não dêem ensejo a interpretações seguras. É preciso que, mesmo na generalidade, a cláusula seja “explícita, sem ambigüidades, coerentes e que seu conteúdo verdadeiro possa ser conhecido por um trabalho de interpretação razoável”.46

5 . Relatividade do princípio de segurança jurídica

Nenhum princípio no campo do direito, nem mesmo nos domínios constitucionais, pode ser visto e aplicado como absoluto. A segurança jurídica, ainda que mereça a qualificação de elemento natural e necessário do Estado de direito democrático, não escapa à relatividade inerente à sistemática dos princípios de direito. É que os princípios, na sua essên-cia, não traduzem preceitos, mas sim valores, os quais, por natureza, são elásticos, sem contornos e limites precisos, e exercem muito mais sua função no terreno da hermenêutica do que no campo das normas, estas, sim, encarregadas de traçar regras claras e precisas sobre o comporta-

imobiliário” (arts. 18 a 25), “cédula de crédito bancário” (arts. 26 a 45), “contratos de financiamento de imóveis” (art. 46 a 52); e para completar a miscelânea, nas “disposições finais” foram introduzidas alterações na Lei de Incorporações (Lei 4.591, de 16.12.64); na Lei do Mercado de Capitais (Lei nº 4.728, de 1995, no tocante às operações de alienação fiduciariamente); na Lei nº 9.514, de 20.11.97 (sistema de financiamento imobiliário); até o Código Civil foi alterado, assim como a Lei de Registros Públicos, a Lei de FGTS e a Lei do Inquilinato. Como se vê, está muito longe o legislador brasileiro de submeter-se às normas técnicas da Lei Complementar nº 95.46 ZIMMER, Willy, op. cit., p. 99.47 ZIMMER, Willy, op. cit., p. 95.48 “A Constituição é a lei fundamental do Estado. Nela repousam os fundamentos da ordem normativa ins-taurada pela comunidade estatal. A normatividade subordinante que dela emerge e atua como pressuposto de validade e de eficácia de todas as decisões emanadas do Poder Público.” (Min. Celso de Mello. Discurso de posse na Presidência do STF, em 22.05.97. Revista da ESMAPE, v. 9, nº 20, p. 375)49 Lei 9.868, de 10.11.99, art. 27: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. Nesse sen-tido, decidiu o STF: “Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da norma municipal. Efeitos para o futuro. Situação excepcional. (…) Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração in-cidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido” (RE 197.917/SP, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, ac. 06.06.2002, DJU 07.05.2004, p. 8). Também o TJRJ assentou que “a

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mento dos sujeitos de direito.Dada a plasticidade dos princípios, dentro de qualquer ramo do di-

reito, inevitáveis são os confrontos, as colisões e as superposições entre eles. Daí a formulação de novos princípios ou critérios especialmente concebidos para administrar e solucionar a convivência entre os diversos valores axiológicos, nas crises oriundas de concorrência entre eles. É a partir das idéias de proporcionalidade e de razoabilidade que se logra a harmonização entre os princípios quando se colocam em linha de colisão. Não se trata simplesmente de desprezar um princípio e dar total supre-macia ao outro. O que o intérprete deve procurar é o equilíbrio entre eles, demarcando, diante das circunstâncias do caso, até que ponto deve ir a força de cada um dos princípios cotejados. Na maioria das situações será possível aplicar, por parte ou etapas, ambos os princípios concorrentes, tornando mais aparente que real o conflito. Em outras, a natureza dos interesses a tutelar está, na realidade, sob o domínio específico de apenas um dos princípios, de maneira que o outro, que se pretendeu também aplicar deveria, ser afastado de cogitação.

O legislador quando insere novas regras, alterando o ordenamento jurídico, nesse quadro de respeito aos princípios deverá estar jungido às implicações da segurança jurídica, mas terá de atentar para os anseios das necessidades sociais, que reclamam revisão e aperfeiçoamento de certas instituições de direito. Os interesses individuais até então tutelados são relevantes, mas não podem permanecer estáticos e intocáveis. Valores constitucionais superiores podem estar em jogo, justificando, pela sua transcendência, alterações normativas aparentemente enfraquecedoras da garantia de segurança jurídica.

Há, sem dúvida, fatores e situações que, conjunturalmente, compro-metem a força protegida pela segurança jurídica e recomendam a pre-valência de outro princípio, também, de estatura constitucional. É certo, pois, que o princípio de segurança jurídica não se apresenta como um princípio de valor absoluto. Ao contrário, “uma de suas características é ser modulável em função de outros imperativos, de outros componentes da noção de Estado de direito”, cabendo ao legislador (sobre controle da Corte Constitucional) “operar essa conciliação entre os diferentes imperativos e a segurança jurídica”.47

Por exemplo, na ordem normativa o valor máximo é o da regra cons-

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titucional que, uma vez violada, acarreta imediatamente a invalidade da norma infraconstitucional ofensiva à supremacia da Lei Maior.48 No entanto, a lei prevê situações em que a segurança jurídica, em setores sensíveis a relevantes valores de ordem pública ou excepcional interesse social, recomenda tenha a decretação de inconstitucionalidade efeito apenas para o futuro (ex nunc), preservando, assim, os efeitos da regra inválida anteriormente produzidos.49 Assim, a segurança jurídica, de algu-ma forma, pode suplantar até mesmo o princípio da constitucionalidade.

São clássicos e corriqueiros, por outro lado, exemplos em que a garan-tia constitucional de segurança jurídica traduzida na coisa julgada pode ser superada pelo princípio de justiça. É o que se passa nos diversos casos em que a sentença transitada em julgado se submete à ação rescisória. Segurança jurídica e justiça (eqüidade) são, aliás, os dois elementos principais da idéia de direito, segundo ressalta Radbruch. Ambos são essenciais aos fundamentos do Estado de Direito. A ordem jurídica constantemente procura harmonizá-los. Exigências de casos concretos, no entanto, podem contrapor ditos princípios fundamentais de maneira a gerar um antagonismo. “Um conflito entre as duas exigências é às vezes inevitável” e, então, “a prioridade dada à segurança pode eventu-almente contrariar uma solução de justiça. A justiça é impossível sem à

natureza dos efeitos da decisão judicial que declara a inconstitucionalidade de uma lei – ex tunc ou ex nunc – não emerge de princípio ou de preceito sediado na Constituição, configurando, isto sim, uma questão de política judicial a ser feita em cada caso concreto, segundo os reclamos de justiça e razoabilidade em cada espécie litigiosa. Destarte, pode o Tribunal dar efeito ex nunc à declaração de inconstitucionalidade em ho-menagem à boa-fé dos destinatários da norma, decorrente do princípio da presunção de constitucionalidade das leis”. (TJRJ, Órgão Especial, Emb. Decl. na Repr por Inconstitucionalidade nº 51/99, Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho, ac. 02.10.2000, Revista Forense, 366/248)50 ZIMMER, Willy, op. cit., p. 95.51 O critério de escolha legislativa aplica-se em favor de princípios que cuidam de “direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” e que “devem ser tidos como prevalentes segundo um critério de propor-cionalidade”. (ALMEIDA, Luís Nunes de., op. cit., p. 258)52 PIZZORUSSO, Alessandro; PASSAGLIA, Paolo, op. cit., p. 225.53 Não foi senão em nome de certas concepções de justiça que atrocidades inomináveis mancharam a história da civilização, como os massacres promovidos pelas cruzadas, pela inquisição, pelo comunismo e pelo nazi--fascismo. E outra não é a justificativa invocada pelo terrorismo que amedronta o mundo atual, fazendo-o cativo de um estado de guerra que não deixa em paz recanto algum do planeta.54 Apud NOJIRI. Sérgio. Crítica à teoria da relativização da coisa julgada. Revista de Processo, v. 123, p. 123.55 Lembra MISABEL DERZI que “o Estado de Direito encontra na irretroatividade os necessários suportes de segurança, previsibilidade e confiança. O que a Constituição garante, por meio da irretroatividade, é a perenidade do direito expresso em lei e, em certo momento, revelado no ato administrativo ou judicial (...). O princípio da irretroatividade, portanto, limita os efeitos dos atos emanados dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo (ver BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7.ed. Atualizada

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segurança jurídica, mas este imperativo pode ser também uma ameaça para a justiça material”.50

O legislador é aquele a quem compete orientar os sujeitos de direito para descobrir qual o princípio a prevalecer nas situações conflituosas, se o de segurança, se o de justiça. Se não o fizer arbitrariamente sua solução normativa, necessária evidentemente, não será criticada ou censurada do ponto de vista constitucional.

Haverá, contudo, de existir na ordem dos interesses constitucional-mente protegidos um valor que justifique a quebra da segurança jurídica. Sem que se depare com esse tipo de razão, enraizada nos valores consti-tucionais, a lei nova desestabilizadora das situações protegidas pelo prin-cípio de segurança jurídica assume o caráter, para seus destinatários, de onerosidade excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificável e arbitrariamente terá ofendido situações constitucionalmente tuteladas e que apenas sob regência de um critério de proporcionalidade deveriam se submeter ao outro princípio que não o da segurança jurídica.51

Não é – repita-se – por arbitrária opção legislativa que se pode in-vadir e quebrar a segurança jurídica. A proteção da segurança jurídica só se esvai quando se depara com a necessidade de proteção de outros princípios classificados como supremos na estrutura do Estado de di-reito democrático. “Posto que fundamental para a existência efetiva de um Estado de direito, a segurança não tem proporções para prevalecer sobre os elementos que lhe caracterizam a estrutura e a essência”.52 É que dentro da ordem de valores constitucionais existem, naturalmente, aqueles que, em certas situações, hão de preferir à segurança jurídica.

De qualquer maneira, não se pode legislar de maneira arbitrária e irres-ponsável, fazendo tabula rasa da garantia constitucional de segurança, já que, na ausência de justificativa extraída da própria ordem constitucional, não se admite a atividade legislativa ofensiva ao importante princípio sub examine.

6. Ética, justiça e segurança na ordem jurídica

por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Capítulo relativo à irretroatividade)”. (Nota de atualização, na citada obra de BALEEIRO, Aliomar, 11. ed., p. 669)56 KAPP, Blaise. Relatório na XV Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en-Provence, em setem-bro/1999, sobre o tema Constituição e segurança jurídica. In: Annuaire Internacional de Justice Constitu-tionnelle, XV, 1999. Paris: Economica, 2000, p. 261.

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O homem não sobrevive sem a sociedade e esta não cumpre sua função sem o Direito. É que a vida em sociedade se trava por meio de relações entre sujeitos livres, inteligentes e que são iguais em substância e dignidade. Nesse ambiente são inevitáveis os conflitos de interesse, já que os bens necessários (materiais ou imateriais) à vida de cada um são freqüentemente os mesmos. É para evitar ou remediar tais conflitos que o Direito traça as regras de acesso aos bens da vida, dentro da comunhão social. A missão que lhe toca é fundamentalmente a de evitar os atritos e implantar a harmonia entre os membros da comunidade civilizada. Numa palavra, seu objetivo é a paz.

Para organização de seu programa pacificador, o Direito maneja com dois valores primaciais: a Justiça e a Segurança. O primeiro deles cor-responde a anseio de ordem ética, cujo conteúdo é variável e indefinível, tendendo, quando levado a sua pureza extrema, a um caráter absoluto inatingível pelas limitações do conhecimento possível do homem, dentro do plano da racionalidade. O segundo é a meta prática, concreta, que o direito pode e deve realizar e que a inteligência humana pode perfeita-mente captar, compreender e explicar. É com o seu concurso que a paz procurada pela sociedade consegue ser estabelecida.

Sem a paz não se pode pensar na justiça, mesmo porque, sendo absoluta e inacessível em sua totalidade e ensejando aos indivíduos e grupos captação e entendimento por ângulos e modos distintos, a justiça, quando levada ao absoluto, tem o dom de fomentar disputas e atritos sem fim. Em suma: enquanto a segurança conduz à paz, a justiça induz à guerra.53 Como o valor absoluto da Justiça está fora do alcance da obra normativa do homem, o direito se contenta em implantar a ordem, a segurança, dentro de um norte inspirado em certos padrões extraídos de alguns valores éticos que o anseio de justiça da sociedade consegue ressaltar. O mundo do Direito, portanto, não é o da Justiça (em seu feitio absoluto). É o da segurança. Sem justiça alguma o Direito – é verdade – encontrará dificuldades para manter seu projeto de pacificação social. Sem segurança, porém, o Direito simplesmente não existe.

Daí por que o legislador, quando descamba para o plano em que os

57 Deduz-se já que “os postulados de segurança jurídica e de protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial”. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito

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valores éticos ocupam o lugar dos preceitos certos, claros, impositivos que devem ser as normas jurídicas autênticas, realiza na verdade a des-truição da ordem jurídica. Em lugar da paz e harmonia que a segurança jurídica pode proporcionar, estabelece as dúvidas e divergências próprias da natureza incerta e imprecisa da justiça; em vez de ordem passa a viger o caos; e o Estado que abre mão da segurança em sua organização não pode, por conseguinte, ser qualificado como um Estado de Direito. Será, isto sim, um Estado caótico, desorganizado, um Estado de não-direito, um Estado que perde a confiança de seus cidadãos.

É natural que o homem, sendo dotado não só de razão, mas também de sentimento, cultive valores éticos, apurados ao longo da vida social civilizada, e queira que o ordenamento jurídico não seja hostil a tais valores. O que não pode é recorrer a valores imprecisos e inalcançáveis em sua essência absoluta pela razão para destruir aquilo de concreto e efetivo que o direito pode e deve construir: a segurança jurídica. A justiça pode e deve estar, de alguma forma, presente na ordem jurídica. O que não se admite é que sirva de instrumento para negá-la, recusando-lhe a força pacificadora de que não pode prescindir para cumprir sua função no Estado de direito democrático.

Calha bem, ao momento atual do direito brasileiro, a sábia advertência de Ortega y Gasset sobre o abuso da superposição do ético ao jurídico: “De tanto falar de justiça se aniquilou o jus, o Direito, porque não se respeitou sua essência, que é a inexorabilidade [impositividade] e a invariabilidade [certeza]. O reformismo do Direito, ao fazê-lo instável, mudadiço, o estrangulou”.54

Urge, pois, evitar a consumação da morte do Direito, restaurando e conservando sua essência: a segurança jurídica.

7. Crítica à onda reformista por que passa o país

É induvidável que o ordenamento jurídico não pode ser estático e que deve evoluir acompanhando o desenvolvimento social, cultural e

Constitucional e Teoria da Constituição. 4.ed. Coimbra: Almedina, p. 256)

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econômico da nação. Os instrumentos jurídicos devem se compatibilizar com as necessidades organizacionais da sociedade que aspira a melhorar e progredir em todos os segmentos da vida comunitária.

Múltiplos são os valores que se põem em jogo nessa marcha evolutiva da sociedade contemporânea e todos eles dependem de uma boa base de sustentação jurídica, pois é ao direito que toca a tarefa de estruturar e viabilizar a convivência social.

Por mais que se proclame que certos valores são supremos e inviolá-veis, sua efetiva implantação na vida em sociedade somente se tornará realidade se as estruturas jurídicas contarem com um sistema normativo confiável e sobretudo seguro. É inadmissível uma sociedade que se diz fundada na liberdade e na legalidade e que pretenda tutelar a dignidade da pessoa humana relegar a plano secundário a segurança das relações jurídicas travadas em seu seio.

Quem diz direito, acima de tudo, diz paz, paz no relacionamento daqueles que compõem o tecido social do Estado de direito. Não é para outro fim que o direito organiza o Estado Democrático. Como, portanto, imaginar a vida em paz e harmonia se não se preocupar com a segurança nas relações implantadas sob a égide do direito?

Todos os povos culturalmente evoluídos de nossa civilização vêem na segurança jurídica um elemento essencial (e, por isso, indispensá-vel) do Estado de direito democrático, cuja presença na configuração dessa modalidade de Estado nem mesmo depende de literal previsão na constituição de cada país. Trata-se de elemento que deflui naturalmente da idéia de Estado de direito, nos padrões concebidos pela democracia.

Falha, portanto, o legislador quando, empolgado por alguns valores re-levantes e positivos, neles se concentra e realiza obra renovadora de impor-tantes capítulos do ordenamento jurídico, ignorando, porém, a necessidade de preservar, nas estruturas normativas renovadas, a segurança jurídica.

Todo o ordenamento jurídico brasileiro, nas últimas décadas, tem sido perpassado por uma onda intensa de revisão e atualização, tanto no terreno do direito público como no do direito privado. Em nome dos princípios da socialidade e da justiça, porém, nem sempre se tem destinado ao princípio

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de segurança jurídica a atenção que ele reclama. De forma alguma temos a intenção de refrear o movimento reformista, de interesse, utilidade e necessidades evidentes. Nosso propósito, nas presentes notas, cinge-se a fazer um alerta para a imperiosidade de imprimir ao movimento reformador uma direção que não se distancie dos padrões reclamados pela segurança jurídica. Todos os valores positivos que a Constituição ressalta devem se traduzir em regras legisladas que os tornem reais e presentes na vida quotidiana normatizada pelo direito. Isso, porém, só será útil e correto, do ponto de vista constitucional, se a implantação legislativa se der dentro dos padrões da proporcionalidade a ser mantida na conjugação de todos os princípios e valores fundamentais. Toda exaltação excessiva e despro-porcional de um valor isolado dos demais corre o risco de desequilibrar o sistema e de comprometer aquele valor que preside a coordenação de todos, qual seja, a segurança jurídica. E sem segurança não há liberdade, não há igualdade, não há legalidade, não se pode cogitar da solidariedade social, nem se pode assegurar o respeito à dignidade humana.

Na realidade, grandes reformas legislativas têm sido promovidas sob aplauso geral da comunidade jurídica brasileira e, de nossa parte, não deixamos de aderir a essas loas. Nossas restrições voltam-se contra o descaso, em alguns episódios, manifestado em face dos reflexos que a nova regulamentação legal possa produzir sobre a segurança jurídica.

Podemos ilustrar nossas preocupações com uns poucos exemplos apenas extraídos de algumas das grandes leis que recentemente afetaram as principais codificações, no direito público e no privado. Comecemos pela Carta Magna: é crônico o desprezo (que chega às raias da má-fé política) devotado à segurança dos credores do Estado, no tocante ao regime dos precatórios. Enfrentando as mazelas do sistema, a Emenda Constitucional nº 30 concedeu até 10 anos ao Poder Público para res-gatar parceladamente os débitos pendentes. Para melhorar a segurança dos credores, concedeu-se poder liberatório para efeito de pagamento de tributos às prestações que não fossem resgatadas no vencimento. Ora, se esse expediente de liquidez pôde ser adotado no acerto das prestações antigas, por que não foi adotado para todos os precatórios? A reforma que podia dar moralidade à execução contra a Fazenda Pública acabou como simples remendo. Os créditos de particulares contra o Estado continua-ram, de tal sorte, desamparados pela ordem jurídica. Nada lhes assegura

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efetividade, situação que desmoraliza o País, porque não se conhece outra legislação que desampare tanto assim o credor da Fazenda Pública.

Outro exemplo flagrante de desrespeito à segurança jurídica se vê no Código de Defesa do Consumidor, editado em 1990. Nele se estabeleceu, contra a estabilidade do contrato, a possibilidade de revisão judicial de suas cláusulas “em razão de fatos supervenientes que as tornem exces-sivamente onerosas” (art. 6º, V), assim como a nulidade daquelas que se mostrem “exageradamente desvantajosas” para o consumidor (art. 51, nº IV). Normas como essas não preservam a certeza da relação contratual, porque editadas sem a clareza necessária e sem a delimitação adequada das condições fáticas necessárias para afastar a força obrigatória do contrato, sem a qual o mundo dos negócios não encontra segurança para suas operações.

No direito europeu, quando se cuida de permitir revisão de contratos de consumo, em defesa de interesses do consumidor, o tema das cláu-sulas abusivas é delimitado: a avaliação das cláusulas para qualificação de abusivas não alcança a determinação do objeto do contrato, nem a adequação do preço dos bens e serviços, desde que tais elementos estejam individuados de modo claro e compreensível (Código Civil italiano, art. 1.469 – ter – 1º parág); nem podem ser acusadas de abusivas cláusulas que reproduzem disposições de lei ou dispositivos e princípios conti-dos em tratados ou convenções internacionais, de que sejam partes os membros da União Européia, ou a própria União Européia (Cód. Civil, italiano, art. 1.469 – ter – 2º parág.). Essas disposições introduzidas no Código Civil da Itália em 1996 correspondem à Diretiva nº 93/13/CEE, aplicável a todos os países da Comunidade Européia. Fácil é concluir que a norma vaga ou cláusula geral que trata da revisão dos contratos de consumo não é, na Europa, tão vaga como se poderia pensar. Há limites além dos quais o intérprete do contrato e o aplicador da lei não podem ir, sob pena de desnaturar o negócio jurídico e violar a autonomia negocial, comprometendo a segurança jurídica das relações de mercado.

No campo do direito civil, o novo Código de 2002, em nome da eti-cidade e da socialidade, veio repleto de normas editadas de forma vaga ou como cláusulas gerais. Até aí não se pode dizer que tenha cometido infração à segurança jurídica. Mas, quando, v.g., manda restringir a li-berdade de contratar aos limites da função social (art. 421), sem qualquer

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cuidado de relacionar tal função a parâmetros determinados e verificáveis nos casos concretos, induvidosamente implanta na ordem jurídica obri-gacional fator de grande insegurança. O mesmo se passa, no terreno do direito de propriedade, quando cria uma desapropriação judicial, no art. 1228, § 4º, totalmente fora dos padrões de tutela constitucional traçada para a utilização dos bens particulares pelo poder público em nome da utilidade pública ou do interesse social (CF, arts. 5º, XXIV e 184-186). O dispositivo nem mesmo define quem pagará o preço do imóvel expro-priado pelo juiz e quando e como tal pagamento se dará. A insegurança é total, portanto, e justamente para um direito que figura entre aqueles que integram o rol dos direitos fundamentais. (CF, art. 5º, XXII)

Na área do direito tributário, a Lei Complementar nº 118, de 09.02.2005, nos dá um nítido exemplo de abuso normativo, criando, ao falso pretexto de editar lei interpretativa, um intolerável efeito retroati-vo, com o evidente propósito de alterar o sentido da regra do art. 168, I, do CTN (Lei nº 5.172, de 25.10.66), sentido este já fixado há dezenas de anos pela exegese jurisprudencial e doutrinária. Criando, portanto, verdadeira norma nova, ao alterar uma exegese largamente consolidada, o legislador não editou lei interpretativa. Criou, isto sim, direito novo e, sob o rótulo de interpretação autêntica, simplesmente legislou para o passado. Ofendeu, com isso, o mais comezinho valor contido no princípio de segurança, qual seja, a vedação das leis retroativas.55

Em matéria de direito processual civil, o clamor social maior é contra a morosidade da prestação jurisdicional, e para contornar essa mazela sucessivas alterações têm sido introduzidas no Código de 1973, todas justificadas com argumentos relacionados à efetividade e à celeridade do processo. Reconhecidamente a causa maior da demora processual decorre quase sempre de um sistema de recursos obsoleto e propício a manobras protelatórias dos litigantes de má-fé. Nada obstante, as reformas do CPC não conseguem abolir recursos (nem mesmo quando se trate de figuras estranhas e injustificáveis como os embargos infringentes e a remessa ex officio) e, ao contrário, criam cada vez mais recursos internos nos

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tribunais. Por outro lado, medidas que sabidamente poderiam contribuir para expurgar atos e provas desnecessários, como a audiência preliminar (art. 331, § 3º, do CPC) são reformadas para pior, porque de expediente obrigatório acabou por se transformar em mera faculdade dos juízes, graças à infeliz alteração provocada pela Lei nº 10.444, de 07.05.2002.

Outras inovações, como as ocorridas na legislação falimentar (Lei nº 11.101, de 09.02.2005), foram feitas de maneira incompleta: a lei nova, v.g., limita sua aplicação ao devedor empresário, deixando de fora o devedor civil comum, quando o próprio Código Civil atual procedeu à unificação do direito privado obrigacional. Além disso, o principal objetivo da nova lei concursal – a recuperação das empresas em crise – restou disciplinado de maneira incompleta: faltaram mecanismos para sujeitar o credor tributário, de modo satisfatório, aos propósitos de recu-peração de empresas; e faltaram previsões de aparelhamento judicial e administrativo, especializado e necessário, para encaminhar e viabilizar, do ponto de vista técnico (econômico, contábil, mercadológico etc.), o novo e complexo processo de recuperação.

A própria Reforma do Poder Judiciário (EC nº 45), pela qual se debateu e se aguardou por mais de dez anos, acabou por decepcionar a todos. Não passou, na maioria de seus dispositivos, do campo abstrato das normas de competência. Na pura realidade, não está no âmbito das normas jurídicas a causa maior da demora na prestação jurisdicional, mas na má qualidade dos serviços forenses. Nenhum processo duraria tanto como ocorre na justiça brasileira se os atos e prazos previstos nas leis processuais fossem cumpridos fielmente. A demora crônica decorre justamente do descumprimento do procedimento legal. São os atos desne-cessariamente praticados e as etapas mortas que provocam a perenização da vida dos processos nos órgãos judiciários. De que adianta reformar as leis, se é pela inobservância delas que o retardamento dos feitos se dá?

A verdadeira reforma do Poder Judiciário começará a acontecer quan-do os responsáveis por seu funcionamento se derem conta da necessidade de modernizar e reorganizar seus serviços. O que lhes falta, e por isso

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os torna caóticos, é a adoção de métodos modernos de administração, capazes de racionalizar o fluxo dos papéis, de implantar técnicas de controle de qualidade, de planejamento e desenvolvimento dos serviços, bem como de preparo e aperfeiçoamento do pessoal em todos os níveis do judiciário.

Essa reforma não depende de esforço legislativo e só se viabilizará quando confiada a técnicos fora da área jurídica, ou seja, a técnicos de administração. Daí o fracasso de todos os exercícios até hoje realizados no plano puramente jurídico e normativo.

Conclusões

A marcha de reforma e aprimoramento do ordenamento jurídico é necessária e jamais encontrará termo. Há de acompanhar o homem na sua permanente busca de aperfeiçoamento no convívio social civilizado.

Nenhuma lei, nenhum Código pode aspirar a uma definitividade que exclua revisões, acréscimos, modificações e substituições. Integrando todas as normas jurídicas o sistema constitucional democrático, a tarefa renovadora do legislador terá de se inspirar não apenas no propósito de inserir cada vez mais valores éticos no direito positivo, pois, qualquer que seja o projeto de aprimoramento normativo, terá sempre de ser levado avante sem atritar-se com os grandes e fundamentais princípios formadores do alicerce da ordem constitucional. E se o Estado em que as reformas estão ocorrendo é, como o Brasil, um Estado de direito de-mocrático, nunca poderá o legislador reformista descurar-se da obser-vância das exigências da segurança jurídica, em seus vários e complexos aspectos (clareza da lei, previsibilidade de seus efeitos, confiabilidade dos destinatários nos agentes e aplicadores do direito, preservação da eficácia das relações já estabelecidas, compatibilização das regras novas com o sistema geral de organização normativa etc.). Progresso, sim, mas sem comprometer a segurança jurídica, que a Constituição consagra como fundamento do Estado de direito e como garantia fundamental dos indivíduos que vivem em seu seio e sob sua proteção.

É preciso não esquecer que, embora não seja absoluto – e nenhum princípio jurídico é absoluto –, “o princípio de segurança jurídica é pro-vavelmente uma das regras mais fundamentais do direito numa sociedade e num Estado regido pelo direito”.56

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Finalmente, impende ressaltar que a submissão ao princípio de segurança jurídica não é exclusiva do legislador, mas cabe a todos os detentores do poder público. Tanto a Administração como a Justiça (especialmente esta) desempenham relevante papel na preservação da segurança jurídica, de sorte que suas decisões não podem aplicar as leis novas, segundo interpretações ofensivas aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade e com quebra da confiança incutida aos agentes dos atos jurídicos, quanto aos efeitos normais esperados, segundo as normas e interpretações vigentes ao tempo de sua prática.57

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DISCURSOS

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Discurso*Amaury Chaves de Athayde**

Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, digníssima Presidente deste egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e excelentíssimos Pares, senhores Desembargadores Federais que integram a Corte; excelentíssimas Autoridades nominadas, compo-nentes da Mesa; excelentíssimas Autoridades investidas nos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios; senhores Membros do Ministério Público, senhores Advogados, Autoridades e Funcionários civis e mili-tares; minhas Senhoras e meus Senhores:

Apresento-lhes, a todos, os meus mais respeitosos cumprimentos.Sabemos, o relógio não pára. No seu caminhar, o transcurso do tempo,

como representa, traz em si as suas mudanças, os seus ajustes, compondo os fatos em seus momentos propícios. As equações que se formam com os elementos da vida experimentam mutações naturais na aviventação de seus próprios bens. Ainda há pouco, retirou-se de seus altos misteres judicantes nesta Corte o eminente Desembargador Federal Wellington Mendes de Almeida, presente neste Ato e a quem se lhe presta grata homenagem, ingressando Sua Excelência em merecida aposentadoria. Abriu-se um vácuo de labor proficiente, de presença amiga, vacante a

* Discurso de saudação ao Des. Federal Joel Ilan Paciornik quando da sua posse no TRF da 4ª Região.** Des. Federal Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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cátedra que fora mui bem exercida. A esse espaço essencial, é chamado o preenchimento.

Reúne-se o Tribunal, pois, em Sessão Solene, para acolher em seu corpo um novo Magistrado. É assim, e para tanto, que esta Corte ora se encontra, recepcionando o nobre Juiz Federal Joel Ilan Paciornik, perante o testemunho de prestigiosa assistência. A mim me corresponde a apra-zível e honrada satisfação de, em nome do Tribunal – ao que agrego o meu pessoal sentir –, apresentar a Sua Excelência esta singela saudação.

Membro de conhecida e tradicional família com raízes deitadas no Estado do Paraná, sendo seus genitores o Sr. Mauro Paciornik e a Sra. Chulamit Paciornik, o ilustre Juiz Joel Ilan Paciornik é filho de Curitiba, cidade sorriso, onde cresceu e implementou a sua formação educacional. Enveredou na ciência jurídica cursando Direito e graduando-se pela Faculdade de Direito de Curitiba, no que levamos ponto em comum, eis que se cuida da mesma Escola em cujos bancos, honrado, tomei assento e pela qual obtive a minha própria graduação (incluso sob o magistério do ilustre e estimado Mestre Luiz Roberto Werner Rocha, caro professor de Direito Administrativo de quem os ricos ensinamentos eu os pratico em meu pessoal exercício jurisdicional, forte dizer que muito me alegra vê-lo presente nesta Sessão). Foi agraciado com o prêmio Professor Milton Vianna, fundador da festejada Instituição de ensino superior, por reconhecimento do melhor desempenho acadêmico.

O Dr. Joel Paciornik exerceu a advocacia de 1987 a 1989 e de 1990 a 1992. Por concurso público, ingressou na magistratura estadual do Paraná, judicando, no cargo de Juiz Substituto, nas Comarcas de Guarapuava, Pitanga, Pinhão e Palmital, essas situadas no centro geográfico do Estado, tanto como, ao depois, por igual caminho de concurso público, militou em advocacia institucional como Procurador do Município de Curitiba.

Na judicatura federal, por sua aprovação destacada em 2º lugar entre centenas de concorrentes em rigoroso e seletivo concurso, Sua Excelên-cia ingressou no ano de 1992. Iniciou, como Juiz Federal Substituto, na Circunscrição Judiciária de Foz do Iguaçu. Promovido a Juiz Federal, titularizou-se na 1ª Vara Previdenciária, exercendo de setembro de 1993 a abril de 1996 e, a partir daí, na 3ª Vara Cível, ambas da Circunscrição Judiciária de Curitiba, nessa guardando a condição até a presente data.

A par, pelos seus elevados dotes intelectuais, atuou no magistério.

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Ministrou aulas de Direito Administrativo, de 1987 a 1995, junto àquela mesma Faculdade de Direito pela qual se graduara e junto à Academia Policial Militar do Guatupê; Instituições de Direito Público e Privado junto à Fundação de Estudos Sociais do Paraná, de 1987 a 1992. Ministrou Direito Administrativo e Direito Tributário e Organização Judiciária e Direito Administrativo nas Escolas da Magistratura Estadual e da Ma-gistratura Federal do Paraná, tendo também lecionado no Curso de Pós--Graduação em Direito Tributário da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, além de haver atuado em inúmeros cursos de aperfeiçoamento, tanto como proferido palestras em vários eventos.

É imperativo destacar, na Justiça Federal e em função dela, o no-bre Magistrado empossando desenvolveu atuação, sempre marcada pelo sucesso, pelo bom êxito, em todos os setores a que foi chamado a fazê-lo. Assim é que exerceu como Vice-Diretor e como Diretor da Seção Judiciária do Paraná em 1998 e em 1999. Foi um dos fundado-res e Diretor da Escola da Magistratura Federal do Paraná no biênio 2000/2002, igual biênio em que exerceu o cargo de Juiz do egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Foi Juiz Presidente da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná de janeiro de 2004 a julho de 2005, ulteriormente passando a compor, até o momento, a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, junto ao colendo Superior Tribunal de Justiça, em Brasília/DF. Neste Tribunal, já havia exercido mediante convocação, incluso em função de auxílio, tendo estado na condição de convocado, para substituição, desde julho de 2005.

Enfim, por terceira inclusão em lista tríplice de merecimento, recen-temente, vem o nobre Magistrado a ser nomeado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República como Membro desta Corte. Hoje é a sua investidura.

Experiência assente em cabedal intelectual e moral inconspurcáveis, haurida em dignificante judicatura, palmilhada jurisdição e administração em todas as conformações afetas ao 1º Grau, o ilustre Magistrado ingres-sa, em definitivo, neste Colegiado. Traz consigo bagagem expressiva, solidificada e importante, posta ao serviço público da sociedade para operar em ampliada jurisdição. Soma o Tribunal.

É de conhecimento geral, o Estado brasileiro, em especial nos últi-

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mos tempos, vem tendo expostas feridas instaladas nas engrenagens de sua máquina interior, reveladas como mazelas tristes, verdadeiramente lamentáveis. Isso se dissemina sem uma exata contenção. Mantém ele, o Estado, no entanto, bastiões valorosos que o conservam brioso e alta-neiro em confronto com ataques imerecidos, os quais, por certo, saberá por fazer vencer. O Brasil, especialmente pelo patrimônio humano que o estofa, com capacidade para encasular o mal, é muito maior.

Efetivamente, a sociedade pátria segue a marcha inexorável de seus desígnios que a fazem composta, não é demasia lembrar, “em Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e compro-metida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, tal como o inspira a sua Lei Fundamental.

E é nesse contexto, e é a esse contexto, que se impõe o Poder Judici-ário, atento guardião da lei e da ordem, enquanto vontade social, neste Sodalício um de seus órgãos. Por aqui tramitam processos em que se exteriorizam conflitos de interesses. Os conflitos hão de ser resolvidos, a bem da harmonia social, pelas balizas da ordem jurídica, de maneira pacífica, consoante o reclama a inteligência do ser humano. Insere-se aí a função do julgador, como encargo hercúleo, pela qual ao juiz correspon-de aplicar, além do seu conhecimento técnico e do raciocínio avaliativo lógico, o muito de sua sensibilidade individual para bem perscrutar o melhor entendimento dos fatos e para ao seu concerto ditar a solução adequada. É o que perfaz a validade do Direito e legitima a autoridade judiciária pela lente social.

Gregários por natureza, os seres humanos, em sua reunião, fazem o Direito e este, conquanto submetido a modificações conceituais e tópi-cas, y compris em virtude do fator temporal durante o qual se revela, há de ser bem aplicado por quem autorizado a fazê-lo. A busca do bom, da excelência, bem por isso é inesgotável. Nessa empreitada, não necessa-riamente pelo emprego de fórmulas complexas senão, antes, mediante a utilização daquelas mais palatáveis ao sentido comum, postas à singela compreensão do tecido social a que se destina, engrandece-se o julga-dor como elemento indispensável, pragmático, sim, como o exigem os

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tempos atuais, mas sem se dissociar de sua imanente condição de jurista, necessária à boa interpretação da lei. Sem estagnação, na dinâmica da investigação a respeito da pertinente fundamentação, emanada dos con-tornos circunstanciais que motivam a construção das normas que regem o convívio social, para a aplicação aos casos que se lhe submetem in concreto, o juiz faz por incorporar a observação de François Ost (Pró-logo à obra Conceito e Fundamento da Validade do Direito, de Maria José Falcon y Tella, Ricardo Lenz Editor, editada em homenagem ao centenário da Faculdade de Direito de Porto Alegre – UFRGS):

“Do mesmo modo que os alquimistas trabalharam, durante séculos, na busca da pedra filosofal que lhes permitiria transformar os metais em ouro puro, os juristas não deixarão nunca de escrutar os segredos da validade, que assegura o logro do objetivo jurídico. A esta tarefa não só lhes animava o príncipe, buscando razões para legitimar seu poder, senão que também lhes empurrava o povo, em seu constante afã por encontrar novos motivos para crer na autoridade legítima”.

De aí, pelo manifesto gosto pela magistratura, nela cerne de atividade institucional, função política de Estado, através da qual exerce a sua pes-soal vocação, o juiz transforma o metal em ouro; ou seja, desvendando os segredos da validade encontradiça no metal, implementa o ouro puro em que se consubstancia a resolução da lide, logra o objetivo jurídico, alcança o dictamen do Direito. Apaziguada em seus conflitos intersubje-tivos de interesses, então, retribui-lhe a sociedade, por renovado motivo, com o crédito na legitimidade da autoridade que lhe outorgou.

Eminente Magistrado Joel Ilan Paciornik, distinto Colega a quem me permito dirigir utilizando o apodo de Amigo, em sua já demonstrada proficiente trajetória de vida, aglutinam-se sobejos os atributos impres-cindíveis para o exercício do elevado mister judicante. Regozija-se este Tribunal em recebê-lo, agora não mais em caráter temporário, mas definitivo, conferindo-lhe o reconhecimento de sua vitória merecida, de cujo manancial continuar-se-á extraindo inesgotável proveito em favor da populosa sociedade jurisdicionada, somando ao redor de vinte e sete milhões de pessoas nos Estados do Paraná, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, Unidades Federadas cujas respectivas Seções Judiciárias compõem esta 4ª Região da Justiça Federal.

Essa vitória de que falo, estreme de dúvidas, não é daquelas que a alguém se lhe dá conquistar sozinho. É vitória de esforço conjugado,

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a que desinteressadamente, salvo o móvel do Amor, concorrem outras pessoas. Assim é que com as boas-vindas que ora lhe são apresentadas, os cumprimentos fazem-se extensivos especialmente a sua dileta espo-sa Sara, esteio fundamental do seu labor denodado, e aos seus amados filhos, Mauro, Rafael e Diana, tanto como aos seus demais estimados familiares e a todos aqueles que lhe sejam caros pela afeição singular.

Pela minha voz, como a mim me foi distinguido proferir em bom, alto e entusiasmado som, receba a efusiva saudação do Tribunal; de todos e de cada um dos seus Membros o cordial e fraterno abraço. Continuado sucesso.

A todos, muito grato pela atenção.

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Discurso* Joel Ilan Paciornik**

Ao raiar um momento tão importante em minha vida, em que assumo o honroso cargo de Desembargador Federal do Tribunal Regional da 4ª Região, cortejo o meu Estado natal, Paraná, que tanto já me faz saudoso, e reverencio os Estados de Santa Catarina, orgulho de seus filhos, e Rio Grande do Sul, que tão generosamente me acolheu e é o berço dos novos horizontes que, a partir de hoje, se delineiam.

E, nesse novo e conspícuo caminho, desde já percebo o desafio que me espera ante a diversidade que se apresenta entre o julgamento singular, realizado em primeira instância, e o colegiado, em Segundo Grau de Jurisdição. O Juízo de 1º Grau é a expressão primeira do Estado Demo-crático de Direito, onde o contato direto do Magistrado com as partes e a colheita pessoal da prova são fundamentais ao processo de construção da decisão judicial. A solidão e a angústia, entretanto, decorrentes do poder de decidir os destinos do ser humano constituem-se, muitas vezes, em pesados fardos sobre os ombros do julgador.

No julgamento em Segundo Grau, de forma colegiada, as angústias passam a ser compartilhadas e a solidão é amenizada por meio do soma-tório das opiniões acerca do litígio em julgamento. Mostram-se possíveis debates mais amplos e aprofundados acerca da controvérsia posta em

* Discurso de posse como Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em 14.08.2006.** Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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causa. Desse modo, o juízo colegiado constitui-se em uma espécie de chancela de posições que se mostram convergentes, criando jurispru-dência e firmando juízos, que, no mais das vezes, são tidos como norte pelos julgadores da 1ª instância. Dessarte, tamanho o compromisso que a labuta diária requererá, apegar-me-ei aos meus prestigiosos colegas, de cuja experiência e conhecimentos jurídicos certamente com humildade me servirei.

Reputo percucientes, nesta seara, algumas palavras, que, conquanto não sejam inovadoras, não têm seu valor diminuído; ao invés, conser-vam mérito tal qual aquele que ostentavam, quando da idealização, por Montesquieu, da divisão dos Poderes Estatais. Refiro-me à função do Poder Judiciário, bem como ao papel da Justiça Federal na solidificação dos direitos e garantias fundamentais.

Forçoso atentar, de conseguinte, para as palavras de Campos Salles, então Ministro da Justiça e futuro Presidente da República, na exposi-ção de motivos do Decreto n° 848, do Governo Provisório, em 11 de outubro de 1890, que organizou as primeiras facetas da Justiça Federal, apregoando um Poder Judiciário independente e autônomo, assim como Montesquieu. Veja-se: “De poder subordinado, qual era”, o Judiciário “transforma-se em poder soberano (...) a fim de manter o equilíbrio, a regularidade e a própria independência dos outros poderes, assegurando ao mesmo tempo o livre exercício dos direitos do cidadão”.

Vai mais além o Ministro, preceituando que o Poder Judiciário é “a pedra angular do edifício federal e o único capaz de defender com eficá-cia a liberdade, a autonomia individual”. Prega, ainda, que “ao influxo da sua real soberania desfazem-se os erros legislativos e são entregues à austeridade da lei os crimes dos depositários do Poder Executivo”.

Nessa senda, malgrado desde o princípio da República Federativa do Brasil tenha sido proclamada a independência dos Poderes Estatais, erigindo-se à função jurisdicional a característica de um poder soberano e harmônico com os demais, essa separação ocorreu, inicialmente, apenas no plano teórico, logrando somente mais tarde o Judiciário colocar-se em posição de igualdade aos Poderes Legislativo e Executivo. Daí a enorme importância que ainda hoje se atribui à lição, talvez a principal, de Monstesquieu proclamada no artigo 2º de nossa Lei Maior, bem como no art. XVI (dezesseis) da Declaração dos Direitos do Homem e

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do Cidadão, segundo a qual “Toda a sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição”.

Assim, deve-se asseverar que não há democracia que valha a pena sem a existência de um Judiciário sólido e independente, neutro e justo, ágil e efetivo, reto e, precipuamente, que seja um instrumento de concretização dos direitos e garantias fundamentais, com vistas à paz social.

Calha, pois, pela lucidez, trazer a lume os apontamentos do ilustre jurista Geraldo Ataliba, quem tão bem soube traduzir o valor do Poder Judiciário na incansável busca pelo bem comum. Ei-los:“só se considera Estado de Direito aquele cuja Constituição preveja a separação das funções estatais, com a entrega de seu exercício a pessoas distintas e independentes umas das outras; que assegure um rol mínimo de direito e garantias individuais e sociais e que tal qual o cidadão submeta-se à lei e à jurisdição, sendo esta exercida por Juízes ornamentados com todas as prerrogativas garantidoras da independência funcional e orgânica”.

É pertinente frisar que o Estado, ao trazer para si o monopólio da função jurisdicional, assume a obrigação de garantir a efetividade da jurisdição, ou melhor, avoca a incumbência de assegurar não só o direito de provocar a atuação estatal, mas, também e quiçá principalmente, o dever de prestar, em prazo adequado, uma decisão justa e que propicie ao litigante a concretização eficaz, no plano prático, de sua vitória.

A Justiça, hoje, está inarredavelmente atrelada à presteza jurisdicional, porquanto é de evidência solar que justiça tardia é justiça inacessível. Tanto assim o é que a Constituição da República, por meio da Emenda Constitucional n° 45, de 2004, consagrou expressamente como direito fundamental do cidadão, em seu art. 5º, inciso LXXVIII, a razoável dura-ção do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Já disse com sabedoria Francesco Carnelutti que “O tempo é um inimigo do direito, contra o qual o juiz deve travar uma batalha sem tréguas”. É imprescindível ter em consideração, todavia, que, como bem denotou o E. Ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, ao proferir o discurso de posse na presidência do E. Superior Tribunal de Justiça, “não é por isso, porém, que se vão decidir açodadamente os litígios, sem nenhuma consideração em torno da qualidade das sentenças. A par da necessidade de estudar-se com seriedade o processo, há que se obedecer

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ao devido processo legal e, bem assim, aos princípios do contraditório e da ampla defesa”.

Não poderia olvidar, nessa vereda, que, entre as mais essenciais preo-cupações desta Egrégia Corte, manifestada por suas sucessivas adminis-trações, encontra-se justamente a efetividade e a presteza jurisdicional, sempre desenvolvendo metas no sentido de aprimorar a celeridade processual, bem como constituindo-se em exemplo, no âmbito nacional, de interiorização, informatização e especialização de Varas Federais. E assim expresso a minha admiração e o meu respeito à Administração e aos Membros deste Regional, fazendo-o na pessoa da Eminente Desem-bargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Presidente desta Corte, que tanto enobrece a Magistratura Federal, pela sua mestria, tanto no trabalho jurisdicional como na função administrativa.

A Justiça Federal, criada a partir da Constituição de 1891, em função do modelo federado de Estado, tem-se mostrado como um mecanismo demasiadamente eficaz na prestação jurisdicional dos litígios que envol-vem a União, suas autarquias e empresas públicas. Mantida em todas as Cartas Políticas, exceto na de 1937, que a extinguiu, passou a ter maior relevo na medida em que houve o crescimento da intervenção estatal, mostrando-se mais presente na vida do cidadão.

Com efeito, hoje, uma das mais significativas atuações da Justiça Federal, pois que visceralmente atrelada à dignidade da pessoa humana, é justamente aquela que atinge camadas da sociedade que, se não fosse a atuação do Judiciário, estariam à margem do Estado Brasileiro.

Deveras, os mutuários do Sistema Financeiro da Habitação, os servido-res públicos, os segurados do Regime Geral de Previdência Social, enfim, os administrados em geral apostam toda a sua tão sonhada esperança no Poder Judiciário para lograr a efetivação dos princípios e direitos mais básicos atinentes ao ser humano.

É de se registrar que os objetivos da Justiça Federal só são atingidos em face da existência também de um quadro competente de servidores, que, com muita dedicação e comprometimento à causa pública, desem-penham suas relevantes funções.

E neste ponto registro que desde a então Vara Única de Foz do Igua-çu, onde trilhei meus primeiros passos na Justiça Federal, até hoje, no Gabinete em que me encontro, sempre pude contar com a fidelidade e o

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denodo dos servidores, aos quais neste momento agradeço.Senhoras e Senhores, no momento em que assumo esta honrosa

missão, tenho certo que me serão exigidas elevadas responsabilidades, as quais pretendo desempenhar com a mesma coragem e obstinação do meu antecessor e amigo, Wellington Mendes de Almeida, que, com seu modo de ser único, sempre enriquecido pela sua simplicidade, honradez, jovialidade e alegria, tão nobremente e com muita retidão, cumpriu a sua tarefa, constituindo-se em um exemplo de pessoa e de magistrado. Seja feliz, estimado colega, e carregue consigo o reconhecimento desta Egrégia Corte, deixando-nos saudosas lembranças do julgador exemplar.

Neste momento volto minhas palavras a meus familiares. Inicial-mente, a meus pais, Mauro e Chulamit, agradeço pelos valores a mim transmitidos, sobretudo, honradez, dignidade, honestidade e amor incondicional à família.

À minha querida esposa Sara, meu amor e minha gratidão, pelo companheirismo, compreensão e dedicação nestes anos todos e, princi-palmente, pelo que há de mais precioso para nós, nossos amados filhos Mauro, Rafael e Diana.

Aos queridos irmãos Henrique, Corine e Samuel e aos cunhados Ka-rina e Charles, agradeço pelo afetuoso companheirismo e apoio.

Aos meus sogros Avran e Raquel, meus cunhados Lilian e Salmo, obrigado pela carinhosa acolhida na família.

Dessa forma e cônscio dos percalços que a partir de agora sucederão, reafirmo o meu intento de, com prudência e presteza, fazer jus à confiança que os meus pares em mim depositaram.

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Discurso*Paulo Afonso Brum Vaz**

Exma Sra. Presidente do Tribunal Regional Federal da 4a Região, demais autoridades já nominadas, estimados colegas de primeiro e se-gundo graus, servidores desta Casa e da Justiça Federal, empossando Rômulo Pizzolatti, seus familiares e amigos, demais presentes, senhores e senhoras, minhas saudações a todos:

Honrou-me sobremaneira o convite para proferir estas palavras de boas-vindas ao Dr. Rômulo Pizzolatti, que ora é empossado no cargo de Desembargador Federal, alçado que foi, pelo critério de antigüidade, para ocupar vaga neste sodalício, deixada pelo insigne colega Vladimir Passos de Freitas.

Sinto especial alegria, porque, assim como em relação ao colega Vladimir, que hoje, com a nossa saudade, desfruta a merecida aposen-tadoria, depois de uma vida dedicada à Justiça Federal e do desempenho brilhante e profícuo de suas funções nesta Corte, inclusive a de Presidente, reconheço no empossando as virtudes e potencialidades de quem vem para proporcionar um salto de qualidade na jurisdição que prestamos, um verdadeiro up grade.

Tive a honra de compartilhar da amizade de Sua Excelência desde os

* Discurso de saudação ao Des. Federal Rômulo Pizzolatti quando da sua posse no TRF da 4ª Região.** Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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tempos em que estudávamos juntos para o 1o concurso ao cargo de juiz federal substituto deste Tribunal. Sua Excelência, então juiz estadual, primeiro da Comarca de Chapecó-SC, e depois de Seara, queria mesmo ser Juiz Federal. Eu, Diretor de Secretaria da então 8a Vara Federal de Chapecó, apenas iniciando os estudos jurídicos, vislumbrei naquela oportunidade a chance de aprender, e ambos fomos aprovados, Vossa Excelência no 2º lugar, atrás apenas do nosso estimado colega Antonio Albino. Fiquei mais para o meio da lista. Depois, já colegas, jurisdicio-namos no Estado de Santa Catarina.

Ainda tenho bem nítidas na memória as lembranças de nossas reuniões, em Chapecó, para tentarmos instituir uma sociedade civil de proteção aos menores desassistidos, era o projeto da guarda-mirim de trânsito, proposição de Vossa Excelência, preocupado com o futuro dos menores daquela cidade.

Tenho acompanhado sua trajetória acadêmica, de causar inveja a qual-quer um: os merecidos títulos de Mestre e Doutor em Direito são uma distinção que poucos alcançam e motivo de prestígio para esta Corte. Sem dúvida, esta importante titulação é muito representativa para o TRF4 e está sintonizada com os ideais constitucionais de formação do magistrado.

O brilho de suas decisões e a técnica refinada no manejo de todos os ramos do direito, especialmente do constitucional, do administrativo e do processual civil, por todos são alvo de efusivos e merecidos elogios, razão contributiva mesmo do elevado nível da jurisdição prestada na Justiça Federal. Teses sempre voltadas para conferir maior efetividade à prestação jurisdicional, como é o caso da que sustenta a eficácia ime-diata das sentenças mandamentais, temário que debatemos com alguma profundidade tempos atrás, sob a orientação do empossando.

De fato, colega, temos que nos debruçar sobre a questão do acesso à justiça; precisamos reunir esforços para buscar a efetividade de que a jurisdição ainda carece. É necessário perseguir a efetividade sob todos os aspectos: subjetivamente, franqueando o acesso à justiça a todas as camadas da população, sem óbices de qualquer natureza, especialmente os econômicos e culturais; tecnicamente, colocando ao seu dispor meios e instrumentos necessários, suficientes e adequados; qualitativamente, possibilitando a obtenção de um resultado útil e eficaz; e objetivamente, garantindo que este resultado seja suficiente para assegurar aquela deter-

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minada situação da vida reconhecida pelo ordenamento jurídico material. Estes os ideais de jurisdição que temos a perseguir.

Impõe-se-nos envidar esforços no sentido de reduzir o tempo de tramitação dos processos nesta Corte, sem, no entanto, comprometer a qualidade. Tarefa árdua, que pressupõe dedicação e muita competência. No ano de 2005, o tempo médio de duração do processo neste tribunal, entre a autuação e a baixa definitiva, foi de 489 dias. Ainda é muito tempo, penso eu. Vossa Excelência, por certo, mercê da elevada capacidade de produzir com qualidade, terá papel de relevo nesta luta implacável que devemos travar contra o tempo.

É preciso não perder de vista, para usar as palavras de Nicolò Trocker, que “a justiça realizada morosamente é sobretudo um grave mal social; provoca danos econômicos (imobilizando bens e capitais), favorece a especulação e a insolvência, acentua a discriminação entre os que têm a possibilidade de esperar e aqueles que, esperando, tudo têm a perder. Um processo que perdura por longo tempo transforma-se também em um cômodo instrumento de ameaça e pressão, em uma arma formidável nas mãos dos mais fortes para ditar ao adversário as condições da rendição”.

Sua atuação, prezado colega, ainda que breve, na condição de juiz convocado nesta Corte, já revela as virtudes do grande julgador de segundo grau. É o que precisamos. Tenho dito que este tribunal, nos últimos tempos, perdeu para a aposentadoria grandes magistrados e, verdadeiramente, uma parte da sua memória. Estamos vivendo uma fase de transição e de dificuldades, por isso é redobrada a responsabilidade e o compromisso dos novos e dos mais antigos, mas tenho a mais absoluta certeza, conhecedor de seu talento como jurista e gestor das atividade jurisdicionais, mister hoje fundamental para vencermos a luta contra o tempo no processo, que em breve Vossa Excelência estará dando uma contribuição efetiva para sairmos desta crise que a todos preocupa e cobra solução.

Ninguém ignora o esforço que se tem feito, nestes últimos tempos, para superar a pletora de processos a julgar, para aumentar nossa produ-tividade, e este dispêndio elevou esta Corte a uma posição de destaque diante dos demais tribunais federais, estaduais e superiores. O testemu-nho imparcial dos advogados que desempenham seus misteres nesta Casa confirma essa assertiva, e isso nos enche de orgulho, mas também

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nos coloca sob responsabilidade redobrada. Se tivermos a organização e o planejamento e se nos mantivermos unidos, solidários e fraternos, com foco no resultado e lançando mão das modernas técnicas de gestão, conseguiremos vencer a luta. É um desafio para o qual contamos com a sua qualificada força de trabalho.

Desejo-lhe, estimado colega, do fundo do meu coração e em nome de todos os membros deste Tribunal, a maior sorte do mundo e muita felicidade na nova carreira, juntamente com os seus familiares – a esposa Maria Tereza, os filhos Ulisses e Isabela, a mãe Zuleide – e de todos os seus amigos e colegas, que nesta data devem estar muito orgulhosos por esta relevante conquista de Vossa Excelência. Parabéns e sucesso. São os nossos votos.

Muito obrigado.

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Discurso* Rômulo Pizzolatti**

Excelentíssima Presidente deste Tribunal, Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Excelentíssimos membros desta Corte e demais autoridades, Senhoras e Senhores,

Nos últimos tempos não tenho ido atrás de manifestar o que penso sobre as coisas que me rodeiam. Impus-me uma pausa. É que desde a juventude sofro as conseqüências de manifestar meu pensamento.1 Mas não reclamo, pois, como diz um arguto observador da realidade brasi-leira, “Se você passa a vida dizendo exatamente o que pensa depois não venha se queixar.”2

Agora, se me concedem o direito de usar publicamente a palavra, de dizer o que penso, não desperdiço a oportunidade, embora, no Brasil, essa não seja uma opção isenta de riscos.

Vivemos um momento histórico em que as pessoas estão perplexas, verdadeiramente tontas com tudo quanto tem vindo à tona, e todos têm uma curiosidade imensa em saber o que os seus juízes pensam a respeito.

* Discurso de posse como Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em 09.10.2006.** Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.1 Um dos mais marcantes episódios foi, aos 19 anos de idade, ser comunicado pelo meu chefe imediato, ele com lágrimas nos olhos, de que a diretoria da empresa onde eu trabalhava desde os 15, com várias promoções funcionais, resolvera me demitir – sem justa causa e com aviso prévio indenizado – por não me enquadrar no perfil de docilidade exigido aos empregados. A “gota d’água” havia sido eu ter redigido um abaixo-assinado, em meu nome e dos colegas da mesma função no setor, reivindicando melhores condições de trabalho. 2 FERNANDES, Millôr. O livro vermelho dos pensamentos de Millôr. Porto Alegre, L&PM, 2005, p. 103.3 TJSC, Mandado de Segurança nº 1.765, Pleno, Rel. Des. Napoleão Amarante, julgamento unânime em

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Simplesmente querem perguntar-lhes: o Brasil tem jeito? Mas os juízes em geral, por força de uma antiguíssima tradição, silenciam e deixam que outros respondam. Eu, de minha parte, acho que os tempos mudaram, que os juízes não podem ficar alheios ao que se passa à sua volta, e que é seu direito pessoal – e mesmo um dever moral – manifestar, quando oportuno, o que pensam sobre os grandes temas que estão sendo agitados na sociedade.

Tentarei uma resposta indo do particular ao geral. Narrarei breve-mente dois episódios específicos, por mim não apenas presenciados, mas vivenciados, para, a partir da conexão entre eles, induzir uma explicação geral.

Eis o primeiro episódio. Em 1987, advogado com três anos de forma-do, inscrevi-me em meu primeiro concurso público na vida – para o cargo de juiz de direito em meu estado natal. Foi publicada no Diário da Justiça a relação dos candidatos que haviam requerido a inscrição. Meu nome estava lá. Meses depois, foi publicada a relação dos candidatos que tive-ram deferida a inscrição. Meu nome sumira. Não era apontado nenhum motivo. Indagado, o Secretário da Comissão de Concurso informou-me, laconicamente: “Doutor, o senhor foi enquadrado no artigo 8º do Regu-lamento do Concurso”. E o que dizia o artigo 8º? Dizia mais ou menos o seguinte: Se a Comissão de Concurso entender que falta ao candidato aptidão para o exercício do cargo de juiz, indeferirá a inscrição sem revelar os motivos ao interessado, que não terá direito a recurso. Essa notícia teve o efeito de um tijolo caído do alto de um edifício sobre a minha cabeça, simples pedestre que passava pela calçada. Atingido de chofre, fui lançado ao chão, sem saber de onde partira o golpe. Felizmen-te, a natureza me dotou de uma poderosa arma – a pronta reação contra a injustiça. Não me deixei sequer intimidar pelo fato de que todos os outros transeuntes que antes haviam sido atingidos por idêntica tijolada, na mesma calçada, na frente do mesmo prédio, não haviam sobrevivido ao golpe. Pensei: foram abatidos porque não reagiram com a necessária prontidão e vigor. Fui à luta, à luta mais difícil entre todas, que é lutar na Justiça contra a própria Justiça. Impetrei mandado de segurança ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina contra a Comissão de Concurso, órgão do próprio tribunal. Pedi liminar para fazer as provas. Semanas se passaram, sem notícia. À véspera da primeira prova, foi deferida a liminar

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pelo desembargador relator do caso. Terminadas as provas, classifiquei--me em 2º lugar. O mandado de segurança, em seguida, foi julgado a meu favor. Decisão unânime.3 Tomei posse, com o direito de escolher a comarca onde atuar, pela ordem de classificação. Pela primeira vez na história do meu Estado, um transeunte conseguira sobreviver a uma tijolada na cabeça, caída do alto do edifício do Tribunal.4

Desde então, o Tribunal de Justiça do meu estado natal aboliu com-pletamente essa prática antiguíssima, do veto imotivado aos candidatos à magistratura, ditado por motivos políticos ou pessoais. Mas infelizmente outros tribunais do país insistiram nessa prática. Somente em outubro de 2003, o Supremo Tribunal Federal baixou orientação definitiva sobre o assunto, declarando inconstitucional o veto não-motivado à participação de candidato em concurso público.5

Não se pense, porém, que os tribunais usavam seu poder de veto so-mente em casos excepcionais, para barrar a entrada na magistratura dos inconformistas que, afinal, sempre constituíram parte ínfima da socie-dade. As maiores vítimas foram as mulheres. Mesmo sob a República, as mulheres brasileiras viram-se impedidas de concorrer à magistratura

16.03.88, Jurisprudência Catarinense, v. 59, p. 365-369, 1988.4 Soube depois que aquele tijolo não me caíra na cabeça acidentalmente. É praxe, nos concursos de in-gresso à magistratura, ser encaminhada sigilosamente a relação dos candidatos inscritos a todos os juízes em atividade, a fim de que prestem as informações que tiverem sobre os inscritos. No meu caso, vários juízes informaram, sigilosamente, que eu era pessoa de “difícil trato” e de “temperamento difícil”, apesar de, lealmente, reconhecerem a minha cultura jurídica e competência profissional. Essa avaliação negativa decorria do fato de eu ser implacável com as menores falhas e deslizes dos juízes. Hoje, decorridos vinte anos, examino serenamente os fatos e dou àqueles magistrados certa razão. Por força da minha natureza e da exaltação que é própria da juventude, eu não admitia, sem me revoltar, que os juízes cometessem falhas e deslizes, que toleramos em outros funcionários e nas pessoas em geral. Mas o que aqueles magistrados não compreenderam é que essa atitude minha não era gratuita, porque nascia da veneração que eu nutria pela missão de julgar. Encontrei, anos depois, no advogado e jurista italiano CALAMANDREI, a explicação daquela minha postura exigente, às vezes intransigente com os juízes: A missão do juiz é tão elevada em nossa estima, a confiança nele é tão necessária, que as fraquezas humanas, que não se notam ou se perdoam em qualquer outra ordem de funcionários públicos, parecem inconcebíveis num magistrado. (...) até mes-mo as mais leves nuances de preguiça, de negligência, de insensibilidade, quando se encontram num juiz, parecem graves culpas. (...) Os juízes são como os membros de uma ordem religiosa: é preciso que cada um deles seja um exemplo de virtude, se não quiser que os crentes percam a fé (CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 263-264). Passados vinte anos, continuo tendo sérias dificuldades em aceitar os defeitos dos juízes, por mais leves que sejam – inclusive e especialmente os meus próprios defeitos. Temo que no dia em que for transigente terei perdido a veneração que sempre tive pela função judicante. 5 STF, Súmula 684: É inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público. (DJU de 13.10.2003, Seção 1, p. 5)6 Paradoxalmente, uma gaúcha de São Luiz Gonzaga, formada pela Faculdade de Direito da Universidade

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por décadas a fio, só pelo fato de serem mulheres. Prova disso é que o Rio Grande do Sul, tão progressista e avançado em tantos pontos, só as admitiu na magistratura a partir de meados da década de setenta,6 em-bora a nossa primeira Constituição Federal republicana, de 1891,7 já as aceitasse. Aqui, as mulheres podiam ser jornalistas, médicas, deputadas, advogadas, engenheiras, escritoras, professoras universitárias; – juízas de direito, jamais. O Tribunal de Justiça gaúcho simplesmente não permitia o acesso de mulheres à magistratura. Exercer a função de juiz era coisa de homem. No tão rico e avançado Estado de São Paulo as coisas, nesse ponto, até hoje andam lentas, tanto que no Tribunal de Justiça paulista há apenas quatro (4) juízas de carreira entre os 358 desembargadores. É imperativo concluir que nas coletividades humanas, assim como no homem individualmente considerado, o progresso, em muitos aspectos, convive com inexplicável atraso em outros tantos.8

Passo agora ao segundo episódio. Depois de algum tempo como juiz estadual, inscrevi-me, no ano de 1989, no 1º Concurso Público para juiz federal, promovido por este Tribunal. Aqui, a dificuldade foi fun-damentalmente geográfica, pois eu morava no oeste de Santa Catarina, e a primeira etapa do concurso realizei em Florianópolis, a segunda em Curitiba, e a última em Porto Alegre. Fui aprovado em 2º lugar, tomando posse em agosto de 1991. Passados dez anos, no final de 2001, tornei--me o juiz federal mais antigo da 4ª Região (RS/SC/PR). Dias depois, ao apagar das luzes de 2001, meu nome foi vetado – em escrutínio secreto –, para a primeira vaga, a ser preenchida pelo critério da antiguidade, na recém-criada Turma Recursal dos juizados especiais federais do Rio Grande do Sul.9 Isso não era o fim, era apenas o começo. Três meses depois, em março de 2002, aprendi uma lição que não está nos manuais

do Rio Grande do Sul, ingressou por concurso na justiça estadual de Santa Catarina ainda na década de cinqüenta, ascendeu ao tribunal na década de setenta e se tornou presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina na década de oitenta. 7 Constituição Federal de 1891, art. 73: Os cargos publicos civis, ou militares, são accessiveis a todos os brazileiros, observadas as condições de capacidade especial, que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as accumulações remuneradas. 8 Millôr Fernandes sintetiza essa contradição numa frase lapidar: O ser humano consegue sobreviver com uma parte de si mesmo espantosamente sofisticada e outra parte ainda mergulhada no lamaçal de sua primitividade. (op. cit., p. 52)9 Lei nº 10.259, de 12.07.2001 (Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal) – Art. 21. As Turmas Recursais serão instituídas por decisão do Tribunal Regional

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de direito constitucional. A lição de que a antigüidade para promoção dos juízes aos tribunais, ponto culminante da sua carreira, tal como previsto na Constituição Federal, é em si mesma uma garantia desarmada, uma como que fiança prestada por pessoa sem patrimônio. Minha promoção a este tribunal, pelo critério da antigüidade, foi vetada numa “eleição de antigüidade” - novamente por escrutínio secreto. Apesar de ser o juiz mais antigo, acabei perdendo a eleição para juiz menos antigo. Nunca se vira algo tão esquisito na história do judiciário brasileiro. Outra vez me vi na necessidade de bater às portas da Justiça contra a própria Justiça. Impetrei mandado de segurança ao Supremo Tribunal Federal (STF). No final de 2002, em julgamento unânime, os ministros do STF anularam a eleição de antigüidade.10 Deixaram claro que ou se faz uma eleição, ou se segue a antigüidade; as duas coisas não se misturam, como a água não se mistura com o óleo. Ainda assim, a minha promoção ao tribunal não se tornou imediatamente viável: a antigüidade continuava um princípio desarmado. Aquele antigo poder de veto absoluto dos tribunais, abolido em relação aos candidatos ao ingresso na magistratura de primeiro grau, permanecia vivo, na prática, em relação à promoção dos juízes aos tribunais. No final de 2004, com a Emenda Constitucional nº 45, as coisas mudaram com-pletamente. A partir daí, a velha antigüidade desarmada foi robustecida com duas novas garantias: o princípio da publicidade da motivação, de um lado, e o princípio da ampla defesa, de outro lado. Desde então, o juiz mais antigo só pode ser recusado caso apresentadas publicamente as razões da recusa (não mais mediante escrutínio secreto), e terá garantido o direito de ampla defesa.11 Em 3 de agosto passado, após quatro (4) anos de ostracismo, o meu nome foi finalmente aprovado, em votação aberta unânime, por esta Corte de Justiça, para promoção ao cargo de Juiz do

Federal, que definirá sua composição e área de competência, podendo abranger mais de uma seção (...) § 2º. A designação dos juízes das Turmas Recursais obedecerá aos critérios de antigüidade e merecimento.10 STF, Mandado de Segurança nº 24.305, Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento unânime em 11.12.2002.11 Constituição Federal, art. 93, inciso II, alínea d: na apuração da antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação. Constituição Federal, art. 93, inciso X: as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros. (redações dadas pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004; grifei) 12 Há um aspecto burlesco nesse episódio: para mim ficou muito claro que não devo submeter-me a nenhuma eleição jamais. Estou convicto de que, mesmo sendo candidato único, vou perder. Eu já tinha um antecedente

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Tribunal, pelo critério da antigüidade.12 Como se vê, nas ocasiões todas em que foi utilizado o escrutínio

secreto, o meu nome era vetado. Na primeira vez em que se utilizou a votação aberta, ele foi aprovado unanimemente. As coisas mudam.

Não narro esses episódios com o fito de indiretamente melindrar pessoas. Narro-os porque são episódios históricos importantes, que não podem ser olvidados,13 e porque ilustram, melhor do que longas exposições, o extraordinário avanço das nossas instituições nas últimas décadas, apesar de muitos não o perceberem.

Esse avanço consiste na diminuição progressiva dos espaços do segre-do e no seu preenchimento pela exigência social de que as autoridades, de qualquer nível e espécie, justifiquem publicamente seus atos. Trata-se de um avanço promissor, se considerarmos que a maioria das moléstias, grandes ou minúsculas, que enfermaram e ainda enfermam a vida pública brasileira são do tipo que viceja nas sombras e definha sob a luz do sol.

No Judiciário os espaços do segredo praticamente desapareceram. Identicamente ao julgamento dos processos judiciais,14 agora também os julgamentos administrativos são públicos – coram populo, como diziam os romanos – e justificados publicamente.15 Os juízes que praticarem falta disciplinar serão julgados em público e terão de defender-se pu-blicamente. Qualquer pessoa do povo pode assistir a esses julgamentos. Também as deliberações dos tribunais sobre o gerenciamento da máquina judiciária e sobre a promoção dos juízes são agora justificadas publica-mente. O antigo escrutínio secreto, realizado mediante uma urna onde se

negativo: em 1982 candidatei-me a vereador, em minha terra natural, e não fui além dos 22 votos. 13 Sigo aqui a orientação de Espinosa (1632-1677) a respeito do estudo das ações humanas: Non ridere, non lugere, neque detestari, sed intelligere – não ridicularizá-las, não lamentá-las nem detestá-las, mas sim compreendê-las. (Tratado político, I, § 4º)14 Constituição Federal, art. 93, inciso IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a pre-servação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004)15 Constituição Federal, art. 93, inciso X: as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros. (redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004)

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depositavam cédulas não-identificadas, hoje só permanece para a escolha de juízes que ocuparão funções administrativas (presidente, corregedor, vice-presidente, coordenadores de grupos de trabalho e outros), o que é admissível, por serem atos de natureza política, como de natureza política é o nosso voto, quando escolhemos o nosso candidato a governador, a presidente da república, a deputado.

Não chegamos a esse estágio sem dor e sem luta. As coisas mudam, mas não por si mesmas. Muitos combatentes se foram sem ver os resulta-dos dos seus esforços. A nova geração encontra um mundo melhor e tem a falsa impressão de que ele sempre foi assim. Hoje qualquer cidadão se inscreve num concurso à magistratura e não será barrado por ser mulher, negro, homossexual ou inconformista. E não terá dificuldade, já como juiz, em ser promovido por antigüidade ao tribunal, mesmo sendo o que é. Aos combatentes que sobreviveram incumbe revelar à nova geração como as coisas eram antes.

Onde há luta para mudar, há reação para não mudar. Em muitos setores do aparelho estatal – principalmente aqueles envolvidos nos recentes e sucessivos escândalos noticiados pela mídia – o segredo e a conseqüente falta de justificação pública dos atos estatais resistem. Se a esses dois componentes adicionarmos uma gigantesca massa de recursos públicos a serem distribuídos, por meio de programas sociais e emendas parla-mentares ao orçamento, teremos um resultado explosivo – e também o completo diagnóstico da doença.

Sou otimista porque tudo está vindo à tona, e as autoridades implicadas são obrigadas a explicar-se publicamente. Quanto menos, para reconhecer que seus homens de confiança incorreram em improbidade e afastá-los da função pública, passando-os às mãos da Justiça Criminal. Isso nunca ocorrera na história do Brasil. Os sucessivos escândalos são alvissareiros porque fazem eclodir a crise. Por meio dela, tomamos consciência das nossas mazelas e somos impelidos a nos engajar na permanente luta pela justificação pública dos atos estatais. Cada um a seu modo, como puder. Reunindo-se a outros ou individualmente. O cidadão comum, que escreve para o jornal, denunciando a pequena arbitrariedade de um guarda de trânsito ou a existência de um buraco não-sinalizado na via pública, e com isso obriga a autoridade responsável a vir a público explicar-se, já está fazendo a sua parte. Sem saber, está atendendo à exortação do jurista

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alemão Rudolf von Ihering (1818-1892), da qual, desde a juventude, jamais me desviei:

“A justiça e o direito não florescem num país pelo simples fato de o juiz estar pronto a julgar e a polícia sair à caça dos criminosos; cada qual tem de fornecer sua contribuição para que isso aconteça. A todos cabe o dever de esmagar a cabeça da hidra do arbítrio e do desrespeito à lei, sempre que esta saia da toca. Todo aquele que desfrute as bênçãos do direito deve contribuir para manter a força e o prestígio da lei. Em poucas palavras, todo homem é um combatente pelo direito, no interesse da sociedade.” (IHERING, Rudolf von. A luta pelo Direito. Trad. de Richard Paul Neto. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1980, p. 71)

Obrigado, Sra. Presidente, por me conceder o uso da palavra. Agradeço a todos os que sempre estiveram a meu lado e, com seu

apoio, tornaram possível que eu aqui chegasse. Não os nomeio porque, se esquecesse um só, cometeria grave injustiça.

Enfim, obrigado a todos pela presença.

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ACÓRDÃOS

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DIREITO ADMINISTRATIVO

E DIREITO CIVIL

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.009297-3/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde

Apelante: Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURGAdvogada: Dra. Patrícia Soares Martins Izkovitz

Apelada: Cláudia Rivoire de SáAdvogados: Drs. Francisco José Lutzemberger e outrosRemetente: Mm. Juízo 1ª Vara Federal de Rio Grande

EMENTA

Consumidor. Responsabilidade civil. Internação particular em hospital público. Defeito da prestação do serviço. Preliminar de nu-lidade do julgado afastada. Infecção hospitalar. Nexo de causalidade demonstrado. Danos materiais, estéticos e morais. Arbitramento da indenização.

1. A ausência de oportunização às partes para a apresentação de me-moriais (art. 454, § 3º, do CPC) somente acarreta a nulidade da sentença se demonstrada a ocorrência de prejuízo ao interessado.

2. Para operar a responsabilidade civil contratual do hospital, é reconhecido o nexo de causalidade entre o dano advindo de infecção hospitalar contraída quando da realização de cesariana e o defeito na prestação do serviço.

3. Condenação do hospital à indenização por danos materiais, esté-ticos e morais.

4. Quantum indenizatório fixado em observância às circunstâncias do

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caso concreto e a precedentes jurisprudenciais, considerados os critérios de razoabilidade e moderação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido em parte o Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 29 de março de 2006. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de ação ordinária pela qual Cláudia Rivoire de Sá postula a condenação da Fundação Universidade Federal do Rio Grande do Sul – FURG ao pagamento de indenização por danos morais e materiais resultantes de infecção hospitalar.

Relata a autora que, em 13 de novembro de 1995, internou-se para dar à luz, em caráter privado, nas instalações do Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Correa Júnior, unidade integrante da requerida. O parto, por via cirúrgica (cesariana), foi realizado sem complicações, tendo a paciente recebido alta hospitalar em 15 de novembro de 1995.

Dois dias após, com febre alta, dores na região da incisão cirúrgica e calafrios, foi internada no Hospital da Santa Casa, na cidade de Rio Grande, com suspeita de infecção hospitalar. Foi realizada cirurgia de emergência para drenagem de abcesso surgido na região da incisão. Não obstante, o quadro clínico da paciente recrudesceu, tendo a infecção acometido a pele e o tecido subcutâneo do abdômen, bem como parte do tórax e ambas as coxas, evidenciando quadro clínico de alto risco.

A paciente foi submetida a nova cirurgia, realizada em 20 de novem-bro de 1995, para a ressecção da pele e do tecido subcutâneo de toda a região atingida pelo processo infeccioso, que consistiu na retirada de todo o tecido atingido do abdômen e parte do tórax. O tecido removido na ocasião da cirurgia foi encaminhado a laboratório de patologia, cujo

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laudo conclui pela ocorrência de celulite necrotizante causada por sta-philococcus aureus.

Por recomendação da equipe médica que a assistia, a autora foi removida, por via aérea, para o Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, para internamento. Teve finalmente controlada a infecção por tratamentos intensos e dolorosos, inclusive com a utilização de morfi-na e sedativos, e foi submetida a novas intervenções cirúrgicas para a colocação de enxerto na área do abdome, procedimento para o qual foi necessária a retirada de tecido cutâneo saudável das coxas, gerando mais dor e comprometimento estético à autora.

Sustenta que todos os procedimentos a que foi submetida em razão da infecção contraída na ocasião da cesariana afastaram-na completamente de suas atividades profissionais, causaram-lhe grandes ônus econômicos, danos estéticos irreversíveis e intenso sofrimento físico e psicológico, especialmente pelo afastamento forçado do filho recém-nascido.

Regularmente processado o feito, adveio r. sentença (fls. 250 a 264) julgando procedente o pedido e condenando a FURG a : a) ressarcir os valores pagos pela autora para o tratamento da infecção, bem como das cirurgias de reparação estéticas e as futuras que se fizerem necessárias, a serem apurados em liquidação de sentença; b) pagar à autora o valor de R$ 7.858,08 (sete mil, oitocentos e cinqüenta e oito reais e oito centavos), correspondentes à remuneração que deixou de perceber em razão do fato; e c) pagar indenização por danos morais arbitrada em R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), com correção monetária e juros moratórios de 6% ao ano, a contar da citação.

Irresignada, a FURG apela tempestivamente (fls. 267 a 274), argüindo preliminar de nulidade da sentença e deduzindo razões de mérito pela sua reforma. Sustenta que não restou demonstrado o nexo causal para a sua condenação, eis que não há como precisar se foi infecção contraída no ambiente hospitalar. Aduz o despropósito da condenação ao paga-mento das despesas hospitalares realizadas em hospital particular de Porto Alegre, que não guardam relação de equivalência com o que seria despendido em hospital congênere ao seu. Por fim, na eventualidade de manutenção do julgado, requer o redimensionamento da condenação por danos morais, que reputa excessiva.

Com contra-razões, subiram os autos a este Tribunal, também por

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força do reexame oficial.É o relatório. À douta revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Ab initio, examino a preliminar levantada pela apelante. E faço-o por rejeitá-la.

Com efeito.A ausência de oportunização às partes para a apresentação de memo-

riais (art. 454, § 3º, do CPC) somente acarreta a nulidade da sentença se demonstrada a ocorrência de prejuízo ao interessado (REsp nº 727.721/MA e nº 167.383/DF). E de tal demonstração a FURG não se desincumbiu.

Prossigo.É mister frisar, para a caracterização da responsabilidade da FURG,

que a autora foi internada em caráter particular, mediante remuneração. Não se trata, pois, de prestação de serviço público de saúde, mas de relação de consumo, como se infere do disposto no Código de Defesa do Consumidor, em seus:

“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

(...)Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional

ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...)§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante

remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

Nesse sentido, a contrario sensu, colaciono o ilustrativo precedente do egrégio Superior Tribunal de Justiça, de recente publicação:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE COMPETÊN-CIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. AUSÊN-CIA DE REMUNERAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO CONFIGURADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

1. Hipótese de discussão do foro competente para processar e julgar ação indenizatória proposta contra o Estado, em face de morte causada por prestação de serviços médicos em hospital público, sob a alegação de existência de relação de consumo.

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2. O conceito de ‘serviço’ previsto na legislação consumerista exige para a sua configuração, necessariamente, que a atividade seja prestada mediante remuneração. (art. 3º, § 2º, do CDC)

3. Portanto, no caso dos autos, não se pode falar em prestação de serviço subordinada às regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, pois inexistente qualquer forma de remuneração direta referente ao serviço de saúde prestado pelo hospital público, o qual pode ser classificado como uma atividade geral exercida pelo Estado à coletividade em cumprimento de garantia fundamental. (art. 196 da CF)

4. Referido serviço, em face das próprias características, normalmente é prestado pelo Estado de maneira universal, o que impede a sua individualização, bem como a mensuração de remuneração específica, afastando a possibilidade da incidência das regras de competência contidas na legislação específica.

5. Recurso especial desprovido.” (REsp 493.181/SP, 1ª T., unânime, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJU 01.02.2006, p. 431)

Assim, caracterizada a relação de consumo, não há que se falar em responsabilidade civil objetiva da Administração Pública (Constituição Federal, artigo 37, § 6º), mas em responsabilidade pelo fato do serviço, nos termos do Diploma Consumerista:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. (...)§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Trata-se, pois, de responsabilidade objetiva contratual, sendo suficiente para ensejá-la a demonstração do nexo causal entre o dano e a prestação do serviço. No tocante, transcrevo o excerto da sentença do ilustre Juiz Federal Narciso Leandro Xavier Baez, que procedeu a acurado exame do conjunto probatório, e cuja fundamentação adoto como razões de decidir. Verbis:

“(...) O exame de cultura da secreção da ferida operatória (cesariana) da autora (fl. 14), demostrou que houve infecção por uma bactéria denominada STAPHYLOCOCCUS

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AUREUS, gerando celulite necrotizante. (conforme exame macroscópico da fl. 17)As partes divergem quanto ao momento em que ocorreu a infecção da ferida operatória

(cesariana). A autora sustenta que foi contaminada durante sua internação no Hospital Universitário da FURG, enquanto a ré defende que ocorreu fora de suas dependências.

A dúvida foi plenamente dirimida pelo depoimento colhido do médico que realizou a cirurgia de cesariana, bem como pelos relatos dos médicos que fizeram o atendimento quando a infecção se manifestou na autora. (fls. 155-167)

O médico cirurgião, Dr. Magno Spadari, no depoimento das fls. 155-157, disse que na data dos fatos descritos na inicial foi chamado pelo Dr. Newton Primo para atender paciente pós-cesárea com quadro de infecção da ferida operatória. O primeiro procedimento adotado foi a drenagem e limpeza. Como não foi suficiente, passou-se para a retirada de todo o tecido infectado. Após esse procedimento cirúrgico, viu-se que seriam necessárias mais cirurgias, razão pela qual se optou pela transferência da paciente para Porto Alegre. Concluiu que a autora adquiriu infecção necrosante dos tecidos moles, no ambiente hospitalar, visto que era muito virulenta, de quadro grave. Destacou que caso fosse adquirida fora do ambiente hospitalar teria evolução mais benigna, menos virulenta do que a infecção hospitalar. Por fim, disse que esse tipo de infecção pode ocorrer no bloco cirúrgico ou na tricotomia (raspagem dos pelos), podendo se manifestar em até 72 horas após a alta da paciente.

O médico Nikos Michel Numa Koukidis (fls. 158/159), que prestou atendimento domiciliar à autora um dia após ela receber alta do Hospital Universitário, informou que ao examiná-la detectou sinais de infecção. Esclareceu que pelo estágio em que se encontrava, a bactéria devia ter ingressado no organismo da autora há 48 ou 72 horas. Concluiu ainda, pelo histórico clínico e exames realizados, que se tratava de infecção hospitalar, com origem na incisão da cesariana, visto que a bactéria era muito agressiva, virulenta e uma pessoa que se submete a esse procedimento cirúrgico, que não está imuno-comprometida, não desenvolve uma infecção dessas. Gizou que pelo tempo que a requerente passou em casa após a alta não há possibilidade dela ter con-traído essa bactéria fora do ambiente hospitalar, pois o tempo entre a contaminação e a manifestação da infecção é de 48 a 72 horas.

O médico João Carlos Müller, que atuou na cirurgia de retirada de toda a parede abdominal da autora, disse (fls. 162-163) que participou do diagnóstico que concluiu pela necessidade dessa cirurgia, pois se tratava de uma infecção por stafilococcus, grave, que poderia levar à morte da paciente. Explicou que as infecções hospitalares são difíceis de serem tratadas pois as bactérias são resistentes e geralmente transmi-tidas pelo contato com as mãos ou por aparelhos utilizados nos procedimentos que se realiza. Concluiu ainda que ‘entende se tratar de infecção hospitalar porque até ingressar no hospital a autora não a possuía e poucas horas após deixar o hospital teve a manifestação dessa infecção’.

No mesmo sentido foi o depoimento do Médico Henri Chaplin Rivoire (fls. 160/161), obstetra, que acompanhou todo o período pré-natal da autora e realizou a cirurgia de cesariana no Hospital da FURG. Explicou que a requerente efetuou raspagem de pêlos

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30 minutos antes da cesariana. No momento pós-operatório estava em bom estado de saúde e foi dada a alta para que retomasse a sua casa. Contudo, 48 horas depois da cesariana ela passou a sentir dores na incisão, febre e hiperemia (zona avermelhada em torno da incisão). Salientou que pela cultura dos materiais colhidos se concluiu que a infecção decorreu de uma bactéria hospitalar – staphilococcus aureus – que é normalmente encontrada em ambiente hospitalar e raramente em outros lugares. Esclareceu, ainda, que a cirurgia foi feita com sutura intradérmica que foi coberta com micropore (esparadrapo esterilizado). O micropore só foi retirado pelo Dr. Ari Lima quando a autora se queixou de dores e se verificou o quadro de febre e hiperemia.

Outro fato relevante trazido pelo médico Henry Chaplin Rivoire (fl. 160), em resposta a perguntas feitas pelos procuradores da ré em audiência, é que na época dos fatos descritos na inicial o Hospital Universitário estava executando obras dentro do Bloco Cirúrgico, havendo um maior risco de infecção hospitalar. Disse que esse fato foi comunicado pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar à Direção do Hospital.

O Presidente da Comissão de Controle de Infecções Hospitalares do Hospital Universi-tário da FURG, Dr. Hugo Pacheco Pereira Cataud, confirmou, na fl. 166, que na época dos fatos descritos na petição inicial estavam em execução obras de conclusão da expansão do Centro Cirúrgico. Entre o canteiro de obras e o Bloco Cirúrgico foi colocado um tapume de madeira com fitas adesivas a fim de evitar que o ar e a poeira da obra passassem para o Bloco Cirúrgico. Disse que a comissão sempre alertou a direção do hospital sobre os proce-dimentos de proteção que deveriam ser adotados e esses foram observados. O Controle de infecção hospitalar apurado no período verificou que o percentual de doenças infecciosas se manteve dentro dos padrões do hospital que variam de 4,5 a 5%.

Como pode se ver, os médicos ouvidos foram uníssonos em informar que o tipo de infecção hospitalar que atingiu a autora se manifesta entre 48 e 72 horas após o ingresso da bactéria no organismo.

Todo o conjunto probatório aponta para a manifestação de sintomas de infecção na autora, 48 horas depois dela ter realizado a cirurgia da cesariana no Hospital Uni-versitário da FURG, donde se conclui que a bactéria foi adquirida durante o período em que esteve na sede da ré.

Afastam-se, portanto, as teses da requerida no sentido de que a bactéria teria sido adquirida na casa da autora, pois ficou claro que sobre a cirurgia foi feita uma sutura intradérmica que foi coberta com micropore (esparadrapo esterilizado) que só foi retirada pelo médico Dr. Ari Lima, após iniciarem os sintomas da infecção.

Também não é plausível que a bactéria tenha sido adquirida no Hospital da Santa Casa, visto que, quando a autora se internou nessa instituição, já estava com o processo de infecção se agravando rapidamente.

Em razão do exposto vê-se cabalmente demonstrado o nexo de causalidade entre a infecção sofrida pela autora e sua internação no Hospital Universitário da FURG, pois foi neste local que a bactéria foi adquirida, surgindo a responsabilidade civil pela reparação dos danos morais, estéticos e materiais causados. (...)” (grifei)

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Portanto, resta plenamente demonstrado o nexo de causalidade entre o evento e o dano sofrido, suficiente para a responsabilização civil da apelante.

Danos materiaisO r. julgado não merece qualquer reparo em relação à condenação da

recorrente ao ressarcimento dos danos materiais, referentes à perda da renda experimentada pela autora como conseqüência do impedimento que lhe adveio ao regular exercício de sua atividade laboral. A respeito, embasando a definição da quantificação, concorrem valores e tempo determinados, que não se demonstram elididos.

Da mesma forma, nada há a criticar no que diz com a ordem de reposição de despesas havidas, conquanto a serem mensuradas em liquidação. Essas despesas, porém, há que se entender, são aquelas já apontadas e comprovadas no caderno processual, compatíveis com a realidade dos fatos, para as quais se tem liame, por conseqüência, da causa determinante da indenização deferida. Assim porque, quanto a elas, coletadas em conformação consolidada, não há robusta insurgência pormenorizada, pontual, para demonstrar a sua desnecessidade in casu, ou para demonstrar qualquer abuso ou excesso que as façam discrepantes de equivalência entre custos de tratamento no próprio estabelecimento hospitalar da ré ou em qualquer outro nosocômio. A refutação genérica, na equação, recai em absoluta imprestabilidade.

Sob o título em consideração, apenas o que concerne à ordem de inde-nização de despesas futuras cabe ser excluído. É que, conquanto a igual ordem projete atrelamento com a causa de indenizar, ela, de rigor, remete a eventos futuros e hipotéticos, ausentes de definição, que não podem ser antecipadamente admitidos em caráter peremptório e para atuar in concreto, sem regular submissão, quanto a sua necessidade (sem mais perquirir a respeito da causa essencial determinante da indenização), ao crivo do contraditório com tudo que a esse seja imanente.

Danos imateriais – estéticos e morais É consabida a inexistência de parâmetros objetivos para a fixação de

valor indenizatório de dano moral. Sob a lente das partes envolvidas em conflito do gênero, a normal e humanamente compreensível tendência aponta à diametral extremização: o ofendido buscando o dimensionamento

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em maior monte; o ofensor intentando-o na quantia mais reduzida. Assim, de rigor, o importante é estipular-se a indenização devida em quantum razoável, plausível, de maneira que não se sinta o ofensor impune e não se sinta o ofendido vilipendiado, por um lado, e tampouco, por outro lado, se sinta aquele sobrepunido e o outro locupletado.

A doutrina e jurisprudência vêm entendendo que na fixação do quan-tum debeatur devem-se considerar as circunstâncias narradas no caso concreto. Assim, de forma concomitante, busca-se um valor que não seja tão pequeno que se torne inexpressivo, nem tão elevado que se torne fonte de enriquecimento.

A indenização arbitrada pelo MM. Juízo, fixando valor único de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), levou em consideração os danos estéticos e morais sofridos pela recorrida. Desde logo, devo indicar que essa cifra parece-me sobredimensionada.

Sem mesmo se pretender encontrar precedentes com exata identidade ao caso sub examen, o fato é que, correntemente, nem na hipótese de óbito, nem em casos de aleijão permanente ou em deformidade por amputação de órgão ou por inutilização de sua funcionalidade se encontram regis-tros de definição indenizatória naquela cifra, correspondente, no tempo a que se remete o arbitramento, a quatro mil vezes o valor do salário mínimo vigente.

É inegável que o aspecto estético e a satisfação com o próprio corpo têm considerável importância para a auto-estima e para a felicidade humana, em especial para a mulher. O conforto subjetivo do indivíduo, outrossim, é o componente impalpável que lhe dá o equilíbrio pessoal, resguardando no próprio sentir a estabilidade emocional em suas relações com o próprio ser e com o mundo exterior.

Por certo, a indenização por dano estético/moral não irá minorar o comprometimento estético com o qual a autora terá de lidar para sem-pre, permanentemente. De igual forma, não irá apagar de sua memória o padecimento que sofreu, psíquica e corporalmente. As cicatrizes das lesões físicas e espirituais, pegadas em seu corpo e em sua alma de modo indelével, acompanhá-la-ão por toda a vida.

O quantum indenizatório, portanto, fica submisso à relatividade. Nesse diapasão, para estabelecê-lo, mais importa considerar: a) a fun-ção punitivo-pedagógica para o responsável, bem assim a condição

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econômico-financeira desse, com a importante finalidade de prevenir a repetição de ocorrências semelhantes; b) o grau de responsabilidade; c) a posição familiar, cultural, social e econômico-financeira da vítima; d) a gravidade da repercussão da ofensa.

A esses parâmetros, confiro.Relativamente ao primeiro, é de se ter por bem certo que a capacidade

econômico-financeira da ré é ilimitada, eis que vinculada ao orçamento da União. Assim, atuando, a ré, na prestação do serviço, máxime em avença contratual, mais se impõe marcar a função punitivo-pedagógica, sob pena de restar desatendida.

O grau de responsabilidade, in casu, é extremamente acentuado. É o que se dá, haja vista que não se está a cuidar de uma mera produção fabril ou comercial, mas, sim, prestação voltada à área da saúde humana, em que inadmissível o manejo de riscos exteriores, alheios à própria condição pessoal do paciente.

No que tange ao estado contextual da vítima, verifica-se ser ela inserida na convencional classe média, com escolaridade em nível superior, inte-grada familiarmente em matrimônio com médico, inerentes os elementos cultural, social e econômico-financeiro a modo compatível.

Concernentemente, por fim, à repercussão da ofensa, é forte reconhecê--la de extrema gravidade. Efetivamente, a autora, durante praticamente dois anos, padeceu intenso sofrimento físico e emocional, decorrente da infecção: experimentou grave risco de vida, foi submetida a várias cirurgias e tratamentos dolorosos, foi afastada do convívio familiar em sua plenitude e de seu filho recém-nascido; esteve impedida de exercer a sua profissão. Ainda, como dito anteriormente, além dos efeitos subjetivos, levará con-sigo as marcas físicas da ocorrência, por toda a vida, coarctando-lhe os procederes regulares de uma pessoa que se possa entender normal.

A tudo, porém, não se há de descuidar dos critérios de razoabilidade e moderação.

Portanto, atendendo às peculiaridades do caso, tanto como ao que sinala a jurisprudência em relações da espécie (i.e. REsp nº 315.983/RJ, nº 713.289/MS e nº 662.659/DF), tenho por redefinir a indenização. Entendo que o dimensionamento, compreendendo o dano moral e o dano estético, fica bem posto em R$ 100.000,00 (cem mil reais), remissivos a 30 de julho de 1997, com o que se atenderá em justa medida todas as finalidades da

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imposição.

Correção monetária e juros moratórios Os títulos são pertinentes. Mantêm-se os respectivos termos iniciais, au-

sente, no tocante, qualquer insurgência. No silêncio do decisum, a correção monetária há de observar os índices oficiais, e os juros moratórios o índice legal de 6% ao ano ou fração pro rata, a partir do evento danoso, para os danos estéticos e morais, e a partir da citação, para os danos materiais.

Sucumbência Mantém-se o julgado no tocante, eis que em devida observância ao

regramento legal. (CPC, art. 20, § 3º)Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação e à remessa oficial.

Faço-o para excluir dos danos materiais as despesas futuras em relação à sentença de 1º grau, bem como para redefinir o montante da indenização por danos estéticos e morais, nos termos da fundamentação.

É como voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.087504-9/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Apelante: João Alberto EineckeAdvogada: Dra. Soraia Barbosa de Araújo

Apelante: União FederalAdvogado: Dr. Luís Henrique Martins dos Anjos

Apelados: (os mesmos)Remetente: Juízo Federal da 3ª VF de Londrina

EMENTA

Constitucional. Administrativo. Processual. Dano moral. Tortura

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sob regime militar. Fatos comprovados. Seqüelas. Dever de indenizar. Montante justo.

1. A partir de 1946, adotou-se, no Brasil, no que concerne às entida-des de direito público, a responsabilidade objetiva, com fulcro na teoria do risco administrativo, sem, no entanto, adotar a posição extremada dos adeptos da do risco integral, em que a Fazenda Pública responderia sempre, mesmo presentes as excludentes da obrigação de indenizar. (CF de 1946, art. 194 e seu § único; CF de 1967, art. 105 e seu § único; CF de 1969, art. 107 e seu § único; e CF de 1988, art. 37, § 6º)

A Suprema Corte, em mais de uma oportunidade, fixou o exato alcance do comentado dispositivo constitucional. Assim o fez no RE 968.107-SP, julgado pela 2ª Turma, verbis:

“(...) II. A responsabilidade objetiva, insculpida no art. 194 e seu pará-grafo único, da CF de 1946, cujo texto foi repetido pelas Cartas de 1967 e de 1969, arts. 105-7, respectivamente, não importa no reconhecimento do risco integral, mas temperado.

(...)” (In RTJ 55/50)Em seu voto, o relator, o eminente Ministro Thompson Flores, ex-

-Presidente da Excelsa Corte, salientou, verbis:“... embora tenha a Constituição admitido a responsabilidade objetiva, aceitando mesmo a teoria do risco administrativo, fê-lo com tempera-mentos, para prevenir excessos e a própria injustiça.

Não obrigou, é certo, à vitima e aos seus beneficiários, em caso de morte, a prova de culpa ou dolo do funcionário para alcançar indenização. Não privou, todavia, o Estado do propósito de eximir-se da reparação, que o dano defluíra do comportamento doloso ou culposo da vítima.

Ao contrário senso, seria admitir a teoria do risco integral, forma radical que obrigaria a Administração a indenizar sempre e que, pelo absurdo, levaria Jean Defroidmont (La Seience du Droit Positif, p. 339) a cognominar de brutal. (...)” (In RTJ 55/52-3)

Outro não foi o entendimento adotado por um dos mais conceituados administrativistas do país, o eminente e saudoso Ministro Themístocles Cavalcanti, ao votar no julgamento do RE nº 61.387-SP, verbis:

“(...) Partindo da teoria da igualdade dos encargos e das finalidades essenciais do Estado, o clássico Tirard chegava à responsabilidade do Estado pela falta verificada no serviço. (De la responsabilité du service

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publique, 1906)Nesta particular, a variedade na aplicação dos casos é muito grande.

Principalmente a jurisprudência francesa se detém no exame das hipóte-ses. É assim que são mencionados casos de responsabilidade, ou por não se ter evitado um perigo por meio de obras necessárias, como a construção de um parapeito na estrada; de não se ter impedido a circulação em um trecho perigoso; de não se ter retirado um obstáculo em um rio canalizado etc. ou por omissão material, por falta de sinalização, de abandono de trecho da estrada, abertura de trincheira em uma estrada etc.

Essa teoria não é talvez suficiente para prever todas as hipóteses de responsabilidade do Estado, mas a sua aplicação deve ser casuística para não envolver a responsabilidade do Estado em todos os casos em que age dentro de sua finalidade própria.

Assim, nem sempre se verifica essa responsabilidade, de acordo com a boa doutrina, quando há escassez de abastecimento de água, interrupção de energia elétrica, o mau calçamento de uma estrada. Depende sem-pre das circunstâncias. (...)” (In RTJ 47/381. No mesmo sentido, RTJ 71/99, bem como julgado do extinto Tribunal Federal de Recursos no julgamento da Ap. Cív. nº 33.552, rel. Ministro Carlos Mário Velloso, in RDA 137/233 )

Na doutrina nacional, a jurisprudência do Pretório Excelso é respal-dada, como se verifica, entre outros, dos seguintes autores: Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 14. ed., Rev. dos Tribs., 1989, p. 551; Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, Forense, 1989, p. 143, n. 105.

Da mesma forma, a idêntica solução é adotada na França, como leciona o clássico Laubadère, verbis:

“La jurisprudence a consacré, au-delá de la responsabilitè pour fau-te, une responsabilitè de l’administration pour risque; elle admet que, dans certains cas, les collectivités publiques sont tenues de réparer les dommages entrainés par leur activité même non fautive. La responsa-bilité pour risque est, rappelons-le, celle qui est engagée dès lors qu est établie une relation de cause a effet entre l’activité de l’auteur du dommage et ce dommage lui même.” (LAUBADÈRE, André de. Traité Élémentaire de Droit Administratif. Paris, Libr. Générale, 1953. p. 490, nº 892. Igualmente, RIVERO, Jean, Droit Administratif. Huitième édition,

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Paris, Dalloz, 1977. p. 274, nº 284)Assim, como restou demonstrado, a teoria do risco administrativo,

adotada pelas Constituições brasileiras, a partir de 1946, não implica o reconhecimento de que a Administração Pública tenha que indenizar sempre, mesmo quando presentes as excludentes dessa responsabilidade.

In casu, a r. sentença recorrida demonstrou configurados os pressu-postos do art. 37, § 6º, da CF/88.

O dano moral resta evidente em face das lesões sofridas, devidamente demonstradas em perícia em face dos atos praticados por agentes da União.

Estabelecidas tais premissas, quais sejam, a existência de ato comissi-vo ilegal atribuído à União, o resultado lesivo, o nexo de causalidade, bem como a inexistência de causa excludente da responsabilidade, impõe-se reconhecer o dever do Poder Público de indenizar o autor.

2. No que concerne ao dano moral, o Juízo a quo fixou-o com mode-ração, atento a peculiaridades do caso concreto.

Em precioso estudo, intitulado Il Danno Morale (Contributo alla teoria del danno extracontrattuale), publicado na Rivista di Diritto Civile, anno III, 1957, parte prima, CEDAM, pp. 332/3, assinalou Renato Scognami-glio, acerca dos critérios de indenização do dano extrapatrimonial, verbis:

“L’altra soluzione – che è stata anche di recente esplicitamente difesa [Knöpfel, op. cit. p. 152 ss. (anche per gli argomenti successivi in favore della teoria)] – appare senza dubbio meglio rispondente alla idea del risarcimento. Si assume in proposito che tra le circostanze del caso, cui la valutazione equitativa fa capo, sicuramente rientra qui la colpa del reo: in particolare la violazione della personalità umana (e quella connessa del sentimento di giustizia) – che nell’ipotesi si consuma – ri-sulterebbe tanto piú grave, quanto maggiore sarà l’entità della colpa. Né varrebbe l’agevole obiezione che il moderno diritto civile non tiene alcun conto, ai fini della responsabilità, del grado della colpa, poiché questo principio potrebbe applicarsi in pieno soltanto al risarcimento vero e proprio. Ma deve replicarsi: quest’ultima considerazione non appare solidamente fondata se si riflette che il nostro legislatore fa menzione anche qui del risarcimento e dunque sono da applicare all’intera mate-ria gli stessi principî generali. In ogni caso poi il criterio suggerito non sembra rispondente alla natura del nostro istituto: se difatti si tratta di

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risarcimento e non di pena – come senz’altro si ammette – non si spiega perché debba tenersi conto, ai fini del risarcimento, essenzialmente della gravità della colpa. Vi potrà essere senza dubbio una coincidenza in tal senso perché, a colpa piú grave potrà corrispondere un torto piú grave e maggior dolore, ma non piú di questo. L’unico criterio, in definitiva, che possa con sufficiente sicurezza adottarsi è quello – soltanto fondato sulla ratio del nostro istituto – che fa capo alla intensità del dolore sofferto. Posto che tale è il danno che viene preso in considerazione – e si tratta di attribuire alla vittima adeguate soddisfazioni compensative (non di punire il reo) – agevolmente si spiega che debba aversi riguardo essen-zialmente alla entità delle sofferenze psichiche, quale può desumersi, tra l’altro, dalle circostanze principali del caso. La obiezione che cosí si rischia di cadere in un pericoloso sentimentalismo, per la eceessiva considerazione della sensibilità di ciascun soggetto, non va sopravalutata [Contro questo pericolo ammonisce di recente Cass., 30 giugno 1954, n. 2261, in Resp. civ., 1954, p. 450.]. Il pericolo non sussiste perché, per la ben nota impossibilità di misurare il dolore, si rimane sempre nel campo della valutazione equitativa, che è l’oggetto dell’attuale in-dagine.Il riferimento al dolore subito opera cosí come criterio di base dell’apprezzamento del giudice, il quale, nel pronunziarsi in definitiva secondo il suo prudente arbitrio, non mancherà di tener presente – per meglio contemperare fra l’altro le opposte esigenze – sopratutto quella che può essere, nella fattispecie, la sensibilità al dolore dell’uomo medio. Soluzione che consente tra l’altro – a quanto ci sembra – di realizzare risultati abbastanza costanti, evitando il pericolo di eccessive fluttuazioni della giurisprudenza. Ed appare poi di agevole applicazione pratica: poiché già l’accertamento, che in ogni caso deve farsi, della ricorren-za del danno morale fornirà un criterio abbastanza approssimativo di orientamento circa l’entità del dolore.”

3. Improvimento das apelações e da remessa oficial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencida em parte a Desa. Federal Silvia Goraieb, negar provimento ao recurso do autor e, por unanimidade, negar provimento

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à apelação da União e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 24 de abril de 2006.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: O parecer do MPF, à fl. 549, expõe com precisão a controvérsia, verbis:

“Trata-se de ação ordinária (fls. 2/32) visando ao reconhecimento do direito a inde-nização por dano moral sofrido por JOÃO ALBERTO EINECKE em razão de tortura sofrida no cárcere entre 1975 e 1978, durante o período autoritário no país. Juntadas contestação (fls. 257/262) e réplica (fls. 271/279) e procedida dilação probatória (fls. 47/51, 127/130, 131/222 e 431/441), o juízo a quo entendeu procedente em parte o pleito (fls. 453/479), condenando a União a ressarcir danos morais no montante de R$ 350.000,00, com juros e honorários advocatícios.

Apelaram o autor (fls. 4811496), pedindo a majoração da quantia e honorários advocatícios, e a União (fls. 498/521), sustentando preliminarmente a) carência de ação, pois ante a Lei n° 10.559/02 não há mais pretensão resistida, procedendo-se a avaliação administrativa individual; b) cerceamento de defesa por falta de análise de provas requeridas; c) litisconsórcio passivo necessário do Estado do Paraná; e d) no mérito, excessivo o valor. Houve contra-razões. (fls. 525/537 e 539/546)”

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Rejeito as preliminares.

Valho-me, no ponto, do parecer do MPF, a fls. 549/550, verbis:“Írrita a prefacial de carência de ação, pois a Lei n° 10.559/02 é a) posterior ao

ajuizamento da lide e b) somente aponta um dos caminhos por que torturados e per-seguidos ‘políticos’ podem buscar reparação, sem excluir o acesso ao Judiciário. A pretensão ajuizada ao tempo e agora permanece íntegra.

Tampouco vinga a tese de cerceamento de defesa por indeferimento de pedidos de novas perícia e oitiva pessoal do autor (expondo-o a rememorar uma vez mais o quadro dantesco exposto às fls. 47/51, 127/130, 131/222 e 431/441) de vez que não demonstrada sua necessidade, afrontando a desejada (e não implementada) celeridade processual, já prejudicada por anterior reconhecimento de prescrição (fls. 321/325) e curso até o STF (fls. 390, 401, 413/414 e 416) de incidentes promovidos pela União, embora o TRF4 e o STJ assegurassem o trâmite do feito.

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Revela-se por seu turno quiçá temerária a aventada tese de litisconsórcio passivo necessário do Estado do Paraná! À época cediço viver o país sob tacão militar, com centralização dos órgãos de polícia e de segurança, submetidos ao Comando Militar – Ministério do Exército, a afirmar de modo indelével a responsabilidade indenizatória da União, não sendo crível se acate invocação de entes menores, meros executores da malsinada doutrina da ‘segurança’ nacional que tinha como mote o ‘inimigo interno’ (!).

Responsabilidade civil por danos morais em razão de torturas inomináveis cabe de modo exclusivo à União, que se assim entender poderá valer-se de vias regressivas demonstrando culpa ou dolo de quem entenda algoz; protelatória e teratológica a tese esgrimida, pois a tortura realizada durante a ditadura militar atendeu a desígnios, ideo-logia e mandamentos do comando castrense, que empolgou o Poder por golpe armado e nele se manteve sob regime de restrições às liberdades civis e aos direitos humanos, individuais e sociais, cabendo assumir o Estado (rectius UNIÃO) sua responsabilidade pelo menos administrativa e financeira frente às conseqüências, ut Lei n° 10.559/02.”

Passo ao exame do mérito.Fundamenta a parte autora a sua pretensão nos arts. 37, § 6º, da CF/88

e 159 do Código Civil.Ora, como é sabido, a partir de 1946, adotou-se, no Brasil, no que

concerne às entidades de direito público, a responsabilidade objetiva, com fulcro na teoria do risco administrativo, sem, no entanto, adotar a posição extremada dos adeptos da do risco integral, em que a Fazenda Pública responderia sempre, mesmo presentes as excludentes da obrigação de indenizar. (CF de 1946, art. 194 e seu § único; CF de 1967, art. 105 e seu § único; CF de 1969, art. 107 e seu § único; e CF de 1988, art. 37, § 6º)

A Suprema Corte, em mais de uma oportunidade, fixou o exato alcance do comentado dispositivo constitucional. Assim o fez no RE 968.107-SP, julgado pela 2ª Turma, verbis:

“(...) II. A responsabilidade objetiva, insculpida no art. 194 e seu parágrafo único, da CF de 1946, cujo texto foi repetido pelas Cartas de 1967 e 1969, arts. 105-7, res-pectivamente, não importa no reconhecimento do risco integral, mas temperado. (...)” (In RTJ 55/50)

Em seu voto, o relator, o eminente Ministro Thompson Flores, ex--Presidente da Excelsa Corte, salientou, verbis:“... embora tenha a Constituição admitido a responsabilidade objetiva, aceitando mesmo a teoria do risco administrativo, fê-lo com temperamentos, para prevenir excessos e a própria injustiça.

Não obrigou, é certo, à vitima e aos seus beneficiários, em caso de morte, a prova

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de culpa ou dolo do funcionário para alcançar indenização. Não privou, todavia, o Estado do propósito de eximir-se da reparação, que o dano defluíra do comportamento doloso ou culposo da vítima.

Ao contrário senso, seria admitir a teoria do risco integral, forma radical que obriga-ria a Administração a indenizar sempre e que, pelo absurdo, levaria Jean Defroidmont (La Seience du Droit Positif, p. 339) a cognominar de brutal. (...)” (In RTJ 55/52-3)

Outro não foi o entendimento adotado por um dos mais conceituados administrativistas do país, o eminente e saudoso Ministro Themístocles Cavalcanti, ao votar no julgamento do RE nº 61.387-SP, verbis:

“(...) Partindo da teoria da igualdade dos encargos e das finalidades essenciais do Estado, o clássico Tirard chegava à responsabilidade do Estado pela falta verificada no serviço. (De la responsabilité du service publique, 1906)

Nesta particular, a variedade na aplicação dos casos é muito grande. Principalmente a jurisprudência francesa se detém no exame das hipóteses. É assim que são menciona-dos casos de responsabilidade, ou por não se ter evitado um perigo por meio de obras necessárias, como a construção de um parapeito na estrada; de não se ter impedido a circulação em um trecho perigoso; de não se ter retirado um obstáculo em um rio ca-nalizado etc. ou por omissão material, por falta de sinalização, de abandono de trecho da estrada, abertura de trincheira em uma estrada etc.

Essa teoria não é talvez suficiente para prever todas as hipóteses de responsabilidade do Estado, mas a sua aplicação deve ser casuística para não envolver a responsabilidade do Estado em todos os casos em que age dentro de sua finalidade própria.

Assim, nem sempre se verifica essa responsabilidade, de acordo com a boa doutrina, quando há escassez de abastecimento de água, interrupção de energia elétrica, o mau calçamento de uma estrada. Depende sempre das circunstâncias. (...)” (In RTJ 47/381. No mesmo sentido, RTJ 71/99, bem como julgado do extinto Tribunal Federal de Re-cursos no julgamento da Ap. Cív. nº 33.552, Rel. Min. CARLOS MÁRIO VELLOSO, in RDA 137/233)

Na doutrina nacional, a jurisprudência do Pretório Excelso é respal-dada, como se verifica, entre outros, dos seguintes autores: Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 14. ed., Rev. dos Tribs., 1989, p. 551; Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, Fo-rense, 1989, p. 143, n. 105.

Da mesma forma, a idêntica solução é adotada na França, como leciona o clássico Laubadère, verbis:

“La jurisprudence a consacré, au-delá de la responsabilitè pour faute, une responsa-bilitè de l’administration pour risque; elle admet que, dans certains cas, les collectivités publiques sont tenues de réparer les dommages entrainés par leur activité même non

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 123-542, 2006 145

fautive. La responsabilité pour risque est, rappelons-le, celle qui est engagée dès lors qu est établie une relation de cause a effet entre l’activité de l’auteur du dommage et ce dommage lui même.” (LAUBADÈRE, André de. Traité Élémentaire de Droit Administratif. Paris: Libr. Générale, 1953. p. 490, nº 892. Igualmente, RIVERO, Jean, Droit Administratif. Huitième édition, Paris: Dalloz, 1977. p. 274, nº 284)

Assim, como restou demonstrado, a teoria do risco administrativo, adotada pelas Constituições brasileiras, a partir de 1946, não implica o reconhecimento de que a Administração Pública tenha que indenizar sempre, mesmo quando presentes as excludentes dessa responsabilidade.

In casu, a r. sentença recorrida demonstrou configurados os pressu-postos do art. 37, § 6º, da CF/88.

Com efeito, a fls. 462/478, anotou, com inteiro acerto, o douto Ma-gistrado, cujos argumentos adoto como razões de decidir, verbis:

“2.2.3. Narra o Autor que a presente ação baseia-se nos fatos ocorridos entre 12 de setembro de 1975 a 12 de janeiro de 1978, período em que permaneceu preso, por motivos políticos, em decorrência da ditadura instalada no país.

Estas primeiras alegações do Autor são facilmente comprovadas pelos documentos trazidos aos autos.

Com efeito, vê-se naquele encartado à fl. 35, no qual consta em seu cabeçalho: ‘MINISTÉRIO DO EXÉRCITO – III EXÉRCITO – 5ª RM/DE – CODI – 2ª SEÇÃO – DOI’, e que se refere às primeiras declarações prestadas pelo Autor à equipe de interrogatório denominada ‘A’, expressamente indicada a data da prisão como sendo 12 de setembro de 1975. Já o de fl. 36, proveniente da ‘Justiça Militar’, informa que foi proferida decisão de extinção da punibilidade, por ter o Autor cumprido as condições que lhe foram impostas em livramento condicional, na data de 20 de fevereiro de 1979.

Mais adiante, o documento de fl. 131, o qual, repito, a União reputa como ‘o único documento válido para efeito de prova’ – fl. 260 –, qual seja, uma ‘Ficha de Preso Provisório’, consta expressamente que o Autor foi ‘RECOLHIDO mediante ofício n° 409/75 – da Delegacia de Ordem Política e Social, para permanecer à disposição daquele Órgão’. Verifica-se, ainda, que ficou em branco o espaço destinado à indicação da infração penal que teria sido cometida pelo preso. Ou seja, resta comprovado que o Autor foi preso pelos Militares do Exército Brasileiro exclusivamente em decorrência de sua opção político-ideológica.

Com efeito, na seqüência do reportado documento de fls. 131, consta expressamen-te indicado, à fl. 132, a razão da prisão do Autor: ‘MOTIVO DA ENTRADA: POR PERTENCER AO PCB’.

Vê-se, ainda, que, nada obstante o Autor tenha sido preso em 12 de setembro de 1975, segundo o documento de fls. 131 somente em data de 18 de dezembro de 1975 foi decretada a sua prisão preventiva pelo MM. JD da 5ª CJM, ou seja, mais de três

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meses depois de sua efetiva prisão.Tenho que estes fatos, por si só, permitem concluir pela responsabilidade da União

quanto à ilegalidade do procedimento e ao motivo que levaram o Autor à prisão. A con-duta dos agentes da União é diretamente afrontosa ao artigo 9° da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário: ‘ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado’.

Porém, há mais.2.2.4. Da leitura da petição inicial e demais documentos que a acompanharam, o

que mais choca e causa repulsa é a forma como o Autor foi tratado, desde o momento de sua prisão até ser solto, cerca de três anos depois.

Na época, o Autor trabalhava na Viação Garcia, como vendedor de passagens, conforme documentos de fls. 35 e 38/39. Teve a casa invadida por 11 homens que, sem dar qualquer explicação, reviraram seus pertences, o insultaram e o levaram preso, tudo na presença de seus filhos, um casal de 5 e 4 anos, que permaneceu sob os cuidados de vizinhos, pois sua esposa estava trabalhando.

Inicialmente, ao que consta dos autos, foi levado à Unidade do Exército Brasileiro sediada em Apucarana. Lá começaram as sessões de torturas, assim narradas pelo Autor em depoimento que consta de fls. 47/51, do qual transcrevo alguns trechos e grifo algumas passagens:

‘[...] Levado para baixo de uma escada, tiram as algemas, me amarram com as mãos para trás com cordas, tiram minhas calças e fazem piada da minha cueca ‘samba--canção’, obrigam a ficar de joelhos – Um dele grita: ‘Traz o ponche’, e trouxeram um tambor de gasolina com urina e fezes, e empurraram a minha cabeça para dentro do latão, grito e imploro para que não fizessem aquilo. Nada adiantou, bateram em minha boca e com um remo bateram com toda violência nas nádegas. Me arrastam para um pátio e dão-me um banho com uma mangueira de bombeiro, o jato forte me joga de um lado para outro. Levado com violência para um quarto, cobrem meu corpo com um cobertor molhado e começam a dar choque elétrico, os fios presos no meu pênis, o choque é terrível. Começo a perder as forças e a trama de fios continua sendo amarradas nas orelhas, nos pés e pernas, um deles grita: ‘– Você vai falar, seu puto’, senti um gosto amargo na boca, outro intervém: ‘Vamos dar um tempo para ele pensar.’

Sou levado para uma cela e vem ao meu encontro o homem da cigarrilha, ele olha para mim, dá uma tragada na cigarrilha e encosta a brasa viva em meu abdômen. Solto um grito e caio no chão, sou puxado pelos cabelos e jogado na cela num colchão podre e fedorento, ali fico inerte, meu corpo treme de dor e sinto tontura. Alguns tempos depois sinto um gosto ruim na boca, a cela está às escuras, meu peito está molhado e pegajoso, descubro que estou sangrando pelo nariz.

O sangue que escorre do nariz começa a me sufocar e causa náuseas. A cabeça roda como se eu estivesse de porre, a porta da cela se abre e entra um sujeito fardado e me chama, ‘Bilheteiro, bilheteiro’, e me sacode com força os ombros, não tenho forças nem vontade de reagir àquele chamado. Percebo que estou sendo carregado como se

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fosse uma criança (no colo), me colocaram deitado num sofá. Algum tempo depois sinto uma picada de injeção no braço, aí não vejo mais nada. Segundo os torturadores, eu dormi 16 (dezesseis) horas.

[...] Horas depois me vejo viajando no meio de dois dos torturadores, só que desta vez sentado e não mais deitado como antes. Chegamos ao destino, não faço a mínima idéia de onde estou. Novamente o ritual dos olhos vendados e as mãos algemadas. Levado a um grande salão sou recebido com ironias e insultos. Começa o desfile de outros presos diante de mim, reconheço o vereador de Londrina Genecy Guimarães; o jornalista Ildeu M. Vieira e mais o vendedor de livros da Abril Cultural Diogo A. Gimenez, todos eles arrebentados, alguns até sangrando. ‘–Agora, bilheteiro, dessa vez você não escapa, esses já falaram, agora vai ser a sua vez’. ‘– Pelo amor de Deus, vocês estão cometendo um grande engano, eu não sei de nada’. Vem um coronel de fala atrapalhada: ‘– Pendula, pendula o moço, não temos tempo a pelder.’

Antes sou colocado na roda-viva, como eles chamam, 12 (doze) homens à minha volta e eu no centro levando socos e pontapés, cotoveladas nos rins, soco no estômago. Me sinto como se fosse uma vaca com aftosa, caindo e levantando. Sendo arrastado para outra sala, sou colocado no pau-de-arara com o corpo coberto de tiras de pano molhado. É horrível, fico como se fosse um frango no espeto, começo a ter certeza de que não sairei vivo daquele inferno. Ainda no pau-de-arara, totalmente imobi-lizado, levo mais choques elétricos. O alvo era as partes mais sensíveis do corpo, como os dentes, ouvido, pênis e ânus. Agora eram os outros presos que assistiam ao espetáculo. Genecy chorava, Antonio de Lima implorava para pararem com aquilo. Um pastor que também está preso começa a orar em voz alta. É o inferno de Dante, descrito na Divina Comédia.

Retirado do pau-de-arara, tento ficar de pé, mas desmaio, esse desmaio me propor-ciona 15 (quinze) dias sem tortura, mas isso não impediu outro tipo de sofrimento, de ver meus amigos serem torturados. Nesses 15 (quinze) dias não sou torturado, porém transformado em joão-bobo e palhaço. Me lembro de parte de uma canção, ‘Me fizeram palhaço sem eu saber sorrir’.

Nesse curto período de ‘férias’ em que não sou penalizado, passo por uma via crucis, indo da clínica (local da tortura, que na realidade é o Quartel da Polícia do Exército) para o DOPS e daí para a Polícia Militar do Estado do Paraná. É lá que fico sabendo que estou em Curitiba através de outros presos também acusados de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro, que lotam duas celas do Quartel-General da Polícia Militar do Estado do Paraná. Os demais presos ficam impressionados com a minha aparência, é horrível, machucado, cheio de hematomas, descalço, sujo e fedendo. Um dos presos me empresta um paletó, uma calça preta e um par de chinelos maiores que o meu ma-nequim. Fico parecendo um agente funerário, só faltando o chapéu preto, porém limpo.

[...] Levam-me para uma cela onde permaneço por algumas horas algemado a um cano que está pregado na parede. Vêm me buscar, percebo que é noite, reconheço a sala de tortura. Novamente o ritual diabólico. Tiram-me a calça e envolvem braços e pernas

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com tiras de pano molhado, trazem o Genecy Guimarães, o Antonio Lima, o Pastor Veríssimo Teixeira da Costa e mais o operário eletricista da Prefeitura de Londrina para assistirem à cena macabra. Colocado no pau-de-arara, enfiam-me na cabeça um capuz molhado para me sufocar, sinto que me empurram alguma coisa no ânus. Sinto o choque diretamente no reto, parece que vou explodir por dentro, sinto algo escorrer de mim, é sangue. Ouço Antonio de Lima gritar: ‘– Vocês estão matando o João’. ‘– Cala boca, velho comunista safado’, diz um deles. Tiram-me do pau-de-arara e me amarram de pé junto a uma cama beliche, um dos carrascos com trejeitos afeminados puxa os pêlos do meu órgão genital. Sou torturado a noite toda, sempre ouvindo uma gravação de uma música sem graça: bilu, bilu tetéia.

Ao amanhecer avisto as torturas no Genecy e no Lima, o pastor num canto dobra-se sobre si mesmo e vomita. Eu passo mal, os desmaios passam a ser freqüentes em mim, quando volto à realidade começo a desejar a morte e pensar numa forma de suicídio. Dias depois tenho um dos testículos esmagado por um torniquete de madeira quando levava uma seção de pau-de-arara, sou torturado até no dia 2 de novembro.

Dia 3 de novembro chego à penitenciária de Ahu, sou o último a chegar. Sou recebido pelos meus companheiros de infortúnio como se fosse um herói, alguns deles já tinham recebido visita de seus familiares. Me presentearam com bolachas e frutas, permitiram que eu ficasse o tempo que eu quiser deitado sem participar do coletivo para facilitar a vida na prisão, que pelo jeito será longa. Na penitenciária, passo o dia dormindo e me recuperando, sinto dores na região dos testículos. Levado ao médico do presídio, ele me dá 10 beserol e manda que eu pule bastante, tento protestar: ‘– Mas doutor, não consigo nem caminhar, como vou pular?’ Então ele sugere nova receita: ‘Coloque uma compressa bem quente na região afetada’. Percebo que o médico está fazendo gozação e me retiro desejando um dia encontrar-me com ele de igual para igual.

Continuo hibernando, durmo dia e noite. Os demais presos políticos se esforçam para se adaptar à vida de reclusão.

15 de dezembro, finalmente recebo a visita da Tereza, minha mulher, chora muito e entre soluços conta o que aconteceu no dia do meu seqüestro. ‘– Cheguei em casa às 19:00 (dezenove) horas e encontrei a casa vazia, as portas escancaradas, uma bagun-ça terrível na cozinha, as latas de alimentos no chão e viradas e tudo misturado. Na sala a mixórdia era ainda maior, cadeiras viradas, televisão espatifada no chão, vasos quebrados, levaram o relógio de parede que você me deu no dia do meu aniversário. No quarto, colchões e travesseiro rasgados. Fiquei quase louca sem saber o que tinha acontecido.’ Tereza, agora mais calma, continua com seu desabafo: ‘– Nesse momento chega a vizinha com as crianças e me conta tudo e me aconselha a dar parte na polícia. Fico sem saber o que fazer, sozinha com as crianças dentro de casa com tudo destruído. Às 22:00 (vinte duas horas) chegam quatro sujeitos dizendo serem do Exército, mas em traje civil, fazem perguntas que nem sequer entendo, se portam como se fossem donos da casa. Ficam a noite toda dizendo estar esperando que viessem mais comu-nistas para me visitar e aí eles prenderem. Foi um inferno, quatro dias e quatro noites

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aqueles homens em casa, dormiam no quarto das crianças e exigiam que fizesse lanches para eles. Esse tormento só teve fim quando as suas irmãs chegaram de Lages. A Bila (Odila), sua irmã mais nova, deu uma de louca, começou a gritar e partiu com uma enxada para cima de um deles, daí para frente as ‘visitas’ rarearam e quando apareciam era para fazer perguntas que eu não sabia responder’.

O relato da Tereza continua: ‘– Já fazia 10 dias que tinham te levado, tuas irmãs imploravam para os intrusos perguntando pelo teu paradeiro. Simplesmente diziam: ‘Não sabemos’. Um dia de domingo, estávamos almoçando, a Bila tinha feito o almoço porque eu não conseguia fazer mais nada, de repente seis sujeitos entraram porta adentro. ‘– Dona Terezinha Einecke, a senhora está presa, o teu marido complicou as coisas’. A Bila pulou para cima dele: ‘– Vocês não vão levar ela, a coitada não sabe nada, me leve no lugar dela’. Um dos ‘visitantes’, virando-se para tua irmã, disse: ‘– A senhora cale a boca e fique boazinha, nós não estamos brincando, vamos levar ela, e fique sabendo que teu irmão está bancando o durão, só que não vai sair vivo desta. Isso é guerra e felizmente nós estamos ganhando’. A Bila começa a chorar e as crianças também, formam um tendéu danado. Embarquei numa caminhonete verde, sentada no meio de dois sujeitos, eles mostravam as algemas e, rindo, diziam: ‘– Dona Terezinha, sabe o que é isto?’ Não respondia. ‘– Isso é uma pulseira e vai ficar muito bem na senhora’. Fomos parar no batalhão da PM em Londrina. Comecei a passar mal e a chorar, pedia que queria ficar junto com os meus filhos. Eles responderam: ‘–Vai depender da se-nhora, se responder tudo direitinho volta para casa hoje mesmo, caso contrário, nunca mais vai ver eles. Filhos de pais comunistas nós damos para famílias da Alemanha e de Israel.’ Eles queriam saber de um rádio com o qual você se comunicava com a Rússia, eles sabiam que você era telegrafista. Respondi que nada sabia, e que há muito tempo você não exercia a profissão de telegrafista e que o único rádio que eu conhecia eles tinham quebrado quando você foi preso. Fiquei oito horas lá no batalhão, eles faziam perguntas que eu não sabia responder.’

[...] Estamos em fevereiro, é dia de visita, como Tereza havia prometido vêm junto com ela a Bila, Kardec e Veruska. A menina se abraça comigo, não me larga: ‘– Meu campeão, meu campeão querido’. Alisa meus cabelos, segura minhas mãos e não deixa ninguém se aproximar de mim, só ela quer falar. Me presenteia com um bonequinho que diz se chamar campeão. A Bila precisa ralhar com ela, assim mesmo ela não larga, senta sobre minhas pernas e aí fica. A Bila conta que esteve com meu advogado e ele se mostrou muito pessimista, dizendo que o processo é eminentemente político e que está muito difícil trabalhar com as leis de exceção, previu que minha prisão durará no mínimo três anos. O horário se esgotou, Tereza, Bila e Veruska se despedem chorando. A previsão do advogado se concretizou, solto em abril de 1977, retorno como preso político condenado em outubro do mesmo ano, ganho a liberdade definitiva em 1978 e anistiado em 1979. Dou por encerrado o presente depoimento.’

Observa-se, na parte final de seu depoimento, que também sua esposa foi levada para ser interrogada e também humilhada. Ela própria lhe contou tais fatos quando ele

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ainda estava preso, ou seja, lhe pesava, ainda, na prisão, o sofrimento psicológico de saber que sua família estava sendo vítima da violência imposta pelos Militares.

E quanto às torturas narradas? Afirma a União, em contestação, que ‘o Autor também não provou a ocorrência das torturas, bem como as alegadas conseqüências físicas. Limitou-se, tão-só, a juntar escritos apócrifos, ou sem autenticação, obviamente emitidos por pessoas vinculadas ideologicamente. Enfim, não fez prova dos fatos alegados’ – fl. 261.

Mas a pergunta que se faz, neste momento, é: como fazer prova de tais fatos, ocor-ridos nas dependências internas das Unidades do Exército e em outros locais que se prestaram a tal desiderato? Talvez chamando a depor os seus torturadores?

Bem, o que se conclui pela análise do caso ora em exame é que o conjunto probatório reunido nos autos, aliado à notoriedade dos acontecimentos históricos do período em questão, permite concluir que são verídicos os fatos descritos pelo Autor.

Com efeito, vê-se que a cronologia dos acontecimentos narrados, a riqueza de detalhes e a descrição dos métodos de tortura a que foi submetido não destoam dos demais documentos trazidos aos autos, bem como do depoimento de outros presos políticos, inclusive transformados em livros já publicados – fls. 81 e seguintes –, em que o nome do Autor é expressamente citado por diversas vezes. São vários os docu-mentos, normalmente oriundos ou relacionados com o Exército Brasileiro, que atestam a ocorrência da prisão – fls. 35/36 –, a cronologia dos interrogatórios a que foi submetido o Autor – fls. 61/79 –, bem como as circunstâncias em que ocorreu a sua prisão – fls. 131/132. Existe, ainda, uma espécie de ‘cartilha’, de cunho confidencial, destinada a dar orientação sobre a importância do interrogatório na obtenção de informações e a forma como deveriam ser conduzidos – fls. 133/188.

Ainda que não se possa tomar o depoimento pessoal daqueles que impunham o brutal método de tortura aos presos políticos, a exemplo do Autor, através de repor-tagens publicadas na revista VEJA, como aquelas encartadas a fls. 294/306, em que foram entrevistados militares da época da ditadura, confirma-se que os fatos narrados realmente ocorriam, bem como a sua autoria: ‘Um ex-tenente confessa ter torturado trinta pessoas e começa a romper a barreira de silêncio sobre o assunto’ – fl. 295.

De qualquer forma, tem-se que a comprovação dos fatos, na hipótese vertente, se-quer se mostraria imprescindível, porquanto precedentes do TRF 4ª Região acenaram no sentido da desnecessidade da produção de prova específica, ante a notoriedade da existência de tortura no tempo da ditadura militar:

‘ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ADVOGADO. REGIME MILITAR UNIÃO. PRESO POLÍTICO. PRES-CRIÇÃO. TORTURA FATO NOTÓRIO. NEXO CAUSAL. PRISÃO. PRIVAÇÃO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. SUCUMBÊNCIA. IMPROVIDO.

1. Prescrição inocorrente. A indenização pretendida tem amparo constitucional, no artigo 8°, § 3°, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Precedentes.

2. Provado que o autor foi preso arbitrariamente, sofrendo torturas e privado do

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exercício da profissão à época do regime militar, existe o nexo causal para que sejam devidas as indenizações morais e materiais, estas últimas de caráter alimentar.

3. Os danos morais decorrem das agressões e torturas sofridas na prisão e os ma-teriais, pela privação do exercício da profissão.

4. A tortura à época da ditadura militar é fato notório e de conhecimento da popu-lação e da imprensa, não necessitando de prova específica.

5. Pena cominatória afastada, em face do regime dos precatórios e da exigência legal de trânsito em julgado da decisão a ser executada.

6. Mantida a fixação de honorários.7. Apelação improvida e remessa oficial parcialmente provida.’ (TRF4, AC 336638/

PR, Rel. João Pedro Gebran Neto, DJU 02.05.2002, p. 693)Dispõe o art. 5° da Declaração Universal dos Direitos Humanos que ‘ninguém será

submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante’.Também a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao tratar dos

‘Direitos e Deveres Individuais e Coletivos’, em seu art. 5°, inciso III, declara que ‘Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano e degradante’ .

2.2.5. Diz a União, em contestação, que o Autor ‘[...] não provou que o estado de ansiedade, insegurança, insônia e pesadelo seja decorrente das alegadas torturas’ – fl. 261. Ao que parece, entende a União que o Autor não comprovou a existência do nexo causal ou mesmo dos danos morais.

Ocorre, entretanto, que tal comprovação nem mesmo se mostraria necessária. É que, analisando hipóteses bem menos graves que a versada nestes autos – como no caso de inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito –, a jurisprudência posicionou-se, de forma uníssona, no sentido de que, demonstrado o ato lesivo, mostra-se desneces-sária a comprovação do dano, o qual é presumido (STJ, REsp 475130/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 04.08.2003, p. 316; STH, REsp 432177/SC, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 28.10.2003, p. 289; TRF4, AC 323782/PR, Rel. Maria de Fátima Freitas Labarrère, DJU 04.10.2000, p. 186). Confira-se também:

‘DIREITO CIVIL. DANO MORAL. ABERTURA DE CONTA-CORRENTE MEDIANTE DOCUMENTOS FRAUDULENTOS. REGISTRO INDEVIDO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES.

A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao dano material.

O valor arbitrado a título de danos morais não se revela exagerado ou desproporcio-nal, não se justificando a excepcional intervenção desta Corte. Recurso não conhecido.’ (STJ, REsp 568940/PE, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 06.09.2004, p. 265)

Nada obstante isso, no presente caso, ad cautelam, determinou-se a realização de perícia médica, que foi feita pelo Dr. Alcindo Cerci Neto, cujo laudo encontra-se encartado em fls. 432/441.

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As respostas aos quesitos elaborados pelas partes e as conclusões a que chegou o Sr. Perito permitem concluir pela gravidade dos danos e seqüelas de natureza psicológica verificadas no Autor, cuja origem é compatível com os fatos tratados nos presentes autos (nexo causal). Transcrevo algumas das respostas, discussão e conclusão do Sr. Perito, dentre as quais grifei para destaque:

‘DISCUSSÃOTrata-se de autor com quadro depressivo recorrente com características psicóticas

paranóicas e desajuste comportamental com dificuldade de socialização, sentimento de vergonha em público por sentir-se objeto de referência, persistência de episódios de insônia intercalados com hipersonia, sensação de estado compatível com luto patológico.

A avaliação de trauma psicológico requer detalhamento da história colhida junto ao periciando e a coleta de dados em documentos que possam comprovar as situações vivenciadas pelo mesmo e alegadas como sendo aquelas que engendraram o estado do trauma.

A avaliação clínica do autor confirma as queixas alegadas dos transtornos psico-lógicos presentes e a documentação apresentada pelo mesmo no corpo dos autos dão sustentação a fatos que contribuíram de forma inequívoca como causa dos sintomas molestos agora apresentados pelo periciando.’

‘CONCLUSÃOO autor demonstrou pelo seu exame físico-mental que sofre de transtornos psi-

quiátricos compatíveis com doença caracterizada por depressão grave com sintomas psicóticos (CIO f 32.3) e esses notoriamente incapacitam o mesmo ao exercício laboral pleno do autor e, ainda, que tal condição reflete de modo prejudicial ao seu convívio social com a família e demais membros da sociedade.

RESPOSTA AOS QUESITOSA) QUESITO DO AUTOR1. Se o Sr’. Perito pode esclarecer se o Requerente sofreu tortura física, quais os

tipos de tortura e quais as seqüelas deixadas?Resposta: Sim. De acordo com o alegado pelo requerente e descrito ao perito e em

acordo com os dados encontrados em documento anexado aos autos, como a sentença proferida pela Justiça Federal em que esta aceita a documentação explanatória dos fatos ocorridos e expostos na inicial (fls. 321 a 325), o periciando refere ter sofrido torturas físicas com espancamento quando deitado ou quando colocado dependurado em aparelho conhecido como pau-de-arara e choques elétricos. A investigação das seqüelas físicas avaliadas neste ato pericial, 30 anos após o ocorrido, percebem várias cicatrizes abdominais não compatíveis com procedimentos cirúrgicos habituais, lesões de perda de dentes com características de trauma, artralgia em joelhos.

2. Se o Sr. Perito pode esclarecer se entre as seqüelas apresentadas pelo Requeren-te existem seqüelas psicológicas? Em caso de resposta afirmativa, quais as seqüelas psicológicas?

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Resposta: Sim. De maior vulto de importância no bem-estar do periciando, de acordo com o conceito vigente e aceito da Organização Mundial da Saúde para o termo ‘saúde’, as seqüelas psicológicas apresentadas são compatíveis com a história pregressa relatada pelo autor e se enquadram como depressão grave com sintomas psicóticos (CIO f 32.3).

3. Se o Sr. Perito pode informar se as seqüelas, tanto físicas como psicológicas, incapacitam o Requerente para o trabalho?

Resposta: Sim.4. Em caso afirmativo, qual o grau de incapacidade?Resposta: A avaliação da incapacidade do autor em acordo com o Baremo Internacio-

nal de Inbalidices avalia seu déficit fisiológico como superior a 60% da sua capacidade.5. Se o Sr. Perito pode informar se as seqüelas psicológicas e mesmo as físicas

impedem que o requerente tenha uma vida normal?Resposta: Sim. Uma vida normal implica um pretendido conjunto harmonioso de

fatores físicos e psicológicos que resultam naquela normalidade desejada. O autor com certeza carece de elementos desse conjunto, hoje abriga lesões físicas com sintomas molestos e alterações psíquicas deletérias já descritas no corpo deste laudo.

[...] 8. No ano de 1975, o Requerente exercia a função de vendedor de passagens para Viação Garcia. Atualmente, poderia o Requerente estar desempenhando a mesma função, lidando com dinheiro e pessoas? Em caso de resposta negativa, pode o Sr. Perito esclarecer qual o motivo? Ainda, se o motivo está relacionado diretamente com as torturas sofridas?

Resposta: Não. O quadro de depressão com sintomas psicóticos exclui do periciando a capacidade a lhe ser legada da função de gerência de bens de terceiros. O motivo está relacionado ao seu quadro de saúde mental e à associação deste com as torturas sofridas estão explicitadas no corpo deste laudo.

B) QUESITOS DO REQUERIDO – UNIÃO FEDERAL1. Possuindo apenas especialização psiquiátrica, pode o Dr. Perito assegurar que o

autor sofreu as torturas físicas mencionadas na inicial (pau-de-arara, choque elétrico, introdução de um cano em seu ânus, etc.)?

Resposta: Após 30 anos das experiências e traumas físicos referidos pelo autor, este perito, especialista em Medicina Legal, afirma que as lesões hoje apresentadas podem ser descritas, mas a afirmação de que as mesmas foram causadas pelas torturas físicas seria matéria de investigação policial ou aceitação pelo juízo do relatado pelo requerente. Limita-se ao perito afirmar que as lesões são compatíveis com os traumas descritos pelo autor. [...]

5. O autor, em razão de seu estado emocional, está impossibilitado de exercer atividade profissional?

Resposta: Sim.’O dano moral resta evidente em face das lesões sofridas, devidamente demonstradas

em perícia em face dos atos praticados por agentes da União.2.2.6 Estabelecidas tais premissas, quais sejam, a existência de ato comissivo ilegal

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atribuído à União, o resultado lesivo, o nexo de causalidade, bem como a inexistência de causa excludente da responsabilidade, passo à análise de uma questão ainda bastante tormentosa no direito brasileiro, que é a determinação do montante da indenização.

Há, deve-se reconhecer, certa dificuldade na mensuração do valor devido a título de indenização por danos morais, principalmente por ser um sentimento de foro íntimo, pessoal.

O art. 4º da Lei nº 10.559/02 estabelece que a reparação econômica em prestação única consistirá no pagamento de trinta salários mínimos por ano de punição aos anis-tiados que não comprovarem vínculo com atividade laboral. Tal critério pode servir de parâmetro para a reparação de prejuízos materiais das pessoas que foram impedidas de exercer atividade profissional na época, mas não pode ser aceito para fins de fixar a indenização por danos morais na hipótese de ter havido efetiva tortura, pois a dor e o sofrimento não podem ser medidos por valores tão baixos, inexpressivos em face da dor decorrente de tamanha brutalidade e da crueldade com que os atos de submissão foram exercidos.

Tomados os critérios legais do art. 4° da Lei n° 10.559/02, a indenização econômica estaria, hoje, em torno de R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), valor que, por sinal, a jurisprudência tem concedido a título de indenização para uma pessoa ilegalmente presa e torturada para investigação de crime em uma delegacia de polícia (STJ, 1ª T., REsp 434970/MG, rel. Min. Luiz Fux, julg. em 26.11.2002, v.u., DJ 16.12.2002, p. 257, RSTJ 171/120). Ora, tal hipótese não pode ser comparada ao caso em que a pessoa é torturada, tem um dos testículos esmagado por um torniquete de madeira (membro posteriormente extraído), tem um cano introduzido no ânus para fins de choque elétrico nos órgãos internos, tem a cabeça mergulhada em excrementos, apanha até desmaiar, além de outras atrocidades, ficando nas mãos dos algozes, sem ter para onde fugir, escapando da morte por muito pouco.

Revela-se, portanto, completamente injusto fixar uma indenização por danos morais de apenas R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais) na hipótese concreta, pois a dignidade da pessoa humana submetida a atos de tortura não poderia valer menos que um automóvel médio de luxo produzido no País.

LUIZ ANTÔNIO RIZZATTO NUNES – inspirado na doutrina e na jurisprudência, mas levando principalmente em consideração os princípios constitucionais que garantem a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, além de outros – entende ser possível, para tanto, fixar alguns parâmetros, a serem levados em consideração:‘a) a natureza específica da ofensa sofrida; b) a intensidade real, concreta, efetiva do so-frimento do ofendido; c) a repercussão da ofensa no meio social em que vive o ofendido e também sua posição social; d) a existência de dolo por parte do ofensor, na prática do ato danoso, e o grau de sua culpa; e) a situação econômica do ofensor; f) a posição social do ofendido; g) a capacidade e a possibilidade real e efetiva de o ofensor voltar a praticar e/ou vir a ser responsabilizado pelo mesmo fato danoso; h) a prática anterior do ofensor relativa ao mesmo fato danoso, ou seja, se ele já cometeu a mesma falha;

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i) as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor visando diminuir a dor do ofendido.’ (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 62)

As ofensas sofridas decorreram de atos subseqüentes de grande perversidade, com intenso sofrimento, de intenção premeditada para o cometimento de tortura, sem qualquer sensibilidade para diminuir a dor do ofendido. Chega a ser inacreditável que o ser humano possa praticar tais atos com um semelhante.

Julgado do Superior Tribunal de Justiça revela que a quantia a ser fixada a título de indenização por danos morais deve guardar pertinência com a situação concreta:

‘PROCESSO CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUE COM SUFICIENTE PROVISÃO DE FUNDOS. ERRO ADMINISTRATIVO. CONSTRANGIMENTO PREVISÍVEL. INDENIZAÇÃO. VALOR EXCESSIVO. REDUÇÃO.

1. Conforme entendimento firmado nesta Corte, ‘não há falar em prova de dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam’ (Precedentes: REsp 261.028/RJ, Rel. Min. Menezes Direito; REsp. 294.S61/RJ, Rel. Aldir Passarinho Júnior; REsp. 661.960/PB, Rel. Min. Nancy Andrighi). O v. acórdão recorrido não se afastou da jurisprudência desta Corte, ao decidir que decorre da indevida devolução de cheque a presunção de existência de dano moral indenizável.

2. Constatado evidente exagero ou manifesta irrisão na fixação, pelas instâncias ordinárias, do montante indenizatório do dano moral, em flagrante violação aos prin-cípios da razoabilidade e da proporcionalidade, é possível a revisão, nesta Corte, da aludida quantificação. Precedentes.

3. Inobstante a efetiva ocorrência do dano e o dever de indenizar, há de se conside-rar, na fixação do quantum indenizatório, as peculiaridades do caso em questão – vale dizer: o valor do cheque devolvido (R$ 300,00 – trezentos reais), o grau de culpa da recorrente, a pequena repercussão do fato danoso, a inexistência de informações sobre o desfazimento concreto de negócio e o fato de que a devolução do cheque não acarretou a inclusão do nome da autora em nenhum cadastro restritivo de crédito, não gerando, destarte, nenhuma restrição creditícia; além do fato, como salientou a sentença monocrática, ‘de o autor ter deixado transcorrer mais de um ano entre a devolução do cheque e o ajuizamento da presente ação’.

4. Consideradas, portanto, as particularidades do caso em questão e os princípios de moderação e da razoabilidade, o valor fixado pelo Tribunal a quo, a título de danos morais, mostra-se excessivo, não se limitando à compensação dos prejuízos advindos do evento danoso, pelo que se impõe a respectiva redução a R$ 500,00 (quinhentos reais).

5. Recurso conhecido em parte e parcialmente provido. (STJ, 4ª T., REsp 713228/PB, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julg. em 26.04.05, v.u., DJ 23.05.05, p. 305)

Ora, o presente caso, como já disse, foge das situações corriqueiramente tratadas em ações que visam à obtenção de indenização por danos morais. Foge, até mesmo, das ações semelhantes, relacionadas com as indenizações pleiteadas por presos políticos da época da ditadura, porquanto, pelo que se tem visto na jurisprudência a respeito, nos

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casos analisados o indenizado não chegou a ser torturado, como ocorrido na hipótese em análise.

Tome-se, como exemplo, o caso do escritor e jornalista Carlos Heitor Cony, cuja indenização causou repercussão na mídia brasileira. Consta ter sido ele preso, perseguido e afastado do extinto jornal ‘Correio da Manhã’. A Primeira Câmara da Comissão de Anistia decidiu que Cony teria direito a uma pensão especial de R$ 23.187,90 por mês (cálculo de quanto ganharia hoje o diretor de Redação de um jornal do porte do ‘Correio da Manhã’), limitada ao teto de R$ 19.115,19 do funcionalismo público federal, e a uma indenização de R$ 1,4 milhão, correspondente ao período de outubro de 1998 a junho de 2004, data do julgamento.

Pelo mesmo motivo o ex-piloto da Varig e ex-presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, José Lovato, ganhou o direito de receber o benefício de R$ 19.000,00 mensais e uma indenização de R$ 2,54 milhões. (informações colhidas no sítio do Consultor Jurídico, artigo escrito por Vicente Dianezi, Revista Consultor Jurídico de 18.01.2005)

Em se tratando de preso político desaparecido, há precedente no Superior Tribunal de Justiça, que fixou uma indenização de 300 salários mínimos a título de danos morais para a família:

‘RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DESAPARECIMENTO DE PRESO POLÍTICO. LEI 9.140/95. VALOR DA INDENIZAÇÃO.

1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir.

2. Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/STJ, pela valoração jurídica da prova.

3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com os con-tornos fáticos e circunstanciais.

4. O valor da indenização, a título de danos materiais, deve se obedecer às diretrizes traçadas pela Lei 9.140/95.

5. Recurso especial provido.’ (STJ, 2ª T., REsp 658547/CE, Rel. Min. Eliana Cal-mon, julg. em 14.12.2004, v.u., DJ 18.04.2005, p. 266)

Nota-se que, no caso da ementa transcrita, não restou provada a tortura. No caso destes autos, todavia, a tortura e as conseqüências dela restam demonstradas, tanto que, até hoje, o Autor tem a sensação de ainda estar sendo perseguido.

Sendo assim, indaga-se: qual seria o valor justo, no presente caso, para a ‘reparação’ dos danos decorrentes de violência física, psíquica e moral sofridos pelo Autor, os quais afetam, ainda hoje, a vida dele?

Este Juízo tem conhecimento de alguns precedentes jurisprudenciais que, em casos de presos políticos, têm entendido que valores, como os acima fixados, são excessivos. Mas, é certo, tais julgados também enfatizam que, para a fixação do quantum da indenização, deve o julgador analisar todas as circunstâncias do caso

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concreto que lhe é apresentado.Então, a questão é: qual quantia é suficiente para reparar a dor de quem é insultado,

esbofeteado, preso e arrastado de sua própria casa, na frente de seus dois filhos de 4 e 5 anos, que assistem a tudo, implorando para que parassem com aquilo? É levado sem qualquer explicação, surrado, tem a cabeça mergulhada em um tambor com gasolina, urina e fezes, impedido de tomar banho, envolvido em panos molhados para tomar choques, pendurado no chamado ‘pau-de-arara’, com um cano introduzido no ânus, onde são ligados fios – além de outros lugares, como no pênis –, tudo sendo assistido por outros presos torturados? Ter um dos testículos esmagado por um torniquete de madeira, numa das sessões de ‘pau-de-arara’, que depois teve de ser retirado? Ser submetido a torturas de nomes criativos e sugestivos – ‘pau-de-arara’, ‘telefone’, ‘afogamento no caldo da verdade’, ‘mamadeira de subversivo’, ‘balé no pedregulho’, ‘afogamento com capuz’, descrições constam de fls. 96, que deixo de transcrever para aguçar a imaginação do leitor), que se repetiram por vários dias, ministradas por várias horas?

Que valor é ‘razoável’ para amenizar a dor de quem, estando nessas condições, preso injusta e ilegalmente, recebe a visita da esposa que lhe relata que teve a casa invadida por homens que lá permaneceram por quatro dias; que ela própria foi algemada, presa, ameaçada porque ele não ‘estaria cooperando’ e, ao que consta, teria até mesmo sofrido maus-tratos (tortura ou abuso sexual – fl. 77)? Grávida, veio a perder o filho.

Depois de três/quatro anos de prisão, sair sem qualquer resquício de auto-estima, com o casamento desfeito, sem sua filha de quem fala com tanto carinho e que acabou praticando suicídio? Ser uma pessoa sem qualquer perspectiva de qualidade de vida?

Quanto ‘vale’ tudo isso?O Autor pede a condenação em R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), valor que

não encontra respaldo em qualquer precedente. Nos casos antes mencionados, foram pagos, administrativamente, valores entre R$ 1,4 e R$ 2,5 milhões, mais uma pensão mensal em torno de R$ 19.000,00. Todavia, repito, não há notícia de que tenha havido tortura, quanto mais na magnitude narrada nestes autos.

Diante disso, como este magistrado federal não poderia fugir demais das indeni-zações comumente deferidas pelos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, entendo que seria, no mínimo, conveniente uma indenização fixada em R$ 350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais), valor de um bem imóvel de bom porte, mormente em se consi-derando que não há pedido de pagamento de pensão mensal.

Para terminar, deixo registrada a seguinte indagação: alguém, em sã consciência, concordaria, espontaneamente, em se submeter a todas as agruras impostas ao Autor (prisão ilegal, sucessivos atos de tortura psicológica e física, desmantelamento da fa-mília, perda de dois filhos – um por aborto e outro por suicídio –, castração, choques, colocação de cano no ânus para receber choques nos órgãos internos, etc.) para receber a quantia fixada no parágrafo anterior, considerando que conta ele, hoje, com mais de 60 anos de idade e que, provavelmente, terá de esperar um bom tempo para ter tal valor incluído em precatório para recebê-lo no ano seguinte, e isso somente depois de esta sentença ser submetida ao crivo das instâncias superiores (o que provavelmente

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acontecerá)? Creio que não.Cada um desses acontecimentos já seria suficiente para a concessão de uma in-

denização por danos morais. Como os fatos não podem ser vistos separadamente, o conjunto merece uma valoração muito maior, de maneira que somo os ressarcimentos devidos para cada evento que tenha acarretado dano moral.

Espero, sinceramente, diante de todo o sofrimento do Autor, que ele viva para aproveitar, de alguma forma, essa indenização, que entendo ser, no mínimo, a viável para o caso.

Evidentemente, tal montante não será suficiente para devolver a qualidade de vida ao Autor, mas, acredito, é uma maneira de reconhecer e de proporcionar um certo conforto e relativa compensação após todos os acontecimentos pelos quais passou.

Como magistrado e cristão, não posso deixar de reconhecer, na hipótese, que a dignidade da pessoa humana foi completamente desconsiderada pelo próprio Estado, de tal maneira que deve sofrer uma pesada condenação.”

No que concerne ao dano moral, o Juízo a quo fixou-o com moderação, atento às peculiaridades do caso concreto.

Em precioso estudo, intitulado Il Danno Morale (Contributo alla teoria del danno extracontrattuale), publicado na Rivista di Diritto Civile, anno III, 1957, parte prima, CEDAM, p. 332/3, assinalou Renato Scognami-glio, acerca dos critérios de indenização do dano extrapatrimonial, verbis:

“L’altra soluzione – che è stata anche di recente esplicitamente difesa [Knöpfel, op. cit. p. 152 ss. (anche per gli argomenti successivi in favore della teoria)] – appare senza dubbio meglio rispondente alla idea del risarcimento. Si assume in proposito che tra le circostanze del caso, cui la valutazione equitativa fa capo, sicuramente rientra qui la colpa del reo: in particolare la violazione della personalità umana (e quella connessa del sentimento di giustizia) – che nell’ipotesi si consuma – risulterebbe tanto piú grave, quanto maggiore sarà l’entità della colpa. Né varrebbe l’agevole obiezione che il moderno diritto civile non tiene alcun conto, ai fini della responsabilità, del grado della colpa, poiché questo principio potrebbe applicarsi in pieno soltanto al risarci-mento vero e proprio. Ma deve replicarsi: quest’ultima considerazione non appare solidamente fondata se si riflette che il nostro legislatore fa menzione anche qui del risarcimento e dunque sono da applicare all’intera materia gli stessi principî generali. In ogni caso poi il criterio suggerito non sembra rispondente alla natura del nostro istituto: se difatti si tratta di risarcimento e non di pena - come senz’altro si ammette - non si spiega perché debba tenersi conto, ai fini del risarcimento, essenzialmente della gravità della colpa. Vi potrà essere senza dubbio una coincidenza in tal senso perché, a colpa piú grave potrà corrispondere un torto piú grave e maggior dolore, ma non piú di questo. L’unico criterio, in definitiva, che possa con sufficiente sicurezza adottarsi è quello – soltanto fondato sulla ratio del nostro istituto - che fa capo alla intensità del dolore sofferto. Posto che tale è il danno che viene preso in considerazione – e si

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tratta di attribuire alla vittima adeguate soddisfazioni compensative (non di punire il reo) – agevolmente si spiega che debba aversi riguardo essenzialmente alla entità delle sofferenze psichiche, quale può desumersi, tra l’altro, dalle circostanze principali del caso. La obiezione che cosí si rischia di cadere in un pericoloso sentimentalismo, per la eceessiva considerazione della sensibilità di ciascun soggetto, non va sopravaluta-ta [Contro questo pericolo ammonisce di recente Cass., 30 giugno 1954, n. 2261, in REsp. civ., 1954, p. 450.]. Il pericolo non sussiste perché, per la ben nota impossibilità di misurare il dolore, si rimane sempre nel campo della valutazione equitativa, che è l’oggetto dell’attuale indagine. Il riferimento al dolore subito opera cosí come criterio di base dell’apprezzamento del giudice, il quale, nel pronunziarsi in definitiva secondo il suo prudente arbitrio, non mancherà di tener presente – per meglio contemperare fra l’altro le opposte esigenze – sopratutto quella che può essere, nella fattispecie, la sensibilità al dolore dell’uomo medio. Soluzione che consente tra l’altro – a quanto ci sembra – di realizzare risultati abbastanza costanti, evitando il pericolo di eccessive fluttuazioni della giurisprudenza. Ed appare poi di agevole applicazione pratica: poi-ché già l’accertamento, che in ogni caso deve farsi, della ricorrenza del danno morale fornirà un criterio abbastanza approssimativo di orientamento circa l’entità del dolore.”

No que concerne aos honorários advocatícios, fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais), vislumbro atendidas as circunstâncias do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.

Por esses motivos, conheço das apelações e da remessa oficial, negando-lhes provimento.

É o meu voto.

VOTO DIVERGENTE

A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb: Em que pese o brilhan-tismo e a solução magistral que se conjugam nos fundamentos do voto condutor, volto-me às noções primeiras do Direito Natural para divergir no que diz respeito ao valor da indenização estabelecida e critério de fixação dos honorários advocatícios.

Inicialmente é de se ressaltar que a irresignação do autor assume caráter distinto daqueles que costumeiramente são analisados, porque a sua insatis-fação quanto ao valor, além de significar mera discordância com o quantum fixado para a hipótese em comparação com um ou outro precedente, tem origem na definição do parâmetro utilizado pelo Juízo sentenciante.

O magistrado fixou a indenização para os danos morais em R$ 350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais), que seria o “valor de um bem imóvel de bom porte, mormente em se considerando que não há

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pedido de pagamento de pensão mensal”.Verifica-se, assim, que a valoração das graves circunstâncias fáticas

descritas na presente ação não foi o fator determinante na análise do jus-to valor compensatório devido sobre todos os eventos que originaram a demanda e que foram exaustivamente comprovados pela prova pericial.

O direito à vida e à dignidade humana são inerentes a cada ser que se integra a esta dimensão terrena, independentemente de qualquer outro fator que possa existir.

Do que foi exposto no julgamento, é possível verificar as atroci-dades, os horrores, o sofrimento, a degradação, enfim, tudo a que foi submetido o autor por conta do regime militar que dominou nosso País, sem falar dos integrantes de sua família que sofreram também as conseqüências já expostas.

Não vou repetir o que já consta do voto condutor, apenas destacar o que me parece inafastável para bem delimitar a extensão dos danos que o mesmo sofreu para fazer uma avaliação em valores para fins de indenização.

Do que foi narrado é possível verificar que esteve preso entre 1975 e 1978 por motivos políticos, teve a casa invadida, foi levado na presença de seus filhos de 4 e 5 anos, enquanto sua mulher estava fora trabalhando, os quais ficaram aos cuidados de vizinhos; foi submetido a incontáveis e chocantes sessões de torturas, que foram por ele narradas.

Foi ele espancado, mergulhado em tambor de gasolina com urina e fezes, envolvido em cobertor molhado e submetido a choques elétricos, aos quais também foi submetido com os fios presos ao pênis, orelhas, ouvidos, dentes, pés, pernas, ânus e reto, mediante introdução de um cano em seu intestino; queimado no abdômen com brasa viva; arrastado pelos cabelos, espancado, colocado no pau-de-arara; teve um dos testículos esmagado por torniquete de madeira, enfim, o que de pior poderiam fazer para torturar um ser humano foi feito.

Sua mulher foi presa, humilhada, sofreu maus-tratos (tortura e abuso sexual), grávida, veio a perder o filho, ameaçada, inclusive no sentido de que suas crianças seriam dadas para famílias da Alemanha e de Israel.

Como bem exposto no voto condutor, o conjunto probatório, aliado à notoriedade dos acontecimentos históricos do período em questão, confirmados por militares da época da ditadura, fazem certo que o autor enfrentou o inferno e não perdeu a vida por um milagre, em face dos

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horrores a que foi submetido.Pergunto, com as seqüelas que lhe afligem, desajuste depressivo, difi-

culdade de socialização, sentimento de vergonha em público, persistência de episódios de insônia intercalada com hipersonia, sensação de estado compatível com luto patológico, quadro este decorrente de grande período de sessões de tortura marcada por perversidade e desumanidade, tal como consta da conclusão pericial, será que podemos considerar o autor um sobrevivente ou alguém que apenas está vivo por descuido do destino?

Sim, a par de todas as atrocidades a que foi submetido, perdeu seu lar (desmantelamento da família), sua auto-estima, sua saúde física e mental, um filho não nasceu vivo em decorrência da violência sofrida por sua mulher, sua filha suicidou-se, foi castrado, enfim, nada resta ao autor a não ser o fato de que se encontra com mais de 60 anos de idade e totalmente desajustado, envergonhado e sem qualquer resquício de dignidade para permitir-se o direito de viver.

Inicialmente invoquei o Direito Natural como o referencial para divergir, pois nele vamos encontrar a maior fonte do Direito no que diz respeito aos valores sagrados para o ser humano.

Os direitos humanos, os direitos e garantias fundamentais, a ordem constitucional e os demais aspectos que envolvem o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à saúde e outros valores da existência possuem sua razão de ser nos princípios fundamentais que o Direito Natural nos ensinou.

A partir do momento em que se faz presente situação como a que foi retratada no voto condutor e aqui referida em parte, dúvidas não restam de que estamos frente à negativa de todos os valores sagrados para a Ordem Jurídica, como parte de nossa consciência individual de cidadãos.

A violência, a negativa desses valores, a constatação das conseqüên-cias que restaram para o autor fazem certo que não há como restituir o que perdeu em termos de vida, de afetos, de valores, de saúde física e mental.

A perda que lhe foi tão bem atribuída pelo Perito é incalculável, insubstituível e irresgatável, não podendo ser comparada a um valor simbólico que não possa representar o seu verdadeiro significado, ou seja, caráter penalizador e que se reflita na sociedade como uma forma de alerta para que os fatos não mais se repitam.

É da essência do dano moral ser compensado financeiramente a partir

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de uma estimativa que guarde alguma relação, ainda que imprecisa, com o sofrimento causado, exatamente por inexistir fórmula matemática que seja capaz de traduzir as repercussões íntimas do evento em um equi-valente financeiro.

Um relevante estudo das razões de decidir adotadas no arbitramento do dano moral mostra que são vários os fatores considerados – culpa ou dolo, posição social do ofendido, risco criado, gravidade da ofensa, situação econômica do ofensor, mas parece ser levada em conta, principalmente como ponto de partida, a gravidade da ofensa ou potencialidade lesiva do fato, pois impossível uma quantificação psicológica do abalo sofrido.

Pergunto: – Será que o caso em exame pode ser comparado às demais indenizações comumente deferidas pelos órgãos de cúpula do Poder Ju-diciário? Será que o valor de R$ 350.000,00 – que, segundo o magistrado singular, equivale ao valor de um bem imóvel de bom porte – é suficiente para simbolizar o que sofreu e perdeu o autor?

Com o respeito devido não só ao digno Magistrado, mas também ao nobre e culto Relator, respondo que não, assim como afirmo que dinhei-ro algum poderia chegar a tanto. Mas, permito-me sugerir, a título de indenização – importância simbólica, é verdade –, aquela equivalente a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), que, segundo parâmetros de razoabilidade, pode minorar os efeitos dos danos morais sofridos pelo autor, jamais ressarcir o que perdeu em termos de valores de sua vida.

Isso porque é da essência do dano moral ser compensado financei-ramente a partir de uma estimativa que guarde alguma relação necessa-riamente imprecisa com o sofrimento causado, justamente por inexistir fórmula matemática que seja capaz de traduzir as repercussões íntimas do evento em um equivalente financeiro.

É tão complexa e dotada de intrincações legais a fixação do dano moral, tão difícil de estabelecer a linha divisória entre o que é matéria de fato e o conteúdo de direito, que o Superior Tribunal de Justiça, no tocante ao valor compensatório por danos morais, tem admitido a via excepcional do recurso especial para discussão dessa matéria quando o julgamento representar manifesta injustiça – REsp 445858/SP; REsp 744974/RJ e REsp 734303/RJ, entre outros –, como no presente caso, em que o pior que um ser humano pode suportar não foi considerado para avaliar o dano moral.

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Sim, a partir do que dispõem o artigo 37, § 6º, da Constituição, arts. 186, 927, 944, 954 e 954, § único, do Código Civil, é possível estabelecer que, se “a indenização mede-se pela extensão do dano” (art. 944), no momento em que esta é fixada sem atender a esta determinação legal, há afronta gritante a este dispositivo e aos demais ligados ao dano moral.

Com efeito, se estabelecida ela com base num bem material, corpóreo, ou seja, valor de um apartamento, sem qualquer dimensionamento na esfera dos valores humanos e morais que foram atingidos, sem atender ao princípio da eqüidade previsto no § único do art. 953 – aplicável por força do que dispõe o art. 954, § único, que cuida da indenização por ofensa à liberdade pessoal por prisão ilegal – é incontestável a ausência dos parâmetros legais e a presença de critério meramente material, o que contraria a lei civil.

A situação posta nos autos foge dos limites da normalidade, excede o tolerável em nível de valores sagrados para a Ordem Jurídica e envolve a consciência de todos nós – brasileiros que somos – no sentido de que não basta julgar o erro, a injustiça e a crueldade, porque indispensável a reparação, ainda que parcial, dos bens da vida atingidos, o que não pode ser equiparado, de forma alguma, ao valor de um mero apartamento.

É melancólico – e sinto-me agredida, confesso – constatar a impotência do Poder Judiciário ao ser chamado para reparar danos que desintegraram uma vida e que ficarão gravados a sangue na alma de um ser humano.

Mas, se esta é a nossa missão, que pelo menos esta alma tenha o conforto proporcionado pela sensibilidade dos integrantes desta Casa, ao dar uma mensuração desvinculada de bens materiais ao que sofreu, atendendo-se a um parâmetro que possa propiciar-lhe a certeza de que, pelo menos, não corre o risco de vir a sofrer privações no tempo de vida que lhe resta, tendo presente que o caráter pedagógico e penalizador da condenação orientou a indenização deferida.

Assim, em que pese ter ficado vencida e não caber na espécie embargos infringentes, consigno este voto divergente na esperança de que o autor possa alcançar, via recurso especial, o que esperava do Poder Judiciário.

Por isso, divirjo apenas em parte, para fixar o valor da indenização em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, na esteira dos precedentes da Turma, atendidos os requisitos do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, acompanhando o voto condutor quanto aos demais itens examinados.

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Em face do exposto, dou parcial provimento ao recurso do autor e nego provimento à apelação da União e à remessa oficial.

É como voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.72.00.006556-6/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann

Apelante: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA

Advogado: Dr. Luís Gustavo WasilewskiApelada: Aurora Akiko KawaharaAdvogado: Dr. José Braz Gomes

Remetente: Juízo Federal da 4ª Vara Federal de Florianópolis

EMENTA

Indenização por danos materiais e morais. Prescrição. Acidente com morte do marido e filho da autora causado pela queda de uma árvore em parque ecológico sobre a responsabilidade do IBAMA. Fixação do valor da indenização por danos morais.

Reputa-se interrompido o lapso prescricional com o ajuizamento da medida cautelar de antecipação de provas. Precedentes.

A área até então restrita à utilização do IBAMA foi aberta à visitação pública, sem que as medidas necessárias para tanto fossem totalmente implantadas, caracterizando sua omissão/negligência apta a embasar a condenação à indenização.

Manutenção do valor fixado a título de indenização por se adequar à jurisprudência dos Tribunais Superiores, bem como às decisões deste Colegiado.

ACÓRDÃO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 123-542, 2006 165

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de outubro de 2006.Des. Federal Edgard Lippmann, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Trata-se de ação ordi-nária de indenização pleiteando a compensação por danos patrimoniais e morais advindo do acidente que causou a morte do esposo e do filho da autora, atingidos pela queda de uma árvore em parque ecológico, cuja responsabilidade de zelo e reparo é imputado ao réu/apelante.

Alega a parte autora a inércia do órgão competente quanto aos cuida-dos que deveriam ter sido tomados para prevenção do dano, quais sejam, verificar se as árvores do parque onde ocorreu o acidente não expunham os visitantes a risco, como foi o caso da que caiu, que estava afetada por cupins, comprometendo a sua estrutura.

Instruído o feito, sobreveio sentença pela parcial procedência do pedido, condenando o IBAMA ao pagamento de indenização por dano material pela morte do esposo da autora, correspondente à metade de seus rendimentos da data de sua morte até o trânsito em julgado da sen-tença e prestações mensais equivalentes à metade do salário do de cujus a partir do trânsito em julgado até a data em que completaria 65 anos. Condenou, ainda, a indenização por danos morais em R$ 100.000,00 pela morte do esposo e mais R$ 100.000,00 pela morte do filho. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação.

Irresignado, apela o IBAMA, alegando, preliminarmente, a prescrição do direito pleiteado, no mérito, que inexiste a responsabilidade estatal, pois a causa para o evento foi um fenômeno da natureza, de ocorrência rara e forte o suficiente para causar a queda de árvores (ventos de mais de 100 km/h).

Com contra-razões dos apelados e também por força de reexame necessário, subiram os autos a este Regional, vindo-me à conclusão.

É o relatório.

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VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Trata-se de ação ordi-nária de indenização em que se busca a condenação do IBAMA pelos danos sofridos com acidente que vitimou o marido e o filho da autora, ocorrido em parque ecológico de responsabilidade da ré.

Quanto à preliminar de prescrição, argüida pela ré em seu apelo, não lhe assiste razão, pois o prazo prescricional foi interrompido pelo ajuizamento da cautelar, que teve o objetivo de antecipar provas para o deslinde dessa ação de indenização, motivo este declinado na própria prefacial daquela, como se pode ver dos autos anexos, verbis:“...vem requerer AÇÃO CAUTELAR DE ANTECIPAÇÃO DE PROVA, consistente em ‘PERÍCIA’, com fundamento nos arts. 846 a 851 do Código de Processo Civil, contra o IBAMA INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (UNIÃO), com endereço na Av. Mauro Ramos, nº 187, nesta Capital, como medida preparatória da ação de indenização a ser aforada em etapa ulterior, pelos motivos a seguir aduzidos...”

Este é o entendimento trazido na jurisprudência pátria, verbis:“AGRAVO. TRANSPORTE MARÍTIMO. PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MO-

NETÁRIA.1. Segundo a jurisprudência, admitem-se, em caráter excepcional, os embargos

declaratórios com efeitos modificativos, em caso de equívoco manifesto.2. O pressuposto da prescrição é a inércia do interessado. Reputa-se interrompido

o lapso prescricional com o ajuizamento da medida cautelar de antecipação de provas.

3. A correção monetária independe de pedido expresso. Incidência da Súmula nº 43-STJ nas hipóteses de ilícito contratual.

4. Em sede de recurso não se reexamina matéria de fato (Súmula nº 7-STJ).Agravo improvido.” (AgRg no Ag 193.239/RJ, Rel. Min. BARROS MONTEIRO,

4ª T., julg. em 15.05.2003, DJ 12.08.2003, p. 227) (grifei)

Superada a preliminar, alega a apelante que inocorrente a responsa-bilidade do IBAMA pelo evento, pois o que realmente causou a queda da árvore foram os ventos, que no dia foram de 111,2 Km/h conforme atesta a Estação Meteorológica do INMET em Florianópolis e que este vento não é normal, podendo ocasionar grandes danos, como destelhar casas, derrubar postes e arrancar árvores pela raiz, segundo técnicos do referido instituto.

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Porém, não lhe assiste razão, pois, como bem apanhado pela julga-dora monocrática, o que ocorreu foi que a árvore que causou o acidente que resultou nas mortes de que se trata estava com a parte interna de seu tronco infestada por cupins, reduzindo a sua resistência ao vento e causando sua queda, e que esse problema deveria ter sido detectado pelo IBAMA antes de permitir o acesso ao parque, ou, pelo menos, em casos de ventanias como a que ocorreu, ter um sistema de alarme para deslocar os visitantes para um local seguro.

A fundamentação da sentença atacada, no que trata do assunto, tem o seguinte teor:

“No laudo pericial promovido por meio da Ação Cautelar de Produção de Provas, distribuída sob o nº 95.00.06923-7 nesta circunscrição judiciária e juntada aos presentes autos (fls. 47/63), tem-se da conclusão do perito (fls. 55/56) que:‘(...) o IBAMA deveria, antes de abrir o Parque à visitação pública, ter observado os itens levantados e contidos no ANEXO VIII - Parque Ecológico do Córrego Grande - Florianópolis/SC - proposta de convênio IBAMA - PMF - COMCAP, ter realizado todas as tarefas e os trabalhos propostos pelos seus técnicos, no que se refere à trans-formação do POFOM (Posto de Fomento) em PARQUE. Estas atividades consistiam na substituição das árvores mais altas por outras nativas e ainda a substituição dos talhões de pinus (monocultura) por espécies nativas com mistura de espécies para a ampliação da diversidade biológica, para o abrigo de fauna e para a promoção da educação ambiental, conforme preconizado naquele documento. Além disso, o cuidado natural que deve ocorrer em áreas públicas abertas à visitação restou prejudicado, pois os trabalhos preliminares acabaram não sendo realizados’.

Antes, porém, em resposta ao quesito de nº 7 elaborado pela parte autora, o perito informou que:‘(...) os técnicos do IBAMA procederam estudos anteriores à transformação do Posto de Fomento em Parque, visando à substituição de parte dos talhões de pinus elliottii por outras plantas de espécies nativas. Esta remoção de árvore foi suspensa devido à manifestação de técnicos do próprio IBAMA e dos moradores da redondeza’.

Como se vê, havia já uma proposta de retirada de diversas árvores do local transfor-mado em Parque, justamente como afã de evitar a exposição da população visitante ao risco de um acidente como o que ocorreu. Não obstante o projeto de desbaste, pouco ou quase nada foi feito e, nem mesmo árvores anteriormente consideradas perigosas para lugares públicos, como o pinus elliottii, foram removidas do local. Neste sentido, continua o perito (fl. 50):‘...o que hoje é chamado Parque foi um plantio experimental de introdução de espécies, em uma área limitada que se situava nos arredores da cidade e que com seu cresci-mento acabou envolvida pelo processo de urbanização. Esta área originalmente não

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foi concebida como Parque de visitação pública e, portanto, não foi conduzida dentro de um plano de ordenamento florestal para a formação de um parque, assim como o manejo florestal a que foi conduzido o bosque, no meu entender, não foi direcionado com tal objetivo. A proposta para a criação do Parque Ecológico do Córrego Grande quis alterar seus objetivos e no convênio celebrado com a Prefeitura de Florianópolis e com a COMCAP as correções necessárias foram previstas, ainda que não implantadas totalmente, uma vez que foram plantadas cerca de 30.000 árvores nativas em áreas do Parque.’

Vê-se, assim, que a área até então restrita à utilização do IBAMA foi aberta à vi-sitação pública após assinatura do convênio, em janeiro de 1994, sem que as medidas necessárias para tanto fossem totalmente implantadas. (...)”

Portando, caracterizada a culpa do IBAMA por não tomar as pre-cauções devidas antes da abertura do Parque, deve ser mantida a sua condenação à indenização por danos materiais e morais.

Quanto aos danos materiais fixados e a pensão mensal, devem ser mantidos por estarem em conformidade com os danos sofridos.

Também cabível a indenização pelos danos morais, dos quais se dispensa a apresentação de provas por evidentes em face da situação fartamente descrita nos presentes autos.

Finalmente, analiso o valor da indenização por danos morais fixado pelo juízo monocrático em valor equivalente a cem mil reais por cada uma das vítimas, que é uma atribuição tortuosa, pois não lhe definindo a lei os parâmetros, restou ao juiz a tarefa de decidir caso a caso, de acordo com seu “prudente arbítrio”. Como arbítrio não é sinônimo de arbitrariedade, tem-se procurado encontrar no próprio sistema jurídico alguns critérios que tornem essa tarefa menos subjetiva. Invocam-se, antes de tudo, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a afastar indenizações desmedidas, despropositadas, desproporcionais à ofensa e ao dano a ser reparado. Essa linha de entendimento vem sendo adotada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“VI. A indenização por dano moral deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio. Há de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso.

VII. A fixação do valor indenizatório por dano moral pode ser feita desde logo,

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nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento na prestação jurisdicional.” (STJ, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 21.06.99, p. 00167)

O recurso aos princípios, porém, por sua generalidade, não resolve só por si o problema e não impede que haja grandes desníveis entre os valores habitualmente fixados, como se depreende do exame de prece-dentes do próprio Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Numa rápida pesquisa, coletei os seguintes exemplos:

“500 SM, caso de morte de parente, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, DJ 15.12.97, p. 6281.

600 SM, caso de morte de filho menor que já contribuía para o sustento da família, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 23.08.99, p. 00133.

20 vezes o valor do título protestado (R$ 666,02 X 20 = 13.320,04); 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 28.06.99, p. 00122.

100 Salários mínimos: acidente, vítima viva, decisão mantida como razoável, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 03.05.99, p. 00150.

100 SM, caso de indevida devolução de cheque com fundos, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 16.11.98, p. 00091.”

Esses princípios, aliás, têm sido invocados com muito mais freqüên-cia no intento de reduzir indenizações desmesuradas do que para elevar aquelas excessivamente modestas. A jurisprudência, na verdade, ainda enfrenta a indenização por danos morais com uma certa prevenção, de forma restritiva. Comentando essa tendência, com apoio em parecer de Galeno de Lacerda, Clayton Reis, em sua conhecida obra Avaliação do Dano Moral (p. 96), defende o emprego do salário mínimo como referencial na fixação do quantum indenizatório, mas sem a excessiva parcimônia adotada pela jurisprudência. A seu ver, seria razoável adotar as balizas postas pela lei penal para a fixação da pena de multa:

“A adoção do salário mínimo como ponto referencial na fixação do quantum inde-nizatório foi igualmente sancionada pela reforma do Código Penal (Lei nº 7.209/84) que, em seu art. 49, apontou norma para a fixação da multa, considerada em dias-multa, ao valor máximo permitido de 5.400 salários mínimos.

A partir desse indicativo, já não há, em nosso sistema civil, situações que possam justificar a parcimônia dos nossos tribunais na fixação de valores mais expressivos, não tanto quanto aqueles previstos na jurisprudência americana, sedimentada na idéia do sancionamento ao lesado (punitive damages).”

Esse autor, tomando como parâmetro os valores das multas penais,

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chega a elaborar duas tabelas de valores para a indenização de danos morais, uma para aqueles decorrentes de ação física (lesões físicas) e outra para danos oriundos de atos/fatos. Como ilustração, transcrevo esta última:

“2 - DANOS MORAIS DECORRENTES DE ATOS/FATOS2.1 - Lesão psíquica levea) Mínimo - 5 SMb) Máximo - 50 SM2.2 - Lesão psíquica gravea) Mínimo - 50 SMb) Máximo - 500 SM2.3 - Lesão psíquica gravíssimaa) Mínimo - 500 SMb) Máximo - 3.600 SM”

Tal critério, embora não deva ser empregado mecânica e isoladamente, é um bom auxiliar na graduação dos valores indenizatórios, tendo a van-tagem de manter uma pertinência com a valoração penal das infrações. Esta tem grande relevância, porque nela já se encontra uma avaliação, pelo legislador, das ofensas aos bens jurídicos penalmente protegidos. Numa simulação assemelhada, com pertinência ao caso dos autos, pode--se transformar em dias-multa o valor das penas impostas para o delito de seqüestro e cárcere privado (art. 148 do Código Penal). A pena comi-nada, quando resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral (hipótese assemelhada à dos autos), é de reclusão de dois a oito anos. Computando-se cada dia de reclusão como um dia-multa e considerando-se que o valor do dia-multa pode oscilar de 1/30 do salário mínimo a 5 salários mínimos (art. 49, parágrafo primeiro do Cód. Penal), temos que a pena cominada para o seqüestro e o cárcere privado corresponderá a, no mínimo, 24,33 SM e, no máximo, a 3.650 SM.

Evidente que a transposição não pode ser feita de forma grosseira, até porque a lei penal tem critérios próprios, em que a individualização da pena se faz em face das condições do apenado, e não da vítima. Mas ainda aqui, têm-se elementos que servem de rico subsídio para a decisão.

A despeito disso, não é razoável se fixar a indenização no patamar pretendido pelo autor na inicial, que estaria fora de todos os padrões admitidos na jurisprudência, superando o valor máximo da tabela supra-

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transcrita e, também, o encontrado no cálculo com base nas penalidades impostas ao delito de cárcere privado. Por igual, não seria de reduzi-la à ínfima quantia pretendida pela ré, totalmente distante da realidade. A par daqueles parâmetros objetivos, já declinados, no arbitramento da indenização, considero os seguintes dados:

a. a dor sofrida pela autora com a perda de toda a sua família próxima;b. a idade das vítimas, uma na plenitude de sua vida (35 anos de idade),

e outra em seu início (apenas 3 anos).Pelo que, mantenho o valor fixado na sentença a título de indenização

por danos morais.Os próprios fundamentos desta decisão, bem como a análise da legis-

lação pertinente à espécie, já são suficientes para o prequestionamento da matéria junto às Instâncias Superiores, evitando-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão-somente para este fim, o que nitidamente evidenciaria a finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa, nos moldes do contido no parágrafo único do art. 538 do CPC.

Por todo o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial, mantendo indene a bem prolatada sentença monocrática.

É como voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.72.05.006066-7/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Apelante: Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPIAdvogada: Dra. Márcia Vasconcellos Boaventura

Apelante: DWA Ind. Eletrônica Ltda.Advogados: Drs. Luiz Carlos Pabst e outro

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Apelada: Máquinas Medianeira Ltda.Advogados: Drs. Flavio de Castro Winkler e outroRemetente: Juízo Substituto da 1ª VF de Blumenau

EMENTA

Administrativo. Propriedade industrial. Nulidade de registro de pa-tente. INPI. Requisito da novidade.

I. A novidade é requisito essencial para que o autor da invenção obte-nha o privilégio de propriedade e uso exclusivo. A falta desse requisito acarreta a nulidade do benefício concedido pelo INPI.

Nesse sentido, também o magistério de João da Gama Cerqueira, em seu clássico Tratado da Propriedade Industrial, RT, 1982, v. 1, p. 305/6, nº 114, verbis:

“Para que as invenções possam ser objeto de proteção jurídica é ne-cessário que satisfaçam a certas condições estabelecidas pela lei. Como tivemos ocasião de expor (n. 66, supra), o direito do inventor origina-se de sua criação, a qual, por sua vez, justifica o reconhecimento desse direito e a sua proteção pelo Estado. Por outro lado, a lei assegura ao inventor um privilégio, cujo objeto é a própria invenção. Importando esse privilégio restrição à atividade do comércio e da indústria, em benefício do inventor, com detrimento, ainda, dos interesses da coletividade, é evidente que esse direito não pode ter por objeto coisas pertencentes ao domínio público ou comum, sob pena de se criarem monopólios injustos, incompatíveis com a liberdade de trabalho; nem coisas que não constituam invenção, o que seria contrário à motivação do direito do inventor e à sua origem e fundamento.

Do mesmo modo, tendo a lei de patentes como fim não só reconhecer o direito do inventor, mas, também, promover o progresso das indústrias e desenvolver o espírito de invenção, esses objetivos seriam frustrados se os privilégios fossem concedidos para coisas que não ofereçam vantagens ou utilidade para a indústria. Por esses motivos, as leis de todos os países exigem, como condição para a concessão da patente, que a invenção seja nova e que se revista de caráter industrial.”

In casu, deveria o INPI, com fulcro no art. 46 da Lei nº 9.279/96 e na Súmula nº 473 do Eg. STF, ter reconhecido, administrativamente, a nulidade da concessão da patente e revogado o ato administrativo de

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sua concessão.Nesse sentido, o magistério de Francisco Campos, verbis:“Ora, quando um ato administrativo se funda em motivos ou em

pressupostos de fato, sem a consideração dos quais, da sua existência, da sua procedência, da sua veracidade ou autenticidade, não seria o mesmo praticado, parece-me de boa razão que, uma vez verificada a inexistência dos fatos ou a improcedência dos motivos, deva deixar de subsistir o ato que neles se fundava.

O ato não seria praticado, não fosse a convicção de que uma determi-nada situação de fato impunha ou legitimava a sua prática. Posteriormente se vem a verificar que a situação de fato, que funcionara como motivo determinante do ato, não era a de cuja existência se convencera a admi-nistração. O motivo não tinha fundamento na realidade. Era um motivo invocado de boa-fé, mas um motivo que se referia a fatos imaginários ou inexistentes. Desaparecido, por verificada a sua improcedência, o motivo determinante do ato, motivo sem a convicção do qual a Administração não teria agido como o fez, claro é que a conseqüência lógica, razoável e legítima deva ser, com a queda do motivo, a do ato que nele se originou ou que o teve como causa declarada e suficiente.” (Pareceres do Consultor Geral da República, Rio de Janeiro, 1951, v. 1, p. 622)

Nesse sentido, também, a lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet, verbis:

“L’obligation de respecter les lois comporte pour l’administration une double exigence, l’une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l’autre, positive, consiste à les appliquer, c’est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu’implique nécessairement leur exécution.” (Les Grands Textes Administratifs, Paris, Sirey, 1970, p. 376)

Ora, a Administração Pública pode revogar o ato administrativo quando praticado em violação ao texto constitucional.

É o princípio insculpido na Súmula 473 do STF.Quod nullum est nullum producit effectum.Realmente, a jurisprudência da Suprema Corte é no sentido de que

não há se falar em direito subjetivo à manutenção dos efeitos de ato administrativo, se praticado em desconformidade com a lei, sendo, para tal, irrelevante ainda o tempo decorrido. (RE nº 136.236-SP, rel. Min.

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Ilmar Galvão, in RTJ 146/658)Ora, no caso em exame, a inconformidade do ato impugnado pela

apelante visa prevenir a violação do próprio texto constitucional (art. 37, caput – princípio da legalidade), incidindo, assim, a lição do consa-grado constitucionalista norte-americano Westel W. Willoughby, quando afirma, verbis:

“An unconstitutional act is not a law, it confers no rights, it imposes no duties, it affords no protection, it creates no office; it is, in legal con-templation, as inoperative as though it had never been passed.” (The Constitutional Law of The United States, New York, Baker, Voorhis & Company, 1910, v. 1, p. 10, § 5)

Pertinente, ainda, o ensinamento de Paul Roubier, verbis:“La non-observation des conditions de validité possées par la loi à

la confection de cet acte aurapour sanction une action de nullité ou en rescision, c’est-à-dire une action qui n’entrait aucunement dansles vues de l’auter (ou des auteurs) de l’acte juridique.

Ici encore cette action n’est pas fondée sur la violation d’un droit an-térieur, elle est fondée sur une infraction à un devoir, le devoir d’observer les conditions légales de validité de l’acte posées par la loi.” (Droits Subjectifs et Situations Juridiques, Paris, Dalloz,1963, p. 74/5)

II. Improvimento das apelações e da remessa oficial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 19 de junho de 2006.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: É este o teor da r. sentença recorrida, a fls. 831/6, verbis:

“‘Máquinas Medianeira Ltda.’, qualificada nos autos, ajuizou esta ‘Ação de Nulidade de Patente’, com pedido de tutela antecipada, contra DWA Indústria Eletrônica Ltda.,

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e, na qualidade de litisconsorte passivo, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, postulando a nulidade da patente que refere.

Aduziu, em resumo, que possui como elementos distintivos de sua atividade e objetivo social a industrialização, comercialização de máquinas, aparelhos, equipamentos, com-ponentes, automação industrial e eletrônica para a técnica, importação e exportação de máquinas. A requerida, de seu turno, em 02.05.00, conseguiu, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, publicação na Revista de Propriedade Industrial – RPI nº 1.530, a concessão da Patente de Invenção nº 9400902-3, sob o título ‘Mecanismo para Controle Automático de Peso para Empacotadeiras Volumétricas’, conforme Carta de Patente inclusa. Sustentando a nulidade da concessão, à luz das razões e legislação de regência que menciona, asseverou que o ato administrativo de concessão padece de vício de irregularidade quanto à forma e que a invenção patenteada carece do requisito fundamental da novidade, pois a demandada nada inventou, ao contrário, copiou mecanismo já inventado em 1952, posteriormente aperfeiçoado. Fez incursões sobre os caracteres do invento, para, cotejando-o com as técnicas já existentes, dizer que não há(avia) qualquer elemento novo a ser patenteado. Postulou a concessão da antecipação da tutela, afinal, a procedência da ação. Acostou documentos.

A antecipação da tutela foi indeferida. (fls. 387-88)Da decisão indeferitória houve a interposição de AI. (fls. 401-13)Citado, na qualidade de litisconsorte passivo necessário, o Instituto Nacional da

Propriedade Industrial – INPI, a tempo e modo, contestou (fls. 433-7). Em preliminar, propugnou fosse excluído do feito na condição de demandado e lhe fosse deferida a participação na lide na qualidade de assistente litisconsorcial da ré. No mérito, trans-crevendo, em parte, laudo técnico emitido pela Diretoria de Patentes, disse que patente em questão não merece ser anulada, uma vez que atende aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, nos moldes dos artigos 80 e 11 da LPI. Pleiteou a improcedência da ação. Aportou documentos.

Reiterada a antecipação da tutela (fls. 456-9), novamente indeferida. (fl. 484)Notícia do improvimento do AI interposto. (fls. 495-6)Contestando (fls. 520-41), a DWA Indústria Eletrônica Ltda. alegou, em suma,

que seu objetivo social é a elaboração de projetos, comercialização, industrialização, importação e exportação e representação de produtos eletrônicos e, nessa qualidade, requereu e obteve junto ao INPI a propriedade e exclusividade da patente de ‘Mecanismo para Controle Automático de Peso para Empacotadeiras Volumétricas’ para cereais e outros, Patente de Invenção nº 94009023, conforme publicado na revista da Proprie-dade Industrial, de 02 de maio de 2000, sendo o prazo de validade de 20 anos a partir de 25 de março de 1994, por isso, defende-se lastreada em título ‘hábil, irrefutável e legitimamente adquirido’. Mencionou a existência de ação em trâmite, entre as mesmas partes e questão, junto à 5ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre. Salientou que um dos pontos em que se baseia a ação é uma suposta e equivocada condição de falta de novidade do referido ‘Mecanismo’, porém, os documentos acostados pelo demandante

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tratam de matéria diversa da reivindicada como novidade na Patente de Invenção PI 9400902-3. Adentrou ao exame técnico do invento para, contrastando com equipamentos referidos como anteriores, sustentar a existência de novidade e, portanto, os requisitos essenciais à obtenção da patente, como ocorreu. Registrou que recentemente satisfez exigências expressas pelo INPI, viabilizando a manutenção da aludida Patente e que a requerida não explica claramente no que consiste o alegado ‘favorecimento’ que aduz ter a ré obtido. Discorreu não ser hipótese de antecipação de tutela. Propugnou a improcedência da ação. Anexou documentos.

In albis transcorreu o prazo próprio à réplica. (certidão - fl. 578)Deferida a realização da prova pericial. (fl. 594)A argüição de incompetência oposta pelo INPI, em apenso, foi rechaçada. (fls.

632-47)Laudo Pericial aportado aos autos. (fls. 668-80)As partes sobre ele se manifestaram, ocasião em que a autora reiterou o pedido de

antecipação dos efeitos da tutela.À fl. 732 a antecipação da tutela restou novamente indeferida, assim como a pro-

dução de prova oral e a realização de nova perícia, requeridas pela ré.Da decisão ambas as partes interpuseram AI. (fls. 734-52)Notícia do improvimento do AI interposto pela autora. (fls. 756-768)Já o AI interposto pela ré foi convertido em retido e está apenso a estes autos.

(fls.776-82)Alegações derradeiras das partes.Os autos foram anotados para sentença.É o relatório. DECIDO.FUNDAMENTAÇÃOA produção da prova oral A autora, em suas alegações finais (fls. 796-806), postula a produção de prova oral.

Contudo, sem maiores digressões, omitindo-se ela em formular o pleito em momento oportuno, quando somente requereu a produção da prova técnica (fls. 581-3), este foi fulminado pela preclusão, na espécie, consumativa e temporal. Indefiro o postulado.

A assistênciaO INPI, em sua resposta, requer a sua exclusão do feito na condição de réu, a fim de

que passe a figurar na lide na qualidade de assistente litisconsorcial da ré. Ocorre que, ‘Tratando-se de ação na qual se postula a declaração de nulidade de ato administrativo editado pelo INPI, a hipótese é de litisconsórcio passivo necessário entre a Autarquia e a empresa beneficiada pelo ato.’ (TRF - 2ª Região, REO - 267247), sendo que ‘a posição do INPI, no caso, não é de mero assistente de qualquer das partes’ (TRF2, AG Processo: 8902030474/ RJ, 1ª T.). Rechaça-se, assim, a prefacial.

O méritoTocante à matéria de fundo, trata-se de ação de nulidade da concessão da Patente

de Invenção nº 9400902-3.

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A Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, que ‘Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial’, acerca da questão, preceitua:

‘Art. 8° É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial’.

Mais adiante, esclarece o que se deve entender por novidade, atividade inventiva e aplicação industrial:

‘Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não compreendidos no estado da técnica.

§ 1° O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nos arts. 12, 16 e 17.

Art. 13. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica.

Art. 15. A invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria.’

Na espécie, a alegação de nulidade da autora lastreia-se no suposto não atendimento pela invenção que ensejou a concessão da patente, devidamente registrada no INPI, do requisito novidade, posto que, segundo alega, a invenção já se encontrava, quando da concessão da patente, no estado da técnica.

Percorrendo a prova técnica colhida (fls. 668-680), que assume significativo relevo em face da natureza da questão debatida, extrai-se, dentre outros excertos, esses, porque mais esclarecedores a respeito do que interessa à solução da lide:

‘6) Poderia o perito informar se é correta a informação do laudo do INPI emitido, que afirma ser o sistema apresentado pela ré, DWA, inovador?

Posteriormente ao processo de nulidade da carta patente, em grau de recurso à pre-sidência do INPI, ver página 475 do processo, o quadro reivindicatório foi reformulado e a cópia do parecer técnico do INPI, que reformula o quadro reivindicatório, está contido nas folhas 461 e 462 do processo. Com base no parecer técnico supracitado e no quadro reivindicatório remanescente é possível afirmar que o sistema apresentado pela ré, DWA, não é inovador.’(fl. 677)

‘8 - É inegável que a patente em lide apresenta atividade inventiva em relação às referidas?

Não; (...)’ (fl. 679).‘9c - Queira o Sr. Perito trazer para a devida instrução do processo, com seu laudo

definitivo, todos os subsídios para o cabal esclarecimento da matéria, de ordem objetiva e de efeito.

Respeitando os termos da legislação e em especial o que consta no art. 41 da Lei 9.279/96, em que o teor das reivindicações é o que determina a proteção conferida pela Carta Patente, somos do parecer que a patente em lide, PI 9400902-3 ‘Mecanismo para Controle Automático de Peso para Empacotadeiras Volumétricas’, seja anulada em sua totalidade.’ (fl. 680)

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Observa-se, sem maior dúvida, que o louvado não logrou encontrar na invenção patenteada e cuja nulificação se almeja, qualquer dos requisitos necessários à concessão da malsinada patente, seja quanto à novidade, seja quanto à atividade inventiva, ou, mesmo, embora não haja pertinência à hipótese sob exame, de aplicação industrial. Logo, se a patente foi conferida em desatendimento às condições exigidas pela Lei nº 9.279/96, ela está inquinada do vício da nulidade, posto que ‘É nula a patente concedida contrariando as disposições desta Lei’. (Art. 46)

Nesse sentido:‘PROPRIEDADE INDUSTRIAL - NULIDADE DE REGISTRO DE PATENTE -

INPI - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - INVENÇÃO - REQUISITO DA NOVIDADE.

I - Tratando-se de ação na qual se postula a declaração de nulidade de ato admi-nistrativo editado pelo INPI, a hipótese é de litisconsórcio passivo necessário entre a Autarquia e a empresa beneficiada pelo ato.

II - A novidade é requisito essencial para que o autor de invenção obtenha privilégio de propriedade e uso exclusivo. A falta deste requisito gera a nulidade do benefício concedido pelo INPI.

III - Remessa necessária improvida.’ (TRF2, REO 267247, DJU 22.01.2002, Rel. JUIZ CASTRO AGUIAR)

Certo é que o Magistrado, como aventado pela ré, não está adstrito ao laudo pe-ricial, podendo formar sua convicção pela livre apreciação da prova (art. 436, CPC). Não menos idônea, porém, é a assertiva de que somente pode recusá-lo especificando, fundamentalmente, sem desgarrar-se dos demais elementos de prova trazidos ao pro-cesso, os motivos pelos quais o faz.

Na espécie, não vejo qualquer elemento probatório a motivar o afastamento das conclusões alcançadas pelo expert nomeado. A alegação de ‘não ser conclusivo e ser tendencioso’ (fl. 710) e de ser ‘totalmente equivocado’ (fl. 817), formulada pela autora, resultou sem qualquer sustentáculo nos elementos probatórios carreados ao processo. Portanto, não merece amparo e deve subsistir as conclusões do louvado indicado por este Juízo. Note-se que o próprio assistente técnico indicado pela demandada é Engenheiro Eletricista, não Engenheiro Mecânico, este, sem dúvida, profissional mais aquilatado para o exame da situação técnica sobre a qual recaiu a prova pericial.

DISPOSITIVODIANTE DO EXPOSTO, afasto a prefacial suscitada e, com fulcro no inciso I do

art. 269 do CPC, julgo procedente o pedido inicial para declarar a nulidade da Patente de Invenção nº 9400902-3.

Custas e honorários de advogado, estes arbitrados em 10% sobre o valor atribuído à causa (fls. 29-389), atualizado desde o ajuizamento da ação, segundo o INPC, pelos demandados, em proporção.”

Interpostas as apelações pelo INPI e DWA Ind. Eletrônica Ltda., pos-

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tulando a reforma da sentença e a improcedência da ação, reproduzindo os argumentos das suas respectivas contestações.

A apelada apresentou contra-razões.O MPF manifestou-se pela não-intervenção no feito.É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Em sua douta sentença, a fls. 834/6, anotou, com inteiro acerto, o douto Magistrado, verbis:

“Tocante à matéria de fundo, trata-se de ação de nulidade da concessão da Patente de Invenção nº 9400902-3.

A Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, que ‘Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial’, acerca da questão, preceitua:

‘Art. 8° É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial’.

Mais adiante, esclarece o que se deve entender por novidade, atividade inventiva e aplicação industrial:

‘Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não compreendidos no estado da técnica.

§ 1° O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nos arts. 12, 16 e 17.

Art. 13. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica.

Art. 15. A invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria.’

Na espécie, a alegação de nulidade da autora lastreia-se no suposto não-atendimento pela invenção que ensejou a concessão da patente, devidamente registrada no INPI, do requisito novidade, posto que, segundo alega, a invenção já se encontrava, quando da concessão da patente, no estado da técnica.

Percorrendo a prova técnica colhida (fls. 668-680), que assume significativo relevo em face da natureza da questão debatida, extrai-se, dentre outros excertos, esses, porque mais esclarecedores a respeito do que interessa à solução da lide:

‘6) Poderia o perito informar se é correta a informação do laudo do INPI emitido, que afirma ser o sistema apresentado pela ré, DWA, inovador?

Posteriormente ao processo de nulidade da carta patente, em grau de recurso à pre-sidência do INPI, ver página 475 do processo, o quadro reivindicatório, foi reformulado

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e a cópia do parecer técnico do INPI, que reformula o quadro reivindicatório, está contido nas folhas 461 e 462 do processo. Com base no parecer técnico supracitado e no quadro reivindicatório remanescente é possível afirmar que o sistema apresentado pela ré, DWA, não é inovador.’ (fl. 677)

‘8 - É inegável que a patente em lide apresenta atividade inventiva em relação às referidas?

Não; (...)’ (fl. 679).‘9c - Queira o Sr. Perito trazer para a devida instrução do processo, com seu laudo

definitivo, todos os subsídios para o cabal esclarecimento da matéria, de ordem objetiva e de efeito.

Respeitando os termos da legislação e em especial o que consta no art. 41 da Lei 9.279/96, em que o teor das reivindicações é o que determina a proteção conferida pela Carta Patente, somos do parecer que a patente em lide, PI 9400902-3 ‘Mecanismo para Controle Automático de Peso para Empacotadeiras Volumétricas’, seja anulada em sua totalidade.’ (fl. 680)

Observa-se, sem maior dúvida, que o louvado não logrou encontrar na invenção patenteada e cuja nulificação se almeja, qualquer dos requisitos necessários à concessão da malsinada patente, seja quanto à novidade, seja quanto à atividade inventiva, ou, mesmo, embora não haja pertinência à hipótese sob exame, de aplicação industrial. Logo, se a patente foi conferida em desatendimento às condições exigidas pela Lei nº 9.279/96, ela está inquinada do vício da nulidade, posto que ‘É nula a patente concedida contrariando as disposições desta Lei’. (Art. 46)

Nesse sentido:‘PROPRIEDADE INDUSTRIAL - NULIDADE DE REGISTRO DE PATENTE -

INPI - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - INVENÇÃO - REQUISITO DA NOVIDADE.

I. Tratando-se de ação na qual se postula a declaração de nulidade de ato admi-nistrativo editado pelo INPI, a hipótese é de litisconsórcio passivo necessário entre a Autarquia e a empresa beneficiada pelo ato.

II. A novidade é requisito essencial para que o autor de invenção obtenha privilégio de propriedade e uso exclusivo. A falta deste requisito gera a nulidade do benefício concedido pelo INPI.

III. Remessa necessária improvida.’ (TRF2, REO 267247, DJU 22.01.2002, Rel. JUIZ CASTRO AGUIAR)

Certo é que o Magistrado, como aventado pela ré, não está adstrito ao laudo pe-ricial, podendo formar sua convicção pela livre apreciação da prova (art. 436, CPC). Não menos idônea, porém, é a assertiva de que somente pode recusá-lo especificando, fundamentalmente, sem desgarrar-se dos demais elementos de prova trazidos ao pro-cesso, os motivos pelos quais o faz.

Na espécie, não vejo qualquer elemento probatório a motivar o afastamento das conclusões alcançadas pelo expert nomeado. A alegação de ‘não ser conclusivo e ser

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tendencioso’ (fl. 710) e de ser ‘totalmente equivocado’ (fl. 817), formulada pela autora, resultou sem qualquer sustentáculo nos elementos probatórios carreados ao processo. Portanto, não merece amparo e deve subsistir as conclusões do louvado indicado por este Juízo. Note-se que o próprio assistente técnico indicado pela demandada é Engenheiro Eletricista, não Engenheiro Mecânico, este, sem dúvida, profissional mais aquilatado para o exame da situação técnica sobre a qual recaiu a prova pericial.”

Com efeito, a r. sentença recorrida observou fielmente o disposto nos arts. 8º e 11º da Lei nº 9.279/96, eis que a invenção em causa, que originou a concessão da patente, não apresentou o requisito de novidade.

Nesse sentido, colha-se o pronunciamento do perito, transcrito na sentença, a fls. 834/5, verbis:

“6) Poderia o perito informar se é correta a informação do laudo do INPI emitido, que afirma ser o sistema apresentado pela ré, DWA, inovador?

Posteriormente ao processo de nulidade da carta patente, em grau de recurso à pre-sidência do INPI, ver página 475 do processo, o quadro reivindicatório, foi reformulado e a cópia do parecer técnico do INPI, que reformula o quadro reivindicatório, está contido nas folhas 461 e 462 do processo. Com base no parecer técnico supracitado e no quadro reivindicatório remanescente é possível afirmar que o sistema apresentado pela ré, DWA, não é inovador.’ (fl. 677)

‘8 - É inegável que a patente em lide apresenta atividade inventiva em relação às referidas?

Não; (...)’ (fl. 679).‘9c - Queira o Sr. Perito trazer para a devida instrução do processo, com seu laudo

definitivo, todos os subsídios para o cabal esclarecimento da matéria, de ordem objetiva e de efeito.

Respeitando os termos da legislação e em especial o que consta no art. 41 da Lei 9.279/96, em que o teor das reivindicações é o que determina a proteção conferida pela Carta Patente, somos do parecer que a patente em lide, PI 9400902-3 ‘Mecanismo para Controle Automático de Peso para Empacotadeiras Volumétricas’, seja anulada em sua totalidade.’ (fl. 680).”

Ora, a invenção patenteada não preencheu os requisitos para a sua conces-são, seja quanto à novidade, seja quanto à atividade inventiva, ocasionando, portanto, a sua nulidade, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.279/96.

A respeito, manifesta-se a jurisprudência, verbis:“PROPRIEDADE INDUSTRIAL - NULIDADE DE REGISTRO DE PATENTE -

INPI - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - INVENÇÃO - REQUISITO DA NOVIDADE.

I. Tratando-se de ação na qual se postula a declaração de nulidade de ato admi-

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nistrativo editado pelo INPI, a hipótese é de litisconsórcio passivo necessário entre a Autarquia e a empresa beneficiada pelo ato.

II. A novidade é requisito essencial para que o autor de invenção obtenha privilégio de propriedade e uso exclusivo. A falta deste requisito gera a nulidade do beneficio concedido pelo INPI.

III. Remessa necessária improvida. (TRF2, REO 267247, DJU 22.01.2002, Rel. JUIZ CASTRO AGUIAR).”

Nesse sentido, também o magistério de João da Gama Cerqueira, em seu clássico Tratado da Propriedade Industrial, RT, 1982, v. 1, p. 305/6, nº 114, verbis:

“Para que as invenções possam ser objeto de proteção jurídica é necessário que satisfaçam a certas condições estabelecidas pela lei. Como tivemos ocasião de expor (n. 66, supra), o direito do inventor origina-se de sua criação, a qual, por sua vez, jus-tifica o reconhecimento desse direito e a sua proteção pelo Estado. Por outro lado, a lei assegura ao inventor um privilégio, cujo objeto é a própria invenção. Importando esse privilégio restrição à atividade do comércio e da indústria, em benefício do inventor, com detrimento, ainda, dos interesses da coletividade, é evidente que esse direito não pode ter por objeto coisas pertencentes ao domínio público ou comum, sob pena de se criarem monopólios injustos, incompatíveis com a liberdade de trabalho; nem coisas que não constituam invenção, o que seria contrário à motivação do direito do inventor e à sua origem e fundamento.

Do mesmo modo, tendo a lei de patentes como fim não só reconhecer o direito do inventor, mas, também, promover o progresso das indústrias e desenvolver o espírito de invenção, esses objetivos seriam frustrados se os privilégios fossem concedidos para coisas que não ofereçam vantagens ou utilidade para a indústria. Por esses motivos, as leis de todos os países exigem, como condição para a concessão da patente, que a invenção seja nova e que se revista de caráter industrial.”

In casu, deveria o INPI, com fulcro no art. 46 da Lei nº 9.279/96 e na Súmula nº 473 do Eg. STF, ter reconhecido, administrativamente, a nulidade da concessão da patente e revogado o ato administrativo de sua concessão.

Nesse sentido, o magistério de Francisco Campos, verbis:“Ora, quando um ato administrativo se funda em motivos ou em pressupostos de fato,

sem a consideração dos quais, da sua existência, da sua procedência, da sua veracidade ou autenticidade, não seria o mesmo praticado, parece-me de boa razão que, uma vez verificada a inexistência dos fatos ou a improcedência dos motivos, deva deixar de subsistir o ato que neles se fundava.

O ato não seria praticado, não fosse a convicção de que uma determinada situação de fato impunha ou legitimava a sua prática. Posteriormente se vem a verificar que a

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situação de fato, que funcionara como motivo determinante do ato, não era a de cuja existência se convencera a administração. O motivo não tinha fundamento na realidade. Era um motivo invocado de boa-fé, mas um motivo que se referia a fatos imaginários ou inexistentes. Desaparecido, por verificada a sua improcedência, o motivo determinante do ato, motivo sem a convicção do qual a Administração não teria agido como o fez, claro é que a conseqüência lógica, razoável e legítima deva ser, com a queda do motivo, a do ato que nele se originou ou que o teve como causa declarada e suficiente.” (Pareceres do Consultor Geral da República, Rio de Janeiro, 1951, v. I, p. 622)

Nesse sentido, também, a lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet, verbis:

“L’obligation de respecter les lois comporte pour l’administration une double exigence, l’une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l’autre, positive, consiste à les appliquer, c’est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu’implique nécessairement leur exécution.” (Les Grands Textes Administratifs, Paris: Sirey, 1970, p. 376)

Ora, a Administração Pública pode revogar o ato administrativo quando praticado em violação ao texto constitucional.

É o princípio insculpido na Súmula 473 do STF.Quod nullum est nullum producit effectum.Realmente, a jurisprudência da Suprema Corte é no sentido de que

não há se falar em direito subjetivo à manutenção dos efeitos de ato administrativo, se praticado em desconformidade com a lei, sendo, para tal, irrelevante ainda o tempo decorrido. (RE nº 136.236-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, RTJ 146/658)

Ora, no caso em exame, a inconformidade do ato impugnado pela apelante visa prevenir a violação do próprio texto constitucional (art. 37, caput – princípio da legalidade), incidindo, assim, a lição do consa-grado constitucionalista norte-americano Westel W. Willoughby, quando afirma, verbis:

“An unconstitutional act is not a law, it confers no rights, it imposes no duties, it affords no protection, it creates no office; it is, in legal contemplation, as inoperative as though it had never been passed.” (The Constitutional Law of The United States, New York, Baker, Voorhis & Company, 1910, v. 1, p. 10, § 5)

Pertinente, ainda, o ensinamento de Paul Roubier, verbis:“La non-observation des conditions de validité possées par la loi à la confection de

cet acte aurapour sanction une action de nullité ou en rescision, c’est-à-dire une action

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qui n’entrait aucunement dansles vues de l’auter (ou des auteurs) de l’acte juridique.Ici encore cette action n’est pas fondée sur la violation d’un droit antérieur, elle

est fondée sur une infraction à un devoir, le devoir d’observer les conditions légales de validité de l’acte posées par la loi.” (Droits Subjectifs et Situations Juridiques, Paris, Dalloz, 1963, pp. 74/5)

Por esses motivos, nego provimento às apelações e à remessa oficial.É o meu voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.07.003959-5/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann Apelante: Convias S/A Concessionária de Rodovias

Advogados: Drs. Gerson Fischmann e outrosApelado: Ministério Público Federal

Interessados: União FederalDepartamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER

Advogado: Dr. Luís Henrique Martins dos AnjosInteressados: Estado do Rio Grande do Sul

Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem do Estado doRio Grande do Sul

Advogados: Drs. Fabiana Azevedo da Cunha e outrosInteressada: Concessionária de Rodovias RODOSUL S/A

Advogado: Dr. Vanios Antônio Nervo

EMENTA

Ação civil pública. Conservação de rodovia. Intervenção do Poder Judiciário na administração. Interesse de agir. Configurado. Perda do objeto. Não configurada.

As obras de colocação das defensas ao longo da BR 116 nos pontos mais críticos de acidentes restaram concluídas exclusivamente por for-ça da decisão judicial emanada desta ação, não restando configurada a

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perda de objeto.Pela farta prova documental carreada, demonstrando que, em vários

trechos da rodovia, inexistia a devida proteção (defensas) e, tendo em conta que o prazo contratado para a providência atinentes ao objeto da presente demanda não se mostra razoável para o fim a que se propõe (a ação), qual seja o zelo pela segurança dos usuários da rodovia, configu-rado o interesse de agir.

A má conservação de uma rodovia submete os seus usuários a um risco, às vezes maior do que o suportável, às vezes não, mas que sempre apresenta uma exposição potencialmente lesiva ou fragilizadora. Possível a intervenção do Poder Judiciário quando a exposição ou a fragilização da saúde e da segurança dos usuários de determinada rodovia é inequi-vocamente manifesta e atinge níveis intoleráveis.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de outubro de 2006.Des. Federal Edgard Lippmann, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Trata-se de ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, ajuizada pelo Ministério Pú-blico Federal contra a União, o DNER, o Estado do Rio Grande do Sul, o DAER, a CONVIAS S/A Concessionária de Rodovias e a Concessionária de Rodovias RODOSUL S/A, objetivando fosse determinado aos réus a instalação de defensas (guard-rail) à margem da BR 116 no trecho com-preendido entre o Município de Nova Petrópolis e a divisa com o Estado de Santa Catarina, visando à segurança dos usuários da mencionada rodovia, uma vez que grande parte do trecho concedido, margeado por abismos, não possui o mencionado equipamento de segurança.

Requereu, ainda, o autor a condenação dos réus a responderem, obje-tivamente, pelo dano ambiental causado pelo derramamento de solvente no Rio Faxinal, quando do tombamento de um caminhão, e a reparação

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de dano moral coletivo.Deferida parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela para de-

terminar às concessionárias CONVIAS e RODOSUL a elaboração e apresentação, no prazo da resposta, do mapeamento dos trechos de risco da BR 116, a indicação de qual tipo de defensa necessária à preservação da segurança dos transeuntes e a especificação do prazo razoável para a instalação das defensas, com prioridade para os trechos de maior risco.

Em sentença, o MM. Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido para condenar as co-rés CONVIAS S/A e RODOSUL S/A à instalação e à manutenção de defensas na BR 116, com prioridade os trechos de maior risco. Compensados os honorários advocatícios. Sem remessa oficial, ante a ausência de condenação dos entes públicos, que figuraram na lide como litisconsortes necessários em face da responsa-bilidade subsidiária.

A CONVIAS S/A interpôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados.

A CONVIAS S/A apelou sustentando: a) nulidade da sentença por extra petita, porquanto não teria sido requerida pelo apelado a condenação à manutenção das defensas; b) a impossibilidade de haver condenação no caso concreto (perda de objeto da ação civil pública), uma vez que os atos que pela concessionária deveriam ter sido praticados já estavam feitos e que, portanto, não se encontraria em mora no cumprimento dos termos do contrato de concessão em questão; c) ausência de interesse processual, na medida em que os atos que deveriam ser praticados já vi-nham sendo realizados antes da propositura da ação; e d) impossibilidade jurídica do pedido, ante a impossibilidade de controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários (seara privativa da Administração).

Com contra-razões, vieram os autos a esta Corte, e o Parquet Federal que oficia perante esta Casa opinou pelo não-provimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Inicialmente, quanto à alegação de nulidade da sentença por extra petita, tenho por afastá-la, porquanto a parte autora requer expressamente no mérito, confirmada a liminar, sejam os requeridos condenados à instalação e à manutenção

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de defensas,... (fl. 36). (grifo meu)Relativamente aos demais tópicos do apelo, acolho e transcrevo as

bem-lançadas linhas traçadas pela ilustre representante do Parquet Fede-ral, Procuradora Regional da República Márcia Neves Pinto (fl. 1.628):

“Ao contrário das alegações dispostas em recurso, a concessionária não tinha prazo certo para a conclusão das obras, sequer tendo a obrigação de realizá-la de imediato, com prazos que variavam até 2011, o que, per si, demonstra a necessidade da ação civil proposta.

Os projetos referidos pela apelante não passavam de meros estudos realizados em tal sentido, não existindo verdadeiramente projeto de instalação ou critérios de colocação das defensas, o que se traduz, concretamente, na ausência da obra.

Além do mais, não se trata de ação que visa compelir o cumprimento de cláusula contratual simplesmente, daí porque não há falar em mora contratual, mas sim visa proteger os usuários do serviço de concessão que pagam valores consideráveis de pedágio para o uso da rodovia e não recebem as condições necessárias de garantia, com as peculiaridades notórias do trecho em questão, por se tratar de pista com aclives acentuados, sinuosa e beirada por abismos.

Por isso é que não se deve analisar a questão sob a ótica da interferência jurisdicional na gestão do contrato de concessão, pois a ação não visa modificá-lo, mas, sim, deve--se analisar a ação com a visão do consumidor do serviço concedido que não recebe a segurança necessária no serviço ofertado.

Com isso, igualmente, justifica-se a necessidade de iniciativa do Ministério Público, em especial, pelo fato inconteste que a obra somente se realizou diante da concessão da liminar, cujo cumprimento foi exigido até o último trecho necessário, o que não teria ocorrido caso não existisse a presente ação.”

Relativamente à alegação de perda de objeto, porquanto os atos que deveriam ter sido praticados pela concessionária já estavam feitos, como muito bem argumentado pelo autor em suas contra-razões de apelo (fl. 1.612), as obras de colocação das defensas ao longo da BR 116 nos pontos mais críticos de acidentes e tendo em vista a segurança dos usu-ários da via finalmente restaram concluídas exclusivamente por força da decisão judicial emanada desta ação, sobretudo em razão do longo prazo para a conclusão da instalação das defensas (v.g., quinze anos). Tanto é assim que a concessionária apelante não logrou comprovar que o projeto vinculado e que deu suporte ao firmado contrato de concessão abarcou em toda extensão e com todas as particularidades técnicas a gama de elementos que compõe o pedido de antecipação formulado pelo Parquet e plenamente acolhido pelo Juízo. (grifei)

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Particularmente no que concerne à alegação de ausência de interesse de agir, uma vez que os atos que deveriam ser praticados pela concessionária já vinham sendo realizados antes da propositura da ação, cabe a menção a trecho da decisão antecipatória de tutela, que, ao meu ver, rechaça tal argumentação, em que a ilustre magistrada Jacqueline Michels Bilhalva (fl. 815) diz que se observando os Projetos de Engenharia Econômica do Pólo Rodoviário e os Projetos Básicos de Exploração relativos às concessionárias CONVIAS (fls. 311/371/391/410/429) e RODOSUL (fls. 736/737), verifica-se que, embora envolvam a instalação e a manutenção de defensas na BR 116, estes projetos não discriminam os trechos onde as defensas deverão ser especificamente instaladas, não indicam as características técnicas das referidas defensas, tampouco estabelecem prazo razoável para a respectiva instalação.

Ora, pela farta prova documental carreada, demonstrando que, em vários trechos da rodovia inexistia a devida proteção (defensas) e, tendo em conta que o prazo contratado para a providência atinentes ao objeto da presente demanda não se mostrava razoável para o fim a que se pro-punha (a ação), qual seja o zelo pela segurança dos usuários da rodovia, configurado o interesse de agir.

Por fim, no que se refere à alegação de impossibilidade jurídica do pedido, a Quarta Turma já manifestou entendimento a respeito no AI nº 2002.04.01.056347-4/RS, de relatoria do eminente Desembargador Valdemar Capeletti, em que, após abordar aspectos relevantes atinentes à discricionariedade e à vinculação dos atos administrativos, assim como à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário em casos como o que se apresenta, assim decidiu, por unanimidade, cujo voto passa a integrar o presente julgado, verbis:

“(...) Tenho, sobre o tema, clara posição de que o Judiciário pode e deve intervir sempre que o ordenamento o exigir. Para identificar tal exigência, no entanto, o Juiz precisa se valer de instrumentos que transcendem à simples leitura de leis ou de uma legalidade estrita; faz-se necessária, nestes casos, uma interpretação ampla das normas que compõem o ordenamento jurídico, sejam elas normas-regras ou normas-princípios. Só assim poderá o Juiz decidir com a autoridade e a legitimidade necessárias; do con-trário, o mandamento seria inócuo e não-exeqüível.

Nessas condições, assinalo que, ao se falar em rodovias, os principais valores ju-rídicos em questão são os da segurança e da saúde daqueles que a utilizam. Pois, sem quaisquer dúvidas, a má conservação de uma rodovia submete os seus usuários a um

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risco, às vezes maior do que o suportável, às vezes não, mas que sempre apresenta uma exposição potencialmente lesiva ou fragilizadora. E, em sendo assim, necessária é a identificação do ponto em que poderá agir o Judiciário, já que aqui os limites entre o discricionário e o vinculado são muito tênues e voláteis, levando a que, muitas vezes, sejam confundidos.

A conclusão a que chego é a de que, quando a exposição ou a fragilização da saúde e da segurança dos usuários de determinada rodovia é inequivocamente manifesta e atinge níveis intoleráveis, caberá, aí, manifestação e intervenção judicial. Não caberá, doutra banda, quando o ‘risco’ estiver dentro de uma margem que possamos dizer ‘tolerável’. Aqui é preciso que consideremos as inúmeras insuficiências do Estado brasileiro e aceitemos que ainda estamos distantes do Estado Social preconizado pela Constituição da República. (...)

Em suma, os recursos são limitados e as necessidades, não. Ao Administrador cabe a tarefa, por vezes árdua, de fazer o juízo (de mérito) da melhor aplicação dos recursos públicos, elegendo, por certo, pontos e atividades em que a atuação do estado é preferível e mais oportuna. Não há dúvidas. (...)

Entretanto, outra é a situação quando o ordenando jurídico prevê uma série de me-didas e de condutas para a Administração, medidas essas tendentes a assegurar a saúde e a segurança dos administrados. Assim acontece com as rodovias quando a legislação extravagante e o Código de Trânsito Brasileiro exigem e discorrem extensamente sobre a sinalização, vertical e horizontal, a ser providenciada e mantida pela Administração. Aqui, indubitavelmente, o Legislador busca tutelar os valores já referidos, vinculando a Administração a uma determinada conduta, que dela não pode se eximir. E é esse justamente o provimento jurisdicional possível.

Também o seria, creio eu, quando as más-condições de uma rodovia sejam de tal modo intensas e notórias que, posto que visualizada e considerada a rodovia como objeto isolado de um processo, permite-se ao Juiz que dite determinada conduta à Administração. Assim faria por respeito à saúde e à segurança dos administrados, ou ainda para tutelar o próprio patrimônio público, que em condições extremas estaria também sendo vulnerado.

Isso tudo porque, por mais discricionário que seja o ato ou a conduta da Adminis-tração, é ela possível graças à outorga de ‘liberdade’ ou de ‘margem de apreciação’ pelo próprio ordenamento. Portanto, sempre haverá vinculação, ainda que pequena, mesmo da maior das discricionariedades. (...)

Mais recentemente, esta mesma 4ª Turma, em feito relatado pelo e. Des. ANTÔNIO ALBINO RAMOS DE OLIVEIRA, à unanimidade, oportunidade em que acompanhei o Relator juntamente com o e. Des. EDGARD LIPPMANN, pronunciou-se no sentido de que ‘A situação excepcional em que se encontrava a Rodovia BR 101, no trecho entre Osório e Torres, periclitando a segurança de seus usuários, o meio ambiente e o próprio patrimônio público, justifica a também excepcional interferência do Judi-ciário no campo administrativo, pois a omissão do administrador estava a ofender

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concretamente direitos subjetivos, cuja lesão não poderia ser excluída da apreciação judicial.’ (TRF4, 4ª T., AC nº 1999.04.01.081670-3/RS, decisão 05.12.2000, unânime, DJ 31.01.2001, p.588) (...)

Tendo tudo o aqui referido como premissa, analisando o pedido de antecipação de tutela e a amplitude do recurso interposto, tenho que boa parte do requerido pelo Ministério Público se insere exatamente na competência vinculada já referida. Exigir da Administração que promova a devida e correta recuperação da sinalização dos trechos de tráfego normais das rodovias, bem como daqueles em obra, não representa invasão da área de mérito administrativo, mas tão-só reforço ao mandamento legal de que o Estado o faça.

O mesmo posso dizer quanto ao pedido do Ministério Público de que a Ad-ministração apresente, em determinado prazo, um cronograma de restauração e/ou recuperação das rodovias que são objeto do feito originário. Também aqui não há qualquer ofensa à discricionariedade da Administração, pois a ‘publicidade’ de cronograma de recuperação ou restauração não é algo que exige mais do que a ativi-dade ordinária e esperada da Administração. Não se determina a restauração, mas a apresentação do resultado dos estudos próprios e discricionários da Administração tendentes a promovê-la.

Por fim, constato a presença dos requisitos ensejadores da antecipação dos efei-tos da tutela. A verossimilhança das alegações é manifesta e evidente. A ausência de sinalização em rodovias, especialmente em trechos submetidos a obras, e a ausência de cronograma público de recuperação, que venha a aclarar as dúvidas e responder aos anseios sociais, são fatos que, per si, já justificam a antecipação requerida, pela fragilização a que se sujeitam a segurança e a saúde dos usuários da rodovia e pelo desconhecimento e pelas dúvidas destes em relação às atividades da Administração. O mesmo se diga quanto à presença do receio de dano irreparável ou de difícil reparação, uma vez que se trata de condições que sujeitam os administrados a risco de vida, ou morte lastimável e irreversível.”

A título ilustrativo trago os precedentes abaixo, nos quais atuei como Relator, verbis:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. RODOVIAS FEDERAIS. CRONOGRAMA DE RESTAURAÇÃO. SINALIZAÇÃO. VINCULAÇÃO.

I. A intervenção do Judiciário em questões administrativas é cabível apenas em áreas alheias à margem de discricionariedade do administrador, aquele legitimado ao juízo de oportunidade e conveniência quanto à atuação da Administração, em que se considera os recursos disponíveis, normalmente escassos, e as inúmeras necessidades. Tais áreas de intervenção admissível são, justamente, as de competência vinculada, em que a conduta da Administração é ditada pelo ordenamento jurídico e pelas normas, regras ou princípios, que o compõem.

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II. Considerando que a segurança e a saúde dos administrados e usuários de ro-dovias, bem como a integridade do patrimônio público que representam, são valores jurídicos tutelados pelo ordenamento, é de se concluir que atos tendentes a fragilizá-los ou vulnerá-los violam o sistema e extrapolam a discricionariedade. Assim, a apresen-tação de cronograma de conservação e/ou restauração e a regularização da sinalização, vertical e horizontal, das rodovias em debate, em sendo determinadas pelo Judiciário, são medidas que buscam corrigir desvio de conduta vinculada esperada da Adminis-tração. O inaceitável é que o juiz venha a exigir da Administração a restauração deste ou daquele trecho, fazendo as vezes do administrador; tal só se admite em casos em que o estado de conservação exponha os usuários das RODOVIAS, notória e indubitavelmente, a riscos de vida. Precedente: Agravo de Instrumento nº 2002.04.01.056347-4/RS, Rel. Des. Valdemar Capeletti, 4ª T., publ. em 15.10.2003. (AG 2003.04.01.003936-4/RS, 4ª T., DJ 18.02.2004, p. 569, Rel. Juiz Edgard Lippmann)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DUPLICAÇÃO DE RODOVIA FEDERAL. INTER-VENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. POSSI-BILIDADE DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.

A moderna jurisprudência admite a intervenção do Poder Judiciário na Adminis-tração Pública, viabilizando a antecipação de tutela para determinar a execução de obra relativa à duplicação de rodovia federal, ante a responsabilidade civil do Estado sobre mortes e mutilações decorrentes de acidentes de trânsito havidos na rodovia de sua competência.” (AG 2004.04.01.014570-3/SC, 4ª T., DJU, 04.08.2004, Rel. Juiz Edgard Lippmann)

Pelo exposto, nego provimento à apelação, nos termos da funda-mentação.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.04.01.025232-8/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

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Apelante: Caixa Econômica Federal - CEFAdvogados: Drs.Teresinha Ferreira da Silva Moreira e outros

Apelante: IRB Brasil Resseguros S/AAdvogados: Drs. Antonio Cervantes Martinez e outros

Apelante: Sasse Cia. Nacional de Seguros GeraisAdvogados: Dra. Lisiane Camara Carvalho

Dr. Fernando Silva RodriguesApelados: Gamaliel Valdovino Borges e outro

Advogados: Drs. Gustavo Nygaard e outros

EMENTA

Administrativo. Civil. Sistema Financeiro da Habitação. Aplicação do CDC. Responsabilidade por vícios de construção. Seguro habitacional. Reparação dos danos patrimoniais e morais.

1. Caracterizada como de consumo a relação entre o agente financeiro do SFH, que concede empréstimo oneroso para aquisição de casa pró-pria, e o mutuário, as respectivas avenças estão vinculadas ao Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90.

2. Ao desincumbir-se da sua missão, cumpre ao Judiciário sindicar as relações consumeristas instaladas quanto ao respeito às regras consigna-das no CDC, que são qualificadas expressamente como de ordem pública e de interesse social (art. 1º), o que legitima mesmo a sua consideração ex officio, declarando-se, v.g., a nulidade de pleno direito de convenções ilegais e que impliquem excessiva onerosidade e vantagem exagerada ao credor, forte no art. 51, IV e § 1º, do CDC.

3. O agente financeiro responde pelas manifestações que exara na fase de contratação do negócio jurídico de aquisição da moradia, notadamente aquelas relacionadas com as condições físicas e situação estrutural do imóvel, tendo legitimidade passiva ad causam, neste passo, para as ações em que se pretende reparação patrimonial, de modo amplo, em face de vícios, defeitos ou mesmo inconclusão de imóvel objeto de mútuo habitacional.

4. Sem distinção entre a situação em que o agente financeiro acom-panhou a construção, fiscalizando as condições do imóvel durante o período de edificação, seja quanto à estrutura, seja quanto aos materiais utilizados, e aquela em que há compra de imóvel já edificado, o aval do agente financeiro acerca da situação do imóvel ao fazer a vistoria compõe

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o contrato misto atinente ao negócio jurídico de aquisição da moradia, obrigando a todos os contratantes solidariamente.

5. O contrato de mútuo celebrado conforme as regras do Sistema Finan-ceiro da Habitação, junto a um de seus agentes financeiros, torna obrigatória a contratação de um seguro. A seguradora, ao aceitar o recebimento das parcelas pertinentes ao seguro, não pode se eximir da responsabilidade, porquanto válido o contrato de financiamento em si, permanecendo o vínculo contratual intacto, consideradas as relações jurídicas autônomas.

6. Segundo o disposto no art. 21 do DL 73/66, o estipulante (a CEF) equipara-se ao segurado, com vistas à contratação e à manutenção do seguro habitacional. Sendo assim, cabe à seguradora contratada verifi-car o preenchimento dos pressupostos exigidos à contratação do seguro habitacional, fazendo as ressalvas necessárias a respeito das limitações da proteção securitária dos riscos. Nesta perspectiva, não é razoável se exigir que o estipulante, que age em nome do segurado, também enfeixe a posição e a função que é da seguradora, sob pena de uma indevida confusão de papéis, em detrimento do mutuário.

7. O seguro habitacional é modalidade de seguros de massa, impostos na regulação do Sistema Financeiro de Habitação, a que só podem aderir os mutuários do sistema, sem que lhes seja possibilitada qualquer inge-rência na redação das cláusulas contratuais, razão por que essas devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao aderente, de acordo com as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor.

8. Doutrina e jurisprudência dizem que, para a comprovação do dano moral, basta a prova do fato; não há necessidade de demonstrar-se o sofrimento moral, mesmo porque é praticamente impossível, por tratar--se de sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, capaz de gerar--lhe alterações emocionais ou prejuízos à parte social ou afetiva de seu patrimônio moral.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações da CEF e da Sasse, dando provimento à apelação do IRB, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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Porto Alegre, 30 de maio de 2006.Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de apelações contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na ação ordinária movida contra a Caixa Econômica Federal e a Sasse – Cia. Nacional de Seguros Gerais para:

“(a) declarar a inexistência de saldo devedor, em desfavor dos autores, vinculado ao contrato de compra e venda e mútuo com obrigações de hipoteca nº 2.017.804-4, celebrado com a Caixa Econômica Federal, ficando a credora desde já obrigada a proceder ao levantamento da hipoteca que grava o imóvel financiado;

(b) condenar, solidariamente, a Caixa Econômica Federal e a Sasse – Cia. Nacional de Seguros Gerais ao pagamento de indenização, em pecúnia, por danos patrimoniais equivalentes à diferença entre o preço pago pelo imóvel ao anterior proprietário (CZ4 1.250.000,00 em 20 de janeiro de 1988), corrigido monetariamente, deduzindo-se o valor do terreno (que é de propriedade dos autores) e o saldo do financiamento, acrescida das despesas decorrentes da desocupação do imóvel, comprovadas nos autos e corrigidas monetariamente de acordo com os índices de atualização dos débitos judiciais;

(c) condenar, solidariamente, a Caixa Econômica Federal e a Sasse – Cia. Nacional de Seguros Gerais, ao pagamento de indenização pelo dano moral infligido aos autores, correspondente a 30 salários mínimos, acrescidos de juros moratórios de 6% (art. 1.062 do Código Civil), desde 25 de setembro de 1992 (Súmula nº 54 do Superior Tribunal de Justiça – data do evento danoso);

(d) condenar, solidariamente, a Caixa Econômica Federal e a Sasse – Cia. Nacional de Seguros Gerais, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

A liquidação será feita por artigos, na forma do art. 608 do CPC.”

A Caixa Econômica Federal, em seu apelo, sustenta: a) a ilegitimidade passiva da CEF, uma vez que a recusa do pagamento do prêmio de seguro partiu da seguradora; b) em relação à alegada responsabilidade da Cai-xa, não há prova de que na época da vistoria realizada pelo engenheiro credenciado da CEF houvesse condições de se definir que a construção era imprópria ou que pudesse ocorrer o sinistro acontecido; c) não há dano moral a ser indenizado; d) a indenização foi fixada em valor excessivo.

O IRB – Brasil Resseguros S.A. suscita a ilegitimidade do apelante para figurar no pólo passivo da lide, sustentando a responsabilidade exclusiva da CEF e postulando a exclusão do IRB do feito.

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A SASSE Cia. Nacional de Seguros Gerais reedita as preliminares de ilegitimidade passiva da ré e de prescrição. No mérito, sustenta que não poderia ser responsabilizada por indenizações decorrentes de riscos excluídos da contratação, bem como pela vistoria procedida no imóvel pelo agente financeiro para contratação do financiamento, uma vez que apenas recebeu o acessório da prestação, ou seja, o prêmio mensal do seguro contratado.

Sem contra-razões, vieram os autos a esta Corte.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Narram os autores, nos dizeres da inicial, que adquiriram, em 20.01.88, imóvel financiado junto à Caixa Econômica Federal pelo SFH, no qual resi-diram até o ano de 1992, pagando todas as prestações, quando foram surpreendidos por seu desmoronamento parcial. Verificado o evento danoso, foi feita a comunicação ao agente financeiro, em 05.08.92, o qual, por sua vez, cientificou a Sasse Cia. Nacional de Seguros Gerais, tendo esta determinado a realização de vistoria para identificar a origem dos danos. Tal vistoria resultou em laudo técnico no qual se constatou o desmoronamento parcial dos pisos dos banheiros, ameaça de desmoro-namento dos demais pisos, fissuras generalizadas em paredes externas e mau funcionamento das instalações sanitárias. Concluiu o perito que as condições do imóvel ameaçavam a integridade física de seus ocupantes, recomendando sua imediata desocupação. Diante disso, a Sasse exigiu da CEF a desocupação imediata do imóvel com entrega das chaves, o que foi cumprido em 10.11.92.

Em 11.11.93, foi ajuizada pela seguradora, na Justiça Estadual, medida cautelar de produção antecipada de provas contra o engenheiro respon-sável pela edificação, na qual houve a intervenção de um dos autores, na condição de assistente. Com base no laudo produzido naquele feito, a Sasse informou à CEF que o sinistro não se encontrava coberto pela apólice, por decorrer de falhas na edificação do imóvel. Assim, a partir de 1995, as prestações, que até então vinham sendo pagas pela seguradora, deixaram de sê-lo. Os autores afirmam que a comunicação formal da nega-tiva da seguradora foi-lhes encaminhada pela CEF apenas dois anos mais

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tarde, sendo logo sucedida por intimação expedida pela Fin-Hab Crédito Imobiliário S/A para pagamento do saldo devedor do financiamento no prazo de 20 dias, sob pena de execução extrajudicial da hipoteca.

Das preliminares Da legitimidade passiva da CEFSem firmar posição acerca da questão de fundo, creio que, nos termos

em que posta a demanda, a CEF está legitimada para comparecer no pólo passivo da ação.

É que a tutela reclamada funda-se no surgimento de uma série de defeitos decorrentes da construção do imóvel, tendo sido parte dos re-cursos para aquisição obtidos junto à CEF, e esta, antes de proceder à liberação do valor viabilizador da aquisição, procede à vistoria do bem como medida garantidora do mútuo. Assim procedendo, o agente finan-ceiro avaliza a integridade física e estrutural do imóvel, o que transmite ao mutuário a convicção de que a construção está indene de vícios e, o que interessa no caso concreto, em perfeito estado de habitabilidade. Sentiu-se o comprador/mutuário respaldado no parecer do departamento de engenharia do agente financeiro, acerca das aceitáveis condições do imóvel, e na indubitável experiência do mutuante no âmbito do mercado imobiliário. Mais, então, do que um singelo negócio jurídico de mútuo, a relação contratual formada entre o agente financeiro e o comprador traz consigo o atestado passado por aquele da solidez do imóvel, no qual se fia o mutuário. A conduta do agente financeiro, pois, gera no comprador/mutuário a convicção de que está adquirindo um bem cuja situação física e estrutural foi investigada e aprovada. Integra tal manifestação do agente financeiro o negócio jurídico da aquisição da casa própria, no qual estão fundidos os pactos que viabilizam a compra do imóvel residencial pelo cidadão no âmbito do SFH, e, assim sendo, obriga a todos os que figuram na relação contratual sindicada.

Acerca dessa natureza mista dos contratos firmados para aquisição da casa própria, o Desembargador Araken de Assis, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

“Esta incursão no conteúdo do negócio, fracionando-o em partes e parceiros dis-tintos, não representa, porém, a realidade. Trata-se, às evidências, de contrato misto.

Como ensina Mário Júlio de Almeida Costa (Direito das Obrigações, n. 32.1., 4.

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ed., Coimbra, 1984, p. 253) ‘os contratos mistos identificam-se pela reunião num único contrato de características de dois ou mais contratos, total ou parcialmente regulados na lei’. Esta é a definição igualmente de Antunes Varela (Das obrigações em geral, v. 1, n. 67, 5. ed. Coimbra, 1992, p. 281) e, dentre nós, Orlando Gomes (Contratos, n. 77, 5. ed. Rio de janeiro, 1975, p. 121)

Em princípio, os elementos estruturais podem ser identificados e relacionados com tipos nominados de tráfico jurídico, permitindo sua decomposição. Porém, nem sempre isto se revelará possível. Enfatiza Mário Júlio (op. cit., n. 32.1, p. 255):

‘Não raro, os componentes do contrato misto encontram-se de tal modo amalga-mados que se fundem organicamente numa figura nova e unitária, correspondente a interesses autônomos, a que as concepções da vida atribuem já uma certa tipicidade, diante do elementos em que se analisa’.

É o que ocorreu, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, com negócios idênticos ou análogos aos comprovados no processo. Conquanto seja possível isolar cada elemento em particular, as operações básicas da construção e do financiamento não admitem cisão com a topologia usual. Elas se fundiram sem prejuízo de certas variações, num tipo novo: ‘o negócio de aquisição da casa própria’.

Assim, para estatuir a responsabilidade da Habitasul recorro, em primeiro lugar, ao disposto no art. 896, parágrafo único, do Cód. Civil, segundo qual há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor ou de um devedor. Se o contrato é único e infracionável, como assinalado, a posição da Habitasul, perante o ‘creditado’, não é diversa daquela desempenhada pelo ‘vendedor’. (grifo nosso) (AC n. 592043996)”

Frustrado o aval acerca da solidez física e estrutural do imóvel ao longo do tempo, surge para o mutuário a pretensão de reparação patrimonial, na sua ampla acepção, ficando o agente financeiro sujeito à averiguação judicial da sua parcela de responsabilidade.

Atente-se, ademais, notadamente nos casos em que o imóvel é alie-nado por quem faz do comércio imobiliário sua atividade habitual, que não se pode distanciar da realidade da incidência das regras do CDC aos contratos em questão, o que remete à aplicação das especiais regras de responsabilidade contidas neste microssistema, como evidenciado pelo Desembargador Federal Valdemar Capelleti, abordando situação similar à posta nestes autos:

“AI. INDENIZAÇÃO POR VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL FINAN-CIADO PELO SFH. LEGITMIDADE PASSIVA DO AGENTE FINANCEIRO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E OBJETIVA. CDC. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E DA ECONOMIA PROCESSUAL.

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A decisão que, calcada em exame superficial, determina a exclusão da CEF de ação indenizatória por vícios de construção de imóvel adquirido com recursos do SFH, com o conseqüente declínio da competência para a Justiça Estadual, atenta contra os princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista o regime, instituído pelo CDC, de responsabilidade legal, objetiva e solidária de todos aqueles que con-tribuem para a inserção do produto no mercado, e, no caso específico, a comprovada necessidade de dilação probatória para a averiguação da referida legitimidade.” (AG 200404010210781/SC – Turma Especial – DJU 18.08.2004)

O agente financeiro, então, responde pelas manifestações que exara na fase de contratação do negócio jurídico de aquisição da moradia, notadamente aquelas relacionadas com as condições físicas e situação estrutural do imóvel, tendo legitimidade passiva ad causam, neste passo, para as ações em que se pretende reparação patrimonial, de modo amplo, em face de vícios, defeitos ou mesmo inconclusão de imóvel objeto de mútuo habitacional.

Poder-se-ia objetar da aplicabilidade de tais premissas ao caso con-creto, porquanto o negócio jurídico é apenas de aquisição. Primeira-mente, não distingo a situação em que o agente financeiro acompanhou a construção, fiscalizando as condições do imóvel durante o período de edificação, seja quanto à estrutura, seja quanto aos materiais utilizados, daquela em que há compra de imóvel já edificado. Isso porque, como registrei linhas acima, o agente financeiro dá seu aval acerca da situação do imóvel ao fazer a vistoria, sendo que esta ilação compõe o contrato misto atinente ao negócio jurídico de aquisição da moradia, obrigando a todos os contratantes solidariamente.

Em conseqüência, devendo a Caixa Econômica Federal integrar a relação processual, rejeito a preliminar suscitada no apelo da CEF.

Da ilegitimidade do IRBA jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que os estabele-

cimentos de resseguros não respondem diretamente perante o segurado pelo montante assumido no resseguro, com fulcro no parágrafo único do art. 8º da Lei nº 9.932/99.

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMAÇÃO ATIVA PARA A CAUSA. SUCESSÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. INSTITUTO DE RESSEGUROS DO BRASIL (IRB). COBERTURA SECURITÁRIA. FALECIMENTO DO MUTUÁRIO. IMÓVEIS EM LOCALIDADES DIVERSAS. RESTITUIÇÃO DAS PRESTAÇÕES

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PAGAS APÓS O ÓBITO. (...)Estando revogado o art. 68 do DL nº 73/66, que instituía caso de litisconsórcio

necessário da seguradora com o IRB , e havendo atualmente previsão legal expressa (art. 8º da Lei n.º 9.932/99) no sentido de que os estabelecimentos de resseguros não responderão diretamente perante o segurado pelo montante assumido no resseguro, sendo que as decisões tomadas pelos estabelecimentos de seguro obrigam os ressegura-dores, salvo disposição contratual em sentido contrário, concluo inexistir litisconsórcio passivo necessário entre a apelante e o IRB. (...). (AC 1999.04.01.132347-0/RS, 4ª T., Rel. Juiz Federal EDUARDO TONETTO PICARELLI, julg. em 29.08.2000, DJU 01.11.2000, p. 364)

SFH. COBERTURA SECURITÁRIA. INVALIDEZ. LITISCONSÓRCIO PASSI-VO DO IRB. INEXISTÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. NULIDADE DA INTIMAÇÃO DA CAIXA SEGURADORA. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. CONTRATO DE SEGURO. APLICABILIDADE DO CDC. NULI-DADE DE INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL.

I. Os estabelecimentos de resseguros não respondem diretamente perante o segurado pelo montante assumido no resseguro.

II. A sentença não é extra petita, por conferir efeitos condenatórios em ação de conteúdo apenas declaratório, se evidenciado que, além de tal efeito constar implici-tamente na inicial, incide o princípio da instrumentalidade das formas, por se tratar de mera irregularidade formal.

III. É imprópria a alegação de nulidade da intimação da Caixa Seguradora para comparecimento à perícia médica, não só porque o deslinde da causa independe da prova realizada, como também pelo fato que a Seguradora efetivamente participou de sua produção, ressaltando-se, ainda, a não demonstração de prejuízo.

IV. Inexistindo dúvidas quanto ao enquadramento do Segurado no conceito de consumidor e da Seguradora no de fornecedora de serviço, não subsiste impedimento à aplicação das normas protetivas do consumidor.

V. Não se pode indeferir a cobertura securitária, sob o fundamento de nulidade de interpretação de cláusula contratual, que exigia a invalidez total para o exercício de toda e qualquer atividade laborativa, se a cláusula considerada abusiva é interpretada, com acerto, no sentido de que a invalidez permanente é exigida em relação à atividade principal do segurado, preservando-se, assim, o equilíbrio entre as partes e tendo em vista o princípio da boa-fé objetiva.” (AC 2001.70.05.003820-0/ PR, 4ª T., Rel. Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI, julg. em 17.11.2004, DJU 30.03.2005, p. 720)

Destarte, acolho a apelação do IRB para reconhecer a ilegitimidade do apelante para figurar no pólo passivo da lide, determinando sua ex-clusão do feito.

Da legitimidade passiva da seguradora

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A fundamentação da Sasse acerca de sua ilegitimidade para compor o pólo passivo da presente demanda relaciona-se ao fato de não ter a seguradora integrado o pólo passivo da ação cautelar inominada movida pelos autores contra a CEF objetivando sustar qualquer exigência de va-lores relativos ao financiamento imobiliário, inclusive obstar a execução extrajudicial.

Correta a sentença ao rejeitar a prefacial suscitada pela seguradora, tendo em vista que, na ação cautelar, o pedido formulado pelos autores tem por fim unicamente impedir a prática, por parte do agente financeiro, de atos tendentes à cobrança do saldo devedor do financiamento, bem como a inclusão de seus nomes nos cadastros de restrição ao crédito, não se justificando a presença da Sasse naquele feito. A presente ação, por sua vez, busca indenização aos autores pelos prejuízos decorrentes do desapossamento e destruição do imóvel financiado, bem como da negativa de cobertura securitária, devendo necessariamente a seguradora integrar o pólo passivo da lide. Ou seja, há total diversidade de pedidos nas duas ações, não merecendo acolhida a argumentação da ré.

Portanto, rejeito a preliminar suscitada pela Sasse.

Da prescriçãoAplicável ao caso, com efeito, o art. 178, § 6º, inc. II, do Código

Civil vigente à época do ajuizamento da ação. Contudo, inocorrente, na hipótese, a prescrição invocada pela Sasse, uma vez que a parte autora teve ciência da negativa de cobertura securitária em 14.04.97, consoante se verifica do Ofício 173/97 da CEF endereçado aos mutuários (fl. 43), tendo sido ajuizada a presente demanda em 12.08.97.

A propósito da contagem do prazo prescricional na espécie posiciona--se esta Corte:

“SFH. SEGURO HABITACIONAL. COBRANÇA. PRESCRIÇÃO. COBERTU-RA: LIMITAÇÃO A UM ÚNICO FINANCIAMENTO.

1. Sendo a prescrição matéria de defesa, cumpre à seguradora aprova da data em que o segurado teve ciência do indeferimento da cobertura, para tanto não bastando juntar cópia da correspondência que lhe fora enviada, sendo necessário comprovar sua remessa, recebimento e a respectiva data. As normas que regulam a prescrição devem ser interpretadas restritivamente.

2. A teor da Súmula nº 51/STJ, ‘a aquisição, pelo segurado, demais de um imóvel financiado pelo Sistema Financeiro da Habitação, situados na mesma localidade, não

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exime a seguradora da obrigação pagamento dos seguros.’3. Apelo desprovido. (AC 1998.04.01.089149-6/RS, Rel. Des. Federal ANTÔNIO

ALBINO RAMOS DE OLIVEIRA, 4ª T., julg. em 15.08.2000, DJU 13.09.2000, p. 223)SFH. SEGURO. RESPONSABILIDADE. CEF. SEGURADORA.1. (...)2. A Caixa Econômica Federal é parte legítima para figurar em ação em que se

discute o seguro adjeto ao contrato de mútuo habitacional, visto que foi intermediária na contratação do seguro, realizado também no seu interesse.

3. Prova pericial realizada durante a instrução judicial é meio suficiente à compro-vação de invalidez permanente.

4. A comunicação do sinistro feita à seguradora suspende o prazo prescricional até o dia em que esta dá ciência ao interessado de sua recusa ao pagamento da inde-nização.” (AC 2000.72.00.004071-5/SC, 3ª T., Rel. Juiz Federal JAIRO GILBERTO SCHAFER, julg. em 31.05.2005, DJU 15.06.2005, p. 697)

Afasto, pois, a prescrição invocada pela seguradora.

Do méritoDa aplicabilidade do CDCA Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, na definição do

universo dos sujeitos merecedores de sua defesa e proteção, conceituou como consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire e utiliza produto ou serviço como destinatário final (art. 2º). Já como fornecedor e habitante do outro pólo da relação consumerista inclui, além da pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira que desem-penhe atividades relacionadas com a cadeia do produto, aquela que preste serviço (art. 3º, caput), assim entendido qualquer atividade fornecida ao mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (art. 3º, § 2º)

Se o mutuário é destinatário final do crédito fornecido, porquanto pre-sumivelmente o utiliza no suprimento de suas necessidades, v.g., adquirir bens de maior valor ou gozar de segurança, conforto e comodidade, e a instituição bancária ou financeira entrega o dinheiro mediante paga de juros, caracterizando-se o mútuo feneratício ou de fins econômicos, há a conformação da relação de consumo, e, por conseguinte, existência de substrato fático para incidência, na sua plenitude, do Estatuto Protetivo Consumerista.

Neste esquema enquadra-se com justeza o mútuo habitacional, espécie

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de avença feneratícia.Cláudia Lima Marques, a respeito, registra:“Muitas preocupações têm surgido no Brasil quanto ao contrato de financiamento,

com garantia hipotecária, e os contratos de mútuo para a obtenção de unidades de pla-nos habitacionais. Nestes casos o financiador, o órgão estatal ou o banco responsável, caracteriza-se como fornecedor. As pessoas físicas, as pessoas jurídicas, sem fim de lucro, enfim todos aqueles que contratem para benefício próprio, privado ou de seu grupo social, são consumidores. Os contratos firmados regem-se , então, pelo novo regime imposto aos contratos de consumo, presente no CDC. Estes contratos típicos de adesão, mas se fechados entre profissionais (para construção de fábricas, shopping center) estarão em princípio excluídos do campo da aplicação do CDC. Somente examinando caso a caso eventual vulnerabilidade do co-contratante é que o Judiciário Brasileiro poderá expandir a tutela concedida, em princípio, só ao consumidor não--profissional, usando como exemplo a norma permissiva do art. 29 do CDC.” (Con-tratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 203)

A jurisprudência do Egrégio STJ, especificamente quanto à aplica-bilidade do CDC às relações travadas no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, anota:

“RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CON-TRATO DE MÚTUO. CDC. APLICABILIDADE. PRECEDENTES. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DE LEI FEDERAL. INOCORRÊNCIA.

1. Consoante entendimento atual e predominante nesta Corte, ‘há relação de consumo entre o agente financeiro do SFH, que concede o empréstimo para aquisição da casa própria, e o mutuário, razão pela qual aplica-se o Código de Defesa do Consumidor’. 2. Violação a dispositivos de lei federal não comprovada. 3. Recurso especial conhecido pelo fundamento da letra c ao qual se nega provimento. (REsp 2003/0222455-8, 2ª T., Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJU 27.06.2005)

AGRAVO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. APLICABILIDADE DO CDC. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INACUMULABILIDADE COM JUROS MORATÓRIOS E MULTA CONTRATUAL. SÚMULA 83 DESTA CORTE.

I - Pela interpretação do art. 3º, § 2º, do CDC, é de se deduzir que as instituições bancárias estão elencadas no rol das pessoas de direito consideradas como fornecedoras, para fim de aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações entre essas e os consumidores, no caso, correntistas.

II - Tratando-se de contrato firmado entre a instituição financeira e pessoa física, é de se concluir que o agravado agiu com vistas ao atendimento de uma necessidade própria, isto é, atuou como destinatário final. Aplicável, pois, o CDC.

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III - (...)” (AGA 296516/SP, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 05.02.2001, p. 110)

Recentemente, o entendimento jurisprudencial acerca da aplicabilida-de do CDC às relações bancárias, indistintamente, foi compendiado na Súmula nº 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”

Caracterizada como de consumo a relação entre o agente financeiro do SFH, que concede empréstimo oneroso para aquisição de casa própria, e o mutuário, as respectivas avenças estão vinculadas, além dos princípios gerais, a princípios específicos que sublimem a finalidade social, dentre eles o “de que a vulnerabilidade do mutuário na transação imobiliária, não decorrente da sua fragilidade financeira, mas, também, pela ânsia e necessidade de adquirir a casa própria, há de ser considerada na execução da Política Habitacional, não só pelo legislador a elaborar a norma, mas, também, pelo Executivo ao regulamentá-la e fiscalizar o seu cumprimento e o Judiciário quando for chamado a aplicá-la” (grifo nosso), e aquele que determina “que a proteção efetiva do mutuário, como parte economicamente mais fraca, se constitui em uma obrigação do Estado, inserindo-se nesta função a atuação do Poder Judiciário”. (REsp nº 101.061/PB, Rel. Min. José Delgado, DJU 29.10.96)

Ao desincumbir-se da sua missão, cumpre ao Judiciário sindicar as relações consumeristas instaladas quanto ao respeito às regras consignadas no CDC, que são qualificadas expressamente como de ordem pública e de interesse social (art. 1º), o que legitima mesmo a sua ação ex officio, declarando-se, v.g., a nulidade de pleno direito de convenções ilegais e que impliquem excessiva onerosidade e vantagem exagerada ao credor, forte no art. 51, IV e § 1º, do CDC, porque abusivas e atentatórias à boa--fé, restabelecendo-se o equilíbrio do contrato, relativizado que está o pacta sunt servanda em homenagem à igualdade material entre as partes.

A indigitada doutrinadora destaca:“Note-se que, concluído o contrato entre o fornecedor e o consumidor, quando o

pacto deve surtir seus efeitos, deve ser executado pelas partes, impõe a nova Lei o respeito a um novo princípio norteador da ação das partes, é o Princípio da Equidade Contratual, do equilíbrio de direitos e deveres no contrato, para alcançar a justiça con-tratual. Assim, institui o CDC normas imperativas, as quais proíbem a utilização de qualquer cláusula abusiva, definidas como as que assegurem vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor de bens e serviços, ou que sejam incompatíveis com a

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boa-fé e a eqüidade (veja o art. 51, IV, do CDC). O Poder Judiciário declarará a nulidade absoluta destas cláusulas, a pedido do consumidor, de suas entidades de proteção, do Ministério Público e mesmo, incidentalmente, ex officio. A vontade das partes manifes-tada livremente no contrato não é mais o fator decisivo do Direito, pois as normas do Código instituem novos valores superiores como o equilíbrio e a boa-fé nas relações de consumo. Formado o vínculo contratual de consumo, o novo direito dos contratos opta por proteger não só a vontade das partes, mas também os legítimos interesses e expectativas dos consumidores. O princípio da eqüidade, do equilíbrio contratual é cogente; a lei brasileira, como veremos, não exige que a cláusula abusiva tenha sido incluída no contrato ‘por abuso do poderio econômico’ do fornecedor, como exige a lei francesa, ao contrário, o CDC sanciona e afasta apenas o resultado, o desequilíbrio, não exige um ato reprovável do fornecedor.; a cláusula pode ter sido aceita consciente-mente pelo consumidor, se traz vantagem excessiva para o fornecedor, se é abusiva, o resultado é contrário à ordem pública, contrária às novas normas de ordem pública de proteção do CDC e a autonomia de vontade não prevalecerá. (op. cit. p. 390/391)”

Mesmo que as relações mantidas com instituições bancárias ou finan-ceiras estivessem imunes às regras do direito consumerista, o rompimento da comutatividade contratual, com o enriquecimento injustificado de uma das partes, sempre foi causa de revisão da avença, quiçá de sua resolu-ção, na hipótese de gravosidade tal que comprometesse a economia do contrato, quebrando o equilíbrio do pacto e impedindo sua justa sobre-vivência. Portanto, registra a Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Rejane Maria Dias de Castro Bins, não basta invocar o pacta sunt servanda, quando se põem em desequilíbrio as posições das partes num negócio, com benefício acentuado de uma em detrimento de outra. Esta a perspectiva da qual se devem analisar as relações entre as partes, não se tratando, de conseguinte, de verificar abusividade em razão da parte que litiga, mas das cláusulas contratu-ais retratadas nos instrumentos firmados, que eventualmente poderão infringir regras do direito objetivo. E, em o fazendo, a invalidade há de ser decretada, ficando afastada a representação do contrato como ato jurídico perfeito (art. 5º, inc. XXXVI, Constituição Federal e 6º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, além do art. 82 do Código Civil). O pacto é cumprido no que válido e regular. (AC 70004638987, julg. em 18.12.2002)

É de relevo, todavia, que a atividade controladora do Judiciário deve procurar preservar a pactuação, restringindo-se à poda das sobras. Mister que o juiz se empenhe em ajustar o conteúdo do contrato de consumo

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(art. 51, § 2º, do CDC), fazendo a exegese mais favorável ao consumidor (art. 47 do CDC), o qual, no caso concreto, ostenta idêntico benefício à luz da lei civil (art. 423), porquanto é aderente ao contrato de mútuo habitacional, típico de negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas. (ORLANDO GOMES. Contrato de Adesão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1972, p. 03)

Da responsabilidade da CEF Cabe salientar, novamente, que, sem prejuízo das responsabilidades

específicas definidas em lei para o incorporador e a empresa construtora, ao agente financeiro cabe vistoriar e fiscalizar as obras para efeito de comprovação da aplicação dos recursos do empréstimo em conformidade com os projetos, memorial descritivo, orçamentos e demais documentos apresentados pelo empresário, à vista do que dispõe o item 7 da Res. 171, de 26.11.82, do ex-BNH:

“7. Sem prejuízo das responsabilidades específicas definidas em lei para o incorpo-rador e a empresa construtora, ao agente financeiro caberá vistoriar e fiscalizar as obras para efeito de comprovação da aplicação dos recursos do empréstimo em conformidade com os projetos, memorial descritivo, orçamentos e demais documentos apresentados pelo empresário, obedecido o disposto nesse item.”

Nesse sentido, improcede qualquer argumentação no sentido de serem ou não evidentes os defeitos de construção por ocasião da vistoria reali-zada pelo engenheiro credenciado da CEF, mesmo porque pressupõe-se que o técnico contratado para essa tarefa tenha condições de averiguar as reais condições do imóvel, ainda que este apresente vícios não apa-rentes para um leigo. Ademais, o laudo produzido na medida cautelar de produção antecipada de provas ajuizada pela Sasse, na Justiça Estadual, contra o engenheiro responsável pela obra, juntado a estes autos (fls. 381/402), comprova que o desmoronamento do imóvel foi causado por falha construtiva evidente já quando da própria contratação do financia-mento e do seguro. Em relação à responsabilidade pelos danos, afirma o Expert. (fl. 386)

“Fosse o caso de regularização, entendemos que não seria exclusivo de responsabi-lidade do Réu, pois a regularização de obra já edificada implica em verificação de suas

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condições de segurança e habitabilidade. Neste particular, além do réu, o responsável técnico pela vistoria da Prefeitura Municipal considerou o imóvel em condições de segurança e habitabilidade, vez que concedeu o Habite-se; da mesma forma o res-ponsável pela avaliação da Caixa Econômica Federal considerou que o imóvel estava em condições de habitabilidade e segurança, pois do contrário não recomendaria a concessão de financiamento.”

Com efeito, tendo em vista o caráter social dos empreendimentos financiados pelas instituições bancárias gestoras dos recursos do SFH, estão estas também comprometidas com sua consecução, de maneira solidária com o construtor, devendo ser apurada a culpa da instituição financeira, no curso da instrução processual, por negligência ao possi-bilitar o emprego indevido de fundos provenientes do SFH.

No caso dos autos, são evidentes os danos causados aos mutuários, comprovados pelos laudos técnicos realizados, o que conduz à imputação lógica de responsabilidade da mutuante por negligência na fiscalização que lhe incumbia. Acerca da responsabilidade do agente financeiro pela fiscalização dos imóveis financiados com recursos do SFH, transcrevo excerto do voto proferido pelo então Des. Ruy Rosado de Aguiar Junior, na AC nº 587014143, da 5ª Câmara Cível, TJRGS, julg. em 19.05.87:

“Ora, o SFH utiliza recursos captados do Fundo de Garantia (FGTS) e das Cadernetas de Poupança e destina-os principalmente ao fim social da construção da casa própria. Os agentes financeiros são intermediários que operam no sistema e, ao lado do lucro que auferem, representativa e substancial parcela do curso pago pelo mutuário, assumem também o dever de zelar pela realização do fim a que se dirige o Sistema. Para isso devem, entre outras obrigações, cuidar que os prédios objetos de negócios ofereçam as condições mínimas esperadas pelos adquirentes, a fim de que não participem de empreendimentos que não ofereçam boas condições de segurança, que não atendam ao princípio da boa-fé e que se destinem – antes de atingir o fim social a que está aposto o Sistema – a propiciar lucros indevidos.

Deve, portanto, o agente financeiro assegurar-se de que o financiamento concedido atra-vés de sua intervenção numa operação de financiamento de numerário captado num mercado especial de poupança tenha por objeto um bem que, em se tratando de prédio residencial, atenda às exigências mínimas de técnica quando à segurança e à habitabilidade. Deixando de assim proceder, omitiu-se o agente culposamente (Negligência) e propiciou o emprego indevido dos fundos imobiliários vinculados ao SFH, criando, por sua culpa concorrente, as condições para a realização do negócio cujo cumprimento se mostrou deficiente, em prejuízo ao adquirente, mutuário na operação de empréstimo.

Tenho que o agente financeiro, ao lado do lucro esperado com a sua operação, assumiu os ônus de atuar eficiente e diligentemente para impedir que o SFH se trans-

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forme em instrumento de lucros fáceis e desmedidos, meio de enriquecimento ilícito dos que se dispõem a usar das facilidades e dos instrumentos legais para abusar da necessidade alheia.

Evidentemente que o construtor (ou proprietário) é o primeiro responsável pela má execução da obra; mas solidariamente com ele está o agente financeiro, pois só assim fica resguardado o adquirente dos malefícios decorrentes da má construção do prédio financiado, só verificados depois da realização do negócio e assumidos os compromis-sos bancários, após irremediavelmente comprometida a renda do adquirente, durante longos anos. Só assim fica garantida ao comprador lesado a possibilidade de sempre encontrar um devedor solvente para cobrar a indenização cabível.

Os agentes financeiros do SFH participam de projeto social com cujos objetivos também estão comprometidos, respondendo pela má execução dos contratos que fi-nanciam.” (RJTJRGS nº 123/387-388)

No que tange à responsabilização solidária da seguradora, resta preju-dicado o recurso da CEF, ante o acolhimento dos embargos declaratórios opostos pela parte autora, com a modificação do dispositivo da sentença para integrar a Sasse à condenação.

Da responsabilidade da SASSE Como é cediço, o contrato de mútuo celebrado conforme as regras do

Sistema Financeiro da Habitação junto a um de seus agentes financei-ros torna obrigatória a contratação de um seguro. Há, pois, uma união de contratos entre o mútuo habitacional, cujas partes contratantes são o mutuário e o agente financeiro, e o contrato de seguro que tem esse agente financeiro e uma companhia seguradora figurando em seus pólos. O mutuário, ao efetuar o pagamento das prestações do financiamento contraído sob a égide do SFH, concomitantemente, paga os prêmios referentes ao contrato de seguro àquele vinculado.

Com efeito, a seguradora, ao aceitar o recebimento das parcelas pertinen-tes ao seguro, não se pode eximir da responsabilidade, porquanto válido o contrato de financiamento em si, permanecendo o vínculo contratual intacto, consideradas as relações jurídicas autônomas. Esta a diretriz que tem pre-dominado nos Tribunais, principalmente no Superior Tribunal de Justiça, haja vista que foi editada a Súmula nº 31. (“A aquisição, pelo segurado, de mais um imóvel financiado pelo SFH, situados na mesma localidade, não exime a seguradora da obrigação de pagamento dos seguros.”)

Demais, segundo o disposto no art. 21 do DL 73/66, o estipulante (a CEF) equipara-se ao segurado, com vistas à contratação e manutenção

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do seguro habitacional. Sendo assim, cabe à seguradora contratada veri-ficar o preenchimento dos pressupostos exigidos à contratação do seguro habitacional, fazendo as ressalvas necessárias a respeito das limitações da proteção securitária dos riscos. Nesta perspectiva, não é razoável exigir que o estipulante, que age em nome do segurado, também enfei-xe a posição e a função que é da seguradora, sob pena de uma indevida confusão de papéis, em detrimento do mutuário.

Outrossim, quanto ao tema, convém lembrar cuidar-se a modalidade de seguro em comento de seguros de massa, impostos na regulação do Sistema Financeiro de Habitação, a que só podem aderir os mutuários do sistema, sem que lhes seja possibilitada qualquer ingerência na redação das cláusulas contratuais, razão por que essas devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao aderente, de acordo com as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor aplicáveis à espécie, notadamente, o artigo 47. Vale destacar brilhante voto vencedor do eminente Des. Osval-do Stefanello no julgamento dos EI 599011822, ocorrido em 16.04.99, relator o Des. Sérgio Pilla da Silva, in verbis:“(...) em sistema de seguro habitacional, como no caso em exame, vige o principio do risco integral. Princípio que afastado não resta pela circunstância de existir cláusula que particulariza os riscos cobertos. Particularização de riscos que não deve ser considerada exaustiva, mas meramente exemplificativa, cedendo ao princípio do interesse maior que é o da segurança, razão de ser do próprio seguro, de quem no prédio resida. Além do que, de se afastar não é o argumento segundo o qual o contrato de seguro, por ser típico contrato de adesão, modo especial o seguro habitacional que é simplesmente imposto ao mutuário do SFH, sem qualquer discussão sobre suas cláusulas e condições, há que merecer, em hipótese de dúvida sobre seu alcance, interpretação mais favorável à parte que ao pacto adere. Não à seguradora. (...).” (EI 599011822, Terceiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Sérgio Pilla da Silva, julg. em 16.04.99)

A respeito das causas do sinistro ocorrido no imóvel, afirma o Perito (fls. 384):

“A construção em tela foi atingida por desmoronamento de parte dos pisos, pela deterioração do material de que foram os mesmos construídos, madeira, bem como por fissuras nas paredes. Estas ocorrências propiciaram o aparecimento de efeitos secundários, como queda de azulejos, danos às canalizações, e outros.

A causa de tal deterioração, ou seja, o apodrecimento da estrutura dos menciona-dos pisos, foi, provavelmente, decorrente de vícios de construção, já que não foram adotados os cuidados estruturais para garantir a solidez da construção. O acúmulo

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de umidade ocasionou o apodrecimento da estrutura do soalho. Tal acúmulo foi conseqüência da não previsão de ventilação para o ‘porão’, e, efetivamente, tende a se alastrar.

Há fissuras nas paredes de alvenaria, e tal ocorrência se deve ao tipo de construção misto, sem uma adequada estruturação, agravado ainda por ter forro de madeira, o que não proporciona a necessária solidariedade entre paredes e cobertura.

A soma de tais fatores evidencia que houve, originalmente, uma adaptação de construção de madeira para alvenaria, cuja execução não previu um reforço de fun-dações e pisos, nem a ventilação da estrutura do soalho, acarretando os danos que ora são analisados.”

Comprovados, portanto, os defeitos existentes no imóvel que ocasio-naram o sinistro, os quais foram causados por falha evidente já quando da própria contratação do financiamento e do seguro, entendo inexistir justificativa plausível para a negativa de cobertura securitária, devendo responder a seguradora, então, pelos prejuízos daí advindos.

Dos danos patrimoniaisA meu sentir, arbitrados em consonância com as circunstâncias do

caso concreto e com a pretensão formulada os valores de indenização dos danos patrimoniais, os quais cobrem a diferença entre o preço pago pelo imóvel ao anterior proprietário, corrigido monetariamente, deduzindo-se o valor do terreno (que é dos autores) e o saldo do financiamento, além das despesas decorrentes da desocupação do imóvel, comprovadas nos autos (aluguéis, mudanças, etc.). Correto, igualmente, o acolhimento do pedido de declaração de inexistência de saldo devedor em relação aos mutuários, uma vez que, como apontado na decisão recorrida, a adequada execução do contrato de seguro teria como conseqüência a solução, oportuno tempore, da dívida, nos termos da cláusula 10ª do contrato de mútuo.

Do dano moralNo que tange à comprovação do dano moral propriamente dito,

doutrina e jurisprudência dizem que basta a prova do fato, não havendo necessidade de demonstrar-se o sofrimento moral, mesmo porque é praticamente impossível, uma vez que o dano extrapatrimonial atinge bens incorpóreos – a imagem, a honra, a privacidade etc. O que se deve demonstrar, e está suficientemente demonstrado, no caso, é o nexo de causalidade entre a conduta das rés e o abalo sofrido pelos autores.

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A respeito da reparabilidade do dano moral à luz da Constituição Federal de 1988, preleciona Américo Luís Martins da Silva (O Dano Moral e a sua Reparação Civil, Editora RT, 2. ed., p. 237):

“Qualquer oposição que ainda existia contra o princípio da reparabilidade do dano moral puro caiu por terra com a vigência dos incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal de 1988. Com tais dispositivos constitucionais, o argumento contrário à reparação do dano moral, fundado na inexecução de preceituação genérica, passou a ser de difícil sustentação. Como bem destacou o Ministro Cláudio Santos, ‘a idéia de que o dano simplesmente moral não é indenizável pertence ao passado’. Hoje, por força de disposição constitucional, é reparável o dano moral, quer haja ou não o dano patrimonial.

Dispõe o inciso V do art. 5º da Constituição Federal de 1988 que ‘é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano, moral ou à imagem.’”

A jurisprudência:“RESPONSABILIDADE CIVIL. MULTA DE TRÂNSITO INDEVIDAMENTE

COBRADA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DANO PRESUMIDO.VALOR REPARATÓRIO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO.

1. Como se trata de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Por outras palavras, o dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado, decorre da gravidade do ilícito em si, sendo desnecessária sua efetiva demonstração, ou seja, como já subli-nhado: o dano moral existe in re ipsa. Afirma Ruggiero: Para o dano ser indenizável, ‘basta a perturbação feita pelo ato ilícito nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos, nos afetos de uma pessoa, para produzir uma diminuição no gozo do respectivo direito.

2. É dever da Administração Pública primar pelo atendimento ágil e eficiente de modo a não deixar prejudicados os interesses da sociedade. Deve ser banida da cultura nacional a idéia de que ser mal atendido faz parte dos aborrecimentos triviais do cidadão comum, principalmente quando tal comportamento provém das entidades administrativas. O cidadão não pode ser compelido a suportar as conseqüências da má organização, abuso e falta de eficiência daqueles que devem, com toda boa vontade, solicitude e cortesia, atender ao público.

3. Os simples aborrecimentos triviais aos quais o cidadão encontra-se sujeito devem ser considerados como os que não ultrapassem o limite do razoável, tais como: a longa espera em filas para atendimento, a falta de estacionamentos públicos suficientes, engar-rafamentos etc. No caso dos autos, o autor foi obrigado, sob pena de não-licenciamento de seu veículo, a pagar multa que já tinha sido reconhecida, há mais de dois anos, como indevida pela própria administração do DAER, tendo sido, inclusive, tratado com grosseria

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pelos agentes da entidade. Destarte, cabe a indenização por dano moral. 4. Atendendo às peculiaridades do caso concreto, e tendo em vista a impossibilidade

de quantificação do dano moral , recomendável que a indenização seja fixada de tal forma que, não ultrapassando o princípio da razoabilidade, compense condignamente, os desgastes emocionais advindos ao ofendido. Portanto, fixo o valor da indenização a ser pago por dano moral ao autor, em 10 (dez) vezes o valor da multa.

5. Recurso especial provido.” (STJ, REsp 608918 / RS, 1ª T., Rel. Min. JOSÉ DELGADO (1105), julg. em 20.05.2004, DJ 21.06.2004, p.00176)

Sobre o quantum da indenização por dano extrapatrimonial, o pretium doloris, saliento que, no arbitramento da indenização advinda de danos morais, no meu sentir, o julgador deve se valer do bom senso e razoa-bilidade, atendendo às peculiaridades do caso, não podendo ser fixado quantum que torne irrisória a condenação e nem tampouco valor vultoso que traduza enriquecimento ilícito. Deve-se, então, agir com cautela, fa-zendo com que o valor, de certa forma, amenize as nefastas conseqüências sofridas pela vítima, punindo na medida certa aquele responsável pelo dano. Há que se temperar para tanto as particularidades de cada situação abordada, suas conseqüências e seus efeitos. A este respeito, manifesta--se a doutrina, na lição de Carlos Dias Motta (Dano Moral por Abalo Indevido de Crédito, RT 760, fev./99, p. 74/94):

“Na verdade, não há falar em equivalência entre o dinheiro proveniente da indeni-zação e o dano sofrido, pois não se pode avaliar o sentimento humano. Não se afigura possível, então, a reparação propriamente dita do dano, com o retorno ao status quo ante e com a restitutio in integrum. Na impossibilidade de reparação equivalente, compensa--se o dano moral com determinada quantia pecuniária, que funciona como lenitivo e forma alternativa para que o sofrimento possa ser atenuado com as comodidades e os prazeres que o dinheiro pode proporcionar. A par disso, a condenação pecuniária também tem natureza punitiva, sancionando o causador do dano. Como corolário da sanção, surge ainda a função preventiva da indenização, pois esta deverá ser dimen-sionada de tal forma a desestimular o ofensor à repetição do ato ilícito e conduzi-lo a ser mais cuidadoso no futuro.”

Quanto ao tópico, estampa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. AUTU-AÇÃO EM APARTADO. INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO. INSTAURA-ÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. DANOS MATERIAIS. SÚMULA 7/STJ. RECUR-SO ESPECIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF.

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DANOS MORAIS. VALOR EXORBITANTE. CONTROLE DO STJ. CABIMENTO. (...)VII - O arbitramento do valor indenizatório por dano moral se sujeita ao controle

desta Corte. Inexistindo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral , recomendável que o arbitramento seja feito com moderação e atendendo às peculiaridades do caso concreto, o que, na espécie, não ocorreu, distanciando-se o quantum arbitrado da razoabilidade. (...)” (REsp 494867/AM, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, DJ 29.09.2003)

“PROCESSO CIVIL. PRISÃO INDEVIDA. ART. 5°, LXXV, DA CF. APLICA-ÇÃO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ACÓRDÃO RECORRIDO. DECISÃO EXTRA PETITA E DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NA APLICAÇÃO DOS DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA.DANOS MORAIS E MATERIAIS MANTI-DOS.

(...) 3. A fixação dos danos morais deve obedecer aos critérios da solidariedade e exem-

plaridade, que implica a valoração da proporcionalidade do quantum e a capacidade econômica do sucumbente. (...)” (REsp 434970/MG, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 16.12.2002)

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUES. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. VALOR. CONTROLE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Na fixação da indenização por danos morais devem ser levados em conta critérios preconizados pela doutrina e jurisprudência a fim de garantir a razoabilidade do quan-tum reparatório.

Escapa ao controle do Superior Tribunal de Justiça o pedido de aumento ou redução do valor da reparação por danos morais fixada em quantia não exagerada nem irrisória e que se mostra coerente com a jurisprudência da Corte.” (REsp 347565/DF, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 09.09.2002)

“INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO. Não há critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral . Recomendável que o arbitramento seja feito com moderação e atendendo às peculiaridades do caso concreto. (...)” (REsp 213731/PR, 3ª T., Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 21.08.2000)

“ADMINISTRATIVO. MILITAR. LESÃO INCAPACITANTE PARA O SERVI-ÇO ATIVO. NEXO DE CAUSALIDADE COM AS ATIVIDADES CASTRENSES. REFORMA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REDUÇÃO DO VALOR. POSSIBILIDADE.

(...)4. A indenização, em caso de danos morais, não visa reparar, no sentido literal, a

dor, a alegria, a honra, a tristeza ou a humilhação; são valores inestimáveis, mas isso não impede que seja precisado um valor compensatório, que amenize o respectivo dano, com base em alguns elementos como a gravidade objetiva do dano, a personalidade

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da vítima, sua situação familiar e social, a gravidade da falta, ou mesmo a condição econômica das partes.

(...)” (REsp 239973/RN, Quinta Turma, Min. Edson Vidial, DJ 12.06.2000)

A propósito, considero que a quantia fixada pela sentença para repa-ração do dano extrapatrimonial – correspondente a 30 salários mínimos – encontra-se adequada aos propósitos acima explicitados, estando, ao mesmo tempo, em consonância com a jurisprudência desta Corte.

Por todo o exposto, voto no sentido de negar provimento às apelações da CEF e da Sasse, dando provimento à apelação do IRB para determinar sua exclusão do feito, nos termos da fundamentação.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.00.033038-4/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Apelante: Caixa Econômica Federal - CEFAdvogados: Drs. Huldo Baldoino da Silva e outros

Apelante: Edesson Bonorino FlorianoAdvogados: Drs. José Velocino Passamani Pacheco e outros

Apelante: Banco Santander Meridional S/AAdvogados: Drs. Luiz Fernando Egert Barboza e outro

Apelados: (os mesmos)

EMENTA

Civil e Administrativo. Contrato de prestação de honorários advocatícios. Ruptura da relação obrigacional. Fato do príncipe. Efeitos.

1. Os contratos de prestação de serviços advocatícios entabulados entre o autor e o Banco Santander Meridional S.A., no que toca à remu-neração dos serviços prestados, sem dúvida encerram hipótese de pacto

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quotalício, entendido como contrato aleatório (em face do futuro e incerto vencimento das demandas judiciais ou tratativas extrajudiciais de cobrança dos créditos do mandante), cuja retribuição decorre da sucumbência.

Em alentado parecer publicado na Revista Forense, acerca do contrato quota litis, assinalou o saudoso Ministro Carlos Thompson Flores, verbis:

“Sucede que o contrato de honorários em questão, tendo em vista as condições estipuladas, caracteriza-se como especial, nominado pelos dou-tores, como contrato cotalício ou quota litis. Com base nele, o quantum ajustado somente dará direito a seu recebimento quando ocorrer lucro para o cliente, ou seja, quando a demanda proposta for julgada proce-dente, ainda que em parte. E é exatamente sobre o líquido apurado que incidirão as percentagens ajustadas, proporcionando sua paga. (PONTES DE MIRANDA, Trat. de Dir. Priv., VI, 1955, p. 151)” (Honorários Ad-vocatícios. Contrato Quota-Litis. Ação de Cobrança. Prescrição., Revista Forense, v. 359, p. 183/4)

E, à p. 189, concluiu o saudoso Jurista, verbis:“2ª) Tal contrato nada tem de atentatório ao Código de Ética, sendo

inteiramente válido e exeqüível. (Rui Azevedo Sodré, O Advogado, seu Estatuto e a Ética Profissional, nos 349-50, p. 436, invocando Macedo Soares; Dalloz. Rep. Prat., verb. Avocat, nº 205; Cunha Gonçalves. Tra-tado, III, t. II, p. 644; Ac. da 5ª Câmara, do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Revista dos Tribunais, 475/127)”

Ora, in casu, os contratos de prestação de serviços advocatícios que vinculam a parte autora e o Banco Santander Meridional S/A, no que pertine à sua remuneração, configuram caso de pacto cotalício, cuja retribuição decorre da sucumbência.

A respeito, leciona Yussef Said Cahali, em sua obra Honorários Ad-vocatícios, 3ª edição, RT, p. 771, verbis:

“O contrato quotalício, a se ver pelos antecedentes históricos do ins-tituto, compreende não apenas a participação do advogado a título de honorários em bens, inclusive naquele objeto da demanda; como também a estipulação de honorários excessivos ou extorsivos, em desconformi-dade com o serviço profissional prestado, e bem assim a vinculação da honorária ao resultado proveitoso da demanda através da estipulação pro exito.”

No caso em exame, não se verificou qualquer vício de vontade na

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formação de vínculo contratual. (art. 145 do Código Civil)Inexiste, também, qualquer violação ao Estatuto da OAB. (Lei nº

8.906/94)No que concerne à alegada revogação das procurações, verificou-

-se a ruptura da relação obrigacional por fatos supervenientes alheios à vontade do mandante e originado do fato do príncipe, acarretando a absoluta impossibilidade da prestação dos serviços advocatícios por parte do autor.

A respeito, leciona Saroit BADAQUI, em sua clássica monografia Le Fait Du Prince Dans Les Contrats Administratifs, L.D.G.J., Paris, 1955, p. 3, verbis:

“En effet, le fait du Prince peut aggraver les charges du co-contractant de deux manières différentes: ou bien il va directement à l’encontre des dispositions contractuelles, il agit sur les clauses mêmes du contrat, en modifiant le contenu juridique des obligations des parties ou leurs délais d’exécution. Il s’agit donc d’une modification intrinsèque du contrat entraînant une aggravation directe des charges du co-contractant;

Ou bien le fait du Prince, sans toucher aux clauses du contrat, modifie ses conditions extrinsèques d’exécution. Il ne modifie en rien les obli-gations synallagmatiques des parties; les prestations restent les mêmes en nature, en quantité et en qualité. Mais, il apporte une modification à l’ordre économique, social ou fiscal du moment, et par contrecoup et indirectement il aggrave les charges du co-contractant. Il laisse intac-te la consistance intime du contrat, mais en modifiant les conditions économiques ou les charges fiscales du moment, il rend plus onéreuse l’exécution de tous les contrats administratifs et privés.

Ainsi, alors que dans le premier cas le fait du Prince se situe à l’intérieur du contrat, dans le second il lui est extérieur; il influe sur le milieu dans lequel le contrat s’exécute, et non sur le contrat luimême. D’autre part, dans le premier cas, le fait du Prince constitue une mesure particulière qui vise personnellement le co-contractant. Au contraire, dans le second cas il s’agit d’une mesure qui ne vise pas particulière-ment le co-contractant et qui n’aggrave ses charges qu’indirectement au même titre que tous ceux qui se livrent à des activités semblables.”

Por conseguinte, não há que se falar em revogação tácita das procu-rações ou ilícito contratual, mas sim em extinção do contrato por impos-

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sibilidade total e absoluta da prestação, decorrente do fato do príncipe, inimputável ao devedor, desonerando-o de responder pelo descumpri-mento do contrato, nos termos dos arts. 879 e 1.058 do Código Civil de 1916, então em vigor.

2. Provimento das apelações da CEF e do Banco Santender Meridional S/A, prejudicado o apelo do autor.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento às apelações da CEF e do Banco San-tander Meridional S/A e julgar prejudicado o apelo da parte autora, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de julho de 2006.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: A r. sentença recorrida, a fls. 811/816, bem esclarece a controvérsia, verbis:

“Perante a Justiça Estadual, EDESSON BONORINO FLORIANO ajuizou ‘ação ordinária declaratória de nulidade de cláusula e de revogações tácitas de procurações, cumulada com arbitramento e cobrança de honorários e perdas e danos’ contra o BAN-CO SANTANDER MERIDIONAL S/A.

Disse que seus serviços profissionais de advogado foram contratados pelo Banco réu no ano de 1980, para cobrança judicial de créditos, passando, então, a atuar quase exclusivamente na defesa dos interesses do Banco, em inúmeros processos, perante a comarca de Itaqui/RS, listando-os às fls. 04/16. De acordo com o Contrato de Prestação de Serviços Jurídicos celebrado entre as partes, ficou estipulado que a remuneração do demandante dar-se-ia, exclusivamente, com os honorários de sucumbência, ressalvados os procedimentos judiciais em que não há previsão de sucumbência.

Inobstante, em 30 de abril de 1997, os créditos em questão, dentre muitos outros, foram cedidos, onerosamente, pelo Banco Meridional à Caixa Econômica Federal, sem que tal fato tenha sido comunicado ao demandante. Ainda, por ocasião da cessão, a CEF nomeou o Meridional como gestor remunerado dos créditos cedidos, pagando-lhe, mensalmente, a importância de R$ 25,00 (vinte e cinco reais) para cada operação de cobrança judicial. Contudo, quem realmente ‘administrava’ os créditos eram os advo-gados credenciados, como o demandante. Salientou que permaneceu arcando com os

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custos da manutenção da defesa judicial (escritório, telefone, material de expediente, assinatura de revistas jurídicas e de serviços de informações judiciárias, etc.). Imputou de ilegal a previsão de pagamento de seus serviços somente através da sucumbência, ressaltando que o contrato de prestação de serviços deixou de prever a forma de seu pagamento nas hipóteses de assistência judiciária gratuita, inexistência de bens penho-ráveis, extinção dos feitos executivos.

Em 27 de agosto de 1999 veio, finalmente, a ser notificado, pelo Banco Meridio-nal, da cessão e também de que a cessionária havia contratado empresa de cobrança para administração dos referidos créditos. Em 25 de novembro de 1999 esta empresa enviou-lhe minuta de petição para ser juntada em todos os processos, informando aos juízos que os créditos tinham sido cedidos à CEF. Dos termos da minuta da petição constou ainda o seguinte: ‘em tais condições, tanto o cedente (Meridional), que não detém mais a administração dos créditos, como o Advogado signatário, que não tem poderes da cessionária, não poderiam mais validamente praticar atos no processo.’ (fl. 18). Mediante isto, fez contato com o Banco, a fim de auferir seus honorários, não ob-tendo sucesso até o momento. Invocando o art. 1.316 do CC/1916, sustenta que houve revogação tácita das procurações, desde que ocorreu mudança de estado, que inabilitou o mandante a conferir poderes ao mandatário. Com isto, ficou impedido de peticionar nos autos e, portanto, de receber seus honorários, ficando à mercê do Banco demandado. Por outro lado, a revogação deu-se sem justa causa, equivalendo a ilícito contratual, gerando direito à indenização por perdas e danos. Destarte, requer seja declarada a nulidade da cláusula contratual que dispunha sobre os honorários, com arbitramento destes pelo juízo, acrescidos da condenação em perdas e danos e, ainda, a declaração de revogação tácita das procurações. Fundamenta seu pedido nos arts. 22, 23 e 24 da Lei 8.906/94, salientando que o direito aos honorários, por sua natureza alimentar, é indisponível, sendo nula qualquer disposição em contrário. Lembra que os honorários de sucumbência pertencem unicamente ao advogado, concluindo que, ‘em verdade, o contrato de adesão elaborado pelo Demandado não estabeleceu qualquer remune-ração dos serviços a serem prestados, pois, os honorários de sucumbência pertencem ao ora AUTOR, em virtude de Lei e não de contrato. Logo, remunerar os serviços de um advogado com uma verba que já lhe pertence por disposição legal, significa NÃO REMUNERAR.’ (fl. 21)

Imputando de nula a cláusula contratual que versou sobre a sucumbência, destacou que nos honorários a serem arbitrados deverá o juízo ter em conta os longos anos em que trabalhou para o Banco, somado ao grau de zelo e ao estágio dos processos, obser-vando o disposto na Resolução 007/95, da OAB, que fixa sua tabela de honorários e o art. 20, § 3°, do CPC. Em relação às perdas e danos diz que ‘... devem ser exatamente aquelas que o AUTOR deixou de ganhar. No caso, o direito à sucumbência – que por direito já era seu – foi tolhido do AUTOR, os quais foram fixados preliminarmente nas iniciais executivas, como se observa nas cópias de alguns dos processos.’ Tem, ainda, que ‘... também a título de perdas e danos, devem ser repassados ao AUTOR 100% do

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valor que o Demandado percebeu da CEF, mensalmente, a título de gestor remunerado dos créditos cedidos, no período de dezembro de 1997 até novembro de 1999.’ (fl. 29), porque na prática foram os advogados que permaneceram administrando os créditos, visando a remuneração de R$ 25,00 mensais por processo cobrir as despesas com material de expediente, assinatura de empresas de informações processuais, revistas eletrônicas, etc.

Requer, ao fim, o julgamento de procedência, para ver declarada a revogação tácita das procurações, imputando responsabilidade exclusiva ao Banco pela revogação, e/ou ver declarada a nulidade da cláusula contratual com o arbitramento dos honorários em 20% sobre o valor atualizado da causa atribuído aos processos em que atuou, tudo com juros de mora de 1% ao mês, acrescido do pagamento das perdas e danos. Pugnou pela concessão da assistência judiciária gratuita.

Acompanharam a inicial os documentos das fls. 37/412.Deferido o benefício da assistência judiciária gratuita ao autor, citado, o Banco

Santander Meridional S/A contestou, às fls. 541/580.Preliminarmente, solicitou a suspensão do feito, a teor do art. 265, IV, a, do CPC,

informando que tramita em outro juízo ação declaratória onde se discute a existência de relação jurídica idêntica à questionada nestes autos. Ainda em sede preliminar, imputou ao autor carência de ação, por falta de interesse de agir, afirmando que não houve revogação dos mandatos a ele outorgados, mas singela comunicação para que noticiasse nos autos a cessão dos créditos do Meridional à CEF e para que entrasse em contato com a empresa encarregada da administração dos créditos para gestionar a obtenção de nova procuração, outorgada pela cessionária. Como o autor assim não procedeu, foi providenciada a constituição de novo procurador. E concluiu que, se não tinha o autor interesse em prosseguir representando o Banco, seus honorários poderiam ter sido resguardados mediante pedido de arbitramento, em cada processo, de acordo com o trabalho desenvolvido, revelando-se desnecessária a demanda judicial.

No mérito, imputou de improcedente o pedido, porque o autor celebrou com o Banco um contrato de risco, aceitando receber honorários apenas nas hipóteses de sucumbência, pelo que não se há de cogitar de arbitramento, fugindo aos termos contratuais, pelos quais o autor aceitou receber honorários somente se implementada uma condição, a da efetiva cobrança ou realização dos créditos. Informou que ‘Nos processos que estavam sob o patrocínio do Autor não houve pagamento por parte dos devedores, fonte exclusiva dos honorários do patrono contratado.’ (fl. 555, item 56) e que ‘... muitos dos processos que o autor está pleiteando honorários estão baixados sem qualquer recuperação de crédito pelo Banco.’ (fl. 556, item 62). Salientou a validade de tal espécie de contrato, que contempla uma obrigação de resultado, citando juris-prudências a respeito e lembrando que o autor a ele livremente aderiu e que, ao longo da contratualidade, vinha recebendo seus honorários. Sustentou a impossibilidade da anulação ante a ausência de qualquer vício (fraude ou simulação) e que é proibido ao autor ‘... alegar a própria torpeza (...) e pretender a nulidade do contrato para, obliqua-mente, obter o arbitramento de honorários em moldes totalmente diferentes daqueles

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que havia expressamente avençado com o seu mandante, ora Réu, e com os quais sempre esteve de pleno acordo.’ (fl. 551).

Noutra linha de ponderações, o demandado indicou a impossibilidade de arbitra-mento, com a mera juntada de peças processuais, sem a análise do desenvolvimento de cada demanda, o que somente poderia ser feito pelo juiz de cada processo, eis que necessário avaliar a dimensão do trabalho, o grau de zelo, o tempo dispendido, bem como a natureza e importância da causa, tudo em atenção ao § 4° do art. 20 do CPC, eis que inaplicável na espécie o § 3°, o que autorizaria, inclusive, a fixação dos honorários em patamares inferiores a 10% do valor da condenação ou em quantia fixa por processo. Refutou a aplicação da tabela de honorários da OAB, que somente prevalece na inexistência de contrato escrito. Ressaltou que o Meridional fornecia ao autor modelos de petições de iniciais das ações executivas, recursos, impugnações a embargos, limitando-se o mesmo a adaptá-los ao caso concreto, mesmo assim, pecando, em muitos casos, pela aparência do trabalho (art. 45 do EOAB). Apontou, ainda, falhas na correção ortográfica das petições redigidas pelo autor, comprometendo a qualida-de do trabalho realizado, o qual reputou de extremamente singelo, porque versava sobre questões jurídicas já sedimentadas, concluindo que todos estes fatores hão de restringir a fixação dos honorários, se restar superada a questão do descabimento do arbitramento, até porque o ‘... Banco sempre forneceu suporte técnico, desde o envio de fundamentos, exemplos de petições, até a prestação de serviço de cópias junto aos Tribunais Estaduais, Federais e Superiores.’ (fl. 566)

Quanto às perdas e danos, aduziu que o Banco não agiu culposamente, porque não revogou as procurações, desde que ‘O Autor, como os demais advogados credenciados do Banco Réu, continuaria responsável pelo patrocínio desses processos, já então não só representando o Meridional, cedente, como também, se fosse do seu interesse, a Caixa Econômica Federal, cessionária. Não foi por outra razão que o Autor foi convidado a entrar em contato com a empresa detentora da administração dos créditos para tratar, acentue-se mais uma vez, dos honorários e de sua procuração.’ (fl. 567). Salientou que sequer há prova do dano, expresso pelo que o autor teria deixado de lucrar, equivalente a honorários de, no mínimo, 10% sobre o valor da causa, porque não comprovado que, em todos os processos, tais honorários tenham sido fixados. De todo modo, o recebimento destes honorários dependeria da realização dos créditos, com o pagamento pelo devedor.

Ainda, tomou por descabido o pedido de ressarcimento pela administração dos créditos, porque esta não se confunde com o serviço delegado ao autor, que era o de acompanhamento das medidas judiciais para cobrança dos créditos, enquanto a admi-nistração respeita à manutenção ativa em carteira de créditos.

Por fim, informou o réu que a cessão dos créditos do Meridional à CEF decorreu do processo de privatização a que o Banco foi submetido, sustentando que ‘não pode o réu, agora, uma vez que, repita-se, todas as suas transformações se deram por força da atuação governamental, ser responsabilizado pelos efeitos advindos desta atuação. Ou seja, todas as conseqüências decorrentes da política governamental não podem ser

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arcadas pelo Banco, motivo pelo qual o pleito indenizatório do autor está dirigido a quem não pode ser responsabilizado, pois a exemplo do autor, ficou sujeito aos atos e decisões dos Órgãos encarregados pela política governamental para com o Sistema Financeiro Nacional.’ (fl. 573). Nesta linha, fundado no direito de regresso, solicitou a denunciação da lide à Caixa Econômica Federal, eis que a mesma, como cessionária de muitos dos créditos objeto das demandas sob patrocínio do autor, restou detentora de todos os direitos e obrigações dos mesmos originados, entre os quais encontra-se o eventual pagamento de honorários advocatícios, especialmente após 20.07.99, quan-do o Meridional deixou de administrar os créditos. Salientou que a cessão abrangeu a totalidade dos créditos, inclusive seus acessórios, dentre eles o ônus de contratar advogados para recuperar ou defender os créditos. Requereu, destarte, o acolhimento das preliminares ou, no mérito, o julgamento de improcedência, ou alternativamente, que sejam os honorários arbitrados na proporção dos serviços efetivamente prestados. Postulou, ainda, a denunciação da CEF à lide. Juntou os documentos das fls. 581/592.

Na réplica, reiterando os argumentos anteriores, o autor ressaltou que o Meridional recebeu os créditos, desde que, por força da cessão, a Caixa Econômica Federal pagou por eles, o que inviabiliza o argumento de que os honorários seriam indevidos antes da realização dos créditos.

Seguiu-se decisão em que restou afastada a pretensão de suspensão do feito e rejeitada a denunciação da lide. Desta decisão, o réu agravou de instrumento, decidindo o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em remeter os autos para a Justiça Federal, para aqui decidir-se acerca da inclusão da CEF na lide, na condição de denunciada.

Aportando os autos neste juízo, foi prolatada a decisão das fls. 594/595, indeferindo a denunciação da lide. Contra esta decisão, o Banco Meridional manejou recurso de agravo de instrumento. Sobreveio contestação da CEF, ponderando pela inexistência do direito de regresso a justificar a denunciação, especialmente porque ‘... o efeito fun-damental na cessão de créditos é a substituição do cedente pelo cessionário, na posição contratual do cedente, ou seja, na posição de credor do contrato cedido, jamais em todo e qualquer contrato firmado pelo cedente, especialmente os de cunho trabalhista ou de prestação de serviços, mesmo que a contratação haja ocorrido pelo cedente para a defesa judicial do crédito cedido.’ (fls. 621/622)

Sem notícia da concessão de efeito suspensivo ao agravo, os autos foram devol-vidos à Justiça Estadual. Inobstante, foram depois remetidos novamente a este juízo federal, eis que provido o agravo em questão, determinando a inclusão da CEF na lide, na posição de denunciada.

Instadas as partes a dizer sobre o interesse na dilação probatória, o autor requereu o julgamento e o réu ponderou, para a hipótese de ser desconsiderado o contrato, pela necessidade de produção de prova pericial, admitindo, porém, sua realização, na fase liquidatória.

Vieram, então, conclusos os autos para sentença.”

A ação foi julgada procedente em parte com o seguinte dispositivo,

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a fls. 829/830, verbis:“ISTO POSTO:a) julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação principal, para reconhecer a

revogação tácita dos mandatos outorgados pelo Banco Meridional ao autor e arbitrar os honorários devidos, os quais deverão ser apurados em sede de liquidação de sentença por arbitramento, observando-se os patamares e critérios definidos na fundamentação retro, condenando o Banco Meridional do Brasil a pagá-los ao autor.

Sobre o valor da condenação serão computados juros moratórios desde a citação, à razão de 0,5% ao mês a contar da citação até a entrada em vigor do novo Código Civil (Lei 10.406/2002), em 11.01.2003. Isto porque o art. 406 do CC fixou os juros moratórios (quando não convencionados), à taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, ou seja, 1% ao mês, nos termos do art. 161, § 1°, do CTN. Neste sentido, o Enunciado 20 do Centro de Estudos Judiciários do CJF: ‘A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1°, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês.’

Assim, considerando que a novel legislação não pode retroagir, mas também que é aplicável de seu advento para frente, é que se determina que os juros se contem da citação a 10.01.2003, à taxa de 0,5% ao mês. De 11.01.2003 para frente, contar-se-ão à taxa de 1% ao mês. Quanto à correção monetária, foi estabelecida na fundamentação sobre a base de cálculo dos honorários, de modo que o perito apurará valores corrigidos.

Fixo os honorários em 10% sobre o valor da condenação. Considerando a sucum-bência parcial 60% desta verba fica ao encargo do réu e 40% ao encargo do demandante, admitida a compensação.

Não há custas a ressarcir.b) julgo PROCEDENTE a denunciação da CEF à lide, condenando-a a ressarcir ao

Banco Meridional a íntegra do valor da condenação da demanda principal.Considerando que houve resistência da CEF à denunciação, condeno-a a pagar

honorários ao denunciante, no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).”

Interpostas as apelações, postulam as partes a reforma do julgado.O MPF manifestou-se pela não-intervenção no feito.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Rejeito as preliminares.

Valho-me, no ponto, dos argumentos da r. sentença, a fls. 816/7, verbis:“Das PreliminaresMister se faz, primeiramente, analisar as questões prefaciais levantadas pelo réu

em sua contestação, respeitantes à suspensão do processo e à carência de ação, por

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ausente o interesse de agir.No que toca à suspensão, de todo descabida a alegação do demandado. Quando

o art. 265, IV, a, do CPC, determina a suspensão do processo ‘quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente’, por certo que pressupõe uma relação de prejudicialidade entre as demandas. E na hipótese a ação declaratória em trâmite no juízo estadual, onde o Banco Meridional litiga com Ivo da Silva Lech, além de, obviamente, envolver partes distintas, trata de relação contratual diversa da discutida nesta demanda, nela em nada influenciando e, portanto, desautorizando a pretendida suspensão. Ainda que as matérias discutidas nos feitos assemelhem-se em conteúdo jurídico, isto não autoriza a suspensão, porque não é este o desiderato do art. 265. A espécie exige exame de cada caso concreto, com sua relação contratual específica, e a decisão de um não interfere na dos demais, porque inexiste o risco de decisões contraditórias em relação ao mesmo contrato. Rejeito, pois, o pedido de suspensão.

Também não prospera a segunda preliminar levantada pelo réu, porque pleno o interesse de agir do demandante. Pretende ele receber seus honorários, por serviços advocatícios prestados ao Banco Meridional, sendo patente a resistência do Banco, como se infere do próprio teor da contestação, em pagá-los amigavelmente. Portanto, revela-se necessária e útil a prestação jurisdicional buscada, sendo plenamente adequado o meio de que se utiliza o autor para obtê-la. Quando o réu pondera pela inviabilidade do pedido de arbitramento de honorários, porque não revogados os mandatos, adentra em questionamentos que concernem ao mérito da demanda, impróprios de serem discutidos em sede preliminar e absolutamente inaptos de caracterizarem carência de ação, pela ausência da condição mencionada. Note-se que justamente, um dos pleitos do demandante é o de ver reconhecida a revogação tácita dos mandatos, o que teria inviabilizado a continuidade de sua atuação profissional e conseqüente recebimento das verbas sucumbenciais. Portanto, pendendo esta questão de pronunciamento do juízo, não pode o réu ter por certa a inocorrência da revogação, para daí concluir pela ausência de interesse do autor. Revelando-se, pois, imperiosa a decisão judicial, para dirimir o conflito instaurado entre as partes, pleno é o interesse de agir, pelo que rejeito também esta preliminar.”

No mérito, impõe-se a reforma do julgado.Com efeito, ao julgar a AC nº 2002.71.00.000628-3/RS, versando

caso idêntico ao dos autos, anotei, verbis: “No que concerne à alegada nulidade da cláusula contratual, rejeitou-a, com inteiro

acerto, a eminente Magistrada, a fls. 967/972, verbis:‘2.1- Da nulidade de cláusula contratualSustenta o requerente a ilegalidade da cláusula do Contrato de Prestação de Ser-

viços Jurídicos entabulado com o réu, que o remunera única e exclusivamente pela

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sucumbência, afirmando que, nos termos da Lei nº 8.906/94, integra a verba honorá-ria o patrimônio civil do advogado, como direito personalíssimo e indisponível, não podendo o patrono ser remunerado através de verba que já lhe pertence por lei, o que significaria como ‘não remunerar’.

Sem razão, contudo, o autor.A indigitada cláusula preceitua:‘O(s) advogado(s) fará(ão) jus aos honorários que vier(em) a cobrar única e exclusi-

vamente do devedor(es), ficando o Banco isento de qualquer pagamento a ele(s) a esse título. Compreende-se na presente contratação o acompanhamento do crédito do banco em eventual procedimento cautelar incidente e respectiva ação principal, bem como em qualquer procedimento judicial paralelo relativo ao crédito até seu trânsito em julgado.’

Relembro, primeiramente, a redação do artigo 1.288 do Código Civil Brasileiro, vigente à época da contratação, onde se lê, verbis:

‘Art. l.288. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos, ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.’

Os contratos de prestação de serviços advocatícios entabulados entre o autor e o Banco Santander Meridional S.A, dentre os quais o juntado à fl. 59, no que toca à remuneração dos serviços prestados, sem dúvida encerra hipótese de pacto quotalício, entendido como contrato aleatório (em face do futuro e incerto vencimento das de-mandas judiciais ou tratativas extrajudiciais de cobrança dos créditos do mandante), cuja retribuição decorre da sucumbência.

Yussef Said Cahali (Honorários Advocatícios. Ed. RT, SP, 3ª Edição, 1997, p. 771 e ss), a respeito do tema, leciona:

‘O contrato quotalício, a se ver pelos antecedentes históricos do instituto, com-preende não apenas a participação do advogado a título de honorários em bens, inclusive naquele objeto da demanda; como também a estipulação de honorários excessivos ou extorsivos, em desconformidade com o serviço profissional prestado, e bem assim a vinculação da honorária ao resultado proveitoso da demanda através da estipulação pro exito.’

Embora a doutrina e a jurisprudência, por vezes, façam restrições morais aos contratos advocatícios quotalícios, de tal fato não decorre a sua nulidade ou ilegali-dade, já que os diplomas legais que regem a matéria não o coíbem. Muito antes pelo contrário, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil prevê três possibilidades de remuneração do advogado, em seu artigo 22: honorários convencionados, honorários por arbitramento judicial e os de sucumbência. Entre os honorários convencionados, insere-se o pacto quotalício, remunerando seus serviços única e exclusivamente pela sucumbência, embasado no princípio da liberdade contratual, atendendo, pois, às pre-tensões do legislador ordinário quando da edição da Lei 8.906/94.

Nessa esteira, trago à colação entendimento de Francisco de Assis Vasconcellos (7ª Câmara do 1º TACivSP, Emb. Infringentes 373.841, AASP 1.554/233):

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‘Quanto à licitude do pacto pro exito, inexiste vedação legal ao ajuste de honorários condicionados ao êxito da demanda; ao revés, trata-se de prática usual nos meios foren-ses, harmoniosa com os princípios éticos norteadores da nobre profissão do advogado.’

No mesmo sentido, Ruy A. Sodré, 1ª Câmara do 1º TACivSP:‘Existindo contrato escrito, os honorários devidos são os aí fixados, assegurada,

assim, a autonomia de estipulação entre advogado e cliente.’Por sua vez, Yussef Said Cahali (Honorários Advocatícios. Ed. RT, SP, 3ª Edição,

1997, p. 773) com a clareza que lhe é peculiar, afirma:‘O contrato quotalício, se eventualmente questionável do ponto de vista moral, não

conflita, contudo, com nenhuma norma jurídica; a validade da estipulação condiciona--se apenas à patrimonialidade do direito demandado e à viabilidade de sua execução, sem se descartar, ainda, a sua conformidade com o serviço prestado; e, finalmente, se o contrato de honorários pode ser simplesmente consensual, que se deduz da outorga do mandato e da intervenção judicial do causídico, a eficácia de eventual estipulação quota litis, ou de retribuição anormal ou excessiva, reclama a existência de um contrato devidamente formalizado.’

E continua o renomado doutrinador (Ob. Citada nota 1,2, p. 782):‘O que se exige, primariamente, é que haja estipulação expressa, em termos in-

duvidosos, do pacto quotalício, ainda que não seja exigível que do contrato escrito de honorários constem duas testemunhas instrumentárias, pois o artigo 135 do CC se sobrepõe ao artigo 131, segundo o qual ‘as declarações constantes dos documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários’; ademais disto, o contrato de honorários não é daqueles que exigem a figuração de testemunhas para sua validade.’

In casu, houve acordo válido entre as partes (que eram capazes, objeto era lícito e forma prescrita ou não defeso em lei), na forma do então vigente artigo 82 do Código Civil; assinado, ainda, perante duas testemunhas, fundamentado, repito, no princípio do consensualismo (no sentido de que todas as obrigações nascidas do contrato são decorrentes da vontade de ambos os contratantes).

Impende gizar que o contrato de honorários advocatícios com objeto quotalício é modalidade de contrato de resultado, vinculado ao sucesso da causa patrocinada, no qual o prestador de serviços só adquire o direito à remuneração quando atingir o resultado convencionado. Além disso, é contrato aleatório, segundo o qual, nos dizeres de Silvio Rodrigues (Direito Civil. 17. ed., SP, Saraiva, 1988, v. 3, p. 33): ‘é contrato bilateral e oneroso em que pelo menos uma das partes não pode antecipar o montante da prestação que receberá em troca da que fornece.’

Insere-se no risco da avença o livre poder de disposição do direito de crédito pelo seu titular, isto é, poderá o mandante administrar, usufruir, vender, abrir mão de seus créditos, sem que o mandatário possa opor-se. Assim como não seria remunerado o autor nas hipóteses de improcedência do pedido per si veiculado, por integrar a aleatoriedade do contrato, também nos casos de renúncia ao direito e até nos de desistência da ação,

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nada receberá, estando tais riscos incluídos naquela álea, do que não se diferencia a cessão de créditos.

Observe-se, outrossim, que o parágrafo 2° do artigo 22 prevê o arbitramento ju-dicial dos honorários advocatícios apenas na hipótese de inexistência de acordo entre o patrono e o cliente, o que difere da situação posta nos autos, no qual, justamente, discute-se a validade de dito acordo (Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB).

Não se pode perder de vista a inexistência de vício de vontade na formação do vínculo contratual em apreço (artigo 145 do CC), visto que o autor, consoante narra-do na própria inicial, era advogado militante há mais de quinze anos quando aceitou representar o banco réu; sendo-lhe defeso, outrossim, alegar desconhecimento do Direito, por ser um operador da lei, ou até mesmo vulnerabilidade ou hipossuficiência, já que não se trata de relação de consumo, tampouco relação de emprego, que se assim o fosse, deveria estar sendo julgada a presente ação perante a justiça obreira, não lhe aproveitando, portanto, as disposições constitucionais dos artigos 5°, inciso XIII, e 6°. Logo, existentes, válidas e eficazes as cláusulas insertas nos contratos de prestação de serviços firmados pelo autor e pelo réu, devendo ser mantido em nome do princípio do pacta sunt servanda.

Frise-se, ainda, que, em sendo reconhecido o pedido de autor de nulidade da cláusula de remuneração pela sucumbência, estar-se-ia colocando uma pá de cal na máxima jurídica de que não deve ser ouvido quem alega sua própria torpeza.

Com efeito, o demandante, como profissional do Direito, tinha por obrigação sopesar os efeitos decorrentes da cláusula impugnada, verificando antes de assinar o contrato se lhe seria útil e razoável ser remunerado apenas pela verba da sucumbência e sem qualquer ônus para o contratante de seus serviços. Se pactuou com aludida estipulação, é porque, no mínimo, lhe parecia mais vantajosa, tanto que passou a representar o réu em 1994, mas apenas ajuizou a presente ação em 2001, quando então, segundo alega, teria havido a revogação tácita de seus mandatos.

Nessa linha, as palavras tecidas pelo MM. Juiz de Direito Substituto, Dr. Sandro Silva Sanchotene, em sentença proferida em processo análago (juntada aos autos nas fls. 783-793), as quais faço uso como razões de decidir:

‘Os autores são advogados e tinham a consciência do teor e dos efeitos jurídicos do contrato, não havendo vícios de consentimento que autorizem a invalidação da avença. Concordaram em patrocinar as causas mediante condições e agora não podem invocar nulidade. Talvez tenha sido esta concessão dos autores o elemento que determinou a contratação de seus serviços. Acolher a pretensão implicaria desrespeito à classe dos advogados. Muitos profissionais devem ter se recusado às contratações feitas pelo réu por não se sujeitarem ao trabalho remunerado apenas pela sucumbência. Os autores aceitaram tais condições, captaram o cliente em razão disso e agora pretendem au-ferir os mesmos honorários que provavelmente os outros profissionais exigiriam por

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ocasião da contratação. Haveria concorrência desleal com os demais profissionais.’ De outra parte, o fato de o contrato de prestação de serviços advocatícios em

tela seja classificado, doutrinariamente, quanto a sua formação, como contrato de adesão, caracterizado pela uniformidade, predeterminação e rigidez das cláusulas, com imposição de normas previamente estabelecidas por uma das partes contratantes a outra, não induz em ilegalidade, sendo bastante comum esses tipos de avenças na praxe bancária.

Ao abordar a controversa natureza jurídica dos contratos de adesão, ensina o pro-fessor Orlando Gomes (Contratos, 11. ed., p.l35), verbis:

‘Entende a maioria, porém, que, apesar de suas peculiaridades, devem ser enquadra-dos na categoria jurídica dos contratos. (...) Deve-se distinguir, com CARNELUTTI, do ‘concurso de vontades para formação do vínculo a regulamentação das obrigações oriundas desse vínculo. O concurso de vontades é indispensável à constituição dos negócios jurídicos bilaterais, dos quais o contrato constitui a expressão mais comum. Por definição, o contrato é o acordo de duas vontades. Não se forma de outro modo. Já a ‘regulamentação’ dos efeitos do negócio jurídico bilateral não requer a intervenção das duas partes. Pode ser expressão da vontade de uma com a qual concorda a outra, sem lhe introduzir alteração. A regulamentação bilateral dos efeitos do contrato não é, enfim, elemento essencial à sua configuração’.

Nada impede, portanto, estipulem as partes que apenas uma delas formulará o con-teúdo da obrigação. Se a outra o firma, não poderá impugná-lo sob o pretexto de que não teve conhecimento das condições apostas ou de que discordava profundamente de seu objeto (remuneração pela sucumbência), visto que tinha o dever de examiná-las, para aprová-las ou não, no momento da constituição do vínculo.’

Em alentado parecer publicado na Revista Forense, acerca do contrato quota litis, assinalou o saudoso Ministro Carlos Thompson Flores, verbis:

‘Sucede que o contrato de honorários em questão, tendo em vista as condições estipuladas, caracteriza-se como especial, nominado pelos doutores, como contrato cotalício ou quota litis. Com base nele, o quantum ajustado somente dará direito a seu recebimento, quando ocorrer lucro para o cliente, ou seja, quando a demanda proposta for julgada procedente, ainda que em parte. E é, exatamente sobre o líquido apurado que incidirão as percentagens ajustadas, proporcionando sua paga. (Pontes de Miranda, Trat. de Dir. Priv., VI, 1955, p. 151)’ (Honorários Advocatícios. Contrato Quota-Litis. Ação de Cobrança. Prescrição., Revista Forense, v. 359, p. 183/4)

E, à p. 189, concluiu o saudoso Jurista, verbis:‘2ª) Tal contrato nada tem de atentatório ao Código de Ética, sendo inteiramente

válido e exeqüível (Rui Azevedo Sodré, O Advogado, seu Estatuto e a Ética Profissio-nal, nos 349-50, p. 436, invocando Macedo Soares; Dalloz. Rep. Prat., verb. Avocat, nº 205; Cunha Gonçalves. Tratado, III, t. II, p. 644; Ac. da 5ª Câmara, do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Revista dos Tribunais, 475/127)’

Ora, in casu, os contratos de prestação de serviços advocatícios que vinculam a

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parte autora e o Banco Santander Meridional S/A, no que pertine à sua remuneração, configura caso de pacto cotalício, cuja retribuição decorre da sucumbência.

A respeito, leciona Yussef Said Cahali, em sua obra Honorários Advocatícios, 3ª edição, RT, p. 771, verbis:

‘O contrato quotalício, a se ver pelos antecedentes históricos do instituto, com-preende não apenas a participação do advogado a título de honorários em bens, inclusive naquele objeto da demanda; como também a estipulação de honorários excessivos ou extorsivos, em desconformidade com o serviço profissional prestado, e bem assim a vinculação da honorária ao resultado proveitoso da demanda através da estipulação pro exito.’

No caso em exame, consoante bem assinalado na r. sentença, não se verificou qualquer vício de vontade na formação de vínculo contratual (art. 145 do Código Civil).

Inexiste, também, qualquer violação ao Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94).Nesse sentido, valho-me, de novo, dos argumentos da r. sentença, amparada na

jurisprudência do Eg. STF, a fls. 972/5, verbis:‘Não aproveita, igualmente, ao autor, a alegação ‘de que o direito ao’ recebimento

dos honorários de sucumbência seria indisponível, sendo nula de pleno direito qualquer disposição contratual em contrário’. Para tanto, utilizo-me como fundamentos de deci-dir dos termos do voto condutor proferido nos autos da ADIMC nº 1.194-4/DF (DJU 18.05.01, Relator Min. Maurício Corrêa), em que o Pretório Excelso, à unanimidade, suspendeu, até o julgamento final da lide, a eficácia do parágrafo 3° do artigo 24 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), não constituindo, pois, a verba honorária parte integrante do seu patrimônio civil, como direito personalíssimo e indisponível. Senão, veja-se:

‘Passo ao exame do art. 21 e seu parágrafo único, impugnados em toda a sua extensão. O exagero é evidente, porque os honorários advocatícios se constituem em direito disponível e, assim, podem ser objeto da mais ampla liberdade de contratar, o que a Constituição permite e estimula. Diz a disposição:

‘Art. 21. Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados dos empregados.

Parágrafo único. Os honorários de sucumbência, percebidos por advogado empre-gado de sociedades de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo.’

2. Entendo que os honorários de sucumbência, em princípio, pertencem ao advogado da parte vencedora, inclusive no caso de silêncio do contrato de prestação de serviços, tratando a lei de disposições supletivas da vontade das partes contratantes.

3. Entre as questões propostas, a única possível de ser objeto de exame em ação direta de inconstitucionalidade é a interpretação que supõe ser o direito aos honorários da sucumbência um direito indisponível ao advogado.

4. Posta a questão nestes termos, concluo que os honorários, no caso de sucum-bência, são um direito do advogado, mas que pode haver estipulação em contrário pelos contratantes.

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5. Assim entendendo, vejo a constitucionalidade da disposição impugnada, ressal-vando que a expressão os honorários da sucumbência são devidos aos advogados dos empregados, no art. 21, caput, da Lei n° 8.906/94, deve ser entendida com a ressalva de que é possível haver disposição contratual em contrário, ou seguida da expressão, salvo disposição contratual em sentido contrário.

6. Nesta seqüência, defiro em parte a liminar para dar à disposição impugnada a interpretação de que a abrangência da expressão os honorários de sucumbência são devidos aos advogados dos empregados, contida no caput do art. 21, está condicionada e limitada à estipulação em contrário entre a parte e o seu patrono, por tratar-se de direito disponível’.

Mais adiante, ao enfrentar especificamente a questão da constitucionalidade do parágrafo 3° do artigo 24 do Estatuto em tela, que cominava de nulidade qualquer disposição contratual que subtraísse do advogado constituído o direito à percepção da honorária sucumbencial, continua o citado precedente, verbis:

‘Esta disposição não alcança os honorários do advogado empregado de sociedades de advogados, que têm tratamento especial no parágrafo único do art. 21, onde a questão se resolve ‘na forma estabelecida em acordo’, quando a sucumbência é do empregador. Aplica-se, portanto, e apenas, aos demais casos de prestação de serviço profissional.

2. O § 3° forma um conjunto com o caput e o § 4° do art. 24, que assim dispõem, in verbis:

‘Art.24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, con-cordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

(...)§ 3° É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou

coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.§ 4° O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescên-

cia do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença.’

3. Tendo-se dado interpretação conforme ao art. 21, caput, não há como manter a norma ora impugnada.

4. Assim entendendo, vejo, neste juízo liminar, a aparente inconstitucionalidade do §3° do art. 24, e defiro a medida cautelar requerida, para suspender a sua eficácia até o julgamento final da ação’.

Pois bem, se na esteira do julgado supratranscrito, não constitui a honorária su-cumbencial, e aqui incluo a contratual, verba de natureza indisponível ao seu principal titular, podendo as partes sobre ela livremente dispor, razão não assiste ao advogado postulante ao querer fazer valer sua pretensão honorária de arbitramento judicial em face da indigitada ilegalidade da cláusula oitava do contrato, pactuada, repito, com supedâneo no princípio da mais ampla liberdade de contratação.

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Por outro lado, conforme se infere dos arestos a seguir colacionados, é o artigo 22, parágrafo 2°, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) norma de cunho meramente dispositivo e supletivo. Contempla, nestes termos, a título de simples sugestão: os valores mínimos recomendáveis para a melhor remuneração da atividade do causídico nos casos de arbitramento judicial, como ocorre quando não há contrato escrito, sendo que diante deste despe-se de toda força vinculativa porque o contrato sobrepõe-se ao arbitramento. Nesse sentido, veja-se:

‘Na ausência de contratação do valor dos serviços advocatícios prevalece a quan-tificação estabelecida na tabela da OAB.’ (TJRS - Apelação Cível nº 70001446442, Relator: Des. Ricardo Raupp Ruschel, julgada em 29.11.00)

‘Na ausência de contrato escrito, cabível a fixação judicial dos honorários pelo serviço prestado. Não vinculação da tabela da OAB/RS’. (TJRS Apelação Cível nº 599474558, Relator: Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro, julgada em 10.05.00)

Convencionados pelas partes, portanto, os critérios de mensuração da verba ho-norária a ser paga pelo autor única e exclusivamente pela sucumbência, por não se tratar de direito disponível, plenamente possível, válida e eficaz a não contratação de outros honorários além daqueles (renúncia à outra forma de contratação), não caben-do, outrossim, arbitramento judicial em face da expressa contratação dos honorários conforme referido.

De outra parte, na esteira do artigo 85 do Código Civil (Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem), percebe-se que a intenção do contratante (Banco Santander Meridional S.A.) era justamente remu-nerar os serviços do contratado através dos valores que este obteria em caso de êxito na cobrança (sucumbência), configurando-se, portanto, o contrato em tela, segundo referido alhures, como aleatório, de risco e de resultado, já sabendo o autor, desde a sua assinatura, que se não lograsse êxito na demanda nada receberia. Evidente, pois, a intenção do contraente em não despender qualquer quantia para remuneração de seus advogados, além da prevista na avença (sucumbência), razão pela qual não cabe arbitramento de honorários nos processos em que a parte contrária gozou de beneficio de assistência judiciária gratuita, ou na circunstância de inexistência de bens penhoráveis do devedor impossibilitando o prosseguimento das execuções, ou, ainda, na hipótese de extinção dos feitos executivos, entendendo-se tal silêncio, consoante intenção que se extrai do contrato, como dispensa de remuneração pelo mandatário.

Disso decorre, portanto, ausência de qualquer vício de vontade na formação do contrato, não podendo alegar o autor intenção diversa da descrita expressamente naquele.

Pelos fundamentos expendidos, afasto alegação de nulidade da cláusula 8ª do con-trato de prestação de serviços advocatícios.’

No que toca à alegada revogação das procurações, conforme sustenta o autor, ora apelante, verificou-se a ruptura da relação obrigacional por fatos supervenientes alheios à vontade do mandante e originado do fato do príncipe, acarretando a absoluta

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impossibilidade da prestação dos serviços advocatícios por parte do autor.Nesse sentido, anotou a ilustre Juíza Federal, a fls. 977/9, verbis:‘Pois bem, analisando os documentos acostados aos autos, mormente os juntados

às fls. 31 verso, 32 e 33, resta evidente que com a cessão extinguiram-se os poderes do autor para representar o banco Santander Meridional S.A. nos processos até então ajuizados, basta ver dos excertos a seguir transcritos:

‘Por solicitação da Diretoria Jurídica do Meridional, estamos encaminhando anexa minuta de petição informando a cessão do crédito à CEF, para que V. Sas. peticionem em todos os processos que envolvem créditos cedidos, conforme relação já em poder desse escritório, encaminhada que foi com a carta assinada em conjunto pelo Meridional e Caixa. Assim, em cada processo deve-se peticionar nos termos da minuta, juntando com a petição uma cópia da referida carta, onde cedente e cessionária comunicaram a esse escritório que a Caixa assumiu a gestão dos processos.’ (fl. 32)

‘(...) Por termo datado de 20.07.99, a Caixa, na condição de cessionária, assumiu a administração dos créditos e, através de carta assinada em conjunto com o Meridional (docs. anexos) deu conhecimento do fato aos advogados que acompanham ditos feitos.

Em tais condições, tanto o cedente (Meridional), que não detém mais a adminis-tração dos créditos, como o advogado signatário, que não tem poderes da cessionária, não podem mais, validamente, praticar atos no processo. (...)’ (fl. 33)

Disso não decorre, contudo, a revogação tácita dos mandatos, que, consoante aduzido alhures, é ato voluntário do contratante. Pelo contrário, houve a ruptura da relação obrigacional, mas por fatos supervenientes alheios à vontade do mandante e originado de força maior, mais especificamente fato do príncipe, ocasionando uma impossibilidade absoluta e total da prestação dos serviços advocatícios pelo autor. O efeito principal que daí decorre é a ausência de obrigação da contraparte em responder pelo descumprimento do contrato, seja pelos honorários de sucumbência até então avençados, seja por eventual arbitramento judicial, seja por perdas e danos (em face da inexistência de culpa lato sensu).

A propósito, Humberto Teodoro Jr., citando Carvalho de Mendonça (O contrato. Ed. Aide. 1993, RJ, p. 187):

‘Entre os fatos imprevisíveis e inevitáveis capazes de impedir em caráter absoluto o cumprimento da obrigação, há consenso acerca da inclusão da ‘guerra’ e suas conse-qüências físicas e políticas (DIDIMO DA VEIGA, Código Comercial Comentado, 2. ed., Rio, Laemmert e Cia, 1898, v. 1, p. 206-207), bem como do ‘fato do príncipe’, ou seja, ‘atos da autoridade superior a que o obrigado deva obediência’ (CARVALHO DE MENDONÇA, Doutrina e Prática das Obrigações, 2. ed., Rio, F. Alves, v. 2, n° 460); e, especialmente, a proibição da atividade contratual do devedor por ‘ato da autoridade no uso legítimo das suas funções’ ou por força de lei (CARVALHO DE MENDONÇA, Tratado de Direito Comercial, Rio, J. do Comércio, 1935, v. 6, parte I, nos 406/407).’

Ora, a cessão dos créditos que o autor representava como advogado do Banco San-tander Meridional S.A. para a CEF decorreu de ato emanado pelo Conselho Monetário

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Nacional n° 056/97, com aprovação também do Banco Central, em decorrência do processo de ajustes para privatização do banco réu, em decorrência da Lei 8.031/90, que criou o Programa Nacional de Desestatização, e da MP 1.481/48 de 15.04.97. Portanto, todos os atos praticados pelo réu e tendentes à sua privatização foram emanados do Poder Público, por intermédio de determinações do Conselho Monetário Nacional, cujas atribuições e competências são regradas pela Lei 4.595/64, especialmente artigos 2° a 7°.

Veja-se que não cabia ao Banco Santander Meridional S.A. aceitar ou não a priva-tização e, como decorrência dela, a transferência de créditos seus à CEF, porque tal ato foi imposto pelo Poder Público, em respeito da política governamental travada pelo governo federal da época; fato caracterizado como necessário e cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, o que se amolda perfeitamente ao conceito de força maior.

Nesse diapasão, importa destacar que o contrato de prestação de serviços advocatí-cios é por natureza intuito personae, decorrendo dessa característica a impossibilidade total e absoluta do cumprimento da prestação convencionada, já que, com a cessão, não estava a CEF obrigada a dar continuidade ao contrato de prestação de serviços advo-catícios entabulado pelo então banco Meridional, mormente porque tem corpo jurídico próprio; de modo que, também a CEF não tem responsabilidade pelo pagamento de qualquer quantia ao postulante a título de honorários advocatícios ou perdas e danos.

Veja-se que se a CEF, com a aquisição dos créditos, tivesse permanecido com os mesmos procuradores que vinham atuando no feito, obrigatoriamente deveria firmar contrato de honorários advocatícios com tais causídicos, outorgando-lhes poderes para representação na causa, o que se trataria de novo contrato, regido por regras próprias, em face, justamente, da natureza personalíssima da obrigação. Logo, manifesta é a extinção do contrato firmado entre o réu e o autor; entrementes, na ausência de responsabilidade do Meridional pela cessão dos créditos operada pela força maior, resta sem guarida o pedido de perdas e danos e de arbitramento de honorários advocatícios, porquanto o contrato resolveu-se com efeitos ex tunc.

Em conclusão, não há falar em revogação tácita das procurações, tampouco em ilícito contratual, e sim em extinção do contrato por impossibilidade total e absoluta da prestação, decorrente de causa superveniente inimputável ao devedor (força maior), desonerando-o de responder pelo descumprimento da avença, na forma dos artigos 879 e 1058, do CC/1916; vale dizer, (1) não responde pela não possibilidade de o autor receber a sucumbência quanto aos créditos que foram cedidos a CEF; (2) não cabe arbitramento judicial dos honorários advocatícios pelo serviço prestado ao Meridional por ser lícito o contrato escrito que estipulou cláusula quotalícia e (3) perdas e danos (inexistência de culpa do banco pelo descumprimento do contrato).’

A respeito, leciona Saroit BADAQUI, em sua clássica monografia Le Fait Du Prince Dans Les Contrats Administratifs, Paris, L.D.G.J., 1955, p. 3, verbis:

‘En effet, le fait du Prince peut aggraver les charges du co-contractant de deux manières différentes: ou bien il va directement à l’encontre des dispositions contrac-tuelles, il agit sur les clauses mêmes du contrat, en modifiant le contenu juridique des

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obligations des parties ou leurs délais d’exécution. Il s’agit donc d’une modification in-trinsèque du contrat entraînant une aggravation directe des charges du co-contractant;

Ou bien le fait du Prince, sans toucher aux clauses du contrat, modifie ses conditions extrinsèques d’exécution. Il ne modifie en rien les obligations synallagmatiques des parties; les prestations restent les mêmes en nature, en quantité et en qualité. Mais, il apporte une modification à l’ordre économique, social ou fiscal du moment, et par contrecoup et indirectement il aggrave les charges du co-contractant. Il laisse intacte la consistance intime du contrat, mais en modifiant les conditions économiques ou les charges fiscales du moment, il rend plus onéreuse l’exécution de tous les contrats administratifs et privés.

Ainsi, alors que dans le premier cas le fait du Prince se situe à l’intérieur du con-trat, dans le second il lui est extérieur; il influe sur le milieu dans lequel le contrat s’exécute, et non sur le contrat luimême. D’autre part, dans le premier cas, le fait du Prince constitue une mesure particulière qui vise personnellement le co-contractant. Au contraire, dans le second cas il s’agit d’une mesure qui ne vise pas particulièrement le co-contractant et qui n’aggrave ses charges qu’indirectement au même titre que tous ceux qui se livrent à des activités semblables.’

Por conseguinte, não há que se falar em revogação tácita das procurações ou ilícito contratual, mas sim em extinção do contrato por impossibilidade total e absoluta da prestação, decorrente do fato do príncipe, inimputável ao devedor, desonerando-o de responder pelo descumprimento do contrato, nos termos dos arts. 879 e 1.058 do Código Civil de 1916, então em vigor.

Por esses motivos, nego provimento ao apelo do autor, e dou provimento ao apelo do réu, fixando os honorários em R$ 2.000,00, na forma do art. 20, § 4º, do CPC, face à qualidade do trabalho realizado pelo causídico, e negando provimento ao apelo adesivo da CEF, pois, in casu, restou apurado corretamente pela sentença os honorários, nos termos do já citado dispositivo do CPC.

É o meu voto.”

Por esses motivos, dou provimento às apelações da CEF e do Banco Santander Meridional S/A, julgando improcedente a ação, condenada a parte autora no pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 3.000,00, em face do disposto no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, prejudicado o apelo do autor.

É o meu voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.71.02.000155-6/RS

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida

Apelante: Anne Francielle Silva MazzonAdvogado: Dr. Alexandre Marin Ragagnin

Apelante: União FederalAdvogado: Dr. Luís Henrique Martins dos Anjos

Apelante: Universidade Federal de Santa Maria - UFSMAdvogados: Drs. Mariluce Barcellos Brum e outros

Apelados: (os mesmos)Remetente: Juízo Substituto da 3ª VF de Santa Maria

EMENTA

Direito à vida. Transfusão de sangue. Testemunhas de Jeová. Denun-ciação da lide indeferida. Legitimidade passiva da União. Liberdade de crença religiosa e direito à vida. Impossibilidade de recusa de tratamento médico quando há risco de vida de menor. Vontade dos pais substituída pela manifestação judicial.

O recurso de agravo deve ser improvido, porquanto à denunciação da lide se presta para a possibilidade de ação regressiva e, no caso, o que se verifica é a responsabilidade solidária dos entes federais, em face da competência comum estabelecida no art. 23 da Constituição federal, nas ações de saúde.

A legitimidade passiva da União é indiscutível diante do art. 196 da Carta Constitucional.

O fato de a autora ter omitido que a necessidade da medicação se deu em face da recusa à transfusão de sangue, não afasta que esta seja a causa de pedir, principalmente se foi também o fundamento da defesa das partes requeridas.

A prova produzida demonstrou que a medicação cujo fornecimento foi requerido não constitui o meio mais eficaz da proteção do direito à vida da requerida, menor hoje constando com dez anos de idade.

Conflito no caso concreto entre dois princípios fundamentais con-sagrados em nosso ordenamento jurídico-constitucional: de um lado o direito à vida e de outro, a liberdade de crença religiosa.

A liberdade de crença abrange não apenas a liberdade de cultos, mas também a possibilidade de o indivíduo orientar-se segundo posições religiosas estabelecidas.

No caso concreto, a menor autora não detém capacidade civil para

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expressar sua vontade. A menor não possui consciência suficiente das im-plicações e da gravidade da situação para decidir conforme sua vontade. Esta é substituída pela de seus pais que recusam o tratamento consistente em transfusões de sangue.

Os pais podem ter sua vontade substituída em prol de interesses maio-res, principalmente em se tratando do próprio direito à vida.

A restrição à liberdade de crença religiosa encontra amparo no princí-pio da proporcionalidade, porquanto ela é adequada a preservar a saúde da autora: é necessária porque, em face do risco de vida, a transfusão de sangue torna-se exigível e, por fim, ponderando-se entre vida e liberdade de crença, pesa mais o direito à vida, principalmente em se tratando da vida de filha menor impúbere.

Em conseqüência, somente se admite a prescrição de medicamentos alternativos enquanto não houver urgência ou real perigo de morte.

Logo, tendo em vista o pedido formulado na inicial, limitado ao fornecimento de medicamentos, e o princípio da congruência, deve a ação ser julgada improcedente. Contudo, ressalva-se o ponto de vista ora exposto, no que tange ao direito à vida da menor.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e, por maioria, ne-gar provimento à apelação da Universidade Federal de Santa Maria, negar provimento à apelação da autora e à apelação da União e dar provimento, por maioria, à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taqui-gráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 24 de outubro de 2006.Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Trata-se de ação ordinária promovida por Anne Franciele Silva Mazon, menor re-presentada por sua mãe, Ana Luzinete Silva Mazzon, em que postula a demandante o fornecimento gratuito de medicamentos em face da União e da Universidade Federal de Santa Maria. Narra a petição inicial que

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a menor é portadora de Histiocitose, tumor raro que acomete principal-mente crianças, atacando o histiócito, tipo de glóbulo branco que possui a função de destruir corpos estranhos e combater infecções. Que a doença foi diagnosticada a tempo de permitir tratamento que retarda o desenvol-vimento da doença, desde que utilizada a medicação adequada, qual seja Neumega 5 mg frasco/ampola e heritropoetina. Que o tratamento inclui radioterapia e quimioterapia. Anota que o medicamento mencionado não se encontra mais disponível no Hospital Universitário de Santa Maria, bem como a situação de pobreza da família da demandante. Que a dose necessária do remédio custa R$ 1.080,00, fora despesas de transporte. Pede o fornecimento da medicação enquanto durar o tratamento, bem como seja colocado à sua disposição todo e qualquer recurso disponível junto ao Sistema Único de Saúde, que envolva o tratamento necessário.

Foi deferido pedido de antecipação de tutela. (fl. 27)A União ofereceu defesa onde argüiu a incompetência do foro, sua

ilegitimidade passiva e, no mérito, que os fatos narrados na petição inicial foram distorcidos, porquanto há outras alternativas de tratamento, con-sistente na aplicação de hemoderivados e não a administração de drogas, que é alternativa de custo elevadíssimo e que a indicação dessas drogas somente se deu em virtude da negação dos responsáveis pela paciente em permitir a aplicação de hemoderivados por preceitos religiosos (Tes-temunhas de Jeová). Apontou que a recomendação médica é a aplicação de hemoderivados, por não causarem efeitos colaterais.

Também contestou a ação a Universidade Federal de Santa Maria alegando sua ilegitimidade passiva e aduzindo, também, que a menor não se encontra recebendo o tratamento convencional para o mal do qual é portadora em face da resistência de seus pais que recusam permissão ao tratamento com hemoderivados, prescrição médica utilizada com eficiência até maior do que o tratamento requerido. A prescrição ora pleiteada foi efe-tuada como tratamento alternativo, em face da ausência de autorização para a transfusão de sangue e plaquetas. Que os medicamentos solicitados além do custo elevadíssimo não são facilmente disponibilizados no mercado.

Foi realizada audiência com a oitiva de testemunhas médicas e dos pais da autora.

Também vieram aos autos termos firmados pelos pais da menor, isen-tando a equipe médica e o Hospital de qualquer responsabilidade pela

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ausência de transfusão de sangue.Foram indeferidos os pedidos de denunciação da lide do Estado do

RS e Município de Santa Maria. Há agravo retido contra esta decisão.Sobreveio sentença julgando parcialmente procedente o pedido para

o fim de condenar as rés, de forma solidária, a fornecerem à autora o medicamento Eritropoietina Recombinante Humana, como medicação alternativa, quando necessário minimizar seqüelas do tratamento quimio-terápico indicado para supressão da enfermidade. Os honorários advo-catícios foram arbitrados em 10% sobre o valor da causa, compensados, em face da sucumbência recíproca.

Recorreu a demandante dizendo da eficácia dos medicamentos re-queridos e postulando a reforma parcial da sentença, quanto ao pedido referente ao medicamento indeferido.

Apelou também a Universidade Federal de Santa Maria, pleiteando o conhecimento do agravo retido.

A União recorreu, aduzindo que é parte passiva ilegítima para res-ponder ao pedido.

Com contra-razões, vieram os autos a este Tribunal.Nesta instância o Ministério Público Federal opinou pelo provimento

da remessa oficial para julgar improcedente o pedido.É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Conheço, em primeiro lugar, do agravo retido, diante do pedido expresso neste sentido. Postulou a requerida que fosse deferida à denunciação da lide o Estado do RS e o Município de Santa Maria.

O recurso de agravo deve ser improvido, porquanto a denunciação da lide se presta para a possibilidade de ação regressiva e, no caso, o que se verifica é a responsabilidade solidária dos entes federais, em face da competência comum estabelecida no art. 23 da ConstituiçãoFederal nas ações de saúde.

Quanto à legitimidade da União, esta é indiscutível diante do art. 196 da Carta Constitucional.

Conhecendo da remessa oficial, penso que a sentença merece reforma.Consta da decisão que

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“em que pese tenha exsurgido como causa de pedir remota, a pretensão inicial não en-cerra, especificamente, pedido de que seja assegurado judicialmente o direito da autora ao uso estrito dos medicamentos postulados, como forma alternativa ao tratamento com hemoderivados proporcionado pelo sistema de saúde pública, de sorte que não é objeto destes autos afirmar o direito de sobrepor respeito incondicional à liberdade religiosa em oposição ao direito à vida. Embora implícita na motivação da pretensão inicial, essa questão não está abarcada expressamente no pedido. Assim, a questão em exame cinge-se ao direito da autora a que os medicamentos postulados e a manutenção do tratamento necessários a mitigar as seqüelas do tratamento quimioterápico sejam fornecidos pelo Estado, porquanto a família não dispõe de recursos financeiros sufi-cientes para o custeio da medicação e o direito público subjetivo à saúde é prerrogativa assegurada na Constituição Federal.” (fl. 667)

Ora, o fato de a autora ter omitido que a necessidade da medicação se deu em face da recusa à transfusão de sangue, não afasta que esta seja a causa de pedir, principalmente se foi também o fundamento da defesa das partes requeridas.

Portanto, penso que o exame do pedido manifestado abrange o co-nhecimento da possibilidade de recusa ao tratamento indicado, qual seja a transfusão de sangue.

Dos depoimentos colhidos nestes autos, extrai-se: “Que atualmente não existe medicação capaz de substituir o efeito terapêutico

que se obteria com a transfusão de sangue, mas a quantidade de transfusão pode ser diminuída com a utilização de determinadas medicações. A heritropoetina pode ele-var os níveis de hemoglobina e com isto se resolver temporariamente uma anemia. Que atualmente, pela informação que o depoente obteve junto aos médicos que estão tratando da autora, não vem havendo necessidade de utilização de quimioterapia e a anemia está controlada. Que não vem sendo utilizado o medicamento heritropoetina devido à estabilidade da doença.”

Disse ainda o médico ouvido que “A medicação neomega é utilizada para estimular o crescimento das plaquetas e ele

é utilizado após a quimioterapia, e assim como no caso da heritropoetina, não supre totalmente os efeitos que se teria com uma transfusão de sangue, principalmente na fase aguda da doença. Que o neomega pode gerar inúmeros efeitos colaterais e por isso a utilização deve ser realizada por pessoas experientes. (...) Que a transfusão de plaquetas tem efeito praticamente imediato, enquanto que a utilização do medicamento neomega demora mais tempo para produzir esse efeito. (...) No caso de crise aguda, o neomega é incapaz de recuperar imediatamente a quantidade de plaquetas a um número suficiente para colocar o paciente fora de risco. Numa situação em que há uma queda aguda do número de plaquetas, o neomega não elimina a necessidade de se utilizar

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uma transfusão.” (fl. 218/219)

Consta do depoimento da fl. 129 que a família impediu a transfusão e que a Igreja forneceu para a família algumas ampolas do medicamento.

Da mesma forma, o depoimento da fl. 234, do qual se retira o seguinte trecho: “...um efeito colateral da quimioterapia é a diminuição das células sangüíneas. A diminuição das plaquetas seria contornada por transfusão de plaquetas. Se houvesse sangramento agudo, o que deveria ser utilizado é a transfusão de plaquetas. É assim que se procede com todos os pacientes do serviço. Mas havia o impedimento da criança receber transfusão de plaquetas devido à crença religiosa. Então eu fui avisada, desde o primeiro dia que a criança internou, num documento que consta no prontuário, que havia impedimento dela usar transfusão de plaquetas. (...) Eles (pais) foram categóricos. Eu prefiro que a minha filha morra ao invés de receber essa transfusão de hemoderivados. E disso não havia a menor dúvida. Havia componentes da Igreja, num domingo, para conversar e reforçar tudo isso.”

Os depoimentos esclareceram que houve remissão da doença, ou seja, está sob controle, com períodos sem sintomas ou manifestações da do-ença. A doença está controlada com uma quimioterapia de manutenção.

Também o parecer do Ministério Público Federal, em primeira ins-tância, da lavra da Procuradora da República Dra. Carmem Elisa Hessel, demonstrando que “a análise do feito demonstra que o primeiro pedido tornou-se desnecessário, posto que, em diversos momentos dos autos há referência acerca da remissão da doença a ponto de se tornarem prescindíveis os remédios postulados, permanecendo a autora, a fazer uso apenas da medicação quimioterápica de controle, fornecida pelo HUSM.” (fl. 647)

De outro lado, a prova produzida demonstrou que a medicação cujo fornecimento foi requerido não constitui o meio mais eficaz da proteção do direito à vida da requerida, menor hoje contando com dez anos de idade.

Consoante se extrai dos depoimentos, para a doença da requerente, diagnosticada como Histiocitose de células de Langerhans, indica-se o tratamento de quimioterapia, que, entre outros efeitos colaterais, pode causar anemia. Esta última, por sua vez, é combatida com a transfusão de sangue e hemoderivados, que têm efeitos imediatos na recuperação do paciente, não havendo nenhuma droga que substitua a transfusão de sangue.

Consoante o parecer do Ministério Público, uma vez mais referido,

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“no curso do processo, a liberdade de crença religiosa erigiu-se como causa de pedir remota, isto é, como o direito que embasa o pedido da autora, diferentemente do que transpareceu da petição inicial, na qual o direito à saúde constou como principal fun-damento do pedido, cabendo, então, neste momento, proceder-se à análise daquela real motivação...” (fl. 647)

E a acurada análise da eminente procuradora ao mencionar que “Os pais da autora alegam que a religião Testemunhas de Jeová, da qual são segui-

dores, não permite a transfusão de sangue, de maneira que, desde a internação hospitalar da filha Anne Francielle, ocorrida em 18.11.2002, firmaram posição no sentido de não aceitarem tratamento com sangue, ou com qualquer um dos hemoderivados, sejam eles glóbulos vermelhos ou glóbulos brancos, sejam plaquetas ou plasma sangüíneo. Essa orientação consta expressamente no documento assinado por ambos em 02.12.2002 e denominado ‘Diretrizes sobre tratamento de saúde’, acostado à fl. 305 dos autos, no qual solicitam tratamento médico alternativo sem sangue. Tal documento, juntamente com os Termos de Isenção de Responsabilidade (fls. 306/307), apresenta-se como um documento padrão, fornecido por seguidores da referida religião, para o fim de exone-rar o Hospital e a equipe hospitalar de qualquer responsabilidade jurídica advinda da observância do tratamento.” (fl. 647)

Denota-se de todos os elementos constantes dos quatro volumes destes autos que se encontram em conflito, no caso concreto, dois princípios fun-damentais consagrados em nosso ordenamento jurídico-constitucional: de um lado, o direito à vida e, de outro, a liberdade de crença religiosa.

A liberdade de crença abrange não apenas a liberdade de cultos, mas também a possibilidade de o indivíduo orientar-se segundo posições religiosas estabelecidas.

No caso concreto, a menor autora não detém capacidade civil para expressar sua vontade. A menor não possui consciência suficiente das implicações e da gravidade da situação para decidir conforme sua von-tade. Esta é substituída pela de seus pais, que recusam o tratamento consistente em transfusões de sangue.

Ou seja, os responsáveis pela menor é que impedem o tratamento em face de suas convicções e crenças litúrgicas. Quem sofre o risco de vida é a menor, e não aqueles que manifestam sua vontade. Ou seja, os pais estão dispondo de vida alheia em nome de crença religiosa. Ora, os pais não têm o direito à vida do próprio filho. A vida é bem jurídico indisponível, principalmente por terceiros.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a criança tem direito

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de proteção à vida e à saúde. Também protege-se a liberdade da criação da criança, fornecendo o acesso à cultura e às informações, no intuito de que, com a idade suficiente, venham a decidir sobre sua conduta e assumir conscientemente os riscos de suas opções.

Enquanto isso não ocorre, os pais podem ter sua vontade substituída em prol de interesses maiores, principalmente em se tratando do próprio direito à vida.

A restrição à liberdade de crença religiosa encontra amparo no princí-pio da proporcionalidade, porquanto ela é adequada a preservar a saúde da autora. É necessária, porque, em face do risco de vida, a transfusão de sangue torna-se exigível e, por fim, ponderando-se entre vida e liberdade de crença, pesa mais o direito à vida, principalmente em se tratando da vida de filha menor impúbere.

Ou seja, no caso sob exame prepondera o direito à vida da menor.Também esta a manifestação ministerial, constante de parecer já citado:

“os interesses que se chocam, nesse caso, não deixam dúvidas sobre a ineficácia das declarações, evidenciando-se a colidência entre o direito à liberdade de crença religiosa e o direito à vida, com o conseqüente dever do médico de utilizar todos os recursos disponíveis para tentar salvar o paciente.” (fl. 647)

Em conseqüência, somente se admite a prescrição de medicamentos alternativos enquanto não houver urgência ou real perigo de morte.

Merece transcrição o seguinte julgado:“Processo 595 000 373 – 6ª Câmara Cível – Rel. Des. Sérgio Gischkow Pereira:Cautelar. Transfusão de sangue. Testemunhas de Jeová. Não cabe ao Poder Judiciário,

no sistema jurídico brasileiro, autorizar altas hospitalares e autorizar ou ordenar tratamen-tos médico-cirúrgicos e/ou hospitalares, salvo casos excepcionalíssimos e salvo quando envolvidos os interesses de menores. Se iminente o perigo de vida, é direito e dever do médico empregar todos os tratamentos, inclusive cirúrgicos, para salvar o paciente, mesmo contra a vontade deste, de seus familiares e de quem quer que seja, ainda que a oposição seja ditada por motivos religiosos. Importa ao médico e ao hospital é demonstrar que utilizaram a ciência e a técnica apoiadas em séria literatura médica, mesmo que haja divergências quanto ao melhor tratamento. O Judiciário não serve para diminuir os riscos da profissão médica ou da atividade hospitalar. Se a transfusão de sangue for tida como imprescindível, conforme sólida literatura médico-científica (não importando naturais divergências), deve ser concretizada, se para salvar a vida do paciente, mesmo contra a vontade das Testemunhas de Jeová, mas desde que haja urgência e perigo iminente de vida (art. 146, § 3º, inciso I, do Código Penal). Caso concreto em que não se verificava tal urgência. O direito à vida antecede o direito à liberdade, aqui incluída a liberdade

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de religião; é falácia argumentar com os que morrem pela liberdade, pois aí se trata de contexto fático totalmente diverso. Não consta que morto possa ser livre ou lutar por sua liberdade. Há princípios gerais de ética e de direito, que aliás norteiam a Carta das Nações Unidas, que precisam se sobrepor às especificidades culturais e religiosas; sob pena de se homologarem as maiores brutalidades; entre eles estão os princípios que resguardam os direitos fundamentais relacionados com a vida e a dignidade humanas. Religiões devem preservar a vida e não exterminá-la.”

Logo, tendo em vista o pedido formulado na inicial, limitado ao fornecimento de medicamentos, e o princípio da congruência, deve a ação ser julgada improcedente. Contudo, ressalva-se o ponto de vista ora exposto, no que tange ao direito à vida da menor.

Em face de todo o exposto, nego provimento ao agravo retido e às apelações da UFSM, da autora e da União. Dou provimento à remessa oficial para julgar improcedente o pedido.

Mantida a sucumbência imposta na sentença.É como voto.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva: Peço vênia para divergir do brilhante voto proferido pela eminente Relatora, Juíza Vânia Hack de Almeida.

A questão central diz respeito à possibilidade de compelir, mesmo que indiretamente, a autora, menor de idade, à transfusão de sangue. Ocorre que a autora, neste feito representada por seus pais, professa crença religiosa cujos preceitos vedam a transfusão de sangue.

A inicial pede o fornecimento de remédios que afastariam em algumas hipóteses a necessidade de transfusão. A sentença acolheu em parte a pretensão.

Como destacado pela Relatora, estão evidentemente em confronto dois direitos fundamentais, o direito à vida, assegurado pelo art. 5º, ca-put, da Constituição e a liberdade de consciência e de crença, protegida igualmente no inciso VI do mesmo artigo 5º da Carta Política.

Em tema de colisão dos direitos fundamentais cabe lembrar o magistério de Alexandre de Moraes que de forma extremamente didática assinala:“os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades

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públicas).Dessa forma se houve conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais,

o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realização de uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual.” (Direito Constitucional, 18. ed., São Paulo: Atlas, 2005)

Na obra clássica sobre o tema, Ingo Wolfgang Sarlet preconiza a plena aplicabilidade de todos os direitos fundamentais como integrantes de um sistema harmônico adotado pelo constituinte (A eficácia dos direitos fundamentais, 6. ed., Porto alegre, Livraria do Advogado, 2006). Vale dizer, todos os direitos assegurados devem ser igualmente assegurados.

A harmonização de eventuais direitos conflitantes não deve partir de uma hierarquização de direitos estabelecida a priori, situação em que inegavelmente o direito à vida suplantaria qualquer outro direito asse-gurado pela Constituição.

A hierarquização, se necessária, deve ser feita no caso concreto, devendo o intérprete sopesar e analisar os riscos de modo a evitar que um dos direitos fundamentais seja sacrificado integralmente em nome de outro prevalente. Nesse sentido, o magistério de João Pedro Gebran Neto. (A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002)

No caso em exame, é certo que a solução que dá prevalência do di-reito à vida sobre a liberdade de crença desatende essa exigência de não sacrificar um direito para dar efetividade a outro.

Portanto, a solução adequada é aquela que assegura igualmente ambos os direitos (direito à vida e liberdade de crença). No caso em exame, é forçoso reconhecer que existe um risco à vida, eis que os laudos apon-tam que um tratamento eficaz seria uma transfusão de sangue, mas tal procedimento não é desejado pelos familiares da autora, por motivos de convicção religiosa. Contudo, o afastamento desse risco de vida não pode conduzir ao sacrifício da liberdade de crença.

Assim, a melhor solução é determinar o fornecimento de medica-mentos que permitam tratamentos alternativos que evitem a indesejável transfusão de sangue.

Destaco o trecho do parecer oral do Dr. Domingos Sávio Dresch da Silveira que destacou:

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“...temos uma situação em que o que se discute é a conveniência e o custo administra-tivo de um tratamento e o respeito à liberdade religiosa. O que dos autos ressalta, e a sentença afirma é que o que existe tratamento alternativo – mais oneroso, é verdade, para o poder público e para o sistema – que preserva a vida, sobretudo das Testemunhas de Jeová, que é a vida com dignidade. E, para as testemunhas de Jeová, a vida com dignidade tem como pressuposto não receber transfusão de sangue, sangue diverso. Isso é da crença. Crença que a Constituição assegurou. Determinou que o Estado, en-quanto direito humano de primeira geração a preservasse, mas também na realização de políticas públicas esse valor, esse direito humano de primeira geração. O que se busca com o direito à saúde é preservar a vida, mas não qualquer vida: é a vida com dignidade que decorre da crença manifestada, crença que é exercício de um outro direito humano fundamental”.

Se existe uma solução que permite harmonizar ambos os direitos, deve ser adotada, mesmo ciente o julgador dos riscos inerentes à própria atividade médica e do elevado custo para o Poder Público.

Voto, pois, pelo provimento do recurso da autora e pelo desprovimento do apelo da União e da Universidade, mantida a sucumbência fixada na sentença.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.04.01.015872-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva

Apelante: Ministério Público FederalApelada: União Federal

Advogado: Dr. Luís Henrique Martins dos AnjosApelado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis - IBAMAProcurador: Luís Gustavo Wasilewski

Apelado: Fernando José FuscaldoAdvogado: Dr. Rafael Fonseca Ferreira

Apelado: Adubos Trevo S/A - Grupo Luxma

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 123-542, 2006244

Advogados: Drs. Jairo Jorge Viegas de Oliveira e outrosApelado: Iguatemy Figueiredo Costa

Advogados: Drs. Sergio Amaral Campello e outroApelada: Granja Mangueira Agropecuária S/AAdvogado: Dr. José Carlos Pereira de Almeida

Apelados: Varlem Carolino Obelar Dorila da Silva

Deroci Theodoro ArriecheDumiense Moacyr DiasEvaldo Longo Marchant

Advogados: Drs. Arlindo Mansur e outroApelado: Érico da Silva Ribeiro

Advogado: Dr. José Carlos Pereira de AlmeidaApelado: Francisco Miguel Alves Torres

Advogado: Dr. José Gilberto da Cunha GastalApelado: Pedro Porto de Vargas

Advogados: Drs. Mauro José da Silva Jaeger e outroApelado: Carlos Nogueira

Advogado: Dr. José Antonio de Azeredo LemosApelado: Osmário Francisco da Costa

Advogado: Dr. Raulim da Costa GandraApelados: Antonio Leonídio de Freitas

Lourival Mirapalheta Advogado: Dr. Delamar Correa Mirapalheta

Apelado: Olse Cabrera Advogado: Dr. Otávio César Martins de Aguiar CorreaApelada: Maria Antonietta Terra Leite Duarte da Silva

Advogado: Dr. Rogério Lemos Duarte da SilvaApelados: Quitério Pereira de Souza

Rubens FernandesFlorindo Torres Simões Espólio

Interessado: Município de Santa Vitória do Palmar

EMENTA

Ação Civil Pública. Ambiental. Banhado do Taim. Estação ecológica. Uso restrito. Ilegitimidade da União.

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 123-542, 2006 245

Configurada a ilegitimidade da União Federal, eis que a Lei nº 7.735/89 atribui ao Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA a execução da Política Nacional do Meio Ambiente, incumbindo--lhe a gestão das áreas de proteção ambiental.

Prejudicado o pleito relativamente aos proprietários, em face do anterior julgamento dos agravos de instrumentos que reconheceram os direitos dos proprietários até regular desapropriação.

A área descrita na inicial foi criada como “Estação Ecológica do Taim” que, a teor do art. 1º da Lei nº 6.902/81 e art. 9º da Lei nº 9.985/2000, se enquadra como unidade de conservação de proteção integral, sendo inviável a solução que não a desapropriação das áreas particulares situ-adas nos limites da área protegida.

Fixação de prazo para que o IBAMA comprove o início de desapro-priação, amigável ou judicial, dando cumprimento ao procedimento iniciado pelos Decretos Presidenciais nos 81.603/78, 92.963/86 e decreto sem numeração datado de 05 de junho de 2003, que declararam as áreas como de utilidade pública paras fins de desapropriação.

Cominação de multa para hipótese de descumprimento, a ser revertida para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

Recurso parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unani-midade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de setembro de 2006.Juiz Federal Fernando Quadros da Silva, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva: Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença que, julgando ação civil pública, reconheceu a ilegitimidade passiva da União e do réu Érico da Silva Ribeiro e quanto ao demais réus julgou improcedentes os pedidos.

O Ministério Público Federal na Ação Civil Pública noticiava que o

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Decreto nº 92.963/86 havia criado a Estação Ecológica do Taim, com área demarcada e declarada de utilidade pública para fins de desapro-priação, e que aquele ecossistema vinha sofrendo danos decorrentes de atividades pecuária e de utilização dos recursos hídricos.

Foram três os pedidos veiculados na ação civil ajuizada em setembro de 1988: a) retirada do gado mantido pelos proprietários, posseiros e confrontantes dentro da área protegida; b) a vedação de utilização de equipamentos na área tais como motores de bombeamento de água, tubu-lações, drenos, canais; c) a construção de cercas pela União no contorno da área para evitar as permanentes invasões.

A decisão à fl. 104, do ilustre magistrado Osvaldo Alvarez, deferiu a liminar para determinar a retirada do gado da área da estação ecológica e desativação dos equipamentos para uso dos recursos hídricos, com cominação de multa para caso de descumprimento. A decisão à fl. 456, ampliou a liminar deferida e determinou à União que desse início aos trabalhos de demarcação e construção das cercas sob pena de multa.

Contra decisão foi interposto agravo de instrumento que foi provido por esta Corte com o acórdão relatado pelo ilustre Des. Manoel Lauro Volkmer de Castilho, assim ementado:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BANHADO DO TAIM. Liminar, determinando reti-rada de gado e sustação de bombeamento de água, atacado por agravo de instrumento dos proprietários e arrendatários provido em parte para garantir o uso adequado e regular dos imóveis registrados enquanto não formalmente expropriados.” (TRF4, AG 8904071801/RS, 3ª T., julg. em 27.08.91, Documento: TRF400012916, DJ 09.10.91, p. 24931, Rel. VOLKMER DE CASTILHO, unânime, ver TRF4, AG 89.04.03334-4/RS e AG 89.04.05567-9/RS)

A decisão da corte regional foi mantida pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 36.934. (Rel. Min. Pádua Ribeiro, DJU 11.11.96, p. 43687)

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA peticionou noticiando que recebeu as atribuições da extinta Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, nelas incluída a administração da Estação Ecológica do Taim, e requereu seu ingresso no feito em substituição à União Federal. A decisão de fls. 1355/ 1356 admitiu o ingresso do IBAMA na qualidade de litisconsorte passivo.

Tramitaram apensados os seguintes feitos, que receberam julgamento

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conjunto na mesma sentença:1) Ação Ordinária nº 200.71.01.000646-5, movida por Derocy Theo-

doro Arrieche contra o IBAMA, buscando impedir a colocação de cercas. Em sentença foi julgado prejudicado o pedido e não houve recurso pelo interessado;

2) Ação Civil Pública nº 94.10.01178-7, movida pelo Município de Santa Vitória do Palmar contra o IBAMA, pretendendo a condenação do IBAMA a proceder levantamento técnico na mesma. Na sentença foi julgado igualmente prejudicado o pedido à vista da perícia elaborada na ação civil pública movida pelo MPF;

3) Ação Cautelar incidental nº 1999.71.01.001624-7, movida pelo Ministério Público Federal com objetivo de impedir a transferência da estação meteorológica instalada na área de conservação. O processo foi extinto sem exame do mérito, diante da informação prestada pelo IBAMA de que a estação não seria transferida.

Relativamente à ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, como já foi destacado, a sentença reconheceu a ilegitimidade passiva da União e julgou improcedentes os pedidos relativamente ao IBAMA e aos demais réus. Não houve condenação nas custas e honorários advocatícios, com fundamento no art. 18 da Lei nº 7.347/85.

Inconformado apela o Ministério Público Federal. Alega que a Lei nº 9.985/2000, inteiramente aplicável por força do art. 462 do CPC, assegura apenas “às populações tradicionais residentes nas unidades de conservação” o direito de indenização ou compensação.

Por fim, aduz que a permanência das populações fica condicionada à observância das normas estabelecidas para proteção da Unidade de Conservação, em especial a Lei 9.985/2000 e o Decreto 4.340/2002, que a regulamentou.

Pede o provimento da apelação para o fim de reconhecer as limitações e restrições impostas pela Lei nº 9.985/2000 aos residentes na área de con-servação. Busca também a declaração de que os direitos conferidos pelo art. 28, parágrafo único, e art. 42, § 2º, da Lei nº 9.985/2000 se aplicam somente às populações tradicionalmente residentes na área da unidade conservação.

Recebido o recurso, foram juntadas aos autos as seguintes contra--razões: da União (fls.1692/1694); do IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (fls. 1700/1704); de Fer-

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nando José Fuscaldo (fls. 1707/1711); de Adubos Trevo (fls. 1713/1717); de Iguatemy Figueiredo Costa (fls. 1719/1724); da Granja Mangueira Agropecuária S.A. (fls. 1726/1729)

Oficiando no feito como fiscal da lei, o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Procurador Regional Roberto Luís Opper-mann Thomé, manifestou pelo conhecimento e provimento do apelo para que a União e o IBAMA sejam obrigados a atuar efetivamente para preservar o ecossistema conhecido como “Banhado do Taim”. Quanto aos feitos apensados, manifestou-se pela manutenção da sentença.

É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva: Conheço do recurso interposto pelo Ministério Público Federal porque satisfeitos os pressupostos de sua admissibilidade.

Passo ao exame do apelo relativamente à parte da sentença que excluiu a União e julgou improcedentes os pedidos manifestados na ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal.

Ilegitimidade da UniãoA sentença recorrida reconheceu a ilegitimidade passiva da União

sob o fundamento de que compete ao Instituto Brasileiro do Meio Am-biente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA a proteção da área de preservação descrita na inicial.

A sentença anotou, ainda, que compete ao IBAMA dar execução à Política Nacional do Meio Ambiente e preservar, fiscalizar e controlar os recursos naturais renováveis.

O Decreto nº 81.603, de 26 de abril de 1978, e o Decreto nº 92.963, de 21 de julho de 1986, relativos à Estação Ecológica do Taim, atribuíam à Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA as tarefas de tomar as medidas necessárias para efetiva implantação da área de proteção ambiental em análise.

A Lei nº 7.735, de 22.02.89, extinguiu a Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, órgão subordinado ao Ministério do Interior e a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca – SUDEPE, criando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis

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(IBAMA), Autarquia Federal de Regime Federal, dotada de personali-dade jurídica de Direito Público, autonomia administrativa e financeira, vinculada à Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, com a finalidade de assessorá-la na formação e coordenação, bem como executar e fazer executar a política nacional do meio ambiente e da pre-servação, conservação e uso racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos naturais. (Redação dada pela Lei nº 8.028, de 1990)

Portanto, está claro que o IBAMA é o órgão que deve figurar no pólo passivo da demanda, por ser sua obrigação legal gerir as unidades de conservação.

Os comandos existentes nos art. 225 e art. 23, VI, da Constituição não servem para manter a União no pólo passivo. A existência de uma autarquia especial, criada por lei federal para gerir o meio ambiente, revela o cumprimento dos comandos constitucionais pela União.

É de ser mantida a sentença nesse aspecto.

Quanto aos pedidos veiculados na inicialFoi postulado na inicial a condenação da União, IBAMA e dos pro-

prietários, posseiros e confrontantes da área protegida.Relativamente à União e ao IBAMA, pede-se sejam condenados a

implantar cerca em torno da Estação Ecológica, bem como indenizar os danos ambientais verificados.

No que concerne aos réus que residiam ou mantinham atividade na área, foi requerida a retirada do gado e dos equipamentos de sucção de água, bem como o pagamento de indenização pelo dano ambiental, a ser revertido ao fundo de reconstituição de bens lesados.

No que diz respeito aos réus que utilizam a área, a matéria já foi examinada no julgamento do Agravo de Instrumento interposto contra decisão inicial que deferiu a liminar. Pode-se dizer que a mesma foi es-gotada no julgamento proferido por esta Corte e que foi assim ementado:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BANHADO DO TAIM. Liminar, determinando reti-rada de gado e sustação de bombeamento de água, atacado por agravo de instrumento dos proprietários e arrendatários provido em parte para garantir o uso adequado e regular dos imóveis registrados enquanto não formalmente expropriados.” (Processo: 8904071801/RS, 3ª T., julg. em 27.08.91, Documento: TRF400012916, DJ 09.10.91, p.24931, Rel. VOLKMER DE CASTILHO, unânime, ver TRF4, AG 89.04.03334-4/RS E AG 89.04.05567-9/RS)

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O julgado desta Corte foi mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme ementa a seguir transcrita:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BANHADO DO TAIM. LIMINAR, DETERMINAN-DO RETIRADA DE GADO E SUSTAÇÃO DE BOMBEAMENTO DE AGUA. REFORMA, EM PARTE.

I. O acórdão recorrido, ao dar provimento parcial ao agravo interposto contra deci-são concessiva de liminar, determinando retirada de gado e sustação de bombeamento de água, para garantir aos proprietários e arrendatários o uso adequado e regular dos imóveis registrados, enquanto não formalmente expropriados, longe de negar vigência ao art. 7º, par. 1º, a, da Lei nº 6.902/81, procurou interpretá-lo em harmonia com o texto constitucional que garante o direito de propriedade.

II. Recurso especial não conhecido.” (REsp 36934, Processo: 199300199668/RS, 2ª T., julg. em 21.10.96 Documento: STJ000137664, DJ 11.11.96, p. 43687, LEXSTJ v.93 p.93, Rel. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, unânime, não conhecer do recurso)

No mesmo sentido, outra decisão desta Corte envolvendo a mesma área de proteção ambiental na qual também foi assegurado o uso da área até que haja a regular desapropriação:

“1. Direito Administrativo.2. Ação Civil Pública. Liminar concedida para ordenar a retirada de gado e sustar

a utilização de recursos hídricos da reserva ecológica do banhado do Taim.3. Garantia do uso adequado e regular de imóveis registrados, enquanto não for-

malmente expropriados.4. Agravo de Instrumento parcialmente provido.” (AG, Processo: 8904055660/RS,

3ª T., julg. em 02.04.91, Documento: TRF400012810, DJ 08.05.91, p. 9839, Rel. GIL-SON DIPP, Decisão por maioria. Vencido o juiz PASSOS DE FREITAS por entender que, no conflito de interesses, particular e público, prevalece o interesse público. No caso dos autos não se tomou a iniciativa de cumprir-se o decreto expropriatório. Cabe ao agravante o uso da chamada desapropriação indireta. Ver AI-51132-RJ, Rel. OTO ROCHA, DJ 11.02.88)

É caso de ser mantida a sentença de improcedência relativamente ao réus proprietários, eis que alicerçada em manifestação específica desta Corte sobre o caso.

Quanto aos pedidos endereçados à União e ao IBAMAÉ postulada a condenação da União acerca da área de contorno da reserva.

A liminar foi deferida para determinar à mesma que construísse os divisores físicos com observância dos limites descritos no Decreto nº 92.963/86.

A liminar foi mantida por esta Corte no julgamento do agravo de

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instrumento interposto pela União. A decisão foi assim ementada:“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BANHADO DO TAIM. A determinação liminar de

construção de cercas no entorno da reserva para proteção dela, a cargo da União fe-deral, não implica ordem para realização de despesas sem previsão orçamentária nem julgamento antecipado do mérito. Agravo improvido.” (AG, Processo: 8904071810/RS, 3ª T., julg. em 10.09.91, Documento: TRF400012917, DJ 02.10.91, p. 24193, Rel. VOLKMER DE CASTILHO, unânime)

Cabe o exame da pretensão veiculada na inicial.A área denominada genericamente como “Estação Ecológica do Taim”

é objeto de três decretos presidenciais a seguir transcritos, para melhor compreensão da matéria:

“Decreto nº 81.603, de 26 de abril de 1978.Declara de utilidade pública para fins de desapropriação pelo Ministério do Interior

– Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, áreas de terras nos Municípios de Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, Estado do Rio Grande do Sul.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o artigo 81, item III, da Constituição, e na conformidade da alínea k do artigo 5º do Decreto--Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, alterado pela Lei nº 2.786, de 21 de maio de 1956, DECRETA:

Art. 1º. Fica declarada de utilidade pública para fins de desapropriação pelo Mi-nistério do Interior – Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, duas áreas de terras tituladas a diversos particulares, com 33.815,0919 (trinta e três mil e oitocentos e quinze hectares, nove ares e dezenove centiares), situadas nos Municípios de Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, Estado do Rio Grande do Sul, necessárias à instalação da Estação Ecológica do Taim, assim descritas nas plantas constantes do Processo nº 16.292/MI/77, devidamente rubricadas pelo Secretário Geral do Ministério do Interior, e assim configuradas:

...omissis...Parágrafo Único: A declaração de que trata este artigo incide, inclusive, sobre o

domínio útil transferido a particulares e as benfeitorias porventura existentes nos ter-renos de marinha compreendidos na área descrita.

Art. 2º O Ministério do Interior, por intermédio da Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, fica autorizado a promover e executar, com seus recursos próprios, a desapropriação de que trata este Decreto.

Art. 3º O expropriante, no exercício das prerrogativas que lhe são asseguradas por este Decreto, poderá proceder, se alegar urgência, de conformidade com o artigo 15 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, com as alterações da Lei nº 2.786, de 21 de maio de 1956.

Art. 4º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as

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disposições em contrário.Brasília, 26 de abril de 1978; 157º da Independência e 90º da República.Ernesto Geisel, Mário Henrique Simonsen, Maurício Rangel Reis.”

Posteriormente, outro decreto presidencial efetivamente criou a área de preservação, nos seguintes termos:

“DECRETO Nº 92.963, DE 21 DE JULHO DE 1986Cria a Estação Ecológica do Taim, em áreas de terra que indica, e dá outras pro-

vidências.O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o artigo

81, item III, da Constituição Federal, e tendo em vista o disposto nas Leis nos 6.902, de 27 de abril de 1981, e 6.938, de 31 de agosto de 1981, bem assim o Decreto nº 88.351, de 1º de junho de 1983, DECRETA:

Art. 1º Fica criada a Estação Ecológica do Taim, situada nos municípios de Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, no Estado do Rio Grande do Sul, abrangendo glebas do Banhado do Taim e Ilha do Taquari, a seguir descritas:

I. Gleba Banhado do Taim, denominada Campo do Albardão: com área de 6,3057 ha (seis hectares, trinta ares e cinqüenta e sete centiares), e perímetro de 1.162,99m, confrontando-se: ao N, com Agropecuária Peter & Filhos; ao S, com Ascenção Pereira de Souza; a L, com Osmário F. Costa; e, a O, com a Lagoa do Nicola; tomando como partida o ponto 2P6, situado na Orla da Lagoa Nicola, junto a divisa comum dos imóveis pertencentes a Agropecuária Peter & Filhos e Osmário F. Costa, segue com azimute de 149º17’20” e distância de 370,52m até o ponto 3AP6, confrontando com terras de Osmário F. Costa; do ponto 3AP6, segue com azimute de 278º36’24” e distância de 439,95m até o ponto 8P 10, confrontando com terras de Ascenção P. Souza; do ponto 8P 10, segue com azimute de 44º12’04” e distância de 352,52m, confrontando com a Lagoa do Nicola, até o ponto 2P 6, inicial desta descrição.

II. Rincão dos Porcos II - área de 267,1201 ha (duzentos e sessenta e sete hectares, doze ares e um centiare) e perímetro 13.345,93m, com as seguintes confrontações; ao N, Estância da Pedra, e Fernando José Fuscaldo; ao S, Indústrias Luchsinger Madorin S/A; a L, sucessão de Leonídio José de Freitas, Derocy Teodoro Arriehe e outros, a O, Estância da Pedra. Tomando como partida o ponto 11DP13, situado na divisa comum com os imóveis de Leonídio S.P. Souza, Derocy T. Arrieche e outros, e Indústrias Luchsinger Madorin S/A, com azimute de 287º38’14” e distância de 2.907,86m, por uma linha seca, fazendo divisa com Luchsinger Madorin S/A, chega-se ao ponto 6AP 11, deste, por uma linha seca divisa com a Estância da Pedra, segue com os seguintes azimutes e distâncias: 11º20’04” e 552,16m, até o ponto 6P 11; 89º21’20” e 78,25m, até o ponto 5P 11; 87º37’17” 340,25m até o ponto 4CP 11; 76º02’37” e 46,98m até o ponto 4BP 11; 91º38’32” e 417,66m até o ponto 3PC 11; 138º52’58” e 163,21m até o ponto 3BP 11; 119º01’36” e 21,97m até o ponto 3AP 11; 46º06’46” e 556,27m até o ponto 2BP 11; daí por linha seca com azimute de 96º11’53” e distância de 1.516,20m

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divide com Fernando José Fuscaldo, até o ponto 9P 6; deste por linha seca, divide com os sucessores de Leonídio José de Freitas, com os seguintes azimutes e distâncias: 173º11’33” e 724,44m até o ponto 10P 6; 173º12’46” e 292,01m até o ponto 10BP6; deste por linha seca segue dividindo com o imóvel de Derocy Arrieche, Irocy Arrieche e outros, com os seguintes azimutes e distância: 215º55’47” e 162,39m até o ponto A; 291º21’19” e 342,33m até o ponto B; 325º23’16” e 297,53m até o ponto C; 272º26’58” e 272,63m até o ponto D,; 312º09’36” e 397,95m até o ponto E; 265º09’46” e 231,01m até o ponto F; 300º29’47” e 211,99m até o ponto G; 235º26’03” e 177,88m até o ponto H; 274º07’40” e 334,80m até o ponto I; 357º18’29” e 95,17m até o ponto J; 316º21’45” e 240,87m até o ponto K; 217º13’44’ e 502,45m até o ponto L; 98º10’55” e 631,18m até o ponto M; 117º38’28” e 177,16m até o ponto N; 86º23’41” e 209,76m até o ponto O; 109º21’38” e 900,63m até o ponto P; 138º39’52” e 473,07m até o ponto Q; 192º22’08” e 87,86m até o ponto 11DP13, inicial desta descrição;

III. Gleba de campo, sem denominação - área de 120,00 ha (cento e vinte hectares) e perímetro de 4.942,46m, com as seguintes confrontações: N, S e O com Indústrias Luchsinger Madorin S/A e a L, com Derocy T. Arrieche e outros; tomando como partida o ponto M27A, cravado junto a margem do Banhado do Taim, na divisa comum com a Estância do Trevo e terras de Irocy Arrieche e Derocy Arrieche; deste por uma linha seca divide com terras pantanosas pertencentes às Indústrias Luchsinger Madorin S/A, através dos seguintes azimutes e distâncias: 265º30’00” e 1.845,23m até o ponto S; 352º18’08” e 686,44m, até o ponto S2; 86º30’00” e 1.740,24m, até o ponto 2CP13, situado na divisa comum dos imóveis de Brunilda Mirapalheta e de Derocy T. Arrieche e Irocy Arrieche, deste, por uma linha seca, divisa com Derocy e Irocy Arrieche, com azimute de 163º08’18” e a distância de 670,55m chega-se ao ponto M27A, marco inicial desta descrição;

IV. Gleba Banhado do Taim - área de 10.216,2153 ha (dez mil, duzentos e dezesseis hectares, vinte e um ares e cinqüenta e três centiares), com as seguintes dimensões e confrontações: tomando como partida o marco M14, cravado na margem ocidental dos banhados da Lagoa Mangueira, divisa com terras de Lavínia Aguiar da Silva; deste segue confrontando com terras de Lavínia Aguiar da Silva, Joel de Souza e Rubens Dias de Oliveira, com o azimute de 10º21’35” e a distância de 2.866,37m, até o marco M-13, situado na divisa com terras de sucessores de Alcides Dias; deste segue confron-tando com terras de sucessores de Alcides Dias e de Moacir Saldivia, com o azimute de 15º50’04” e a distância de 2.925,00m, até o ponto C, de coordenadas geográficas aproximadas Longitude 52º36’40” WGr e Latitude de 32º43’41” S; deste segue confron-tando com terras de Arlindo Costa, com os seguintes azimutes e distâncias aproximadas: 98º00’00” e 1.290,00m; 00º00’ e 1.475,00m; 280º00’00” e 330,00m, passando pelos pontos C.1 e C.2 até o ponto C.3 de coordenadas geográficas aproximadas, Longitude 52º36’06” WGr e Latitude 32º43’00” S, situado junto a um canal de drenagem; deste, segue pelo canal de drenagem, confrontando com terras de Lafayette Terra Leite, Ilro Dias, Alvaro A. da Silva, com azimute de 09º45’59” e distância de 5.250,00m, até o ponto D, de coordenadas geográficas aproximadas, Longitude 52º35’32” WGr e Latitude

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32º40’39” S; deste, segue confrontando com terras de Dumiense Moacir Dias, com o azimute aproximado de 94º20’00” e a distância aproximada de 360,00m até o ponto D.1, de coordenadas geográficas aproximadas, Longitude 52º35’52” WGr e Latitude 32º40’39” S; deste, segue confrontando com terras de sucessores de Marciano Terra Leite com os seguintes azimutes e distâncias aproximadas 120º00’00” e 3.150,00m; 99º00’00” e 2.370,00m; 340º21’18” e 1.810,87m, passando pelos pontos E e B.2, até o ponto B.1, situado na divisa com Indústrias Luchsinger Madorin S/A; deste, segue confrontando com Indústrias Luchsinger Madorin S/A, com o azimute de 54º41’41” e a distância de 3.892,89m, até o ponto 7P4, situado na orla do Banhado do Taim e na divisa com terras de sucessores de Domingos Negreiros, deste, segue pela margem do Banhado do Taim, confrontando com Miguel Vanderlei Gonçalves, com os seguintes azimutes e distâncias, 176º37’16” e 268,25m; 177º08’19” e 478,79m; 126º06’52” e 494,74m; 161º06’45” e 325,54m; 134º22’54” e 83,22m, passando pelos pontos 8P4, 9P4, 10P4 e 11P4, até o ponto 11AP4, situado na divisa com terras de Edílio Sena; deste, segue confrontando com Edílio Sena com o azimute de 190º17’57” e distância de 226,69m; até o ponto 11BP4, situado na divisa com terras de Miguel Vanderlei Gon-çalves; deste segue confrontando com Miguel Vanderlei Gonçalves com os seguintes azimutes e distâncias: 179º02’39” e 185,83m; 193º52’44” e 180,22m, passando pelo ponto 12P4, até o ponto 12AP4, situado na margem do Banhado do Taim; deste, segue confrontando com terras de Mazilio F. Ribeiro e sucessores de Euclides Quadros, com os seguintes azimutes e distâncias: 199º37’00” e 296,71m; 157º12’00” e 307,37m; 202º36’00” e 327,99m; 190º01’00” e 469,,53m, 192º51’00” e 805,19m; 205º32’00” e 794,96m, passando pelos pontos 13P4, 14P4, 15P4, 16P4 e 17P4, até o ponto 18P4, de coordenadas geográficas aproximadas Longitude 52º30’49” WGr e Latitude 32º42’27” S, situado na margem do Banhado do Taim e divisa com a Estância Caçapava, deste segue confrontando com terras da Estância Caçapava, com os seguintes azimutes e distâncias: 185º05’42” e 672,02m; 194º16’02” e 866,52m: 198º02’47” e 795,35m; 218º37’13” e 898,86m; 219º42’03” e 709,98m; 203º19’09” e 432,28m; 152º15’47” e 814,83m; 132º33’20” e 550,12m; 160º36’20” e 724,43m; 175º41’24” e 220,62m; 193º41’08” e 854,29m; 198º49’23” e 534,48m; 185º38’15” e 675,20m; 184º19’00” e 588,15m; 154º37’24” e 347,58m, 186º38’24” e 709,84m; 176º31’43” e 132,78m; 221º36’02” e 615,69m; 210º26’58” e 539,05m; 185º00’47” e 684,32m; 202º32’58” e 695,31m; 194º11’50” e 862,79m; 181º00’54” e 655,28m; 173’59’34” e 545,62m; passando pelos pontos 19P4, 20P4, 21P4, 22P4, 23P4, 24P4, 25P4, 26P4, 27P4, 1P5, 2P5, 3P5, 4P5, 5P5, 6P5, 7P5, 8P5, 9P5, 10P5, 11P5, 12P5, 13P5 e 14AP5 até o ponto 191B, situado na divisa com terras de sucessores de Patrício Dias Ferreira, deste, segue confrontando com terras de sucessores de Patrício Dias Ferreira com o azimute de 267º05’14” e a distância de 1.590,00m, até o ponto 191A, de coordenadas geográficas aproximadas - Longitude 52º33’18” WGr Latitude 32º49’58” S, situado na margem da Lagoa Mangueira; daí, segue margeando a Lagoa Mangueira no sentido levogiro, percorrendo uma distância aproximada de 40.500,00m, até o ponto 3.C, de coordenadas geográficas aproximadas - Longitude 52º38’32” WGr e Latitude 32º50’10” S; situado

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na margem noroeste da Lagoa Mangueira; deste segue com o azimute de 267º05’14” e a distância de 165,00m até o ponto 4.C, de coordenadas geográficas aproximadas - Longitude 52º38’38” WGr e Latitude 32º50’11” S, divisa com terras da Fazenda Santa Marta; deste, segue confrontando com a Fazenda Santa Marta com os seguintes azimutes e distâncias: 23º00’00” e 1.170,00m; 14º15’00” e 1.905,00m, passando pelo ponto 5.C, até o ponto 6.C, situado na divisa com terras de sucessores de Amélia D. de Oliveira; deste, segue confrontando com terras de sucessores de Amélia Dias de Oliveira, com os seguintes azimutes e distâncias: 102º00’00” e 1.905,00m; 00º00’00” e 240,00m; 308º00’00” e 524,00m; 350º20’00” e 576,00m; 49º30’00 e 546,00m, passando pelos pontos 7.C, 8.C, 9.C, 10.C, até o ponto 11.C, situado na divisa com terras de suces-sores de Fileno Martins; daí, segue confrontando com sucessores de Fileno Martins e Margarito Caetano, Com os seguintes azimutes e distâncias: 00º00’00” e 1.065,00m e, 287º40’00” e 500,00m, passando pelo ponto 12.C, até o ponto (1 - 2)I, situado na divisa com terras de Lavínia Aguiar da Silva; deste, segue confrontando com Lavínia A. da Silva com o azimute de 12º30’00” e a distância de 786,00m, chega-se ao marco M-14, início desta descrição, fechando o perímetro.

V. Ilha Taquari - ilha lacustre, com aproximadamente 155 ha, contida no polígo-no constituído do vértice P-00 de coordenadas geográficas Latitude 32º55’04” Sul e Longitude 53º16’09” Oeste, deste vértice segue a Oeste por uma linha seca e reta, a distância de aproximadamente 2.650,00m até o vértice P-01 de coordenadas geográficas Latitude 32º55’04” Sul e Longitude 53º17’50” Oeste; deste vértice segue 21º30’00” rumo NE a distância aproximada de 2.650,00m até o vértice P-02 de coordenadas geográficas Latitude 32º53’43” Sul e Longitude 53º17’15” Oeste; deste vértice segue rumo Leste por uma linha reta e seca a distância aproximada de 800,00m até o vértice P-03 de coordenadas geográficas Latitude de :32º53’43” Sul e Longitude 53”16’45” Oeste; deste vértice segue 20º rumo SE a distância aproximada de 2.650,00m até o vértice P-00, marco inicial desta descrição, conforme demarcação baseada em mapa elaborado pela Diretoria do Serviço Geográfico - Ministério do Exército.

Art. 2º A administração e a fiscalização da Estação Ecológica do Taim será exercida pela Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, do Ministério do Desenvolvi-mento Urbano e Meio Ambiente, na forma que dispõe a legislação federal específica.

Art. 3º A SEMA se articulará com os demais órgãos da administração pública, no campo das respectivas competências, para as medidas que forem necessárias à efetiva implantação e consolidação da Estação Ecológica do Taim.

Art. 4º A SEMA baixará as instruções necessárias ao cumprimento deste decreto.Art. 5º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário.Brasília, 21 de julho de 1986; 165º da Independência e 98º da República.JOSÉ SARNEY, Deni Lineu Schwartz.”

Mais recentemente, aproximadamente um ano antes de proferida a sentença recorrida, a área da Estação Ecológica objeto da presente ação

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foi ampliada pelo decreto sem número, datado de 05.06.2003, cujo teor se transcreve:

“DECRETO DE 5 DE JUNHO DE 2003.Amplia os limites da Estação Ecológica do Taim, nos Municípios de Rio Grande

e Santa Vitória do Palmar, no Estado do Rio Grande do Sul, e dá outras providências.O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art.

84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 9º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e no Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, DECRETA:

Art. 1º Ficam incorporadas aos limites da Estação Ecológica do Taim, criada pelo Decreto nº 92.963, de 21 de julho de 1986, as áreas com superfície aproximada de setenta e sete mil, quinhentos e quarenta hectares, descritas a partir das cartas topo-gráficas, na escala 1:50.000, MI nos 3030-2, 3031-1, 3030-4, 3031-3, 3034-1, 3034-2, 3034-3, 3034-4 e 3036-2, editadas pela Diretoria do Serviço Geográfico - DSG do Exército Brasileiro, com os seguintes memoriais descritivos:

...omissis...Parágrafo único. O subsolo integra os limites da Estação Ecológica do Taim.Art. 2º Ficam declarados de utilidade pública, para fins de desapropriação, pelo

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, os imóveis particulares constituídos de terras e benfeitorias existentes nos limites des-critos no art. 1º deste Decreto, nos termos dos arts. 5º, alínea k, e 6º do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941.

Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.Brasília, 5 de junho de 2003; 182º da Independência e 115º da República.LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, Marina Silva.”

Verifica-se, portanto, que, decorridos quase trinta anos desde o pri-meiro decreto presidencial, a Estação Ecológica do Taim ainda não foi efetivamente implantada, circunstância que revela o descumprimento pela União e pelo IBAMA dos deveres legais de proteção do meio ambiente.

Com a edição do último decreto presidencial a Unidade de Conser-vação atingirá 100.540 hectares, reclamando a efetiva atuação do órgão ambiental para desapropriar as áreas que necessárias à implantação da estação ecológica.

Veja-se que a área descrita na inicial é classificada como estação eco-lógica, onde é incompatível qualquer atividade de exploração econômica. (Art. 1º, Lei nº 6.902/81 - Estações Ecológicas são áreas representativas de ecossistemas brasileiros, destinadas à realização de pesquisas básicas e aplicadas de Ecologia...”)

Como adverte Vladimir Passos de Freitas, “a estação ecológica é de

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posse e domínio público e as áreas particulares nela incluídas serão desapropriadas”. (A Constituição Federal e a efetividade as normas ambientais, 2. ed., São Paulo, RT, 2002, p. 139)

As mesmas características são mantidas no art. 9º da Lei nº 9.985/2000: “as estações ecológicas são áreas representativas de ecossistemas brasileiros, destinadas à realização de pesquisas básicas e aplicadas de Ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação conservacionista.”

As estações ecológicas, segundo a mesma lei, pertencem ao grupo de uni-dades de conservação de proteção integral e destinam-se à preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites e à realização de pesquisas científicas, que devem ser autorizadas pelo IBAMA estando sujeitas as normas por este estabelecidas. A visitação pública só é admitida com objetivos educacionais, sendo necessário autorização prévia.

Portanto, há que ser cindida a análise do presente feito em dois aspec-tos centrais. De um lado, o fato inegável de ter sido efetivamente criada a área de proteção, ainda antes da propositura da demanda, denominada Estação Ecológica do Taim, circunstância que sujeita aquela área ao regramento jurídico próprio que impede, por si só, a utilização indiscri-minada da área em análise.

Por outro lado, tendo em vista o teor dos decretos presidenciais 81.603/78 e decreto sem numeração de 05 de junho de 2003, há a amplia-ção da área a ser protegida, com afirmação indiscutível da necessidade de desapropriação da área pelo IBAMA com intuito de dar à área a destina-ção legal e constitucional que desde 1978 se anuncia. A desapropriação das áreas que estão em mãos de particulares é necessária, eis que se trata de unidade de conservação na qual não se autoriza atividade econômica.

O advento da Lei nº 9.985, de 18.07.200, que instituiu o Sistema Na-cional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, não alterou o regramento da matéria, conforme se vê a seguir transcrito:

“Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Na-tureza – SNUC, estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação.

Art. 2º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:I. unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as

águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial

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de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção;...omissis...VI. proteção integral: manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas

por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais;IX. uso indireto: aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos

recursos naturais;CAPÍTULO III DAS CATEGORIAS DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃOArt. 7º As unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois

grupos, com características específicas:I. Unidades de Proteção Integral;II. Unidades de Uso Sustentável.§ 1º O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza,

sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei.

§ 2º O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conser-vação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.

Art. 8º O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação:

I. Estação Ecológica;II. Reserva Biológica;III. Parque Nacional;IV. Monumento Natural;V. Refúgio de Vida Silvestre.Art. 9º A Estação Ecológica tem como objetivo a preservação da natureza e a

realização de pesquisas científicas.§ 1º A Estação Ecológica é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particu-

lares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.§ 2º É proibida a visitação pública, exceto quando com objetivo educacional, de

acordo com o que dispuser o Plano de Manejo da unidade ou regulamento específico.§ 3º A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela

administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento.

§ 4º Na Estação Ecológica só podem ser permitidas alterações dos ecossistemas no caso de:

I. medidas que visem à restauração de ecossistemas modificados;II. manejo de espécies com o fim de preservar a diversidade biológica;III. coleta de componentes dos ecossistemas com finalidades científicas;IV. pesquisas científicas cujo impacto sobre o ambiente seja maior do que aquele

causado pela simples observação ou pela coleta controlada de componentes dos ecos-sistemas, em uma área correspondente a no máximo três por cento da extensão total da unidade e até o limite de um mil e quinhentos hectares.”

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Inviável a pretendida harmonização do art. 9º da Lei nº 9.985/2000, art. 28 e seu parágrafo único, que supostamente garantiria a utilização da área pela população tradicionalmente residente na área. Se o legislador declarou a área de proteção integral, não cabe a interpretação que conduza ao uso. Trata-se de norma de transição, inaplicável ao caso concreto, eis que a ação civil pública tramita há mais de 18 anos, sem as providências concretas necessárias.

O mesmo se diga em relação ao Decreto 4.340/2002, que anuncia a necessidade de termo de compromisso até que haja a indenização. Trata--se de norma aplicável às novas áreas de proteção ambiental.

Incide no caso a norma do art. 42 da Lei nº 9.985/200, que assegura indenização ou compensação para os residentes na área de unidade de conservação integral.

Portanto, o dispositivo legal não constitui óbice ao acolhimento da pretensão veiculada na inicial.

Por fim, cabe destacar o Parecer do Parquet que anotou:“Urge, portanto, que se resgate o esforço original judicializado e se reforme a

sentença para que se aplique posto que serôdia (16 anos de trâmite da lide) mas con-cretamente a legislação específica de regência (em síntese o cabal cumprimento dos Decretos nos 81.603/78 e 92.963/86, com a transformação da área do TAIM em estação ecológica, na definição do art. 9º da Lei nº 9.985/2000) e, acima de tudo se obriguem UNIÃO e IBAMA a atuação ostensiva, promovendo cercamento da área e imposição de limitações administrativas, bem como desapropriações e indenizações a particu-lares, visando a que se preserve o ecossistema conhecido como Banhado do Taim.

Por derradeiro, cediço que não se acha o Estado coagido por proprietários e posseiros, mas à sua inércia deve-se pôr fim, cabendo a eventuais prejudicados utilizarem-se das mesmas vias judiciais para defesa de pretensos direitos (propriedade, indenizações) e não aguardar sine die a sociedade a que se atenda aos desideratos maiores da Carta Política.”

Em face dos tais fundamentos, dou parcial provimento ao recurso para reformar a sentença e condenar o Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA a implantar limites fí-sicos necessários à proteção da Estação Ecológica do Taim, bem como comprovar, no prazo de 60 dias, o início do processo de desapropriação, amigável ou judicial, das áreas privadas situadas dentro dos limites des-critos nos Decretos presidenciais nº 92.963, de 21 julho 1986, e Decreto sem numeração de 05 de junho de 2003.

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Para o caso de descumprimento, fica estabelecida a multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a ser revertida para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85 e na Lei nº 9.008, de 21.03.95.

Tratando-se ação civil movida pelo Ministério Público Federal deixo de condenar a União nos ônus da sucumbência.

É como voto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.04.01.032610-6/PR

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida

Agravante: União FederalAdvogado: Dr. Luís Henrique Martins dos Anjos

Agravado: Santiago Nicolás Cañete Benitez Advogados: Drs. Sandro Wilson Pereira dos Santos e outros

EMENTA

Sistema Único de Saúde. Transplante de medula. Tratamento gratuito para estrangeiro. Art. 5º da CF.

O art. 5º da Constituição Federal, quando assegura os direitos e ga-rantias fundamentais a brasileiros e estrangeiros residentes no País, não está a exigir o domicílio do estrangeiro. O significado do dispositivo constitucional, que consagra a igualdade de tratamento entre brasileiros e estrangeiros, exige que o estrangeiro esteja sob a ordem jurídico--constitucional brasileira, não importa em que condição. Até mesmo o estrangeiro em situação irregular no País encontra-se protegido e a ele são assegurados os direitos e garantias fundamentais.

Agravo improvido.

ACÓRDÃO

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Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 5 de outubro de 2006.Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União contra decisão proferida nos autos de mandado de segurança impetrado, concessiva de medida liminar.

Nos autos do mandado de segurança, relatou o requerente, Santiago Nicolás Cañete Benites, de nacionalidade paraguaia, que no ano de 2001 teve diagnóstico, pela equipe médica do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba, no Estado do Paraná, de leucemia linfóide aguda, pré-B precoce, sendo submetido a tratamento com protocolo BFM 90, concluído posteriormente em Assunção, Paraguai, obtendo resposta com-pleta – remissão. No entanto, embora tenha permanecido sem evidência da doença, exames loboratoriais realizados em março de 2005 indicaram a recidiva da doença, tendo retornado a Curitiba para reavaliação, onde foi confirmada a recidiva e a necessidade da realização urgente de um transplante de medula óssea, que não é realizado em nenhum estabe-lecimento de saúde do Paraguai. Que foi submetido ao protocolo de tratamento para prepará-lo para o transplante, enquanto era efetuada a procura por um doador aparentado compatível, busca que resultou in-frutífera. Isso levou à busca urgente de doadores não-aparentados, o que no Brasil importa na inscrição no cadastro único do Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea - REREME, mantido pelo Ministério da Saúde, através de sua Secretaria de Atenção e Saúde, sendo todos os centros de referência habilitados para a realização dos procedimentos clínicos e cirúrgicos de transplante ligados a fundações públicas, sendo um deles o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, para onde foi o impetrante encaminhado. Esclarece que, segundo a legislação de regência, o cadastramento é realizado da seguinte forma: os centros de transplantes credenciados pelo Ministério da Saúde e cadastrados na

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Secretaria Estadual da Saúde, no caso, o Hospital de Clínicas da Uni-versidade Federal do Paraná, que encaminha à Central de Transplantes do Paraná formulário específico, que cadastra o paciente no Sistema Nacional de Transplante e organiza lista de espera para transplante de cada órgão ou tecido, ordenada segundo critérios estabelecidos para cada tipo de transplante, conforme regulamentação federal. Que, sendo o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná custeado por recursos exclusivos do SUS, o custeio do tratamento, busca de doadores, transporte de órgãos, transplante e tratamento pós-operatório são realiza-dos por meio de repasses do órgão gestor do SUS, no caso, a Secretaria Municipal de Saúde do Município de Curitiba, que possui autonomia plena para receber os recursos diretamente do Ministério da Saúde sem a intervenção do Governo do Estado do Paraná. Contudo, não obstante a gravidade da doença, que pode ceifar a vida do impetrante a qualquer momento, a direção do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná informou que a realização do tratamento naquela Instituição, especialmente sua inscrição na lista única de receptores não-aparentados de medula óssea, não seria possível por não possuir o demandante nacio-nalidade brasileira. Defende o impetrante que o art. 5º da Constituição Federal, bem como o art. 196, asseguram-lhe direito líquido e certo ao tratamento que postula.

A decisão agravada entendeu que se encontra presente o risco de dano irreparável, em face do risco de vida decorrente da gravidade da doença diagnosticada, bem como da relevância dos fundamentos. Disse o magistrado de primeiro grau que

“O dispositivo constitucional supramencionado (art. 196) revela o caráter universal que se dá ao direito à saúde. Diversamente do que ocorreu com os direitos e garantias individuais postos no art. 5º da Constituição, o direito à saúde não encontra diferen-ciação entre brasileiros e estrangeiros residentes no país e estrangeiros residentes em outros países. Existe uma universalidade que faz com que a República seja obrigada a prestar tratamento também ao estrangeiro, bastando que a pessoa se encontre em território nacional para que esteja albergada por essa garantia. Esse caráter universal é repetido no art. 2º da Lei nº 8.212/91 (Lei Orgânica da Seguridade Social).” (fl. 37)

Em suas razões de recurso, a União referiu o parecer nº 776, de 10 de maio de 2002, da Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde, que en-tendeu justificadas determinadas distinções entre estrangeiros residentes

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no país e estrangeiros não residentes no país. Que no caso se cuida de estrangeiro cuja permanência no Brasil é transitória e tem como único objetivo usufruir do tratamento médico. Apontou, ainda, que o Sistema Único de Saúde é custeado por recursos públicos, para cuja formação contribuem – direta ou indiretamente – os cidadãos brasileiros. Concluiu que o direito à saúde, de que trata o artigo 196 da Constituição Federal, alcança somente aqueles que se submetem, tanto quanto aos direitos como aos deveres, à ordem jurídica brasileira.

O pedido de efeito suspensivo foi recusado.O agravado ofereceu resposta, aduzindo que o recurso não detém

condições de ser conhecido e repisando seus argumentos no sentido de que goza de direito líquido e certo ao tratamento postulado.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do agravo.É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: O recurso é tempestivo, bem como foram juntados os documentos necessários ao seu conhecimento.

Quanto ao mérito, o impetrante anota na petição inicial do mandado de segurança que “é de fato residente no Brasil, onde se encontra submetido a tratamento de Saúde no Hospital Nossa Senhora das Graças, possui amigos, familiares, enfim, onde se fixou de forma definitiva. O impetrante não se encontra de passagem ou de férias no Brasil, ou seja, por prazo certo ao final do qual retornará ao local de sua residência; pelo con-trário, é aqui em território nacional que o Impetrante fixou-se, com o intuito de aqui permanecer. Vale notar que o Impetrante ingressou e permanece legalmente em território nacional, sendo sua condição temporariamente de turista, pois já protocolizou pedido de sua conversão em visto especial para tratamento de saúde, o qual perdurará durante o tempo que permanecer no Brasil realizando tratamento”. (fl. 21)

De sua vez, o mencionado parecer da Consultoria Jurídica do Mi-nistério da Saúde conclui que “as garantias constitucionais e legais aos estrangeiros, com algumas ressalvas, circunscrevem-se apenas aos re-sidentes no País, não se estendendo aos estrangeiros com domicílio no exterior, salvo tratado internacional, conforme o § 2º do art. 5º, CF/88, garantida a reciprocidade.” (fl. 103)

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O parecer do Ministério Público, por seu turno, manifesta o enten-dimento de que “apenas os brasileiros e estrangeiros residentes no País estão acobertados pelos benefícios prestados pela Lei de Seguridade Social”. (fl. 207)

Quanto à residência no País, os documentos que vieram a estes autos de agravo não permitem a sua constatação, porquanto nem mesmo cópia do passaporte foi juntado.

De outro lado, o art. 5º da Constituição federal, quando assegura os direitos e garantias fundamentais a brasileiros e estrangeiros residentes no País, não está a exigir o domicílio do estrangeiro. O significado do dispositivo constitucional, que consagra a igualdade de tratamento entre brasileiros e estrangeiros, exige que o estrangeiro esteja sob a ordem jurídico-constitucional brasileira, não importa em que condição. Até mesmo o estrangeiro em situação irregular no País encontra-se protegido e a ele são assegurados os direitos e garantias fundamentais.

Esse pensamento pode ser extraído da Ext. 633, quando o Supremo Tribunal Federal assim decidiu:

“EXTRADIÇÃO E RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS. A essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro – e, em particular, o Supremo Tribunal Federal – de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por iniciativa de qualquer Estado estrangeiro. O fato de o estran-geiro ostentar a condição jurídica de extraditando não basta para reduzi-lo a um estado de submissão incompatível com a essencial dignidade que lhe é inerente como pessoa humana e que lhe confere a titularidade de direitos fundamentais inalienáveis, dentre os quais avulta, por sua insuperável importância, a garantia do due process of law. Em tema de direito extradicional, o Supremo Tribunal Federal não pode e nem deve revelar indiferença diante de transgressões ao regime das garantias processuais fundamentais. É que o Estado brasileiro – que deve obediência irrestrita à própria Constituição que lhe rege a vida institucional – assumiu, nos termos desse mesmo estatuto político, o gravíssimo dever de sempre conferir prevalência aos direitos humanos (art. 4º, II). (...)”

Com efeito, a Constituição federal, em seu art. 4º, inciso II, afirma que a República Federativa do Brasil, em suas relações internacionais, rege-se pelo princípio da predominância dos direitos humanos.

E não é outra a declaração constante do Preâmbulo de nossa Carta de 1988, quando afirma a construção de um Estado Democrático de Direito, destinado a “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a

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liberdade, a segurança. O bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)” Ou quando o art. 3º consagra que constituem objetivos da República Federativa do Brasil construir um sociedade livre, justa e solidária. Ou quando o art. 1º erige como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana.

Como menciona Flávia Piovesan, “infere-se desses dispositivos quão acentuada é a preocupação da Constituição em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana, como um imperativo de justiça social.” (Direitos Humanos e o Direito Constitucional Interna-cional, Max Limonad, 1997, p. 59)

Ora, todos esses dispositivos não estão na Constituição como letra morta. A sua interpretação sistemática gera a conclusão de que seria ato discriminatório afastar-se a proteção do direito à saúde aos estrangeiros no território nacional. Leva-se em conta aqui que o agravado já havia feito tratamento em hospital nacional.

De outro lado, extrai-se dos autos que a decisão agravada data de 28 de junho de 2005. Revogar aquela ordem, neste momento, quando talvez até já iniciado o tratamento, seria atentar contra o sistema de direitos humanos.

Em face de todo o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.É o voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇANº 2005.72.00.008340-2/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Apelante: Antonio Carlos Cabral Junior Advogada: Dra. Andréa Morgado Dietrich

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Apelada: Ordem dos Advogados do Brasil - Secção de Santa CatarinaAdvogados: Drs. Cynthia da Rosa Melim e outro

EMENTA

Apelação em mandado de segurança. Exame de ordem. Banca exa-minadora. Nome dos componentes. Divulgação prévia. Princípio da publicidade. Controle dos atos administrativos. Poder discricionário. Possibilidade. Critérios de avaliação. Peso. Distribuição de pontos. Razoabilidade.

1. Em razão direta do princípio constitucional da publicidade dos atos administrativos (art. 37, caput), deve ser dado ao conhecimento público, já no início do certame, o nome dos integrantes da Banca Examinadora. Há direito dos concorrentes de saber quem são os avaliadores, até mesmo para eventual exercício do direito de impugnação, em vista das inúmeras possibilidades de impedimento e suspeição.

2. A ocultação dos nomes dos componentes da Banca Examinadora do Exame de Ordem não trouxe prejuízos ao impetrante, seja porque não constituía razão para comprometer seu desempenho na prova prático-profissional, seja porque ele nada opôs ao tomar ciência, por determinação judicial, dos nomes dos advogados integrantes do colégio de avaliadores.

3. Doutrina e jurisprudência modernas, acerca do controle judicial da atividade administrativa desempenhada no exercício da discriciona-riedade, têm flexibilizado o entendimento que o dizia indevido. Muitas situações fáticas evidenciam que não pode o Judiciário, sob o cômodo escudo da intangibilidade do nominado “mérito” do ato administrativo, quedar-se demissionário de sua função de examinar e resolver sobre quaisquer lesões a direitos, notadamente sob inspiração dos princípios constitucionais que informam o agir do administrador.

4. Não se mostra despida de razoabilidade a atribuição de peso dife-renciado aos critérios de avaliação, prescritos no Provimento nº 81/96 do Conselho Federal da OAB, e que devem ser considerados na verificação do desempenho da prova prático-profissional.

5. Esta margem de manobra na distribuição do peso de cada critério, que atende à política de seleção adotada pelo administrador, não pode pretextar a simples anulação dos demais critérios, mediante a atribuição

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de valores irrisórios, com a supremacia de um ou de alguns apenas. Tal, contudo, não ocorreu na hipótese, porquanto, exceção feita ao critério da “ortografia e gramática”, os demais todos gravitam em torno de te-mas jurídicos, com importante imbricação, de modo que não é possível tratá-los de modo estanque e nem ajuizar que houve a sobrevalorização destes ou daqueles valores.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 8 de agosto de 2006.Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de apelação interposta em face de sentença que denegou mandado de se-gurança, no qual o impetrante objetivava fosse efetuada nova correção da sua prova prático-profissional, relativamente ao Exame de Ordem 2005.1, por Banca Examinadora a ser nomeada especificamente com este fito e em acordo com os pressupostos legais, a qual deveria observar estritamente os critérios de avaliação descritos no Provimento nº 81/96.

Reedita o recorrente as razões alinhadas na peça inicial, a saber: a) que não houve a designação especifica, pelo Presidente do Conselho da Seccional de Santa Catarina, de advogados para integrarem a Banca Examinadora do certame, não se podendo admitir que os componentes da Comissão de Estágio e Exame de Ordem venham a fazer a correção das provas; b) além de tal nulidade formal absoluta, a falta de nomeação de Banca Examinadora fez suprimir a necessária instância recursal dife-renciada para apreciação do recurso administrativo; c) ainda que tenha sido designada a Banca Examinadora, não houve a divulgação do nome dos seus integrantes, o que se mostra em completa contradição com o art. 3º, § 3º, do Provimento nº 81/96 e com a CF/88; d) que além de não ter nomeado a Banca Examinadora, o integrante da Comissão de Estágio e

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Exame da Ordem que corrigiu a prova prático-profissional – Dr. Rodrigo Indalêncio Vilela Veiga – não possui o tempo mínimo de inscrição nos quadros de advogados exigido (art. 3º, § 3º, do Provimento nº 81/96); e) não foram observados os critérios de correção previstos no art. 5º, § 3º, do Provimento nº 81/96; f) que o critério da “fundamentação e sua consistência” foi sobrevalorizado – representava 6,60 pontos dos 8,00 possíveis, afrontando, desta forma, a regra inscrita no art. 5º, § 3º, do Provimento nº 81/96, que consigna eqüitativa distribuição dos pontos entre os critérios que enuncia; f) a pontuação de cada critério deve ter por base o valor máximo de 1,33 pontos, consoante a divisão igualitária do peso dos critérios.

Sem contra-razões, vieram os autos a esta Corte.Opina o MPF, consoante parecer de fls. 173/177, pelo parcial do pro-

vimento do apelo, no que tange, apenas, à necessidade de divulgação dos nomes dos integrantes da Banca Examinadora do concurso.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Redargüindo as afirmações do impetrante sobre as irregularidades formais do processo seletivo, aponta a autoridade inquinada de coatora:

“O edital 2005.1, no seu item ‘8 DAS DISPOSIÇÕES FINAIS’ estabelece, no subitem 8.1:

O Exame de Ordem será operacionalizado diretamente pela Seccional Catarinense, sob a Coordenação Geral da Comissão de Estágio e Exame de Ordem, sendo esta as-sessorada diretamente pela empresa especializada GPG Assessoria e Consultoria S/C Ltda., identificada como GPG Concursos, que responderá pela gestão de operações e pelo aporte tecnológico necessário à plena realização do certame, atendidas as especi-ficações e atribuições contidas em contrato específico.

Pois bem, dentre as atribuições da GPG Concursos, encontra-se a de contratar e coordenar os membros da banca examinadora, observando rigorosamente a disposição contida no § 3º do art. 3º do Provimento 81/96, citado na Exordial. Tal contratação apresenta-se saudável, pois profissionaliza o certame, deixando ao cargo da Comissão de Estágio e Exame de Ordem – CEEO, composta por voluntários não remunerados, a análise dos recursos administrativos.

Contudo, deve-se convir que o Exame de Ordem tem certas especificidades em relação a outros certames seletivos, eis que elaborados, corrigidos e revisados por advogados e para a seleção de advogados. Nessa linha de raciocínio, para garantia da

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lisura, segurança e isonomia do certame, não são divulgados os nomes da banca exami-nadora, porque além de participarem da elaboração e correção das provas do Exame de Ordem em curso, são, em grande maioria, professores universitários e estariam sujeitos a constantes pressões de alunos e ex-alunos.

Nesse diapasão não há confusão entre as funções da banca examinadora com as da CEEO, esta responsável pela análise dos recursos administrativos, nos termos do art. 6º do Provimento 71/96 c/c o item 6 do Edital, muito embora, ressalte-se, não haja qualquer proibição expressa da participação dos membros da Comissão na banca examinadora.

Em relação ao tempo de inscrição, inexiste na legislação aplicável qualquer proi-bição de advogados com menos de 5 (cinco) anos compor a CEEO. A determinação para composição de no mínimo 3 (três) advogados, com pelo menos 5 (cinco) anos de inscrição é excluída à banca examinadora, e como tal foi respeitada. (fls. 120/121)”

Instada pelo i. Julgador a quo, a autoridade impetrada elencou, a fls. 137/139, o nome dos advogados integrantes da Banca Examinadora do Exame de Ordem 2005.1, os quais, consoante qualificação apresentada, atendem os requisitos exigidos pela regulamentação administrativa do certame; a saber, 05 (cinco) anos de inscrição e de efetivo exercício da advocacia. (art. 3º, § 3º, do Provimento nº 81/96)

Perdem fôlego, a partir da informação obtida em juízo acerca da com-posição da banca examinadora, os fundamentos argüidos pelo impetrante. A Banca Examinadora estava formada e seus integrantes guardavam qualificação adequada às normas administrativas.

A ausência de divulgação dos componentes da Banca Examinadora, omissão dita deliberada e que, desde já, reputo indevida, fez o impetrante presumir a inexistência do colegiado e que os verdadeiros avaliadores das provas eram os integrantes da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da Seccional da OAB de Santa Catarina. Estaria, se comprovada a vera-cidade dessa presunção, malferida a validade do certame. Seja porque a conduta administrativa atentaria contra a legalidade e a moralidade, seja porque a Comissão de Estágio e Exame da Ordem concentra a posição de instância recursal, reavaliando os graus atribuídos aos candidatos, o que desaconselharia seu funcionamento na correção inicial das provas. Desfez-se esta presunção, todavia, por conta da correta providência adotada pelo i. Julgador a quo, que elucidou um dos principais pontos do litígio, ficando demonstrada a formação regular da Banca Exami-nadora, bem assim arredando a ilação de que a Comissão de Estágio e Exame de Ordem da Seccional da OAB de Santa Catarina acumulou

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a função de atribuir grau às provas dos candidatos e de órgão recursal desta mesma avaliação.

Não logrou o impetrante demonstrar, outrossim, quaisquer falhas no procedimento administrativo de designação da Banca Examinadora, o que atribui legitimidade à informação carreada pela autoridade dita coatora acerca da formação do colegiado.

No que tange à ausência de publicidade dos nomes dos componentes do órgão examinador, efetivamente creio que tal proceder está desajustado ao protótipo constitucional de publicidade dos atos administrativos (art. 37, caput). A divulgação dos atos administrativos viabiliza a produção dos seus efeitos externos, oferecendo transparência à atividade adminis-trativa, cujo conteúdo e propósito podem ser entendidos e controlados. Hely Lopes Meirelles, com sua habitual precisão, diz melhor:

“O princípio da publicidade dos atos e contratos administrativos, além de assegurar seus efeitos externos, visa a propiciar seu conhecimento e controle pelos interessados diretos e pelo povo em geral, através de meios constitucionais – mandado de segurança (art. 5º, LXIX), direito de petição (art. 5º, XXXIV, a), ação popular (art. 5º, LXXIII), habeas data (art. 5º, LXXII), suspensão dos direitos políticos por improbidade ad-ministrativa (art. 37, 4º) – e, para tanto, a mesma Constituição impõe o fornecimento de certidões de atos da Administração, requeridas por qualquer pessoa, para a defesa de direitos ou esclarecimento de situações (art. 5º, XXXIV, b), os quais devem ser indicados no requerimento. Observe-se que a Constituição alude, genericamente, ‘as repartições públicas’, abrangendo, obviamente, as repartições da administração direita e indireta, porque ambas são desmembramentos do serviço público e, como tais, têm o dever legal de informar ao público sobre sua atuação funcional.

A publicidade, como princípio de administração pública (CF, art. 37, caput), abrange toda a atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos, como, também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Esta publicidade atinge, assim, os atos concluídos e, em formação, os processos em andamento, os pareceres de órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamento das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos . Tudo isto é papel ou documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interessado, e dele pode obter certidão ou fotocópia autenticada para os fins constitucionais.” (Direito Administrativo Brasileiro, 21. ed., p. 86/87)

O i. Julgador a quo, embora consagre idêntico entendimento acerca da necessidade de publicidade dos integrantes da Banca Examinadora, entende adequado que isto se faça em momento posterior ao lançamento

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final do Exame de Ordem, no fito de que se evitem especulações em torno dos membros encarregados da correção das provas. A OAB/SC argumenta, em defesa, que não procedeu à divulgação dos integrantes do colegiado de correção na intenção de preservá-los de pressões de alunos e ex-alunos, uma vez que todos atuam na docência superior. Concessa maxima venia, esse posicionamento não atende à garantia constitucional. Ainda que bem intencionada a idéia de preservação dos componentes da Banca Examinadora, não é ela suficiente para sonegar aos concorrentes o direito de saber quem são os avaliadores, até mesmo para eventual exercício do direito de impugnação, em vista das inúmeras possibilida-des de impedimento e suspeição. Ademais, profissionais do direito que são, estão ambientados com situações de conflito e pressão, podendo desvencilhar-se de eventual assédio ou insinuação dos interessados em aprovação no exame. Já na inauguração do certame, então, deveria ser dada ampla e efetiva divulgação acerca dos componentes da comissão de avaliação dos candidatos; o que, no caso concreto, confessadamente não se fez.

O desrespeito a esta orientação jurídica pela autoridade coatora, contudo, não tem o efeito de garantir o sucesso da impetração. Primeiramente, não surge prejuízo em seu desfavor em face da ocultação dos componentes da Banca Examinadora. Não há notícia ou alegação – e nem poderia – de que o descumprimento da medida tenha comprometido, ainda que minimamente, seu desempenho na prova prático-profissional impugnada.

Ao depois, ainda que por ordem judicial exarada nestes autos, foi dado ao impetrante conhecer o conjunto dos integrantes do colegiado avalia-dor, consoante rol ofertado a fls. 137/138 pela autoridade coatora. Nada foi oposto aos nomes ali constantes, o que dá como regular a nominata.

Rende ensejo a situação dos autos ao acionamento do princípio que inibe a decretação da nulidade à míngua de prejuízos pas de nullité sans grief.

Melhor sorte não obtém o recorrente no propósito de ver reformada a sentença na porção em que abordada a redistribuição da pontuação atri-buída aos tópicos de avaliação da Prova Prático-Profissional, a saber, o raciocínio jurídico, fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada (§ 3º do art. 5º do Provimento nº 81/96). A inconformida-de do impetrante situa-se, segundo os dizeres da inicial, na demasiada

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valoração atribuída ao critério “fundamentação e sua consistência”, pois consoante tabela de itens considerados na avaliação, dos 14 aspectos objetivos, 10 estariam relacionados com aquele critério, de modo que apenas ele representava 6,60 pontos dos 8,00 possíveis.

Iterativa vem sendo a jurisprudência em externar o entendimento de que não deve o juiz fazer-se substituir ao agente público competente no exercício da atividade administrativa. É de toda obviedade que ao magistrado não lhe é dado adentrar a esfera da discricionariedade, onde imperam critérios de oportunidade e conveniência. Todavia, já a lição radical do saudoso Hely Lopes Meirelles vem a cada dia sendo objeto de flexibilização, porquanto muitas situações fáticas evidenciam que não pode o Judiciário, sob o cômodo escudo da intangibilidade do nominado mérito do ato administrativo, quedar-se demissionário de sua função de examinar e resolver sobre quaisquer lesões a direitos.

Maria Sylvia Zanella De Pietro, com a autoridade toda de seu ma-gistério, faz estampar:

“Começa a surgir no direito brasileiro forte tendência no sentido de limitar-se ainda mais a discricionariedade administrativa, de modo a ampliar-se o controle judicial. Essa tendência verifica-se com relação às noções imprecisas que o legislador usa com freqüência para designar o motivo e a finalidade do ato (interesse público, conveniência administrativa, moralidade, ordem pública etc). Trata-se daquilo que os doutrinadores alemães chamam de ‘conceitos legais indeterminados’ (cf. Martin Bullinger, 1987).

(...)

Existem situações extremas em que não há dúvida possível, pois qualquer pessoa normal, diante das mesmas circunstâncias, resolveria que elas são certas ou erradas, justas ou injustas, morais ou imorais, contrárias ou favoráveis ao interesse público; e existe uma zona intermediária, cinzenta, em que esse definição é imprecisa e dentro da qual a decisão será discricionária, colocando-se fora do alcance do Poder Judiciá-rio (cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, in RDP 65/27-36; Lúcia Valle Figueiredo, 1986:120-135; Regina Helena Costa, 1988:79-108).

Por exemplo, o conceito de notável saber jurídico permite certa margem de dis-cricionariedade na referida zona cinzenta; mas não a permite quando os elementos de fato levam à conclusão, sem sombra de dúvida, de que o requisito constitucional não foi atendido.

Dentro desses parâmetros é que caberá ao Poder Judiciário examinar a moralidade dos atos administrativos , com fundamento no artigo 37, caput, e artigo 5º, LXXIII, da Constituição, este último referente à ação popular. Não cabe ao magistrado substituir

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valores morais do administrador público pelos seus próprios valores, desde que uns e outros sejam admissíveis como válidos dentro da sociedade; o que ele pode e deve invalidar são os atos que, pelos padrões do homem comum, atendam manifestamente contra a moralidade. Não é possível estabelecer regras objetivas para orientar a atitude do juiz. Normalmente, os atos imorais são acompanhados de grande clamor público, até hoje sem sensibilizar a administração . Espera-se que o Judiciário se mostre sensível a esses reclamos.

Essa tendência que se observa na doutrina, de ampliar o alcance da apreciação do Poder Judiciário, não implica invasão na discricionariedade administrativa; o que se procura é colocar essa discricionariedade em seus devidos limites, para distingui-la da interpretação (apreciação que leva a uma única solução, sem interferência de vontade do intérprete) e impedir as arbitrariedades que a administração Pública pratica sob o pretexto de agir dis-cricionariamente.” (Direito Administrativo, 13.ed., Atlas, 2000, p. 203/204)

Todavia, não é o que ocorre na presente hipótese. A invectiva do recor-rente não dialoga com hipótese de violação aos princípios constitucionais que regulam a matéria e o agir do administrador, mas sim com o juízo de valoração de questões da prova prático-profissional, mais precisamente, distribuição do peso de cada um dos critérios que deveriam ser observados no desempenho dos candidatos. Acusa o recorrente, como já visto, que ao critério “fundamentação e sua consistência” teria sido emprestada importância excessiva na distribuição dos pontos possíveis da prova. Roga, então, sejam os pontos distribuídos de modo equivalente entre os critérios que devem ser analisados (§ 3º do art. 5º do Provimento nº 81/96), cada um passando a receber a pontuação igual a 1,33. Tal espécie de decisão, obviamente, é atribuição da autoridade administrativa, que o faz no exercício do seu poder discricionário. Segundo interesses ditados pela política de seleção dos advogados, parece-me legítimo que a autori-dade competente dê maior relevância a um dos critérios, valorizando-o mais do que os outros. O exercício desta possibilidade não traz, por si só, pecha de ilegitimidade do ato administrativo.

Esta margem de manobra, importante registrar, não pode pretextar a simples anulação dos demais critérios, mediante a atribuição de valores irrisórios, com a supremacia de um ou de alguns apenas. A seleção, consoante as diretrizes administrativas, deve investigar um campo amplo de conhecimentos e capacidades dos candidatos, assim descrito no Provimento nº 81/96: o raciocínio jurídico, fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção

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gramatical e a técnica profissional demonstrada (§ 3º do art. 5º). In casu, contudo, analisando a relação de itens considerados na ponderação da nota do candidato (fl. 14), não me parece esteja ela desajustada da orientação jurídica delineada no Provimento indigitado, nem do propósito de avaliação ampla do processo de seleção. Sequer se pode afirmar que houve valoração, de modo mais intenso, do critério da “fundamentação e sua consistência”. Exceção ao critério da “ortografia e gramática”, os demais todos gravitam em torno de temas jurídicos, com importante imbricação, de modo que não é possível tratá-los de modo estanque. Ao desincumbir-se do ônus da fundamentação na peça processual, o candi-dato exercitava o “raciocínio jurídico” e a “capacidade de interpretação e exposição”, bem assim tinha que se valer da “técnica profissional”. A forte interligação dos temas, então, inibe a conclusão de que, entre os itens que se pontuavam objetivamente (indicação correta da peça, indicação do foro competente, preliminar de nulidade, preliminar de cerceamento de defesa, preliminar de nulidade procedimental, tese de inexistência de crime, ausência de prova da subtração, absolvição, tese de negação e absolvição por inexistência de prova, absorção dos delitos e pedido de reforma da sentença), havia a supremacia valorativa daqueles relacio-nados com o critério da “fundamentação e sua consistência”. Todos os critérios de fundo jurídico, então, foram contemplados no conjunto dos itens objetivos avaliados.

Voto, pois, no sentido de negar provimento ao apelo.

É o voto.

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.72.02.004671-5/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose

Apelante: Ministério Público FederalApelado: A. S. B.

Advogada: Dra. Janice de BairrosApelado: A. C. T. S.

Advogados: Drs. José Correia de Amorim e outros

EMENTA

Constitucional. Direito Penal. Crime de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional cometido por intermédio dos meios de comunicação. Art. 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89. Incitação à prática de crime. Art. 19 da Lei de Imprensa. Lei 5.250/67. Inocorrência.vereador. Inviolabilidade. Material. Art. 29, VIII, da CF/88.

1. Hipótese em que se discute a ocorrência de crime resultante de pre-conceito de raça, bem como de crime de incitação à prática de infração penal contra comunidade indígena, em razão do emprego de expressões injuriosas por vereador em entrevista concedida a jornal local e de ca-ricatura realizada por chargista com publicação no mesmo periódico.

2. Em se tratando de crimes de preconceito e discriminação racial, a jurisprudência pátria passou a utilizar a expressão etnia como sinônimo de raça. Tal revaloração deveu-se, precipuamente, ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do HC nº 82.424/RS (Rel. p/acórdão Min. Maurício Corrêa, DJU 19.03.2004), em que se discutia a prática de racismo por apologia de idéias preconceituosas e

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discriminatórias de fundo anti-semita. Na oportunidade, restou assente a inexistência de subdivisão da raça humana, não existindo distinções entre os homens, “seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana (....) Na essência são todos iguais”. De forma que “a divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social”, originando-se desse pressuposto o racismo que, “por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista”.

3. Nesse sentido, quando da análise das figuras típicas dispostas na Lei nº 7.716/89, a fim de uma aplicação justa e equânime da norma penal – e em conformidade com a Constituição Federal –, é de suma importância examinar se a potencial ofensa revela o preconceito em relação a determi-nada etnia, religião, cor etc., ou se está a tratar de potencial ofensa à honra subjetiva da vítima em particular (art. 140, § 3º, do CP) cuja religião, cor, etnia, origem, condição, enfim, permitiriam seu enquadramento como provável sujeito passivo do crime de preconceito étnico.

4. Caso em que o dolo, consistente na intenção de menosprezar ou discriminar o povo indígena em sua coletividade, não se mostra confi-gurado, porquanto o conteúdo da entrevista em questão revela simples exteriorização da opinião do agente acerca de conflito entre indígenas e colonos por disputa de terras, a afastar o cunho discriminatório necessário à configuração do tipo previsto na Lei 7.716/89.

5. Sendo assim, tendo o réu expressado sua opinião na condição de vereador, há de se atentar para a inviolabilidade material constitucional-mente prevista no art. 29, VIII, a qual se circunscreve ao exercício do mandato e, bem assim, encontra-se em estreita relação com o desempenho da função do cargo, devendo tais limitações ser aferidas caso a caso. Na espécie, como já salientado, a existência de um contexto fático marcado por conflito social entre agricultores e integrantes de comunidade indí-gena em torno de demarcação de terras constitui-se no mote da matéria veiculada, buscando, exclusivamente, enfatizar o posicionamento dos políticos locais sobre a questão. Inquestionável, portanto, que a potencial prática de crime contra a honra, in casu, restaria vinculada ao exercício da vereança pelo acusado, pelo que deve ser mantida a sentença absolu-tória. 6. De outra parte, a charge apontada como incitatória à prática de

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crime tão-somente elucida – por meio do exagero peculiar a tal expressão artística – o momento de tensão preponderante na localidade, não se visualizando, sob qualquer aspecto, o induzimento à discriminação e ao preconceito étnico contra os indígenas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a colenda Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 12 de setembro de 2006.Des. Federal Tadaaqui Hirose, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de A. S. B. e A. C. T. S. pela prática, em tese, dos delitos capitulados no artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89 (A. S. B.) e no artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89 c/c art. 19, caput, da Lei 5.250/67 (A. C. T. S.). Narra a denúncia:

“(...) 1.1. No dia 31 de janeiro de 2001, no Jornal de circulação regional no Oeste de Santa Catarina ‘O IGUAÇU’, em entrevista concedida à jornalista/repórter Nara Aparecida de Oliveira França, o denunciado A. S. B., questionado como Vereador de Chapecó acerca de área municipal, situada na localidade de ‘Sede Trentin’, reconhecida como de ocupação tradicional pelos povos indígenas, praticou e induziu a discrimi-nação e o preconceito à raça indígena, mediante as injuriosas expressões e palavras dirigidas aos Índios da Comunidade Indígena Toldo Chimbangue, sita naquela área, abaixo transcritas:

‘é um absurdo os índios quererem ainda mais terra, se não produzem (...) muitos que estão hoje na reserva de Toldo Chimbangue não são indígenas autênticos. Todos nós sabemos disso, quando vemos índios louros, olhos claros’.

Segundo o próprio periódico regional, o denunciado A. S. B. ‘vai mais além, quan-do questiona o fato de os indígenas de Sede Trentin exigirem somente os direitos’, recusando os deveres que lhes caberiam também: ‘(...) esses indígenas vivem outra cultura. Eles já conseguiram muita terra e agora ainda querem tomar de quem produz’.

Acentua, também, o referido jornal que, para o denunciado A. S. B., ‘a área de 900 hectares, onde está a reserva indígena, já está bom demais, porque nada produz’.

1.2. No dia 31 de janeiro de 2001, também no bojo do jornal de circulação regio-

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nal ‘O IGUAÇU’, a respeito do suposto conflito existente entre os agricultores que ocupavam as terras reconhecidas como de ocupação tradicional pelos povos indígenas na localidade denominada ‘Sede Trentin’, neste Município, o denunciado A. C. T. S. praticou e induziu a discriminação e o preconceito à raça indígena, bem como incitou a prática de homicídio (art. 121, CP) contra os Índios da Comunidade Indígena Toldo Chimbangue, mediante o desenho de um agricultor/colono, munido de armas brancas, dirigindo-se furiosamente em direção a um indígena – completamente desfigurado, com os olhos fora da órbita ocular e em pânico –, acentuando que, em sua fuga, o índio deixa cair o seu telefone celular. Tudo isso com a pessoa caracterizada como colono/agricultor proferindo a seguinte expressão:

‘Já que Índio quer terra, vô dá Sete Palmos de terra pra Índio’.”

Recebida a denúncia em 22.02.2002 (fl. 10), seguiu-se a instrução pro-cessual com o interrogatório dos acusados (fls. 22-5), apresentação de defesa prévia (fls. 29-30; 39-40) e ouvida das testemunhas. (fls. 43-9; 56-61)

No prazo do art. 499, ambas as partes requereram diligências, no que foram atendidos pelo Juízo. (fls. 93, 97-8 e 103)

Alegações finais de fls. 65-71, 73-86 e 98-9.Sobreveio sentença, publicada em 31.10.2003 (fl. 111v.), julgando

improcedente a denúncia, com fundamento no art. 29, VIII, da CF c/c o art. 386, III, do Código de Processo Penal em relação ao acusado A. S. B. e, com relação ao denunciado A. C. T. S., com base no art. 386, VI, também do CPP. (fls. 101-11)

Irresignado, o MPF apelou, sustentando, em síntese, a reforma da sentença. (fls. 115-121)

Contra-razões de fls. 127-130.Após, subiram os autos a este Tribunal, tendo a Procuradoria Regional

da República, em parecer de fls. 144-152, opinado pelo provimento do apelo.

É o relatório. À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Trata-se de apelação interposta contra sentença que, com fundamento no art. 29, VIII, da CF c/c o art. 386, incs. III e VI, do Código de Processo Penal, julgou improcedente a denúncia oferecida contra A. S. B. e A. C. T. S. pela prática dos delitos capitulados no artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89 (A. S. B.) e no artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89 c/c art. 19, caput, da Lei

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5.250/67 (A. C. T. S.).A questão central que ora se discute cinge-se à ocorrência ou não

de crime resultante de preconceito de raça perpetrado, em tese, pelos acusados contra os índios da Comunidade Indígena Toldo Chimbangue, ocupantes de área municipal na localidade de Sede Trentin/SC. Também debate-se se a charge realizada por um dos denunciados e publicada em jornal de circulação local teria o condão de incitar a prática de infração penal contra os indígenas.

O acusado A. S. B., na condição de vereador do município de Chapecó, teria praticado e induzido a discriminação e o preconceito à raça indígena quando da entrevista concedida ao jornal local “O Iguaçu”, utilizando ex-pressões injuriosas, assim destacadas pela acusação (fl. 06 - autos apensos):

“(...) é um absurdo os índios quererem ainda mais terra, se não produzem (...) muitos que estão hoje na reserva de Toldo Chimbangue não são indígenas autênticos. Todos nós sabemos disso, quando vemos índios louros, olhos claros. (...)”

“(...) esses indígenas vivem outra cultura. Eles já conseguiram muita terra e agora ainda querem tomar de quem produz .”

“(...) a área de 900 hectares, onde está a reserva indígena, já está bom demais, porque nada produz.”

Já o denunciado A. C. T. S., chargista do jornal “O Iguaçu”, além de ter praticado e induzido a discriminação e o preconceito à raça indígena, teria incitado a prática de homicídio contra os índios da referida Comu-nidade. Isso porque satirizou o contexto de conflito entre agricultores e comunidade indígena de Sede Trentin mediante a charge de um agricultor, empunhando um machado, em disparada contra um indígena desfigurado e em pânico, o qual soltava penas e acabava por perder seu celular na fuga. Seguia-se a seguinte expressão: “Já que Índio quer terra, vô dá Sete Palmos de terra pra Índio”. (fl. 07 – autos apensos)

Consoante a Constituição Federal de 1988, a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos, dentre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, incs. II e III). Assim, elegeu a CF/88 a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação como um de seus objetivos fundamentais (art. 3, inc. IV), bem como preconizou, dentre os princípios do Estado

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Federativo, no âmbito de suas relações internacionais, a prevalência dos direitos humanos e o repúdio ao terrorismo e ao racismo (art. 4, incisos II e VIII), de modo a garantir a todos, entre outros direitos fundamentais, o direito à igualdade (art. 5º). Disso decorre a legitimação para tornar punível qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, inc. XLI), consistindo a prática do racismo em crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão. (art. 5º, inc. XLII, da CF)

Frente a esse aparato normativo, importa ressaltar que tais garantias relacionam-se à sistemática da própria Carta de 1988 em adotar a incor-poração automática dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, erigindo-os, portanto, ao status de norma constitucional. (art. 5º, §§ 2º e 3º)

Com efeito, não obstante o avanço simbolizado pela positivação dos direitos e garantias à proteção dos direitos humanos, a questão infelizmente faz emergir a problemática – persistente, ainda no século XXI – do precon-ceito, da discriminação e da intolerância que ensejaram a consolidação da Declaração Universal dos Direitos Humanos a partir do pós-guerra. Como bem ressalta Flávia Piovesan (Direitos Humanos e o Direito Constitucio-nal Internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 88):

“(...) No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradig-ma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. A barbárie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos, por meio da negação do valor da pessoa humana como valor fonte do direito. Diante dessa ruptura, emerge a necessidade de reconstruir os direitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral. Nesse cenário, o maior direito passa a ser, adotando a terminologia de Hannah Arendt, o direito a ter direitos, ou seja, o direito a ser sujeito de direitos (...).”

Prova disso foi a necessidade de juridicização da Declaração, sob a forma de tratados internacionais, de modo a tornar seus dispositivos juridicamente obrigatórios e vinculantes no âmbito do direito internacio-nal. Inaugurado, assim, o sistema global de proteção desses direitos, sua ampliação deu-se com o advento de uma série de tratados multilaterais de direitos humanos, dentre eles, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, adotada pela ONU em 1965, definindo a discriminação racial em seu art. 1º como

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“qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, o gozo ou o exercício em pé de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais”.

Dessa feita, novamente no dizer de Piovesan (op. cit., p. 182-3):“(...) a discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o exercício, em igualdade de condi-ções, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Logo a discriminação significa sempre desigualdade (...). Com efeito, a igualdade e a discriminação pairam sob o bi-nômio inclusão-exclusão. Enquanto a igualdade pressupõe formas de inclusão social, a discriminação implica a violenta exclusão e intolerância à diferença e diversidade. Assim, a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta automaticamente na inclu-são. Logo, não é suficiente proibir a exclusão quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem um consistente padrão de violência e discriminação.”

Pois bem, mesmo sendo o Brasil destaque no cenário mundial por sua diversidade étnica e pluralidade social, a proteção constitucional do direito de não ser vítima de discriminação se autodenominou insuficiente à sua efetividade prática. Por conta disso, a própria norma constitucional entendeu ser necessária a regulação do tema pelo direito penal – como ultima ratio –, desafiando, assim, uma série de estudos no âmbito das ciências sociais que mitificam a incorporação generalizada do multicul-turalismo por parte da sociedade brasileira.

Sendo assim, a Lei nº 7.716/89 passou a dispor sobre os crimes de preconceito resultantes de raça ou cor, prevendo em seu artigo 20, § 2º:

“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.(...)§ 2º. Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos

meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”

Antes disso, registre-se, a regulação do tema em nosso país era feita pela Lei Afonso Arinos (Lei 1.390/51), que tratava a questão do precon-ceito racial como mera contravenção.

Nessa esteira, cumpre anotar que a posição acadêmica hoje con-

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solidada é no sentido da inexistência do conceito de raça, cunhada no célebre julgamento pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal em que se discutia a prática de racismo por apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias de fundo anti-semita (HC nº 82.424/RS, Rel. p/acórdão Min. Maurício Corrêa, DJU 19.03.2004):

“HABEAS CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACIS-MO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTI-TUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA.ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES

(...) 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento

do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.”

Frente a tal revaloração, no que se refere aos crimes de preconceito e discriminação racial, a jurisprudência pátria passou a utilizar a expressão etnia como sinônimo de raça.

Dito isso, para que o direito penal atue eficazmente na coibição às mais diversas formas de discriminação e preconceito, mister que os operadores do direito não se deixem influenciar apenas pelo discurso politicamente correto que a questão hoje abarca, tampouco pelo nem sempre genuíno clamor social por igualdade. Na busca da efetividade do direito protegido, cumpre-nos tratar o tema da discriminação despidos de pré-concepções e de estigmas há muito arraigados, como forma de não banalizar a violação de um fundamento tão caro ao ser humano; quiçá, para alguns, o único bem que ainda dispõem: a dignidade da pessoa humana.

Por isso, na aplicação justa e equânime da norma penal, quando da análise das figuras típicas dispostas na Lei nº 7.716/89, é de suma importância examinar se a potencial ofensa revela o preconceito em relação a determinada etnia, religião, cor etc, ou se está a tratar de potencial ofensa à honra subjetiva da vítima em particular (art. 140, § 3º, do CP) cuja religião, cor, etnia, origem, condição, enfim, per-

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mitiriam seu enquadramento como provável sujeito passivo do crime de preconceito étnico.

É nesse norte, portanto, que analiso o caso concreto.

1. Quanto ao acusado A. S. B.: Do exame dos comentários de A. S. B., à luz do contexto em que

proferidos (v. reportagem na íntegra – fl. 06 – autos apensos), tenho claramente que expressam a insatisfação do acusado especificamente quanto aos índios da Reserva Toldo Chimbangue enquanto ocupantes das terras de Sede Trentin. Segundo aduz, os índios da Reserva “nada produzem” nas terras, “exigem direitos, mas recusam obrigações” e “muitos não são indígenas autênticos. Todos nós sabemos disso, quando vemos índios louros, olhos claros”.

Pelo que se depreende de tais assertivas, em nenhum momento resta configurado o dolo do agente, consistente na intenção de menosprezar ou discriminar o povo indígena em sua coletividade, mas sim a exterio-rização de sua opinião acerca do conflito entre indígenas e colonos por disputa de terras.

A propósito, em idêntico sentido, já se pronunciou esta Turma quan-do do julgamento do HC 2001.04.01.085030-6/SC, Rel. Des. Federal Vladimir Passos de Freitas, 7ª T., DJU 20.03.2002, bem como da AC nº 2001.04.01.085779-9/RS, Rel. Des. Federal José Germano da Silva, DJU 03.07.2002), verbis:

“PENAL. CRIME DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL. INDÍGENAS. LEI 7.716/89, ART. 20, COM A REDAÇÃO DAS LEIS 8.801/90 E 9.459/97.

A opinião externada em livro, cartas e artigos sobre indígenas e conflitos entre estes e colonos por disputa de terras não configura o crime de praticar, induzir ou incitar a discriminação racial, mas sim a exteriorização de opinião, ainda que extremada, sobre o assunto, opinião esta amparada pela liberdade de manifestação assegurada no art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal. Por tal motivo, tranca-se inquérito policial instaurado para apurar a existência de tal delito, sem prejuízo do prosseguimento das investigações sobre outros fatos que possam configurar delito de ação penal pública.

CRIME DE RACISMO. ART. 20 DA LEI Nº 7.716/89, ALTERADO PELA LEI Nº 9.459/97. POVO INDÍGENA. DOLO NÃO DEMONSTRADO.

‘Se no discurso inflamado do réu, radialista, embora tenham sido introduzidos elementos raciais, a respeito do povo indígena, mas não restou demonstrado o dolo de discriminação do agente (art. 20 da Lei nº 7.716/89, alterado pela Lei nº 9.459/97), merece ser mantida a sentença absolutória.’”

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Nesse diapasão, tomo por afastado o cunho discriminatório da ma-nifestação pública da opinião do acusado, para fins de configuração do tipo previsto na Lei 7.716/89.

De outra parte, há de se atentar para a inviolabilidade material reco-nhecida pela sentença, porquanto A. S. B. teria expressado sua opinião como vereador da Câmara Municipal de Chapecó.

De fato, a inviolabilidade material de vereador, constitucionalmente prevista no art. 29, VIII, circunscreve-se ao exercício do mandato e, bem assim, encontra-se em estreita relação com o desempenho da função do cargo, devendo tais limitações ser aferidas caso a caso.

Na espécie, como já salientei, observo a existência de um contexto fático marcado por um conflito social entre agricultores e integrantes da comunidade indígena da reserva Toldo Chimbangue, o qual envolve demarcação das terras destinadas àqueles índios na localidade de Sede Trentin. Nesse sentido, a matéria veiculada no jornal “O Iguaçu” sob o título “Vereadores opinam sobre conflito em Sede Trentin” busca, exclusivamente, enfatizar o posicionamento dos políticos locais sobre a questão. Assim, inquestionável que a potencial prática de crime con-tra a honra restaria vinculada ao exercício da vereança pelo acusado, impondo-se, no tópico, a manutenção da sentença absolutória por seus próprios fundamentos.

A propósito:“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO

ORDINÁRIO.VEREADOR. INVIOLABILIDADE.O vereador, atuando no âmbito da circunscrição territorial do Município a que está

vinculado e na defesa da honorabilidade da sua atuação parlamentar, em meio a atrito, não pode ser submetido a processo penal pela prática de crime contra a honra, pois, presente nexo entre o exercício do mandato e a manifestação do parlamentar, incide a inviolabilidade prevista na Carta Magna (art. 29, VIII). Recurso provido.” (RHC 9857/ SP, Rel. Min. FÉLIX FISCHER, 5ª T., DJU 27.08.2001)

2. Quanto ao acusado A. C. T. S.: Por oportuno, examinarei conjuntamente a imputação referente a

ambas as condutas, quais sejam, do artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89 c/c o art. 19, caput, da Lei 5.250/67. Esta última, aliás, assim prevê:

“Art . 19. Incitar à prática de qualquer infração às leis penais: Pena: Um terço da prevista na lei para a infração provocada, até o máximo de 1

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(um) ano de detenção, ou multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários-mínimos da região.”

A charge tem sua acepção relacionada a um desenho humorístico, geralmente veiculado pela imprensa e tendo por tema algum aconteci-mento atual, que comporte crítica e focalize, por meio de caricatura, uma ou mais personagens envolvidas (fonte: dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). É, como tal, expressão artística que visa representar deter-minada situação primando pelo exagero.

Com efeito, é o que se depreende do caso dos autos, onde a cari-catura em questão (fl. 07 – autos apensos) bem elucida – com a carga que lhe é peculiar – o momento de tensão preponderante na localidade de Sede Trentin, fruto do conflito entre agricultores e a comunidade indígena local.

Não há como se visualizar, sob qualquer aspecto, que tal representa-ção configure e induza à discriminação e ao preconceito étnico contra os indígenas. Até porque a inversão dos sujeitos implicaria a possibilidade de ofensa à honra dos agricultores que, nessa linha de raciocínio, mostrar--se-iam representados por uma caricatura potencialmente assassina, induzindo à generalização dessa classe de trabalhadores. Todavia, como não poderia deixar de ser, tal hipótese sequer foi aventada. Outrossim, como já destaquei, tende-se a conferir maior ênfase a questão do pre-conceito étnico a partir de um discurso de minorias hipossuficientes, o que, sem embargo, não se constitui no meio mais eficaz ao efetivo reconhecimento, aos mais débeis, dos direitos e garantias fundamentais que lhe são assegurados.

No mais, na parte cabível, feitas as necessárias adequações, valho-me dos mesmos fundamentos adotados quando da análise da conduta de A. S. B.

Nessa senda, não há falar que a figura representada na caricatura em questão discrimine o povo indígena; tampouco que esteja a induzir a prática de homicídio, pelo que se revelam atípicas ambas as condutas.

Diante desses fundamentos, voto por negar provimento ao apelo.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2003.70.00.047251-0/PR

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Relator p/acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose

Apelante: A. S. R. Advogado: Dr. Silvio Martins ViannaApelado: Ministério Público Federal

EMENTA

Penal. Apelação criminal. Crimes contra o sistema financeiro. Lei nº 7.492/86. Medidas assecuratórias. Seqüestro de bens. Hipoteca. Arts. 134, 135 e 136 do CPP. Legitimidade do ministério público. Origem dos bens. Bem de família. Lei nº 8.009, art. 3º, IV. Estimativa somente da pena de multa. Impossibilidade da constrição.

1. É permitida a concessão de medida cautelar de seqüestro (arresto) de bens móveis e imóveis ante a possível demora no procedimento de inscrição da hipoteca legal.

2. A hipoteca legal e o seqüestro (arresto) são medidas assecuratórias, de caráter provisório, impostas sobre quaisquer bens imóveis e móveis do Réu com a finalidade de garantir, até o trânsito em julgado de eventual condenação, a reparação do dano causado pelo delito praticado (CPP, arts. 134 e 137), enquanto o seqüestro em sentido estrito (art. 125, CPP) é adotado com o fim de reter os bens adquiridos com os proventos da infração perpetrada.

3. Nos termos do art. 142 do CPP, o Ministério Público está legitimado para requerer o seqüestro e a posterior hipoteca legal.

4. Para as providências acautelatórias basta a materialidade delitiva e os indícios da autoria, os mesmos requisitos para o recebimento da denúncia.

5. A Lei nº 8.009/90 contempla a impenhorabilidade dos bens de família e, em seu art. 3º, determina as exceções. O inc. IV possibilita a constrição de bem de família para garantir a execução de eventual sen-tença condenatória a perdimento de bens, ressarcimento e indenização. A pena de multa não é abrangida pela exceção legal.

6. É vedada a constrição de bem de família quando o Ministério Pú-blico, ao fundamentar o pedido, discrimina apenas a estimativa da pena

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de multa abstratamente cominada ao delito, apesar de a ela se referir expressa e erroneamente como “estimativa do dano”. Para a manuten-ção da medida constritiva deve ser pormenorizada a estimativa de dano decorrente de sentença condenatória no que se refere a eventual ressar-cimento ou indenização.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 12 de setembro de 2006.Des. Federal Tadaaqui Hirose, Relator p/acórdão.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: O Ministério Público formulou pedido de seqüestro prévio de bens de A. S. R., processado pelos crimes previstos nos artigos 288 do Código Penal e 4º, 5º, 10, 17 e 19 da Lei nº 7.492, de 1986, em concurso material, con-forme a denúncia que deu origem à ação penal nº 2003.70.00.039530-7, na qual consta que Alberto Dalcanale Neto, Fernando Silva Peixoto, Rei-noldo Tuleski, Reinaldo Silva Peixoto, Humberto Ciccarino Filho, Ruth Whately Bandeira e Pierre Cícero Cunha, com o auxílio de Nilton Cordoni Júnior e Carlos Roque Cassimiro, desviaram recursos no valor de R$ 22,6 milhões do Banco Araucária, mediante a concessão de empréstimos beneficiando Cassiana Rípoli de Araújo Dalcanale, Jaime Canet Júnior, Othoniel Reinhard Júnior, Nerci Back, Leon Naves Barcellos, Júlio João Golin, Amauri Ramos, Geraldo Dalcanale, Luiz Alberto Dalcanale, Luiz Carlos Dalcanale, Adalgisa Andrade Azevedo, A. S. R., Antônio Carlos Oliveira Dias, Constâncio da Silveira Neto, Mose Giovani Solagna, Hector Henrique Correbo, José Antônio Palosqui, Orígenes Capellani dos Santos, Othoniel Reinhar Júnior, Paulo César de Baère, Wanderlei Rodrigues de Aguiar e Wesley Roque Cassimiro .

Para o fim de assegurar a efetividade da sanção penal pecuniária, o Ministério Público pediu o deferimento liminar de seqüestro/arresto de

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bens, em favor da Fazenda Pública, sobre os bens do réu, salientando que o prejuízo causado, conforme descrito na denúncia, ultrapassa a quantia de vinte e dois milhões de reais, e a pena de multa pode atingir a quantia de quatro milhões, cento e oitenta e três mil, setecentos e quarenta reais. Arrolou bens imóveis e propugnou pela especialização da hipoteca legal sobre móveis, nos termos do artigo 135 do Código de Processo Penal. (fls. 2/12)

O pedido liminar foi deferido, tendo sido determinado o imediato seqüestro (arresto) dos bens arrolados e de sua anotação nos respectivos registros. (fls. 13/22)

A. S. R. embargou, alegando, preliminarmente, falta de especialização da hipoteca legal no prazo de quinze dias, salientando que tal ato é da parte e não do juízo e que, conforme o art. 138 do Código de Processo Penal, tanto o processo de especialização como o de arresto correm em apartado. Afirmou ter ocorrido juízo de condenação prévio, tendo sido reconhecida a culpa sem o exame das provas do processo, as quais não autorizam sequer sua manutenção no rol dos acusados. Não tendo sido provada a participação efetiva nos delitos, é injusto que sofra os efeitos de uma condenação. Fez ver que o arresto incidiu sobre o único bem imóvel do embargante e de sua esposa, L. H. F. R., salientando que a meação só responde pelo ato ilícito quando provado enriquecimento em proveito do casal. No caso, o bem é objeto de financiamento junto ao Banco do Estado do Paraná S/A. Mencionou não haver notícia de dilapidação do patrimônio pelo embargante, razão suficiente para que não haja restrição ao livre exercício da propriedade. Alegou que o Ministério Público não está legitimado, pois o dinheiro depositado no Banco Araucária pertencia a particulares, e os credores quirografários já receberam seus haveres em acordo homologado pelo Juízo da Falência. Aduziu que o imóvel é impenhorável por se tratar de bem de família. Pediu antecipação de tutela para revogação da liminar, porquanto o patrimônio foi havido por esforço próprio ou por sucessão não tendo sido provada a origem ilícita dos bens. (fls. 49/67)

Sobreveio sentença, julgando procedente o pedido inicial para o fim de manter o arresto/seqüestro e especializar a hipoteca legal, até o julga-mento definitivo da ação penal nº 2003.70.00.039530-7, pelos seguintes fundamentos: a) o Ministério Público está legitimiado para a causa, a

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fim de assegurar a eficácia da sentença, advindo o interesse da Fazenda Pública da eventual lesão ao Sistema Financeiro Nacional; b) o Minis-tério Público formulou pedido de especialização da hipoteca legal sobre o bem seqüestrado; c) a análise dos pressupostos para a concessão da medida deve ser realizada por ocasião da decisão judicial que a concede e, no caso, tais questões foram devidamente apreciadas; d) as questões relativas à ação principal são matérias estranhas aos limites do presente incidente; e) não há excesso no montante arrestado; f) a Lei nº 8.009/90 excepciona da impenhorabilidade o bem de família, se adquirido com produto do crime ou para execução de sentença penal condenatória; g) não se exige que o bem arrestado seja produto do crime. Ressalvou a proteção à meação. (fls. 73/76)

Inconformado, Amaury Schimmelpfeng Ramos apelou sustentando: 1) não ter sido requerida a especialização da hipoteca legal, ato esse que incumbe à parte e não ao juízo e que deve ser requerido no prazo de quinze dias, contados da efetivação do arresto, em apartado; 2) excesso de prazo na formação da culpa, não tendo sido observado o princípio do devido processo legal para a decretação da indisponibilidade de bens; 3) ocorreu juízo prévio de condenação e, no entanto, o apelante não come-teu os ilícitos apontados; 4) o arresto atingiu os bens do cônjuge; 5) o Ministério Público não tem legitimidade para agir, pois o prejuízo pelo desvio de dinheiro do Banco Araucária é dos investidores e aplicadores, e não da Fazenda Pública; 6) o bem é de família e, por isso, impenhorável; 7) os bens foram adquiridos pelo apelante em data anterior à dos fatos reputados ilícitos e não há certeza da infração e indícios de autoria, de modo que não incidem os artigos 126, 125, 134 e 130 do CPP. (fls. 80/95)

Com contra-razões, os autos vieram a este Tribunal, perante o qual a agente do Ministério Público apresentou parecer opinando pelo despro-vimento da apelação. (fls. 113/121)

É o relatório. À revisão.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:

Medidas AssecuratóriasO Código de Processo Penal tratou de medidas cautelares nos artigos

125 e seguintes. No artigo 125 cuidou do seqüestro dos bens imóveis

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adquiridos com os proventos da infração – ainda que já transferidos a terceiros. A decretação do seqüestro pressupõe a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens.

Os artigos 134, 136 e 137 não tratam de arresto de bens adquiridos com proventos do crime. Nesses dispositivos estão previstas medidas cautelares visando à futura reparação do prejuízo causado, pagamento de despesas processuais ou penas pecuniárias, ou mesmo evitar que o réu obtenha lucro com a atividade criminosa.

Tais medidas foram examinadas por Tourinho Filho em lição de seguinte teor:

“Já vimos que todas as vezes que de uma infração penal advier um prejuízo ao ofendido, além da pretensão punitiva que vai ensejar a propositura da ação penal, surge, também, a pretensão de ressarcimento, dando lugar à propositura da ação civil ex delicto. A parte interessada então, tem duas alternativas; a) propõe, de imediato, a ação civil, visando à satisfação do dano originário da infração penal, com fundamen-to no art. 159 do CC; b) ou, então, em face da eficácia vinculante da sentença penal condenatória sobre a jurisdição civil, pode aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para executá-la no juízo cível, tal como permite o art. 63 do CPP

Se a parte optar pela propositura da ação civil, tal qual prevista no art. 64 do CPP, nada a impede. Todavia, se houver fundado receio de que, ao tempo em que for prolatada a decisão definitiva, o devedor já não possua bens para garantir a exe-cução, pode o autor, no mesmo juízo cível, requerer uma providência cautelar, tal como seqüestro, arresto, caução, busca e apreensão e até mesmo a hipoteca legal, prevista no art. 827, VI, CC.

Suponha-se, entretanto, não haja a parte promovido a ação civil, ou haja. Nada impede possa ela no juízo penal, requerer a realização de várias medidas precautórias, tais como o seqüestro, o arresto e hipoteca legal. Tais providências constituem verdadeiras questões incidentais e que, por isso mesmo, são objeto de um procedimento em separado, em autos apartados, para não tumultuar o andamento normal dos autos principais.

A estas providências que visam a acautelar os interesses do prejudicado com a prática da infração, o CPP denomina medidas assecuratórias.” (Processo Penal, v. 3, Saraiva, p. 28)

No caso sub judice, o Ministério Público ingressou com a medida assecuratória visando a resguardar bens que assegurem o ressarcimento do prejuízo, o pagamento da multa e da sanção pecuniária.

Legitimidade do Ministério Público Não merece prosperar a alegação de que há nulidade decorrente da

ilegitimidade ativa do Ministério Público.

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Dispõe o Código de Processo Penal: “Art. 142 Caberá ao Ministério Público promover as medidas estabelecidas nos arts. 134 e 137, se houver interesse da Fazenda Pública, ou se o ofendido for pobre e o requerer.”

Não é preciso que se adentre na discussão a respeito da legitimidade do Parquet para a execução da pena de multa, porquanto o Ministério Público está habilitado a tomar medidas acautelatórias do patrimônio público. Havendo interesse da Fazenda Pública, o Ministério Público está legitimado para propor ação cautelar para a proteção do crédito. Neste sentido os acórdãos proferidos, no âmbito deste Tribunal, assim ementados:

“PROCESSUAL PENAL. SEQÜESTRO E HIPOTECA LEGAL. ARTS. 134 E 136 DO CPP. MEDIDA CAUTELAR. LEGALIDADE. MANUTENÇÃO DA MEDIDA

1. Nos termos do art. 142 do Código de Processo Penal, o Ministério Público tem legitimidade para requerer medida assecuratória de seqüestro e posterior hipoteca legal (arts. 134 e 136 do CPP) em havendo interesse da Fazenda Pública

2. O seqüestro, preparatório da hipoteca legal, e esta são medidas cautelares pre-vistas no ordenamento processual penal pátrio, que têm por escopo assegurar, tanto a reparação de dano ex delicto, quanto a efetividade de sanção pecuniária e o pagamento de custas processuais, que possam vir a ser impostos ao indiciado.

3. O seqüestro previsto no art. 136 pode recair sobre quaisquer bens do(s) réu (s).4. Havendo fortes evidências quanto ao caráter fraudulento de negócios jurídicos

realizados com o imóvel objeto da constrição, correta a declaração da ineficácia dos referidos negócios, a fim de propiciar a especialização da hipoteca legal.

5. Apelação improvida. (ACR 2001.04.01.057916-7/PR, Rel. Juiz José Germano da Silva, DJU 16.01.2002, p. 1349)

PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SEQÜESTRO E HIPOTE-CA LEGAL. ARTS. 134 E 136 DO CPP. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA. BEM DE FAMÍLIA. LEI 8.009/90. MEAÇÃO

1. Nos termos do art. 142 do Código de Processo Penal, o Ministério Público tem legitimidade para requerer medida assecuratória de seqüestro e posterior hipoteca legal (arts. 134 e 136 do CPP) em havendo interesse da Fazenda Pública

[...]” (MS 2003.04.01.050888-1, Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, DJU 14.07.2004, p. 559)

No caso, o Ministério Público ajuizou a medida para ver resguar-dado o pagamento das multas, custas, bem como o ressarcimento do dano ao sistema financeiro, tendo em vista que, conforme a inicial, foram desviados do Banco Araucária S/A recursos na ordem de R$ 22, 6 milhões.

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Especialização da hipotecaTêm o seguinte teor os dispositivos do CPP que tratam da hipo-

teca legal:“Art. 136. O seqüestro do imóvel poderá ser decretado de início, revogando-se,

porém, se no prazo de 15 (quinze) dias não for promovido o processo de inscrição da hipoteca legal.

Art. 137. Se o responsável não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insufi-ciente, poderão ser seqüestrados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos móveis.

§ 1º Se esses bens forem coisas fungíveis e facilmente deterioráveis, proceder-se-á na forma do § 5º do art. 120.

§ 2º Das rendas dos bens móveis poderão ser fornecidos recursos arbitrados pelo juiz, para a manutenção do indiciado e de sua família.”

Nos comentários ao dispositivo, Tourinho Filho esclareceu a questão nestes termos:

“[...] Embora o art. 137 diga que o seqüestro é permitido ‘nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos móveis’, evidente ter havido um erro tipográfico, por-quanto, entre nós, com exceção dos navios e aeronaves (art. 1.473, VI e VII , do atual CC), os bens móveis estão excluídos do direito hipotecário. Assim, onde está escrito dos móveis, leia-se ‘dos imóveis’. Pode acontecer que os bens arrestados sejam fungí-veis. Nesse caso, se facilmente deterioráveis, haveria possibilidade de, em virtude da demora na solução do incidente, de se adulterarem. [...]” (Código de Processo Penal Comentado, 7. ed., Saraiva, 2003, v. 1, p. 402)

Julio Fabrinni Mirabete tece os seguintes comentários ao art. 137 do CPP:

“Há erro tipográfico na última palavra do caput do art. 137: trata-se de ‘imóveis’ e não de ‘móveis’, pois só os primeiros podem ser hipotecados, salva as exceções legais. Além disso, a lei trata não verdadeiramente de ‘seqüestro’ (art. 822 do CPC) mas de ‘arresto’ (art. 813 do CPC). Só podem ser objeto desse tipo de seqüestro os bens que sejam suscetíveis de penhora. Tratando-se de bens facilmente deterioráveis, aplica-se o disposto no art. 120, § 5º. Não podem ser seqüestrados os bens relacionados no art. 649 do CPC, absolutamente impenhoráveis. Além disso, é necessário que não haja bens imóveis ou sejam eles insuficientes para garantir a responsabilidade do acusado ou de seu responsável. Evidentemente, como pressuposto, exige-se prova do crime além de indícios suficientes da autoria. Deve-se ainda obedecer ao art. 135 no que lhe for aplicável. [...]” (Código de Processo Penal Interpretado, Atlas, 11. ed., 2003, p. 432)

A hipoteca legal é direito real constituído sobre coisa imóvel do deve-dor ou de terceiro, tendo por fim sujeitá-lo exclusivamente ao pagamento

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da dívida, sem, todavia, tirá-la da posse do dono. (TJSP – AP – rel. Djalma Lofrano RT 604/330)

Ao formular o pedido de tutela cautelar, o Ministério Público pediu a especialização da hipoteca legal (fl. 12). A sentença julgou procedente o pedido inicial, “para os fins de manter o arresto/seqüestro e especializar a hipoteca legal...”. (fl. 76)

As medidas assecuratórias são autuadas em apartado, a fim de que não haja prejuízo ao andamento do processo principal. A especialização da hipoteca legal tem lugar neste mesmo procedimento.

Não procede a alegação de falta de requerimento de especialização de hipoteca em autos apartados.

Juízo prévio de condenaçãoO apelante alega que ocorreu juízo prévio de condenação. Sem razão.

As medidas assecuratórias visam a garantir o ressarcimento do dano e pagamento da multa e custas, caso sejam impostas ao réu. Não há juízo prévio de condenação. Basta para o seu deferimento indícios da autoria. Caso o réu seja absolvido, a medida fica prejudicada. Como bem salien-tado pelo eminente Des. Federal Néfi Cordeiro,

“As cautelares penais tem por lei presumido o risco e autorizam a imediata proteção do patrimônio da vítima, servindo justamente como cautelares porque respeitada a inocência presumida do réu. Fosse o réu considerado culpado, dar-se-ia não a cautelar, mas o direto perdimento ou alienação desses bens.” (ACR nº 2004.70.00.020064-1/PR)

A alegação de excesso de prazo na formação da culpa deve ser for-mulada em relação ao processo principal, e não nos autos do arresto. A tramitação da ação penal nº 2003.70.00.039530-7 não é objeto de exame nos autos do presente seqüestro/ arresto.

Antecipação de tutela e data da aquisição dos bensO apelante pleiteia antecipação dos efeitos da tutela, alegando ve-

rossimilhança dos fatos e normas aplicáveis, pois não cabe deferimento de medida liminar vedando-lhe a disposição do patrimônio havido por esforço próprio ou por sucessão. Salientou que os bens possuem origem lícita.

O seqüestro/arresto foi postulado pelo Ministério Público visando à reparação do dano, despesas processuais e penas pecuniárias. Para tal fim, qualquer bem pode ser arrestado. A data da aquisição do bem é

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irrelevante. O arresto previsto no art. 136 pode recair sobre quaisquer bens do réu. Não se cuida da medida prevista no art. 125 do CPP, que dispõe sobre os bens adquiridos com o produto da crime.

Não é caso de antecipação de tutela.

Certeza da infração e indícios de autoriaO Apelante alega não estarem presentes os requisitos de certeza da

infração e indícios de autoria.Por ocasião do juízo de admissibilidade exarado quando do recebi-

mento da denúncia, são verificados justamente tais requisitos. Na ação penal, ao receber a denúncia, o juiz a quo examinou a narrativa do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias e a classificação do delito e entendeu presentes indícios suficientes de autoria e de materialidade do delito. Não fosse assim, a denúncia não teria sido recebida.

No caso, a exordial foi admitida, tendo o juiz verificado os requisitos exigidos. O apelante é réu na ação penal que deu origem ao presente arresto. Porque transitória, a medida em questão não exige certeza da autoria.

MeaçãoO apelante alega que o arresto atingiu os bens de sua esposa, com a

qual é casado sob o regime da comunhão universal de bens.A sentença resguardou a meação da esposa, reservando a metade do

produto da alienação do bem imóvel para o cônjuge. Esclareceu que, sendo o bem indivisível, esta é única solução, sob pena de se inviabilizar a alienação judicial do bem, citando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Origem dos bens Tendo sido adquiridos bens com proventos da infração, a medida as-

securatória é a prevista no art. 125 do CPP. No caso, o Ministério Público pretendeu garantir tanto a reparação de dano, quanto a efetividade da sanção pecuniária e o pagamento de custas processuais que possam vir a ser impostas ao denunciado. Neste caso, exige-se para o deferimento do seqüestro a prova da materialidade e indícios suficientes da autoria, elementos que, mesmo indiciários, apontem o acusado como autor do fato (arts. 134 e 135 do CPP). No caso sub judice, o Ministério Público não alegou terem os bens sido adquiridos com proventos do crime. Como

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visto, não se trata da providência descrita no artigo 125 do Código de Processo Penal.

Por oportuno, esclareço que não constitui óbice para o seqüestro prévio o fato de não estar definida a parte que cabe a cada um dos réus na reparação do dano. Em se tratando de indenização por ato ilícito, a responsabilidade é solidária. Nesse sentido é ilustrativo o voto proferido pelo ministro Ilmar Galvão no julgamento do HC 73.753-6:“...se tratando de indenização por ato ilícito, praticado por várias pessoas, é de se aplicar a regra da solidariedade, na forma do que dispõe o art. 1.518 do Código Civil. Tratando-se de obrigação solidária entre devedores, qualquer deles é obriga-do à prestação em sua integralidade, desde que o exija o credor, pois cada um dos responsáveis responde in totum et totaliter como se fosse um só devedor, na forma do que dispõe o art. 896 do referido Código, cabendo ao devedor que sozinho satisfaz a prestação o direito de regresso para exigir a parte correspondente a cada responsável pela reparação...” (HC 73753/RS, Min. Ilmar Galvão, DJ 22.11.96, p.45688, Ement. v. 01851-03, p. 523)

Impenhorabilidade do bem de famíliaO apelante alegou que a constrição não pode atingir o único bem

imóvel de sua propriedade e no qual reside. Com a constrição o Mi-nistério Público pretende garantir o prejuízo causado, mais o valor da multa e custas.

Não foi comprovado nos autos tratar-se de bem de família. O arresto incidiu sobre as vagas de garagem nos 12 e 27 do Edifício Les Chansons, situado na rua Coronel Pedro Scherer Sobrinho nº 360; sobre o aparta-mento nº 2101, tipo B1, localizado no 21º pavimento superior e parte da cobertura; e apartamento nº 2001, tipo A1, localizado no 20º pavimento do mesmo edifício, situado a rua Coronel Pedro Scherer Sobrinho nº 330. Entre os documentos trazidos pelo réu aos autos há uma cópia de conta de luz , na qual consta o nome do acusado, com endereço na Rua Cel. Pedro S Sobr 394 2001, em Curitiba. Por certo a Lei nº 8.009/90 resguarda apenas um imóvel. Não tendo sido comprovada a qualidade de bem de família, a questão nem mesmo mereceria exame. De todo modo, no caso, a lei excepciona o bem de família da impenhorabilidade.

A Lei nº 8.009, de 1990, estabelece:“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil,

fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

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[...]VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença

penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. [...]”

A lei excepciona, expressamente, a impenhorabilidade nos casos em que há sentença condenando a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens, de modo que não há impedimento para o seqüestro/arresto.Nesse sentido a jurisprudência desta Corte, conforme os acórdãos assim ementados:

“PENAL E PROCESSUAL. SEQÜESTRO PRÉVIO E HIPOTECA LEGAL. ARTIGOS 134 E 136 DO CPP. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. INEXISTENTE. BEM DE FAMÍLIA. ARTIGO 3º, INCISO VI, DA LEI Nº 8.009/90. APELO IMPROVIDO.

1. Inexiste ofensa ao ‘princípio da correlação entre pedido e sentença’ se, ao con-trário do que aduz o recurso, o Ministério Público pleiteou as medidas assecuratórias também com o fim de garantir a reparação dos prejuízos decorrentes das condutas em tese delitivas. 2. A Lei 8.009/90 excepciona da impenhorabilidade o bem de família, na hipótese de execução de sentença penal (art. 3º, inciso VI) já que as medidas acau-telatórias previstas nos arts. 134 e 136 do CPP se destinam justamente a garantir o ressarcimento do dano ex delito, multa e custas processuais no caso de eventual con-denação.3. Apelo improvido. (ACR 2003.70.00.041410-7/ PR, Rel. Élcio Pinheiro de Castro, DJU 14.06.2006, p. 593)

INSCRIÇÃO DE HIPOTECA LEGAL. ART. 134 DO CPP. PROVA DE DILA-PIDAÇÃO DO PATRIMÔNIO. DESNECESSIDADE. GARANTIA DO PREJUÍZO CAUSADO PELO CRIME. BEM DE FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. Para o deferimento da inscrição da hipoteca legal, exige-se apenas a certeza da infração e os indícios suficientes da autoria, sendo, portanto, inexigível a prova de que os réus estejam dilapidando o patrimônio. A hipoteca visa tanto a reparação do dano ex delicto, quanto a efetividade da sanção pecuniária que possa vir a ser imposta ao indiciado, pois são providências que visam a acautelar os interesses do prejudicado com a prática da infração. A impenhorabilidade conferida pela Lei nº 8.009/90 não alcança a execução de sentença penal condenatória a ressarcimento indenização ou perdimento de bens (art. 3º, VI). (ACR 2000.70.09.002433-5, Rel. Des. Amir Sarti, DJU 29.05.2002, p. 632)

HIPOTECA LEGAL. ESPECIALIZAÇÃO. GARANTIA DO PAGAMENTO DOS DANOS, DA MULTA E DAS CUSTAS PROCESSUAIS. MATERIALIDADE E AUTORIA. BEM DE FAMÍLIA. LEI 8.009/90.

A especialização da hipoteca legal de bens do réu está lastreada objetivamente no perigo de dano ao erário federal, não havendo necessidade de certeza, porque desprovida de definitividade, quanto à ocorrência e à autoria dos fatos narrados.

- A Lei 8.009/90 excepciona da impenhorabilidade o bem de família, na hipótese de execução de sentença penal (art. 3º, inciso VI), que é o caso dos autos, já que a hipoteca

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se destina justamente a assegurar o pagamento dos danos, multa e custas processuais numa eventual condenação.” (ACR 2002.04.01.055825-9/PR, Rel. Des. VOLKMER DE CASTILHO, DJU 14.05.2003, p. 1114)

A exceção prevista no art. 3º, VI, da Lei 8.009, de 1990, convive com o princípio do direito à moradia consagrado no art. 6º da Constituição Federal, a partir da EC 26, de 2000. A esse respeito, é de se fazer refe-rência ao julgamento do RE 407.688, rel. Min. Cezar Peluso, no qual o Plenário do Supremo Tribunal Federal afirmou ser legitima a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, tendo em vista a compatibilidade da exceção contida no art. 3º, VII (acrescentada pela Lei nº 8.245, de 1991), com o direito de moradia. Se há compati-bilidade em relação ao fiador, com mais razão em relação aos casos de execução de sentença penal condenatória.

No caso, o Ministério Público funda o pedido de arresto não só na garantia do pagamento da pena pecuniária, mas também para o ressar-cimento do dano, como expresso no item 5 da exordial. (fl. 11)

Voto, por isso, no sentido de negar provimento à apelação.

VOTO-REVISÃO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Com a devida vênia ao entendimento da eminente Desa. Federal Maria de Fátima Freitas La-barrère, tenho por bem divergir em parte do voto condutor, ratificando, contudo, os demais fundamentos expostos.

Passo, agora, às razões de minha divergência.No que concerne à impenhorabilidade dos bens de família, meu enten-

dimento, acompanhando jurisprudência da egrégia Quarta Seção, acolhia sem ressalvas o disposto no artigo 3º da Lei nº 8.009/90, que insere as possibilidades nas quais é permitida a penhora do bem de família.

O colendo Supremo Tribunal Federal entendeu pela não recepção desse dispositivo legal pela EC nº 26/00, que instituiu a moradia como direito social inviolável (artigo 6º, Constituição Federal). Houve, também, alteração da jurisprudência deste Regional.

Todavia, com a recente afirmação da constitucionalidade do disposi-tivo legal em questão, retomei meu raciocínio originário, inadmitindo a tese de impenhorabilidade do bem de família, forte na legitimidade da exceção prevista no artigo 3º, inciso VI, da Lei nº 8.009/90.

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Considerando estarmos à frente de questões com repercussão nos âmbitos penal e processual penal, venho entendendo também que essa exceção à impenhorabilidade não pode ser interpretada extensivamente. Assim, admito a penhorabilidade de bem de família para garantir a exe-cução de eventual sentença penal condenatória a perdimento de bens, ressarcimento e indenização. Só. A pena de multa não é abrangida pela exceção legal.

No presente caso, o artigo 3º, inciso VI, da Lei nº 8.009/90 não pode ser aplicado, visto que o Ministério Público Federal, ao fundamentar o pedido acautelatório, o faz a partir de uma estimativa discriminada apenas da pena de multa abstratamente cominada ao delito em questão, não obstante se refira a esta, expressa e erroneamente, como “estimativa do dano”. (fl. 10)

Nesses termos, conforme meu entendimento, o bem de família não pode ser constrito com base em estimativa do dano discriminada unica-mente em relação à multa. Assim, resta verificar se há a configuração de bem de família na hipótese em testilha.

Conforme as matrículas referentes aos apartamentos depreende-se serem contíguos – apartamentos 2001 (20º andar) e 2101, (21º andar – dúplex), do Edifício Les Chansons, Curitiba – comprados pelo ora Apelante na mesma data (fls. 27 e 29). Todavia, em sua argumentação, A. S. R. refere-se ao “único bem imóvel”, ao “apartamento de sua resi-dência”, entendendo-o indivisível.

Por meio de observação dos presentes autos, verifica-se que o endereço constante na cópia da conta de luz em nome do Apelante refere-se ao apartamento localizado no 20º andar (fl. 69). O mesmo se nota na procu-ração outorgada (fl. 68). É lícito, então, concluir, pelo exame conjunto da documentação e das alegações, que a residência de A. S. R. compreende ambos os apartamentos (desenvolvendo-se em três pavimentos) prova-velmente já adquiridos com esse intuito.

Todavia, considerando-se a existência de duas matrículas diversas (fls. 27 e 29) uma referente ao apartamento no 20º andar (nº 30.061) e outra ao apartamento dúplex de cobertura no 21º andar (nº 29.774), não se cuida de bem indivisível. Isso porque inexiste impossibilidade fática, tampouco legal de dividir aquilo que o Apelante entende ser único. Os imóveis foram unidos apenas pela conveniência da família, não estando

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registrados sob a mesma matrícula. É somente a moradia que deve ser protegida, direito básico, nos devidos termos da Constituição Federal. Veja-se o disposto no artigo 5º da Lei nº 8.009/90:

“Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vá-rios imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.”

Por esta razão, voto no sentido de dar parcial provimento ao apelo, para que seja levantada a hipoteca no que tange ao imóvel de matrícula nº 30.061. (fl. 29)

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2003.72.07.003058-0/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Apelantes: Ministério Público FederalM. A. F.

Advogados: Drs. Pedro Francisco Wierzynski e outroApelados: (os mesmos)

EMENTA

Penal. Crime ambiental. Art. 64 da Lei nº 9.605/98. Construção em solo não edificável sem a autorização da autoridade competente. Prédio localizado em terreno de marinha situado em área de preservação per-manente. Dolo demonstrado. Substituição da pena privativa de liberdade. Prescrição da pretensão punitiva. Reconhecimento.

1. A construção de casa de veraneio em zona costeira, situada em área

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de preservação permanente segundo legislação municipal, constitui-se no ilícito previsto no art. 64 da Lei nº 9.605/98. Materialidade e autoria comprovadas por provas documental e testemunhal.

2.O dolo da conduta perpetrada pelo réu caracteriza-se pela continui-dade das obras, mesmo ciente de que não possuía a competente autori-zação legal para a sua realização, apesar de notificado pelas autoridades ambientais locais.

3. A substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, com a demolição da residência e replantio da vegetação local, é a que melhor se adapta à hipótese em tela.

4. Reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva ante o transcurso de mais de 02 (dois) anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, forte no que dispõem os arts. 109, VI, e 110, § 1º, ambos do CP.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e, ex officio, reconhe-cer a extinção da punibilidade do réu pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.

Porto Alegre, 1º de março de 2006. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: O Minis-tério Público Federal ofereceu denúncia contra M. A. F. como incurso nas sanções do art. 20 da Lei n° 4.947/66 c/c arts. 38, 40 e 63 da Lei nº 9.605/98, pela prática das condutas delitivas assim narradas na inicial:

“Consoante constatado pela Polícia Militar de Proteção Ambiental, em 30 de no-vembro de 2000, aproximadamente, na localidade do Costão da Prainha, lado norte, bairro Farol, Município de Laguna/SC, M. A. F., após invadir, com intenção de ocupar, apossando-se de terra da UNIÃO, terreno de marinha e acrescidos (art. 20, VII, da Constituição da República c/c art. 2º do Dec.-Lei nº 9.760/46), promoveu construção de uma residência de veraneio, destinada a seu mero deleite, em solo não edificável,

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alterando, degradando local especialmente protegido por lei em razão de seu valor ecológico e turístico, obstruindo o acesso dos cidadãos à praia, bem de uso comum do povo (art. 10 da Lei nº 7.661/88), destruindo vegetação nativa, floresta de preservação permanente (art. 2º, d, da Lei nº 4.771/65), causando dano à unidade de conservação ambiental federal (Decreto Presidencial de 14.09.00, instituindo a Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca), sem licença/autorização dos órgãos competentes, IBA-MA, SPU – Secretaria do Patrimônio da União – culminando assim por degenerar o meio ambiente e usurpar o patrimônio público.

A materialidade está sobradamente provada pelo Boletim de Ocorrência Ambien-tal nº 12017-B (fls. 16/85) e certidão do SPU da localização da área em acrescido de marinha, bem como a inexistência de qualquer outorga de uso ao IMPUTADO (fls. 48/49), bem como por cópia da fotografia juntada pelo próprio IMPUTADO nos autos da Ação Civil Pública nº 2001.72.07.003011-9, na qual restou o ora DENUNCIADO condenado ‘na obrigação de fazer consistente na demolição da obra ilegalmente cons-truída em terreno de marinha e proteção ambiental permanente, bem como reparar completamente o dano ambiental causado à área’.

Acresça-se, ainda, que a construção do DENUNCIADO encontra-se, igualmente, em área de preservação permanente por força da legislação do Município de Laguna, como se observa da plotagem da mesma nos mapas acostados às fls. 79, 84 e 85.

Objetivando ser sopesado nas circunstâncias judiciais (art. 59 do CP), cuja prova cabal será aduzida pelas testemunhas elencadas pelo PARQUET, é de registrar-se que o ACUSADO, arquiteto, pessoa privilegiadamente instruída, sabedora das normas de construção, no correr da edificação, foi repetidamente advertido da sua ilegalidade, acintosamente persistindo na senda criminosa.

Destarte, está o IMPUTADO incurso nas condutas tipificadas no art. 20 da Lei nº 4.947/66 c/c arts. 38, 40 e 63 da Lei nº 9.605/98. (fls. 04 e 06)”

A inicial foi recebida em 04.06.2003 (fl. 15). Não tendo aceitado a proposta de suspensão do processo (fl. 27), o réu foi interrogado. (fls. 28-29)

Após a instrução, seguiu-se a prolação da sentença, publicada em 29.09.2004 (fl. 198 v.), em que a juíza a quo julgou parcialmente pro-cedente a ação para condenar o réu nas sanções do art. 64 da Lei nº 9.605/98, às seguintes penas: 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, cumulada com pena de multa de 360 (trezentos e sessen-ta) dias-multa, à razão de ½ (meio) salário mínimo vigente ao tempo do fato, atualizado desde então. Tal pena de reclusão foi substituída por uma pena de prestação de serviços à comunidade, consistente na demolição da residência e replantio da vegetação local (art. 9º, in fine, da Lei nº 9.605/98), conforme orientação do órgão ambiental (FATMA

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ou IBAMA). (fls. 176-198)Apelou a acusação (fls. 200 e 205-218), insurgindo-se contra a ab-

solvição do réu no que refere ao delito insculpido no art. 20 da Lei nº 4.947/66, alegando que a conduta perpetrada pelo acusado subsume-se ao descrito no referido tipo penal, presente o elemento subjetivo do tipo (dolo específico), qual seja, “ocupar terra que sabia pertencer à União”. Também apela contra a desclassificação da imputação inicial do art. 63 da Lei nº 9.605/98 para o art. 64 da mesma lei, já que a con-duta do réu foi mais grave do que ter promovido “construção em solo não edificável”, uma vez que a edificação em questão agrediu o meio ambiente, “promovendo alteração do aspecto paisagístico existente em local público, sem licença dos órgãos competentes”. Por último, requer que a pena privativa de liberdade seja substituída por pena pecuniária, e não como determinou a sentença, ao escolher como modalidade de prestação de serviço à comunidade a “demolição da residência e replan-tio da vegetação local”, por não ter esta caráter de reprimenda penal.

Contra-razões do réu, às fls. 238-239.Também apelou o condenado (fls. 203 e 222-228), aduzindo, em

síntese, que o referido prédio se encontra localizado em área urbana, no balneário do Farol de Santa Marta, regulamentada pela Resolução CONAMA nº 302, de 20.03.2002, em seu art. 2º, inciso V, letras a e b. Assevera, ainda, que juntou todos os documentos pertinentes à liberação da obra, entre eles o parecer técnico favorável da Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina – FATMA, e que, em não havendo um plano de manejo consolidado na unidade de conservação criada pela Lei Orgânica Municipal, não há falar em restrições à utilização da área. Pleiteia a redução da multa, acaso mantida a condenação.

Com contra-razões do MPF às fls. 241-248, subiram os autos a este TRF, tendo o Parquet emitido parecer, manifestando-se pelo provimento do recurso ministerial e improvimento do recurso da defesa. (fls. 262-270)

É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: O réu foi denunciado pelas condutas tipificadas no art. 20 da Lei nº 4.047/66 c/c

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arts. 38, 40 e 63 da Lei nº 9.605/98, sendo que a Juíza a quo afastou a primeira imputação, por ausência de tipicidade, aduzindo não ter havido invasão de terras da União e condenando-o por promover a construção em solo não edificável. (art. 64 da Lei Ambiental)

A materialidade desse delito encontra-se consubstanciada nos seguin-tes documentos: Boletim de Ocorrência Ambiental nº 12017 – B, fls. 16 e 38 do apenso, expedido pela Polícia de Proteção Ambiental de Lagu-na/SC, que dá conta da alteração de residência unifamiliar, na faixa de marinha, zona de preservação permanente, sem autorização competente e desrespeitando normas disciplinadoras. Acompanha esse documento a Notificação de Infração Penal Ambiental – NIPA (fls. 17-21, apenso), também expedida pelo mesmo órgão ambiental, o qual informa que o autor da infração é o réu e a localização do prédio, o Costão da Prai-nha, Lado Norte, Bairro Farol de Santa Marta, município de Laguna/SC, que dista vinte e um metros do costão de granito róseo (maré alta). Os documentos das fls. 29 e 58 do anexo informam que o denunciado detém os direitos de posse do referido imóvel, o que foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas de defesa. As fotografias acostadas demonstram a área em que a casa foi erguida, bem como seu processo de construção (fls. 46, 59 a 61 do anexo e 5 do vol. 1). Também os ma-pas anexados às fls. 79 e 84-85 do apenso demonstram que a região em discussão ocupa terreno de marinha (que faz parte da Zona Costeira), em área de preservação permanente.

Ou seja, resta claro que a edificação em questão se localiza em ter-reno de marinha, ou seja, de propriedade da União, situado em área de preservação permanente, no município de Laguna/SC.

Também fica evidente que o acusado praticou a conduta descrita no art. 64, e não a do art. 63 da Lei Ambiental, uma vez que, como bem asseverado pela Juíza singular, “o acusado promoveu construção de uma residência de veraneio, sem, contudo, alte-rar o aspecto paisagístico, haja vista ter demolido a casa que anteriormente existia no local. Prossegue a magistrada: entendo que alteraria substancialmente o aspecto ou local especialmente protegido por lei e ato administrativo se o acusado promovesse construção em local que ainda não tivesse sido modificado; a construção em local onde já existia casa de madeira não constitui alteração do bem em si, apta a considerar alte-ração do aspecto paisagístico, mormente quando aos seus arredores existem obras de

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porte semelhante; em virtude de a conduta descrita se encaixar perfeitamente no artigo 64 do mesmo diploma legal, entendo deva ser aplicada a emendatio libelli conforme artigo 383 do CPP. (fl. 188)”

Quanto à não-alteração do aspecto paisagístico, oportuno transcrever--se outro trecho da sentença que, embora analisando o não-enquadramen-to da conduta do réu ao tipo do art. 38 da Lei Ambiental, fez a seguinte observação:

“(...) Analisando as fotografias das fls. 5 e 81, verifica-se que na verdade a área é coberta por gramíneas, não havendo qualquer denúncia por parte dos responsáveis pela notificação de infração penal quanto à destruição de vegetação nativa (fls. 17/21 do procedimento em apenso). (fl. 186)”

As provas de que a casa já se encontrava edificada, tratando-se de uma reforma, estão nos documentos juntados por ocasião da defesa prévia (fls. 30-38), e nos que instruíram a Ação Civil Pública nº 2002.72.07.008761-4, na qual figurou como réu o ora acusado, apensados aos presentes autos. Também, tanto as testemunhas arroladas pela defesa (fls. 129-133) como as da acusação (fls. 119-121) atestam que, à época das autuações da polícia ambiental, já havia outra casa no mesmo local, antes da reforma promovida.

Quanto à autoria, o réu, em nenhum momento, nega a construção do imóvel. Ao contrário, em seu depoimento prestado em juízo (fls. 28-29) afirmou que:

“(...) Sabia que o terreno onde está a casa é terreno de marinha. Requereu no SPU autorização para ocupar o imóvel no ano passado, mas ainda não foi deferido, porque eles pediram documento complementar. Ocupa o imóvel desde 1998 quando o adquiriu. Não comprou a casa para veraneio, mas para morar lá depois de aposentado. Quando adquiriu a casa ela era de madeira, em péssimo estado de conservação (...) A FATMA e a Polícia Ambiental estiveram no local durante a construção e verificaram a metragem que a casa tinha antes de iniciar a construção. Foi demolindo a casa aos poucos e cons-truindo em cima. Hoje não resta nada da casa que tinha antes. Alega que não obstruiu o acesso ao mar, mas ao contrário criou um acesso para o mar, que segundo afirma está livre para qualquer pessoa usar. (...) Não cavou sobre o terreno, apenas escavou o necessário para as fundações, conforme determinações da FATMA. Em 1998, antes de construir, entrou com processo na Prefeitura para pedir aprovação. Inicialmente disse que dependeria de licença da FATMA ou do IBAMA. O denunciado buscou licença da FATMA e a Prefeitura aprovou com a condição de que fosse demolida a casa pequena que se encontra mais à beira do mar como medida compensatória. (...)

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Consultando documentos constatou que o alvará da Prefeitura saiu em 5 de dezembro de 2000. Tem também licença da Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura, da Marinha, bem como a licença da FATMA. A obra começou em 2000 e terminou em janeiro do ano seguinte. Levou cerca de dois meses. (...) Das testemunhas arroladas na denúncia tem ressalvas quanto a João Batista Andrade pela forma discriminatória como ele age no local, denunciando apenas os que não são ‘protegidos dele’ (...).”

De fato, na fase da defesa prévia (fls. 30-38), além de um laudo téc-nico de impacto ambiental, subscrito por profissional de sua confiança, o réu juntou alguns documentos, os quais, contudo, afora a liberação das restrições quanto a questões sanitárias (esgoto cloacal, etc.), não servem para comprovar a liberação da obra junto aos órgãos ambientalistas, muito embora as advertências efetuadas por parte desse tipo de fiscalização.

Além de parecer assinado em 16.11.2000, pelo então chefe do Depar-tamento de Análise de Projetos e Fiscalização da Secretaria Municipal de Planejamento e Orçamento de Laguna/SC (fl. 65), o acusado também anexou a declaração da fl. 69 (e fl. 41 do apenso), assinada pelo ora Secretário de Agricultura, Pesca e Meio Ambiente de Laguna/SC, na qual registrou que aquela secretaria nada tinha a opor contra a reforma da casa, desde que executada dentro dos padrões da planta anexada no Processo Administrativo nº 1.328-98. Contudo, informou que o referido prédio se encontrava em Área de Preservação Permanente, de acordo com a Lei Orgânica do Município.

A Lei Orgânica do Município de Laguna prevê, em seu art. 179, § 4º, “as áreas de preservação do Município non aedificandi, e que sua utilização far-se-á na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”, aí ressalvando, em seu inciso IX, o morro do Cabo de Santa Marta Grande (Lei Municipal nº 04/79). (vide mapa à fl. 85 do anexo)

Também o artigo 2º, § único, da Lei nº 7.661/88 institui o Plano Na-cional de Gerenciamento Costeiro, considerando como zona costeira “o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre que serão definidas pelo Plano”.

O réu também juntou cópia autenticada do alvará de licença para reforma de uma casa em alvenaria, emitido em 05.12.00, pela Prefeitura Municipal de Laguna/SC (fl. 70). Mas, pela cópia do mesmo documento,

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também juntado à fl. 39 do apenso, há dúvidas quanto à sua autenticida-de, uma vez que, nessa cópia, há o registro de tratar-se de uma casa “de madeira”. O primeiro documento, cuja cópia foi novamente apresentada em sede de apelação (fl. 229), foi inclusive objeto de pedido de desentra-nhamento (fls. 240-251) para perícia, por suspeita de adulteração (crimes de falsidade documental e uso de documento público falso), o que foi deferido pelo Juízo a quo. (fl. 252)

No ponto, de acordo com a magistrada sentenciante, os documentos juntados pela defesa, em especial o alvará expedido pela prefeitura de Laguna/SC em 05.12.2000, não se prestam para comprovar a legalidade da reconstrução, em razão de suspeita de irregularidades no processo administrativo que tramitou no referido município, ignorando exigência anterior de autorização de órgão ambiental e por ter sido expedido por funcionário sem a competência para tanto. Vejamos o que observou a Juíza a quo:“(...) de acordo com o documento juntado pelo acusado, haveria licença do município para reforma de uma casa com área de 72,75m², em alvenaria. O mesmo alvará juntado antes do ajuizamento da ação penal pelo MPF à folha 39 dos autos em apenso, refere, entretanto, que a autorização seria para construção em madeira. Note-se que se trata do mesmo número de alvará, com idêntico objeto, data e assinatura.

Não obstante, a insubsistência dos fatos afirmados pelo autor vem corroborada pela tramitação administrativa suspeita dos requerimentos de consulta de viabilidade para reforma de sua casa, bem como a licença de reforma.

O acusado, em 28 de julho de 1998, requereu consulta de viabilidade para reforma de uma casa de madeira de 72,75m² (fl. 76/apenso).

A assessoria jurídica do Município de Laguna elaborou parecer prévio indicando que o documento que havia sido apresentado não era hábil para provar sua posse ou pro-priedade, razão por que opinou pelo indeferimento do pedido (fl. 75/apenso). Afastado esse óbice, a Procuradora do Município concluiu que se tratava de área de preservação permanente, prevista como não-edificante pela Lei Orgânica Municipal. Assim, seria necessário apresentar ao respectivo processo a autorização do IBAMA ou da FATMA referente à construção (fl. 68), o que, ao que tudo indica, não foi feito naquela ocasião, já que o parecer elaborado pela FATMA e trazido aos autos (fls. 72/73) é posterior à autuação feita pela polícia ambiental e posterior também ao segundo pedido feito no Município, em 10.03.2000.

De fato, conforme atesta o documento da fl. 70 em apenso, após o indeferimento em 1998, o acusado havia protocolado segundo pedido junto ao município para reformar a casa, o qual foi novamente indeferido em 17.03.2000, por se tratar de ‘ZPP, Zona de Preservação Permanente, área não edificante’ (grifo no original, fl. 70 em apenso).

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Entretanto, inexplicavelmente, em 04.12.2000 é acrescido ao processo um parecer favorável do engenheiro Ivanei Canhola Souza, que, conforme informação do Procurador Geral do Município a fls. 67 em apenso, não era a autoridade competente para tanto.

O alvará, assim, foi expedido com uma estranha rapidez, já no dia 05.12.2000, passando o funcionário Jorge Luiz Moreira por cima de diversas exigências adminis-trativas e ignorando exigência anterior de autorização de órgão ambiental. Tal fato, aliás, não passou despercebido pelo Procurador do Município em 21 de maio de 2001 quando respondeu a perguntas solicitadas pelo então Procurador da República atuante nesta subseção (fls. 66/67 em apenso), opinando pela reabertura de sindicância para apurar as inúmeras irregularidades.

Saliente-se que o parecer da FATMA em que não se opõe à reconstrução da casa (fls. 72/73) é posterior inclusive a ela. Embora tal documento não esteja datado, percebe--se pela resposta da fundação que o réu protocolou o pedido apenas em 06.12.2000, novamente após a autuação ambiental e após inclusive a expedição de alvará pela prefeitura, indicando, assim, que sabia desde já de sua irregularidade.

Não se sabe bem porque, mas em 17.01.2001 o réu protocolou terceiro pedido, agora pedindo a regularização de uma casa de ‘alvenaria’ (fl. 69) e não mais de madeira como antes. Foi neste procedimento que a Procuradoria Municipal identificou uma série de irregularidades no alvará antes emitido, desde a inobservância de exigências administrativas até um eventual parecer favorável em 1998 emitido por funcionário que não tinha o condão de proferi-lo.

Conclui-se, desta forma, que o acusado, quando foi autuado em 30.11.2000 por estar realizando a construção da casa localizada em zona de preservação permanente, não possuía qualquer autorização para tanto. E a suposta autorização trazida posteriormente (em 05.12.2000) não tem o condão de afastar a tipicidade da sua conduta. Ainda que assim não fosse, pairam inúmeras suspeitas sobre a regularidade do alvará, com ciência inclusive do próprio réu, como indica a sua conduta de requerer nova autorização em janeiro de 2001 mesmo depois de já expedido o documento. Some-se a isto o fato de o alvará se referir à construção de madeira e não de alvenaria, como a que realizou efetivamente (...)” (fls. 193-195)

Ademais, o parecer da Marinha do Brasil, das fls. 71 e 71 v., dá conta que a autorização da obra não era objeto da sua competência, e sim da Prefeitura do referido município, bem como do Departamento de Patrimônio da União (DPU), liberando a obra, apenas, no aspecto de segurança da navegação e quanto ao ordenamento do espaço aquaviário.

E nada ficou demonstrado quanto a essa autorização pelo DPU (ou SPU). Há nos autos, apenas, uma notificação daquele órgão ao réu, refe-rente à inscrição de ocupação por este solicitada, aduzindo a necessidade de serem juntadas plantas em coordenadas do referido imóvel (fl. 63),

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além de certidão do SPU da localização da área em acrescido de marinha, e ofício (fls. 48-49, também do apenso) informando a inexistência de qualquer outorga de uso ao denunciado. A próposito, no seu interroga-tório judicial, o réu afirmou que (...) requereu no SPU autorização para ocupar o imóvel no ano passado, mas ainda não foi deferido, porque eles pediram documento complementar. (fl.28)

Por fim, questiona-se, também, o parecer emitido pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (SDM) do Estado de Santa Catarina – FATMA, no Processo Administrativo nº 2202/00, o qual autorizava a reconstrução da residência familiar do réu no Costão da Prainha, apesar de a área em questão estar inserida em Área de Preser-vação Permanente, de acordo com a Lei Orgânica daquele município (fls. 72-73), fazendo a recomendação de que o requerente encaminhasse referida autorização ao Departamento de Patrimônio da União (DPU), responsável pela regularização de imóveis situados em terras de marinha. Frise-se que se trata de um parecer, e não de uma licença.

Contudo, ainda que tal não fosse, este Tribunal, por meio de sua Quarta Turma, já entendeu que tal órgão (FATMA) não tem competência para autorizar construção em terreno de marinha, em zona costeira, visto constituir-se em bem da União, mormente em se tratando de área non aedificandi, pela legislação do município onde está localizada, inobstante, por ordem constitucional, seja competência comum da União, Estados e Municípios (art. 23, VI e VII, CF) a preservação do meio ambiente. Assim restou ementado o acórdão:

“ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELA UNIÃO. CONSTRUÇÃO DE HOTEL. MUNICÍPIO DE PORTO BELO. ZONA DE PROMONTÓRIO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NON AEDIFI-CANDI. LICENÇA NULA. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. OMISSIS. DESFAZIMENTO DA OBRA.

1. O empreendimento está localizado em área de promontório, considerada de pre-servação permanente pela legislação estadual (Lei nº 5.793/80 e Decreto nº 14.250/81) e pela legislação municipal (Lei Municipal nº 426/84), e, por conseqüência, área non aedificandi, razão pela qual a licença concedida pela FATMA é nula, visto que não respeitou o critério fundamental, a localização do empreendimento.

2. A FATMA não possuía competência para autorizar construção situada em terre-no de marinha, zona costeira, esta considerada como patrimônio nacional pela Carta Magna, visto tratar-se de bem da União, configurando interesse nacional, ultrapassando

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a competência do órgão estadual.3. a 6. omissis.” (ACR 1998.04.01.009684-2/SC, 4ª T., Rel. p/acórdão Juiz Valdemar

Capeletti, julg. em 18.12.2002, DJ 16.04.2003 , p. 168)

O dolo verificou-se na conduta do réu que, livre e conscientemente, procedeu às reformas do prédio, ciente da não-liberação das obras, apesar das advertências da polícia ambiental (fl. 26 do apenso), sendo pouco provável que o acusado, homem com instrução superior, que há muitos anos freqüentava o local, como ele próprio admitiu em seu interrogató-rio judicial, não tivesse noção de que o Costão da Prainha, Lado Norte, Bairro Farol de Santa Marta, fosse área de preservação permanente, fato talvez conhecido até mesmo pelo mais simplório dos pescadores, o que afasta, ainda, eventual alegação de desconhecimento da ilicitude do fato (erro de proibição – art. 21, 2ª parte, CP), até porque essa não exclui o dolo, mas a culpabilidade, e com ele não se confunde.

Ou seja, nada obstante tenha sido advertido pelos policiais militares que procederam à fiscalização ambiental (fls. 26 e 38 do apenso), o denunciado continuou a empreitada, ciente, sem sombra de dúvida, de sua conduta irregular.

A testemunha de acusação Alex Sandro Zeferino, que, à época dos fatos, era comandante da polícia ambiental na região, declarou que: “(...) se recorda que a casa estava em zona de preservação permanente; que em Zona de preservação permanente não pode haver edificações, nem mesmo autorização para tanto (...) que a área em questão acredita o depoente ser área de marinha, e na lei orgânica do município consta quais áreas estão em ZPP (...)” (fl. 120)

De igual forma, manifestou-se Ademir Chaves, policial militar:“(...) que em razão de uma denúncia o depoente e sua equipe foram até o local em que estava edificada a casa do réu; que lembra o depoente que no local havia uma outra residência uni familiar, mas que o réu havia feito uma alteração nesta casa; (...) que a casa do réu está em ZPP e área de marinha (...)” (fl. 121)

Nesse sentido, os acórdãos desta Oitava Turma, de minha relatoria:“PENAL. CRIME AMBIENTAL. CAUSAR DANO À UNIDADE DE CON-

SERVAÇÃO (ARTIGO 40, LEI 9.605/98). CRIME DE DANO. MATERIALIDADE. CONSTRUÇÃO DE OBRA EM TERRENO NÃO EDIFICÁVEL SEM AUTORI-ZAÇÃO ADMINISTRATIVA (ARTIGO 64, LEI 9.605/98). ERRO DE PROIBIÇÃO. OMISSIS.

1. omissis.

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2. Constitui crime ambiental promover a edificação de um cômodo de alvenaria, sem habilitação administrativa, em área considerada de preservação permanente.

3. Não há falar em erro de proibição quando as condições apresentadas pelo agente revelam tratar-se de pessoa com capacidade de entender o caráter lícito de sua conduta.

4. a 6. omissis. (ACR 2002.72.00.007978-1/SC, 8 ª T., Rel. Juiz Luiz Fernando Wowk Penteado, julg. em 16.02.2005, DJU 02.03.2005, p. 556)

PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 63 DA LEI Nº 9.605/98. CONSTRUÇÃO DE CASA DE PRAIA NO FAROL DE SANTA MARTA SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OMISSIS. REITERADOS AVISOS DA COMUNIDADE E DO PRÓPRIO PROCURADOR DA REPÚBLICA QUE ATUA NA REGIÃO. DESCABIMENTO DA TESE DEFENSIVA DE AFASTAMENTO DE DOLO OU DE ERRO DE TIPO.

I. A construção de casa na beira de precipício junto à praia do Farol de Santa Marta/SC, em área de reconhecida preservação permanente, constitui-se no ilícito previsto no art. 63 da Lei nº 9.605/98.

II. omissis.III. Descabida a tese defensiva de ocorrência de erro de tipo porquanto o réu foi reite-

radamente avisado de que era vedada a obra pretendida pelo mesmo naquela região.IV. omissis.” (ACR 2003.04.01.040555-1/SC, 8ª T., Rel. Juiz Luiz Fernando Wowk

Penteado, julg.em 24.03.2004, DJU 14.04.2004, p. 562)

A alegação do acusado, ora apelante, de que o referido prédio se encontra localizado em área urbana, assim definida pela Resolução CONAMA nº 302, não subsiste, porque, analisando-se o regramento editado pelo Conselho, verifica-se, de pronto, que o seu objeto é “o estabelecimento de parâmetros, definições e limites para as Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais e o regime de uso do entorno”, definindo, em seu art. 2º, inciso I, reservatório artificial como “acumulação não natural de água destinada a quaisquer de seus múltiplos usos”, o que, evidentemente, não é o caso dos autos, visto que a área em questão trata-se de zona costeira. (grifos nossos)

Por fim, quanto à absolvição do réu no delito descrito no art. 20 da Lei nº 4.947/66, entendo que, do mesmo modo, andou bem a sentença que considerou atípica a conduta narrada. O réu admitiu, em seu interrogató-rio judicial, que “(...) não invadiu terra alguma; comprou o uso daquela propriedade de terceiros por meio de documento (...) essa pessoa de quem adquiriu o imóvel já tinha a posse há vários anos e tinha comprado a casa de uma pessoa que havia construído em 1970 (...) (fl. 28)”, fato que não foi contestado nem mesmo pelas testemunhas de acusação, as

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quais foram unânimes em declarar que, antes das alterações promovidas pelo réu, já havia outra residência no mesmo local, descaracterizando, portanto, o termo “invasão” constante no tipo penal.

Mantido o decreto condenatório, passo a analisar as penas cominadas.A Juíza a quo fixou a pena-base no limite máximo previsto, consi-

derando desfavoráveis apenas três circunstâncias judiciais, talvez por entender exacerbada a culpabilidade do réu, já que sustentou que “por ser profissional da área, com integral conhecimento da proibição legal, merece reprovabilidade máxima” (fl. 196). Contudo, não obstante ter sido inicialmente fixada muito acima do mínimo legal, afastando-se da jurisprudência dominante desta Corte, entendo que a pena definitiva, estabelecida em 09 (nove) meses, por conta da incidência, na segunda etapa da dosimetria, da atenuante da confissão (art. 65, III, d, CP), torna-se suficiente à reprovação da conduta, razão pela qual deve ficar mantida nesse patamar, diante da ausência de agravantes ou outras atenuantes, ou mesmo de causas de aumento ou de diminuição da pena.

A pena de multa fixada guarda consonância com a pena de detenção.Sendo a condenação inferior a 01 (um) ano, a substituição da pena

privativa de liberdade só pode ser por uma pena de multa ou por uma pena restritiva de direitos, nos termos do § 2º do art. 44 do CP, sendo que a pena que melhor se adapta à hipótese dos autos seria a determinada pela sentença, de prestação de serviços à comunidade consistente na demolição da residência e replantio da vegetação local. (art.9º, in fine, Lei nº 9.605/98)

Contudo, tendo a pena sido aplicada em menos de 01 (um) ano, verifico a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, uma vez que entre a data do fato, em 30.11.2000, e o recebimento da denúncia, em 04.06.2003 (fl. 15), transcorreram mais de 02 (dois) anos, nos termos do que dispõem o inc. VI do art. 109 e o art. 110, § 1º, ambos do CP.

Isso posto, nego provimento a ambas as apelações e, ex officio, re-conheço extinta a punibilidade do réu pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 2005.04.01.023761-4/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde

Suscitante: MM. Juízo da 1ª VF Criminal SFN e JEF Criminal dePorto Alegre/RS

Suscitado: MM. Juízo da 7ª VF de Porto Alegre/RSParte Autora: Alexandre Luzardo da Silva Advogados: Drs. Carmen Garcia e outros

Parte Ré: Delegado de Polícia Federal e Agentes Federais da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal

Interessado: Ministério Público Federal

EMENTA

Conflito negativo de competência. Mandado de segurança. Vara cível e vara criminal. Competência do juízo criminal mantida.

O conhecimento e julgamento de mandado de segurança que busca liberação de bem e documentação correspondente vinculados a proce-dimento penal já distribuído cabe à Vara Criminal pertinente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Re-gião, por unanimidade, julgar improcedente o conflito de competência, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de fevereiro de 2006. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo MM. Juízo da 1ª Vara Fe-deral Criminal, Sistema Financeiro Nacional e Juizado Especial Federal Criminal de Porto Alegre/RS em face do MM. Juízo da 7ª Vara Federal de Porto Alegre/RS, nos autos de mandado de segurança impetrado aos fins de anulação de ato administrativo determinante de cassação de porte de arma de fogo e correspondente apreensão.

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Após exame inicial em regime de plantão, os autos foram enca-minhados à 7ª Vara Federal, que declinou da competência porque “o equipamento apreendido está vinculado ao Termo Circunstanciado nº 002/05-SR/DPF/RS, em trâmite na 1ª Vara Federal Criminal/Juizado Especial Criminal, desta Capital”.

Contra essa decisão foi interposto o AI nº 2005.04.01.015130-6, cujo pedido de efeito suspensivo indeferi, na qualidade de Relator.

O MM. Juízo Suscitante entende que “eventual decisão proferida no âmbito do juízo criminal, no sentido de que tais bens não interessam ao processo, não terá o condão de modificar a decisão administrativa que cassou o porte federal anteriormente concedido ao impetrante e deter-minou a apreensão da arma de fogo, decisão esta cuja verificação da legalidade caberia ao Juízo declinante”. (fls. 269 a 273)

O parecer do Ministério Público Federal (fls. 306 a 311) opina pela competência do MM. Juízo suscitante.

Apresento o processo em Mesa. (RITRF 4ª Região, art. 182, § 2º)É o relatório. Sem revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Inicialmente, observo que, nos autos do AI nº 2005.04.01.015130-6 (cujo julgamento não foi concluído, encontrando-se os autos submetidos a pedido de vista), proferi voto no sentido de reconhecer a competência da Vara Federal Criminal, ora suscitante, nos seguintes termos:

“(...) O mandado de segurança de origem pede a liberação do porte de arma de fogo e de pistola apreendidos em autos de Procedimento Administrativo nº 277-PFA, instaurado em virtude do porte de arma de fogo e carregadores de forma ostensiva e em local de grande aglomeração de pessoas.

A r. decisão agravada tem por fundamento a circunstância de que as informações dão conta de indiciamento do impetrante pela prática de ilícitos penais outros (continui-dade de prestação de serviços pela empresa de vigilância a que vinculado o impetrante sem regular autorização) que resultaram na cassação do porte de arma e apreensão da mesma, bem assim na instauração de Termo Circunstanciado nº 002/05-SR/DPF/RS e encaminhamento à 1ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre/RS.

Daí que, estando a arma à disposição do Juízo Criminal, como prova material dos delitos atribuídos ao ora impetrante, justifica-se o processo e julgamento perante esse mesmo Juízo do writ relativo à liberação do quanto antes apreendido.

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Não labora em sentido contrário a alegação (questão suscitada pelo MM. Juízo ao qual remetidos os autos) dizendo com a ausência de repercussão de eventual decisão de liberação dos bens sobre a cassação do porte federal, certo que se erige inafastável a vinculação ao Juízo criminal. (...)”

E assim entendo deva prevalecer também no presente incidente, razão por que julgo improcedente o conflito.

Ante o exposto, conheço do presente conflito e julgo-o improcedente.É como voto.

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 2005.72.04.009402-2/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Agravante: Ricardo Remor OliveiraAdvogados: Drs. Alexandre Reis de Farias e outro

Agravado: Ministério Público Federal

EMENTA

Execução penal. Prestação de serviços à comunidade. Entidades públicas. Compatibilidade das tarefas com as aptidões do condenado. Jornada normal de trabalho. Prejudicialidade. Prova. Ônus de quem alega. Sanções penais. Fiscalização. Ministério público.

1. A pena substitutiva de prestação de serviços à comunidade, nos ter-mos do art. 46 do Código Penal, dar-se-á tanto em entidades privadas, de caráter comunitário, como em entidades públicas, seja da administração direta ou indireta.

2. As normas dispostas no art. 46, § 3º, do Estatuto Repressivo e no art. 149, inciso I, da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais) têm a finalidade de impedir a imposição de tarefas muito difíceis ou quase impossíveis de serem cumpridas pelo executado, ou seja, visam impos-

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sibilitar a determinação de atividades com nível de dificuldade superior à capacidade do executante, não significando que devam limitar-se a uma área específica em que tenha formação acadêmica.

3. Alegada incompatibilidade entre o horário de atividade laboral regular e o período de prestação de serviços, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, incumbe ao agravante comprovar sua ocorrência.

4. Incumbe ao Ministério Público, seja no âmbito Federal, seja no Estadual, fiscalizar e zelar pelo regular cumprimento das sanções penais.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de junho de 2006. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Trata-se de agravo interposto pelo executado, nos autos do processo de execu-ção penal nº 2005.72.04.009402-2, com fundamento no artigo 197 da Lei nº 7.210/84, contra decisão do Juízo da 2ª Vara Federal Criminal de Criciúma/SC, na qual foi indeferido pedido em que foi postulado que o período de prestação de serviços a ser realizado no Juizado Especial Federal fosse cumprido em outra entidade cadastrada junto ao Juízo, ou mesmo na própria entidade determinada para a realização do restante da carga horária (Asilo São Vicente de Paula). (fl. 32)

Nas razões recursais, o agravante sustentou a ilegalidade da decisão, pois conflitante com o previsto no art. 46, § 2º, do Código Penal, no qual não se exige que a prestação de serviços seja feita junto a repartições públicas, onde se inclui Cartórios Judiciais ou similares. Aduziu que tem formação em medicina e que não possui conhecimentos jurídicos para realizar atividades no Juizado Especial, por isso não restaram observa-das suas aptidões na fixação do local a ser realizada a pena alternativa, contrariando o disposto no art. 46, § 3º, do Estatuto Repressivo e no art. 149, inciso I, da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais). Referiu que

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a limitação do horário de funcionamento da Justiça Federal, das 13h às 18h, dificulta o cumprimento da pena, pois prejudica sua jornada normal de trabalho, o que também afronta o disposto no art. 46, § 3º, do CP. Alegou que não cabe ao Ministério Público definir a adequação acerca da fiscalização da prestação de serviço, sendo essa tarefa do Juízo da Execução, bem como que o fato de ser empresário não pode servir de presunção de desvirtuamento da pena a ser cumprida, nem para prestar serviço degradante, sendo que tais fatores se caracterizam como discri-minatórios. (fls.02-11)

Em petição (fls. 38 e 39), foi postulado pelo executado, em sede de liminar, que continuasse a cumprir a prestação de serviços junto ao Asilo São Vicente de Paula, e não mais junto ao Juizado Especial Federal de Criciúma/SC, o que restou indeferido na decisão da fl. 41.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional da República manifes-tou-se pelo não provimento do agravo. (fls. 44-49)

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Na es-pécie, verifica-se que, em decorrência de condenação penal transitada em julgado, foi determinado ao agravante, a título de pena substitutiva, que prestasse serviços, no mínimo de 05 (cinco) horas semanais, junto ao Juizado Especial Federal de Criciúma/SC, sendo que o restante da carga horária, até o máximo de 14 (quatorze) horas semanais, deveria ser realizado junto ao Asilo São Vicente de Paulo, conforme consta na audiência admonitória. (fl. 58)

As razões elencadas para fundamentar a insurgência em relação à realização de atividade junto ao Juizado Especial de Criciúma/SC não merecem acolhimento.

A alegação de ilegalidade da decisão, em razão de o § 2º do art. 46 do Código Penal não exigir que a prestação de serviços seja feita jun-to a repartições públicas, não prospera. A referida sanção substitutiva encontra-se normatizada em todo art. 46 do Estatuto Repressivo, em que se observa, de forma explícita, no caput e no § 1º desse artigo, que a prestação de serviços poderá ser realizada tanto junto à comunidade como junto a entidades públicas, sendo que no seu § 2º apenas faz referência

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às entidades comunitárias que poderão ser beneficiadas.Aliás, essa conclusão é facilmente obtida com uma breve leitura do

art. 46, caput, §§ 1º e 2º, do Código Penal:“Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável

às condenações superiores a 06 (seis) meses de privação da liberdade.§ 1.º A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na

atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.§ 2.º A prestação de serviços à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais,

hospitais escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.” (Sem grifo no original)

Na abordagem dessa espécie de pena substitutiva, Fernando Capez assim expõe seu posicionamento:

“(...) Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas possui as se-guintes características:

a) consiste na atribuição de tarefas ao condenado, junto a entidades assistenciais, hospitais, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais, ou em benefício de entidades públicas;

(...)i) por entidades públicas devemos entender tanto as pertencentes à Administração

direta quanto à indireta passíveis de serem beneficiadas pela prestação dos serviços. Assim, além da própria Administração direta, podem receber a prestação de serviços as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as autarquias, as entidades subvencionadas pelo Poder Público.

(...)” (Grifo do original) (Curso de Direito Penal: parte geral, v. 1, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 365 e 366)

Ainda sobre o tema, segue o julgado: “PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRESTAÇÃO DE SERVI-

ÇOS À COMUNIDADE. EXECUÇÃO EM ENTIDADE DE CARÁTER EMINEN-TEMENTE PRIVADO. IMPOSSIBILIDADE.

- A execução da pena substitutiva de prestação de serviços pode ocorrer, a teor do art. 46 do CP, tanto em entidades privadas (comunitárias) quanto públicas (sejam elas da Administração pública direta ou indireta). Para a designação de determinado estabelecimento como receptor da mão-de-obra do apenado, todavia, é imprescindível que a entidade desempenhe programas e/ou atividades voltadas ao bem-estar social, bem como esteja previamente credenciada ou conveniada junto ao juízo da execução, nos moldes do art. 149 da Lei nº 7.210/84.” (TRF4, 8ª T., HC 2005.04.01.008708-2/RS, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 15.06.2005, p. 1044)

Ao contrário do que sustenta o agravante, a prestação de serviços

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junto ao Juizado Especial Federal de Criciúma/SC não ofende o disposto no art. 46, § 3º, do Estatuto Repressivo e no art. 149, inciso I, da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), pois há tarefas a serem realizadas que são perfeitamente compatíveis com suas aptidões, como as de cunho administrativo, não exigindo conhecimentos jurídicos para que sejam executadas. Aliás, as normas referidas têm a finalidade de impedir a imposição de tarefas muito difíceis ou quase impossíveis de serem cum-pridas pelo executado, ou seja, visam impossibilitar a determinação de atividades com nível de dificuldade superior à capacidade do executante, não significando que devam limitar-se a uma área específica em que tenha formação acadêmica.

Acerca da questão, transcrevo a decisão em caso análogo:“PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PROCESSO JULGADO EM

MESA. NULIDADE. NOVO JULGAMENTO. EXECUÇÃO DA PENA. LEI Nº 9437/97, ART. 10. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO PELO ART. 111, III, DO CP. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. RAZOÁVEL ADEQUAÇÃO ÀS CONDIÇÕES DO SENTENCIADO. REDUÇÃO DA PENA PECUNIÁRIA BA-SEADA EM DIFICULDADES FINANCEIRAS. RENDIMENTOS NÃO-COMPRO-VADOS. IMPOSSIBILIDADE.

(...)3. O art. 149 da Lei de Execuções Penais determina a observância das aptidões do

apenado, a fim de impedir que seja exigido serviço que exorbite de sua capacidade, o que não ocorre na hipótese de bacharel em Direito encaminhado a instituição de apoio a dependentes químicos ou crianças e adolescentes em situação de risco social, não havendo que se falar em violação ao art. 5º da LEP.

4. A adequação do regime de trabalho prestado pelo apenado, além do caráter punitivo, se destina a promover e estimular sua ressocialização, o que certamente será favorecido pelo contato entre o agravante e os atendidos pelas instituições designadas.

(...)” (TRF4, 7ª T., AGEPN Nº 2004.71.03.002204-4/RS, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, DJU 18.05.2005, p. 896)

No que pertine à alegada ofensa ao § 3º do art. 46 do Código, em virtude do horário de funcionamento da Justiça Federal dificultar o cum-primento da pena, melhor sorte não assiste ao agravante. Diversamente do que sustenta, o horário de funcionamento da Justiça Federal da 4ª Região é das 11h às 19h, sendo que apenas o atendimento ao público dar-se-á no horário das 13h às 18h, conforme regulado nos arts. 163 e 164, caput, do Provimento nº 02, de 01.06.2005, da Corregedoria-Geral

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da Justiça Federal da 4ª-Região:“Art. 163. A Justiça Federal da 4ª Região funcionará no horário compreendido entre

11 (onze) e 19 (dezenove) horas. Art. 164. O atendimento ao público na Justiça Federal da 4ª Região se dará no

horário compreendido entre 13 (treze) e 18 (dezoito) horas e o Setor de Distribuição ou equivalente até as 20 (vinte) horas.”

Verifica-se que no termo da audiência admonitória não há qualquer limitação ao horário para a prestação de serviços junto ao Juizado Es-pecial Federal, nada referindo que deva ser realizado apenas em período de atendimento ao público.

Não bastasse, tem-se que nenhum elemento trouxe o executado para demonstrar a mencionada incompatibilidade entre seu horário de ativida-de laboral regular e o período de prestação de serviços junto ao Juizado Especial Federal. Os documentos das fls. 35 e 36 apenas comprovam a função exercida junto à empresa Cerâmica Urussanga S/A., mas nada esclarecem acerca da questão acima.

Nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, cabe ao agra-vante comprovar a alegada incompatibilidade de horário, ônus que não se desincumbiu.

Quanto à mencionada adequação acerca da fiscalização da pres-tação de serviço não caber ao Ministério Público Federal, tenho que não assiste razão ao executado. O Órgão Ministerial, como instituição permanente e essencial à função jurisdicional, tem, entre outras, as seguintes atribuições previstas no art. 127, caput, e no art. 129, incisos I e II, da CF/88:

“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função juris-dicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância

pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas neces-sárias a sua garantia;”

Não bastasse, a Lei nº 7.210/84 (Lei das Execuções Penais), em seu art. 61, inciso III, e art. 67, assim prescreve:

“Art. 61. São órgãos da execução penal:

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(...)III - O Ministério Público;Art. 67. O Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de segu-

rança, oficiando no processo executivo e nos incidentes da execução.”

Por isso, incumbe, sim, ao Ministério Público, seja no âmbito Federal, seja no Estadual, fiscalizar e zelar pelo regular cumprimento das sanções penais.

Isso posto, voto no sentido de negar provimento ao agravo, nos termos da fundamentação.

HABEAS CORPUS Nº 2006.04.00.020015-5/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Impetrantes: Moacir Leopoldo Haeser e outroPacientes: P. A. F. F.

A. R. F. Impetrado: Juízo Substituto da Vara Federal de Santa Cruz do Sul/RS

EMENTA

Penal. Crime contra a ordem tributária. Artigo 1º, inc. I, da Lei 8.137/90. Processo administrativo-fiscal. Imprescindibilidade do lan-çamento definitivo. Denúncia. Descabimento.

1. Firmou-se o entendimento nesta Corte, ratificado por recentes julgados do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a decisão de-finitiva do processo administrativo-fiscal constitui condição objetiva de punibilidade, eis que os crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.137/90 são materiais, ou de resultado, dependendo para sua consumação dos atos de “suprimir” ou “reduzir” tributo devido. 2. A 4ª Seção deste Regional e as duas Turmas da Corte Suprema vêm reiterando essa orientação. 3.

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In casu, o débito tributário que deu origem ao oferecimento da denúncia permaneceu em discussão na via administrativa durante o transcorrer da instrução criminal. 4. Ausente, na época da propositura da ação penal, o lançamento definitivo procedido pela autoridade competente, incabível o recebimento da peça acusatória, devendo o processo ser anulado ab initio. 5. O prazo prescricional começa a fluir desde o trânsito em julgado da decisão na esfera administrativa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre, 19 de julho de 2006.Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Trata-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Moacir Leopoldo Haeser e Fabíola Haeser, em favor de P. A. F. F. e A. R. F., objetivando o tran-camento da Ação Penal nº 2002.71.11.001353-1, que tramita perante a Vara Federal Criminal de Santa Cruz do Sul/RS.

Segundo se depreende dos documentos que acompanham o writ, o Ministério Público ofereceu denúncia contra os pacientes, dando-os como incursos nas sanções do artigo 1º, incisos I, II e III, da Lei nº 8.137/90 c/c os artigos 71 e 69 do Estatuto Repressivo. A peça acusatória, recebida em 04.07.2002 (fl. 29), narra os fatos nas seguintes letras. (fls. 10/27)

“(...) De acordo com a inclusa representação fiscal para fins penais, que faz parte da presente denúncia, decorrente da ação fiscal realizada nas empresas ESCRITÓRIO CONTÁBIL AUDITOR LTDA. e AUDICON AUDITORIA E ANÁLISES LTDA., restou apurado que as duas pessoas jurídicas possuem o mesmo quadro social e o mesmo sócio-gerente, P. A. F. F., salientando-se que a denunciada A. R. F. também é sócia-gerente da empresa AUDICON, que funcionam no mesmo endereço, se dedicam a atividades semelhantes e, sobretudo, possuem os mesmos clientes, os quais também realizaram transações comerciais com a pessoa física de P. A. F. F.

Assim, das diligências realizadas no ESCRITÓRIO CONTÁBIL AUDITOR LTDA. (fls. 50/62), constatou-se que P. A. F. F. emitia dois tipos de documentos como contra-

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partida aos pagamentos dos clientes: nota fiscal de prestação de serviços (esporádica) e recibo de honorários (geralmente um por mês). As notas fiscais eram registradas como receitas na contabilidade (com exceções) e os recibos de honorários esporadicamente o eram, o que explica a discrepância entre a contabilidade do escritório e a contabili-dade dos clientes, que, diga-se de passagem, é feita pelo próprio denunciado, através do ESCRITÓRIO CONTÁBIL AUDITOR LTDA. Da análise da contabilidade dos clientes fica evidente que tanto as notas fiscais quanto os recibos de honorários eram contabilizados como despesas, o que descarta a possibilidade de estarem os valores constantes dos recibos de honorários contemplados pelo valor da nota fiscal. Nos recibos de honorários, o denunciado inseria a seguinte observação: ‘desobrigado emitir N.F. Art. 6º Lei 10.423/87 e Art. 108 Decreto 26.120/88’. Nota-se que é falsa a informação constante dos recibos de honorários fornecidos aos clientes, uma vez que não há na legislação pátria dispositivo que desobrigue o contribuinte a emitir nota fiscal de pres-tação de serviços. Assim, os recibos de honorários numerados eram escriturados pelo denunciado, através do ESCRITÓRIO CONTÁBIL, como despesa na contabilidade dos seus clientes. Já na sua contabilidade, como receita, o denunciado contabilizava ínfimos valores a título de honorários.

A ação fiscal procedeu, ainda, quanto à empresa ESCRITÓRIO CONTÁBIL AU-DITOR LTDA., ao cotejo dos livros e documentos dos clientes diligenciados com a Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e demais documentos contábeis da empresa. Verificou-se, desta forma, que várias notas fiscais não foram escrituradas ou o foram com outro valor. Da análise das notas fiscais emitidas pela empresa, bem como do seu Livro Razão, observou-se que nem sempre a primeira, a segunda e a terceira via de algumas notas fiscais possuíam o mesmo nome, valor ou data, evidenciando tratar-se de ‘nota-calçada’, com o objetivo de diminuir o resultado tributável (...).

A fiscalização, após diligências realizadas em 18 (dezoito) pessoas jurídicas clientes da empresa ESCRITÓRIO CONTÁBIL AUDITOR LTDA., concluiu que apenas 19,10% dos pagamentos efetuados pelos clientes foram contabilizados como receita do escritório contábil. De cada R$ 100,00 (cem reais) recebidos, o escritório contábil registrou, para fins de pagamento de tributos, apenas R$ 19,10 (dezenove reais e dez centavos) (...).

Das diligências realizadas na AUDICON AUDITORIA E ANÁLISE LTDA., consta-tou-se que as irregularidades apuradas são semelhantes às verificadas no ESCRITÓRIO CONTÁBIL AUDITOR LTDA. A diferença é que na AUDICON os denunciados P. A. F. F. e A. R. F. emitiam apenas notas fiscais em menor número, mas de valores indivi-duais elevados. Na contabilidade das empresas, tais valores eram escriturados como custo, reduzindo o montante do lucro a ser tributado. Na contabilidade da AUDICON, como receita, eram registradas apenas algumas notas, especialmente as de menor valor. Tendo os denunciados apresentado apenas 05 (cinco) notas fiscais emitidas em três anos, restou evidenciado a omissão de receitas, razão pela qual foram realizadas diligências junto a cinco empresas que foram informadas como sendo os clientes da AUDICON.

Verificou a fiscalização que no ano-calendário de 1998, P. A. F. F. e A. R. F. decla-

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raram a empresa contábil como ‘inativa’, o que não corresponde à verdade. No ano de 1999, os denunciados declararam receita no valor de R$ 1.439,19 (mil quatrocentos e trinta e nove reais e dezenove centavos) e no ano de 2000, declararam R$ 20.210,71 (vinte mil, duzentos e dez reais e setenta e um centavos) quando na realidade a receita foi muito maior, pois em apenas cinco clientes foram detectados pagamentos no valor de R$ 241.869,00 (duzentos e quarenta e um mil, oitocentos e sessenta e nove reais). Como resultado destas irregularidades, ao final, os denunciados pagaram apenas R$ 229,62 (duzentos e vinte e nove reais e sessenta e dois centavos) em tributos e contri-buições federais referentes ao período de 1998 a 2000.

Da análise das notas fiscais emitidas pela empresa, das quais apenas cinco foram fornecidas pela AUDICON à fiscalização, observou-se a existência de ‘nota calçada’. A 2ª via da nota emitida em nome de KATAMCH - EMPREENDIMENTOS E PARTI-CIPAÇÕES LTDA., por exemplo, é a única nota em que o ponto - sinal gráfico - separa o real (valor) das duas casas decimais que representam os centavos. Nas demais notas, sempre era usada vírgula para separar as duas últimas casas decimais. O ponto era usado como separador de milhar. Outra evidência é o tipo de serviço cobrado na nota: análise empresarial. Nas outras notas da AUDICON em que são cobrados serviços semelhantes (como, por exemplo, ‘análise econômico-financeira’ ou ‘levantamento empresarial’) o valor cobrado sempre é elevado, variando entre R$ 10.000,00 (dez mil reais) e R$ 30.000,00 (trinta mil reais) . Assim, os denunciados colocaram o papel carbono, de forma a não registrar as três últimas casas decimais, transformando R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) em R$ 25,00 (vinte e cinco reais).

Por fim, através da ação fiscal levada a efeito nas empresas AUDICON AUDITORIA E ANÁLISES LTDA. e ESCRITÓRIO CONTÁBIL AUDITOR LTDA.) e das diligên-cias realizadas em suas empresas clientes, foi apurado que P. A. F. F. sistematicamente deixou de declarar os bens a que estava sujeito por determinação legal, principalmente veículos e imóveis. Foram descobertos bens em seu nome, os quais não constavam de suas Declarações de Bens na Declaração de Ajuste Anual da Pessoa Física ou constavam com valor diferente dos pagamentos registrados na contabilidade das empresas diligen-ciadas, que lhe venderam esses bens. Foram detectados, ainda, em pesquisas nos sistemas internos da Secretaria da Receita Federal, veículos em nome do denunciado que também não constavam de suas (...) Declarações de Ajuste Anual.

No período de 1996 a 2001, a soma dos bens não declarados ou declarados a me-nor foi de R$ 403.248,46 (quatrocentos e três mil, duzentos e quarenta e oito reais e quarenta e seis centavos).

O denunciado declarou dívidas de R$ 230.000,00 (duzentos e trinta mil reais) na Declaração de Ajuste Anual de 2001, ano-calendário de 2000, em relação aos imóveis da empresa ANTAR - EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES e do CONDO-MÍNIO EDIFÍCIO CENTER PLAZA, dividas que não foram por ele comprovadas após ser intimado a respeito. Em diligência na contabilidade destas pessoas jurídicas, a fiscalização apurou apenas R$ 61.489,43 (sessenta e um mil quatrocentos e oitenta e nove reais e quarenta e três centavos) de saldo devedor, o que dá uma diferença de

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R$ 168.510,57 (cento e sessenta e oito mil quinhentos e dez reais e cinqüenta e sete centavos) entre a dívida declarada e o valor relativo ao saldo devedor. Esta informação falsa teve apenas a função de encobrir parte da elevada variação patrimonial a desco-berto do período (...).”

Face a tanto, foi ajuizado o presente mandamus. Citando precedentes jurisprudenciais, sustentam os Impetrantes, em síntese, ausência de justa causa para a ação penal, porquanto se mostra ‘inadmissível receber de-núncia e deflagrar processo criminal enquanto pendentes recursos’ nos procedimentos administrativos-fiscais.

Nesse contexto, requereram a concessão liminar da ordem e sua poste-rior confirmação pela Turma para que seja trancada a referida ação penal.

A tutela de urgência foi deferida “para determinar a suspensão da Ação Penal nº 2002.71.11.001353-1 até o julgamento do presente writ pelo Colegiado”. (fls. 172/178)

A ínclita autoridade impetrada prestou informações (fl. 180/183), e a douta Procuradoria Regional da República manifestou-se pela denegação da ordem. (fls. 185/190)

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: A decisão que deferiu a medida de urgência (fls. 172/178) esgotou o exame da questão sub judice, razão pela qual, para evitar desnecessária tautologia, tomo a liberdade de reproduzir seu conteúdo:

“Examinando os autos, ao menos em primeira análise, verifica-se a procedência do pedido.

Efetivamente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o HC nº 81.611/DF (Rel. Min. Sepúlveda Pertence), deferiu ordem de habeas corpus, ‘por entender que nos crimes do art. 1º da Lei nº 8.137/90, que são materiais ou de resultado, a de-cisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento essencial à exigibilidade da obrigação tributária, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito pre-clusivo da decisão final em sede administrativa.’

A Corte Suprema deixou consignado, ainda, que ‘consumando-se o crime apenas com a constituição definitiva do lançamento, fica sem curso o prazo prescricional’. (Informativo nº 333)

No mesmo sentido foi a decisão proferida no AI nº 419578/SP (Rel. Min. Sepúlveda

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Pertence) assim noticiado no Informativo nº 336:‘Tratando-se de recurso extraordinário criminal, a ausência de prequestionamento

não impede a concessão de habeas corpus de ofício quando a ilegalidade é flagrante e implica constrangimento à liberdade de locomoção. Com base nesse entendimento, a Turma, embora negando provimento a agravo de instrumento por ausência de preques-tionamento, deferiu ‘habeas corpus de ofício para anular, desde a denúncia, inclusive, o processo instaurado em desfavor de condenado pela prática de crime contra a ordem tributária, cuja denúncia fora recebida antes de emitida a decisão final quanto ao cré-dito tributário em sede administrativa. Aplicou-se a orientação firmada pelo Plenário no julgamento do HC 81611 (julgado em 10.12.2003, acórdão pendente de publicação, v. Informativos 286, 326 e 333) no sentido de que, nos crimes do art. 1º da Lei 8.137/90, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia condição objetiva de punibilidade, não se podendo afirmar o montante da obrigação tributária até que haja o efeito preclusivo da decisão final em sede administrativa’.

Veja-se, também, a ementa do seguinte julgado:‘HABEAS CORPUS. PENAL. TRIBUTÁRIO. CRIME DE SUPRESSÃO DE

TRIBUTO (ARTIGO 1º DA LEI Nº 8.137/90). NATUREZA JURÍDICA. ESGOTA-MENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Na linha do julgamento do HC 81.611 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário) os crimes definidos no art. 1º da Lei nº 8.137/90 são materiais, somente se consumando com o lançamento definitivo. 2. Se está pendente recurso administrativo que discute o débito tributário perante as autoridades fazendárias, ainda não há crime, porquanto ‘tributo’ é elemento normativo do tipo. 3. Em conseqüência, não há se falar em início do lapso prescricional, que somente se iniciará com a consumação do delito, nos termos do art. 111, I, do Código Penal.’ (1ª T., HC nº 83.414, Rel. Joaquim Barbosa, publ. no DJU 23.04.2004)

Observa-se, portanto, que o STF consolidou o entendimento de que a decisão de-finitiva do processo administrativo-fiscal constitui condição objetiva de punibilidade, circunstância que impede a instauração da persecutio criminis quando o débito tributário ainda está sendo discutido na esfera administrativa.

Essa tese também restou pacificada nesta Corte por meio da Súmula nº 78, verbis: ‘A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.’

No caso sub judice, perfunctória análise dos autos (fls. 52/62, 63/78 e 79/103) demonstra que, a princípio, os processos administrativos concernentes aos débitos fiscais descritos pelo Ministério Público encontravam-se em fase recursal, por ocasião do recebimento da exordial acusatória.

Com efeito, os procedimentos fiscais de nos 13005000431/2002-48, 13005.000430/2002-01 e 13005.000429/2002-79 tiveram suas impugnações julgadas por órgãos administrativos nas datas de, respectivamente, 27.09.2002, 23.04.2004 e 22.08.2002, sempre ressalvando-se ‘o direito de interpor recurso voluntário ao Conse-

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lho de Contribuintes’ (fls. 52, 63 e 78). Já a denúncia restou acolhida em 04.07.2002, ou seja, quando não estavam ainda definitivamente constituídos os créditos tributários.

Por fim, insta registrar que, em pesquisa ao sistema processual, depreende-se ter sido prolatada, na data de 11.04.2006, sentença de mérito nos autos da lide atacada. Em tal decisum, o ilustre magistrado singular chegou inclusive a reconhecer que ‘o esgotamento das vias administrativas’ deu-se ‘durante o processamento da presente ação penal’.”

Nas informações prestadas, a ínclita autoridade impetrada relatou o seguinte:

“(...) O writ é fundamentado em recentes entendimentos jurisprudenciais e no Enunciado nº 78 do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, segundo os quais a constituição definitiva do crédito triburário configura pressuposto da persecução penal relativamente ao delito tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/90.

Assim, o ponto de discussão que originou o presente Habeas Corpus paira emi-nentemente sobre a validade da decisão que recebeu a denúncia, quando ainda em trâmite o processo administrativo-fiscal.

Inicialmente, considero oportuno destacar que, adotando o atual entendimento sustentado pelos tribunais superiores, o presente Juízo vem rejeitando as denúncias propostas em face de condutas tipificadas no art. 1º da Lei nº 8.137/90, quando ine-xistente a prova do lançamento definitivo do débito, a teor da recente Súmula nº 78 do Colendo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Não obstante, cumpre salientar que, à época em que recebida a denúncia da Ação Penal em questão (04.07.2002), vigorava o entendimento que defendia a desnecessidade da conclusão do processo administrativo-fiscal para a configuração do delito previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90 (ACR 2001.71.13.002013-5 e ACR 2001.04.01.036315-8 do TRF4 e HC 18.978 do STJ). Destarte, tendo em vista o preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP e não restando configuradas nenhuma das hipóteses previstas no art. 43 do CPP, foi devidamente recebida a denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal.

Em decorrência do recebimento da denúncia, o presente Juízo viu-se obstado a manter a decisão, tendo em vista a denominada ‘preclusão lógica’, que veda ao juiz a reconsideração da decisão que recebeu a peça acusatória (ACR 2003.70.01.014615-8 e REOHC 2002.04.01.019622-2 do TRF4). (...).

Outrossim, em relação aos processos administrativos-fiscais, cumpre tecer alguns detalhes. (...).

O lançamento do débito referente à empresa Escritório Contábil Auditor Ltda., autuado sob o nº 13005.000429/2002-79, foi impugnado pelo contribuinte e julgado parcialmente procedente em 1ª instância através de decisão proferida em 22.08.2002, cancelando-se as importâncias decorrentes da quantificação de receita por arbitra-mento. Inexistindo recurso voluntário, os lançamentos julgados procedentes, no valor total de R$ 58.675,18 (cinqüenta e oito mil, seiscentos e setenta e cinco reais e dezoito centavos) (valor sem os encargos legais), foram autuados em apartado, sob o

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nº 13005.000203/2003-59, e enviados para inscrição em dívida ativa em 20.03.2003.Da mesma forma, o lançamento dos débitos da empresa Audicon Auditoria e Aná-

lises Ltda. foi julgado parcialmente procedente em 1ª instância administrativa, através de decisão proferida em 23.04.2004. Os lançamentos procedentes corresponderam ao montante de R$ 20.985,02 (vinte mil, novecentos e oitenta e cinco reais e dois centavos) (valor sem os encargos legais). A decisão não estava sujeita a recurso de ofício (art. 34, I, do Decreto nº 70.235/72 c/c o art. 2º da Portaria MF nº 375/01) e não foi objeto de recurso voluntário. Assim, o débito foi enviado para inscrição em dívida ativa em 19.08.2004. (...).

O exame dos dados acima transcritos resulta na constatação de que os processos administrativos que culminaram na constituição dos débitos tributários encerraram--se antes do término da fase de instrução da Ação Penal (14.10.2005, data em que se iniciou o prazo para apresentação das alegações finais do MPF). (...).”

In casu, inexistindo lançamento definitivo, a peça acusatória não po-deria ter sido acolhida, eis que não exaurida a instância administrativa completando o resultado da conduta delituosa, o que, como visto, só veio a ocorrer posteriormente.

Logo, afigura-se impositiva a anulação ab initio da ação penal. A fluência da prescrição, na linha dos precedentes do STF e desta Corte, somente começou a transcorrer quando da decisão definitiva que manteve o lançamento fiscal.

Nesse contexto, mister salientar que o processo-crime instaurado em desfavor dos pacientes é realmente nulo, pois na ocasião inexistia a certeza da materialidade delitiva necessária ao recebimento da denúncia, faltando condição essencial de procedibilidade.

Ante o exposto, concedo a ordem para anular ab initio a ação penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia pelo Ministério Público.

HABEAS CORPUS Nº 2006.04.00.025222-2/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 123-542, 2006332

Impetrante: Werner BackesPacientes: O. S.

A. C. S. Impetrado: Juízo Substituto da 1ª VF e JEF Criminal de Criciúma/SC

EMENTA

Habeas corpus. Crime de poluição ambiental. Art. 54 da Lei nº 9.605/98. Falta de interesse direto da União. Competência da justiça estadual.

1. Inexistindo lesão direta e específica a bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, não com-pete ao Judiciário Federal a persecutio in iudicio do crime de poluição ambiental. (art. 54 da Lei nº 9.605/98)

2. O fato de a pessoa jurídica empregar minérios como matéria--prima (com a devida autorização governamental) não significa, ne-cessariamente, que a poluição causada pela ausência de filtros em seus equipamentos exaustores justifique a aplicação da regra estatuída no artigo 109, IV, da CF/88.

3. Se o bem jurídico em tese violado consiste na saúde da comunidade vizinha à empresa dos réus, assim como na preservação da flora e da fauna de área tutelada por lei municipal, deve o feito ser processado e julgado pela Justiça Estadual.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre, 27 de setembro de 2006.Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Werner Backes, em favor de O. S. e A. C. S., objetivando o trancamento da ação penal nº 2006.72.04.000607-1.

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Conforme se depreende dos documentos que acompanham o writ, o Ministério Público ofereceu denúncia contra os pacientes, ao lado da pessoa jurídica SETEP – Topografia e Construções Ltda., dando-os como incursos nas sanções do artigo 54 da Lei nº 9.605/98, c/c o artigo 3º desse mesmo diploma, pela prática das seguintes irregularidades:

“Nos meses de outubro a dezembro de 2004, a empresa SETEP – Topografia e Construções Ltda., estando sob a responsabilidade legal dos réus O. S. e A. C. S., desenvolvia as suas atividades de usinagem de asfalto e britagem junto à localidade de Rio Maior, no Município de Urussanga/SC, sem a utilização de filtro de manga na sua chaminé, causando tamanha poluição que poderia resultar (ou estava resultando) em danos à saúde humana.

Segundo correspondência encaminhada ao Ministério Público Federal pela Asso-ciação Comunitária do Rio Maior – ACRIMA em 18.11.2004 (fl. 04), a população con-tinuava sofrendo com a poluição emitida pelas atividades desenvolvidas pela empresa, sendo que a fumaça escura que emergia da usina de asfalto e a poeira impregnada de óleo eram indícios de que o filtro de manga poderia não existir ou ser ineficiente, e a poeira da britagem, unidos ao forte cheiro de óleo no ar em determinados dias, além de algumas detonações sentidas ainda como fortes em algumas propriedades estavam (ou estão) transformando a Área de Proteção Ambiental do Rio Maior em uma área fortemente ameaçada num raio de cerca de 5 (cinco) quilômetros do local das atividades.

As fotografias de fls. 05/07 mostram a quantidade de fumaça ‘escura’ que saía da chaminé da usina de asfalto da SETEP – Topografia e Construções Ltda.

Na data de 02.12.2004, no Centro Comunitário do Rio Maior, Município de Urussan-ga/SC, realizou-se uma reunião entre o Ministério Público Federal, a empresa SETEP – Topografia e Construções Ltda., o Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnológicas da Universidade do Extremo Sul Catarinense – IPAT/UNESC, a Fundação do Meio Am-biente – FATMA, o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM e a Associa-ção Comunitária do Rio Maior – ACRIMA, com o objetivo de prestar esclarecimentos, àquela comunidade, acerca do estudo elaborado pelo IPAT/UNESC sobre os possíveis problemas decorrentes das atividades de exploração e extração de diabásio, britagem e usina de asfalto que vêm sendo desenvolvidos pela empresa SETEP naquele local.

Na ocasião, os representantes da empresa SETEP, após lhes serem mostradas, pelo signatário, as fotografias de fls. 05/07, confirmaram que ela chegou a operar, em alguns dias, com o ‘filtro de manga’ quebrado, mesmo sabendo da ausência de permissão legal, em razão de pressão do Governo do Estado de SC para produção de asfalto para tapar buracos nas rodovias. Ressalta-se que os Srs. Amilto Guidi, Gerente de Desen-volvimento Ambiental da FATMA, e Dario Valiati, geólogo do DNPM, que estavam na reunião, efetivamente presenciaram o acontecimento narrado no parágrafo anterior, tendo confirmado os fatos em depoimento prestado posteriormente nesta Procuradoria da República (...).

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Assim, por causarem poluição em níveis tais que pudessem resultar (ou restavam resultando) em danos à saúde humana, incorreram os denunciados no delito tipificado no artigo 54, caput, da Lei nº 9.605/98, in verbis:

‘(...) Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.’

Esclarece-se que a responsabilidade penal da pessoa jurídica só é possível quando o crime for praticado por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, mas sempre no interesse ou benefício de sua entidade, segundo o artigo 3º da sobredita Lei Ambiental, que dispõe:

‘As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade.’

Registre-se que a pena imposta à pessoa jurídica não atingirá os integrantes do ente jurídico, uma vez que o artigo 21 da Lei Ambiental determina que as penas aplicáveis aos entes coletivos seja de multa, restritiva de direitos ou de prestação de serviços à comunidade, não podendo a sanção ter outra natureza senão a civil ou a administrativa, por força do dispositivo legal.

Relativamente à pena restritiva de direitos aplicável à pessoa jurídica, o artigo 22 da Lei nº 9.605/98 assim determina:

‘(...) As penas restritivas de direito da pessoa jurídica são: I - Suspensão parcial ou total de atividades; II - Interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - Proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.’

Ressalte-se que a competência da Justiça Federal para apreciar o presente feito decorre porque o delito em análise deu-se em detrimento de bem e serviço da União Federal, uma vez que a atividade de mineração é realizada mediante a concessão e fiscalização federal através do Departamento Nacional de Produção Mineral, por serem os recursos minerais patrimônio da União, na forma do artigo 20, inciso IX, da CF/88 (...).

Por sua vez, o artigo 1º do Código de Minas dispõe que ‘compete à União administrar os recursos minerais, a indústria de produção mineral e a distribuição, o comércio e o consumo de produtos minerais’.” (fls. 41/47)

Face a tanto, foi ajuizado o presente writ. Nas razões (fls. 02/27), o impetrante aduz não possuir o Juízo a quo competência jurisdicional, pois inexiste, nas práticas delitivas em tese perpetradas, qualquer prejuízo a bens, serviços ou interesses da União. Sustenta que ‘o simples fato da extração de pedra de basalto ser objeto de autorização e fiscalização

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por parte do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM’ não torna a autoridade impetrada competente para processar e julgar o feito. Alega, também, que as jazidas e a usina de asfalto se encontram em imóvel da própria empresa, localizada em área de preservação ambiental instituída pelo Município de Urussanga/SC, sem ingerência do Poder Federal. Sustenta, ainda, a inépcia da peça acusatória, por não descrever de forma específica a conduta dos pacientes, não havendo indícios de que os mesmos, sócios minoritários da empresa, tenham participação nos supostos ilícitos. Refere, por fim, que o Parquet não logrou instruir a denúncia com provas da materialidade delitiva ou de dano efetivo ao meio ambiente.

Nesse contexto, requereu a concessão liminar da ordem e sua poste-rior confirmação pela Turma para que seja declarada a incompetência da Justiça Federal, ou, subsidiariamente, a inépcia da peça acusatória.

A tutela de urgência foi indeferida. (fls. 235/238)A ínclita autoridade impetrada prestou informações (fl. 241/242), e a

douta Procuradoria Regional da República, oficiando no feito, manifes-tou-se pela denegação da medida. (fls. 244/252)

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Versa o presente habeas corpus sobre a competência para processar e julgar eventual crime de poluição, previsto no artigo 54 da Lei nº 9.605/98, assim redigido:

“Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”

Com o advento da novel legislação ambiental, surgiu controvérsia sobre a competência para processar e julgar as infrações nela previstas. O veto presidencial ao parágrafo único do art. 26 da referida Lei foi exarado nas seguintes letras:

“A formulação equivocada contida no presente dispositivo enseja entendimento segundo o qual todos os crimes ambientais estariam submetidos à competência da Justiça Federal. Em verdade são de competência da Justiça Federal os crimes prati-cados em detrimento de bens e serviços ou interesse da União, ou de suas entidades

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autárquicas ou empresas públicas. Assim sendo, há crimes ambientais de competência da Justiça Estadual e da Justiça Federal. A intenção do legislador de permitir que o processo-crime de competência da Justiça Federal seja instaurado na Justiça Estadual, quando a localidade não for sede de Juízo Federal (CF, art. 109, § 3º), deverá, pois, ser perseguida em projeto de lei autônomo”.

Tendo em vista que o artigo 23, VI e VII, da Constituição Federal con-fere à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios proteção ao meio ambiente e o fato de que não há dispositivo legal expresso quanto à competência para julgamento dos crimes contra esse bem jurídico, deve-se então atentar para o art. 109, IV, da CF/88. Somente poderá a Justiça Federal processar e julgar crime contra a fauna e a flora quando houver lesão a bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas.

Veja-se orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIMES CONTRA A FAUNA. SÚMULA 91/STJ. INAPLICABILIDADE APÓS O ADVENTO DA LEI 9.605/98. INE-XISTÊNCIA DE LESÃO A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. 1. Conflito de competência entre as Justiças Estadual e Federal que se declaram incompetentes relativamente a inquérito policial instaurado para a apuração do crime de comércio irregular de animais silvestres. 2. Em sendo a proteção ao meio ambiente matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e inexistindo, quanto aos crimes ambientais, dispositivo constitucional ou legal expresso sobre qual a Justiça competente para o seu julgamento, tem-se que, em regra, o processo e o julgamento dos crimes ambientais é de competência da Justiça Comum Estadual. 3. Inexistindo, em princípio, qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União (artigo 109 da CF), afasta-se a competência da Justiça Federal para o processo e o julgamento de crimes cometidos contra o meio ambiente, aí compreendidos os delitos praticados contra a fauna e a flora. 4. Inaplicabilidade da Súmula nº 91/STJ, editada com base na Lei 5.197/67, após o advento da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. 5. Conflito conhecido para que seja declarada a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal do Foro Regional V - São Miguel Paulista - São Paulo/SP, o suscitado.” (CC nº 27848/SP, Rel. Min. Hamílton Carvalhido, 3ª S., publ. no DJ 19.02.2001, p. 135)

No voto condutor desse acórdão, consta importante manifestação sobre o tema em debate:

“Ao que se tem, em sendo a proteção ao meio ambiente matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e inexistindo,

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quanto aos crimes ambientais, dispositivo constitucional ou legal expresso sobre qual a Justiça competente para o seu julgamento, tem-se que, em regra, o processo e o jul-gamento dos crimes ambientais é de competência da Justiça Comum Estadual (...) a da Justiça Federal é remanescente ou residual. Daí porque inexistindo, em princípio, qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União (artigo 109 da Constituição Federal), como na espécie, afasta-se a competência da Justiça Federal para o processo e o julgamento de crimes cometidos contra o meio ambiente, aí compreendidos os delitos praticados contra a fauna e a flora”.

A jurisprudência pátria, de forma reiterada, tem adotado esse enten-dimento:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA FEDERAL E A ESTADUAL. CRIME AMBIENTAL. LEI Nº 9.605/98, ARTIGO 34. LESÃO A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO NÃO DEMONSTRADA. COM-PETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A teor do disposto nos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, é da competência comum da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios proteger o meio ambiente, preservando a fauna, bem como legislar con-correntemente sobre essas matérias. 2. Após o advento da Lei nº 9.605/98, que dispõe sobre os crimes ambientais, mas não estabelece onde tramitarão as respectivas ações penais, a definição da competência se dará com a verificação de existir, na prática tida como delituosa, lesão a bens, serviços ou interesse da União, com a aplicação do contido no artigo 109, IV, da Constituição Federal, inocorrente na espécie. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Patrocínio/MG.” (STJ, 3ª S., CC nº 31759/MG, Rel. Min. Paulo Gallotti, publ. no DJU 12.11.2001, p. 126)

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A FAUNA (MEIO AM-BIENTE). COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL E ESTADUAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO INTERESSE ESPECÍFICO FEDERAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO NÃO PROVIDO. 1. A competência para processar e julgar crimes cometidos contra o meio ambiente não é exclusiva da Justiça Federal, em razão do interesse comum que a Constituição Federal atribui aos entes federados (artigos 23, VI e XI, e 225). 2. Para fins de definição da competência da Justiça Federal, a lesão a bens, interesses ou serviços da União ou de suas autarquias deve ser específica. Não é suficiente o interesse genérico. 3. Recurso do Ministério Público Federal não provido.” (TRF1, RCCR nº 2001.03.20.0011330-8, 4ª T., Rel. Des. Carlos Olavo, publ. no DJU 26.03.2003, p. 65)

Em suma, a competência da Justiça Federal, no que pertine aos crimes contra a natureza, deve ficar adstrita àqueles praticados em detrimento dos bens da União, quais sejam, exemplificativamente, as terras devo-lutas indispensáveis à defesa das fronteiras, os lagos, rios e quaisquer

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correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a ter-ritório estrangeiro ou dele provenham, praias marítimas, mar territorial, terrenos de marinha, terras ocupadas pelos índios (CF art. 20). Também estão sujeitos à jurisdição federal os delitos que ofendem objetivamente interesse da União ou suas autarquias e empresas públicas.

Nesse contexto, o exame dos feitos relacionados ao delito de poluição ambiental previsto no artigo 54 da referida norma, de regra, compete ao Judiciário Estadual.

Na hipótese sub judice, o órgão acusatório defende a competência da Justiça Federal aduzindo que a empresa exerce “atividade de mineração, realizada mediante concessão e fiscalização federal através do Departa-mento Nacional de Produção Mineral, por serem os recursos minerais patrimônio da União, na forma do artigo 20, inciso IX, da CF/88”. (fl. 33)

Entretanto, a toda evidência, do fato de a pessoa jurídica empregar minérios como matéria-prima (ao que tudo indica, com a devida auto-rização governamental) não significa, necessariamente, que a poluição causada pela ausência de filtros em seus equipamentos exaustores ofenda bens e interesses da União.

Com efeito, o próprio órgão ministerial informa, na peça acusatória, que “a população continuava sofrendo com a poluição emitida pelas atividades desenvolvidas pela empresa” (fl. 42). Por outro lado, a Área de Proteção Ambiental do Rio Maior, onde os eventos ocorreram, foi instituída pela Lei Municipal nº 1.665/98 (fls. 221/227) não se consta-tando até aqui qualquer interesse federal.

Ora, se o bem jurídico em tese violado consiste na saúde e no bem-estar da comunidade vizinha à empresa dos réus, assim como na preservação da flora e da fauna de região protegida por diploma normativo da cidade de Urussanga/SC, cabe exclusivamente à Justiça Comum processar e julgar o feito.

Sobre o tema, observe-se ainda o seguinte precedente desta Turma, mencionado pelo Impetrante na inicial:

“PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ART. 109, IV, DA CF. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO. FISCALIZAÇÃO DA ATIVIDADE PO-LUIDORA POR ÓRGÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE ESPECÍFICO DA

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UNIÃO. Compete ao Judiciário Federal, nos termos do art. 109, IV, da Carta Magna, processar e julgar os delitos perpetrados contra o meio ambiente tão-somente quando praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. O fato de a atividade minerária ser fiscalizada pelo DNPM (autarquia federal) não desloca para a Justiça Federal a competência para o processamento e julgamento dos crimes ambientais que desta atividade decorram.” (Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, publ. no DJU 16.02.2005)

Do voto condutor do aludido julgado constam os seguintes fundamentos:“(...) É cediço que a competência da Justiça Federal é aquela que vem expressamente

prevista na Carta Magna, não podendo, por isso mesmo, ser alargada ou restringida pela lei ordinária.

Consoante já assentou a Colenda 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no jul-gamento do Conflito de Competência nº 35058/SP, ‘(...) em sendo a proteção ao meio ambiente matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e inexistindo, quanto aos crimes ambientais, dispositivo constitucional ou legal expresso sobre qual a Justiça competente para o seu julgamento, tem-se que, em regra, o processo e julgamento dos crimes ambientais é de competência da Justi-ça Comum Estadual. É que a competência da Justiça Federal é constitucionalmente expressa, enquanto a Estadual é remanescente ou residual. De tanto, resulta que, em inexistindo qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União (artigo 109 da Constituição Federal), não há falar em competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de crimes cometidos contra o meio ambiente (...)’ (Rel. Min. Hamilton Carvalhido; DJ 19.12.2002, p. 328)

Na hipótese em tela, segundo consta da denúncia, os resíduos poluidores foram lançados diretamente no Rio Sangão, que é afluente do Rio Mãe Luzia, sendo este um dos principais formadores do Rio Araranguá. No entanto, nenhum destes rios é de domínio federal, bem como não banham eles mais de um Estado, não servem de limites com outros países, ou se estendem a território estrangeiro ou dele provêm. Assim, não se enquadram no conceito de bem da União, nos termos do art. 20, III, da Constituição Federal.

Não se alegue, outrossim, que a competência federal estaria evidenciada pelo fato de que os danos decorreram de atividade de mineração e que os recursos do subsolo são bens da União, bem como que a fiscalização da atividade mineradora cabe a órgão federal - DNPM.

Isso porque a conduta descrita na exordial acusatória não atentou contra os bens do subsolo (estes sim bens da União), mas causou poluição de rios que se encontram em âmbito estadual e que, conforme já mencionado, não se enquadram no rol do art. 20, III, da Magna Carta. Também o fato de a fiscalização da atividade causadora dos danos competir ao DNPM não é suficiente à fixação da competência da Justiça Federal. A jurisprudência, sobre esta questão, tem entendido que é necessário um interesse direto

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e específico da União, não bastando a verificação de interesse meramente genérico, como ocorre nos casos em que a fiscalização da atividade compete à entidade federal.”

Por fim, cumpre ressaltar que seria possível cogitar da competência federal, se as supostas práticas delitivas se amoldassem aos artigos 2º da Lei nº 8.176/91 (“Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo”) e 55 da Lei nº 9.605/98 (“Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida). Entretanto, a peça acusatória não relata essas condutas e, segundo informou a Fundação do Meio Ambiente – FATMA (fl. 148), os agentes possuem as devidas licenças para as operações relativas à usina de asfalto, com emprego de recursos minerais.

Ante o exposto, concedo a ordem para, afastando a competência da 1ª Vara Federal de Criciúma/SC, determinar a remessa da ação penal número 2006.72.04.000607-1 à Justiça Estadual, estendendo os efeitos da presente decisão aos co-denunciados.

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DIREITO PREVIDENCIÁRIO

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.70.01.014088-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

Apelante: Jelsumino VareschiAdvogado: Dr. Pedro Dejneka

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

Apelados: (os mesmos)Remetente: Juízo Substituto da 2ª VF de Londrina

EMENTA

Previdenciário. Atividade urbana incontroversa. Cômputo de tempo de labor rural. Regime de economia familiar. Contribuições. Recolhi-mento. Desnecessidade. Declaração de sindicato rural homologada pelo Ministério Público. Prova suficiente. Enquadramento na escala de salários-base. Aposentadoria por tempo de serviço. Revisão do benefício.

1. O tempo de labor na atividade rural exercido em regime de econo-mia familiar, em período anterior à Lei 8.213/91, pode ser adicionado ao tempo de serviço urbano para fins de aposentadoria por tempo de serviço, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, salvo na hipótese da contagem recíproca noutro regime previdenciário, a teor do disposto nos artigos 55, parágrafos 1º e 2º, 94 e 96, inciso IV, todos da Lei nº 8.213/91, e 201, parágrafo 9º, da Constituição Federal de 1988.

2. Declaração firmada por Sindicato de Trabalhadores Rurais, de-vidamente homologada por membro do Ministério Público, no que se refere aos requerimentos de aposentadoria formulados até abril de 1995,

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é prova suficiente para o reconhecimento do exercício de atividade como rurícola. Precedentes desta Corte e do STJ.

3. Comprovado o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, o respectivo tempo de serviço deve ser computado pela Autar-quia Previdenciária, para fins de revisão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço.

4. Cuidando-se de filiação anterior a 09.12.91, possível o enquadramento com apoio na legislação anterior à Lei 8.213/91, que previa o escalamento e enquadramento nas classes segundo o tempo de filiação (arts. 226 do Dec. 72.771/73 e 137 do Dec. 89.312/84). Não cumprido o interstício mínimo de permanência na classe na qual se deu o enquadramento original, vedada a progressão do segurado para a classe seguinte.

5. Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20 salários mínimos após a entrada em vigor da Lei nº 7.787/89. Inteligência da Súmula n° 50 deste Tribunal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e à remes-sa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de junho de 2006. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Trata-se de apelações e remessa oficial em ação na qual a parte autora pleiteou o reconhecimento do tempo de serviço rural no período de 01.01.57 a 01.05.66, bem como fosse reconhecido como correto o seu enquadramen-to na classe 10 da escala de salários-base, validando os seus salários-de--contribuição efetuados desde setembro/91, com a conseqüente revisão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço concedido, desde o requerimento administrativo. (03.11.94)

Encerrada a instrução, sobreveio sentença (fls. 305-308) que julgou parcialmente procedente o pedido constante da inicial para reconhecer

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os períodos de 02.01.59 a 31.12.62 e de 01.01.66 a 30.03.66 como tempo de serviço rural laborado pelo autor, condenando o INSS a revisar o seu benefício de aposentadoria por tempo de serviço, desde o requerimento administrativo, observada a prescrição das parcelas anteriores aos últimos cinco anos, contados do ajuizamento da ação (12.12.00). Condenou o INSS, ainda, ao pagamento das diferenças devidas corrigidas moneta-riamente pelo INPC (de julho/95 a abril/96) e pelo IGP-DI (a partir de maio/96) e acrescidas de juros de 1% ao mês, a contar da citação. Em face da sucumbência recíproca, condenou o autor ao pagamento da metade das custas processuais, a autarquia a reembolsar o autor da metade do custo da perícia realizada, fixando os honorários advocatícios em 10% das parcelas vencidas até a sentença e atribuindo metade de tal importância a cada parte, restando compensada.

Irresignado, interpôs o autor recurso de apelação (fls. 310-337), sustentando, em síntese, que com o advento da Lei n° 7.787, de junho de 1989, restou equivocadamente enquadrado na classe oito da escala de salários-base, assim permanecendo até a edição da Lei n° 8.212/91, quando, com base disposto no § 12 do seu artigo 29, retornou à classe dez, pois já havia cumprido todos os interstícios das classes compreendidas entre esta e aquela para a qual havia regredido. Afirma que, desde 1984, os valores sobre os quais contribuía para a previdência eram superiores a dez salários mínimos, razão pela qual faz jus ao enquadramento na classe dez da escala de contribuição, e não na oito.

O INSS, por sua vez, também apresentou recurso de apelação (fls. 340-345), alegando a ausência de início de prova documental do período rural reconhecido.

Com contra-razões de ambas as partes vieram os autos a este Tribunal.É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Busca a parte autora a revisão do seu benefício de aposentadoria por tempo de serviço, cingindo-se a controvérsia ao reconhecimento do tempo de atividade rural nos períodos de 02.01.59 a 31.12.62 e de 01.01.66 a 30.03.66, bem como a saber-se em qual classe da escala de salários-base

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teria direito o demandante de ver-se enquadrado.

Remessa oficial Inicialmente, cabe anotar que o art. 475, § 2º, do CPC não tem aplicação

na espécie, porquanto nesta fase do processo não é possível determinar se o valor da controvérsia recursal é inferior a sessenta salários mínimos.

Requisitos para a aposentadoria por tempo de serviço até a EC nº 20/98Cumpre referir que a Emenda Constitucional nº 20/98 expressamen-

te garantiu o direito adquirido à concessão de aposentadoria e pensão, a qualquer tempo, aos segurados e dependentes que até a data da sua publicação (16.12.98) tivessem cumprido os requisitos para a obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.

Dessa forma, a despeito da profunda alteração promovida pela Emenda Constitucional quanto à aposentadoria por tempo de serviço, é impres-cindível, para o deslinde do caso concreto, o exame dos requisitos da lei anterior.

Os artigos 52 a 56 da Lei nº 8.213/91 cuidaram da aposentadoria por tempo de serviço. Dispõem os arts. 52 e 53:

“Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do sexo masculino.

Art. 53. A aposentadoria por tempo de serviço, observado o disposto na Seção III deste Capítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de:

I. para a mulher: 70% do salário-de-benefício aos 25 anos de serviço, mais 6% deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% do salário--de-benefício aos 30 anos de serviço;

II. para o homem: 70% do salário-de-benefício aos 30 anos de serviço, mais 6% deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% do salário--de-benefício aos 35 anos de serviço.”

Assim, para o cômputo do tempo de serviço até 16.12.98, o segurado tem que comprovar no mínimo 25 anos de tempo de serviço, se mulher, e 30, se homem, o que lhe dá direito à aposentadoria no valor de 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100%, o que se dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.

Dispensa do recolhimento de contribuições

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Tratando-se de aposentadoria por tempo de serviço, o art. 55, § 2º, da Lei 8.213/91 previu o cômputo do tempo rural, independentemente de contribuições, quando anterior à sua vigência, verbis:

“§ 2º. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das con-tribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.” (grifei)

Destarte, o tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei 8.213/91 pode ser computado para a aposentadoria por tempo de serviço, sem recolhimento de contribuições, por expressa ressalva do § 2º do art. 55 da referida lei, salvo para carência. Frise-se que o e. Superior Tribunal de Justiça pacificou a matéria recentemente, por sua 3ª Seção, consoante o seguinte precedente: EREsp 576741/RS, Min. Hélio Quaglia Barbosa, 3ª Seção, DJ 06.06.05, p. 178. O e. Supremo Tribunal Federal possui o mesmo posicionamento. (AgRg.RE 369.655/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 22.04.2005 e AgRg no RE 339.351/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 15.04.2005)

Ressalte-se que o tempo de serviço rural sem o recolhimento das con-tribuições, em se tratando de regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais dependentes do grupo familiar que com ele laboram. (STJ – REsp 506.959/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julg. em 07.10.2003; REsp 603.202, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julg. em 06.05.2004)

Cálculo do salário-de-benefício Além disso, o salário-de-benefício é calculado pela média aritmética

simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imedia-tamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36, apurados em período não superior a 48 meses, devidamente atualizados, mês a mês, não havendo, neste caso, nenhuma influência do fator previdenciário.

Comprovação do tempo de atividade rural Quanto ao tempo de serviço rural, cujo reconhecimento é ora pleite-

ado, este pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, não se admitindo esta última com exclusividade (art. 55, § 3º, da

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Lei nº 8.213/91 e Súmula 149 do STJ), exceto no tocante aos bóias-frias. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de alternância das provas ali referidas. Desse modo, o que importa é a apresentação de documentos que caracterizem o efetivo exercício da atividade rural, os quais não necessitam figurar em nome da parte au-tora para serem tidos como início de prova do trabalho rural, pois não há essa exigência na lei e, de regra, nesse tipo de entidade familiar os atos negociais são efetivados em nome de uma só pessoa, geralmente o genitor. Nesse sentido: EDREsp 297.823/SP, STJ, 5ª T, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 26.08.2002, p. 283; AMS 2001.72.06.001187-6/SC, TRF4ªR, 5ªT, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 05.06.2002, p. 293. A qualificação de lavrador ou agricultor em atos do registro civil tem sido considerada, também, como início de prova material, se con-temporânea aos fatos, podendo estender-se ao cônjuge, se caracterizado o regime de economia familiar (STJ – AgRg no REsp 318511/SP, 6ª T, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 01.03.2004, p. 201, e AgRg nos EDcl no Ag 561483/SP, 5ª T, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 24.05.2004, p. 341). Ademais, não se exige prova material plena da atividade rural em todo o período requerido, mas início de prova material, o que vai ao encontro da realidade social no sentido de não inviabilizar a concessão desse tipo de benefício.

Do caso em apreço No caso em exame, a parte autora apresentou declaração do Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de Sertanópolis/PR homologada pelo Minis-tério Público (fls. 28-30), dando conta do exercício de atividade rural no período de 02.01.59 a 30.03.66, sendo que, no que diz respeito aos requerimentos realizados até abril de 1995, aquele documento é prova suficiente para ensejar o reconhecimento do tempo de trabalho rural, como se pode ver dos arestos abaixo transcritos:

“PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DO TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. EXISTÊNCIA DE PROVA EXCLUSIVA-MENTE DOCUMENTAL. POSSIBILIDADE.

1. A comprovação do tempo de serviço rural pode ser feita apenas por documentos escritos; o que a Lei 8.213/91, art. 55, § 3º, não permite é a prova exclusivamente testemunhal. (Súmula 149/STJ)

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2. Declaração firmada por Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada por membro do Ministério Público, é suficiente para o reconhecimento do exercício de atividade rurícola pelo recorrente no período por ele mencionado na inicial.

3. Recurso conhecido e provido.” (STJ, REsp nº 254.144/SC, Rel. Min. Edson Vidigal, 5ª T., DJ 14.08.2000, p. 200)

“PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. PROVA. DECLARAÇÃO DO SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS HOMOLOGADA PELO MI-NISTÉRIO PÚBLICO . VALIDADE.

O entendimento firmado por esta Corte, no que diz respeito aos requerimentos realizados até abril de 1995, é que a declaração do sindicato dos trabalhadores rurais devidamente homologada pelo Ministério Público é prova suficiente para ensejar a concessão do benefício. (Lei nº 8.213/91, art. 106 - redação vigente até abril de 1995)” (EIAC 2000.04.01.060085-1/RS, 3ª S., Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 19.06.2002)

Vale destacar que, do período homologado, o INSS já havia reconhe-cido administrativamente o interregno de 01.01.63 a 31.12.65. (fl. 68)

Depreende-se, portanto, que restou comprovado o labor rural no período reconhecido na sentença, ou seja, de 02.01.59 a 31.12.62 e de 01.01.66 a 30.03.66, tendo em conta a declaração do exercício de ativi-dade rural trazida pelo autor, devidamente homologada pelo órgão do Ministério Público.

Do enquadramento do autor na escala de salários-baseQuanto ao enquadramento do autor na escala de salários-base, possuin-

do este mais de 20 (vinte) anos de filiação ao sistema quando solicitou sua inscrição como contribuinte autônomo, em fevereiro/87 (item d do laudo pericial trazido aos autos – fl. 200), fazia jus ao enquadramento na classe 09, de acordo com a tabela constante do artigo 226 do Decreto nº 72.771/73, vigente à época da solicitação da inscrição, tendo, nesse sentido, já decidido a 3ª Seção desta Corte:

“PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. REVISÃO DE APOSEN-TADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ENQUADRAMENTO NA ESCALA DE SALÁRIO-BASE VIGENTE AO TEMPO DE FILIAÇÃO COMO AUTÔNOMO.

Cuidando-se de filiação anterior a 09.12.91, possível o enquadramento com apoio na legislação anterior à Lei 8.213/91, que previa o escalamento e enquadramento nas classes segundo o tempo de filiação, arts. 226 do Dec. 72.771/73 e 137 do Dec. 89.312/84.” (EIAC n° 2000.04.01.077125-6, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJ 21.09.05)

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Ocorre que, ainda conforme o item d do laudo pericial (fl. 200), apesar de poder restar enquadrado na classe 09, o segurado, no período de março/87 a agosto/91, contribuiu de acordo com a classe 08, tendo somente em setembro/91 recolhido sob a classe 10.

Assim, ainda que possuísse o autor direito de ser enquadrado origina-riamente na classe 09, deveria cumprir o interstício mínimo de 60 (ses-senta) meses nessa classe antes de progredir para a classe 10, de acordo com a tabela constante do artigo 29 da Lei n° 8.212/91, em vigor quando do primeiro recolhimento do autor na classe 10, o que não ocorreu.

Dessa forma, correto o procedimento da autarquia ao enquadrar o demandante na classe 09 da escala de salários quando do cálculo de sua aposentadoria (fl. 239), pois não cumprido o interstício exigido para a sua progressão para a classe 10.

Note-se que, em que pese ter o autor contribuído pela classe 08 até agosto de 1991, para o seu enquadramento na classe 09, já a partir de novembro/91 (fl. 239), era desnecessário o cumprimento de qualquer interstício, uma vez que, como antes demonstrado, essa é a classe na qual o autor deveria ter sido originariamente inserido.

Não há falar, por outro lado, em direito adquirido à manutenção do critério de contribuição existente antes do advento da Lei nº 7.787/89, como quer o demandante. A esse respeito, o seguinte precedente deste Tribunal, que bem elucida a questão trazida aos autos:

“PREVIDENCIÁRIO. SEGURADOS SUJEITOS A RECOLHIMENTOS SE-GUNDO O REGIME DA ESCALA DE SÁLÁRIO-BASE. LEI 7.787/89 E DIMINUI-ÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDÊNCIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A CONTRIBUIR SOBRE UM MESMO PATAMAR DE SALÁRIOS MÍNIMOS. REVISÃO DITADA PELO ART. 26 DA LEI 8.870/94.

1. A alteração legislativa, introduzida pelo art. 1º da Lei 7.787/89, que propiciou a diminuição da contribuição previdenciária do segurado empregado e, por extensão, dos segurados sujeitos a recolhimentos segundo o regime da escala do salário-base, não implica lesão ao direito adquirido porque não há direito de permanecer contribuindo num mesmo patamar. O que deve ser preservado é o direito de seguir na mesma classe, ou seja, respeitar o histórico de suas contribuições e, se completado o interstício legal, facultada a possibilidade de ascender ao nível imediatamente superior. Interpretação em consonância com a Súmula 50 desta Corte.

2. Dado que o segurado-autor contribuiu sobre 10 (dez) salários mínimos, no in-terregno de maio de 1985 a junho 1989, classe 6 (seis) da escala do salário-base, com

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a alteração dos valores de todos os níveis da referida escala, a partir de julho de 1989, poderia passar a contribuir na classe 7 (sete), equivalente a 7 (sete) vezes o menor valor da escala do salário-base, porquanto já havia decorrido o interstício legal de 36 (trinta e seis) meses no nível 6 (seis). Assim, para os recolhimentos efetuados de julho de 1989 até julho de 1991, estava a Autarquia autorizada a desconsiderar contribuições sobre valores excedentes ao patamar definido pelo nível 7 (sete) do salário-base, para fins de apuração da RMI. (...)” (AC 2000.71.00.021098-9, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DJU 22.03.2006, p. 760)

Destarte, dirimidas essas questões, e diante do tempo rural ora reco-nhecido, passa-se à análise do direito à revisão do benefício.

Total do tempo e direitoEm sendo assim, somando-se o tempo de atividade rural judicialmen-

te admitido com o tempo de serviço da parte autora já reconhecido na seara administrativa, consoante documento da fl. 68, resta contabilizado o seguinte tempo de serviço até a data do requerimento administrativo:

Tratando-se de revisão de benefício, desnecessário o reexame do requisito da carência.

Desse modo, contando o autor mais de 35 anos de tempo de serviço, tem direito à concessão de aposentadoria por tempo de serviço integral, nos termos do artigo 53, inciso II, da Lei nº 8.213, de 24.07.91, corres-pondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, a contar de 12.12.95, tendo em conta a prescrição reconhecida pela decisão mono-crática.

Correção monetáriaA atualização monetária das parcelas vencidas deverá ser feita pelo

INPC até abril de 1996 (MP 1.053/95, art. 8º, § 3º e suas reedições); e, posteriormente, pelo IGP-DI (MP nº 1.415/96 e Lei nº 9.711/98), desde a data dos vencimentos de cada uma, inclusive daquelas anteriores ao

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ajuizamento da ação, em consonância com os Enunciados nos 43 e 148 da Súmula do STJ.

Juros de mora Dispõe a Súmula nº 75 desta Corte: “Os juros moratórios, nas ações

previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano, a contar da citação.”

Honorários advocatícios Em face da sucumbência recíproca, devem ser compensados entre

as partes os honorários advocatícios, nos termos da Súmula 306/STJ.

Custas No Foro Federal, é a Autarquia isenta do pagamento de custas proces-

suais, a teor do disposto no art. 4º da Lei nº 9.289, de 04.07.96.

Dispositivo Diante do exposto, nego provimento às apelações e à remessa oficial,

nos termos da fundamentação retro.É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.04.000705-1/RS

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

Apelante: Aristeu Lunelli Advogados: Drs. Luiz Fabris e outro

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Mariana Gomes de Castilhos

Remetente: Juízo Substituto da 1ª VF de Passo Fundo

EMENTA

Previdenciário. Declaratória de tempo de serviço. Atividades ru-rais. Regime de economia familiar. Prova material suficiente. Prova

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testemunhal idônea. Servidor público. Necessidade do recolhimento de contribuições. Honorários advocatícios.

1. O tempo de serviço rural que a parte autora pretende ver reconhecido pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea.

2. A dispensa do pagamento das contribuições previdenciárias não se aplica àquelas situações em que se pretende a contagem do tempo de serviço rural para fins de averbação junto ao serviço público, em que haja regime previdenciário próprio.

3. Honorários advocatícios reduzidos e adequados segundo os critérios adotados por esta Corte.

4. Apelação improvida e remessa oficial parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do autor e dar provimento parcial à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 28 de novembro de 2005.Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch: Trata-se de ação ordinária ajuizada contra o INSS, objetivando o reconhecimento do labor rural no período de 05.10.67 a 08.12.75.

Sentenciando, o MM. Juízo monocrático deferiu o pedido de retifica-ção do valor da causa, reconhecendo o valor de R$ 141.368,12, e julgou procedente o pedido para determinar a averbação do tempo de serviço postulado, bem como a expedição da respectiva certidão de tempo de serviço. Condenou o réu ao pagamento de honorários advocatícios, fi-xados em R$ 500,00 (quinhentos reais).

A r. sentença foi submetida ao reexame necessário.Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação, sustentando que os

honorários devem ser fixados em 10% sobre o valor da causa.

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Com contra-razões, vieram os autos a esta Egrégia Corte.É o relatório.À revisão.

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch: Pre-tende a parte autora o reconhecimento do tempo de atividade rural no período de 05.10.67 a 08.12.75, com a expedição da respectiva Certidão de Tempo de Serviço.

Recolhimento de contribuições No caso em apreço, tratando-se de servidor público que possui regi-

me próprio de previdência, a hipótese é de contagem recíproca, sendo exigível a indenização das contribuições previdenciárias relativas ao tempo de serviço rural correspondente.

A contagem recíproca do tempo de serviço, instituto previdenciário segundo o qual o segurado que esteve vinculado a diferentes sistemas previdenciários (público e privado) pode obter o benefício nos moldes de um único regime, somando-se os tempos em que laborou sob cada um deles, está inserta na Constituição Federal, no § 9º do art. 201, o qual prevê expressamente a compensação financeira entre os regimes previdenciários envolvidos. Veja-se:

“§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca de tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes da previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.”

A Lei nº 8.213/91, por sua vez, preconiza, em seu art. 94:“Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no RGPS, é assegurada a contagem

recíproca do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública e na ati-vidade privada, rural e urbana, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente.”

Assim, cuidando-se da soma de tempo trabalhado sob regimes pre-videnciários distintos, deve haver o recolhimento das contribuições do tempo rural, já que a Constituição Federal exige a compensação financeira entre os regimes, nos termos do aludido § 9º do art. 201.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn n°

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1.664/UF, afastou a necessidade de indenização do período rural quando se tratar do Regime Geral da Previdência (atividade privada urbana + atividade rural), mantendo tal restrição, entretanto, em relação ao tempo de serviço público.

Dessa forma, da análise dos dispositivos citados, tem-se que o côm-puto de tempo de serviço rural para efeito de aposentadoria no serviço público pela contagem recíproca somente pode ser efetivado mediante a comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias rea-lizadas no período rural, ou a respectiva indenização.

É que, embora o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91 tenha garantido ao trabalhador rural (segurado especial), a contagem do tempo de serviço independentemente do pagamento de contribuições, isto somente se dá quando se busca a aposentadoria como rurícola, nos moldes do art. 143 da mesma lei, ou na atividade urbana do regime geral. O mesmo não ocorre quando o que se pretende é o cômputo do tempo rural para obtenção de aposentadoria como servidor público, estatutário.

Nesse sentido, os seguintes julgados do STJ e desta Corte:“PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. APOSENTADORIA

ESTATUTÁRIA. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO NA ATIVIDADE RURAL. CF, § 2º, ART. 202. ARTIGO 55, § 2, DA LEI 8.213/91. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.523/96. AUSÊNCIA DE PROVA DE CONTRIBUIÇÃO. A regra da reciprocidade inscrita no parágrafo 2º do artigo 202 da Carta da República assegura, para fins de apo-sentadoria, a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada mediante um sistema de compensação financeira. A utilização do tempo de serviço prestado como trabalhador rural antes da entrada em vigor da Lei 8.2131/91, para fins de contagem recíproca, condiciona-se, segundo a letra do artigo 55, § 2º, à comprovação do recolhimento das contribuições sociais do período de refe-rência, como preconizado na redação que lhe foi conferida pela Medida Provisória nº 1.523196. Precedentes. Recurso ordinário desprovido. (ROMS nº 9945-SC, 6ª T., Rel. Min. Vicente Leal, DJ 18.11.2002, p. 292)

RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA. SERVIÇO PÚBLICO. ATIVIDADE RURAL. CONTRIBUIÇÃO. I. Segundo precedente do colendo Supremo Tribunal Fe-deral, a aposentadoria na atividade urbana mediante junção do tempo de serviço rural somente é devida a partir de 5 de abril de 1991, isto por força do disposto no artigo 145 da Lei 8.213/91, e na Lei 8.212/91, no que implicaram a modificação, estritamente legal, do quadro decorrente da Consolidação das Leis da Previdência Social – Decreto nº 89.312/84. II. Para fins de aposentadoria no serviço público, a contagem recíproca admitida é a do tempo de contribuição no âmbito da iniciativa privada com a do serviço

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público, não se podendo confundir, destarte, com a simples comprovação de tempo de serviço. III. Indispensáveis, portanto, as contribuições pertinentes ao tempo em que exercida a atividade privada. (REsp nº 297582-SC, Rel. Min. Félix Fischer, julg. em 06.04.2001)

PREVIDENCIÁRIO. DECLARATÓRIA. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVI-ÇO. SERVIDOR PÚBLICO. CONTAGEM RECÍPROCA DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR E PÚBLICO, PARA FINS DE APOSENTADORIA. NECESSIDADE DE INDENIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. Para que possa haver contagem recíproca do tempo de serviço exercido na atividade rural anterior ao advento da nova Lei nº 8.213/91 e pública, para fins de aposentadoria neste regime, faz-se mister a indenização do valor relativo às contribuições previden-ciárias. Inteligência do art. 201, § 9º, da CF e dos arts. 55, § 2º, e 96, IV, da referida lei. Precedentes do STF, do STJ e do TRF4. (AC nº 2001.04.01.085337-0, Rel. Juiz Paulo Afonso Brum Vaz, 5ª T., DJ 27.02.2002)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONTAGEM RECÍPROCA EM REGIMES DISTINTOS PARA FINS DE APOSENTADORIA. MA-NUTENÇÃO DO BENEFÍCIO. INDENIZAÇÃO. 1. Para que possa haver contagem recíproca do tempo de serviço exercido na atividade rural anterior ao advento da nova Lei nº 8.213/91 e atividade pública, para fins de aposentadoria neste regime, faz-se mister a indenização do valor relativo às contribuições previdenciárias. (...)” (AI nº 2004.04.01.050638-4/RS, Rel. Des. Fed. Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, 6ª T., un. julg. em 06.07.05, DJ 13.07.05)

Portanto, para fins de aposentadoria em regime diverso do geral, deverá necessariamente haver a devida indenização ou a comprovação das contribuições realizadas no período.

Comprovação do tempo de atividade rural Quanto ao tempo de serviço rural em que a parte autora pretende

o reconhecimento, este pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, não se a admitindo exclusivamente (art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149 do STJ), exceto no tocante aos bóias-frias. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de alternância das provas ali referidas. Desse modo, o que importa é a apresentação de documentos que caracterizem o efetivo exercício da atividade rural, os quais não necessitam figurar em nome da parte autora para serem tidos como início de prova do trabalho rural, pois não há essa exigência na lei e, via de regra, nesse tipo de entidade familiar os atos

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negociais são efetivados em nome do chefe do grupo familiar, geralmente o genitor. Nesse sentido: EDREsp 297.823/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Jor-ge Scartezzini, DJ 26.08.2002, p. 283; AMS 2001.72.06.001187-6/SC, TRF4, 5ª T., Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 05.06.2002, p. 293. A qualificação de lavrador ou agricultor em atos do registro ci-vil tem sido considerada, também, como início de prova material, se contemporânea aos fatos, podendo estender-se ao cônjuge, se caracte-rizado o regime de economia familiar (STJ - AgRg no REsp 318511/SP, 6ª T., Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 01.03.2004, p. 201 e AgRg nos EDcl no Ag 561483/SP, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 24.05.2004, p. 341). Ademais, não se exige prova material plena da atividade rural em todo o período requerido, mas início de prova material, o que vai ao encontro da realidade social no sentido de não inviabilizar a concessão desse tipo de benefício.

Do caso em apreço Para a comprovação do efetivo trabalho rural foi trazido aos autos,

entre outros, os seguintes documentos:- atestados de escolaridade expedidos pela Prefeitura Municipal de

Guabiju, em que os pais do autor estão qualificados como agricultores (fls. 24 e 26);

- certidões expedidas pelo INCRA que atestam a propriedade rural em nome do pai do autor nos períodos de 1966 a 1972, 1973 a 1985 e 1986 a 1992 (fls. 32/34);

- certidão da Prefeitura Municipal, de que foram encontrados recolhi-mentos de ITR em nome do pai do autor. Anos: 1964 a 1966 (fls. 35/36);

- certificado de dispensa e incorporação do exército, em que o autor está qualificado como agricultor, no ano de 1974. (fl. 37)

Tais documentos constituem início razoável de prova material do período determinado pelo juízo a quo.

Por sua vez, o início de prova material foi corroborado pela prova testemunhal (fls. 87/88), que foi categórica ao afirmar que a parte autora desempenhava atividades rurícolas, no período postulado.

Depreende-se, portanto, da análise da prova produzida na instrução processual, que restou devidamente comprovado o labor rural da parte autora, em regime de economia familiar, no período declarado na sen-

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tença, porquanto há início de prova material contemporânea aos fatos, corroborada pela prova testemunhal.

Honorários advocatíciosOs honorários advocatícios a que foi condenada a Autarquia devem ser

reduzidos a R$ 300,00, adequando-os segundo os parâmetros adotados por esta Corte, no que merece acolhida a remessa oficial.

Custas No que se refere às custas processuais, o INSS é isento do seu paga-

mento no Foro Federal, por força do art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96, sequer adiantado pela parte autora.

Dispositivo Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação

do autor e dar provimento parcial à remessa oficial para condicionar a expedição da Certidão de Tempo de Serviço ao recolhimento das contri-buições previdenciárias, nos termos da fundamentação retro.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.04.01.054849-7/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper

Apelante: Herminio de ContoAdvogado: Dr. Clovis Felipe Fernandes

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Mariana Gomes de Castilhos

EMENTA

Previdenciário. Aposentadoria por tempo de contribuição. Tempo de serviço no exercício de mandato eletivo. Evolução legislativa. Diferença

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entre servidor público e agente político. Necessidade de indenização para o cômputo do período. Prescrição dos valores devidos. Inocorrência.

1. O titular de mandato eletivo só passou a ser considerado segurado obrigatório a partir da Lei nº 9.506/97 (da qual alguns dispositivos foram julgados inconstitucionais pelo STF no RE 351.717/PR) e, mais recen-temente, em consonância com a EC 20/98, pela Lei nº 10.887/04. Na vigência da legislação anterior (LOPS/60, RBPS/79, CLPS/84 e LBPS/91 na redação original), os vereadores, assim como os titulares de mandatos congêneres, não eram obrigatoriamente filiados ao Regime Geral de Previdência, sendo que o art. 55, III, da Lei nº 8.213/91 limitava-se a autorizar o cômputo do tempo de serviço exercido em dita qualidade para fins de obtenção de benefício, mediante o pagamento das contribuições respectivas ao período a ser somado (§ 1º do mesmo dispositivo).

2. A previsão do art. 7º, § 3º, d, da CLPS/84, que enquadrava o ser-vidor público como empregado (segurado obrigatório da Previdência), não se aplica ao titular de mandato eletivo, uma vez que este se trata de agente político, não de servidor.

3. Não se tratando o autor de segurado obrigatório do Regime Geral, nem sendo filiado, à época do exercício dos mandatos eletivos, a regime próprio de previdência, o cômputo do interstício em que trabalhou como vereador somente é possível mediante o pagamento das contribuições respectivas, cujo recolhimento não era de responsabilidade da Câmara Municipal a que foi vinculado.

4. Não se há falar em prescrição dos valores a serem cobrados do postulante para fins de contagem do interstício em questão, tendo em vista não se tratar de contribuições em atraso, mas de montante indeni-zatório facultativo, exigido apenas como condição para o cômputo de determinado período de labor.

5. Sem o cômputo do período de trabalho de edil, o autor não completa tempo de serviço suficiente à concessão da aposentadoria pleiteada, mas apenas 24 anos, 04 meses e 07 dias de labor.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório,

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voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de setembro de 2006. Des. Federal Celso Kipper, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: Herminio de Conto, nascido em 12.01.42, ajuizou ação previdenciária contra o INSS, pretendendo a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, com efeitos retroativos à data do requerimento administrativo (04.08.2000), me-diante o cômputo de todo o tempo em que laborou na atividade urbana, especificamente os períodos de 09.01.58 a 18.11.60 (como empregado da Indústria e Comércio Concórdia S/A), 23.02.63 a 16.10.63 (como empregado da Indústria e Comércio Concórdia S/A), 01.06.65 a 29.03.74 (como funcionário do Banco do Estado do Paraná), 31.01.77 a 31.12.88 (como vereador de Toledo), 01.03.87 a 31.03.89 (como contribuinte au-tônomo), 01.09.90 a 31.12.96 (como comerciante), 01.05.94 a 31.05.97 (como contribuinte autônomo) e 01.01.97 a 04.08.2000 (como diretor da Empresa de Desenvolvimento Urbano e Rural de Toledo), descontados os interregnos concomitantes. Alegou que o benefício foi indeferido por falta de pagamento de contribuições para os períodos de janeiro de 1992 a julho de 1993 e de janeiro a julho de 1994, bem como para o interstício de labor como vereador. Propôs-se a adimplir o débito referente às con-tribuições não pagas da década de noventa, com os devidos consectários, sustentando que, de qualquer forma, mesmo sem a contagem dos períodos com pagamento em aberto, faria jus à inativação. Defendeu, de outro lado, não serem devidas as parcelas relativas ao intervalo de exercício dos mandatos eletivos de vereador, tendo em vista que os débitos esta-riam prescritos e que o dever de recolhimento das contribuições tocaria ao Município de Toledo.

Em contestação, a Autarquia argüiu não ter direito o autor ao benefício postulado, em virtude da inexistência de recolhimento de contribuições para os períodos de 31.01.77 a 28.02.87, janeiro de 1992 a julho de 1993 e janeiro a abril de 1994. Salientou que, durante o exercício do mandato eletivo de vereador, o demandante era segurado facultativo, cabendo ao próprio o aporte contributivo à Previdência Social.

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Na sentença (21.06.2002), o magistrado a quo julgou improcedente o pedido, acolhendo os fundamentos da contestação. Determinou, ainda, o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00.

Em suas razões de apelação, o autor aduz que não lhe cabe o recolhi-mento de contribuições referentes ao período em que exerceu mandato eletivo. Alega que se devem aplicar ao caso as leis vigentes à época em que foi vereador. Destaca que, de qualquer forma, o art. 55, inc. IV, da LBPS/91 prevê o cômputo do tempo de serviço no exercício de mandato eletivo. Defende que o vereador, na época em que exerceu tal atividade, não era segurado facultativo, mas obrigatório, na qualidade de empregado, à luz da alínea d do § 3º do art. 7º do Dec. nº 83.081/79, que trata do servidor de Estado, Município ou autarquia estadual ou municipal não sujeito a regime próprio de previdência. Em decorrência disso, sublinha que as contribuições previdenciárias eram devidas pela Câmara Municipal de Toledo, gizando ainda já estarem prescritas ditas parcelas. Caso mantida a sentença de improcedência, ressalta que deve constar em seu tempo de serviço com contribuição parte do período de labor concomitante ao exercício de mandato eletivo, diferentemente do que consignou o magistrado a quo.

Apresentadas as contra-razões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

O parquet opinou pelo desprovimento do apelo.É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: A controvérsia cinge-se, fun-damentalmente, ao cômputo do tempo de serviço do autor na qualidade de edil (31.01.77 a 31.12.88), independentemente do recolhimento de contribuições, e à conseqüente concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, tendo em vista que os demais períodos de labor do demandante foram admitidos pelo INSS e que o postulante propõe-se a realizar o aporte contributivo referente aos interstícios de janeiro de 1992 a julho de 1993 e de janeiro a julho de 1994.

Para a análise do caso, necessária uma retrospectiva histórica da

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situação do titular de mandato eletivo municipal, estadual ou federal frente à Previdência Social.

A antiga Lei Orgânica da Previdência Social, Lei nº 3.807, de 26.08.60, tanto em sua redação original quanto nas posteriores alterações, não previa como segurado obrigatório o titular de mandato eletivo.

O mesmo se manteve nos Decretos nos 83.080 e 83.081 (Regulamentos dos Benefícios e do Custeio da Previdência Social, respectivamente), ambos datados de 24 de janeiro de 1979, que substituíram a LOPS/60.

Na Consolidação da Legislação da Previdência Social (Decreto nº 89.312, de 23 de janeiro de 1984), art. 6º, assim como na Lei de Bene-fícios da Previdência Social (Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991), art. 11, em sua redação original, os titulares de mandato eletivo continuaram fora da listagem de segurados obrigatórios da Previdência, tendo apenas o art. 55, inc. IV, do último Diploma autorizado o cômputo do tempo de serviço de vereador, entre outros, ressalvando, no § 1º, que a averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não deter-minava filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o recolhimento das contribuições correspondentes (...).

Apenas com a edição da Lei nº 9.506/97, que acrescentou a alínea h ao art. 11 da LBPS/91, o titular de mandato eletivo passou a ser conside-rado segurado obrigatório. Note-se, entretanto, que dispositivo idêntico contido na Lei de Custeio da Previdência Social (Lei nº 8.212/91) foi julgado incidentalmente inconstitucional pela Corte Suprema, no Recurso Extraordinário n. 351.717/PR, Tribunal Pleno, DJ 21.11.2003, Rel. Min. Carlos Velloso.

A regulação atual da matéria é dada pela Lei nº 10.887/04, a qual, adequada à Emenda Constitucional nº 20/98, voltou a considerar o vere-ador e seus congêneres como segurados obrigatórios, inserindo a alínea j no inc. I do art. 11 da atual Lei de Benefícios.

Considerados esses dados, impõe-se concluir que, tendo o autor exer-cido mandatos de edil no interregno de 31.01.77 a 31.12.88, não o fez na qualidade de segurado obrigatório do Regime Geral da Previdência Social.

Não se pode dizer, como quer o demandante, que a previsão do art. 7º, § 3º, d, da CLPS/84 enquadrou o vereador e demais titulares de mandatos congêneres como empregados – caso em que seriam segurados obrigató-

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rios –, tendo em vista que o dispositivo versa o servidor, qualquer que seja o seu regime de trabalho, de Estado, Município ou autarquia estadual ou municipal não sujeito a regime próprio de previdência social (artigo 12, § 2º) (grifei). Ora, o titular de mandato eletivo não se enquadra como servidor público, na esteira da lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 222-3), acolhida, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal (RE 351.717/PR, Tribunal Pleno, DJ 21.11.2003, Rel. Min. Carlos Velloso), verbis:

“5. (...) Os agentes públicos podem ser divididos em três grandes grupos, dentro dos quais são reconhecíveis ulteriores subdivisões. A saber: a) agentes políticos; b) servidores estatais, abrangendo servidores públicos e servidores das pessoas governamentais de Direito Privado; e c) particulares em atuação colaboradora com o Poder Público.

a) Agentes políticos6. Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política

do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Gover-nadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores.

O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. (...)

b) Servidores estatais7. A designação servidores estatais – que ora se sugere em atenção à mudança

constitucional – abarca todos aqueles que entretêm com o Estado e suas entidades da Administração indireta, independentemente de sua natureza pública ou privada (au-tarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência. (...)

Entre os servidores estatais são reconhecíveis os seguintes dois grupos: 1) servi-dores públicos; e 2) servidores das pessoas governamentais de Direito Privado. (...)” (grifo nosso)

Além de não se tratar de segurado obrigatório do Regime Geral, o demandante tampouco era filiado, no período em questão, a regime próprio de previdência, o que poderia autorizar a contagem recíproca do tempo de serviço com vistas à obtenção de benefício junto ao INSS. Como ele próprio confessa nos autos, inclusive em seu depoimento pessoal (fl. 145), como vereador não fazia nenhum tipo de contribuição para Previdência Social. Recebia o salário sem nenhum desconto sobre

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esse titulo (sic) (...).Assim sendo, o cômputo do interstício em que o requerente trabalhou

como vereador somente será possível, forte no já citado art. 55, § 1º, da atual LBPS, mediante o pagamento das contribuições respectivas, cujo recolhimento, à época do exercício do labor, não era de responsabilidade da Câmara Municipal de Toledo, como quer o apelante, mas dele próprio, havendo interesse, na qualidade de segurado facultativo (contribuinte em dobro, conforme a legislação anterior).

Nesse sentido o precedente do Tribunal Regional Federal da Primeira Região:

“PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. SOMA DE CONTAGEM DE TEMPO URBANO, RURAL E COMO EXERCENTE DE MANDATO ELETIVO. EX-VEREADOR E EX-PREFEITO DE CAPITÓLIO-MG. TEMPO RURAL: INEXISTÊNCIA DE INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL A CORROBORAR PROVA TESTEMUNHAL. SÚMULA 27 DESTE SODALÍCIO E SÚMULA 149 DO EG. STJ. IMPROCEDÊNCIA. TEMPO COMO EXERCENTE DE MANDATO ELETIVO: AUSÊNCIA DE PROVA IDÔNEA A COMPROVAR A QUALIDADE DE SEGURADO QUE NÃO ERA OBRIGATÓ-RIA À ÉPOCA. LEIS Nº 8.212/91, 8.213/91, 9.506/97 E 10.887/2004. EC Nº 20/98. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NÃO SÓ DA FILIAÇÃO AO RGPS, MAS TAMBÉM DOS RESPECTIVOS RECOLHIMENTOS PREVIDENCIÁRIOS. IMPRO-CEDÊNCIA IN TOTUM DOS PEDIDOS. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. CONDENAÇÃO MANTIDA.

1. omissis2. omissis3. A questão do cômputo do tempo de serviço laborado como exercente de mandato

eletivo do Apelante (como vereador, de 1º de janeiro de 1967 a 31 de dezembro de 1970 e como prefeito, de 1º.01.73 a 31.12.77) diz respeito à aplicação da lei no tempo, sendo certo que as atividades políticas por ele exercidas não se identificavam – à época – com a atividade de empregado. A legislação previdenciária aplicável à espécie consiste nas disposições contidas no Decreto nº 3.807/60, com as modificações que lhe foram intro-duzidas pelo Decreto-Lei nº 66, de 21.11.66, a qual não incluía em seu rol - taxativo - de segurados obrigatórios, a figura do exercente de mandato eletivo municipal, quer federal, estadual ou distrital, o que veio a se dar somente em 1997, com a égide da Lei nº 9.506, que acrescentou a alínea h ao inciso I do art. 11 da Lei nº 8.213/91.

4. A relação jurídica existente entre os ocupantes de mandato eletivo e a Previdência, no tempo que se pretende computar, se dava de forma voluntária, sendo certo que não decorria do simples fato do exercício de munus público. Desta forma, era facultativo ao Apelante filiar-se à Previdência. Todavia, uma vez filiado, devia verter – e compro-var para fins de obtenção de aposentadoria – as respectivas contribuições mensais aos

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cofres da Previdência, tal como o fazem os trabalhadores autônomos, aqui tomados por analogia. Pode-se afirmar, portanto, que a filiação de exercente de mandato eletivo somente passou a ser obrigatória com a vigência da Lei nº 9.506/97. Precedentes: AC 20010401037508-2/RS, 4ª Região; AG 20040100046453-6/GO, 1ª Região.

5. Tendo em vista que inexiste prova nos autos, quer da filiação, quer do efetivo recolhi-mento das contribuições previdenciárias respectivas, durante os períodos correspondentes aos mandatos eletivos exercidos pelo Apelante, ainda que decorrente a sua filiação ao RGPS, de ato volitivo, não é devido o benefício que pretende lhe seja concedido.

6. omissis 7. omissis.” (AC 2000.01.00.057175-9/MG, 1ª T., Rel. Des. Federal Luiz Gonzaga

Barbosa Moreira, DJU 03.07.2006)

De outro lado, não se há falar em prescrição dos valores a serem cobra-dos do postulante para fins de contagem do interstício em questão, tendo em vista não se tratar de contribuições em atraso, já que o autor não era segurado que estivesse obrigado a proceder ao aporte contributivo à época em que exerceu mandatos eletivos municipais. Na verdade, o montante exigido pelo art. 55, § 1º, da Lei nº 8.213/91 é claramente facultativo, tratando-se de uma compensação definida em lei como condição para a admissão de determinado período de labor, de modo a viabilizar o acesso a benefício com utilização daquele lapso. Assim, não sendo compulsório o pagamento, não corre a prescrição.

Relativamente à natureza indenizatória dos valores, veja-se a seguinte decisão desta Corte:

“A Lei de Custeio da Previdência Social oportuniza a contagem do tempo de serviço pretérito, cujas contribuições não tenham sido recolhidas na época própria, desde que o segurado indenize o Sistema Previdenciário. Trata-se de uma indenização compensatória, com regras específicas para tanto. Assim, caso queira contar o tempo de serviço das competências a descoberto da quitação das contribuições previdenci-árias, a segurada, no seu exclusivo interesse, deverá recolher os valores correspon-dentes, de acordo com as regras estabelecidas naquela lei. Hipótese em que o cálculo da indenização das contribuições previdenciárias não recolhidas pela impetrante nas competências descritas na inicial está de acordo com a legislação previdenciária vigente à época do requerimento, ou seja, as regras estabelecidas pelos arts. 45, par. 2º, da Lei 8.212/91, e 39, par. 15, do Decreto 2.173/9, inexistindo, portanto direito líquido e certo de recolhê-las de forma diversa.” (AMS 1998.04.01569-2/RS, Rel. Des. Nylson Paim de Abreu, DJ, 13.03.01)” (grifei)

Em conclusão, sem o cômputo do período de trabalho de edil, o autor não completa tempo de serviço suficiente à concessão da aposentadoria

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pleiteada, porquanto, considerados os demais intervalos alegados na inicial, já admitidos pelo INSS na via administrativa (fl. 121), o deman-dante totaliza apenas 24 anos, 04 meses e 07 dias de tempo de serviço (diferentemente do tempo total que erroneamente encontrou o magistrado a quo). Note-se que, ainda que se considerasse o eventual recolhimento em atraso das contribuições relativas aos interstícios de janeiro de 1992 a julho de 1993 e de janeiro a julho de 1994, mediante o pagamento das contribuições em atraso, como se propunha o requerente, sem oposição da Autarquia ré, o tempo de serviço aumentaria para 26 anos, 06 meses e 07 dias, mantendo-se insuficiente ao deferimento da inativação postulada.

Não merece, pois, prosperar a pretensão inicial do autor.Ante o exposto, nego provimento à apelação.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.00.055080-3/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Apelante: Miguel Agustin Martinez Guzman Advogados: Drs. Décio Scaravaglioni e outros

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

EMENTA

Previdenciário. Períodos urbanos laborados no Chile. Reconheci-mento. Impossibilidade. Acordo internacional de previdência social. Decreto 1.875/96. Ajuste complementar. Ausência de ratificação pelo Congresso Nacional.

O Acordo de Previdência Social, celebrado entre o Brasil e o Chile, não possui aplicabilidade no território nacional, uma vez que o Ajuste Complementar, que lhe daria essa eficácia, não foi ratificado pelo Con-

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gresso Nacional. E, mesmo que tivesse vigência, o período laborado naquele País não poderia ser computado para fins de aposentação no Brasil, já que o referido Pacto não previu o benefício da aposentadoria por tempo de serviço.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 13 de junho de 2006.Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Trata-se de ação ordinária ajuizada contra o INSS, objetivando o reconhecimento dos períodos de 01.11.66 a 30.04.75, laborados na empresa Manufatura de Metales Mademsa y Cia., e de 01.05.75 a 31.08.75, na empresa su-cessora C.T.I. Cia. Tecno Industrial S., ambas situadas no Chile, com a conseqüente concessão do benefício da aposentadoria por tempo de serviço a contar do requerimento administrativo (06.05.98).

Sentenciando, o MM. Juízo monocrático julgou improcedente a de-manda, condenando o autor ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em R$ 260,00 (duzentos e sessenta reais), restando suspensa sua exigibilidade em face da concessão de AJG.

Irresignado, o demandante interpôs apelação, aduzindo que a Consti-tuição Federal assegura igual tratamento aos brasileiros e aos estrangeiros aqui residentes, motivo pelo qual o labor exercido no Chile deverá ser computado para fins de concessão de aposentadoria por tempo de ser-viço pelo RGPS do Brasil. Aduz, ainda, que este tratamento isonômico também está previsto no acordo sobre Previdência Social celebrado entre esses dois Países. (art. 4º)

Sem as contra-razões, vieram os autos a esta Egrégia Corte, opinando o Ministério Público Federal pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

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À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: A discussão nos presentes autos cinge-se à possibilidade de reconhecimento dos períodos de 01.11.66 a 30.04.75, laborado na empresa Manufatura de Metales Mademsa y Cia., e de 01.05.75 a 31.08.75, prestado junto à empresa sucessora C.T.I. Cia. Tecno Industrial S., ambas situadas no Chile, com a conseqüente concessão do benefício da aposentadoria por tempo de serviço a contar do requerimento administrativo (06.05.98).

Impende referir que em 16 de outubro de 1993 o Governo da Repú-blica Federativa do Brasil e o Governo da República Federativa do Chile celebraram um Acordo de Previdência Social, dispondo sobre as regras aplicáveis às relações entre esses dois países nessa matéria.

Consoante ensinamentos de Alexandre de Moraes (Direito Cons-titucional, São Paulo: Jurídico Atlas, 2004, p. 590), para um acordo internacional ser incorporado ao nosso ordenamento jurídico interno, ele precisa cumprir três fases, quais sejam:

“1ª fase: compete privativamente ao Presidente da República celebrar todos os tratados, convenções e atos internacionais (CF, art. 84, VIII);

2ª fase: é de competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromis-sos gravosos ao patrimônio nacional (CF, art. 49, I). A deliberação do Parlamento será realizada através da aprovação de um decreto legislativo, devidamente promulgado pelo Presidente do Senado Federal e publicado;

3ª fase: edição de um decreto do Presidente da República, promulgando o ato ou tratado internacional devidamente ratificado pelo Congresso Nacional. É nesse momento que adquire executoriedade interna a norma inserida pelo ato ou tratado internacional, podendo, inclusive, ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade.”

Portanto, para adquirir executoriedade no plano interno, o Acordo In-ternacional deve, obrigatoriamente, observar as três fases referidas supra.

No presente caso, o Acordo celebrado com o Chile foi aprovado pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo 75/95, e devidamente promulgado pelo Presidente da República, em 25 de abril de 1996 – De-creto 1.875 –, cumprindo, pois, todas as fases exigidas.

Todavia, conforme preconizado pelo parecer ministerial, o artigo 27

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dispõe que para a aplicação do acordo é necessária a edição de Ajuste Administrativo, que, segundo o Decreto Legislativo 75 (parágrafo único do artigo 1º), está sujeito à aprovação do Congresso Nacional.

O referido Ajuste foi editado em 9 de dezembro de 1998, entretanto não houve ratificação pelo Congresso, motivo pelo qual o acordo não tem aplicação no território nacional.

Ademais, ainda que ratificado, o aludido Pacto não previu o benefício da aposentadoria por tempo de serviço, como se pode observar no art. 2º:

“O presente Acordo aplicar-se-á:No Brasil:À legislação do Regime Geral de Previdência Social, no que se refere a:Assistência médica, farmacêutica e odontológica, ambulatorial e hospitalar;Incapacidade de trabalho temporária;Invalidez;Velhice;Morte;Natalidade;Acidente de trabalho e doença profissional;Salário-família.No Chile:Às disposições legais, no que se refere:Ao Novo Sistema de Pensões por velhice, invalidez e morte, baseado na capitali-

zação individual e ao regime de pensões por velhice, invalidez e morte, administração pelo Instituto de Normalização Previdenciária (INP);

Ao regime geral de prestações de saúde incluídos os auxílios por incapacidade de trabalho e maternal; e

Ao Seguro Social contra riscos de Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais.”

Tendo em vista os motivos mencionados, não há como se reconhecer o tempo de serviço prestado pelo demandante no Chile.

Nesses termos, nego provimento ao apelo, nos termos da fundamen-tação.

É o voto.

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APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇANº 2003.70.01.014910-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle PereiraRelator p/acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto

Silveira

Apelantes: Maria de Lourdes Rocha e outrosAdvogados: Drs. Zaqueu Sutil de Oliveira e outros

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

EMENTA

Previdenciário. Mandado de segurança. Recusa ao processamento, em razão da ausência de previsão legal, de requerimento administrativo formulado por via postal. Aceitação do pedido assim deduzido, porém, que não implica criação, à míngua de norma autorizadora, de direito antes inexistente, mas apenas modo de atuar administrativo. Princípio da legalidade que, nesses termos, remanesce hígido, e que deve ser ponderado em face do princípio da eficiência.

1. Ainda que, por um lado, pelo princípio da legalidade, os agentes públicos devam pautar suas condutas pelos ditames legais e que careça de respaldo legal a formulação de requerimento administrativo através de carta registrada com aviso de recebimento, uma prática nesses termos, por outro, além de não proibida textualmente, tampouco traduz criação, ao arrepio da legislação, de direito antes inexistente, cuidando-se, muito mais, de modo de atuar administrativo. Hipótese em que um legalismo extremo, que exija determinação legal para todo e qualquer ato perpe-trado no bojo do funcionalismo, mesmo os mais corriqueiros e de mero expediente, fatalmente ensejaria um engessamento na máquina pública, que se veria em muitos casos entravada no desempenho de seu múnus, em claro prejuízo dos administrados.

2. Considerando que ao serviço público estão previstas várias atri-buições e que o princípio da eficiência deve nortear a persecução desses escopos, nesse desiderato a Administração Pública conta com poderes implícitos que, pelo fato de se coadunarem diretamente com a atividade--fim da respectiva repartição pública, são merecedores de legitimação

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– mesmo que não expressamente legislados. 3. Se à Autarquia Previdenciária recai o encargo de apreciar os pedi-

dos de benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social e se deve fazê-lo em atenção aos ditames da busca pelo resultado qualitativa-mente mais aprazível e com a maior celeridade possível, a utilização de formas alternativas viáveis de apresentação de súplicas por segurados, conquanto não vedadas normativamente, impõe-se como um modo de alcançar essa aspiração.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento à apelação, vencido o relator, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 2 de agosto de 2006.Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Relator p/acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Maria de Lourdes Rocha, Maria Aparecida Pereira da Silva, Jorge Eugênio Rosa, Beatriz Cândido Ribeiro, Sebastiana Maria de Jesus Gonçalves, Jairo Florêncio Rosa, Rosa Rodrigues da Silva, Nair de Jesus Oliveira, Nair Maria Lúcio Rosa e Maria das Dores de Jesus Rosa impetraram mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato do Chefe do Posto do INSS em Cornélio Procópio/PR, em 07.10.2003, postulando o protocolo por parte da autoridade coatora de seus pedidos de aposenta-doria por idade, contado a partir da data dos avisos de recebimento dos respectivos requerimentos efetuados via postal.

Foi indeferida a liminar, às fls. 648/650, tendo em vista não ser ilegí-tima a recusa do impetrado em protocolar os pedidos de aposentadoria pela via postal.

Às fls. 651/660, os impetrantes juntaram cópias da interposição de Agravo de Instrumento contra a decisão que indeferiu o pedido de liminar. Registro que neste Tribunal o pedido de antecipação da tutela recursal no agravo foi indeferido. Irresignados, os impetrantes opuseram embargos

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de declaração, rejeitados, bem como interpuseram recurso especial e recurso extraordinário, ficando estes retidos, conforme determinação da Vice-Presidente desta Corte.

Ao proferir a sentença, o MM. Juízo Singular denegou a segurança. Custas pelos impetrantes, cuja exigência fica suspensa por serem bene-ficiários da Assistência Judiciária Gratuita. Sem honorários.

A parte autora interpôs recurso de apelação, postulando a integral reforma da decisão monocrática para a concessão da segurança, a fim de o impetrado ser compelido a protocolar o requerimento administrativo, com data retroativa à negativa do protocolo na via postal.

Com as contra-razões, vieram os autos a esta Egrégia Corte.O Ministério Público Federal apresentou parecer opinando pelo parcial

provimento da apelação.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Trata-se de mandado de segurança em que os impetrantes objetivam o protocolo de seus pedidos de aposentadoria por idade, a partir da data dos avisos de recebimento dos respectivos requerimentos efetuados via postal, negados na via administrativa.

Acerca da negativa de recebimento e protocolização da documen-tação, cabe salientar que a Autarquia Previdenciária deve observância incondicional ao princípio do direito de petição, insculpido no artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal, o qual dispõe:

“Art. 5º. (...)XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilega-

lidade ou abuso de poder; (...)”

Do exame da legislação previdenciária, verifica-se ainda que os artigos 105 da Lei 8.213/91 e 176 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99 (com a redação conferida pelo Decreto 3.668/00), preceituam que a apresentação de documen-tação incompleta não constitui motivo para a recusa do requerimento de benefício.

Todavia, no caso dos autos, trata-se de requerimentos de aposentadoria

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por idade que teriam sido indeferidos oralmente e, na seqüência, efetuados via postal. Quanto ao alegado indeferimento oral pelo servidor do INSS, trata-se de situação não comprovável de plano, porque dependente de dilação probatória, não podendo ser reconhecida em sede de mandado de segurança. O requerimento via postal, outrossim, não encontra previsão legal. Como bem destacado pelo MM. Juízo Sentenciante, só é permitido ao administrador público fazer o que a lei determina. Logo, inexistindo ato normativo legal contemplando a hipótese de recepção de pedido de aposentadoria encaminhado pelo correio, correto o procedimento adotado pela autoridade impetrada.

Por conseguinte, não demonstrada a ilegalidade da recusa do recebi-mento do pedido de aposentadoria via postal, não merece reforma a r. sentença que denegou a segurança.

Diante de todo o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação retro.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Pedi vista dos autos para melhor analisar o debate travado em juízo. Refletindo melhor, entendi por bem, com a devida vênia, apresentar voto dissonante àquele já exarado pelo Relator, nos termos doravante expendidos.

No caso, trata-se de mandado de segurança impetrado com vistas a que a Autarquia Previdenciária analise os pedidos de aposentadoria por idade rural formulados via postal pelos recorrentes quando eles viram seu rogo negado oralmente em função da escassez do suporte documental levado à agência do INSS. O voto do Excelentíssimo Juiz Federal Relator, acompanhando a argumentação esposada na sentença impugnada, deu-se no sentido de negar provimento à apelação, uma vez que (1) o indefe-rimento “de balcão” não restou comprovado, fazendo-se mister dilação probatória, o que não se afeiçoa com a exigüidade do rito previsto para o mandado de segurança, e que (2) o requerimento através de carta não encontra previsão legal, só sendo possível ao administrador fazer o que juridicamente permitido.

De início, parece-me irrelevante o fato de haver, ou não, prévio inde-ferimento verbal ao amparo vindicado, pois a idoneidade da instauração de apuração de direito a benefício através de carta registrada com aviso de

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recebimento pode ser encarada e analisada de forma independente – ainda que a anterior negativa possa servir como elemento favorável aos autores, mesmo demonstrando que somente recorreram a um caminho não-usual em virtude de que antes viram suas pretensões obstaculizadas.

Não fosse isso, é consabido que não raro ocorrem, sim, especial-mente com segurados que, como os impetrantes, ostentam a condição de trabalhadores volantes, diante da apresentação de documentação incompleta – em contrariedade ao art. 105 da Lei 8.213/91 – ou de início de prova material tão-somente em nome de terceiros, recusas à análise de requerimentos de benesses previdenciárias, como, aliás, já reconheceu esta Turma em iterativas oportunidades, o que leva a crer que, na hipótese dos autos, não tenha sido diferente e que a provocação por intermédio da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos tenha se tratado de medida extrema.

Mas a preocupação maior que me levou a raciocinar com maior vagar sobre a discussão travada neste caderno processual tem a ver com a questão de fundo: a (im)propriedade de se veicular requerimento administrativo através de correspondência. É bem verdade que, como assinalaram o Juiz Federal sentenciante (fls. 676/679), o douto represen-tante do Ministério Público Federal (fls. 700/701) e o magistrado relator desta demanda (fls. 703/704), essa prática carece de respaldo legal. Esse fato, entretanto, quando examinado em face do ordenamento jurídico pátrio em sua integralidade, apresenta-se realmente como impeditivo às pretensões dos autores?

Por um lado, é certo que os agentes públicos têm suas condutas, en-quanto no exercício dos apanágios inerentes aos cargos ocupados, ligadas ao princípio da legalidade, pelo qual só podem fazer o que determinado em lei. Em função disso, como lembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conce-der direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei” (Direito administrativo. 8.ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 61). Por outro lado, porém, o processa-mento de requerimento administrativo formulado através dos Correios, além de não proibido legalmente, tampouco traduz criação, ao arrepio da legislação, de direito antes inexistente, cuidando-se, muito mais, de modo de atuar administrativo. E em que pese o paradigma da legalidade

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paute o agir administrativo quanto a seus fins, é evidente que algumas atividades exercidas no âmbito do serviço público, corriqueiras até, são exercidas sem qualquer regulamentação legal explícita – sem que isso, contudo, importe, necessariamente, ilicitude. Mesmo no âmbito deste Tribunal, em sua função atípica administrativa, certas rotinas, ligadas aos procedimentos internos, são executadas mesmo à míngua de qualquer determinação legal prescrevendo o caminho a ser seguido em cada uma delas. Nem poderia ser diferente, visto que um legalismo extremo, que exigisse determinação legal para todo e qualquer ato perpetrado no bojo do funcionalismo, fatalmente ensejaria um engessamento na máquina pública, que se veria em muitos casos entravada no desempenho de seu múnus, mesmo no tocante aos mais triviais expedientes, em razão de lacuna normativa, restrição cuja conseqüência outra não é senão o comprometimento das atividades-fim da Administração Pública e do interesse público mesmo que a elas subjaz.

Nesse diapasão, a prescindibilidade de que virtualmente toda e qualquer ação administrativa, mesmo aquelas meramente ordenatórias, esteja previamente declinada em diploma normativo é corolário do pró-prio princípio da eficiência (art. 37, caput, Constituição Federal). Com efeito, se a consecução dos objetivos estabelecidos aos órgãos e entes públicos, estes sim definidos em lei, impende da operacionalização das tarefas administrativas, é decorrência do mencionado princípio que esse proceder se dê de forma desembaraçada, conquanto nada se faça contra legem. Logo, considerando que ao serviço público estão previstas várias atribuições e que a eficiência deve nortear a persecução desses escopos, parece-me crível que nesse desiderato a Administração Pública conte com poderes implícitos orientados a tanto, que, não obstante em lugar algum textualmente inscritos, merecem legitimação pelo fato de se coaduna-rem diretamente com a atividade-fim da respectiva repartição pública. Destarte, se à Autarquia Previdenciária recai o encargo de apreciar os pedidos de benefícios previstos no corpo do Regime Geral de Previdên-cia Social (RGPS) e se deve fazê-lo em atenção aos ditames da busca pelo resultado qualitativamente mais aprazível e com a maior celeridade possível, a utilização de formas alternativas viáveis de apresentação de súplicas por segurados – e nada indica que a formulação postal de pedido administrativo de averbação de tempo de serviço, com um mínimo de

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documentação, não seja viável – impõe-se como um modo de alcançar essa aspiração.

A aceitação de requerimento formulado mediante correspondência com aviso de recebimento, portanto, na condição de evento nunca legisla-do, antes de consistir em atividade em si criadora de direito e destinatária de fins próprios (telos), em desrespeito à regra da legalidade, na verdade se afigura tão-somente como forma de proceder (iter) em relação à qual o aludido princípio deve ser mitigado. Com isso, é intuitivo que, nos casos de conduta de mero expediente que não encerre conteúdo finalis-ticamente orientado a constituir ou tolher direitos, como é a conjuntura exposta nos autos (pois a abertura do processo administrativo, per se, não significa a concessão da benesse postulada), não é sempre indispensável a existência de norma permissiva.

É factível, conseqüentemente, que a carência de preceito de direito positivado consentindo em que os segurados façam solicitações mediante correspondência é incapaz de ilegitimar essa alternativa, o que, aliado aos princípios da eficiência e da razoabilidade, verdadeiros guias das posturas do administrador impostos constitucionalmente, e ao direito de petição garantido na Lei Fundamental, redunda na possibilidade de concessão da ordem buscada, para que a autoridade coatora dê continuidade ao exame da pretensão dos impetrantes.

Nesses termos, com a devida vênia, divirjo da manifestação do Ex-celentíssimo Juiz Federal Relator e voto no sentido de dar provimento à apelação para que o INSS protocole e despache os requerimentos de aposentadoria por idade dos impetrantes.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.71.04.009954-2/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Apelante: Valdoir Gehrke Advogados: Drs. Sadi João Guareschi e outro

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

Apelados: (os mesmos)Remetente: Juízo Federal da 2ª VF de Passo Fundo

EMENTA

Previdenciário e Processual Civil. Remessa oficial. Art. 475, § 2º, do CPC. Conhecimento. Aposentadoria por tempo de serviço. Comprovação da atividade rural. 12 anos. Desnecessidade de recolhimento de con-tribuições referente ao período rural. Art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91. Concessão do benefício. Cálculo da RMI. Atividades concomitantes. Art. 32 da Lei nº 8.213/91. Consectários.

1. Não sendo possível averiguar se o valor da controvérsia recursal é ou não inferior a sessenta salários mínimos, submete-se o feito ao duplo grau obrigatório de jurisdição, não obstante ter sido a sentença publicada posteriormente à data de entrada em vigor da Lei nº 10.352/2001, que acresceu o § 2º ao art. 475 do CPC.

2. Verificado que o INSS já havia reconhecido na via administrativa parte do período postulado pelo autor, deve o processo ser extinto, no ponto, sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir, com fulcro no art. 267, inciso VI, do CPC.

3. A jurisprudência desta Corte e dos Tribunais Superiores consolidou--se no sentido de possibilitar o cômputo da atividade rural desde os 12 anos de idade.

4. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data da vigência da Lei nº 8.213/91, deve ser computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para o efeito de carência, nos termos do § 2º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91.

5. Logrou o autor a comprovação do labor rural no período postulado, mediante início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea.

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6. Contando o segurado com mais de 30 anos de serviço na data do requerimento administrativo (02.01.97) e estando cumprida a carência legalmente exigida, afigura-se devida a aposentadoria por tempo de ser-viço proporcional, correspondente a 70% (setenta por cento) do salário--de-benefício, consoante as regras anteriores à EC nº 20, de 16.12.98.

7. Em que pese constasse o autor formalmente como empregado da empresa, na verdade era sócio-cotista e gerente e, por isso, enquadrado na hipótese prevista no art. 11, inciso V, alínea f, da Lei nº 8.213/91, sujeitando-se, nessa qualidade, ao recolhimento de acordo com a escala de salário-base. Como exercia, também, a atividade de representante comercial, impossível a aplicação, na espécie, da regra prevista no art. 32 da Lei nº 8.213/91, por força do que estatuído no § 4º do art. 29 da Lei nº 8.212/91, na sua primitiva redação, vigente por ocasião da apo-sentadoria, que impunha o recolhimento com base em apenas uma das atividades sujeita à escala de salário-base.

8. Tendo em vista, no entanto, que a contribuição do segurado e da empresa, somadas, são superiores à exigida a título de percentual sobre a escala de salário-base, apresenta-se razoável considerar-se tais reco-lhimentos como se contribuinte individual fosse, devendo-se observar, ao longo do tempo, quanto aos valores vertidos, os limites previstos na extinta escala de salários-base (classe versus interstício mínimo), con-siderando, sempre, apenas uma das atividades.

9. Em face da sucumbência recíproca e equivalente, os honorários advocatícios restam compensados entre as partes, consoante o disposto no art. 21, caput, do CPC e na Súmula nº 306 do STJ.

10. No Foro Federal, o INSS e o autor, este último por ser beneficiário da AJG, são isentos do pagamento de custas processuais, com fulcro no art. 4º, incisos I e II, da Lei nº 9.289/96.

11. Sentença parcialmente reformada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, extinguir, de ofício, o processo sem julgamento do mérito em relação ao período de 01.01.67 a 15.04.78, por falta de interesse de agir, a teor do disposto no art. 267, inciso VI, do CPC; dar

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parcial provimento à apelação do autor e negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, vencida, em parte, a Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch no tocante à aplicação, de ofício, do IGP-DI, a contar de fevereiro de 2004, como índice de atualização monetária das parcelas em atraso, determinando a Turma a manutenção, a partir desse período, do índice fixado na sentença (INPC), nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de julho de 2006.Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de ação ordinária ajuizada por Valdoir Gehrke contra o INSS, objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de serviço, mediante o reconheci-mento do exercício da atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 25.10.65 a 15.04.78, a contar da data do requerimento administrativo (02.01.97), bem como que no cálculo da renda mensal inicial do referido benefício sejam consideradas as contribuições relativas às atividades concomitantes por ele exercidas, nos termos do art. 32 da Lei nº 8.213/91.

Após a citação e regular processamento, sobreveio sentença, em 13.06.2005, declarando prescritas as parcelas anteriores a setembro de 1999 e julgando parcialmente procedente o pedido para reconhecer o labor rural do autor, em regime de economia familiar, no período de 25.10.65 a 31.12.66, concedendo-lhe o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, no percentual de 70% do salário--de-benefício, desconsiderando as contribuições efetuadas como em-pregado da empresa Arzeno Gruger e Filhos Ltda. Condenou, ainda, a Autarquia Previdenciária ao pagamento das parcelas em atraso, desde a data do requerimento administrativo (02.01.97), corrigidas monetaria-mente desde o vencimento de cada uma até o efetivo pagamento pelo IGP-DI até 02/2004 e, após, pelo INPC (MP nº 137, convertida na Lei nº 10.887/2004, c/c art. 31 da Lei nº 10.741/2003); e acrescidas de juros de mora de 12% ao ano, a contar da citação, considerado o caráter ali-mentar dos proventos previdenciários. Por fim, em face da sucumbência

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majoritária do autor, condenou-o ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 5% sobre o valor da causa, suspensa a sua cobrança por ser beneficiário da AJG.

A decisão monocrática foi submetida ao reexame necessário.Irresignado, apelou o autor, postulando a reforma parcial da sentença,

para que seja julgada totalmente procedente a ação, invertendo-se os ônus sucumbenciais, a fim de que seja reconhecido e averbado em seu favor o tempo contribuído como empregado no período de 1978 a 1996, servindo tais contribuições como base de cálculo da RMI.

Apelou, também, o INSS, igualmente postulando a reforma da sen-tença, mas para que seja julgada improcedente a ação. Para tanto, alega, em síntese, a impossibilidade do cômputo do tempo de serviço rural anterior aos 14 anos de idade, bem como a inexistência de prova material do exercício da atividade rurícola, não sendo admitida a prova exclusi-vamente testemunhal. Aduz, ainda, a necessidade do recolhimento das contribuições previdenciária relativas ao período postulado.

Com contra-razões de ambas as partes, subiram os autos a esta Corte.É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Pretende o autor a concessão de aposentadoria por tempo de serviço, mediante o reconhecimento do exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 25.10.65 a 15.04.78, a contar da data do reque-rimento administrativo (02.01.97), bem como que no cálculo da renda mensal inicial do referido benefício sejam consideradas as contribuições relativas às atividades concomitantes por ele exercidas, nos termos do art. 32 da Lei nº 8.213/91.

Remessa oficialInicialmente, cabe anotar que o art. 475, § 2º, do CPC não tem aplicação

na espécie, porquanto nesta fase do processo não é possível determinar que o valor da controvérsia recursal seja inferior a sessenta salários mínimos.

Sendo assim, conheço da remessa oficial.Passo, pois, ao exame do mérito.

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Tempo de serviço rural Quanto ao tempo de serviço rural em que o autor pretende o reco-

nhecimento, este pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova teste-munhal idônea, não se a admitindo exclusivamente (art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e Súmula nº 149 do STJ), exceto no tocante aos bóias-frias. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de alternância das provas ali referidas. Desse modo, o que importa é a apresentação de documentos que caracterizem o efetivo exercício da atividade rural, os quais não necessitam figurar em nome da parte autora para serem tidos como início de prova do trabalho rural, pois não há essa exigência na lei e, via de regra, nesse tipo de entidade familiar os atos negociais são efetivados em nome do chefe do grupo familiar, geralmente o genitor. Nesse sentido: EDREsp 297.823/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 26.08.2002, p. 283; AMS 2001.72.06.001187-6/SC, TRF4, 5ª T., Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 05.06.2002, p. 293. A qualificação de lavrador ou agricul-tor em atos do registro civil tem sido considerada, também, como início de prova material, se contemporânea aos fatos, podendo estender-se ao cônjuge, se caracterizado o regime de economia familiar (STJ – AgRg no REsp 318511/SP, 6ª T., Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 01.03.2004, p. 201 e AgRg nos EDcl no Ag 561483/SP, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 24.05.2004, p. 341). Ademais, não se exige prova material plena da atividade rural em todo o período requerido, mas início de prova material, o que vai ao encontro da realidade social no sentido de não inviabilizar a concessão desse tipo de benefício.

Referentemente à possibilidade do cômputo da atividade rural entre 12 e 14 anos de idade, a jurisprudência deste Tribunal e dos EE. STJ e STF é pacífica nesse sentido. (TRF4 – 3ª S., EI 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julg. em 12.03.2003; STJ – AgRg no REsp 419601/SC, 6ª T., Rel. Min. Paulo Medina, DJ 18.04.2005, p. 399 e REsp 541103/RS, 5ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 01.07.2004, p. 260; STF – AI 529694/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., julg. em 15.02.2005)

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Do caso em apreço Para a comprovação do efetivo trabalho rural foram trazidos aos autos

os seguintes documentos:a) certificado de dispensa de incorporação, datado de 20.11.73, no

qual consta a sua profissão como agricultor (fl. 18);b) título eleitoral do autor, datado de 06.08.76, no qual consta a sua

profissão como agricultor (fl. 18);c) certidão do Registro de Imóveis, relativa à transcrição de propriedade

de imóvel rural em nome da mãe do autor, ocorrida em 09.03.40 (fls. 19/25);d) declaração emitida pela Cooperativa Tritícola Mista Alto Jacuí

Ltda., datada de 10.05.94, dando conta de que o autor é seu associado desde 30.11.71 (fl. 26);

e) declaração emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tapera/RS, dando conta de que o pai do autor foi seu associado no pe-ríodo de 1968 a 1983, tendo exercido a atividade rural, em regime de economia familiar, na localidade de Lagoa dos Três Cantos, onde residia; bem como a respectiva ficha de associado (fl. 28);

f) recibos de pagamento de empréstimo agrícola, em nome do pai do autor, nos anos de 1965 e 1966 (fls. 35 e 41/42);

g) recibo de comercialização de suínos, em nome do pai do autor, datado de 16.07.65 (fl. 36);

h) guias de recolhimento de ICM, em nome do pai do autor, referentes aos anos de 1965, 1966, 1967/1970 (fls. 37/40, 46, 50 e 53 dos autos principais e 28/31, 37/38, 41 e 44 dos autos em apenso);

i) declaração emitida pelo INCRA, dando conta da existência de cadastro de imóvel rural, com 69,3 ha, localizado no município de Não-Me-Toque/RS, em nome do pai do autor, no período de 1966 a 1992 (fl. 43);

j) certificados de cadastro de imóvel rural junto ao IBRA/guias de recolhimento de ITR, em nome do pai do autor, referentes aos anos de 1966 e 1968/1972 (fls. 44, 51, 55 e 57);

k) notas fiscais de entrada, em nome do pai do autor, referentes à comercialização de produtos agrícolas nos anos de 1967 a 1970 (fls. 45, 47/49 e 52);

l) notas fiscais de produtor/entrada, em nome do autor, referentes à comercialização de produtos agrícolas nos anos de 1971 a 1978 (fls. 54 e 56/65);

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m) certidão de casamento do autor, cujo assento se deu em 20.01.78, na qual consta a sua profissão como agricultor (fl. 80);

n) cópias do Livro Diário da Cooperativa Tritícola Mista Alto Jacuí Ltda., nas quais constam os registros de transações efetuadas pelo pai do autor nos anos de 1965/1966. (fls. 82/83)

Tenho que tais documentos, ainda que alguns não sejam contempo-râneos aos fatos, aliados aos que o são, constituem início razoável de prova material do período postulado pelo autor.

Por sua vez, o início de prova material e o depoimento pessoal do autor foram corroborados pela prova testemunhal (fls. 196/197), a qual é categórica no sentido de que o autor desempenhava atividades rurícolas desde tenra idade, em regime de economia familiar, até o momento em que passou a exercer a atividade urbana.

Depreende-se, portanto, da análise da prova produzida na instrução processual, que restou devidamente comprovado o labor rural do autor no período de 25.10.65 (data em que completou 12 anos de idade) a 15.04.78 (dia anterior ao do início do contrato de trabalho urbano), porquanto há início de prova material contemporânea aos fatos, corroborada pela prova testemunhal, devendo ser descontado desse período o lapso temporal de 01.01.67 a 15.04.78, extinguindo-se, no ponto, o processo sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir, a teor do disposto no art. 267, inciso VI, do CPC, uma vez que já reconhecidos administrativamente pelo INSS. (fls. 27 e 199)

Dispensa do recolhimento das contribuições (período rural)Tratando-se de aposentadoria por tempo de serviço, o art. 55, § 2º, da

Lei nº 8.213/91, previu o cômputo do tempo rural, independentemente de contribuições, quando anterior à sua vigência, verbis:

“§ 2º. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das con-tribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.” (Grifei)

Destarte, o tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei nº 8.213/91 pode ser computado para a aposentadoria por tempo de ser-viço, sem recolhimento de contribuições, por expressa ressalva do § 2º do art. 55 da referida lei, salvo para carência. Frise-se que o e. Superior

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Tribunal de Justiça pacificou recentemente, por sua 3ª Seção, a matéria, consoante o seguinte precedente: EREsp 576741/RS, Min. Hélio Qua-glia Barbosa, 3ª S., DJ 06.06.05, p. 178. O e. Supremo Tribunal Federal possui o mesmo posicionamento. (AgRg.RE 369.655/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 22.04.2005, e AgRg no RE 339.351/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 15.04.2005)

Ressalte-se que o tempo de serviço rural sem o recolhimento das con-tribuições, em se tratando de regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família como aos demais dependentes do grupo familiar que com ele laboram. (STJ – REsp 506.959/RS, Relatora Min. Laurita Vaz, julg. em 07.10.2003; REsp 603.202, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Decisão de 06.05.2004)

Dirimida a questão acerca da comprovação do tempo de serviço rural controvertido e da inexigência de indenização das contribuições previdenciárias, cabe a análise do direito à concessão da aposentadoria pretendida.

Requisitos para a aposentadoria por tempo de serviço até a EC nº 20/98Cumpre referir que a Emenda Constitucional nº 20/98 expressamente

garantiu o direito adquirido à concessão de aposentadoria e pensão, a qualquer tempo, aos segurados e dependentes que até a data da publicação da Emenda (16.12.98) tivessem cumprido os requisitos para a obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.

Dessa forma, a despeito da profunda alteração promovida pela Emenda Constitucional quanto à aposentadoria por tempo de serviço, é imprescindível, para o caso concreto, o conhecimento dos requisitos da lei anterior.

Os artigos 52 a 56 da Lei nº 8.213/91 cuidaram da aposentadoria por tempo de serviço. Dispõem os arts. 52 e 53 o seguinte:

“Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do sexo masculino.

Art. 53. A aposentadoria por tempo de serviço, observado o disposto na Seção III deste Capítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de:

I. para a mulher: 70% do salário-de-benefício aos 25 anos de serviço, mais 6% deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% do salário--de-benefício aos 30 anos de serviço;

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II. para o homem: 70% do salário-de-benefício aos 30 anos de serviço, mais 6% deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% do salário--de-benefício aos 35 anos de serviço.”

Assim, para o cômputo do tempo de serviço até 16.12.98, o segurado tem que comprovar no mínimo 25 anos de tempo de serviço, se mulher, e 30, se homem, o que lhe dá direito à aposentadoria no valor de 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100%, o que se dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.

CarênciaA carência exigida no caso de aposentadoria por tempo de serviço é de

180 contribuições. Contudo, para os segurados inscritos na Previdência Social Urbana até 24.07.91, bem como para os trabalhadores e empre-gadores rurais cobertos pela Previdência Social Rural, a carência para as aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à tabela prevista no art. 142 da LB, conforme o ano em que o segurado implementou as condições necessárias à obtenção do benefício.

Total do tempo e direitoEm sendo assim, somando-se o tempo de atividade rural judicialmente

admitido com o tempo de serviço do autor já reconhecido na seara ad-ministrativa, consoante resumo de cálculo da fl. 27, resta contabilizado o seguinte tempo de serviço até 02.01.97 (DER):

No caso em análise, tendo o autor implementado o tempo de serviço suficiente para a obtenção da aposentadoria em 1997, a carência legal-mente exigida é de 96 meses de contribuição, a teor da disposição contida no artigo 142 da Lei nº 8.213, de 24.07.91, com a redação conferida pela Lei nº 9.032, de 28.04.95, o que restou devidamente comprovado nos autos, consoante documento da fl. 27.

Desse modo, contando o autor mais de 30 anos de tempo de serviço

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e estando cumprida a carência legalmente exigida, tem direito à conces-são de aposentadoria por tempo de serviço proporcional, nos termos do artigo 53, inciso II, da Lei nº 8.213, de 24.07.91, correspondente a 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício, a partir da data da entrada do requerimento administrativo. (02.01.97)

Cálculo do salário-de-benefício Por fim, cumpre referir que o salário-de-benefício deve ser calculado

pela média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribui-ção dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36, apurados em período não superior a 48 meses, devidamente atualizados, mês a mês, não havendo, neste caso, nenhuma influência do fator previdenciário.

No caso dos autos, sustenta o autor que, havendo atividades concomi-tantes, em relação às quais a filiação à Previdência Social é obrigatória, deveria ser observado, ainda, o disposto no art. 32 da Lei de Benefício, verbis:

“Art. 32. O salário-de-benefício do segurado que contribuir em razão de atividades concomitantes será calculado com base na soma dos salários-de-contribuição das ativi-dades exercidas na data do requerimento ou do óbito, ou no período básico de cálculo, observado o disposto no art. 29 e as normas seguintes:

I. quando o segurado satisfizer, em relação a cada atividade, as condições do bene-fício requerido, o salário-de-beneficio será calculado com base na soma dos respectivos salários-de-contribuição;

II. quando não se verificar a hipótese do inciso anterior, o salário-de-benefício corresponde à soma das seguintes parcelas:

a) o salário-de-benefício calculado com base nos salários-de-contribuição das ati-vidades em relação às quais são atendidas as condições do benefício requerido;

b) um percentual da média do salário-de-contribuição de cada uma das demais atividades, equivalente à relação entre o número de meses completo de contribuição e os do período de carência do benefício requerido;

III. quando se tratar de benefício por tempo de serviço, o percentual da alínea b do inciso II será o resultante da relação entre os anos completos de atividade e o número de anos de serviço considerado para a concessão do benefício.

§ 1º O disposto neste artigo não se aplica ao segurado que, em obediência ao limite má-ximo do salário-de-contribuição, contribuiu apenas por uma das atividades concomitantes.

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo ao segurado que tenha sofrido redução do salário-de-contribuição das atividades concomitantes em respeito ao limite máximo desse salário.”

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Ocorre que, prossegue o autor, tal dispositivo não foi observado pelo juízo a quo, assim como pelo INSS, que desconsideraram o período em que trabalhou como empregado, equivocadamente enquadrando-o como sócio cotista/gerente, que deveria se sujeitar à escala de salário-base. E é exatamente nesse ponto que se apresenta a insurgência constante do apelo do autor.

Com efeito, tenho que o juiz, no que diz respeito ao enquadramento do autor no período em que laborou na Agropecuária Krüger Ltda., bem solveu a questão, não o enquadrando como empregado, mas sim como sócio-gerente/cotista que recebe remuneração da empresa, isto é, como contribuinte individual.

Isso porque, em março de 1981, o autor se tornou sócio da empresa Agropecuária Krüger Ltda. (fls. 70/74), passando, a partir de 01.09.81, a exercer a função de sócio-gerente (fl. 155), recolhendo contribuições para a Previdência Social na qualidade de empregado da referida sociedade e não como empregador, como seria o correto (art. 11, inciso V, alínea f, da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97; inciso III do mesmo artigo na sua redação originária), bem como na condição de autônomo, haja vista desenvolver, também, a atividade de representante comercial. (fl. 88)

A matéria, no que diz com a situação fática e subsunção jurídica, foi bem analisada pelo julgador monocrático, consoante excerto da sentença a seguir transcrito:

“A matéria é nebulosa, porque as partes não esclareceram exatamente em que termos fáticos se punha a lide. É o recurso administrativo apresentado pela parte autora perante o INSS, em fls. 102/103, que lança luzes sobre a questão. Ali se explica que o ora autor é cotista de Arzeno Krueger e Filhos Ltda. Desde 1981 (o contrato constitutivo é de 04/81). Trata-se justamente essa sociedade de sua empregadora. Aduz o autor em seu recurso perante o INSS – e aí começa a sua derrocada – que ... ‘além de sócio quotista é também o administrador da referida empresa, e como tal tem carteira assinada e recebe salários como empregado na condição de administrador, não contribuiu como empregador e sim como empregado’. Calha então a lição de Rocha/Baltazar, quando referem que ‘o administrador será então considerado empregado ou empresário (agora contribuinte individual) conforme ostente ou não a condição de ‘proprietário’ da empresa na qualidade de sócio ou acionista’. Sendo assim, já se constata o desca-bimento do pleito do autor, que pretende ver computadas contribuições efetuadas como se empregado fosse, escapando, então, ao regime próprio dos contribuintes individuais

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(entre eles os sócios de limitadas), que se sujeitam à escala de salários-base. Porque era sócio ab origine (cf. contrato social fl. 70), repise-se, a remuneração a que fazia jus não correspondia a salário – porque não se vislumbra relação de emprego entre sócio e sociedade, por falta de subordinação –, mas sim a pro labore, i.e, remuneração fixa devida ao administrador, seja sócio ou não sócio. E o que é decisivo: essa remuneração não se converte diretamente em salário-de-contribuição, devendo antes se respeitarem os interstícios de cada classe na escala do salário contributivo. Corrobora essas constata-ções o relatório da pesquisa administrativa de fl. 89, segundo o qual o autor não efetuou retiradas de pro labore no período em que afirma ter sido sócio daquela empresa. Bem ao contrário, segundo ficha de registro de fl. 90, ele teria se tornado empregado daquela mesma empresa desde 01.09.81 (quando afirma que teria começado a contribuir como autônomo): conclui-se, portanto, que, nada obstante sócio, o autor era remunerado, indevidamente, como se empregado fosse. Mais singular ainda é que a própria ficha de fl. 164 (‘ficha de empregado’) descreve a função do autor como ‘sócio-gerente’ ... Repise-se mais uma vez, a fim de bem marcar o descabimento do pleito: quem é sócio não é empregado! Inviável, portanto, o reconhecimento da concomitância das atividades, apenas merecendo cômputo o tempo de contribuição do autor como autônomo desde mai/80 até 1995, na classe 1, e de setembro do mesmo ano até out/96 na classe 2 (cf. resumo de documentos para cálculo do tempo de fl. 27, assim como o doc. de fl. 77). (...)” (grifos pertencentes ao original)

Cumpre ressaltar, ainda, que a empresa da qual era sócio o autor tratava-se de uma empresa rural familiar, na qual o sócio majoritário era o seu sogro, conforme documentos adunados aos autos e se depreende do seu depoimento pessoal (fl. 195). Ainda, teve seu “contrato” rescin-dido em 30.06.95 (fl. 144), quando percebia R$ 400,00 (fl. 166), sendo “recontratado” no dia seguinte, com o “salário” de R$ 1.200,00 (fl. 155), superior, inclusive, ao maior valor teto de contribuições na época, equiva-lente a R$ 832,66 (cf. Portaria nº 2005, de 08.05.95). Dessume-se, ainda, dos autos que em 30.06.95 teriam sido demitidos todos os empregados da empresa, sendo recontratado apenas, em 01.07.95, o apelante (fl. 95). Tudo, portanto, a demonstrar que de empregado não se tratava o autor, mas sim de sócio-cotista administrador da empresa familiar.

Em verdade, portanto, no plano fático, o autor exercia duas atividades simultâneas sujeitas à escala de salário-base, como representante comer-cial (art. 11, inciso V, alínea h, da Lei nº 8.213/91) e como sócio cotista/sócio-gerente que recebia remuneração decorrente de seu trabalho em empresa urbana ou rural (art. 11, inciso V, alínea f, da Lei nº 8.213/91). E, assim sendo, inaplicável, na espécie, o disposto no art. 32 da Lei nº

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8.213/91, como pretendido pelo autor, porquanto, por força do § 4º do art. 29 da Lei nº 8.212/91, na redação vigente na época dos fatos, “o segurado que exercer a atividades simultâneas sujeitas a salário-base contribuirá com relação a apenas uma delas”.

Todavia, entendo que o INSS não poderia ter desconsiderado o tempo trabalhado junto à Agropecuária, mesmo que o considerando como ativi-dade sujeita à escala de salário-base. Isso porque, conforme demonstram os autos, houve o recolhimento de contribuições previdenciárias pela empresa e pelo segurado, ainda que de maneira equivocada. Tendo em vista, por outro lado, que a contribuição do segurado e da empresa, somadas, são superiores à exigida a título de percentual sobre a escala de salário-base, apresenta-se razoável considerar-se tais recolhimentos como se contribuinte individual fosse, devendo-se observar, quanto aos valores vertidos, os li-mites previstos na extinta escala de salários-base (classe versus interstício mínimo), considerando, sempre, apenas uma das atividades.

Dessa forma, acolho, em parte, a apelação do autor para reformar parcialmente a sentença, para determinar que sejam considerados os recolhimentos efetuados na qualidade de empregado como se recolhidos na qualidade de contribuinte individual, devendo-se, observar, no entanto, ao longo do tempo, os limites impostos pelas classes e interstícios da escala de salário-base.

Correção monetária Quanto à atualização monetária das parcelas vencidas, observo que,

segundo jurisprudência desta Corte, esta deveria ser feita apenas pelo IGP-DI (MP nº 1.415/96 e Lei nº 9.711/98), desde a data dos vencimentos de cada uma, inclusive daquelas anteriores ao ajuizamento da ação, em consonância com a jurisprudência desta Corte e os enunciados nos 43 e 148 da Súmula do STJ.

No entanto, diante da resignação do autor, bem como por ser mais benéfico para a Autarquia, mantenho a utilização do INPC a partir de 02/2004, consoante o disposto na sentença.

Juros de moraOs juros moratórios são devidos à taxa de 1% ao mês, a contar da cita-

ção, por se tratar de verba de caráter alimentar, na forma dos Enunciados das Súmulas nos 204 do STJ e 03 do TRF da 4ª Região e precedentes do

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Superior Tribunal de Justiça (EREsp nº 207992/CE, Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJU de 04.02.2002, seção I, p. 287), não merecendo reparos a decisão singular.

Honorários advocatíciosEm face da sucumbência recíproca e equivalente, os honorários ad-

vocatícios restam compensados entre as partes, nos termos do disposto no art. 21 do CPC e na Súmula nº 306 do STJ.

CustasSem condenação em custas processuais, em razão da isenção do

INSS e do autor na Justiça Federal, este último por ser beneficiário da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no art. 4º, incisos I e II, da Lei nº 9.289, de 04.07.96.

Dispositivo Diante do exposto, extingo, de ofício, o processo sem julgamento

do mérito em relação ao período de 01.01.67 a 15.04.78, por falta de interesse de agir, a teor do disposto no art. 267, inciso VI, do CPC; dou parcial provimento à apelação do autor, e nego provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, nos termos da fundamentação retro.

É o voto.

VOTO DIVERGENTE

A Exma. Sra. Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch: No que diz respeito à correção monetária, entendo que deve ser reformada a sentença de primeiro grau, uma vez que determinou que a atualização monetária das parcelas em atraso deverá ser feita em conformidade com o INPC.

Inicialmente, refiro que não se caracteriza, no caso, e não obstante não ter havido apelação da parte autora quanto ao ponto, reformatio in pejus, tendo em vista a natureza alimentar dos benefícios previdenciários e a conseqüente necessidade de que a correção monetária reflita ao máximo possível a realidade inflacionária. Nesse ponto, filio-me à jurisprudência mais recente do egrégio Superior Tribunal de Justiça, que vem tornando a reconhecer inclusive a possibilidade de inclusão, por ocasião da liqui-dação de sentença, de índices distintos daquele objeto da coisa julgada no processo de conhecimento, contanto que melhor reflitam tal realidade:

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“RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. ATUALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. PRESTAÇÕES DE NATUREZA ALIMENTAR. INCLUSÃO DOS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. APLICABILIDADE.

Correta a aplicação dos expurgos inflacionários, porquanto, tratando-se de benefí-cios previdenciários, verba de caráter alimentar, a correção monetária deve ser a mais consentânea com a realidade, desde quando devida cada parcela, ainda que pagas administrativamente.

É pacífico o entendimento desta Corte Superior que, em se tratando de verbas relativas a benefícios previdenciários, são elas consideradas de natureza alimentar e, portanto, no presente caso, não fere a coisa julgada quando a ação de execução atualiza o cálculo diferentemente do que foi estabelecido na ação de conhecimento, para manter a realidade econômica de cada beneficiário. Esta Corte adota o princípio de aplicar, em qualquer situação, o índice que melhor reflita a realidade inflacionária do período, independente-mente das determinações oficiais. (Precedente: Edcl no AG 627357/PR)

Recurso especial da autarquia federal desprovido e recurso de Severino Félix Chaves provido para que sejam aplicados os expurgos inflacionários.” (STJ, REsp 720365/PB, 5ª T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, unânime, DJU I 27.06.05, p. 443)

Ademais, no que concerne especificamente à ocorrência de reformatio in pejus, assim se manifestou aquele Tribunal:

“PROCESSUAL CIVIL. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. PRE-VIDENCIÁRIO. JUROS DE MORA. PERCENTUAL. TERMO A QUO. IPC DE JANEIRO DE 1989. 42,72% E 70,28%.

1. Não há falar em reformatio in pejus em relação à inclusão do IPC, pois, como critério de correção monetária que é, não se sujeita nem à coisa julgada (REsp no 165573/SP, DJU 08.06.98) e, muito menos, no que tange aos juros de mora que, pelo art. 293 do CPC, se incluem no pedido principal. Precedentes. (...)

4. Recurso especial conhecido em parte e nesta extensão provido, apenas para fixar o percentual dos juros moratórios e seu termo a quo e reduzir o IPC de janeiro de 89 para 42,72%.” (REsp 204693/PE , 6ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU1 31.05.99)

A correção monetária, como é pacífico, não é um plus, não acresce ao pedido, mas simplesmente se destina a preservar o valor da moeda aviltada pelo processo inflacionário, o que adquire especial relevo nas ações relativas a prestações alimentares, como as previdenciárias. Por tal motivo, é entendimento pacífico desta Corte que, inexistindo pedido de correção monetária ou sendo a sentença omissa quanto ao ponto, ela pode ser fixada em sede de apelação. Ora, se se admite o mais, que consiste

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tanto no suprimento do pedido inicial incompleto como da sentença omissa, sem que isso se identifique com a reformatio in pejus, é ilógico que não se admita o menos, ou seja, a simples adequação do índice equivocada-mente estabelecido em sentença àquele que é amplamente reconhecido na jurisprudência deste Tribunal como o cabível na atualização monetária das parcelas atrasadas dos benefícios previdenciários.

Ora, não há como se precisar com certeza que a atualização dos valores devidos pelo INPC seja maior do que o montante obtido com o IGP-DI, quando do exame do feito em segundo grau. Não há como se afirmar, categoricamente, que a utilização do INPC acarretará um valor de condenação maior em relação à aplicação do IGP-DI. Em se tratando de apuração do valor certo, ou seja, do débito judicial, não há como se trabalhar com mera expectativa considerando a variação, tão-só, dos índices até a data do exame em sede recursal, pois não há como se con-siderar o período posterior, qual seja, até a efetiva conta de liquidação, durante o qual a variação do índice eleito como de “menor variação” pode passar a ter maior variação. Impossível o juízo de certeza.

Assim, diante da impossibilidade de se determinar, no presente momento, qual índice implica valor maior, entendo que a decisão mo-nocrática deve ser reformada no ponto, aplicando-se o indexador que reflita de forma adequada a variação inflacionária e que, de acordo com a jurisprudência pacífica desta Corte no que diz respeito à atualização das parcelas atrasadas de benefícios previdenciários, é o IGP-DI.

Frente ao exposto, voto no sentido de, ex-officio, determinar a atu-alização monetária pelo IGP-DI, acompanhando o voto do eminente relator nos demais termos.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGPT Nº 2003.04.01.023045-3/SC

Relator : O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Embargantes: Aclete Ribeiro da Cunha e outrosAdvogados: Dr. Kim Heilmann Galvão do Rio Apa

Dra. Márcia Vieira CoelhoEmbargada: Decisão de fls.

Interessada: Universidade Federal de Santa Catarina - UFSCAdvogado: Dr. Luís Henrique Martins dos Anjos

EMENTA

Embargos de declaração. Omissão. Integração. Competência. Emen-da Constitucional nº 45/2004. Honorários advocatícios.

São pré-requisitos autorizadores dos embargos de declaração a omissão, contradição ou obscuridade na decisão embargada. Também a jurisprudência os admite para a correção de erro material e para fim de prequestionamento. Reconhecida a existência de omissão, integra-se o julgado.

Prolatada a sentença por Juiz Federal antes da entrada em vigor da alteração operada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que redefiniu a competência da Justiça do Trabalho, a competência deve manter-se na Justiça em que tramitava a ação, cabendo a apreciação do recurso à Corte de segundo grau correspondente. Não compete, pois, à Justiça do Trabalho o exame do presente agravo de petição.

Os honorários advocatícios, em processo de direito trabalhista, não são devidos.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher os embargos de declaração, com efeitos infringen-tes, para clarear o julgado no que se refere à manutenção da competência da Justiça Federal, após o advento da EC nº 45/2004, e para dar parcial provimento ao agravo de petição da reclamada, afastando a condenação relativa aos honorários advocatícios, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 2 de agosto de 2006.Des. Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Trata-se de embargos de declaração interpostos contra decisão que negou seguimento aos agra-vos de petição e ao recurso adesivo. A embargante afirma omissão no julgado quanto a dois pontos: a) insurgência da reclamada em relação aos honorários advocatícios fixados pela sentença monocrática quando do julgamento dos embargos à execução; b) falta de manifestação acerca da alteração da competência para o julgamento do presente processo, levada a efeito pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que modificou o artigo 114 da Constituição Federal. Afirmando tratar-se de questão de ordem pública, a embargante espera manifestação acerca da competência absoluta em razão da matéria conferida à Justiça do Trabalho.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: São pré-requisitos autorizado-res dos embargos de declaração a omissão, contradição ou obscuridade na decisão embargada. Também a jurisprudência os admite para a correção de erro material e para fim de prequestionamento.

Em suas razões de recorrer, por meio dos presentes embargos de declaração, diz a autora, ora embargante, que a decisão nada menciona a respeito da sua insurgência em relação à condenação nos honorários advocatícios fixados no julgamento dos embargos à execução. Alega, ainda, a falta de manifestação acerca da alteração da competência para o

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julgamento do presente processo, levada a efeito pela Emenda Constitu-cional nº 45/2004, que modificou o artigo 114 da Constituição Federal.

Assiste razão à embargante quanto às apontadas lacunas. Assim, passo à integração do julgado:

Tenho que, prolatada a sentença por Juiz Federal antes da entrada em vigor da alteração operada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que redefiniu a competência da Justiça do Trabalho, a competência deve manter-se na Justiça em que tramitava a ação, cabendo a apreciação do recurso à Corte de segundo grau correspondente. Não compete, pois, à Justiça do Trabalho o exame do presente agravo de petição.

No julgamento do conflito de competência nº 51.712-SP, em face da Emenda Constitucional nº 45/2004, a 2ª Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça assim decidiu:

“Nesses termos, o marco definidor da competência ou não da Justiça obreira é a sentença proferida na causa. Se já foi ela prolatada pelo Juiz de Direito por onde tramitava, a competência permanece na Justiça comum estadual, cabendo o eventual recurso à Corte de 2º grau correspondente. Se ainda não foi proferida a decisão, o feito deve desde logo ser remetido à Justiça do Trabalho.

No caso em exame, ainda não foi prolatada a sentença, motivo pelo qual se conclui pela competência da Justiça trabalhista.

Isto posto, conheço do conflito e declaro competente o Juízo da 2ª Vara do Trabalho de São Carlos – o suscitante.

É como voto.” (Rel. Min. Barros Monteiro, julg. em 10.08.05)

Não se desconhece o princípio de que não existe direito adquirido em matéria de competência absoluta. Entretanto, cumpre ressaltar importante aspecto concernente ao direito transitório.

Veja-se, neste particular, como recentemente se pronunciou o STJ:“Segundo as regras de direito intertemporal que disciplinam o sistema jurídico brasileiro

no concernente à aplicação da lei no tempo, as inovações legislativas de caráter estritamente processual, como é a Lei 10.628/2002, devem ser aplicadas, de imediato, inclusive nos processos já em curso. Tal regra não conflita, todavia, com outra regra básica de natureza procedimental, segundo a qual o recurso próprio é o existente à época em que publicada a sentença. Assim, mantém-se o procedimento recursal então adotado, inclusive em relação à competência para julgamento do apelo, salvo se suprimido o tribunal para o qual for endereçado. Resguarda-se, com isso, os atos praticados sob a legislação revogada, prestigiando o princípio do direito adquirido.(...)” (PET 2761/MG, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª T., julg. em 03.02.2005, DJ 28.02.2005, p. 185)

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Acrescente-se, ainda, o argumento de que os Tribunais não podem rever atos de Juízes que não lhes são vinculados. (CC 1.469-RS, julgado no STJ em 13.03.91)

Assim, apenas os processos que, no advento da Emenda Constitucio-nal nº 45/2004, de 08.12.2004, publicada no DOU do dia 31.12.2004, ainda se encontravam sem sentença prolatada serão remetidos à Justiça do Trabalho. Aqueles já com sentença prosseguem regidos pela antiga competência da Justiça Comum Federal, inclusive recursal e executória.

Para reforçar tal entendimento, cito recente decisão do Superior Tribunal de Justiça declarando a competência da Justiça Estadual nos processos em que proferidas sentenças anteriores à Emenda Constitucional nº 45/2004:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004. SENTENÇA PROFERIDA AN-TES DA ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO.

A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do CC 51.712/SP, firmou entendimento no sentido de ser a sentença proferida na causa, antes da EC nº 45/04, marco defini-dor da competência. Assim, se a sentença já havia sido prolatada pelo Juiz de Direito por onde tramitava, a competência permanece na Justiça comum estadual, cabendo o eventual recurso à Corte de segundo grau correspondente. Se ainda não foi proferida a decisão, o feito deve desde logo ser remetido à Justiça do Trabalho. Conflito conhecido, declarando-se competente o juízo suscitado.” (STJ. CC nº 54.885/RS (2005/0154455-3), Rel. Min. Castro Filho)

Nessa medida, não compete à Justiça do Trabalho o exame do presente agravo de petição.

No tocante à condenação da reclamante nos honorários advocatícios dos embargos à execução, tenho que a insurgência merece prosperar. A decisão que negou seguimento ao agravo de petição afirmou:

“Quanto à insurgência da Universidade no sentido da majoração dos honorários advocatícios, tenho que a mesma não prospera, tendo em vista o incabimento da verba honorária na espécie, que, contudo, não pode ser afastada sob pena de reformatio in pejus, devendo ser mantida tal como fixada na sentença, também, ante a ausência de recurso específico do autor no ponto.” (fls. 1108/1109) (grifei)

Não considerou, entretanto, a existência de recurso da reclamante sobre o mesmo ponto (fls. 1059/1061). Assim, havendo impugnação específica, deve ser excluída a condenação relativa à verba honorária.

Isso porque, no processo do trabalho, os honorários advocatícios não são devidos. Vejamos:

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“Inexistência de verba honorária, em decorrência de a sucumbência, nas reclama-ções trabalhistas, não ser na hipótese da Lei 5584/70. Jurisprudência dos Tribunais do Trabalho acolhida. (STF, AgRg-AI 152.060-4-SP, Carlos Velloso, Ac. 2ª T.)”

Excepcionalmente, pode-se emprestar efeitos infringentes aos embargos declaratórios, reexaminando a matéria, só que, logicamente, há de estar presente um ou mais pré-requisitos autorizadores do recurso: omissão, obscuridade ou contradição, nos termos do art. 535 e incisos do CPC.

No caso, suprida a omissão apontada, impõe-se seja dado parcial provimento ao agravo de petição da reclamada para afastar a condenação relativa aos honorários advocatícios.

Isso posto, acolho os embargos de declaração, com efeitos infringen-tes, para clarear o julgado no que se refere à manutenção da competência da Justiça Federal, após o advento da EC nº 45/2004, e para dar parcial provimento ao agravo de petição da reclamada, afastando a condenação relativa aos honorários advocatícios.

É o voto.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2005.04.01.022177-1/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Impetrante: Terezinha Maria de OliveiraAdvogados: Drs. Alessandra Pivetta Moraes Camisão e outrosImpetrado: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Florianópolis

Interessado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Dr. Mauro Luciano Hauschild

EMENTA

Previdenciário. Processo Civil. Fase executiva. Embargos intempes-tivos. Precatório. Valores postos à disposição do juízo. Argüição de erro material. Novos cálculos comprovando o excesso apontado. Ofensa à coisa julgada inexistente. Execução sem título. Inteligência dos artigos

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471, caput, e 610 do CPC. Decisão não teratológica. Agravo de instru-mento. Recurso cabível. Mandado de segurança. Súmula 267 do STF. Não conhecimento. Precedentes.

1. Se é certo que a coisa julgada estabiliza internamente a lide, im-pedindo sua rediscussão pelo magistrado, não é menos verdade que, no plano externo, também projeta seus efeitos em relação às partes do processo, em ordem a delas exigir que, ao aparelharem a execução com o título que se formou revestido daquela qualidade, observem, rigoro-samente, sobre o que ele proveu.

2. Nessa extensão, se os cálculos, ainda que cobertos pelo fenômeno da preclusão, estiverem divorciados do comando que deu azo à cobrança judicial, e tal aspecto não tiver sido até então enfrentado pelo juiz, ausente estará causa jurídica para o pagamento, porquanto o erro material, que não transita em julgado, a esta altura restará configurado ante o rompimento do indispensável liame entre o an e o quantum debeatur, em uma palavra, tratar-se-á de execução sem título. Inteligência dos artigos 471, caput, e 610 do CPC.

3. Ato jurisdicional que se pauta por tais cautelas não pode ser tido por teratológico, muito menos violador de direito líquido e certo; portanto, incapaz de ser infligido por mandado de segurança, quando, para a hi-pótese, há recurso previsto em lei, dotado de efeito suspensivo. Súmula 267 do STF. Precedentes.

4. Decaindo sobre o principal (implantação do novo valor do bene-fício, após revisão), fica prejudicado o exame do acessório (astreintes), em face da impossibilidade material concernente ao não-cumprimento da medida, que, no caso, deixará de existir.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimi-dade, não conhecer do mandado de segurança, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 13 de junho de 2006.Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.

RELATÓRIO

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O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de deferimento de liminar, impe-trado contra ato do Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Florianópolis-SC (fls. 120/121), no qual é pleiteada a concessão da ordem para o fim de ser (a) revogada determinação no sentido de que os autos, em fase de precatório, rumassem à contadoria para elaboração de cálculo em que fosse apurada a adequação do valor em execução ao título que lhe deu origem; (b) liberada a totalidade do depósito judicial vinculado ao juízo, em nome da impetrante; (c) dado trânsito ao despacho de revisão do benefício previdenciário pertencente à autora, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) para o caso de seu descumprimento, já estabelecida em decisão anterior à da autoridade apontada como coatora.

Sustenta a impetrante que o refazimento da conta e o não-pagamento imediato do precatório é ilegal e abusivo, porquanto já encerrada a discussão acerca da pretensão executiva, ante a intempestividade dos embargos opostos à execução, com formação da coisa julgada, que, a seu turno, outorgou a aplicação da Súmula 260 do extinto TFR sobre o benefício de aposentadoria especial percebido em vida pelo segurado instituidor da pensão, com o recálculo de ambos os amparos e pagamento das diferenças daí decorrentes.

Nesta Corte, o Juiz Federal Décio José da Silva (convocado), indefe-riu a liminar em face da ausência do periculum in mora (fls. 126/127), decisão da qual não houve recurso (fl. 168).

As informações (fls. 142/154) sustentaram, preliminarmente, a impro-priedade da via eleita e, no mérito, o que segue (fls. 142/154):

a) em razão de o INSS apresentar discordância dos cálculos apresenta-dos pela parte exeqüente, quanto aos efeitos da aplicação da Súmula 260 do extinto TFR após abril/89, época em que começa a vigorar o artigo 58 do ADCT, ou seja, não se teria qualquer reflexo na RMI da pensão (DIB em 26.10.88) em período posterior à referida data, benefício originado da aposentadoria especial (22.10.76) pertencente ao de cujus e, considerando a indisponibilidade do patrimônio público, decidiu assegurar-se de que o valor executado adequava-se ao título judicial;

b) oferecido cálculo pela Contadoria Judicial, no qual se constatou ser devido à parte impetrante montante bem inferior ao pretendido na execução em tela, entendeu ser caso de determinar a expedição de al-

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vará para levantamento dos valores apurados pelo referido órgão, bem como, após o trânsito em julgado dessa decisão e do presente mandado de segurança, a conversão em renda do INSS dos valores excedentes;

c) o ato de remeter os autos para a contadoria, a fim de examinar a correspondência entre a quantia executada e o título judicial, inclui-se dentro do poder geral de cautela do órgão jurisdicional, sendo que o juiz pode conhecer, de ofício, de questões de ordem pública e que a inicial, quando executa valor maior do que aquele autorizado pela sentença transitada em julgado, descumpre um dos pressupostos do processo executivo, na medida em que equivale a execução sem título, além de possibilitar o enriquecimento ilícito do credor.

Oficiando no feito, o parquet (fls. 175/176) opinou pelo não-conhe-cimento do mandado de segurança, porque, consoante a Súmula 267 do STF, o ato impugnado poderia ser atacado tão-somente por agravo de instrumento e, uma vez superada tal preliminar, pela denegação da ordem em razão da indisponibilidade do patrimônio público, princípio que permite determinar a efetiva quantia que decorre do dispositivo sen-tencial, mesmo na hipótese de o INSS não ter manejado validamente os embargos, mas, de qualquer forma, impugnado os valores em execução.

Adiado o julgamento do feito na sessão de 06.12.2005, hoje trago-o em mesa para exame da Turma.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Do quanto se viu no relatório, trata-se de mandado de segurança, com pedido de deferimento de liminar, impetrado contra ato do Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Florianópolis-SC (fls. 120/121), no qual é pleiteada a concessão da ordem para o fim de ser (a) revogada determinação no sentido de que os autos, em fase de precatório, rumassem à contadoria para elaboração de cálculo em que fosse apurada a adequação do valor em execução ao título que lhe deu origem; (b) liberada a totalidade do depósito judicial vinculado ao juízo, em nome da impetrante; (c) dado trânsito ao despacho de revisão do benefício previdenciário pertencente à autora, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) para o caso de seu descumprimento, já estabelecida em decisão anterior à da

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autoridade apontada como coatora.Em primeiro lugar, enfrento a argüida impropriedade do uso do writ,

consoante o verbete 267 da jurisprudência do STF consolidada em sú-mula: “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.”

É de ver-se que tal enunciado reproduz, praticamente, o inciso II do artigo 5º da Lei 1.533, de 31.12.51:

“Não se dará mandado de segurança quando se tratar: II - de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis proces-

suais ou possa ser modificado por via de correição;”

As razões dessa redação legal, inclusive as históricas, foram analisadas, magistralmente, por Teresa Arruda Alvim Pinto (Mandado de Segurança contra Ato Judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 44):

“1) Foi elaborada à época da vigência do Código de Processo Civil, de 1939, hoje revogado, e, em face daquele diploma, fazia algum sentido conceber-se decisão de que não coubesse recurso e que não fosse atacável via correição parcial, pois que, como se sabe, o agravo não era recurso que coubesse de todas as decisões interlocutórias, indiscriminadamente.

2) A ofensa a direito líquido e certo é pressuposto de cabimento do mandado de segurança. Entretanto, uma decisão contra a qual se pode ainda recorrer, em princípio, não terá ainda ofendido direito líquido e certo – pois ainda há o que fazer contra ela, tendo-se em vista a regra de que os recursos têm efeito suspensivo, salvo nos casos em que a lei expressamente dispõe em sentido inverso.”

Todavia, mesmo na vigência do CPC de 1973 subsistia o problema das decisões interlocutórias e sentenças que causavam prejuízo ao direito da parte, porquanto o recurso das primeiras não as suspendiam ou mesmo nas hipóteses em que o juiz recebia a apelação, apenas no efeito devolutivo.

A solução encontrada pela doutrina e pela jurisprudência nacionais foi permitir a utilização do mandado de segurança quando o recurso fosse destituído de carga paralisante, persistindo divergência quanto à neces-sidade ou não de interposição do mesmo, concomitantemente àquele.

Em que pesem as várias opiniões acerca dessa problemática, pode-se dizer que uma posição respeitável e de maior amplitude passou a admitir o ajuizamento da ação constitucional em questão, independentemente do oferecimento ou não do recurso adequado, bastando que o instru-mento recursal se mostrasse incapaz de evitar a lesão de direito e o

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conseqüente dano. Essa orientação foi seguida, como lembra Francisco Antonio de Oliveira (Mandado de Segurança e Controle Jurisdicional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 209-210), no V Encontro dos Tribunais de Alçada, realizado em 1981, no Rio de Janeiro, no qual se adotou, por maioria de dois votos, a seguinte conclusão: “Presente o requisito da irreparabilidade do dano, aliado à inexistência de recurso com efeito suspensivo, é admissível o mandado de segurança contra ato judicial.”

Em princípio, a generalização do uso do remédio heróico para dar efeito suspensivo ao agravo de instrumento, como leciona Carlos Alberto de Salles (Mandado de Segurança contra atos judiciais: as Súmulas 267 e 268 do STF revisitadas, Aspectos Polêmicos e Atuais do Mandado de Segurança 51 anos depois, Cassio Scarpinella Bueno e outros. São Pau-lo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 129), tinha como escopo sanar uma falha estrutural em nosso sistema recursal, anterior à superveniência da Lei 9.139/95, evitando risco de dano irreparável e possibilitando uma adequada prestação jurisdicional ao direito da parte.

Contudo, após a edição do supramencionado diploma legal, que, dando nova redação aos artigos 524 e 558 do CPC, permitiu a interposição do agravo diretamente no Tribunal, além de possibilitar que o relator, tanto para o agravo, como para os casos em que a apelação não tivesse efeito suspensivo, pudesse outorgar-lhes tal eficácia, o nosso sistema processual foi renovado, devendo perquirir se há algum espaço para o emprego da via mandamental para atacar ato judicial, mormente, na hipótese em tela.

Para essa pergunta, o último autor aludido (op. cit., p. 130) assim reflete:

“A propósito das questões levantadas, cabe sustentar, inicialmente, a subsis-tência do remédio constitucional, o qual não se extingue em razão de mudanças do ordenamento ordinário. Existe, isso sim, uma maior ou menor necessidade de sua utilização, decorrente do maior ou menor acerto da disciplina processual, nos termos da equação apontada acima.

O cabimento da medida, é evidente, está sempre condicionado àquela finalidade dada pelo texto da constituição, qual seja dar proteção a direito líquido e certo em face de ilegalidade ou abuso de poder por ato de autoridades públicas, entre elas aquelas no exercício do poder jurisdicional do Estado. Mesmo que abstratamente não se vislum-brem situações nas quais a via mandamental seja adequada, sua indisponibilidade há de ser sempre afirmada, não se podendo desdenhar da complexidade e gravidade das

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situações apresentadas pelos casos concretos, eventualmente não solucionáveis pelas vias recursais ordinárias.”

Essa percuciente observação, considerando a recorribilidade pratica-mente irrestrita desses atos (não se estende apenas aos despachos de mero expediente - artigo 504 do CPC) e a possibilidade de concessão de efeito suspensivo (artigo 558 do CPC) ao agravo de instrumento e, mesmo, à apelação, quando presente o pressuposto do risco de lesão grave e de difícil reparação, tem apoio na jurisprudência atual do STJ, colegiado a quem cabe uniformizar a interpretação do direito federal.

De fato, entende o Tribunal que, mesmo havendo possibilidade de impugnação da decisão judicial por recurso com efeito suspensivo, admissível a via do mandamus apenas quando a decisão mostrar-se teratológica e/ou manifestamente ilegal.

A propósito:“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL. INSS.

IMPETRAÇÃO DIRIGIDA CONTRA ATO JUDICIAL. CITAÇÃO. INDEFERIMEN-TO DA INICIAL. MANUTENÇÃO DO DECISUM.

A decisão judicial atacada pela via do presente mandamus não se afigura como tera-tológica, sendo possível a autarquia impetrante valer-se de outros recursos para atacá-la.

Recurso desprovido.” (ROMS 17.265/MT, 5ª T., Rel. Min. José Arnaldo Fonseca, DJU 27.09.2004)

“PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. UTILIZAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO. IMPROPRIEDADE. SÚMULA 267/STF. PRECE-DENTES DO STJ. HIPÓTESE EXCEPCIONAL NÃO CONFIGURADA

1. É o mandado de segurança via imprópria para atacar ato judicial passível de recurso próprio previsto na lei processual civil, consoante o disposto no art. 5º, inciso II, da Lei 1.533/51 e na Súmula 267/STF. Precedentes do STJ.

2. Em mandado de segurança, só se aceita impugnação de ato judicial quando a decisão se mostra teratológica e/ou manifestamente ilegal.

3. Recurso improvido.” (ROMS 18.070/RJ, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, DJU 13.12.2004)

“CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. PROLAÇÃO DE SENTENÇA. DECURSO DO LAPSO TEMPORAL PARA CI-TAÇÃO NÃO OBSERVADO. NULIDADE. EXPEDIÇÃO DE ‘MANDADO DE CANCELAMENTO E REGISTRO’. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGA-DO. IRREGULARIDADE. INFRINGÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO (ART. 5º, INCISOS LIV E LV, DA CF). DECISÃO TERATOLÓGICA. EXCEPCIONALI-

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DADE. CABIMENTO DA VIA MANDAMENTAL. LIQUIDEZ E CERTEZA DA IMPETRAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.

1. Consoante jurisprudência pacífica desta Corte Superior, o mandado de segurança não é sucedâneo de recurso, salvo em situações teratológicas da decisão ou a possibilida-de de esta causar dano irreparável ou de difícil reparação. A despeito do que estabelece a Súmula 267/STF, a jurisprudência e a doutrina sempre aceitaram o uso do mandado de segurança contra decisão judicial, desde que esta fosse impugnada por recurso próprio, tempestivo e desprovido de efeito suspensivo ou, ainda, fosse teratológica e afrontosa ao direito, suscetível de causar dano irreparável ou de difícil reparação. (cf. REsp nº 163.187/RO e 185.075/CE e RMS 4.474/RJ)

2. No presente caso, a inobservância dos prazos processuais de citação na Ação de Usucapião Extraordinário (arts. 942, 943 e 232, IV, do CPC), bem como o desrespeito ao devido processo legal e à ampla defesa e contraditório, constitucionalmente asse-gurados (art. 5º, incisos LIV e LV, da CF), acarretam a nulidade da sentença proferida, ‘sendo desnecessária a propositura de ação rescisória’ (STF-RT 573/286 e RE nº 96.696/RJ, Rel. p/acórdão Ministro ALFREDO BUZAID, DJU de 17.12.82). Ademais, causa perplexidade a celeridade com que a sentença monocrática foi prolatada, ou seja, em 24 (vinte e quatro) dias após o despacho que determinou a citação da recorrente, dos confinantes, dos interessados ausentes, incertos e desconhecidos (por edital), da União, do Estado e do Município. Outrossim, vislumbra-se total irregularidade na expedição, pelo Juízo monocrático, de ‘Mandado de Cancelamento e Transcrição do Imóvel’, sendo que a sentença ora atacada sequer foi publicada ou transitou em julgado, porquanto o patrono dos autores retirou os autos do Cartório e, apesar de intimado a devolvê-los, não cumpriu a determinação obstando a recorrente da prática de qualquer ato processual recursal. Teratologia dos provimentos judiciais patente. Nulidade da sentença reconhe-cida. Cabimento da impetração para defesa de direito líquido e certo.

3. Recurso provido para, reformando o v. acórdão de origem, conceder a ordem, declarando nula a sentença monocrática proferida nos autos da Ação de Usucapião Extraordinário (Proc. 120-2000/Cv), da Comarca de São Felix do Xingu/PA, como todos os atos processuais posteriores.” (ROMS 14.659/PA, 4ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 14.03.2005)

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. DESISTÊN-CIA DA AÇÃO EXPROPRIATÓRIA. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. SÚMULA 267/STF. DECISÃO TERATOLÓGICA. NÃO CONFIGURADA.

1. O Pretório Excelso coíbe o uso promíscuo do writ contra ato judicial suscetível de recurso próprio através da Súmula 267, que assim dispõe: ‘Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição’.

2. Writ impetrado para atacar decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Espírito Santo, que indeferiu o pedido de desistência formulado pela União, bem como determinou a averbação junto ao Cartório da 1ª Zona do Re-gistro de Imóveis da Comarca de Vitória/ES da sentença expropriatória, proferida na

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 123-542, 2006 407

ação de desapropriação nº 94.0001525-9, transitada em julgado, a fim de publicizar a aquisição da propriedade pela União.

3. O mandado de segurança não é sucedâneo de recurso, sendo imprópria a sua impetração contra decisão judicial passível de impugnação prevista em lei, consoante o disposto na Súmula 267 do STF.

4. Deveras, considerando que a decisão do Juízo Singular determina a averbação da sentença junto ao Cartório de Registro de Imóveis, correto o v. Acórdão proferido pelo TRF da 2ª Região ao afirmar a inadequação do instrumento ab origine, posto não caber mandamus contra ato judicial passível de recurso próprio, in casu, agravo de instrumento. Precedentes jurisprudenciais desta Corte: R0MS 5872/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 29.04.2002; ROMS 8441/CE, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 24.09.2001; ROMS 9103/DF, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 19.10.98.

5. Hipótese que não revela a ocorrência de decisão teratológica, hábil a possibilitar a admissibilidade de mandamus, consoante se infere do voto condutor do acórdão hostilizado. Nesse sentido: RMS 18070/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 13.12.2004 e RMS 17265/MT, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 19.08.2004.

6. In casu, a União impetrou o presente mandamus objetivando desconstituir a de-cisão pertinente à determinação de transcrição da propriedade no Registro de Imóveis, bem como as subseqüentes decisões, que investem a União na imissão definitiva da posse, dotando-lhe de todas as prerrogativas de proprietária do imóvel.

7. Ocorre que o imóvel objeto da desapropriação já foi registrado em nome da União, consoante se infere do julgamento proferido pelo Tribunal Regional Federal, nos autos da Medida Cautelar nº 2002.02.01.036036-4.

8. Recurso ordinário improvido.” (ROMS 18659/ES, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJU 21.03.2005)

A esta altura, creio que já se vê que a sedizente preliminar mostra-se, na realidade, intimamente imbricada com o mérito da impetração, razão por que passo ao seu exame conjugadamente com o desta.

Penso que a solução da questão – como se verá mais adiante – não se põe em termos de ofensa ao princípio constitucional da segurança jurídica, que se veria arrostado pelo alegado descumprimento à coisa julgada, conforme entrevê a impetrante, mas sim reclama reverência a outro postulado, cardeal no âmbito normativo do Código de Processo Civil: “Art. 610. É defeso, na liquidação, discutir de novo a lide, ou modificar a sentença que a julgou.”

Com efeito, a prescrição legal expressa a inteligência que deve orientar a aplicação do princípio da correlação à fase de execução, é dizer, quando o exeqüente busca transformar o an em quantum debeatur.

Ora, parece ser intuitivo que, para o êxito e higidez dessa operação,

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deve-se saber qual o título judicial que aparelha a fase executiva.No caso, disse a parte autora (fl. 04):“A decisão de mérito transitou em julgado, material e formalmente, em 15 de

março de 2002. O conteúdo material, imutável e indiscutível, dessa decisão declarou o direito material da impetrante em ter seu benefício revisado desde sua implementação, equacionalizando-se o valor, e condenou o INSS a pagar as diferenças existentes.” (o grifo não consta no original)

Logo, de pronto se vê que a impetrante – pensionista – acredita ter direito à revisão de SEU benefício (rectius = pensão), desde sua imple-mentação, não apenas do amparo que o originou.

Vejamos, na seqüência, o resumo da sentença e dos acórdãos profe-ridos no processo:

“ISTO POSTO, hei por bem julgar PROCEDENTE o pedido e condenar o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, observada a prescrição qüinqüenal, a proceder ao reajustamento dos benefícios previdenciários das Autoras, devendo, em relação à pensionista TEREZINHA MARIA DE OLIVEIRA, retroagir o cálculo à época da prestação originária, aplicando-se, no primeiro reajuste, o índice integral da política salarial, obedecido o salário mínimo vigente à época da concessão, e, a partir de então, mantida a equação entre o valor da prestação e o salário-mínimo, pagas as diferenças acrescidas de juros, a partir da citação, e correção monetária nos termos da Súmula nº 71 do Egrégio Tribunal Federal de Recursos (ora extinto) e Lei nº 6.899, de 1981, sendo que a apuração do quantum cabível à Autora TEREZINHA MARIA DE OLIVEIRA deve ter seu termo inicial na data da concessão da pensão. Arcará também o Instituto-réu com o pagamento da verba advocatícia em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, corrigido este à época do pagamento.” (fl. 33 – os grifos são nossos)

“PREVIDENCIÁRIO. REAJUSTE DO BENEFÍCIO QUE ORIGINOU A PEN-SÃO. LEGITIMIDADE.

1. A pensionista é parte legítima para postular a revisão da renda mensal do benefício que originou a pensão, bem como a receber eventuais quantias não recebidas em vida pelo titular do benefício (art. 112 da Lei nº 8.213/91). 2. A aplicação do índice integral (primeira parte da Súmula 260 do ex-TFR) e o respectivo cálculo devem ocorrer no benefício originário, pois é aí que se perpetra o prejuízo. Ocorre que os benefícios derivados, no caso a pensão, não sofrem um novo cálculo de renda mensal inicial, partindo do valor da renda já existente e vigorante para o benefício originário, sobre a qual é apenas aplicado o coeficiente de cálculo do novo benefício. 3. Apelo provido.” (fl. 44 – idem)

“PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO NO BENEFÍCIO ORIGINÁRIO. LEGITIMI-DADE ATIVA DA PENSIONISTA. ART. 112 DA LEI 8.213/91. ART. 6º DO CPC.

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VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES.I. Consoante a norma inscrita no art. 112 da Lei 8.213/91, a cônjuge pensionista

é parte legítima para pleitear em juízo eventuais diferenças no benefício recebido, ainda que a correção dos valores incida na RMI do benefício originário do de cujus. Precedentes.

II. Pensionista que busca em juízo diferenças no benefício já em manutenção, ao qual tem direito, pleiteia em nome próprio direito próprio, não havendo que se cogitar de ofensa ao art. 6º do CPC.

III. Recurso conhecido, mas desprovido.” (fl. 57 – ibidem)

Do quanto se reproduziu, tem-se que a sentença determinou a aplica-ção da 1ª parte da Súmula 260 do extinto Tribunal Federal de Recursos em relação à aposentadoria especial percebida, em vida, pelo marido da parte autora (DIB em 22.10.76), limitando o recebimento dos atrasados, a tal título, em relação àquela, a contar da pensão (DIB em 26.10.88), isto é, não lhe teve como legitimada a reclamar a integralidade dos atrasados, observada a prescrição qüinqüenal. O acórdão, reformando o ato sentencial nessa parte, decidiu que a impetrante podia receber os débitos previdenciários a que o de cujus fazia jus, mas sem que desse recebimento resultasse nova revisão, já agora sobre a pensão, haja vista sua natureza de amparo derivado. Nessa linha, também, o STJ.

Cobra relevo, nessa perspectiva, a dicção do artigo 512 do CPC: “O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso.”

A respeito, aduziu o INSS por ocasião dos seus embargos, deduzidos a destempo:

“1. A parte Autora utiliza-se de valores anteriormente apresentados pelo INSS como APBase recebida para a coluna devido e o efetivamente recebido para a coluna recebido e estendendo o cálculo das diferenças até 03/2004. Ora, se a condenação foi no sentido de aplicar o índice integral no 1º reajuste do benefício originário e isso não implica alterar a RMI, como poderia haver diferenças posteriores a 04/89 (inclusive), quando então passa a vigorar o art. 58 do ADCT? (cuja base é a RMI do benefício do institui-dor); Não aplicou, do mesmo modo, a Súmula 260 no benefício do instituidor;” (fl. 104)

Flagrada tal incongruência, sobreveio a decisão impetrada:“Vistos, etc.Cuida-se de execução proposta por Terezinha Maria de Oliveira contra o Instituto

Nacional do Seguro Social.Não obstante os embargos do INSS (Processo nº 200472000091534) tenham sido

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julgados intempestivos, a autarquia volta a estes autos de execução para dizer que a exeqüente não possui valores a receber, pois a decisão transitada em julgado assegurou--lhe a aplicação da Súmula 260 do TFR.

A exeqüente, por sua vez, pede a expedição de alvará judicial para levantar a quantia requisitada (fl. 348), assim como a determinação de que o INSS implante o reajuste do benefício.

Decido.A sentença, proferida em 03.06.1992, condenou o INSS a aplicar ao benefício da

autora o ‘índice integral da política salarial, obedecido o salário mínimo vigente à época da concessão, ... sendo que a apuração do quantum cabível à Autora TEREZINHA MARIA DE OLIVEIRA deve ter seu termo inicial na data da concessão da pensão’ (fl. 230). O Tribunal Regional Federal da Quarta Região deu provimento ao apelo da autora para que a aplicação do índice integral da primeira parte da Súmula 260 fosse contada desde o benefício originário. (fl. 255)

Muito embora intempestivos os embargos, tem razão o INSS quando diz que, sendo o patrimônio público indisponível, salvo lei, a falta de embargos à execução não impede que seja apurada a adequação do valor executado ao título.

Neste ponto, observo que o próprio INSS já havia se manifestado, antes da propo-situra da execução, apresentando as diferenças de pagamento de fls. 304/308.

Destarte, a fim de estabelecer segurança sobre o valor devido à exeqüente, bem como estabelecer o valor atual do benefício a ser implementado pelo INSS, determino a remessa dos autos à Contadoria.

Tendo em vista as circunstâncias deste processo (propositura em 1990, valores pendentes de levantamento, tramitação prioritária, etc.), reconheço a urgência na ultimação da conta e, excepcionalmente, estabeleço o prazo de cinco dias para a ela-boração do cálculo.

Apresentado o cálculo, manifestem-se as partes em 24 horas. Nada sendo requeri-do, expeça-se alvará para levantamento dos valores depositados até o valor da conta apresentada pela Contadoria e fixo o prazo de dez dias para que o INSS retifique o valor mensal do benefício da exeqüente. ...” (fls. 120/121)

A respeito, afirma a impetrante: “O M.M. Juiz, às fls. 349/350, acolhendo essa petição estranha do INSS, começou

um novo processo de embargos de execução, com manifesto efeito suspensivo, mesmo havendo preclusão máxima e coisa julgada de todas as decisões anteriores. Nesse ponto, o digno magistrado despachou determinando a remessa dos autos à contadoria para que esta emitisse parecer sobre os cálculos. Concomitantemente, decidiu de novo sobre a obrigação de fazer, sem observar que a existente e preclusa decisão de fls. 33 dos em-bargos, que já determinou a implementação da obrigação de fazer e fixou multa diária (astreintes). Esse despacho encontra óbice principalmente no art. 467 do CPC, in verbis:

‘Art. 467. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à

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mesma lide, salvo: (...)’ (grifou)Desse modo, não pode decisão superveniente e que não foi prolatada em ação

rescisória ou anulatória desconstituir a coisa julgada ou retornar questões preclusas, em exercício de função jurisdicional já exaurida no processo em foco; isso ofende aos comandos insculpidos no art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal, c/c art. 471, 467 e 485 do CPC.” (fl. 14)

Não creio que assim seja.No caso ora sob apreciação, o INSS advoga que a aplicação da primeira

parte da Súmula 260 do extinto TFR, após abril/89, época em que começa a vigorar o artigo 58 do ADCT, não implicaria em novo reajustamento da RMI da pensão (DIB em 26.10.88), porquanto benefício derivado da aposentadoria especial. (DIB em 22.10.76)

Ora, fácil ver que tal raciocínio diz respeito à forma de cálculo do aludido enunciado, que é o objeto do título judicial em execução, ou seja, o modo pelo qual se apuram as diferenças da aposentadoria, situação que se evidencia pelo fato de os cálculos do INSS apontarem para um débito de R$ 16.701,46 (dezesseis mil, setecentos e um reais e quarenta e seis centavos), enquanto o valor pretendido pela parte impetrante (que incluiu a pensão) e à disposição do juízo em face do precatório remonta a quantia bem superior, ou seja, R$ 62.113,46 (sessenta e dois mil, cento e treze reais e quarenta e seis centavos).

Em apoio a essa argumentação, verifica-se que a parte exeqüente, em sua conta de fls. 90/96, tomou as importâncias enumeradas na coluna chamada “devido” pelo órgão previdenciário às fls. 82/86 como se fossem representativas do débito a título de pensão, quando, na verdade, como já se viu alhures, não tinha direito a tanto, é dizer, a referida denomina-ção configurava apenas a projeção dos valores da aposentadoria-base (fl. 81), ou seja, o que efetivamente deveria ter sido pago em face de o benefício originário, proventos sobre os quais incidiria o critério judicial de reajustamento, para, num segundo momento, uma vez aplicados os coeficientes legais, ser obtida, então (artigo 48 da CLPS/84), a própria RMI do pensionamento.

Isso significa que a executante não seguiu a sistemática autorizada pelo julgado, certo que (a) não aplicou a porção da súmula em tela so-bre a aposentadoria especial do segurado falecido e (b) nem observou corretamente os coeficientes de cálculo do novo benefício.

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Ao proceder dessa forma, a impetrante foi quem não observou os termos da sentença e dos acórdãos exeqüendos, de modo que o valor executado não se mostrava amparado pelo título judicial.

Já os demonstrativos da contadoria foram fiéis àquele, não incorren-do nos erros supracitados, pois calcularam, corretamente, as diferenças referentes às parcelas devidas da aposentadoria especial no interregno de fevereiro de 1985 e outubro de 1988, bem como igualmente projetou os correspondentes reflexos sobre o benefício derivado (pensão), no intervalo de outubro de 1988 a abril de 1989, sendo que daí em diante a remuneração seguiu obediente ao comando do artigo 58 do ADCT.

É de notar-se que o controle oficial da execução faz parte do sistema de meios oferecidos pelo CPC, independentemente da ação de embargos, para a verificação, inclusive, dos pressupostos da tutela jurisdicional executiva, entre eles a correspondência, como já se disse, do quantum ao an debeatur.

Nesse sentido:“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. CÁLCULOS. ERRO

MATERIAL. RETIFICAÇÃO. COISA JULGADA. OFENSA. INOCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 535, II, CPC. VIOLAÇÃO. OCORRÊNCIA. Em sede de liquidação de sentença, embora homologados os cálculos por decisão com trânsito em julgado, é admissível a retificação da conta se constatada a ocorrência de erro material, sem que de tal providência resulte ofensa à coisa julgada. Inteligência do art. 463, I, do Código de Processo Civil.” (STJ, REsp 203416, 6ª T., Rel. Min. Vicente Leal, DJU 28.05.2001)

Desse modo, apesar de os embargos terem sido oferecidos de forma extemporânea, estimo que o Doutor Ivorí Luis da Silva Scheffer estava autorizado a analisar e reconhecer, em face de alegação da parte executada, ou mesmo de ofício, o erro material que maculava a execução, porquanto na parte do débito superior ao legitimado pelo título judicial não havia lastro à cobrança, podendo, para tanto, subsidiar-se dos elementos técnicos que lhe chegaram às mãos. Não se cuida, dessa maneira, de ato jurisdicional teratológico, muito menos violador de direito líquido e certo; portanto, in-capaz de ser infligido por mandado de segurança, quando, para a hipótese, há recurso previsto em lei, dotado de efeito suspensivo.

A rigor, o cerne da questão reside em que esse fundamental aspecto, em que subsumia a controvérsia, em momento algum havia, até então,

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sido enfrentado nos autos, razão por que a decisão impetrada não violou o artigo 471, caput, do CPC.

Balizando a oportunidade processual para o saneamento do vício que estava a infirmar a idoneidade dos valores postos à disposição do juízo, tem-se precedente desta Turma:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. NÃO OPOSI-ÇÃO DE EMBARGOS PELO DEVEDOR. ULTERIOR ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE NOS CASOS DE ERRO MATERIAL OU DE DESRESPEITO A COMANDO EXPRESSO NO TÍTULO JUDICIAL.

1. Tem-se o seguinte quadro em relação ao tema: a) de regra, o momento processual oportuno para o executado insurgir-se contra o cálculo exeqüendo dá-se por ocasião da oposição dos embargos de devedor, quando deve alegar toda a matéria de defesa (em respeito ao princípio da eventualidade), sob pena de preclusão; b) decorrido in albis o prazo para oposição de embargos, apenas poderá haver retificação do cálculo exeqüendo nos casos de erro material (por exemplo, quando da ocorrência de equívocos matemáticos, dos quais decorram inclusão de parcelas indevidas no cálculo, bem como exclusão de devidas) ou de desrespeito a comando expresso na sentença condenatória (execução sem título); c) após o oferecimento de embargos à execução (ou após o decurso in albis do prazo para sua oposição) a discussão sobre a correção de erro material ou de equívoco decorrente de ausência de título somente poderá ter por objeto questões ainda não decididas, seja em sede de embargos, seja pela via de outro incidente processual; d) contudo, sendo apenas o caso de interpretação do título judicial, no caso da adoção de critérios e elementos do cálculo divergentes, nada se poderá alegar após o prazo dos embargos à execução, por força da preclusão da discussão.

2 -3 omissis.” (AI 2004.04.01.038846-6, Rel.p/acórdão Des. Federal Celso Kipper, DJU 31.08.2005)

Finalmente, registro que, retificado o cálculo da RMI da pensão, em consonância com o cálculo da contadoria (fls. 155/166), nada resta a ser revisado e implantado a tal título, haja vista a incidência (e observân-cia) do dispositivo constitucional transitório antes mencionado, pelo que, decaindo quanto ao principal, mostra-se prejudicada a impetração, também quanto à imposição de astreintes, o acessório, em face da im-possibilidade material concernente ao não-cumprimento da medida, que, no caso, deixará de existir.

Nessas condições, não conheço do mandado de segurança. Sem ho-norários. (Súmulas 512 do STF e 105 do STJ)

É o voto.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2006.04.00.011269-2/RS

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

Agravante: Erico Salvadori Advogada: Dra. Ana Maria Castaman Walter

Agravado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

EMENTA

Previdenciário. Agravo de instrumento. Advogado voluntário. Advo-gado dativo. Diferenças. Resolução 440/05 do CJF.

1. A Resolução 440/05 do CJF distingue as figuras do advogado dativo, designado pelo juiz para a prática de um ou mais atos processuais (art. 2º), e do advogado voluntário, que integra cadastro informatizado para a prestação de assistência judiciária, é escolhido pela parte (arts. 8º ao 13) e, na forma do art. 12 daquela resolução, “não fará jus a nenhuma contrapres-tação da Justiça Federal, percebendo somente, e se for o caso, os eventuais honorários de sucumbência na forma do art. 23 da Lei nº 8.906/94”.

2. Uma vez que a procuradora do agravante não se enquadra na cate-goria de advogado dativo, caracterizando-se, outrossim, como advogada voluntária, irreparável a decisão agravada que indeferiu o pedido de nomeação da subscritora como se dativa fosse.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de outubro de 2006.Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch: Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de nomeação da subscritora da inicial como defensora dativa e a nomeou

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como assistente judiciária nos termos da Resolução nº 440/2005 do CJF.Sustenta o agravante a reforma da decisão, já que, consoante exposto

na exordial, a subscritora da inicial pretende atuar no feito como defen-sora dativa, e não como advogada voluntária. Requer seja deferido efeito suspensivo e, ao final, provido o presente recurso.

Indeferido o efeito suspensivo, transcorreu in albis o prazo para contraminuta.

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch: A decisão inicial assim deixou expresso:

“O presente recurso deve observar o disposto na Lei nº 11.187/2005 que alterou os artigos do CPC que normatizam o processamento do agravo de instrumento. Assim sendo, em se considerando a natureza da questão ora discutida, tenho que não é possível a conversão do presente recurso em agravo de instrumento, em face da possibilidade de lesão grave e de difícil reparação ao agravante. (art. 527, inciso II, CPC)

Desta forma, deve ser processado o presente recurso.A decisão recorrida assim dispõe, verbis:1. A vista de declaração de pobreza constante dos autos, defiro o benefício da gratuidade

da justiça, nomeando a subscritora da inicial como assistente judiciária, nos termos dos arts. 8º a 13 da Resolução nº 440, de 30 de maio de 2005, do Conselho da Justiça Federal.

A Resolução 440/05 do CJF distingue as figuras do advogado dativo, designado pelo juiz para a prática de um ou mais atos processuais (art. 2º), e do advogado voluntário, que integra cadastro informatizado para a prestação de assistência judiciária, é escolhido pela parte (arts. 8º ao 13) e, na forma do art. 12 daquela resolução, ‘não fará jus a nenhuma contraprestação da Justiça Federal, percebendo somente, e se for o caso, os eventuais honorários de sucumbência na forma do art. 23 da Lei nº 8.906/94’.

Uma vez que a procuradora do agravante não se enquadra na categoria de advogado dativo, caracterizando-se, outrossim, como advogada voluntária, irreparável a decisão agravada. Assim, indefiro o pedido de agregação de efeito suspensivo.”

Assim sendo, pelos mesmos fundamentos da decisão acima, que ora renovo, nego provimento ao agravo de instrumento.

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 2006.04.00.025303-2/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Parte Autora: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

Parte Ré: Roque Pedro Melz Advogados: Drs. Paulo Afonso Schneiders e outro

Suscitante: Juízo Federal da Vara JEF Cível de Santa Cruz do SulSuscitado: Juízo Federal da VF e JEF Criminal de Santa Cruz do Sul

EMENTA

Tributário. Conflito negativo de competência. Juizados Especiais Federais. Cumprimento da sentença pelo INSS. Competência do juizado especial federal (juízo em que se processou a ação de conhecimento).

1. Não há incompatibilidade entre o art. 6º, inc. II, da Lei nº 10.259/01 e o art. 3º, caput, da mesma lei, porquanto a primeira diz respeito à posição das partes referentemente à fase cognitiva (ou processo de conhecimento) e a última, à fase de cumprimento (ou execução) das sentenças exaradas no âmbito dos Juizados Especiais Federais.

2. Segundo interpretação sistemática do contido nas leis dos Juiza-dos Especiais e o CPC, deve haver elo entre o juízo da condenação e o da execução, e, assim, o detentor da competência para a execução de honorários advocatícios em favor do INSS é o próprio Juizado Especial Federal, juízo no qual foi processada e julgada a ação na qual a parte autora, porque vencida, foi condenada a pagar honorários ao INSS.

3. Conflito de competência decidido mediante a declaração da com-petência do Juízo Suscitante (Juizado Especial Federal).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, declarar competente o Juízo Suscitante, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 5 de outubro de 2006.Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo Federal da Vara do JEF Cível de Santa Cruz do Sul/RS, objetivando a fixação da competência para o julgamento de execução de honorários advocatícios, ajuizada pelo INSS perante o Juízo da Vara Federal de Santa Cruz do Sul/RS.

O Juízo Federal de Santa Cruz do Sul, ao entendimento de que a norma do art. 6º da Lei nº 10.259/01 merece ser interpretada em consonância com o disposto no caput do art. 3º da lei referida e, assim, deve existir elo entre os juízos da condenação e da execução, declinou da competência ao JEF Cível da mesma Subseção Judiciária para o processamento da execução em referência. (fls. 09/11)

O Juízo Federal da Vara do JEF Cível de Santa Cruz do Sul/RS, por sua vez, suscitou conflito negativo de competência, sob os seguintes fun-damentos: a) a restrição do pólo passivo à União, autarquias, fundações e empresas públicas é a contrapartida da execução nas formas céleres previstas nos arts. 16 e 17 da Lei nº 10.259/01; b) a razão pela qual não se aceita a competência para dar cumprimento à obrigação de pagar fixada pela Turma Recursal é evitar o delongado processo executório da Lei nº 9.099/95, que prevê até mesmo o oferecimento de embargos de devedor, além de praça e leilão; c) o art. 3º da lei dos Juizados, ao inserir na com-petência destes a execução de suas sentenças, não incluiu entre estas as que necessitem de atos executórios não previstos na própria lei; d) a regra segundo a qual o cumprimento da sentença efetua-se perante o juízo que processou a causa em primeiro grau de jurisdição há pouco foi relativizada pelo § único do art. 475-P, introduzido pela Lei nº 11.232/05. (fls. 14/15)

Dada vista ao Ministério Público Federal, o parecer é pelo conheci-mento do conflito, para que seja declarado competente o Juízo Suscitado (Juízo da Vara Federal de Santa Cruz do Sul/RS). (fls. 22/25)

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo Federal da Vara do JEF Cível de Santa Cruz do Sul/RS, objetivando a fixação da competência

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para o julgamento de execução de honorários advocatícios, ajuizada pelo INSS perante o Juízo da Vara Federal de Santa Cruz do Sul/RS.

No caso em apreço, a ação nº 2005.71.11.000124-4, movida por Roque Pedro Melz contra o INSS, perante o JEF de Santa Cruz do Sul/RS, foi julgada por sentença improcedente, sendo o autor condenado em hono-rários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa. O trânsito em julgado ocorreu em 28.09.2005. Tendo sido informado de que não poderia executar os honorários no juízo do JEF, em face do disposto no art. 6º, inc. II, da Lei 10.259/01, o INSS aforou a execução para haver os honorários no Juízo Federal comum (fl. 08). O Juízo da Vara Federal de Santa Cruz do Sul/RS, sob o entendimento de que deve existir elo entre os juízos da condenação e da execução, declinou da competência ao Juízo Federal da Vara do JEF Cível de Santa Cruz/RS (suscitante).

Cinge-se a questão, portanto, em verificar quem detém a competência para a execução de honorários advocatícios em favor do INSS, se o Jui-zado Especial Federal no qual foi julgada improcedente a ação intentada pela parte contra o INSS ou se o Juízo Federal comum.

Dispõe o art. 6º, inc. II, da Lei 10.259/01 o seguinte:“Art. 6º. Podem ser partes no Juizado Especial Federal Cível:I. como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte,

assim definidas na Lei nº 9317, de 5 de dezembro de 1996;II. como rés, a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais.”

O dispositivo precitado trata da capacidade para estar em juízo, apresen-tando elenco taxativo dos que poderão figurar como autores e como deman-dados (TOURINHO NETO, Fernando da Costa; e outro. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais, Comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001, São Paulo: Revista dos Tribunais, pág. 179). No entanto, essa regra diz respeito à posição das partes referentemente à fase cognitiva (ou processo de conhecimento).

Para a fase de cumprimento de sentença (ou para o processo de execu-ção) vale a regra inserta no caput do art. 3º da lei dos Juizados Especiais Federais, segundo a qual “compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos, bem como executar as suas sentenças”. Trata-se de regra que estabelece competência absoluta (funcional) para o cumprimento das sentenças exaradas no âmbito dos

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Juizados Especiais Federais.A norma acima precitada não destoa da constante no art. 3º, § 1º, inc.

I, da Lei nº 9.099/95, a qual estabelece competir ao Juizado Especial Estadual promover a execução dos seus julgados, bem como da do art. 52 dessa mesma lei, que dispõe acerca do processamento da execução da sentença no próprio Juizado e a aplicação, no que couber, do disposto no CPC. Frise-se, aliás, aplicar-se, no que não conflitar com a lei do JEF, o disposto na Lei 9.099/95. (art. 1º, Lei nº 10.259/01)

Cumpre, ainda, referir que as disposições insertas nos arts. 16 e 17 da Lei 10.259/01 são regras específicas para a hipótese em que vencida na demanda a Fazenda Pública, as quais não se aplicam ao caso presente em que o ente público (INSS) é o próprio exeqüente.

Por fim, a alegada relativização acerca do juízo do cumprimento da sentença inserta no § único do art. 475-P, introduzido pela Lei nº 11.232/05, além de tratar-se de uma exceção à regra geral estabelecida no inc. II do próprio dispositivo citado, segundo o qual “o cumprimento da sentença efetuar-se-á perante o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição”, não tem o condão de afastar a norma especial do Juizado Especial Federal que fixa a competência, de modo absoluto, dos JEFs para o cumprimento de suas sentenças. Aliás, a Lei dos Juizados Especiais Federais, ao estabelecer que o cumprimento das sentenças se fará no próprio Juizado, encontra-se em consonância com a reforma do CPC relativamente à execução que eliminou o processo autônomo de execução para as sentenças que condenam o réu a pagar quantia certa, cujo cumprimento dar-se-á no processo de conhecimento, tratando-se de nova fase dentro do próprio processo cognitivo.

Como se vê, não há incompatibilidade entre as duas normas precitadas (art. 6º, inc. II, da Lei 10.259/01 e art. 3º, caput, da mesma lei), não se verificando, de outra banda, qualquer possibilidade de desvirtuamento da finalidade da lei dos Juizados Especiais Federais (simplicidade, in-formalidade e celeridade).

Com efeito, há elo, sim, entre o juízo da condenação e o da execução, desimportando o fato de ter havido na execução troca de posição das partes em face do resultado da ação interposta.

Destarte, tenho que o detentor da competência para a execução de honorários advocatícios em favor do INSS é o próprio Juizado Especial

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Federal, juízo no qual foi processada e julgada a ação na qual a parte autora, porque vencida, foi condenada a pagar honorários ao INSS.

Ante o exposto, declaro competente o Juízo Suscitante.É o voto.

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DIREITO TRIBUTÁRIO

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.70.07.000055-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira

Apelante: Plast’Bel Ltda.Advogado: Dr. Getúlio Ladislau Rodrigues

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Apelados: (os mesmos)

EMENTA

Tributário. Imposto sobre produtos industrializados. Regime de sus-pensão. Art. 36, I, do RIPI/82. Auto de infração. Nulidade.

1. Os produtos remetidos a outra empresa para industrialização, com posterior retorno à origem, submetem-se ao regime de suspensão da inci-dência do IPI, conforme expressamente previsto no art. 36, I, do RIPI/82.

2. O fato de o contribuinte não ter estornado o lançamento do IPI, e sim lançado nova incidência compensatória para zerá-lo, não altera a natureza da operação, nem afasta a suspensão de incidência do tributo. Trata-se de mero erro formal que, quando muito, poderia gerar uma pu-nição específica, se existente na legislação. É caso de mera retificação de lançamentos contábeis, e não de incidência do tributo.

3. Para saber se o local onde ficaram os produtos não é um depósito fechado (art. 392, VII, do RIPI/82), a autoridade fiscal deve diligenciar in loco para a indispensável verificação. Não o fazendo, viola o art. 18 do Decreto nº 70.235, de 06.03.72.

4. A autoridade não tem a faculdade de deferir ou indeferir a diligên-cia, sendo imperioso produzi-la até de ofício, já que se trata de provar a

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materialidade da infração. 5. Não havendo motivos para se pôr em dúvida que os produtos foram

enviados para um depósito fechado, é de se julgar procedente a ação e anular o auto de infração.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da União e à remessa oficial e dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do rela-tório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de setembro de 2005. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira:1. Plast’bel Ltda. propôs ação ordinária contra a União impugnando

o Auto de Infração nº 13921.000293/94-10. Alegava ter reconhecido e pago parte do débito nele apurado, insurgindo-se, no entanto, contra duas verbas, a cujo respeito não obteve êxito na esfera administrativa, quais sejam:

a) a Plast’Bel remetera produtos de sua fabricação para um depósito anexo ao prédio de empresa coligada (Urio Industrial de Baterias Ltda), com suspensão do IPI. A fiscalização entendeu que “o estabelecimento de empresa interligada” não se caracterizaria como “depósito fecha-do”, o que afastaria o regime de suspensão do IPI, sendo devido seu recolhimento.

Argumentava a autora que o prédio para o qual remetera seus produtos era um barracão independente daquele em que funcionava a empresa coligada, não havendo interligação entre os dois e estando totalmente fechado, caracterizando-se, assim, a hipótese de suspensão do IPI.

b) a autora recebera produtos de terceiro para industrialização, devolvendo-os com destaque do IPI na nota fiscal, pela alíquota de 12%, quando a alíquota aplicável seria de 15%.

A autora alegava que, por erro na remessa, na respectiva nota fiscal

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foi consignada a incidência do IPI à alíquota de 12%; para corrigir esse erro, foi registrada a mesma alíquota na nota de devolução, “zerando” o tributo.

2. Contestando, a União afirmou:a) quanto à primeira questão, que o depósito fechado, conforme defi-

nição do inciso VII do art. 392 do RIPI então vigente, é “aquele em que não se realizam vendas, mas apenas entregas por ordem do depositante dos produtos”. No entanto, o local indicado pela autora como destino dos produtos pertence a outra pessoa jurídica, tendo finalidade própria e lucrativa, ou seja, indústria de baterias, atividade que consome o material alegadamente depositado.

b) quanto ao segundo tópico, que a autora recebeu os produtos para industrialização, creditando-se, nesse ato, do IPI devido, à alíquota de 12%; na saída desses produtos, embora a alíquota respectiva fosse de 15%, destacou o IPI com a mesma alíquota de 12%, sendo, portanto, devida a diferença.

3. Instruído o processo com cópia do procedimento administrativo e prova pericial, sobreveio sentença que julgou a ação pela parcial proce-dência, nos seguintes termos:

a) acolheu o juiz a alegação de invalidade do auto de infração quanto aos produtos recebidos para industrialização, louvando-se no art. 36, I, do RIPI/82, segundo o qual poderão sair com suspensão do imposto “as matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem destinados à industrialização, desde que os produtos industrializados devam ser enviados ao estabelecimento remetente daqueles produtos”. Sendo indevido o IPI nessa hipótese, não deveria ser destacado na nota de remessa nem na de devolução. Como na de remessa foi consignada, por erro, a alíquota de 12%, na de devolução, lançou-se a mesma alíquota, “zerando-se” a operação.

b) julgou improcedente a lide quanto aos produtos remetidos para depósito, considerando que não restou provado que o local para o qual foram remetidos era um depósito fechado, eis que o endereço constante da nota fiscal era o da sede da empresa Urio Industrial de Baterias Ltda, e não o de seu barracão ao lado; não haveria provas de que os produ-tos ficaram efetivamente naquele barracão, pois, quando da perícia,

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encontrava-se ele locado à empresa A. Spigosso & Cia Ltda; por fim, causaria estranheza o fato de o motorista do veículo transportador, que levou as mercadorias para o depósito, estar identificado, e não o estar o do veículo que os teria devolvido à origem.

4. Apelou a autora, alegando, em preliminar, a nulidade da sentença, por se ter baseado em laudo apócrifo do assistente técnico da União, vindo extemporaneamente aos autos e sobre o qual não foi ouvida. No mérito, reiterou seus argumentos no sentido de que o depósito, para o qual foram remetidos seus produtos, era um barracão fechado, que não se encontrava em uso pela empresa coligada URIO, sem qualquer comunicação física com o outro barracão em que esta funcionava. Ressaltou que as mercadorias, posteriormente, retornaram à sua sede, levadas por veículo próprio, razão pela qual não constou na nota o nome do transportador.

5. Apelou também a União, pretendendo a reforma do julgado na parte em que ficou vencida, alegando que a remessa de produtos para indus-trialização ficou descaracterizada com o destaque, na nota de remessa, do IPI, o que obrigaria a autora a recolher lançar o tributo, na devolução, pela alíquota de 15%.

Subiram os autos a esta Corte, com as respectivas contra-razões.É o relatórioÀ revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira:

1. Remessa oficial Quando da propositura desta ação, já pendia em juízo a execução

fiscal dos créditos nela impugnados. Para suspendê-los, a autora depo-sitou a quantia de R$ 78.422,18 (fl. 45) e atribuiu à ação o valor de R$ 80.000,00 (fl. 44). Não estando discriminado nos autos quanto desses valores corresponde à verba em que a União foi sucumbente, impossível dispensar a remessa oficial, pelo que a tenho por interposta.

2. Nulidade da sentença Alega a autora que a sentença fundamentou-se em parecer do assistente

técnico da União juntado extemporaneamente, do qual não teve vista. Na realidade, a União não se fez assistir nos autos por um assistente

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técnico, tendo juntado, quando das razões finais (fls. 429-432) um “re-latório fiscal” do seu assistente técnico (como ela mesma o nominou, fl. 427), firmado pelo AFRF Jorge Fernandes, que tece comentários sobre a perícia, obviamente em favor da Fazenda.

A parte é livre para indicar ou não seu assistente técnico. Se o indicar, terá ele prazo de dez dias, contados da apresentação do laudo do perito, para juntar aos autos seu parecer (art. 433 do CPC). A Fazenda, ao juntar às suas contra-razões um extemporâneo parecer técnico comentando o laudo pericial, sem dúvida alguma deu causa à violação do contraditório, uma vez que conduziu o juiz a decidir com base nessa manifestação, a cujo respeito a autora não se pudera pronunciar.

A despeito disso, entendo que não é hipótese de se anular os autos, pois o vício pode ser sanado por meios menos danosos às partes e ao processo. O prejuízo da autora estaria em que, naquele parecer do “as-sistente técnico” da União, foi alegado que na nota fiscal de devolução das mercadorias remetidas para depósito não consta o veículo transpor-tador, o que indicaria que tal nota foi emitida apenas para regularizar a situação na fase de recurso administrativo. A sentença, acolhendo tal alegação, consignou que “como frisou a demandada, causa no mínimo estranheza o fato de que nas notas fiscais de remessa das mercadorias o seu transportador foi devidamente identificado, fato que não ocorreu na nota fiscal de retorno, a qual só foi emitida quinze dias antes da interpo-sição do recurso contra a decisão administrativa”.

A esse argumento respondeu a autora dizendo que na remessa usou ve-ículo de terceiro, razão pela qual foi identificado na nota fiscal, enquanto no retorno usou veículo próprio. Para comprová-lo, juntou documentos (fls. 445-447), evidenciando que não era proprietária de caminhões na data da remessa, mas já os possuía quando do retorno. Basta, para afastar o prejuízo a seu direito de defesa, acolher esses documentos, opostos a alegações inovadoras da União, pelo que deles conhecerei no momento próprio, em sendo necessário.

3. Apelo da União A União foi sucumbente apenas no tocante ao IPI incidente sobre

produtos remetidos à autora para industrialização. Cuida-se de saber se, tendo a remetente lançado na nota de remessa o IPI à alíquota de 12%,

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foi correto o procedimento da autora ao lançar a mesma alíquota na nota de devolução. Ao assim agir, a autora buscou “zerar” o tributo, já que o considerava indevido no regime de suspensão.

É incontroverso que os produtos remetidos a outra empresa para in-dustrialização, com posterior retorno à origem, submetem-se ao regime de suspensão da incidência do IPI, conforme expressamente previsto no art. 36, I, do RIPI/82. Alega a União, em seu apelo, que foi descaracteri-zado o regime de suspensão, porque “a apelada utilizou os créditos (IPI) recebidos, quando deu saída aos produtos por ela industrializados, com o fito de compensação, conforme notas fiscais às fls. 307, 310 e 312”. E prossegue: “tal conduta não está de acordo com o artigo 100, inciso I, alínea b, do RIPI, eis que tais créditos deveriam ter sido anulados mediante estorno na escritura fiscal”.

Ora, ao fazer tal alegação reconhece ela que aquela operação não era sujeita à incidência do IPI e, conseqüentemente, desqualifica a infração imputada à autora. Com efeito, o fato de ela não ter estornado o lançamen-to do IPI, e sim lançado nova incidência compensatória (desta vez, a seu crédito) para zerá-lo, não altera a natureza da operação, nem afasta a sus-pensão de incidência do tributo. Trata-se de mero erro formal que, quando muito, poderia gerar uma punição específica, se existente na legislação. É caso, rigorosamente, de mera retificação de lançamentos contábeis, e não de incidência do tributo. Foi o que concluiu a perícia (fl. 412):

“As operações deveriam ter sido realizadas com Suspensão (art. 40, Inciso VII do atual RIPI) e não com destaque de IPI nas notas fiscais, já que as mercadorias que a Urio Industrial enviou à Plast’Bel para industrialização retornaram ao estabelecimento de origem, conforme notas fiscais de fls. 26 a 33.

No caso específico, a Urio Industrial remeteu produtos para industrialização pela Plast’Bel, destacando, equivocadamente, IPI com alíquota de 12,00%. Da mesma forma, a Urio Industrial devolveu os produtos remetidos para industrialização com destaque de 12,00% de IPI. Trata-se, aparentemente, de mero erro de preenchimento.”

Correta, portanto, a sentença, pelo que voto, nesse tópico, pelo im-provimento do recurso voluntário da União e da remessa.

4. Recurso da autora O apelo da autora versa sobre os bens remetidos para depósito. A

sentença, nesse tópico, julgou improcedente a lide considerando que não restou provado que o local, para o qual foram remetidos os produtos,

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era um depósito fechado, eis que o endereço constante da nota fiscal era o da sede da empresa Urio Industrial de Baterias Ltda, e não o do barracão situado ao lado; não haveria provas de que os produtos ficaram efetivamente naquele barracão, pois quando da perícia encontrava-se ele locado à empresa A. Spigosso & Cia Ltda; por fim, causaria estranheza o fato de o motorista do veículo transportador, que levou as mercadorias para o depósito, estar identificado, e não o estar o do veículo que os teria devolvido à origem.

Não é possível afastar a procedência da ação apenas com esses ar-gumentos.

No tocante à caracterização do local onde ficaram depositadas as mer-cadorias como “depósito fechado” e à própria efetividade desse depósito e permanência naquele local, merece registro que a Fazenda não diligenciou in loco para a indispensável verificação. Ora, saber se se tratava de “de-pósito fechado”, nos termos da legislação do IPI, era questão de fato só dirimível pelo exame físico do prédio. Em lugar disso, a Fazenda limitou--se a tecer presunções, baseada no fato de o endereço do barracão ser o mesmo do estabelecimento industrial da Urio Industrial de Baterias Ltda. Ora, não se cuida de fato – insisto – que possa ser aferido indiretamente. O mínimo que a fiscalização poderia e deveria fazer era diligenciar no local, consignando no auto de infração os fatos ali constatados.

Corretamente, a autora, já ao impugnar o auto de infração, consignou o seguinte (fl. 265):

“Improcede a exigência do I.P.I. sobre os valores das notas fiscais série única nos 1.658, 1.685 e 1.725 (cópias anexas), as quais se referem a remessa de mercadorias para depósito, portanto sem incidência de I.P.I.

É oportuno citar que a autuada implantará uma nova indústria na cidade de Mar-meleiro, recebeu em doação feita pelo município um Galpão pré-moldado onde futu-ramente funcionará a empresa e devido a falta de espaço físico no estabelecimento de Francisco Beltrão, transferiu os materiais constantes das notas fiscais acima citadas, os quais ainda se encontram naquele endereço, cujo fato poderá ser constatado in loco pelo fisco. (sic, grifei)”

Já nessa oportunidade, portanto, a autuada deixou claro que os pro-dutos estavam naquele depósito, ressaltando que esse fato poderia ser “constatado in loco pelo fisco”. No entanto, a autoridade não fez qualquer diligência e o auto de infração foi mantido.

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Mais tarde (21.02.96), em seu recurso ao 2º Conselho de Contribuintes (fls. 299-304), a autora relatou que as mercadorias já haviam retornado ao seu estabelecimento, mais uma vez colocando-as à disposição do Fisco para verificação. Transcrevo:

“No que se refere a remessa para depósito, também ocorreu entre estabelecimentos do grupo e após a reforma e ampliação do estabelecimento remetente, retornaram a origem para posterior venda.

A bem da verdade e para esclarecer qualquer dúvida, informamos que as mercadorias que se encontravam depositadas na empresa Urio Industrial de Baterias Ltda, Mar-meleiro, Paraná, encontram-se a disposição dos ilustre Auditores Fiscais do Tesouro Nacional, no depósito da autuada, para verificação ou perícia técnica e bem como, para comprovar o que aqui foi citado. (sic, grifei)”

Mais uma vez a autuada pôs os produtos à disposição da Fazenda para verificação, mais uma vez a Fazenda se omitiu.

Indo o processo a exame no 2º Conselho de Contribuintes, seu ilus-tre Relator, o Conselheiro Oswaldo Tancredo de Oliveira, verificando seus vícios de instrução, determinou que baixasse para diligências, em despacho que merece transcrição (fl. 336):

“Conforme relatado, a recorrente, no seu recurso, alega preliminarmente a impos-sibilidade de coligir a documentação e outros elementos necessários à sua defesa, na fase de impugnação, o que, de fato, demonstrou comprovado.

Assim, no que diz respeito às remessas para industrialização e posterior retorno, inclusive o provisório deslocamento das mercadorias para outro local, em estabeleci-mento do mesmo grupo, com posterior retorno (saídas com suspensão), há alegações que ensejam uma mais ponderada averiguação, para que se possa emitir julgamento legal e justo.

No que diz respeito às remessas para a Zona Franca de Manaus, já a justificação é mais convincente, pela apresentação da nota fiscal com autenticação da SUFRAMA, o que não ocorrera até a fase impugnatória.

Especialmente quanto a esses dois itens da denúncia fiscal, o relator entende que seria aconselhável, para melhor instrução do feito e esclarecimento do Colegiado, um pronunciamento da autuante, ou quem seja para tanto designado, à vista das alegações e, especialmente, dos elementos novos acrescentados pela recorrente na presente fase. (Grifei).

Assim sendo, e em preliminar ao mérito, voto pelo retorno dos autos à repartição de origem, para que se digne de determinar a providência requerida neste voto.”

Baixando os autos, a autoridade de origem lançou neles mera infor-mação fiscal (fls. 341-342), sem qualquer diligência probatória, na qual

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nem ao menos se manifestou quanto à questão da remessa dos produtos para depósito. Seu pronunciamento ficou limitado às demais matérias – remessa de produtos para industrialização e seu posterior retorno e re-messa de produtos para a Zona Franca de Manaus. Mais uma vez deixou de ser feito o exame físico do objeto da autuação. E, sem esse exame, o processo foi julgado pelo Segundo Conselho de Contribuintes.

Tenho que a digna autoridade administrativa não se houve com a ne-cessária diligência em todo esse procedimento. Primeiro, por ser visivel-mente despropositado afirmar que o prédio, para o qual foram deslocados os produtos, não era um “depósito fechado”, sem fazer seu exame físico. Depósito fechado – diz o art. 392, VII, do RIPI/82, “é aquele em que não se realizam vendas, mas apenas entregas por ordem do depositante dos produtos”. Para saber se no local eram ou não realizadas vendas, outro modo não havia que a inspeção in loco. Mas, quando essa diligência foi proposta pela autuada, a autoridade sequer se pronunciou e, neste caso, violou a norma do art. 18 do Decreto nº 70.235, de 06.03.72, que dispõe:

“Art. 18. A autoridade julgadora de primeira instância determinará, de ofício ou a requerimento do impugnante, a realização de diligências ou perícias, quando entendê-las necessárias, indeferindo as que considerar prescindíveis ou impraticáveis, observando o disposto no art. 28, in fine.”

Nesse caso, a autoridade não tinha a faculdade de deferir ou indefe-rir aquela prova, pois era-lhe imperioso produzi-la até de ofício, já que se tratava de provar a materialidade da infração. Cuidava-se de prova essencial, não ficando ao arbítrio da autoridade administrativa deferi-la ou indeferi-la. Omitindo-se a autoridade em diligenciar no momento em que os fatos poderiam ser fisicamente verificados, não há como exigir que o autuado, que cuidou de requerer oportunamente sua verificação, faça agora essa prova, de forma plena e inequívoca. Era evidente que os produtos não iriam permanecer no depósito para sempre, e isso havia sido oportunamente noticiado e justificado pela empresa, como também foi noticiado seu posterior retorno a seu estabelecimento – mais uma vez sem que a autoridade diligenciasse para conferir, in loco, o fato, a despeito da manifestação da autuada.

Assim postos os fatos, não se pode considerar como obstáculo ao reconhecimento do direito da autora a circunstância de aquele depósito se encontrar alugado a terceiros quando da perícia. Tal fato, ao contrá-

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rio, está a comprovar que sua proprietária, a Urio Industrial de Baterias Ltda, realmente não o destinava às suas atividades comerciais, vindo ao encontro das alegações da autora de que o barracão se encontrava desocupado, razão pela qual foi usado como depósito.

Quanto ao endereço desse imóvel, é de considerar que a sede da empresa Urio Industrial de Baterias Ltda. é na cidade de Marmeleiro, Rodovia PR-482, km 389, Bairro Industrial (fls. 19 40). Não há nume-ração predial. O barracão usado como depósito encontra-se no mesmo endereço, mas em terreno ao lado, separado por cerca de tela. Se houvesse numeração predial, o número seria outro. Não havendo, a referência é apenas ao Município, ao Bairro, à Rodovia e ao quilômetro respectivo, como constou da nota de remessa. (fl. 37)

A perícia confirmou que o barracão não tem comunicação com a sede da URIO, estando eles separados por cerca de tela (fl. 410), fato que é ilustrado pelas fotos de fls. 414-415. Confirmou, também, que as merca-dorias que saíram para depósito retornaram, depois, à autora, conforme nota fiscal de fl. 40, emitida em 06.02.96. (fl. 411)

Assim, não há motivos para se pôr em dúvida que os produtos foram enviados para esse depósito, que preenche, sim, os requisitos para ser conceituado como “depósito fechado”, nos termos do art. 392, VII, do RIPI, que o define como aquele onde “não se realizam vendas, mas apenas entregas por ordem do depositante dos produtos”.

5. Conclusão Pelo exposto, voto negando provimento ao apelo da União e à remessa

oficial e dando provimento ao apelo da autora para julgar a ação pela integral procedência e anular o auto de infração no tocante aos tópicos impugnados, condenando a União a lhe reembolsar as custas adiantadas e a lhe pagar honorários advocatícios que, considerando o trabalho de-senvolvido na lide, que implicou ampla instrução probatória, o empenho do profissional que representa a parte vencedora e a importância da causa, correspondente ao valor do tributo cuja inexigibilidade resultou reconhecida (R$ 78.422,18, quantia depositada para suspender-lhe a exigibilidade, fl. 45), arbitro em 15% (quinze por cento) sobre esse valor.

Transitando em julgado este acórdão, liberem-se os depósitos à autora.

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APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇANº 2003.71.00.073504-2/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira

Apelante: SLC Alimentos S/A Advogados: Drs. Humberto Bergmann Avila e outros

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Tributário. IPI. Não-cumulatividade. Produto final incluído na tabela da TIPI como “não-tributado”: direito a crédito pelo tributo pago na aquisição de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem.

1. O princípio da não-cumulatividade, tal como adotado em nosso direito tributário e constitucional, implica que só será tributado o pro-duto final entregue ao consumo, compensando-se o que foi recolhido pelo produtor na aquisição de matéria-prima, produtos intermediários e material de embalagem.

2. Mesmo quando o produto final for isento do IPI ou sujeito a alíquota zero, terá o contribuinte direito ao crédito do tributo pago nas etapas intermediárias da industrialização.

3. A Tabela de Incidência do IPI – TIPI inclui produtos classificados como “não tributados” que são excluídos do campo de tributação desse imposto (art. 2º, § único, do Dec. 4.544/02). Essa exclusão pode decorrer de serem os produtos imunes; ou de não serem produtos industrializados, estando fora da hipótese de incidência do IPI; ou ainda de renúncia fiscal por motivos de conveniência do administrador, que corresponde à adoção da “alíquota zero”, uma vez que o administrador não pode, por Decreto, criar imunidades ou isenções.

4. O “arroz polido ou brunido”, que é resultante de um processo pelo qual lhe é retirada parte da substância para torná-lo mais adequado ao consumo, é produto industrializado, e sua classificação na TIPI como “não tributado” deve ser lida como “sujeito à alíquota zero”, gerando direito ao produtor de manter em sua contabilidade os créditos pelo IPI pago na aquisição de matérias-primas, produtos intermediários e material

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de embalagem.5. O feijão, não submetido a qualquer processo de transformação, é

produto agrícola primário, não se caracterizando como produto indus-trializado e não gerando direito a créditos com base no princípio da não-cumulatividade.

6. Os créditos escriturais, em regra, não admitem correção monetária. No entanto, se não foi possível seu lançamento em momento oportuno, por obstáculo criado pela autoridade fazendária, devem ser moneta-riamente corrigidos, de forma a dar efetividade aos princípios da não--cumulatividade e da proibição ao enriquecimento sem causa.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, reconhecer a prescrição com relação ao direito de postular a compensação dos créditos anteriores a 05.12.1998 e dar parcial provimento à apelação da impetrante, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de agosto de 2006.Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: SLC Alimentos S/A impetrou mandado de segurança contra o Delegado da Receita Federal em Porto Alegre/RS, postulando que lhe seja conce-dida segurança “declarando o direito líquido e certo da impetrante de reconhecer, desde a constituição da empresa em diante, os créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados originários de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, quando destinados à fabricação de produtos não tributados, corrigidos monetaria-mente, em razão do princípio da não-cumulatividade previsto no inciso II do § 3º do artigo 153 da Constituição Federal de 1988”. Requereu, ainda, que os valores correspondentes ao referido crédito sejam corrigi-dos monetariamente.

A autoridade coatora prestou informações, alegando, em preliminar, a ocorrência de prescrição qüinqüenal. Quanto ao mérito, postulou pela

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denegação da segurança.Sobreveio sentença julgando improcedente o pedido inicial.A impetrante apelou, postulando pela procedência do pedido.Processado o recurso, vieram os autos a esta Corte, também em re-

messa oficial.Nesta instância, oficiou o ilustre representante do Ministério Público

Federal pelo desprovimento do apelo.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira:

Da Prescrição Nas informações, o impetrado argüiu a prescrição qüinqüenal do

direito de postular o aproveitamento dos créditos demandados. Trata--se aqui de pretensão a reconhecer nos registros da impetrante créditos pelo recolhimento de IPI que se prestariam à compensação com débitos do mesmo tributo e, ausentes ou insuficientes estes, ressarcimento em moeda. Essa hipótese não é regida pelas normas relativas à repetição do indébito tributário e, assim, sua prescrição se submete às disposições gerais do Dec. 20.910/32. Seu prazo é de cinco anos, contados da data do ato ou fato que lhes deu origem. Essa a orientação dominante na jurisprudência da 1ª Seção deste Regional (Embargos Infringentes nº 2000.04.01.093255-0/SC, Rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu), na linha do entendimento do E. STJ (v.g., REsp 394042-SC, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, DJ 02.09.02, p. 109). Esse entendimento teve em vista o fato de que, não se tratando de hipótese de restituição, em que se discute pagamento indevido ou a maior, mas sim de reconhecimento de crédito em virtude do princípio da não-cumulatividade, estabelecido pela Constituição Federal, não é de serem aplicados os artigos 165, 168, I, e 150, § 4º, e 156, VII, do CTN.

Basta examinar os casos de indébito arrolados nos incisos I a III do art. 165 do CTN para concluir que neles não cabe a hipótese do crédito do IPI. Não se trata de pagamento de tributo indevido ou maior que o devido. O IPI pago pelo industrial pelos insumos que adquire é tributo devido. Só depois de integrados no produto final e vendido este é que

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surge o crédito escritural (que pode também ser débito, se a alíquota do produto final for maior que a do insumo). Portanto, não têm qualquer pertinência com a hipótese os artigos 165 a 168 do CTN. Pela mesma ordem de idéias, não são aplicáveis as disposições do art. 150, § 4º, e 156, VII, do CTN. E, inexistente no CTN prazo prescricional específico para essa hipótese, aplica-se a regra geral do Dec. 20.910/32.

Portanto, ajuizada a ação em 05.12.2003, reconheço a prescrição com relação ao direito de postular a compensação dos créditos anteriores a 05.12.98.

Dos créditos do IPI 1. Para equacionar os problemas do IPI, quando o produto industrializa-

do final é isento, não-tributado ou sujeito à alíquota zero, mas nele foram integrados insumos ou produtos intermediários tributados, é necessário entender claramente sua natureza jurídica e a função do mecanismo de compensação do imposto recolhido nas várias etapas de industrialização.

2. O IPI é tributo cuja configuração remonta à Emenda nº 18, de 06.12.65, que redefiniu o sistema tributário da Constituição de 1946 e no qual foi atribuído à competência impositiva da União (art. 11), nos seguintes termos:

“Art. 11. Compete à União o imposto sobre produtos industrializados.Parágrafo único. O imposto é seletivo em função da essencialidade dos produtos, e

não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nos anteriores.”

A mesma Emenda (art. 12) atribuiu aos Estados o imposto sobre a circulação de mercadorias, precursor do atual ICMS. Esses dois novos tributos – IPI e ICM – decorreram da cisão do antigo imposto de consu-mo, da competência da União no regime original da CF/46. (art. 15, 11)

Esse modelo foi mantido ao longo das subseqüentes constituições, desaguando na de 1988, que também incluiu o IPI na competência impo-sitiva da União (art. 153, IV) e dispôs que “será seletivo, em função da essencialidade do produto”, e “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”.

3. O traço característico do IPI, e assim também do ICMS, é sua não--cumulatividade. O mecanismo de “compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores” destina-se a tomar efetiva a não-cumulatividade, de modo que o valor realmente recolhido

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aos cofres públicos seja aquele da alíquota final incidente sobre o produto e não ocorra incidência de tributo sobre tributo. A não-cumulatividade significa que o tributo não incidirá “em cascata”, o que ocorreria se o valor pago em cada etapa se agregasse ao produto e integrasse a base de cálculo nas etapas seguintes.

O modelo adotado não é o do típico imposto sobre o valor agregado, como às vezes se afirma. Não se tributam as mais-valias acrescidas em cada fase de industrialização, como seria próprio do imposto sobre o valor agregado. Tributa-se o produto final, em seu todo, de modo que a respectiva alíquota o abrange como uma unidade, na qual os insumos perdem sua identidade. Restitui-se ao contribuinte o IPI incidente sobre aqueles insumos, homogeneizando-se o tributo, porque esse imposto recai sempre sobre o produto final, e não sobre seus componentes considerados em suas individualidades.

Essa natureza do IPI está bem evidenciada no relatório do Projeto do Código Tributário Nacional, apresentado pelo Prof. Rubens Gomes de Souza, no qual o IPI ainda era denominado “imposto sobre o consumo de mercadorias”. Para melhor compreender a evolução do instituto, transcrevo os dispositivos pertinentes daquele Projeto:

“Art. 26. O imposto sobre o consumo de mercadorias (Const., art. 15, nº 11) tem como fato gerador o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira, ou a sua saída do respectivo estabelecimento produtor, quando de produção nacional, a fim de serem utilizadas para as finalidades a que se destinam por sua natureza própria, ainda que essa utilização não lhes destrua a substância.

§ 1º O imposto incide uma única vez sobre os produtos industrializados destinados ao consumo interno do país, assegurado ao produtor final, inclusive beneficiadores e transformadores, a dedução do imposto relativo às matérias-primas e produtos inter-mediários empregados na respectiva indústria.

§ 2º São isentos do imposto os artigos que a lei tributária classificar como o mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica. (CF, art. 15, § 1º)”

A respeito desse tributo, anotava Rubens Gomes de Sousa naquele Relatório (item 42, notas ao art. 26 do Projeto):

“A conceituação do imposto de consumo foi um dos poucos assuntos em que a Comissão admitiu um desvio de sua regra de neutralidade jurídica (supra: 7). A fim de adequar a definição à natureza econômica do imposto como um tributo sobre a circulação de riquezas em sua fase final de consumo (STUDENSKI e outros, Consup-

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tion Taxes, em Law & Contemporary Problems, v. 8, n. 3), e mesmo sob o ponto de vista de sua conceituação jurídica para distingui-lo do imposto de produção (Arízio de Viana, Revista de Direito Administrativo 1/316) e do imposto de vendas (GOMES DE SOUSA, Revista cit., 32/453), foi consignada de modo expresso, no § 1º, a sua incidência única sobre os produtos industrializados. Como corolário da vedação das incidências múltiplas, ainda que parciais, decorrentes da tributação de matérias-primas ou produtos intermediários, assegurou-se ao produtor final o respectivo desconto quando do pagamento do imposto sobre o produto acabado.”

Veja-se bem: tratava-se de imposto de incidência única, e, para compatibilizar essa incidência única com a tributação dos produtos in-termediários e matérias-primas, autorizava-se a dedução dos respectivos pagamentos do imposto ao final devido.

É muito importante essa observação, para evitar o equívoco de imagi-nar que o IPI é calculado somente sobre o valor agregado em cada etapa, e que aquelas deduções têm por objetivo viabilizar a tributação do valor agregado. Não é disso que se trata. Se assim fosse, o IPI deveria incidir somente sobre a mais-valia acrescida em cada etapa, deduzindo-se da sua base de cálculo aquela já tributada na etapa anterior (ou seja, a base de cálculo deveria ser o valor agregado). Não é disso que se trata, e sim de garantir uma única tributação, devolvendo-se o que fora cobrado nas etapas intermediárias.

Quando o produto final é isento de IPI, não-tributado ou sujeito à alíquota nula, mas nele foram integrados insumos ou produtos inter-mediários tributados, discute-se se o contribuinte terá direito ao crédito do IPI das etapas intermediárias. Parece-me certo que sim, uma vez que, conforme fixado, o IPI é tributo de incidência única, prevalecendo sempre aquela da etapa final. Se nesta o produto é isento, nada é devido a título de IPI; assim também, se a alíquota do produto final é zerada. Conseqüentemente, o IPI que foi recolhido nas etapas intermediárias deverá permanecer a crédito do contribuinte, sem o que estaria anulado o princípio da unitributação pelo IPI.

É fácil entender como isso ocorre. Imaginemos, para facilitar o ra-ciocínio, que o produto final não é isento, e sim sujeito a uma alíquota baixíssima, de 0,1%. Essa alíquota prevalecerá para o produto como um todo, ainda que algum dos insumos tivesse alíquota muito superior (v.g., 10%), caso em que, evidentemente, o contribuinte manterá seus créditos pelos anteriores recolhimentos, do que lhe resultará saldo credor do im-

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posto. O mesmo deve ocorrer se o produto final for isento, ou sujeito a alíquota nula. Assim é – acentuo mais uma vez – por se tratar de tributo que, ao incidir sobre o produto final, anula as incidências intermediárias.

No âmbito deste E. Regional, essa questão se encontra pacificada – em-bora a partir de fundamentos diversos – desde o julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade na AC nº 1999.72.05.008186-1/SC, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Corte Especial, DJU de 14.11.01.

4. É de se ressaltar que a Lei nº 9.779/99, em seu art. 11, preceitua que “o saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, pro-duto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado em conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996”. Essa norma, embora não retroaja aos fatos pretéritos, vem consagrar o entendimento acima explicitado.

5. Passemos, então, ao caso concreto. A autora vende produtos – arroz polido ou brunido (glaceado) e feijão – que se encontram classificados na TIPI como não tributados (códigos 1006.30.11 e 1006.30.21; 0713.33.19 e 0713.33.99). O problema com os produtos não tributados é que, em princípio, são produtos que não se encontram sob a regra de incidência do IPI, ou seja, não são produtos industrializados. Para melhor entendi-mento, é necessário ler o art. 2º e parágrafo único do Decreto nº 4.544/02, que regulamentou o IPI, onde a expressão “não tributado” encontra-se bem esclarecida:

“Art. 2º O imposto incide sobre produtos industrializados, nacionais e estrangeiros, obedecidas as especificações constantes da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI. (Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, art. 1º, e Decreto-Lei nº 34, de 18 de novembro de 1966, art. 1º)

Parágrafo único. O campo de incidência do imposto abrange todos os produtos com alíquota, ainda que zero, relacionados na TIPI, observadas as disposições contidas nas respectivas notas complementares, excluídos aqueles a que corresponde a notação ‘NT’ (não-tributado).”

A anotação “NT” (não tributado), portanto, significa que o produto se encontra fora do campo de incidência do IPI. A situação é bem diversa daquela dos produtos isentos e dos tributados à alíquota zero. Nesses

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casos, o produto é industrializado, de modo que a isenção, concedida ao produto final, se reflete sobre os intermediários, justificando seja mantido o respectivo crédito nos registros do industrial. O mesmo ocorre com o produto sujeito à alíquota zero: o tratamento tributário dado ao pro-duto final se reflete nos intermediários. É a lógica do sistema. No caso de produtos que não são industrializados, porém, não há que falar em aplicação do princípio da não-cumulatividade, porque se está fora do âmbito de incidência do IPI.

Em princípio, portanto, os produtos não tributados da TIPI não origi-nam direito a créditos. Mas é necessário, sempre, examinar com cuidado as hipóteses concretas, pois pode ocorrer de a TIPI considerar como não-tributados produtos que são, na realidade, industrializados, aptos a realizar o fato gerador do IPI, tal como descrito no Código Tributário Nacional. Faço essa ressalva porque o Regulamento não pode excluir do âmbito de incidência do tributo eventos que se amoldem à sua hipótese de incidência, instituindo, pela via regulamentar, imunidades ou isenções. As imunidades, constituindo limitações à competência impositiva dos entes federados, só podem ser criadas pela Constituição. As isenções, por lei específica (CF/88, art. 150, § 6º). Ao Executivo só é dado, em se tratando de IPI, alterar suas alíquotas, dentro das condições e limites fixados por lei (CF/88, art. 153, §1º). Portanto, a inclusão, pela TIPI, de produto industrializado na categoria “não tributado” deve ser lida como uma hipótese de “alíquota zero”. A esse respeito, oportuno é transcrever a lúcida análise de Fernanda Guimarães Hernandez em estudo constante da obra O Princípio da Não-Cumulatividade, coordenada pelo Prof. Ives Gandra da Silva Martins e co-editada pelo Centro de Extensão Univer-sitária e pela Editora Revista dos Tribunais (p. 353-354):

“A notação ‘N/T’, de alguns produtos encontrados na tabela do IPI (exemplos anexos), decorre, basicamente, de três hipóteses:

a) imunidade;b) não incidência pura ou natural, em que a notação se verifica em razão de o produto

não se inserir no conceito legal de produto industrializado;c) a notação N/T é proveniente de técnica de classificação de produto industrializado,

adotada pelo Executivo, em razão de sua discricionariedade. É hipótese em que poderia ter sido fixada a alíquota zero, mas o Executivo optou pela notação N/T.

Não se justifica qualquer pretensão de creditamento quando houver a notação N/T em virtude da não-incidência natural, por não se incluir o bem no conceito de industria-

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lização, tal como contemplado na legislação própria, acrescentando-se que a inclusão de tais produtos (item b supra) na TIPI decorre do seu interesse para o mercado comum (Mercosul), em virtude do qual foi elaborada lista de produtos comercializados no seu âmbito e tributados não apenas pelo IPI. Daí por que, no caso de não incidência pura ou natural, haver a notação N/T.”

Vejamos, então, se os produtos vendidos pela autora enquadram-se ou não na hipótese de incidência do IPI. São eles, conforme a inicial:

1. Arroz polido ou brunido (glaceado): “arroz polido é aquele do qual foram retirados o germe (parte do germe no caso do arroz de grãos curtos), a camada externa e a maior parte da camada interna do tegumento, porém, não passa pelas etapas inerentes ao arroz parabolizado”, conforme a mesma autora (ob. cit., p. 365). Trata-se, portanto, de produto natural que foi mo-dificado pela ação do homem, retirando-se parte de sua substância. Não se trata de operação que lhe modifique a natureza (continua sendo arroz) ou a finalidade (continua sendo alimento), mas, com certeza, sua função é torná-lo mais adequado para o consumo, nos padrões desejados pela maioria dos consumidores (“arroz branco”, sem a casca e sem a película que encobre o grão). Dessa forma, enquadra-se na hipótese de incidência do IPI, tal como descrita no parágrafo único do art. 46 do CTN:

“Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.”

Trata-se, portanto, de produto industrializado cuja inclusão, pela TIPI, na categoria “não tributada” deve ser lida como significando “alíquota zero”; via de conseqüência, gera direito ao crédito pelo IPI pago quando da aquisição de matéria-prima, produto intermediário ou material de embalagem necessários à sua produção e venda.

2. Feijão: no tocante a este produto, a inicial se refere aos itens 0713.33.19 e 0713.33.99 da TIPI, onde se encontra a expressão “outros”. Todos os produtos descritos na classificação 713.3 são apenas “feijões”, não havendo nela qualquer especificação que indique seu tratamento industrial. O código-base (07.13), em que esses produtos encontram-se enquadrados, refere-se a “legumes de vagem, secos, em grão, mesmo pelados ou partidos”. Cuida-se, portanto, de produtos primários da agri-cultura, que passaram apenas pelo processo de retirada da vagem, o que não pode ser identificado como industrialização. A hipótese, portanto,

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não é de produtos industrializados, de modo que as respectivas vendas não geram qualquer direito a créditos.

Portanto, tem direito a apelante aos créditos relativos às operações com arroz polido ou brunido, mas não quanto às suas vendas de feijão, o que implica parcial provimento de seu apelo e parcial concessão da ordem.

Da correção monetária Na inicial, a impetrante pedia o julgamento da ação pela procedência,

“para o fim de conceder a Segurança pleiteada, declarando o direito líqui-do e certo da impetrante de reconhecer, desde a constituição da empresa em diante, os créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados origi-nários de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, quando destinados à fabricação de produtos não tributados, corrigidos monetariamente, em razão do princípio da não-cumulatividade previsto no inciso II do § 3º do art. 153 da Constituição Federal de 1988.

Reconhecido parcialmente seu direito, mas apenas no período não prescrito (a partir de 05.12.98), cabe examinar o tema da correção mo-netária.

Na hipótese de créditos meramente escriturais, como ocorrem no mecanismo normal do IPI, o Supremo Tribunal Federal tem afastado a respectiva correção monetária. No entanto, quando se trata de situação em que o contribuinte foi impedido, indevidamente, de se creditar do tributo pago, a solução é outra. A respeito merecem transcrição as ju-diciosas palavras do eminente Ministro Teori Albino Zavascki em seu voto vencedor, no REsp 552.015/RS:

“3.Todavia, no que se refere à correção monetária dos créditos escriturais do IPI, é importante distinguir duas situações: a) aquela em que o aproveitamento do crédito não se deu imediatamente por opção ou por impossibilidade imputável ao próprio contribuin-te; e b) aquela em que o contribuinte esteve impedido de efetuar o aproveitamento por oposição constante de ato estatal, administrativo ou normativo, considerado ilegítimo. A farta jurisprudência citada no voto do Ministro relator, no sentido do descabimento da correção monetária, refere-se às situações da primeira espécie.

Todavia, em casos da segunda espécie (referentes, é certo, a créditos escriturais de ICMS, mas cuja fundamentação é perfeitamente aplicável ao IPI), a jurisprudência, tanto neste STJ quanto no STF, tem-se inclinado por orientação diferente, no sentido de reconhecer o direito do contribuinte a corrigir seus créditos escriturais, e isto não apenas em homenagem ao princípio da proibição do locupletamento sem causa (ou com

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base em causa ilegítima), como também por ser forma de dar integral cumprimento ao princípio da não-cumulatividade. São nesse sentido, por exemplo, os seguintes precedentes do STJ:

‘TRIBUTÁRIO. ICM. CRÉDITOS NÃO APROVEITADOS NA ÉPOCA PRÓPRIA À VISTA DE PROIBIÇÃO INSCRITA NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL, RECONHECIDA ILEGAL. CORREÇÃO MONETÁRIA.

Os créditos que, em razão de legislação estadual restritiva, reconhecida ilegal, não foram aproveitados na época própria pelo sujeito passivo da obrigação tributária podem ser compensados mais tarde com a respectiva correção monetária. Recurso Especial conhecido e provido.’ (REsp 9.411/SP, Min. Ari Pargendler, 2ª T., DJ 16.10.95)

‘TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IPI. CRÉDITO-PRÊMIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. SÚMULA 46-TFR. JUROS MORATÓRIOS. TAXA APLICÁVEL. 12% AO ANO. RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO.

A correção monetária incidente sobre as restituições relativas ao crédito-prêmio do IPI tem como termo inicial de contagem a data em que o creditamento se tomaria legítimo, caso não houvesse sido editada a portaria que o obstou. Aplicável desde então, o critério fixado pela Súmula 46 do extinto TFR.’ (REsp 41.471/DF, Min. Demócrito Reinaldo, 1ª Turma, DJ em 15.05.95)

‘TRIBUTÁRIO. ICMS .PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS DESTINADOS À EX-PORTAÇÃO. INEXIGIBILIDADE DO ESTORNO DE CRÉDITOS DECORRENTES DE AQUISIÇÃO DE MATÉRIAS-PRIMAS E MATERIAIS DE EMBALAGENS. DL Nº 406 DE 1968. CONVÊNIO-ICMS Nº 66/88. (..) 2. TRIBUTÁRIO. ICM. CRÉDITOS NÃO APROVEITADOS NA ÉPOCA PRÓPRIA À VISTA DE ORIENTAÇÃO RESTRI-TIVA DO FISCO ESTADUAL, RECONHECIDA ILEGAL. CORREÇÃO MONETÁRIA.

Os créditos que, em razão de orientação restritiva do fisco estadual, reconhecida ilegal, não foram aproveitados na época própria pelo sujeito passivo da obrigação tributária podem ser compensados mais tarde com a respectiva correção monetária. Recurso especial conhecido e provido em parte.’ (REsp 52.671/SP, Min. Ari Pargendler, 2ª T., DJ 17.02.97)

‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. EXPORTAÇÃO. PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. ICMS MATÉRIA-PRIMA E OUTROS INSUMOS. COMPENSAÇÃO. AUTORIZAÇÃO LEGAL. SUSPENSÃO LIMINAR. CRÉDITO IM-POSSIBILITADO. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA POSTERIORMENTE. RETORNO DA SITUAÇÃO AO STATUS QUO ANTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. CABIMENTO.

1. Prequestionamento. Ausente o interesse de recorrer, por falta de sucumbência, basta para o atendimento do requisito que a tese jurídica suscitada como causa de pedir tenha sido objeto das contra-razões apresentadas pela parte por ocasião dos recursos de apelação e extraordinário, e também tratada nos embargos de declaração.

2. ICMS. Compensação autorizada pelo artigo 3º da Lei Complementar federal

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65/91. Regra legal suspensa liminarmente. Julgamento de mérito superveniente que reconheceu a constitucionalidade do dispositivo (ADI 600, DJ 30.06.95). Efeitos ex tunc da decisão.

3.Créditos escriturais não realizados no momento adequado por óbice do Fisco, em observância à suspensão cautelar da norma autorizadora. Retorno da situação ao status quo anterior. Garantia de eficácia da lei desde sua edição. Correção monetária devida, sob pena de enriquecimento sem causa da Fazenda Pública.

4. Atualização monetária que não advém da permissão legal de compensação, mas do impedimento causado pelo Estado para o lançamento na época própria. Hipótese diversa da mera pretensão de corrigir-se, sem previsão legal, créditos escriturais do ICMS. Acórdão mantido por fundamentos diversos. Recurso extraordinário não co-nhecido.’ (RE 282.120/PR, Min. Maurício Corrêa, 2ª T., DJ 06.12.2002)

No que se refere especificamente ao IPI, a questão foi resolvida de modo preciso e exaustivo em voto proferido pelo Desembargador Vilson Darós, do TRF 4ª Região, ao julgar caso análogo, nos seguintes termos:

‘No que concerne à correção monetária, cabe estabelecer distinção entre créditos escriturais e créditos não-aproveitados em decorrência de negativa do Fisco em admitir a apropriação dos valores em debate.

Reza o art. 153, § 3º, da Constituição Federal: ‘Art. 153 compete à União instituir impostos sobre:(...)IV- produtos industrializados;§ 3º. O imposto previsto no inciso IV. (...)II- será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com

o montante nas anteriores;’Não é diverso o conteúdo do art. 49 do Código Tributário Nacional:‘Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei deforma que o montante devi-

do resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.’

O que o art. 153, § 3º, inc. II, da CF/88 e o art. 49 do CTN estabelecem é que o IPI não é imposto cumulativo, devendo ser compensado o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, ‘dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados’ (CTN, art. 49), transferindo-se o saldo verificado para o período ou períodos seguintes. Consagram a regra da não-cumulatividade, todavia a lei não prevê que o crédito gerado seja levado a cálculo com correção monetária.

A atualização monetária decorrente da inflação demanda que o legislador faça essa opção política e crie uma norma, determinando a utilização de um indexador.

Entretanto, determinando a legislação de regência tão-somente o aproveitamento

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do que é devido pela empresa de IPI com valores anteriormente cobrados e pagos por ela, silenciando acerca da correção monetária, falece ao aplicador da lei autorizar, ou mesmo aceitar, sejam os saldos de créditos referentes ao IPI corrigidos monetariamente.

Oportuno referir o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a correção monetária não incide sobre créditos escriturais:

1. Crédito de ICMS. Natureza meramente contábil. Operação escritural, razão por que não se pode pretender a aplicação do instituto da atualização monetária.

2. A correção monetária do crédito do ICMS, por não estar prevista na legisla-ção gaúcha – Lei nº 78.820/89 –, não pode ser deferida pelo Judiciário sob pena de substituir-se o legislador estadual em matéria de sua estrita competência.

3. A alegação de ofensa ao princípio da isonomia e da não-cumulatividade. Im-procedência. Se a legislação estadual só previa a correção monetária dos débitos monetários e vedava a atualização dos créditos, não há como se falar em tratamento desigual a situações equivalentes.

3.1. A correção monetária incide sobre o crédito tributário devidamente consti-tuído, ou quando recolhido em atraso. Diferencia-se do crédito escritural, técnica de contabilização para a equação entre débitos e créditos, a fim de fazer valer o princípio da não cumulatividade. (RE nº 223.521/RS, Rel. Min. Maurício Corrêa)

Citando a mesma jurisprudência, o Ministro Garcia Vieira, no julgamento do REsp nº 212.899/RS, afirmou que, ‘embora este acórdão se refira a ICMS, ele se apli-ca à hipótese vertente porque o mesmo ocorre com os créditos do IPI que também é meramente contábil, escritural, e a legislação a ele pertinente não prevê a correção monetária. Representa ele também ‘técnica de contabilização para a equação entre débitos e créditos, a fim de valer o princípio da não-cumulatividade.’

Pelos mesmos fundamentos não cabe a incidência de juros sobre os créditos es-criturais.

Todavia, no caso vertente, não se cuida de créditos escriturais, assim consi-derados aqueles lançados normalmente e na época oportuna pelo contribuinte em seus livros fiscais, porquanto é consabido que o FISCO não reconhecia (até o advento da Lei nº 9.779/99) o direito ao aproveitamento de créditos de IPI oriundos da aquisição de insumos tributados empregados na industrialização de produtos isentos, não tributados ou sujeitos à alíquota zero do IPI, circunstância que impele o contribuinte a pleitear judicialmente o direito ao aproveitamento de tais créditos, cujos valores, caso não sejam atualizados, resultam meramente nominais.

Por conseguinte, o aproveitamento dessas importâncias, passados anos de sua ocorrência por força da demora do trâmite normal do feito judicial, merece ser atu-alizado, sob pena de enriquecimento sem causa do Fisco. Tal atualização vai até o trânsito em julgado da decisão, isso porque, após o trânsito, o valor total atualizado pode ser aproveitado imediatamente pela empresa. Vale dizer, a correção é aplicada da data em que o aproveitamento poderia ter sido feito até o trânsito em julgado da ação, após o que cessa qualquer atualização sobre os respectivos valores, os quais

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serão aproveitados pela empresa nos termos da legislação própria. Tendo em conta que os créditos objeto de aproveitamento são aqueles relativos à aquisição de insumos tributados efetivamente a partir de 20 de março de 1995, a atualização deve ser feita pela UFIR, que incide até 31.12.95, aplicando-se, a partir de 1º.01.96, a taxa SELIC, que substitui a indexação monetária e os juros. (STJ, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, REsp nº 187.401/RS, DJU de 23.03.99 p. 82)’ (voto proferido nos EIAC 2000.71.10.001214-4/RS, Des. Vilson Darós, DJ 30.06.2003)

A hipótese dos autos é assemelhada. Por força de ato normativo do Fisco (art. 4º da Instrução SRF 33/99), não foi permitido o aproveitamento do IPI decorrente da aquisição de insumos destinados à industrialização de produtos imunes, isentos ou sujeitos à alíquota zero, salvo quanto a ‘insumos recebidos no estabelecimento industrial ou equiparado a partir de 1º de janeiro de 1999’. Ora, a legitimidade do aproveitamento, proibido pelo Fisco, somente foi reconhecida por força de provimentos judiciais. A demora decorrente desse fato, portanto, e a correspondente defasagem monetária do crédito, não podem ser carregadas como ônus do contribuinte, pena de ficar comprometido, pelo menos em parte, o princípio, que se busca preservar, da não-cumulatividade.”

A correção monetária, portanto, deverá incidir desde a data em que o aproveitamento do crédito poderia ter sido feito até a data do trânsito em julgado da ação. Os créditos deverão ser corrigidos pela Taxa SELIC (art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95), que incide a partir de 1º.01.96.

Conclusão Em face do exposto, reconheço a prescrição com relação ao direito

de postular o aproveitamento dos créditos anteriores a 05.12.1998 e dou parcial provimento à apelação da impetrante para autorizá-la a se creditar do IPI que desembolsou na aquisição de matérias-primas, produtos inter-mediários e materiais de embalagem, relativo às etapas intermediárias da industrialização de arroz polido ou brunido (produto final não tributado), no período não prescrito e em relação às operações futuras. O crédito a ser utilizado será corrigido monetariamente pela taxa SELIC, nos termos da fundamentação. Condeno a apelada a reembolsar à apelante 50% das custas por ela adiantadas.

É o voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.70.02.005262-1/PR

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Joel Ilan Paciornik1

Apelante: Transportadora San Cristobal Ltda. Advogados: Drs. Ary de Souza Oliveira Junior e outro

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Tributário. Apelação cível. Aduaneiro. Perdimento. Apreensão de caminhão que transportava mercadorias internadas irregularmente. Presunção de boa-fé.

1. O contexto fático dos autos não permite que se enverede pela tri-lha que reconheça a ciência do recorrente sobre a infração, porquanto não soam bastante robustos, para esse fim, os argumentos enlaçados na suposta subvaloração do frete ou na ocorrência de desvio de rota.

2. Se não elidida a presunção de boa-fé, não há lugar à retenção do veículo como medida acautelatória para exigibilidade de eventual pena de perdimento, pois ao Fisco sobejam alternativas outras para buscar a realização de seus misteres.

3. A retenção do bem traveste forte índole de pena antecipada, so-çobrada, no caso, porque desacompanhada do vestígio do bom direito.

4. Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de abril de 2006. Juiz Federal Joel Ilan Paciornik, Relator.

RELATÓRIO

1 O magistrado era Juiz Federal convocado para atuar no TRF 4ª Região à época do julgamento. Posterior-mente, em 14.08.2006, foi empossado como Desembargador Federal da Corte.

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O Exmo. Sr. Juiz Federal Joel Ilan Paciornik: Transportadora San Cristobal Ltda. ajuizou ação ordinária, objetivando a anulação do ato ad-ministrativo que determinou a retenção dos veículos de placas OYA-609, OYA-454, OYA-626, OYA-607, OYA-552, KV-1378, OYA-330, NR-1529, OYA-604, OYA-390, HX-8708, OYA-625, KD-9823 e OYA-613.

Refere a autora (fls. 02-16) que, sediada na cidade de Iquique/Chi-le, dedica-se a efetuar o transporte internacional de mercadorias entre a referida cidade e os países integrantes do Mercosul. Historia que foi contratada pela empresa Lambda Importação, Comércio e Indústria de Velas Ltda. para efetuar o transporte de mercadorias entre Santiago/Chile e Curitiba/Paraná. Narra que, no dia 20 de julho de 2004, ingressou no país, dirigindo-se então à EADI de Foz do Iguaçu a fim de submeter-se à fiscalização necessária ao desembaraço dos produtos internados, sendo surpreendido pela retenção dos veículos apontados, em ação fiscal envidada com espeque nos artigos 104 do DL 37/66, 24 do DL 1.455/76 c/c 617 do Decreto 4.543/02, consubstanciada no Mandado de Procedimento Fiscal nº 0910600-2004-00245-8. Relata que a apreensão baseou-se, fundamental-mente, na ocorrência de supostos desvios de rota e subfaturamento do frete.

A União, em sua manifestação preliminar às fls. 49-65, defende a legali-dade da apreensão, calcando suas alegações na existência de fortes indícios de subfaturamento do frete e no desatendimento das normas de transporte, inclusive pelo desvio de rota. Sustenta ter havido subfaturamento do frete em razão de pesquisa realizada com base em Manifestos Internacionais de Cargas de outras empresas (não envolvidas na fraude), relativamente a rotas entre os mesmos países, donde se verificou que os US$ 1.500,00 (US$ 1.100,00 referentes ao frete internacional e US$ 400,00 referentes ao transporte nacional – Foz do Iguaçu a Curitiba) cobrados pela autora não fazem frente ao real valor do frete. Outro indício que a União diz atentar para o subfaturamento seria a existência de MICs dentro dos caminhões apreendidos referentes a viagens realizadas entre os mes-mos países, com distâncias aproximadas, nos quais o valor contratado para o frete também seria superior a US$ 1.500,00. Defende, ainda, a participação da autora na fraude em razão de um provável desvio de rotas, uma vez que há informações de que, até o ano de 2002, ao invés de desembarcar as mercadorias na empresa Lambda, os transportadores entregavam diretamente aos reais adquirentes; sendo que, após 2002, ao

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invés de descarregarem a carga na empresa Lambda, faziam o transbordo/baldeação na empresa Lógica Transportes, situada em Curitiba/PR, a qual vinha declarando-se inativa. Assevera, assim, que, consignando-se um valor de frete menor que o real no Conhecimento de Transporte e, conseqüentemente, no Manifesto Internacional de Carga/Declaração de Trânsito Aduaneiro, o transportador faz com que a base de cálculo dos tributos incidentes na importação seja diminuída.

Na contestação, às fls. 332-360, bem como na informação fiscal de fls. 481-494, assevera a União que a retenção não teve por base fatos passados, pois estes apenas estão a servir de indícios de participação das transportadoras no esquema fraudulento desencadeado pela empre-sa Lambda Importação, Comércio e Indústria de Velas Ltda. Defende a aplicação da pena de perdimento dos veículos, tendo em vista a utilização de documentos ideologicamente falsos, uma vez que o transportador utili-zou, no preenchimento dos documentos referentes ao frete internacional, valores bem abaixo daqueles convencionados em condições normais de mercado, bem como em razão do desvio de rota.

Às fls. 495-520, peticiona a autora, esgrimindo a ausência de violação aos dispositivos que alicerçam a retenção, alertando que os parâmetros utilizados pelo Fisco no intuito de evidenciar a maquiagem quanto ao valor do frete partem de premissa inversa àquela estampada no caso concreto, porquanto digam com operações realizadas com caminhões frigoríficos que carregam mercadorias perecíveis e que deixam o Brasil a caminho do Chile, sendo que, consoante informação colhida junto ao representante da autora, Sr. Francisco Lobos Zamora, o frete realizado do Chile para o Brasil pode ser feito mesmo de forma gratuita. Objeta, ainda, que o acordo para fretamento encontra-se imiscuído no âmbito da autonomia da vontade, sendo que o preço do frete é legado unicamente à composição da vontade dos contratantes. Quanto ao suscitado desvio de rota, indica que os veículos não findaram o percurso, estando as ale-gações do Fisco ancoradas em procedimentos investigatórios anteriores relativos às empresas envolvidas no transporte, em que cuida demonstrar a entrega em local desvirtuado daquele declarado nos manifestos de carga internacional, evidentemente alheios à espécie.

Sobreveio sentença de improcedência do pedido (fls. 526-528v.), por ter sido considerado legítimo o ato de retenção.

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Insatisfeita, apela a demandante (fls. 537-564), asseverando que nada foi provado pela apelada, pois apenas em razão de um suposto procedimento fraudulento adotado pela empresa Lambda, presumiu-se que o transpor-tador estaria realizando desvio de rota e subfaturamento do frete. Destaca que a apreensão dos veículos ocorreu em zona primária, não podendo falar-se, então, em desvio de rota. Brada que, quando das informações prestadas (fls. 49-298) e quando da contestação (fls. 332-494), a apelada anexou documentos relativos a procedimento fiscal contra a empresa Lambda, não carreando nenhuma prova contra a ora apelante. Menciona, ainda, quanto ao suposto subfaturamento do frete, que possui contrato de transporte com empresas brasileiras, o que se evidencia da análise dos MICs e dos CRTs anexados pela União, as quais enviam ao Chile diversas mercadorias, sendo que, em razão desses contratos, seus caminhões vêm ao Brasil e, para não transitarem vazios do Chile até o Brasil, efetuam o transporte conforme o presente caso, podendo concorrer em preço com as demais transportadoras, pois qualquer valor obtido seria lucro, já que o maior objetivo seria o transporte Brasil/Chile, e não o inverso.

Sem contra-razões, vieram os autos.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Joel Ilan Paciornik: De início, forçoso aten-tar que a suposta fraude na operação de importação, engendrada pelas empresas Lambda, Importação, Comércio e Indústria de Velas Ltda., Lógica Transportes Ltda. e TFA Comissária Comércio Exterior Ltda., não tem o condão de macular, de antemão, a conduta dos proprietários dos caminhões que transportaram as mercadorias, pois a responsabilização daquelas empresas já está sendo devidamente enfrentada no Mandado de Segurança nº 2004.70.02.005178-1. Passo, de conseguinte, para os dis-positivos legais que embasaram o Termo de Retenção de fl. 23, in verbis:

“Art. 617. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 104, e Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 24):

I. quando o veículo transportador estiver em situação ilegal, quanto às normas que o habilitem a exercer a navegação ou o transporte internacional correspondente à sua espécie;

II. quando o veículo transportador efetuar operação de descarga de mercadoria estrangeira ou de carga de mercadoria nacional ou nacionalizada, fora do porto, do

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aeroporto ou de outro local para isso habilitado;III. quando a embarcação atracar a navio ou quando qualquer veículo, na zona

primária, se colocar nas proximidades de outro, um deles procedente do exterior ou a ele destinado, de modo a tornar possível o transbordo de pessoa ou de carga, sem observância das normas legais e regulamentares;

IV. quando a embarcação navegar dentro do porto, sem trazer escrito, em tipo destacado e em local visível do casco, seu nome de registro;

V. quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade; e

VI. quando o veículo terrestre utilizado no trânsito de mercadoria estrangeira for desviado de sua rota legal sem motivo justificado. (Redação dada pelo Decreto nº 4.765, de 24.06.2003)

§ 1º Aplica-se, cumulativamente ao perdimento do veículo, nos casos dos incisos II, III e VI, o perdimento da mercadoria (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 104, parágrafo único, art. 105, inciso XVII, e Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, inciso IV e § 1º, este com a redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002, art. 59). (Redação dada pelo Decreto nº 4.765, de 24.06.2003)

§ 2º Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese do inciso V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do proprietário do veículo na prática do ilícito.

§ 3º A não-chegada do veículo ao local de destino configura desvio de rota legal e extravio, para fins de aplicação das penalidades referidas no inciso VI deste artigo e no inciso XVII do art. 618.

§ 4º O titular da unidade de destino comunicará o fato referido no § 3° à autoridade policial competente, para efeito de apuração do crime de contrabando ou de descaminho.

Art. 627 Os veículos e as mercadorias sujeitos à pena de perdimento serão guardados em nome e ordem do Ministro de Estado da Fazenda, como medida acautelatória dos interesses da Fazenda Nacional (Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 25).”

Verifica-se, assim, que a retenção deu-se com o escopo de garantir eventual e futura aplicação da pena de perdimento aos veículos. Ocorre, todavia, que a jurisprudência dominante consagrou o entendimento de que a pena de perdimento não pode despegar-se do elemento subjetivo, nem desconsiderar a boa-fé, do mesmo modo a retenção acautelatória deve atentar para esses pressupostos. Assim, para que se entenda responsável o proprietário de veículo que, conduzido por terceiro, foi apreendido por dar ingresso no país a mercadorias irregularmente importadas, mis-ter restar consignada, de forma diáfana, o seu conhecimento acerca da prática do ilícito.

A constelação fática trazida à apreciação nos autos não permite que

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se enverede pela trilha que reconheça a ciência da recorrente sobre a infração, não soando bastante robusto, para esse fim, os argumentos enlaçados na suposta subvaloração do frete ou na ocorrência de desvio de rota. Em verdade, não há como atrelar-se ao caso concreto a prática efetiva de mudança no itinerário, porquanto os caminhões sequer trans-puseram os pontos alfandegados, mal tendo adentrado no território pátrio. Insubsistente a caracterização do desvio de rota, cabendo advertir-se que os cometimentos do ilícito provocados pelo Fisco relacionam-se a acon-tecimentos envolvendo as empresas Lambda Ltda. e Lógica Transportes Ltda., em nada se referindo ao apelante.

Quanto ao provável subfaturamento do frete, cuido que não se qua-lifica como causa deflagradora da aplicação de pena de perdimento dos veículos transportadores, circunstância extraída dos artigos 617 e 627 do Regulamento Aduaneiro (aprovado pelo Decreto 4.543/02) e que, de per si, afasta o gravame, por lhe carecer fundamento legal. Ademais, esclareça-se que a avença respeitante à valoração aloca-se no domínio da liberdade contratual, tão avesso que é às ingerências estatais.

Na ocasião apontada, destarte, não há prova do cometimento de prá-tica criminosa pela recorrente, não restando, por este solitário motivo, descaracterizada sua boa-fé.

Nesse sentido, calha trazer a lume o seguinte aresto do E. Superior Tribunal de Justiça:

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENA DE PERDIMENTO. BOA-FÉ.

A pena de perdimento não pode se dissociar do elemento subjetivo nem desconsi-derar a boa-fé. Precedentes desta Corte.

Tendo o acórdão recorrido concluído que o adquirente agiu de boa-fé, conclusão diversa exigiria o reexame da moldura fático-probatória dos autos, o que é vedado pela Súmula nº 07 do STJ.

Agravo regimental improvido.” (STJ, Rel. Francisco Falcão, unânime, DJ 02.12.2002, p. 245)

A conclusão se extrai do próprio parágrafo 2º do art. 617 do Decreto 4.543/02, que preconiza a necessidade de se demonstrar, em procedi-mento regular, a responsabilidade do proprietário do veículo na prática delituosa, isso para efeitos de aplicação da pena de perdimento do veí-culo. Ademais, em se tratando a penalidade, ultima ratio, de invasão do

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Estado na esfera de propriedade do particular, mister se reconheça que a previsão legal encerra um tipo fechado, cuja leitura textual não permite ilações que abarquem situações não subsumíveis de plano na hipótese abstrata. Assim, tendo em vista que o art. 617, inciso V, estipula a pena de perdimento do veículo “quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade”, certamente exclui-se sua incidência imediata, porquanto as mercadorias não pertenciam ao transportador.

Não colhe acato à tese da responsabilização da empresa através do preposto, porque não elide a necessidade de estabelecer-se esta, por meio de procedimento regular, garantidos os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Nessa senda, a retenção acautelatória do veículo traveste forte índole de pena antecipada, soçobrada, no caso, porque desacompanhada do vestígio do bom direito. Este abraça a autora, que se apega à boa-fé, incólume ante a insuficiência das provas coligidas.

Dessarte, desde que não suprimida a presunção de boa-fé, não há lugar à retenção acautelatória para a eventual aplicação da pena de perdimento, porque esta só é aplicável àquele que, tendo consciência da ilicitude e do caráter fraudulento da conduta ou deixando de precaver-se adequa-damente quanto a possíveis empecilhos para a realização do negócio, beneficia-se da irregularidade.

Calha, pela pertinência, alusão à Súmula 138/TFR, assim vertida:“Súmula 138. A pena de perdimento de veículo, utilizado em contrabando ou

descaminho, somente se justifica se demonstrada, em procedimento regular, a respon-sabilidade de seu proprietário na prática do ilícito.”

Não se pode, pois, atribuir responsabilidade ao proprietário e, por conseguinte, conferir legitimidade à retenção, se não atestada com veemência sua participação na consecução da prática de descaminho, inclusive na seara administrativa, que se coloca, também, sob o espectro do art. 5º, incisos LIV e LV, da CF/88, pois isso equivaleria a antecipar o juízo acerca da aplicação da pena de perdimento ao veículo, circunstância essa, ressalte-se, ainda não definida no âmbito administrativo.

Isso posto, dou provimento à apelação, para anular o Termo de Retenção e determinar a liberação dos veículos OYA-609, OYA-454, OYA-626, OYA-607, OYA-552, KV-1378, OYA-330, NR-1529, OYA-604,

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OYA-390, HX-8708, OYA-625, KD-9823 e OYA-613, de propriedade da apelante. Restam invertidos os ônus de sucumbência.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇANº 2004.71.02.006294-0/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Apelada: Cooperativa de Trabalho Vale do Jacuí Ltda. – COOTRAVALE

Advogados: Drs. Paulo Roberto Ribeiro Cardoso e outroDr. Evandro Jacó KotzDr. Sidinei Reginaldo

Remetente: Juízo Substituto da 3ª VF de Santa Maria

EMENTA

Tributário. Prescrição. PIS. COFINS. Cooperativa de trabalho. Inci-dência. LC nº 07/70. LC nº 70/91. MP nº 1.212/95. Lei nº 9.715/98. Lei nº 9.718/98. MP nº 1.858/99. Lei nº 10.833/03.

1. No caso dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, o direito de compensação extingue-se com o decurso de cinco anos con-tados da homologação, expressa ou tácita, do lançamento pelo Fisco. Precedentes desta Corte e do STJ.

2. Somente com a Medida Provisória nº 1.212, de 28.11.95, e reedi-ções, é que a cobrança do PIS sobre a folha de salário das cooperativas tornou-se possível. A jurisprudência, todavia, entende ser devida a con-tribuição ao PIS-Faturamento pelas cooperativas, já nos moldes da Lei Complementar nº 07/70, quando estas exercerem atos não cooperativos,

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nos termos do seu art. 3º, letra b, em decorrência da interpretação do art. 111 da Lei nº 5.764/71. A MP nº 1.212/95 expressamente albergou o entendimento jurisprudencial, ao considerar como base de cálculo do tributo as receitas decorrentes de operações praticadas pela cooperativa com não-associados.

3. O art. 15 da MP nº 1.212/95 e o art. 17 das suas reedições posteriores foram declarados inconstitucionais pelo STF (ADIn 1.417-0/DF), visto que afrontaram ao princípio da irretroatividade da lei tributária.

4. Não há falar em impossibilidade de utilização de medida provisória para fins de instituição de tributo, pois, conforme já decidido pelo Ex-celso Pretório (STF, 1ª T., REx nº 234.463-7/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 11.02.2000), o artigo 62 da CF/88 não proíbe a utilização deste instrumento normativo.

5. A Lei nº 9.715/98 manteve duas hipóteses de incidência do PIS sobre as cooperativas: a) sobre a folha de salário e b) sobre as receitas de atos não cooperativos, entendidas como sendo, nos termos da legislação do imposto de renda, os valores das prestações de serviços nas operações por conta própria e o resultado nas operações por conta alheia.

6. A Lei nº 9.718/98 modificou sensivelmente o conceito de “fatura-mento”, na medida em que o entendeu por receita bruta, isto é, a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente de sua atividade ou de sua classificação contábil.

7. O Plenário do STF entendeu inconstitucional a alteração na base de cálculo do PIS e da COFINS, levada a efeito pela Lei nº 9.718/98.

8. Não há previsão legal de isenção do PIS em favor das sociedades cooperativas. A Lei 5.764/71, que trata da Política Nacional do Coope-rativismo e do regime jurídico das cooperativas, não foi recepcionada pela Constituição de 1988 como lei complementar, por força do art. 146, III, c. Ela, em seus artigos 79, 87 e 111, não deu “adequado tratamento tributário ao ato cooperativo”. Não criou uma isenção tributária ampla para tais atos. O art. 79 dessa lei apenas define o que é ato cooperativo, sem nada referir quanto ao seu regime de tributação. E os seus artigos 87 e 111 tratam dos atos não cooperativos.

9. No tocante, especificamente, a COFINS, não há falar em impossi-bilidade material de sua incidência à causa de que faturamento ou receita não seriam características dos atos cooperativos; auferindo receita a

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entidade, isso é suficiente à incidência da exação.10. As cooperativas, embora não tenham fim lucrativo e destinem

seus resultados, em regra, aos cooperados, mesmo assim realizam a hipótese de incidência do PIS e da COFINS. É da própria essência das cooperativas o “exercício de uma atividade econômica “(Lei 5.764/71, art. 3º), podendo “adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade” (art. 5º). E é da essência da atividade econômica a prática de atos jurídicos (operações de compra, de venda, de financiamento, de serviços) que geram receitas (e, também, despesas). Quem não tem receita não pode ter despesa , nem resultado a ser distribuído entre os cooperados ou destinado a constituir fundos (Lei 5.764/71, art. 28). Quem não tem receita não pode operar. E as cooperativas operam fartamente, segundo um “Sistema Operacional” disciplinado em lei (Lei 5.764/71, Capítulo XII), que inclusive descreve a variada gama de operações por elas praticadas (Seção III). Tais operações são obrigatoriamente lançadas em livros fiscais e contábeis (art. 22, V), que registram as suas receitas e as suas despesas e com base nas quais são apurados, em cada exercício, seus resultados, positivos ou negativos.

11. A MP 1.858-6/99 e reedições seguintes (atualmente, MP nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001) alterou de forma substancial a tributação para as sociedades cooperativas. No rastro das mudanças trazidas pela Lei nº 9.718/98, determinou a expressa incidência sobre a receita decorrente de atos cooperativos.

12. O adequado tratamento tributário do ato cooperativo, previsto no art. 146, III, c, como matéria de normas gerais, ainda não foi esta-belecido. Tanto o STF como os TRFs têm destacado que tal dispositivo constitucional não estabeleceu nenhuma imunidade às cooperativas e não depende de regulamentação por lei complementar, devendo ser aplicado normalmente o tratamento dado pelas leis ordinárias que instituem cada tributo.

13. Segundo a Corte Especial deste Tribunal, no incidente de Argüi-ção de Inconstitucionalidade na Apelação em Mandado de Segurança nº 1999.70.05.003502-0/PR (DJU 23.01.02), a única conclusão invencível é que os atos cooperativos não tipificam certas hipóteses de tributos, como aqueles que incidem sobre o lucro. Todavia, não estão protegidos por norma constitucional que impeça sua tributação, sob o benefício

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da imunidade ou isenção. Por tal maneira, enquanto não sobrevier a lei complementar incumbida de dar ‘adequado tratamento tributário ao ato cooperativo’, o sistema normativo pátrio autoriza que se crie isenção favorecendo o ato cooperativo, e que se revogue tal isenção por critério de conveniência do poder tributante. Ou seja, não há vedação, na Carta Magna, a que se tribute o ato cooperativo.

14. A Medida Provisória nº 1.858/99 apenas reduziu o favor legal dado às cooperativas pelas LC nos 07/70 e 70/91. Não há nela, portanto, eiva de inconstitucionalidade.

15. O artigo 15 da Medida Provisória nº 1.858/99 não viola o princípio da isonomia quando estabelece diferentes regimes que correspondem a diferentes ramos da atividade econômica, com características distintas.

16. O art. 4º da Lei 5.764/71 classifica as cooperativas como sociedade de pessoas, tendo personalidade jurídica distinta dos associados. Tais entidades praticam atos internos e externos, e somente aqueles gozam de isenção ou imunidade. Na prática destes a cooperativa aufere lucro e faturamento, sobre os quais incide CSSL, COFINS e PIS.

17. A incidência de tais exações já era entendimento pacificado sob a égide da Lei 9.718/98, não havendo qualquer modificação quando da promulgação da Lei 10.833/03, que determinou a retenção do percentual de 4,65% a título de tais exações sobre o valor bruto da nota fiscal emitida pela tomadora em nome da prestadora de serviços. Trata-se de legítima antecipação do recolhimento.

18. É proibida a utilização de Medidas Provisórias apenas para “regu-lamentar” artigo da CF que tenha sido alvo de alteração. O artigo 195 da Constituição Federal, todavia, não é norma que depende de regulamentação, uma vez que tem por objetivo a delimitação de competência tributária.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 12 de setembro de 2006.Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Cooperativa de Trabalho do Vale Jacuí Ltda. – COOTRAVALE impetrou ação man-damental, com pedido de concessão de medida liminar, contra ato a ser realizado pelo Delegado da Receita Federal de Santa Maria/RS, objeti-vando a declaração de que não está sujeita, enquanto operar somente com associados, praticando atos cooperativos, ao recolhimento da COFINS e do PIS/PASEP (cabendo somente o recolhimento deste sobre a folha de pagamento – 1%), pois como os atos cooperativos, nos termos do art. 79 e § único da Lei nº 5.764/71 e art. 146, II, c, da CF/88, não geram faturamento ou receita à sociedade cooperativa, conseqüentemente, não há base de cálculo imponível (não incidência pura e simples). Atacou: 1) a revogação do art. 6º, I, da LC nº 70/91 promovida pela MP nº 1.858/99; 2) a constitucionalidade da MP 2.158-35/01, por não viabilizar o art. 195 da CF/88 a incidência do PIS sobre a receita bruta, bem como a impossibilidade de regulamentação da matéria por medida provisória, por ordem do art. 246 da CF/88; 3) as alterações promovidas pela Lei nº 9.718/98; 4) a Lei nº 10.833/03, no que tange à exigibilidade da retenção na fonte de 3% a título de COFINS e 0,65% a título de PIS/PASEP, sobre o valor total das notas fiscais ou faturas de prestação de prática de atos cooperativos. Foi atribuído à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).

O pedido de provimento de urgência foi indeferido. (fls. 252/253)Processado o feito, adveio sentença que concedeu parcialmente a

segurança pleiteada, para fins de: a) declarar indevida a exigência de contribuições do PIS e da COFINS, decorrente da prática de atos coo-perativos, mantida a incidência do PIS com base na folha de salários da cooperativa; b) diante do reconhecimento da inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, declarar indevida a exigência do PIS e da COFINS sobre o que exceder ao conceito de faturamento; e c) declarar inexigível a retenção na fonte das contribuições dos arts. 30, 33 e 34 da Lei nº 10.833/03, quando incidentes sobre ato cooperativo. Não houve condenação ao pagamento de verba honorária.

Inconformada, a União apelou, sustentando a compatibilidade entre a exigência das contribuições em foco com o adequado tratamento tri-butário conferido às cooperativas ou com as definições previstas na Lei

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nº 5.764/71. Presentes as contra-razões.Com o parecer do Ministério Público Federal opinando pelo provi-

mento do apelo, subiram os autos a esta Corte para julgamento.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares:

I. Dos pedidosA parte impetrante alega que não está sujeita, enquanto operar somente

com associados, praticando atos cooperativos, ao recolhimento da CO-FINS e do PIS/PASEP (cabendo somente o recolhimento deste sobre a folha de pagamento – 1%), pois, como os atos cooperativos, nos termos do art. 79 e § único da Lei nº 5.764/71 e art. 146, II, c, da CF/88 não geram faturamento ou receita à sociedade cooperativa, conseqüentemente, não há base de cálculo imponível (não incidência pura e simples). Requereu:

1) a declaração de inconstitucionalidade da MP 2.158-35/01, por não viabilizar o art. 195 da CF/88 a incidência do PIS sobre a receita bruta, bem como a impossibilidade de regulamentação da matéria por medida provisória, por ordem do art. 246 da CF/88;

2) a declaração da ilegalidade e da inconstitucionalidade das alterações promovidas pela Lei nº 9.718/98, que manteve a aplicabilidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 9.715/98, o qual estabelece o PIS para as sociedades cooperativas sobre a folha de salários dos seus empregados, à alíquota de 1%, e sobre os atos não-cooperativos, à alíquota de 0,65%, bem como o Ato Declaratório nº 70, de 30.07.99, reforça a prerrogativa do disposto no § 1º do art. 2º da Lei 9.715/98 e estabelece o PIS às cooperativas unicamente sobre a folha de salário e o PIS Receita, somente sobre os resultados decorrentes de operações com não-associados;

3) a declaração da ilegalidade e da inconstitucionalidade da revogação do art. 6, I, da LC nº 70/91 promovida pela MP nº 1.858/99, pois fere o princípio da hierarquia das leis (art. 59 da CF/88) e o disposto no art. 146, III, c, da CF/88, pois, mesmo que se concorde com o argumento de que o art. 195 da CF/88 pode ser regulamentado por lei ordinária, tal argumento não se aplica em relação às sociedades cooperativas em virtude do previsto no art. 146, III, c, da CF/88;

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4) a suspensão dos efeitos dos arts. 30, 33 e 34 da Lei nº 10.833/03 e art. 64 da Lei nº 9.430/96, bem como dos arts. 1º e 9º da IN SRF nº 381, de 30.03.03, relativamente à exigibilidade da retenção na fonte de 3% a título de COFINS e 0,65% a título de PIS/PASEP, sobre o valor total das notas fiscais ou faturas de prestação de prática de atos cooperativos, cujos valores devem ser contabilizados e indicados nas notas fiscais ou faturas em separado, determinando-se que a retenção na fonte das referidas con-tribuições recaia tão-somente sobre as receitas de atos não-cooperativos destacados nas referidas notas fiscais ou faturas de prestações de serviço.

II. Da prescrição Para as demandas ajuizadas até 08.06.2005, o prazo prescricional de

cinco anos para postular a restituição/compensação de créditos tribu-tários começa a fluir somente após a extinção definitiva do respectivo crédito (art. 168, I, do CTN) que, nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, se dá pela homologação fiscal – expressa ou tácita – do recolhimento antecipado pelo contribuinte. Se não houver manifestação expressa, presume-se tacitamente homologado o pagamento (e, portanto, extinto o crédito tributário) após cinco anos “a contar da ocorrência do fato gerador” (art. 150, § 4º, CTN). Assim, o contribuinte que recolheu exação indevidamente, ou a maior, tem dez anos para repetir o indébito, contados do fato gerador se a homologação for tácita. Se esta for expressa, terá cinco anos contados da homologação do lançamento.

Para as ações ajuizadas após 08.06.2005 – porquanto a Seção de Di-reito Público do STJ, no RE nº 327.043/DF, DJ de 10.10.2005, afastou a aplicação do art. 3º da LC 118/2005 às ações ajuizadas até o término da vacatio legis de 120 dias – embora o prazo prescricional de cinco anos continue a fluir da extinção do crédito tributário, esta, por força do referido art. 3º da LC 118/2005, ocorre no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 do CTN.

A propósito, EREsp 462.446/MA, STJ, Primeira Seção, Rel. Min. José Delgado, DJ 24.10.2005.

No caso dos autos, como a ação foi proposta em 13.09.2004, incide a regra do “cinco mais cinco”, na linha do entendimento sedimentado naquela Corte Superior, não se aplicando o preceito contido no art. 3º da LC nº 118/05. Inexistindo indício de homologação expressa pelo Fisco,

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está extinto o direito de repetição apenas das parcelas relativas aos fatos geradores ocorridos anteriormente a 13.09.94.

III. Do mérito a) Sobre a LC nº 07/70 O PIS nasceu com a Lei Complementar nº 07/70, legislação que es-

tabeleceu diversas hipóteses de incidência, dentre elas, o faturamento. No que concerne às sociedades sem fins lucrativos (aqui enquadradas as cooperativas), foi delegada à lei ordinária a criação de uma sistemática de incidência específica. Veja-se o artigo 3º da LC 07/70:

“Art. 3º - O Fundo de Participação será constituído por duas parcelas:(...) § 4º - As entidades de fins não lucrativos, que tenham empregados assim defi-

nidos pela legislação trabalhista, contribuirão para o Fundo na forma da lei.”

Sem a referida lei (em sentido formal), passou o Poder Executivo a exigir o tributo sobre a folha de salários das cooperativas, porque, na prática de atos cooperativos, não havia faturamento. Nesse sentido, foram editadas a Norma de Serviço CEF/PIS nº 2/71, a Resolução Ba-cen nº 174/71 e o Ato Declaratório (Normativo) CST nº 14/85. Todos foram considerados ilegais pela jurisprudência, pois, determinando a LC nº 07/70 que a regulamentação das normas estabelecidas sobre a contribuição para o PIS deva ser efetuada por lei ordinária, descarta-se a possibilidade de normatização por ato infralegal, em atendimento ao princípio da legalidade estrita.

Posteriormente, a LC 07/70 foi regulamentada pelos Decretos-Lei nos 2.445/88 e 2.449/88. Todavia, tais alterações no PIS foram consideradas inconstitucionais pelo STF.

Assim, somente com a Medida Provisória nº 1.212, de 28.11.95, e reedições, é que a cobrança do PIS sobre a folha de salário das coope-rativas tornou-se possível.

Esclareço, ainda, que a jurisprudência entende ser devida a contri-buição ao PIS-Faturamento pelas cooperativas, já nos moldes da Lei Complementar nº 07/70, quando estas exercerem atos não cooperativos, nos termos do seu art. 3º, letra b, em decorrência da interpretação do art. 111 da Lei nº 5.764/71.Nesse sentido:

“NACIONAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS. ENTIDADES SEM FINS LUCRA-

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TIVOS. COOPERATIVAS. ATOS NÃO-COOPERATIVOS. LEI COMPLEMENTAR Nº 7/70. APLICABILIDADE.

Impõe-se considerar que, não obstante as resoluções impugnadas não sejam válidas em face da Lei Complementar nº 7/70, esta, por outro lado, tem plena aplicação, motivo pelo qual pode ser cobrada das cooperativas tanto a contribuição para o PIS sobre o faturamento, quando exercerem atividades lucrativas (atos não cooperativos), nos termos do artigo 3º, letra b, como aquela calculada com base no imposto de renda devido pelo faturamento obtido com essas atividades, como dispõe a letra a do citado dispositivo, em decorrência da interpretação do artigo 111 da Lei nº 5.764/71.

Recurso especial da Fazenda Nacional provido, para declarar a incidência do PIS nos chamados ‘atos não-cooperativos’.” (REsp 426.701/RS, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, 2ª T., julg. em 07.12.2004, DJ 13.06.2005, p. 229) (grifo meu)

Saliento que a MP nº 1.212/95 expressamente albergou o entendimento jurisprudencial sobre a possibilidade de incidência do PIS-Faturamento sobre os atos não cooperativos, ao considerar como base de cálculo do tributo as receitas decorrentes de operações praticadas pela cooperativa com não-associados:

“Art. 2º A contribuição para o PIS/PASEP será apurada mensalmente:I. pelas pessoas jurídicas de direito privado e as que lhes são equiparadas pela

legislação do imposto de renda, inclusive as empresas públicas e as sociedades de economia mista e suas subsidiárias, com base no faturamento do mês;

II. pelas entidades sem fins lucrativos definidas como empregadoras pela legislação trabalhista e as fundações, com base na folha de salários;

III. pelas pessoas jurídicas de direito público interno, com base no valor mensal das receitas correntes arrecadadas e das transferências correntes e de capital recebidas.

§ 1º As sociedades cooperativas, além da contribuição sobre a folha de pagamento mensal, pagarão, também, a contribuição calculada na forma do inciso I, em relação às receitas decorrentes de operações praticadas com não associados”. (grifo meu)

Em resumo: A LC 07/70 instituiu a cobrança do PIS sobre a folha de salário das cooperativas, porque havia prática de atos cooperativos (inexistindo, no caso, faturamento). Todavia, não os levou em conside-ração na base de cálculo. Também instituiu a cobrança do PIS sobre o faturamento das cooperativas, quanto aos seus atos não cooperativos. Esse é entendimento consolidado na MP nº 1.212/95.

Sobre a MP nº 1.212/95 cabem ainda algumas considerações.Com a sua edição, foram estabelecidas novas modificações na forma

de apuração da contribuição ao PIS, aplicáveis a partir de 1º de março

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de 1996, não obstante o art. 15 fixasse sua aplicação a fatos geradores ocorridos a partir de 1º de outubro de 1995.

O art. 15 da MP nº 1.212/95 e o art. 17 das reedições posteriores foram declarados inconstitucionais pelo STF, na ADIn 1.417-0/DF, visto que afrontaram ao princípio da irretroatividade da lei tributária.

Nesse sentido o seguinte precedente:“EMBARGOS INFRINGENTES. TRIBUTÁRIO. PIS. MPR-1.212/95 E REEDI-

ÇÕES. EXIGIBILIDADE. 1. As alterações no PIS podem ser feitas por lei e, portanto, também por medida provisória que tem força de lei. 2. Três medidas provisórias su-cessivas, ou seja, a edição de uma reeditada duas vezes, pelo menos, satisfaz o prazo nonagesimal para início da incidência do tributo. 3 . O princípio da anterioridade nona-gesimal está expressamente previsto no art. 13 da MPR 1.212/95, quanto às empresas exclusivamente prestadoras de serviços. 4. O art. 15 da MPR 1.212/95 e o art. 17 das reedições posteriores foram declaradas inconstitucionais pelo STF, por afronta ao prin-cípio da irretroatividade da lei tributária (ADIn 1.710-0/DF). 5. Embargos infringentes parcialmente providos.” (EIAC nº 97.04.51825-0/PR, Rel. Juiz Fábio Rosa, unânime, julg. em 07.04.99, DJU 05.05.99, p. 192)

O mesmo ocorre com o art. 18 da Lei nº 9.715/98, que resultou da conversão da MP nº 1.212/95 e suas reedições, posto que transcreve o artigo declarado inconstitucional.

É de se ressaltar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal afastou a retroatividade do art. 15 ao julgar o Recurso Extraordinário nº 232.896-3/PA, o que ensejou a edição da Instrução Normativa SRF nº 006, de 19 de janeiro de 2000, que determinou que “aos fatos geradores ocorridos no período compreendido entre 1º de outubro de 1995 e 29 de fevereiro de 1996, aplica-se o disposto na Lei Complementar nº 7/70”.

Convém salientar, ainda, que não há falar em impossibilidade de utilização de medida provisória para fins de instituição de tributo, pois, conforme já decidido pelo Excelso Pretório (STF, 1ª T., RE nº 234.463-7/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 11.02.2000), o artigo 62 da CF/88 não proíbe a utilização deste instrumento normativo.

b) Sobre a LC nº 70/91 A instituição da COFINS deu-se pela Lei Complementar nº 70, de

1991. Conforme já atestou o Supremo Tribunal Federal, na ADC nº 1 (RTJ 156/721), tal diploma reveste-se de caráter materialmente ordinário, por não se incluir na previsão abstrata do art. 195, § 4º, da Constituição.

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Já é pacífico que somente a lei que institua outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social deve ostentar caráter complementar, podendo aquela que discipline as contribuições já previstas pelo caput e incisos do mesmo artigo ser meramente ordinária. Atente-se ao que referiu o Ministro Moreira Alves, no voto condutor daquele acórdão:

“Por isso mesmo, essa contribuição [refere-se à COFINS] poderia ser instituída por lei ordinária. A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente com-plementar – a Lei Complementar nº 70/91 – não lhe dá, evidentemente, natureza de contribuição social nova, a que se aplicaria o § 4º do art. 195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída – que são o objeto desta ação –, é materialmente ordinária, por não se tratar, nesse particular, de matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar”.

No que se refere às cooperativas, a Lei Complementar nº 70, de 1991, instituiu isenção da COFINS àquelas “que observarem ao disposto na legislação específica, quanto aos atos cooperativos próprios de suas finalidades”.

c) Sobre a Lei nº 9.715/98 A Lei nº 9.715, de 25.11.98, foi sucessora/conversora da MP nº

1.676/98, 38ª reedição, a qual teve origem (reproduziu) na MP nº 1.212/95.

Em seu artigo 2º, assim dispôs, verbis:“Art. 2º A contribuição para o PIS/PASEP será apurada mensalmente:I. pelas pessoas jurídicas de direito privado e as que lhes são equiparadas pela

legislação do imposto de renda, inclusive as empresas públicas e as sociedades de economia mista e suas subsidiárias, com base no faturamento do mês;

II. pelas entidades sem fins lucrativos definidas como empregadoras pela legislação trabalhista e as fundações, com base na folha de salários;

III. pelas pessoas jurídicas de direito público interno, com base no valor mensal das receitas correntes arrecadadas e das transferências correntes e de capital recebidas.

§ 1º As sociedades cooperativas, além da contribuição sobre a folha de pagamento mensal, pagarão, também, a contribuição calculada na forma do inciso I, em relação às receitas decorrentes de operações praticadas com não associados.” (grifos meus)

Para caracterizar os atos não cooperativos, tanto a MP nº 1.212/95 quanto a Lei nº 9.715/98 usaram o critério das “operações praticadas com não associados”.

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Percebe-se, portanto, que a Lei nº 9.715/98 manteve duas hipóteses de incidência do PIS sobre as cooperativas: a) sobre a folha de salário e b) sobre as receitas de atos não cooperativos, entendidas como sendo, nos termos da legislação do imposto de renda, os valores das prestações de serviços nas operações por conta própria e o resultado nas operações por conta alheia.

A parte autora argumenta que a MP 1.212/95, convertida na Lei 9.715/98, não poderia ter estendido o conceito de faturamento.

Entretanto, a norma não extravasou o conceito de faturamento consoli-dado pelo Egrégio STF e reafirmado recentemente (RExp nº 357.950-9), porque o produto dessas operações integra a sua receita bruta. Veja-se, o faturamento foi equiparado à receita bruta, tendo-se em conta aquilo que decorrer da venda de mercadorias, de mercadorias e serviços ou da venda de serviços, não se considerando receita bruta de natureza diversa.

Atente-se para as palavras do Min. Moreira Alves, relator no julga-mento da ADC nº 01, verbis:

“(...) De efeito, o conceito de ‘receita bruta’ não discrepa do ‘faturamento’, na acepção que este termo é utilizado para efeitos fiscais, seja o que corresponde ao produto de todas as vendas, não havendo qualquer razão para que lhe seja restringida a compreensão, estreitando-o nos limites do significado que o termo possui em direi-to comercial, seja aquele que abrange tão-somente as vendas a prazo (art. 1º da Lei 187/98), em que a emissão de uma ‘fatura’ constitui formalidade indispensável ao saque da correspondente duplicata.

Entendimento nesse sentido, aliás, ficou assentado pelo STF, no julgamento RE 150.755. (Julgamento unânime em 1º.03.93)”

d) Sobre a Lei nº 9.718/98 A contribuição ao PIS e à COFINS, por incidirem ambas sobre o

faturamento/receita, passaram a receber tratamento legislativo conjunto no que diz respeito a seus fatos geradores e bases de cálculo, o que se deu através da Lei nº 9.718/98.

Assim, os dispositivos da Lei 9.718/98 somam-se aos dispositivos da LC 07/70 e da Lei nº 9.715/98, no caso do PIS, e à LC 70/91, no caso da COFINS.

Todavia, a Lei nº 9.718/98, alterando as Leis Complementares nos 07 e 70, manteve o faturamento como base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, redimensionando-o, entretanto, a fim de abranger a

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totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica (art. 3º), além de elevar a alíquota desta última exação para 3%.

Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 20 estendeu a incidência das contribuições em foco para alcançar também a receita da pessoa jurí-dica. Veja-se, pois, a atual redação do artigo 195 da Constituição Federal:

“A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indi-reta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qual-quer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;c) o lucro; [...]”

A parte autora sustenta que tal alteração conceitual promovida pela Lei nº 9.718/98 é inconstitucional, porque ela somente poderia ter sido feita por lei complementar. Afirma que a constitucionalização operada pela EC 20/98 não pode ter efeito retroativo.

O Plenário deste Tribunal, na Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação em Mandado de Segurança nº 1999.04.01.080274-1 (Rel. p/ acórdão a Desa. Federal Virgínia Scheibe, julg. em 29.03.2000, DJ 31.05.2000), considerando que o texto constitucional deixou a cargo do legislador ordinário a providência de conceituar faturamento, conclui não ter havido a criação de nova fonte de custeio pela Lei nº 9.718/98, mas somente o alargamento do espectro de abrangência do conceito, sem extravasar o permissivo constitucional. Referiu, ademais, que o conceito de faturamento adotado pelo STF foi sempre buscado na norma infra-constitucional e assimilado ao de receita bruta, não havendo sustento, pois, para a afirmativa de que a referida lei, precedida da MP nº 1.724/98, somente tenha alcançado lastro constitucional com a promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98.

No entanto, em recente julgado, a Corte Suprema, em controle difuso de constitucionalidade, entendeu inconstitucional a alteração na base de cálculo do PIS e da COFINS levada a efeito pela Lei nº 9.718/98. Eis o raciocínio utilizado pelo eminente Ministro Marco Aurélio, relator do Recurso Extraordinário nº 357.950-9 (julg. em 09.11.2005), in verbis:

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“[...] No artigo 3º, deu-se enfoque todo próprio, definição singular ao instituto fa-turamento, olvidando-se a dualidade faturamento e receita bruta de qualquer natureza, pouco importando a origem, em si, não estar revelada pela venda de mercadorias, de mercadorias e serviços ou de serviços:

Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.

Não fosse o § 1º que se seguiu, ter-se-ia a observância da jurisprudência desta Corte, no que ficara explicitado, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, a sinonímia dos vocábulos ‘faturamento’ e ‘receita bruta’. Todavia, o § 1º veio a definir esta última de forma toda própria:

§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa ju-rídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.

O passo mostrou-se demasiadamente largo, olvidando-se, por completo, não só a Lei Fundamental como também a interpretação desta já proclamada pelo Supremo Tribunal Federal. Fez-se incluir no conceito de receita bruta todo e qualquer aporte contabilizado pela empresa, pouco importando a origem, em si, e a classificação que deva ser levada em conta sob o ângulo contábil.

Em síntese, o legislador ordinário (logicamente não no sentido vulgar, mas técnico--legislativo) acabou por criar uma fonte de custeio da seguridade à margem do disposto no artigo 195, com a redação vigente à época, e sem ter presente a regra do § 4º nele contido, isto é, a necessidade de novas fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social pautar-se pela regra do artigo 154, inciso I, da Consti-tuição Federal, que é explícito quanto à exigência de lei complementar. Antecipou-se à própria Emenda Constitucional nº 20, no que, dando nova redação ao artigo 195 da Constituição Federal, versou a incidência da contribuição sobre a receita ou o fatura-mento. A disjuntiva ‘ou’ bem revela que não se tem a confusão entre o gênero ‘receita’ e a espécie ‘faturamento’. Repita-se, antes da Emenda Constitucional nº 20/98, posterior à Lei ora em exame, a Lei nº 9.718/98, tinha-se apenas a previsão de incidência da contribuição sobre a folha de salários, o faturamento e os lucros. Com a citada emenda, passou-se não só a se ter a abrangência quanto à primeira base de incidência, folha de salários, apanhando-se de forma linear os rendimentos do trabalho pagos ou creditados a qualquer título, mesmo sem vínculo empregatício, observando-se o precedente desta Corte, como também a inserção, considerado o que surgiu como alínea b do inciso I do artigo 195, da base de incidência, que é a receita.

Como, então, dizer-se, a esta altura, que houve simples explicitação do que já previsto na Carta? É admitir-se a vinda à balha de emenda constitucional sem conte-údo normativo. É admitir-se que o legislador ordinário possa, até mesmo, modificar enfoque pacificado mediante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no que haja atuado, à luz das balizas constitucionais, como guardião da Lei Fundamental. Descabe, também, partir para o que seria a repristinação, a constitucionalização de diploma que,

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ao nascer, mostrou-se em conflito com a Constituição Federal. Admita-se a incons-titucionalidade progressiva. No entanto, a constitucionalidade posterior contraria a ordem natural das coisas. A hierarquia das fontes legais, a rigidez da Carta, a revelá--la documento supremo, conduz à necessidade de as leis hierarquicamente inferiores observarem-na, sob pena de transmudá-la, com nefasta inversão de valores. Ou bem a lei surge no cenário jurídico em harmonia com a Constituição Federal, ou com ela conflita, e aí afigura-se írrita, não sendo possível o aproveitamento, considerado texto constitucional posterior e que, portanto, à época não existia. Está consagrado que o vício da constitucionalidade há de ser assinalado em face dos parâmetros maiores, dos parâmetros da Lei Fundamental existentes no momento em que aperfeiçoado o ato normativo. A constitucionalidade de certo diploma legal deve se fazer presente de acordo com a ordem jurídica em vigor, da jurisprudência, não cabendo reverter a ordem natural das coisas. Daí a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98. Nessa parte, provejo o recurso extraordinário e com isso acolho o pedido formulado na inicial, referente à base de cálculo da contribuição, ou seja, para que se entenda, como receita bruta ou faturamento, o que decorra quer da venda de mercadorias, quer da venda de mercadorias e serviços, quer da venda de serviços, não se considerando receita bruta de natureza diversa.”

Assim, a questão restou definitivamente dirimida pela Suprema Corte, sendo inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, devendo ser entendido como receita bruta ou faturamento o que decorrer da venda de mercadorias, de mercadorias e serviços ou da venda de serviços, não se considerando receita bruta de natureza diversa.

Há de se esclarecer, porém, que, sob a égide da Emenda Constitucional nº 20, que estendeu a fonte de custeio da seguridade social para alcançar também a receita do contribuinte, foram editadas as Leis nos 10.637/02 e 10.833/03, que instituíram, respectivamente, o “PIS Não-Cumulativo” e a “COFINS Não-Cumulativa”, incidentes sobre a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica.

Por essa razão, necessário se faz estabelecer os limites temporais dos reflexos advindos da decisão do STF, vale dizer, estabelecer com precisão o período em que a exação, na forma cumulativa, incidiu sobre o faturamento.

A Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, alterou a sistemática do PIS, criando a figura do “PIS Não-Cumulativo”. Tal instrumento norma-tivo instituiu como base de cálculo do mencionado tributo o faturamento mensal, entendido como o total de receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua classificação contábil. Referida base de cál-culo, porquanto estabelecida sob a égide da Emenda Constitucional nº

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20, não restou maculada por vício de inconstitucionalidade.Veja-se o seu conteúdo:“Art. 1º A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento

mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, indepen-dentemente de sua denominação ou classificação contábil.

§ 1º Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica.

§ 2º A base de cálculo da contribuição para o PIS/PASEP é o valor do faturamento, conforme definido no caput. [...]”

“Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: [...]”

O apontado instrumento normativo foi resultado da conversão da Me-dida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002, entrando em vigência em 1º de dezembro do mesmo ano (art. 68), respeitado, pois, o princípio da anterioridade nonagesimal, uma vez que, consoante pacífica jurisprudên-cia do STF, a noventena conta-se a partir da data da primeira publicação da Medida Provisória.

Observe-se o seu conteúdo: “Art. 68. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos: [...] II. a partir de 1º de dezembro de 2002, em relação aos arts. 1º a 6º e 8º a 11; [...]”

Todavia, a Lei nº 10.637/02, em seu art. 8º, excepcionou da sis-temática da não-cumulatividade as seguintes pessoas e receitas, que continuam submetidas à Lei nº 9.718/98:

“Art. 8º Permanecem sujeitas às normas da legislação da contribuição para o PIS/Pasep, vigentes anteriormente a esta Lei, não se lhes aplicando as disposições dos arts. 1º a 6º:

I. as pessoas jurídicas referidas nos §§ 6º, 8º e 9º do art. 3º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998 (parágrafos introduzidos pela Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001), e Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983;

II. as pessoas jurídicas tributadas pelo imposto de renda com base no lucro presu-mido ou arbitrado;

III. as pessoas jurídicas optantes pelo Simples;IV. as pessoas jurídicas imunes a impostos;V. os órgãos públicos, as autarquias e fundações públicas federais, estaduais

e municipais, e as fundações cuja criação tenha sido autorizada por lei, referidas no art. 61 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição

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de 1988;VI. (VETADO)VII. as receitas decorrentes das operações:a) referidas no inciso IV do § 3º do art. 1º;b) sujeitas à substituição tributária da contribuição para o PIS/PASEP;c) referidas no art. 5º da Lei nº 9.716, de 26 de novembro de 1998;VIII. as receitas decorrentes de prestação de serviços de telecomunicações;IX. (VETADO)X. as sociedades cooperativas; (Incluído pela Lei nº 10.684, de 30.05.2003)XI. as receitas decorrentes de prestação de serviços das empresas jornalísticas e de

radiodifusão sonora e de sons e imagens. (Incluído pela Lei nº 10.684, de 30.05.2003)” (grifo meu)

A Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, por sua vez, alterou a sistemática da COFINS, criando a figura da “COFINS Não-Cumu-lativa”. Tal instrumento normativo instituiu como base de cálculo do mencionado tributo o faturamento mensal, entendido como o total de receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua classificação contábil. Referida base de cálculo, porquanto estabeleci-da sob a égide da Emenda Constitucional nº 20, não restou maculada por vício de inconstitucionalidade.

Observe-se, ainda, que a Lei nº 10.833 /2003, além de instituir fato gerador e base de cálculo idênticos ao “PIS Não-Cumulativo”, também excepcionou as pessoas e receitas abaixo declinadas:

“Art. 1º A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, com a incidência não-cumulativa, tem como fato gerador o faturamento mensal, assim en-tendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

§ 1º Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica.

§ 2º A base de cálculo da contribuição é o valor do faturamento, conforme definido no caput. [...]”

“Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: [...]”

“Art. 10. Permanecem sujeitas às normas da legislação da Cofins, vigentes ante-riormente a esta Lei, não se lhes aplicando as disposições dos arts. 1º a 8º:

I. as pessoas jurídicas referidas nos §§ 6º, 8º e 9º do art. 3º da Lei nº 9.718, de 1998, e na Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983;

II. as pessoas jurídicas tributadas pelo imposto de renda com base no lucro presu-

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mido ou arbitrado;III. as pessoas jurídicas optantes pelo SIMPLES;IV. as pessoas jurídicas imunes a impostos;V. os órgãos públicos, as autarquias e fundações públicas federais, estaduais e mu-

nicipais, e as fundações cuja criação tenha sido autorizada por lei, referidas no art. 61 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição;

VI. sociedades cooperativas, exceto as de produção agropecuária, sem prejuízo das deduções de que trata o art. 15 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, e o art. 17 da Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, não lhes aplicando as dispo-sições do § 7º do art. 3º das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833 , de 29 de dezembro de 2003, e as de consumo; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)

VII. as receitas decorrentes das operações:a) referidas no inciso IV do § 3º do art. 1º;b) sujeitas à substituição tributária da COFINS ;c) referidas no art. 5º da Lei nº 9.716, de 26 de novembro de 1998;VIII. as receitas decorrentes de prestação de serviços de telecomunicações;IX. as receitas decorrentes de prestação de serviços das empresas jornalísticas e de

radiodifusão sonora e de sons e imagens;IX. as receitas decorrentes de venda de jornais e periódicos e de prestação de servi-

ços das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)

X. as receitas submetidas ao regime especial de tributação previsto no art. 47 da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002;

XI. as receitas relativas a contratos firmados anteriormente a 31 de outubro de 2003:a) com prazo superior a 1 (um) ano, de administradoras de planos de consórcios

de bens móveis e imóveis, regularmente autorizadas a funcionar pelo Banco Central;b) com prazo superior a 1 (um) ano, de construção por empreitada ou de forneci-

mento, a preço predeterminado, de bens ou serviços;c) de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço predeterminado, de

bens ou serviços contratados com pessoa jurídica de direito público, empresa pública, sociedade de economia mista ou suas subsidiárias, bem como os contratos posterior-mente firmados decorrentes de propostas apresentadas, em processo licitatório, até aquela data;

XII. as receitas decorrentes de prestação de serviços de transporte coletivo rodovi-ário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros;

XIII. as receitas decorrentes do serviço prestado por hospital, pronto-socorro, casa de saúde e de recuperação sob orientação médica e por banco de sangue;

XIII. as receitas decorrentes de serviços: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)a) prestados por hospital, pronto-socorro, clínica médica, odontológica, de fisiotera-

pia e de fonoaudiologia, e laboratório de anatomia patológica, citológica ou de análises clínicas; e (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

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b) de diálise, raios X, radiodiagnóstico e radioterapia, quimioterapia e de banco de sangue; (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

XIV. as receitas decorrentes de prestação de serviços de educação infantil, ensinos fundamental e médio e educação superior;

XV. as receitas decorrentes de vendas de mercadorias realizadas pelas pessoas jurídicas referidas no art. 15 do Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976; (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

XVI. as receitas decorrentes de prestação de serviço de transporte coletivo de pas-sageiros, efetuado por empresas regulares de linhas aéreas domésticas, e as decorrentes da prestação de serviço de transporte de pessoas por empresas de táxi aéreo; (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

XVII. as receitas auferidas por pessoas jurídicas, decorrentes da edição de perió-dicos e de informações neles contidas, que sejam relativas aos assinantes dos serviços públicos de telefonia; (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

XVIII. as receitas decorrentes de prestação de serviços com aeronaves de uso agrícola inscritas no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB); (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

XIX. as receitas decorrentes de prestação de serviços das empresas de call cen-ter, telemarketing, telecobrança e de teleatendimento em geral; (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

XX. as receitas decorrentes da execução por administração, empreitada ou subem-preitada, de obras de construção civil, até 31 de dezembro de 2006; (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

XXI. as receitas auferidas por parques temáticos, e as decorrentes de serviços de hotelaria e de organização de feiras e eventos, conforme definido em ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e do Turismo; (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

XXII. as receitas decorrentes da prestação de serviços postais e telegráficos pres-tados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; (Incluído pela Lei nº 10.925, de 2004) (Vide Lei nº 10.925, de 2004)

XXIII. as receitas decorrentes de prestação de serviços públicos de concessionárias operadoras de rodovias; (Incluído pela Lei nº 10.925, de 2004)

XXIV. as receitas decorrentes da prestação de serviços das agências de viagem e de viagens e turismo; (Incluído pela Lei nº 10.925, de 2004)

XXV. as receitas auferidas por empresas de serviços de informática, decorrentes das atividades de desenvolvimento de software e o seu licenciamento ou cessão de direito de uso, bem como de análise, programação, instalação, configuração, assessoria, consultoria, suporte técnico e manutenção ou atualização de software, compreendidas ainda como softwares as páginas eletrônicas; (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

XXVI. (Vide Medida Provisória nº 252, de 2005)Parágrafo único. Ficam convalidados os recolhimentos efetuados de acordo com a

atual redação do inciso IX deste artigo. (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

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§ 1º Ficam convalidados os recolhimentos efetuados de acordo com a atual redação do inciso IX deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

§ 2º O disposto no inciso XXV do caput deste artigo não alcança a comercialização, licenciamento ou cessão de direito de uso de software importado. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)” (grifo meu)

A referida norma é, como se sabe, resultado da conversão da Medida Provisória nº 135, de 30 de outubro de 2003, e, segundo seu artigo 93, passou a surtir efeitos a partir de 1º de fevereiro de 2004, ou seja, em total respeito ao princípio da anterioridade mitigada. Veja-se:

“Art. 93. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos, em relação:

I. aos arts. 1º a 15 e 25, a partir de 1º de fevereiro de 2004; [...]”

Portanto, para a fixação do exato período em que a cooperativa estava sujeita à incidência da COFINS (somente sobre o seu faturamento), há de ser verificado se ela está incluída ou não no rol do art. 10 da Lei nº 10.833/03 e no rol do art. 8º da Lei nº 10.637/02. Em caso positivo, submete-se ao regime da cumulatividade, ou seja, da Lei nº 9.718/98, que determina a incidência exclusivamente sobre o faturamento, nos termos em que definido pelo STF no RE nº 357.950-5. No caso contrário, sofre a incidência da COFINS sobre o total das receitas a partir de 01 de fevereiro de 2004, no regime da não--cumulatividade, e sofre a incidência do PIS sobre o total das receitas a partir de 1º de dezembro de 2002, no regime da não-cumulatividade.

No caso das cooperativas, o inciso X expressamente excepcionou-as da sistemática da não-cumulatividade do PIS, mas só a partir de 30.05.2003, início da vigência da Lei 10.637/02.

No que se refere à COFINS, o inciso VI da Lei 10.833/03 excepcio-nou as sociedades cooperativas, exceto as de produção agropecuária e as de consumo.

e) Sobre a Lei 5.764/71 e a legislação posterior Argumenta-se a incompatibilidade entre a Lei 5.764/71 e a legislação

ordinária superveniente.Afirma-se que a Lei 5.764/71, ao tratar do regime jurídico das coo-

perativas, criou uma isenção tributária ampla para os atos cooperativos, tendo sido, por isso mesmo, recepcionada pela Constituição como lei complementar, por força do art. 146, III, c. Conseqüentemente, embora

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formalmente lei ordinária, não poderia ter sido modificada por super-venientes leis ordinárias (Leis 9.701/98, 9.718/98 e Medida Provisória 1.858/99, suas reedições e respectiva lei de conversão) que vieram tributar o ato cooperativo de crédito, ignorando a isenção prevista na lei antes referida, materialmente complementar.

Não há como sustentar que a Lei 5.764/71 tenha natureza de lei com-plementar, por força do art. 146, III, c, da CF/88, porque ela não veio dar o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo. Definiu (art. 79) apenas o que é ato cooperativo, sem referência quanto ao seu regime de tributação. Os seus artigos 87 e 111 tratam dos atos não cooperativos, sua disciplina contábil e sua tributação para fins de imposto de renda.

Portanto, a Lei 5.764/71 continua, mesmo após a Constituição de 1988, com natureza de lei ordinária. A eventual incompatibilidade com preceitos normativos posteriores resolve-se pela revogação (lei posterior revoga a anterior com ela incompatível).

Cumpre, finalmente, refutar a alegação de que as sociedades coope-rativas não possuem “receita” ou “faturamento” (ou, pelo menos, não possuem em relação aos atos cooperativos típicos), razão pela qual não se realiza, em relação a elas (ou àqueles atos), a hipótese de incidência da contribuição social, que é justamente o “faturamento”, ou a “receita”.

Nesse sentido, são esclarecedoras as palavras do ilustre Min. Teori Albino Zavascki (voto vencido no REsp 591298/MG, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Rel. p/acórdão Min. Castro Meira, STJ, 1ª S., julg. em 27.10.2004, DJ 07.03.2005, p. 136), verbis:

“(...) Também esse argumento não procede, já que parte do pressuposto de que receita e faturamento são sinônimos de lucro, ou de ‘resultado’, o que é um manifesto equívoco. A distinção desses conceitos decorre da própria Constituição, que no seu art. 195 separa as diversas situações de incidência da contribuição para a seguridade social ‘do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei’ (inciso I), a saber: ‘a) a folha de salário (...); b) a receita ou o faturamento; c) o lucro’. Aqui, em relação ao PIS (ao contrário do que ocorre com o imposto de renda), a hipótese de incidência é o faturamento e a receita, e não o lucro. Ora, a lei considera ‘faturamento’ a ‘receita bruta’, assim entendida ‘a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurí-dica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas’. (Lei 9.718, de 27.11.98, art. 3º e § 1º)

É certo que as cooperativas não têm fim lucrativo, conforme está expresso no art. 3º da Lei 5.764, de 16.12.71, que ‘define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o

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regime jurídico das sociedades cooperativas’. Também é certo que o resultado das suas operações, nomeadamente os que decorrem dos atos cooperativos, são direcionados, em regra, a beneficiar o próprio cooperado (art. 4º, VII). Mas isso não significa dizer que as cooperativas não tenham ‘faturamento’ nem ‘receita bruta’, que é o conjunto das receitas auferidas com as suas operações, ‘irrelevantes o tipo de atividade por ele exercida e a classificação contábil adotada para as receitas’. Com efeito, é da própria essência e está na própria definição legal de sociedade cooperativa o de que ela se destina ao ‘exercício de uma atividade econômica’ (Lei 5.764/71, art. 3º), podendo ‘adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade’ (art. 5º). E é da essência da atividade econômica a prática de atos jurídicos (operações de compra, de venda, de financiamento, de serviços, pouco importa) que geram receitas e despesas.

Também as cooperativas, portanto, como qualquer empresa do gênero, para atingir os objetivos que lhes são próprios, deve, necessariamente, auferir receita. Quem não tem receita não pode ter despesa, nem resultado a ser distribuído entre os cooperados ou destinado a constituir fundos (art. 28). Quem não tem receita não pode operar. E as cooperativas, indubitavelmente, operam fartamente, tanto que a Lei que as regula-menta tem um capítulo próprio tratando ‘Do Sistema Operacional das Cooperativas’ (Capítulo XII), cuja Seção III trata especificamente ‘Das Operações da Cooperativa’. Não é por outra razão que também as cooperativas estão obrigadas a possuir livros fiscais e contábeis (art. 22, V), destinados, justamente, ao lançamento das suas receitas e das suas despesas, com base nas quais apurarão, em cada exercício, seus resultados, positivos ou negativos.

8. Em suma, considerando que a hipótese de incidência do PIS não é o lucro (a contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas está disciplinado em outra lei, a Lei 7.689, de 15.12.88), mas suas receitas brutas, não há como negar que as cooperati-vas, como todas as demais pessoas jurídicas que exercem atividades econômicas, com ou sem fins lucrativos, realizam aquela hipótese de incidência e, não estando isentas, submetem-se ao pagamento daquela contribuição, nos limites e com as deduções e exclusões previstas em lei. (...)” (grifos meus)

Portanto, não há dúvida que a receita/faturamento obtida pela coope-rativa (que aos associados será repassada), não pertence a ela. Todavia, existe tal receita/faturamento na sociedade e isso é o quanto basta para incidir a regra de tributação do PIS e da COFINS.

Não prospera qualquer alegação de que não há base de cálculo, na atividade cooperativa, em que seja possível incidir a alíquota da CO-FINS ou do PIS, posto que não aufere lucro, não tem qualquer espécie de receita quando realiza o ato cooperativo, todos os valores que recebe de seus clientes são repassados integralmente aos cooperados e somente seus associados têm lucro.

O art. 4º da Lei 5.764/71 classifica as cooperativas como sociedade

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de pessoas, tendo personalidade jurídica distinta dos associados. Por isso mesmo o art. 22, VI, daquela lei determina que tais sociedades mante-nham sua escrituração regular, de forma a registrar todas as operações efetuadas. No exercício de suas atividades há, por óbvio, arrecadação de receita. O fato dos valores por ela arrecadados e devidamente registrados serem posteriormente repassados aos cooperados não tem o condão de descaracterizar esta receita bruta. Neste sentido, verificada contabilmente sua auferição, concretiza-se o fato gerador da COFINS, bem como do próprio PIS. A destinação prevista aos valores contabilizados é fato com-pletamente alheio à relação jurídico tributária, eis que a receita pertence à cooperativa e, posteriormente, é que será repassada aos associados. Aliás, quando ainda vigorava a isenção das cooperativas, o fato gerador não deixava de ocorrer, a lei apenas as dispensava do pagamento do tributo devido.

Também não há ofensa ao art. 150, II, da Carta Constitucional. Em primeiro lugar há que se diferenciar os atos cooperativos internos dos ex-ternos, posto que somente aqueles, como decidiu a já citada Argüição de Inconstitucionalidade suscitada neste Tribunal, estão a salvo da incidência da COFINS e do PIS. O que se depreende da leitura do art. 15, I, III e V, da MP 1.858-9/99, é que ele se refere a atos cooperativos próprios, ou in-ternos, e o alargamento do benefício a atos realizados entre os cooperados e terceiros não é cabível, eis que completamente fora daquele campo de conceituação. Essencialmente por isso, tenho que não resta qualquer ofensa ao princípio da isonomia, posto que todas as sociedades cooperativas que praticam a mesma espécie de ato são cobradas da mesma forma.

Nesse sentido, convém ressaltar o consignado nesta Turma pelo Juiz Federal Leandro Paulsen, ao relatar o julgamento da AC nº 2005.04.01.020597-2/SC, DJU 05.07.2006, verbis:

“Atos cooperativos são apenas os atos entre a cooperativa e seus cooperados, con-forme o art. 78 da Lei 5.764/71, de modo que não se enquadram em tal categoria os atos com terceiros que gerem pagamentos à cooperativa.

Aliás, deve-se distinguir a ausência de finalidade lucrativa da falta de capacida-de contributiva da cooperativa enquanto pessoa jurídica. Aquela constitui elemento essencial das cooperativas; esta, porém, não se dá na medida em que estas realizam atividades econômicas.

Note-se que a Constituição expressamente pressupõe a possibilidade de tributação das cooperativas, ao dizer que a lei estabelecerá a forma adequada para tanto, e, ao

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tratar das contribuições à Seguridade Social, só estabeleceu imunidade para as entidades beneficentes de assistência social.

Não se pode entender que o conceito de faturamento seja estranho às cooperativas no que diz com suas relações com terceiros.

Efetuando elas a venda de mercadorias e serviços, auferem receita enquadrável no conceito de faturamento.

Efetivamente, tendo ou não finalidade lucrativa, certo é que a cooperativa é pessoa jurídica que, nas suas relações com terceiros, tem faturamento, e seus resultados posi-tivos constituem renda tributável.”

f) Sobre a Medida Provisória nº 1.858-6/99 (atualmente MP nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001)

A MP 1.858-6/99 e reedições seguintes, consolidadas na MP 2.158-35, alterou de forma substancial a tributação para as sociedades cooperati-vas. No rastro das mudanças trazidas pela Lei nº 9.718/98, determinou a expressa incidência sobre a receita decorrente de atos cooperativos. E poderia fazê-lo, porque a LC 07/70 não foi recepcionada constitucional-mente como lei complementar.

De fato, a partir de 28.09.99, derrogou (art. 23, II) o inc. II do art. 2º da Lei nº 9.715/98 e, ao listar (art. 13) as pessoas jurídicas beneficiadas pelo recolhimento do PIS sobre a folha de salários, não mencionou as sociedades cooperativas.

No que se relaciona à COFINS, houve revogação da isenção instituída pela LC nº 70/91.

A primeira objeção que é apresentada refere-se à possibilidade de tributação dos atos cooperativos.

Já se disse que o adequado tratamento tributário do ato cooperativo, previsto no art. 146, III, c, como matéria de normas gerais, ainda não foi estabe-lecido. Tanto o STF como os TRFs têm destacado que tal dispositivo constitucional não estabeleceu nenhuma imunidade às cooperativas e não depende de regulamentação por lei complementar, devendo ser aplicado normalmente o tratamento dado pelas leis ordinárias que instituem cada tributo.

A Corte Especial deste Tribunal, no incidente de Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação em Mandado de Segurança nº 1999.70.05.003502-0/PR (DJU 23.01.02), examinou a matéria referente à incidência da COFINS sobre os atos cooperativos. Conforme referiu o Relator para o acórdão, o Desembargador Federal Fábio Rosa, a única

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“conclusão invencível é que os atos cooperativos não tipificam certas hipóteses de tributos, como aqueles que incidem sobre o lucro; todavia, não estão protegidos por norma constitucional que impeça sua tribu-tação, sob o benefício da imunidade ou isenção”. “Por tal maneira”, arrematou, “enquanto não sobrevier a lei complementar incumbida de dar ‘adequado tratamento tributário ao ato cooperativo’, o sistema normativo pátrio autoriza que se crie isenção favorecendo o ato cooperativo e que se revogue tal isenção por critério de conveniência do poder tributante”.

Ou seja, incidiria em inarredável inconstitucionalidade o diploma normativo que incluísse as cooperativas no aspecto pessoal de hipótese de incidência cujo aspecto material não são elas capazes de realizar, não havendo, entretanto, vedação, na Carta Magna, a que se tribute o ato cooperativo.

Descartada, em conclusão, a hipótese de não incidência do PIS e da COFINS sobre os atos cooperativos, resta o exame da regra de isenção.

Quanto à validade dessa derrogação, é mister referir que a disciplina das isenções está prevista no Código Tributário Nacional nos artigos 176 a 179, dos quais se dessume, bem como do art. 97, que é imprescindível previsão legal a fim de que seja instituído tal favor. No entanto, é des-necessário que tenha a apontada lei status complementar.

Friso que apenas as novas contribuições para a seguridade é que demandam lei complementar para sua instituição. Não é o que acontece com a contribuição sobre o faturamento, cuja previsão vem expressa no art. 195 da Constituição Federal de 1988.

Assim, poderia o poder tributário simplesmente revogar a norma isentiva. E, nesse caso, a receita bruta das cooperativas, sob qualquer aspecto, faria incidir a regra criadora da contribuição. Não há imunidade tributária, não há direito constitucional à isenção, porque a cooperativa não é entidade beneficente de assistência social, e não se pode cogitar de hipótese de não incidência.

Entretanto, aconteceu que a medida provisória apenas reduziu o benefício fiscal, pois, em seu artigo 15, excluiu, expressamente, alguns atos cooperativos da base de incidência do tributo:

“Art. 15. As sociedades cooperativas poderão, observado o disposto nos arts. 2º e 3º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, excluir da base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP:

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I. os valores repassados aos associados, decorrentes da comercialização de produto por eles entregue à cooperativa;

II. as receitas de venda de bens e mercadorias a associados;III. as receitas decorrentes da prestação, aos associados, de serviços especializados,

aplicáveis na atividade rural, relativos a assistência técnica, extensão rural, formação profissional e assemelhadas;

IV. as receitas decorrentes do beneficiamento, armazenamento e industrialização de produção do associado;

V. as receitas financeiras decorrentes de repasse de empréstimos rurais contraídos junto a instituições financeiras, até o limite dos encargos a estas devidos.

§ 1º Para os fins do disposto no inciso II, a exclusão alcançará somente as receitas decorrentes da venda de bens e mercadorias vinculados diretamente à atividade eco-nômica desenvolvida pelo associado e que seja objeto da cooperativa.

§ 2º Relativamente às operações referidas nos incisos I a V do caput:I. a contribuição para o PIS/PASEP será determinada, também, de conformidade

com o disposto no art. 13;II. serão contabilizadas destacadamente pela cooperativa e comprovadas mediante

documentação hábil e idônea, com a identificação do associado, do valor da operação, da espécie do bem ou mercadorias e quantidades vendidas.”

Por derradeiro, saliento que é cabível o uso de medida provisória no presente caso, porque não houve criação ou majoração de tributo, mas simplesmente revogação de um benefício legal. Ademais, sendo mera revogação, não se consubstancia “regulamentação” de artigo constitucio-nal, não prosperando qualquer alegação de que estaria a violar a proibição introduzida pelo art. 246 da CRFB/88 ao dispor que “é vedada a adoção do medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1995”. Nesse sentido, há julgado desta Turma: AC nº 2001.71.00.010800-2/RS, Rel. Juiz Federal Leandro Paulsen, DJU 31.08.05.

Destarte, a análise que resta é sobre o enquadramento de atos coope-rativos isentos de tributação do PIS e da COFINS.

Afirma a parte autora que o art. 15 da MP 1.858/99 viola a isonomia em razão de as cooperativas agropecuárias estarem sendo tratadas de forma diversa das demais sociedades cooperativas na apuração da base de cálculo do PIS e da COFINS. Entretanto, tal argumento não se sustenta.

Esta Turma já decidiu (AC nº 2001.71.00.010800-2/RS, Rel. Juiz Leandro Paulsen, DJU 31.08.2005) que “não há violação à isonomia quando os diferentes regimes correspondem a diferentes

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ramos da atividade econômica, que apresentem características distintas. Note-se que o art. 150, II, da CF veda o tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em ‘situação equivalente’, o que não ocorre na comparação trazida à consideração, pois não basta trata-se de cooperativas para que se tenha uma única realidade, inde-pendentemente do seu tipo e ramo de atuação.”

Ademais, como já enfatizou este Tribunal, no já citado incidente de argüição de inconstitucionalidade, “(...) a MP 1.818/99 ainda manteve um tratamento diferenciado às cooperativas. Elas não recolhem o PIS na mesma dimensão das demais pessoas jurídicas de direito privado. Permanece o privilégio, ainda que reduzido. Os atos cooperativos internos estão a salvo da incidência do tributo. Dessa maneira, incabível pensar-se que a maior tributação ofenderia a igualdade, que constitui princípio constitucional quanto à tributação, sob o argumento de que as cooperativas merecem incentivo. Se desigualdade sobrevive com a medida provisória é para privilegiar as cooperativas, certamente que não no tamanho pretendido pelas mesmas. (...). Não se há de negar, porém, que o novo siste-ma onerou as sociedades cooperativas, aumentou o âmbito de incidência do preceito, porque é inegável que alguns atos externos também se podem caracterizar como atos cooperativos, porque seu conceito é indeterminado, como já se referiu. Revogou-se a isenção e especificou-se o que seria possível excluir da base de cálculo do PIS. Mas isso está totalmente de acordo com o sistema constitucional pátrio. Não há imunidade, não há isenção, tampouco hipótese de não incidência. Todos são obrigados a financiar a Seguridade Social. É um valor instituído pelo novo texto constitucional, que não está abaixo de outro, que é a necessidade de se dar um adequado tratamento tributário aos atos cooperativos. Sem dúvida, a redução do âmbito da isenção em relação ao PIS foi baseada em decisão de natureza política, cujo controle foge ao poder do Judiciário.”

g) Sobre as alterações empreendidas na sistemática de cobrança pela Lei nº 10.833/03

Especificamente no que se refere à Lei 10.833/03, que determinou a retenção na fonte pela tomadora em nome da prestadora de serviço, do percentual de 4,65% a título de antecipação de PIS/COFINS/CSSL, não merece melhor sorte a cooperativa impetrante.Este o teor dos dispositivos questionados:

“Art. 30. Os pagamentos efetuados pelas pessoas jurídicas a outras pessoas jurídicas de direito privado, pela prestação de serviços de limpeza, conservação, manutenção, segurança, vigilância, transporte de valores e locação de mão-de-obra, pela prestação de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, bem como pela remuneração de serviços profissionais, estão sujeitos a retenção na fonte da Contribuição Social sobre o Lucro

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Líquido – CSLL, da COFINS e da contribuição para o PIS/PASEP.§ 1º O disposto neste artigo aplica-se inclusive aos pagamentos efetuados por:I. associações, inclusive entidades sindicais, federações, confederações, centrais

sindicais e serviços sociais autônomos;II. sociedades simples, inclusive sociedades cooperativas;III. fundações de direito privado; ou IV. condomínios edilícios.§ 2º Não estão obrigadas a efetuar a retenção a que se refere o caput as pessoas

jurídicas optantes pelo SIMPLES.§ 3º As retenções de que trata o caput serão efetuadas sem prejuízo da retenção do

imposto de renda na fonte das pessoas jurídicas sujeitas a alíquotas específicas previstas na legislação do imposto de renda.

Art. 31. O valor da CSLL, da COFINS e da contribuição para o PIS/PASEP, de que trata o art. 30, será determinado mediante a aplicação, sobre o montante a ser pago, do percentual de 4,65% (quatro inteiros e sessenta e cinco centésimos por cento), cor-respondente à soma das alíquotas de 1% (um por cento), 3% (três por cento) e 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento), respectivamente.

§ 1º As alíquotas de 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 3% (três por cento) aplicam-se inclusive na hipótese de a prestadora do serviço enquadrar-se no regime de não-cumulatividade na cobrança da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS.

§ 2º No caso de pessoa jurídica beneficiária de isenção, na forma da legislação específica, de uma ou mais das contribuições de que trata este artigo, a retenção dar--se-á mediante a aplicação da alíquota específica correspondente às contribuições não alcançadas pela isenção. (...)

Art. 33. A União, por intermédio da Secretaria da Receita Federal, poderá ce-lebrar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios, para estabelecer a responsabilidade pela retenção na fonte da CSLL, da COFINS e da contribuição para o PIS/PASEP, mediante a aplicação das alíquotas previstas no art. 31, nos pagamen-tos efetuados por órgãos, autarquias e fundações dessas administrações públicas às pessoas jurídicas de direito privado, pelo fornecimento de bens ou pela prestação de serviços em geral.

Art. 34. Ficam obrigadas a efetuar as retenções na fonte do imposto de renda, da CSLL, da COFINS e da contribuição para o PIS/PASEP, a que se refere o art. 64 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, as seguintes entidades da administração pública federal:

I. empresas públicas;II. sociedades de economia mista; eIII. demais entidades em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria

do capital social com direito a voto, e que dela recebam recursos do Tesouro Nacional e estejam obrigadas a registrar sua execução orçamentária e financeira na modalidade

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total no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI.Parágrafo único. A retenção a que se refere o caput não se aplica na hipótese de

pagamentos relativos à aquisição de gasolina, gás natural, óleo diesel, gás liqüefeito de petróleo, querosene de aviação e demais derivados de petróleo e gás natural. (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004) (...)

Art. 36. Os valores retidos na forma dos arts. 30, 33 e 34 serão considerados como antecipação do que for devido pelo contribuinte que sofreu a retenção, em relação ao imposto de renda e às respectivas contribuições.”

As normas supratranscritas são claras ao dispor que o recolhimento pela tomadora do serviço a título de PIS/COFINS/CSSL é feito em nome da prestadora, e a alíquota prevista é inferior àquela que recolheria em nome próprio, conforme as leis de regência.

A legitimidade da alteração trazida pela Lei 10.833/03 e a exigibili-dade da impetrante têm como escopo motivo de política fiscal, visando à redução de práticas elisivas por parte das entidades prestadoras de serviços em geral que, com base na redação original do artigo, por vezes deixavam de proceder ao pagamento das contribuições sociais a seu en-cargo no valor efetivamente devido. Foi atribuída à empresa tomadora a responsabilidade pela retenção das exações em comento (PIS, COFINS e CSSL), em nome da prestadora.

O recolhimento na forma preconizada pela Lei 10.833/03 será de qual-quer forma inferior ao que seria efetuado diretamente pela prestadora de serviços, que terá de complementá-lo. Eventualmente, em sendo superior o recolhimento indireto, prevê o art. 5º, §§ 1º e 2º, da IN-SRF 381/03, que regulamentou a lei nova, que tais valores “poderão ser compensados, pelo contribuinte, com o imposto e contribuições de mesma espécie, devidos relativamente a fatos geradores ocorridos a partir do mês da retenção” (§ 1º), e que o valor específico “será determinado pelo próprio contribuinte mediante aplicação, sobre o valor da fatura, das alíquotas respectivas às retenções efetuadas” (§ 2º).

De qualquer forma, não se trata da criação de um novo tributo, mas, forte no permissivo do art. 150, § 7º, da CRFB/88, forma de substi-tuição tributária para frente. O cálculo para apuração da existência de recolhimento a maior ou a menor, para fins de existência do direito a compensação ou não, será feito com base na aferição do lucro. Ou seja, para verificar se o recolhimento foi correto, apura-se o tributo obedecen-

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do à base de cálculo e ao fato gerador nos moldes em que previstos na Constituição Federal e nas leis de regência das próprias contribuições. Na esteira desse entendimento, é de se ver que o regime temporal de apuração da exação, então, também não foi modificado.

Trata-se simplesmente de obrigação acessória correspondente a destacar, do pagamento feito ao prestador de serviço, o percentual de 4,65%, do qual 1% corresponde à CSSL, 3% correspondem à COFINS e 0,65% corresponde ao PIS, que devem ser recolhidos aos cofres da Receita Federal. Não há oneração do tomador do serviço, tratando-se, na verdade, de verdadeira retenção na fonte da contribuição, regras que não exigem o tratamento pela via da lei complementar.

Nesse sentido, há julgado da Primeira Turma deste Tribunal:“PIS/COFINS/CSSL. COOPERATIVA DE TRABALHO. RETENÇÃO NA FON-

TE PELA TOMADORA EM NOME DA PRESTADORA DE SERVIÇOS. LEGITI-MIDADE. ADEQUADO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO. BASE DE CÁLCULO EXISTENTE.

(...)3. A incidência de tais exações já era entendimento pacificado sob a égide da Lei

9.718/98, não havendo qualquer modificação quando da promulgação da Lei 10.833/03, que determinou a retenção do percentual de 4,65% a título de tais exações sobre o valor bruto da nota fiscal emitida pela tomadora em nome da prestadora de serviços. Trata-se de legítima antecipação do recolhimento.” (AMS Nº 2004.71.08.005694-3/RS, Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, DJU 20.07.2005)

Por fim, também não merece amparo a insurgência de que tendo ha-vido alteração do artigo 195 da CF/88, por emenda constitucional, seria vedada a edição das medidas provisórias regulamentando a contribuição da COFINS.

Veja-se que o artigo 246 da CF/88 tem o seguinte texto:“É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Cons-

tituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive.”

Proíbe-se, pois, a utilização de Medidas Provisórias para “regulamen-tar” artigo da CF que tenha sido alvo de alteração no aludido período.

O artigo 195 da Constituição Federal, todavia, não é norma que depende de regulamentação. Trata-se de norma que fixa a competên-cia tributária da União para a instituição das referidas contribuições

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previdenciárias, esgotando-se em si mesma, ou seja, possuindo plena aplicabilidade desde a sua edição.

Por todo o exposto, a sentença merece ser reformada.

IV) Da compensaçãoSabe-se ser inviável a condenação, em sede de mandado de segurança,

à restituição de valores pagos indevidamente, conforme entendimento do STF consubstanciado nas Súmulas 269 e 271, segundo as quais o Mandado de Segurança não é substitutivo de ação de cobrança e, ainda, a concessão de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.

É que o mandado de segurança projeta efeitos futuros, determinando um ato ou abstenção da autoridade coatora, não sendo meio adequado para o impetrante postular vantagens econômicas pretéritas somente obteníveis mediante condenação.

No presente caso, no entanto, trata-se de simples reconhecimento do direito à compensação de tributo, cuja possibilidade está sedimentada na jurisprudência do STJ com a síntese apresentada na Súmula 213 (“O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”), deferindo-se, em verdade, ordem à autoridade para que não impeça ou obstaculize o exercício de direito assegurado legalmente, encerrando a decisão, apenas, a declaração desse direito e a fixação dos critérios para o seu exercício. Reconhecido o direito à compensação, esta se fará administrativamente, por meio da análise da documentação e dos lançamentos efetuados na contabilidade da empresa. Não se defere, pois, a compensação com efeito de quitação, mas apenas se afasta o óbice posto pela Administração.

Assim, imperioso reconhecer o direito das impetrantes à compensação das quantias recolhidas a maior a título de contribuição ao PIS e COFINS, na forma da Lei nº 9.718/98.

Em relação à compensação, mister observar a seguinte evolução le-gislativa, conforme didaticamente explanado pelo Eminente Min. do STJ Teori Albino Zavascki, Relator do RE nº 548.161/PE (2003/0095057-4), julgado pela 1ª Turma daquela Colenda Corte em 20.11.2003: a) até 30.12.91 não havia em nosso ordenamento jurídico a figura da compen-

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sação tributária; b) de 30.12.91 a 27.12.96 havia autorização legal apenas para a compensação entre tributos da mesma espécie, nos termos do art. 66 da Lei 8.383/91; c) de 27.12.96 a 30.12.02 era possível a compensação entre valores decorrentes de tributos distintos, desde que fossem todos administrados pela Secretaria da Receita Federal e que esse órgão, a requerimento do contribuinte, autorizasse previamente a compensação, conforme estabelecia o art. 74 da Lei 9.430/96; d) a contar de 30.12.2002, com a alteração do art. 74 da Lei 9.430/96 pela Lei 10.637/02, para os tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal foi autorizada a compensação de iniciativa do contribuinte (com efeito de extinção do crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação) mediante simples entrega de declaração contendo as informações sobre os créditos e débitos utilizados.

Assim, anteriormente à edição da Lei nº 10.637/02 (30.12.2002), não havia legislação que autorizasse a compensação efetuada direta-mente pelo contribuinte em relação a tributos de espécies distintas e de diferentes destinação constitucional. No entanto, em observância à regra geral de que a lei aplicável à compensação é aquela vigente na data do encontro entre débitos e créditos, pode o contribuinte proceder à compensação dos créditos na forma da Lei nº 10.637/2002, porquanto posterior e mais benigna.

Há que ser ressalvado, por fim, que a LC nº 104/2001 introduziu no Código Tributário Nacional o art. 170-A, segundo o qual “é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de con-testação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”. Com isso, impôs-se ao contribuinte nova condição para a compensação de tributos diretamente na escrita fiscal, qual seja, a inexistência de discussão judicial sobre os créditos a serem utilizados na compensação. Essa norma, no entanto, não se aplica às de-mandas judiciais, nas quais já exista um provimento judicial autorizando a compensação e que tenha sido proferido anteriormente à sua vigência, em homenagem aos princípios da irretroatividade das leis, da segurança jurídica, da não-surpresa e do direito adquirido, o que não é o caso dos autos, de modo que este diploma legal é aplicável.

Logo, pela legislação atual, somente é possível a compensação após o trânsito em julgado da decisão e deverá dar-se na forma prescrita pela

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Lei nº 10.637/2002, isto é, por iniciativa do contribuinte, entre quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal e mediante entrega de declaração contendo as informações necessárias acerca dos créditos e débitos utilizados.

V) Dos honorários advocatícios e das custas processuaisIncabível condenação a honorários de advogado. (Súmulas 512 STF

e 105 STJ)Quanto à devolução de custas, cumpre ressaltar que a existência de lei

federal determinando a isenção do pagamento pela União não se aplica às hipóteses de restituição de custas despendidas pela parte vencedora, as quais devem ser ressarcidas, integrando o quantum debeatur. No mesmo sentido, AC 97.04.61130-7/RS, Relatora Desa. Federal Tania Cardoso Escobar, 2ª T., unânime, DJU 13.06.01. No caso dos autos, tendo em vista a sucumbência de ambas as partes, a autora arcará com 3/5 das custas e a União ressarcirá a estas o valor de 2/5 daquelas adiantadas initio litis.

VI) Do dispositivo Diante do exposto, dou parcial provimento ao apelo da União e à

remessa oficial, nos termos da fundamentação supra. É como voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇANº 2005.70.00.000405-4/PR

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Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares

Apelante: Laboratório de Análises Clínicas Andreassa e Leck S/C Ltda.

Advogados: Drs. Darlan Rodrigues Bittencourt e outroApelada: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

EMENTA

Tributário. IRPJ. CSLL. Lei nº 9.249/95. Serviços hospitalares. De-finição. Conceito indeterminado.

1. A teor dos artigos 15 e 20 da Lei nº 9.249/95, os prestadores de serviço em geral devem recolher contribuição social sobre o lucro lí-quido sob a base de cálculo de 32%, enquanto os prestadores de serviço hospitalares o fazem sob a base de cálculo de 12%.

2. Adoção do entendimento doutrinário que defende a possibilidade de se trabalhar no campo tributário com o conceito indeterminado.

3. O termo “serviços hospitalares” é um conceito indeterminado não vinculado, pois não pode ser densificado mediante um simples procedi-mento de interpretação. Sua significação está no “halo conceitual” e é necessário um ato administrativo de valoração para dissipar a incerteza.

4. O juiz, ao avaliar a disciplina complementar administrativa sobre “serviços hospitalares”, deve, sem adentrar no mérito administrativo (teoria do desvio de poder), verificar se a competência discricionária foi exercitada dentro dos limites ditados pelo ordenamento jurídico, ou seja, se a Administração, em atuação discricionária densificadora (prognose), respeitou a totalidade dos princípios jurídicos, entendidos na sua devida dimensão.

5. Cabe, em especial, destacar a importância dos princípios do não--confisco, da capacidade contributiva e da isonomia na parametrização da sindicabilidade judicial.

6. Se houve algum desrespeito aos princípios em sua amplitude (constitucionais, tributários, gerais de direito), repita-se, não poderá o Judiciário impor uma decisão diversa da que foi eleita pela autoridade administrativa, por sua vez, pode e deve tornar nulo os atos administra-tivos que denotem desvio de finalidade ou “erro manifesto de apreciação

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dos fatos”, coibindo as arbitrariedades. 7. O primeiro controle judicial de toda a reportada regulamentação

administrativa sobre os “serviços hospitalares” diz respeito à observância do princípio do não-confisco, da capacidade contributiva e o da isono-mia. Com as alterações do art. 15 da Lei 9.249/95, é possível afirmar que o setor de serviços ficou com o percentual (IRPJ e CSSL) maior porque, em regra, envolve menores custos que as atividades comerciais e industriais. Os serviços hospitalares foram excepcionados por motivo inverso, ou seja, porque são mais onerosos para o empresário, exigindo uma estrutura física e operacional de alto custo.

8. Para serem hospitalares, basta que se trate de serviços que apóiem ou complementem aqueles prestados pelo hospital, conforme o enten-dimento anterior da Administração expresso na Instrução Normativa nº 306, de 12 de março de 2003. O que importa na aferição do que seja serviço hospitalar, portanto, é a essência da prestação sem consideração de elementos externos, como, por exemplo, local ou subordinação.

9. No tocante às atividades relacionadas como serviços hospitalares, a IN 539/2005, na medida em que remete à Resolução-RDC nº 50, de 21.02.2002, da Diretoria da ANVISA, excedeu a natureza regulamentar ao exigir que os serviços ali relacionados fossem prestados em prédios e instalações configurados conforme os preceitos da ANVISA.

10. E sequer é possível invocar essa regulamentação para aferir a re-gularidade do funcionamento das unidades já existentes, pois ela dispõe para o futuro. Esse entendimento é confirmado, aliás, nos arts. 1º e 2º da Resolução RDC nº 189, de 18.07.2003, que veio alterar a Resolução RDC 50/2002.

11. As limitações trazidas pelo inciso I do art. 2º do Ato Declaratório Interpretativo da SRF nº 18/2003 ferem o princípio da isonomia, ao discriminarem o médico que, concomitantemente com sua profissão, desenvolve atividade econômica organizada.

12. De outro banda, o segundo controle judicial de toda a reportada regulamentação administrativa sobre os “serviços hospitalares” diz res-peito à observância das determinações programáticas dos artigos 196 e 197 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pelas quais, a toda evidência, o Estado deve reduzir custos às atividades ine-rentes ao Sistema Nacional de Saúde.

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13. É suficiente para definir a natureza do serviço prestado, o contrato social, conforme entendimento consolidado no STJ.

14. Os serviços prestados pela impetrante são serviços hospitalares, pelo que se impõe o reconhecimento do seu direito ao recolhimento do tributo pela alíquota menor. Precedentes desta Corte e do STJ.

15. Sem fixação de verba honorária, nos termos das Súmulas 105 do STJ e 512 do STF.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do pre-sente julgado.

Porto Alegre, 22 de agosto de 2006.Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Laboratório de Análises Clínicas Andreassa & Leck S/C Ltda. impetrou o presente mandado de segurança, objetivando assegurar o direito ao recolhimento de IRPJ com base de cálculo de 8% e CSLL de 12%, por prestar serviços de natureza hospitalar, e a declaração de seu direito à compensação dos valores já recolhidos.

Instruído o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente o pe-dido, ao argumento de a impetrante não estar enquadrada no conceito de entidade hospitalar, pois presta serviços em atividade que não conta com a estrutura de uma unidade hospitalar, ainda que por equiparação.

A parte autora apelou, dizendo desenvolver atividades que se enqua-dram no conceito de hospitalares, fazendo jus ao recolhimento com as alíquotas reduzidas e à compensação das quantias pagas indevidamente.

Após a juntada das contra-razões e do parecer do Ministério Público Federal, pelo parcial provimento do apelo, vieram os autos para julga-mento. É o relatório.

VOTO

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O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares:

1) Das preliminares 1.1) Sobre a prescrição Para as demandas ajuizadas até 08.06.2005, o prazo prescricional de

cinco anos para postular a restituição/compensação de créditos tribu-tários começa a fluir somente após a extinção definitiva do respectivo crédito (art. 168, I, do CTN) que, nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, se dá pela homologação fiscal – expressa ou tácita – do recolhimento antecipado pelo contribuinte. Se não houver manifestação expressa, presume-se tacitamente homologado o pagamento (e, portanto, extinto o crédito tributário) após cinco anos “a contar da ocorrência do fato gerador” (art. 150, § 4º, CTN). Assim, o contribuinte que recolheu exação indevidamente, ou a maior, tem dez anos para repetir o indébito, contados do fato gerador se a homologação for tácita. Se esta for expressa, terá cinco anos contados da homologação do lançamento.

Para as ações ajuizadas após 08.06.2005 – porquanto a Seção de Di-reito Público do STJ, no RE nº 327.043/DF, DJ de 10.10.2005, afastou a aplicação do art. 3º da LC 118/2005 às ações ajuizadas até o término da vacatio legis de 120 dias – embora o prazo prescricional de cinco anos continue a fluir da extinção do crédito tributário, esta, por força do referido art. 3º da LC 118/2005, ocorre no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 do CTN.

A propósito, EREsp 462.446/MA, STJ, Primeira Seção, Rel. Min. José Delgado, DJ de 24.10.2005.

No caso dos autos, como a ação foi proposta em 14.01.05, incide o preceito contido no art. 3º da LC nº 118/05.

1.2) Dos documentos juntados Entendo que a impetrante juntou os documentos que acreditou neces-

sários a comprovar sua situação de equiparada a hospitalar (fls. 29/110), não se podendo entender que faltam, ao julgamento do feito, documentos indispensáveis, cuja ausência possibilitaria o indeferimento da inicial.

Portanto, não cabe o julgamento com base no artigo 8º da Lei 1.533/51, e sim, o julgamento do mérito.

1.2.1) Da produção de provaAdemais, não há falar em impropriedade da utilização de mandado

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de segurança, por não viabilizar a produção de prova, se a impetrante entendeu dispor de dados suficientes ao julgamento do mérito e escolheu este procedimento.

Na mesma linha de entendimento já julgou esta Corte:“MANDADO DE SEGURANÇA . ILEGALIDADE. ABUSIVIDADE. DILAÇÃO

PROBATÓRIA. INCOMPATIBILIDADE. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. POSSIBI-LIDADE. (...)

1. Mesmo não sendo o mandado de segurança compatível com a dilação probatória, constitui a ação viável quando, impetrado contra ato ilegal ou abusivo de autoridade pública para proteção de direito líquido e certo, existir nos autos prova pré-constituída suficiente para o julgamento da demanda.” (AMS 2003.71.00.016116-5/RS, 2ª T., Rel. Juiz Federal OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, unânime, DJU 08.09.2005)

1.2.2) Da compensaçãoEm específico, quanto ao pedido de compensação, não constitui o

writ instrumento impróprio. Como já afirmou o eminente Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, em julgado desta Turma (AMS nº 2005.70.00.015459-3/PR, DJU 21.06.2006),

“As Súmulas nos 269 e 271 do STF não constituem obstáculo ao pedido formulado pela impetrante na inicial. O reconhecimento do direito à compensação, nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/96, pode ser objeto de mandado de segurança, o que é inconfun-dível com os seus posteriores efeitos administrativos. O que a impetrante necessita é compelir a autoridade a aceitar, no âmbito administrativo, a compensação prevista na lei. Reconhecido o direito à compensação, esta se fará administrativamente, através da análise da documentação e dos lançamentos efetuados na contabilidade da empresa. O mandado de segurança tem o objetivo, apenas, de garantir a compensação, de determinar que a autoridade administrativa aceite a compensação dos créditos não aproveitados. Isso nada tem a ver com produção de provas ou com efeitos patrimoniais pretéritos, tratando-se de matéria eminentemente de direito. Não se defere a compensação com efeito de quitação, apenas arredam-se os óbices postos pela Administração. A finalidade do mandado de segurança, no caso, é prevenir a impetrante contra atos administrativos que criem óbices ao seu direito de compensar valores recolhidos sob a égide de lei tida por inconstitucional.”

2) Do mérito A autora afirma que presta serviços de natureza hospitalar, fazendo,

portanto, jus ao benefício fiscal (base de cálculo minorada nos casos de IRPJ e CSLL, para aferição do lucro presumido) oferecido às instituições que prestam serviços dessa natureza.

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2.1) Sobre a lei correspondente A Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, dispõe, in verbis:“Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a

aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995.

§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:I. [...]III. trinta e dois por cento, para as atividades de: a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares;b) [...]” (grifos nossos)“Art. 20. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, devida pelas

pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal a que se referem os arts. 27 e 29 a 34 da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995, e pelas pessoas jurídicas desobrigadas de escrituração contábil, corresponderá a doze por cento da receita bruta, na forma definida na legislação vigente, auferida em cada mês do ano-calendário, exceto para as pessoas jurídicas que exerçam as atividades a que se refere o inciso III do § 1º do art. 15, cujo percentual corresponderá a trinta e dois por cento. [...]” (grifos nossos)

Para solução da lide, importa esclarecer o sentido que se deve dar à expressão “serviços hospitalares”, designada pela Lei nº 9.249/95. Trata-se de conceito indeterminado e, portanto, carece de objetividade.

2.2) Sobre o conceito indeterminado e sua aplicação no Direito Tributário

A delimitação de um conceito indeterminado tem relação direta com a força que se dá ao princípio da legalidade e à tipicidade por ele veiculada.

A doutrina se divide, basicamente, em duas correntes para explicar o conteúdo e amplitude do princípio da legalidade em matéria tributária: a tipicidade “em sentido impróprio” (tipicidade como ela não é, ou seja, um conceito fechado com notas irrenunciáveis) tem a clara finalidade de dar maior densidade ao princípio da legalidade. No “sentido próprio”, por ser aberta e fluída, é um redutor da legalidade. De um lado a corrente majoritária (Alberto Xavier, Sacha Calmon, Misabel Derzi) compreende o princípio da legalidade de forma estrita, onde a tipicidade teria um “sentido impróprio”. Do lado oposto (Ricardo Lobo Torres, Marco Au-rélio Greco), a legalidade é vista como um conceito mais aberto, fluído, onde a tipicidade teria “sentido próprio”.

Mizabel Derzi advoga a insubsistência dos conceitos indeterminados

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no Direito Tributário: “Não se admitem as ordens de estrutura flexível, graduável e de características renunciáveis que são os tipos (...) com essas afirmações, novamente insistimos, não se está a negar a existência de uma zona cinzenta ou da chamada zona de penumbra de Carrió, no Direito Tributário, tampouco asseverando a ausência de conceitos in-determinados ou carentes de especial valoração. Essas formas, quando presentes, são um ponto de difícil caracterização e uma transição entre o conceito determinado e o tipo propriamente dito. (Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. SP, Ed. Revista dos Tribunais, 1988, p. 248)

A concepção de Mizabel Derzi proclama que o tipo é aberto, mas o expulsa, juntamente com o conceito indeterminado, do campo tributário, onde prevalece apenas o conceito determinado fechado, ou, então, os converte em conceitos determinados. Engessa-se, portanto, no conceito fechado a possibilidade de aplicação do direito tributário.

Ricardo Lobo Torres, por sua vez, admite a plena funcionalidade do conceito indeterminado no campo tributário:

“Supera-se também a crença algum tanto ingênua na possibilidade de permanen-te fechamento dos conceitos tributários, como se nesse ramo do direito houvesse a perfeita adequação entre o pensamento e linguagem e se tornasse viável a plenitude semântica dos conceitos. O direito tributário, como os outros ramos do direito, opera também por conceito indeterminados, que deverão ser preenchidos pela interpretação complementar da Administração, pela contra-analogia nos casos de abuso de direito e pela argumentação jurídica democraticamente desenvolvida.

O problema dos conceitos indeterminados está no cerne da metodologia jurídica. A sua maior ou menor abertura depende da própria natureza e estrutura do tributo a que aplica.

Os impostos antigos, apoiados nas categorias do direito privado, como sejam os impostos imobiliários, oferecem conceitos relativamente fechados, pois incidem sobre os direitos da liberdade (propriedade privada).

Os impostos mais modernos, construídos no laboratório tributário e distanciados de categorias do Código Civil, como o imposto de renda e o imposto de circulação de mercadorias e serviços, por exemplo, exibem amplas zonas de penumbra em seus conceitos cardeais. Até hoje não se conhece em toda a sua extensão a virtualidade do conceito de lucro ou de acréscimo de patrimônio no imposto de renda. Discute-se a propósito do fato gerador do ICMS, havendo ainda defensores das idéias de ‘circulação jurídica’ e de ‘circulação econômica’ das mercadorias.

(...)No Brasil, o positivismo tem procurado minimizar a importância da interpretação

administrativa com defesa da existência da ‘tipicidade fechada’, que é contradictio in

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terminis, e da legalidade absoluta. O art. 99 do Código Tributário Nacional expressa a adesão a esse raciocínio, ao estabelecer: ‘o conceito e o alcance dos decretos restringem--se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com a observância das regras de interpretação estabelecidas nesta lei’. Quer dizer: o próprio CTN procura fechar e limitar a atividade regulamentar da Administração, estabelecendo regras para a interpretação das leis tributárias (arts. 107 a 112) de modo pretensamente unívoco e seguro. Só que tais normas de interpretação carecem elas próprias de interpretação, tornando-se inócuas e vazias, donde redunda que a interpretação administrativa ainda encontra amplo campo para a sua efetivação.” (grifos meus) (Legalidade Tributária e Riscos Sociais, Revista de Dialética de Direito Tributário, n. 59, SP: Dialética, p. 95-99)

A flexibilização do princípio da legalidade e a funcionalidade do conceito indeterminado no campo tributário também são defendidas por José Casalta Nabais:

“Mas, por outro lado, a reserva da lei fiscal, como reserva material integral de lei formal que é – o que impõe uma tipicidade fechada ou taxativa – exclui que a lei deixe à Administração qualquer margem de livre decisão, traduza-se esta na utilização pela lei de cláusulas gerais ou de conceitos indeterminados ou na concessão de faculdades discricionárias.

Todavia, esta afirmação, freqüentemente repetida pelos autores, não pode hoje ser entendida em termos absolutos, devendo ser antes temperada ou moderada. Nesse sentido, convém desde logo chamar a atenção para o facto de, hoje em dia, já não se exacta, ou totalmente exacta, a conclusão a que chegava Alberto Xavier em 1972 tendo por base a Constituição de 1933, segunda a qual no direito administrativo geral não haveria nada de semelhante ao princípio da tipicidade que, no direito fiscal, exprime o princípio da reserva material integral de lei formal. É que, a diversos sectores da reserva de lei formal (máxime, da reserva parlamentar), entre os quais sobressai naturalmente o relativo aos ‘direitos, liberdades e garantias’ fundamentais, é actualmente dispensada uma reserva de lei que, em termos materiais ou substanciais, não anda longe da que tradicionalmente tem sido reclamada e consagrada para os elementos essenciais dos impostos. Porém, não obstante a isso, a generalidade da nossa doutrina não exclui, quanto a essas outras matérias reservadas à lei, a possibilidade de concessão de uma certa margem de livre decisão à Administração, embora se preocupe em elaborar tópicos que possam fornecer um critério de resposta ao problema do nível admissível dessa margem de liberdade, já que facilmente se compreende que esse nível não pode ser idêntico ao aceitável em geral nos domínios que não caiam numa reserva material de lei formal, e em compensar essa abertura normativa pela subordinação das correspondentes actuações administrativas aos princípios gerais (constitucionais), como os da proporcionalidade e imparcialidade. Ou seja, permite-se um certo afrouxamento das exigências formais (reserva de lei), compensando-o com maiores exigências materiais (proporcionali-dade e imparcialidade), o que vai de encontro ao moderno entendimento do Estado

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de direito como um Estado de direito material, que constantemente apela para a afirmação de princípios materiais. Pois bem, não vemos obstáculos a que estas idéias valham em princípio também relativamente à reserva fiscal: na verdade, as diferenças entre esta e as outras reservas materiais de lei formal estão longe de ter o peso e relevo que a concepção tradicional do princípio da legalidade fiscal, excessivamente formalista e tributária do positivismo, nos sugere.

Em segundo lugar, a tipicidade fechada do direito fiscal não tem impedido, não obstante as constantes afirmações em contrário, que com freqüência encontremos a atribuição legal de margens de livre decisão à Administração fiscal (...)

Finalmente, as exigências de operacionalidade e flexibilidade do sistema fiscal e dos impostos singularmente considerados, agora definitivamente erigidos em instrumento de política econômica e social do Estado, reclamam, por inelutáveis imperativos de ordem prática – pela própria ‘natureza das coisas’ – um certo afrouxamento da densidade normativa, imposta pelo (entendimento tradicional do) princípio da reserva material da lei formal relativamente aos elementos essenciais dos impostos e a conseqüente admissibilidade de atribuição legal à Administração de uma certa margem de livre decisão adequada à aplicação flexível das leis fiscais, ou seja, de uma liberdade de decisão consentânea com o cabal desempenho da função administrativa neste domínio do direito fiscal socialmente conformador.” (grifos meus) (Contratos Fiscais. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 248-251)

Tendo por base a possibilidade de se trabalhar no campo tributário com o conceito indeterminado, cabe, então, identificar qual o tipo (e amplitude) do controle judicial sobre os atos administrativos utilizados na sua densificação.

2.3) Sobre o conceito indeterminado e controle judicialA discussão sobre os conceitos indeterminados teve o seu surgimento

no século XIX, na Áustria, com a produção de duas correntes antagôni-cas: a Teoria da Univocidade, defendida principalmente por Tezner, e a Teoria da Multivalência de Bernatzik.

Para primeira, no preenchimento dos conceitos indeterminados, excluir-se-ia qualquer possibilidade de atuação discricionária da Ad-ministração, visto só existir uma única solução correta, possível apenas de ser encontrada através da interpretação jurídica da lavra do poder jurisdicional. Por sua vez, a segunda, apregoando o contrário, abraça a possibilidade de várias decisões certas dentro dos conceitos indetermi-nados, que possibilitariam uma atuação discricionária livre de controle jurisdicional.

Entendo que deva ser adotada como parâmetro à atuação judicial

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no controle e interpretação dos conceitos indeterminados uma posição intermediária entre a Teoria da Univocidade e da Multivalência, mesmo que tendente a esta última.

Por um lado, deve ser considerada viável a utilização da uma certa faculdade discricionária da autoridade administrativa, em razão da cons-tatação da presença inegável de um pluridimensionalismo nos conceitos indeterminados, o qual nem sempre é dissipado pelo processo de simples interpretação já que a eleição de uma das opções válidas contida na nor-ma, diante do caso concreto, pode vir a precisar de uma ação intelectiva de criação.

De outro lado, não se deve adotar a concepção de discricionariedade como a liberdade livre das amarras da lei, já que a evolução da doutrina pátria concebe-a dentro de limites principiológicos do ordenamento jurídico, tais como a razoabilidade, proporcionalidade e o interesse pú-blico. Nesse sentido, toda atividade administrativa (tanto na competência vinculada ou na discricionária) somente pode ser entendida dentro da moldura dos limites principiológicos previstos constitucionalmente, visto somente assim ser possível o alcance da “boa administração”, ou seja, da persecução da ação que melhor atenda ao interesse público, portanto, nada tem a ver com a idéia de liberdade livre de limites, a qual tende a facilitar uma atuação arbitrária, sem compromisso com a finalidade normativa.

Nesse sentido, o festejado professor Juarez Freitas (Os atos admi-nistrativos de discricionariedade vinculada aos princípios. Boletim de Direito Administrativo, SP: NDJ, Ano XI, n. 6, 1995, p.328) afirma que:

“O administrador, em realidade, jamais desfruta de liberdade legítima e lícita para agir em desvinculação com os princípios constitucionais do sistema, ainda que sua atuação guarde – eis o ponto focal – uma menor subordinação à legalidade estrita do que na concretização dos atos ditos plenamente vinculados. Em outras palavras, qualquer ato discricionário que se torne lesivo a qualquer um dos princípios pode e deve ser anulado.

Adiante, refutando o extremismo de Tenzer e Bernatzik – sem implicar um acovar-damento – passa-se, nas linhas subseqüentes, a apresentar razões que levaram a optar por um posicionamento mais ameno neste trabalho.

Para tanto, deve-se recorrer, inicialmente, além da construção doutrinária de Azzariti ao apontar distinção entre discricionariedade e interpretação, a premissa na qual este autor italiano alicerçou seu entendimento, ou seja, ao pensamento de que, mesmo va-riando em uma escala de grau de complexidade lógica, no momento de concretização

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do Direito ou mesmo de mera compreensão, não existirá enunciado normativo que não prescinda de uma necessária interpretação.”

Assim, quando se deparar com um conceito indeterminado, o admi-nistrador deve sempre aplicar a norma ao caso concreto dissipando a incerteza e perquirindo a melhor solução que perfaz a finalidade nor-mativa. Para tanto, a princípio, através de um processo complexo de interpretação, deve-se tentar conduzir o conceito indeterminado a uma das zonas de certeza negativa ou positiva.

Conforme registra Germana de Oliveira Moraes (Controle Jurisdi-cional da administração pública. São Paulo: Dialética, 1999, p. 58), a construção teórica das zonas do conceito deu-se a partir da compara-ção, elaborada por Philipp Heck (1914), do conceito a um ponto de luz intenso que, ao iluminar objetos, revela alguns iluminados com menor ou maior intensidade, como também revela um rodeado de um halo, de cores pálidas, além de uma total obscuridade, onde não há incidência de feixes luminosos. Portanto, sendo o autor levado a concluir que “sempre que temos uma noção clara do conceito, estamos no domínio do núcleo conceitual. Onde as dúvidas começam, começa o halo do conceito”.

Portanto, se, com a utilização apenas da tarefa interpretativa, houver a identificação do conceito dentro de uma zona de certeza, conclui-se que, de logo, impõe-se a única decisão eficaz para o alcance da finalidade nor-mativa. Tem-se a ausência de qualquer autonomia volitiva, não havendo espaço para apreciações criativas, devendo a autoridade administrativa aplicá-la, visto se encontrar dentro do campo da vinculação.

Germana de Oliveira Moraes adverte que, nos conceitos indetermi-nados, a condução a uma única solução válida juridicamente, dá-se por força da indeterminação derivada ora da imprecisão da linguagem, ora da contextualidade da linguagem, envolvendo uma avaliação atual, porém, não-prospectiva das circunstâncias de fato presentes e concomitantes à incidência da norma.

Neste aspecto, Celso Antônio Bandeira de Mello (Discricionariedade: fundamentos, natureza e limites. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.122, p.1-20,out./dez. 1975, p.15) adverte que:

“Esta significação mínima, esta delimitação positiva e negativa, no caso do Direi-to, nos é fornecida não apenas pela conotação usual ou pela denotação corrente das palavras. Ela é delimitada também por elementos que devemos arrecadar no conjunto

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das normas jurídicas e que servem para circunscrever mais energicamente a eventual amplitude do conceito abrigado por uma dessas palavras ou locuções do significado fluido. Em outros termos: a compreensão contextual delas tem, no mundo jurídico, balizas mais sólidas e mais estritas.”

Extraem-se os seguintes exemplos de Germana de Oliveira Moraes (ob. cit., p.164) :

“Situa-se na zona de certeza positiva, o caso em que a análise dos fatos leva à conclusão inafastável que a eles se ajusta com toda certeza o conceito, v.g., que está satisfeito o requisito legal de satisfação da ‘necessidade ou utilidade pública’ no ato de desapropriação de um imóvel para fins de edificação de uma escola pública no município que não dispõe de nenhum estabelecimento de ensino. Por outra, situa-se na zona de certeza negativa, na hipótese de concluir-se que os fatos, com toda certeza, não se amoldam no conceito de ‘utilidade pública’ previsto no artigo 5° do Decreto--Lei 3.365/41 do Brasil, se a desapropriação do imóvel particular se faz com vistas à construção de um aeródromo em município serrano onde não existem condições geográficas propícias à prática do esporte de aviação.”

A condução do conceito indeterminado a um dos campos de certeza, por simples interpretação, sem recursos de atos volitivos vincula a auto-ridade administrativa, como afirma o professor Celso Antônio Bandeira de Mello (“Relatividade” da competência discricionária. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 212, p. 49-56, abr./jun. 1998), não estando ela autorizada a fazer distorção, flexibilização, restrição ou ampliação da dureza nuclear que apresenta, assim não se poderá distan-ciar da intelecção dada pelo senso comum, ou do sentido reconhecido corrente em dado tempo e lugar.

Razão pela qual, nos casos em que a indeterminação dá-se por força da imprecisão da linguagem, ou quando envolve uma avaliação da si-tuação concreta em função das circunstâncias de tempo, de lugar, sem contudo, demandar qualquer ação criativa ou reconstrutiva subjetiva da Administração, o controle jurisdicional será sempre pleno, visto o poder de interpretar a norma jurídica fazer parte integrante da função jurisdicional.

Desta forma, conforme afirma Germana de Oliveira Moraes (ob.cit., p.166), “as conseqüências do controle jurisdicional compreendem sempre, para além da invalidação do ato impugnado, a substituição por outro.”

Por sua vez, se a tarefa interpretativa for insuficiente, residindo o conceito na zona de penumbra no halo de cores pálidas, frente a per-

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secução da boa administração, persiste o dever de conduzir o conceito indeterminado a uma das zonas de certeza, razão pela qual subsistirá ao administrador o encargo de sopesar com exclusividade as circunstâncias do caso, utilizando-se de uma intelecção pautada em critérios estritamen-te administrativos, adentrando, pois, no campo da discricionariedade administrativa.

Cabe aqui uma advertência. Tradicionalmente, entendia-se que a com-petência discricionária era insindicável pelo Poder Judiciário, pois, diante do juízo de conveniência e oportunidade do administrador público, não poderia o juiz nele adentrar, sob pena de ferir o princípio da separação dos poderes. Tal entendimento foi o responsável por inúmeros desmandos por parte do Poder Executivo, através de verdadeiras arbitrariedades.

Todavia, a doutrina e a jurisprudência desenvolveram teorias, ver-dadeiras técnicas de controle, pelas quais o Poder Judiciário pode, sem adentrar no mérito administrativo, verificar se a competência discricio-nária foi exercitada dentro dos limites ditados pelo ordenamento jurídico. Salienta-se, com o apoio de Juarez Freitas (ob.cit., p.325), que toda a Administração, em atuação discricionária ou não, fica adstrita não apenas ao princípio da legalidade, mas sim, à totalidade dos princípios jurídicos, entendidos na sua devida dimensão.

Calcada nestes limites principiológicos, tem-se, portanto, possível e oportuna a sindicabilidade jurisdicional, visto nenhuma lesão ou ameaça de direito poder ser excluída da apreciação do Poder Judiciário. Contudo, não poderá o Judiciário impor uma decisão diversa da que foi eleita pela autoridade administrativa, por sua vez, pode e deve tornar nulo os atos administrativos que denotem desvio de finalidade.

Vale o registro, ainda, da avançada posição francesa que considera possível adentrar-se no próprio mérito do ato administrativo para coibição dos excessos. Como comenta Germana de Oliveira Moraes, fundando--se nessa premissa, tanto a doutrina quanto a jurisprudência francesas passaram a coibir de forma mais enérgica as arbitrariedades na seara da discricionariedade, mas principalmente no âmbito do juízo de prognose, através da teoria do “erro manifesto de apreciação dos fatos”, possibili-tando ao poder jurisdicional adentrar no mérito e coibir as arbitrariedades postas dentro desse. O professor Sérvulo Correia (apud MORAES, ob. cit., p.86) salienta que, no Direito francês:

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“Sem prejuízo da importância ainda hoje concedida à figura do desvio de poder como base do controlo jurisdicional da discricionariedade, a jurisprudência tem vindo a prospectar novos caminhos. O controlo do ‘erro manifesto de apreciação’ na ‘qua-lificação dos fatos’ corresponde a um exame de proporcionalidade (sob a vertente da aptidão do meio ou ‘Geeignetheit’) da prognose levada a cabo pela Administração sobre conceitos indeterminados que referem pressupostos do acto, quando o não seja da proporcionalidade de uma decisão no exercício da ‘discricionariedade de decisão’, isto é, de opção de agir e não agir. E a técnica do bilan coût-avantages é expressamente reconhecida como aplicação da lei de proporcionalidade.” (sic)

Assim, o juiz poderá, baseando-se na construção francesa do “erro manifesto de apreciação dos fatos”, melhor perseguir e fulminar as arbitrariedades que se escondem atrás da prognose desproporcional ou desarrazoada. Por sua vez, não poderá segui-la até o seu desfecho, adentrando na prognose para substituí-la por uma emanação própria, visto não existir garantias de ser mais ou menos inatingível de vícios arbitrários, razão pela qual poderá adentrar apenas para perquirir a sua coerência lógica e a proporcionalidade entre a prognose e a decisão a ser praticada, limitando-se, ao verificar o erro, apenas a invalidar o ato, não sendo possível impor qual medida a ser seguida.

Voltando ao caso do autos, é necessário analisar-se, primeiramente, em que tipo de conceito indeterminado enquadra-se o termo “serviços hospitalares”.

2.4) Sobre o conceito indeterminado e os serviços hospitalares A doutrina classifica os conceitos indeterminados em duas categorias:

vinculados e não vinculados. Os primeiros são aqueles cuja mera interpre-tação identifica o signo em uma das zonas de certeza positiva ou negativa, por conseguinte, conduzindo a uma única solução jurídica, em razão de a indeterminação resultar apenas de uma imprecisão da linguagem, devendo então ser feito um trabalho de contextualização desta. Exemplo: Em decisão do Supremo Tribunal de Justiça, entendeu-se que a cabina de caminhão está compreendida dentro da idéia de casa, em razão das peculiaridades da profissão de caminhoneiro, ser uma verdadeira exten-são do seu lar. Por outro lado, têm-se conceitos não vinculados quando, após o processo de interpretação, a significação do conceito se situa no “halo conceitual”, sendo necessário um ato de valoração efetuado pela autoridade administrativa para se dissipar a incerteza que os envolvem,

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visto comportar várias intelecções juridicamente aceitas, sem contudo, uma invalidar a outra.

Pelo exposto, percebe-se que o termo “serviços hospitalares” é um conceito indeterminado não vinculado, pois não pode ser densificado mediante um simples procedimento de interpretação. Sua significação está no “halo conceitual” e é necessário um ato administrativo de valo-ração para dissipar a incerteza.

Veja-se, somente para ilustrar a dificuldade de significação a respeito do termo, cito duas questões: Primeira, que tipo de serviço hospitalar é abrangido? A resposta pode variar desde o serviço médico típico (cirur-gia, clínica), passando pelos serviços médicos auxiliares (exames, v.g.) até o de comércio hospitalar (plano de saúde, lancheria, acomodação em quartos, etc.). Segunda, o local da prestação do serviço deve ser somente o hospital? A resposta também pode razoavelmente variar, para abranger, por exemplo, clínicas, laboratórios e “UTIs móveis”.

Destarte, o juiz, ao avaliar a disciplina complementar administrativa sobre “serviços hospitalares”, deve, sem adentrar no mérito administra-tivo (teoria do desvio de poder) ou, ainda, adotando a teoria francesa do “erro manifesto de apreciação dos fatos” (ou proporcionalidade), adentrando no mérito, verificar se a competência discricionária foi exercitada dentro dos limites ditados pelo ordenamento jurídico, ou seja, se a Administração, em atuação discricionária densificadora (prognose) respeitou a totalidade dos princípios jurídicos, entendidos na sua devida dimensão.

Cabe, em especial, destacar a importância dos princípios do não--confisco, da capacidade contributiva e da isonomia na parametrização da sindicabilidade judicial.

Como bem trabalha Fabio Brun Goldschimidt (O princípio do não--confisco no Direito Tributário. São Paulo: RT, 2003, p. 21), inicialmente, é necessário relacionarmos o princípio do não-confisco com o da capaci-dade contributiva, na tentativa de demonstrar que toda a tributação que se situar além ou aquém da capacidade contributiva terá inegavelmente efeito de confisco, pois aniquilará direitos fundamentais, especialmente os de propriedade, de existência digna, de livre exercício de profissão e livre iniciativa. Num segundo momento, é necessário estabelecermos um vínculo entre o princípio da isonomia e do não-confisco, quando o

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administrador introduz (prognose densificativa do conceito indetermi-nado) uma tributação mais elevada para determinado contribuinte que se situa na mesma situação relativa de patrimônio/renda de outro ou, às avessas, quando ele não diferencia contribuintes que estão em situações diferentes de patrimônio/renda.

Destarte, se houve algum desrespeito aos princípios em sua amplitude (constitucionais, tributários, gerais de direito), repita-se, não poderá o Judiciário impor uma decisão diversa da que foi eleita pela autoridade administrativa, por sua vez, pode e deve tornar nulo os atos administra-tivos que denotem desvio de finalidade ou “erro manifesto de apreciação dos fatos”, coibindo as arbitrariedades.

2.4.1) Sobre os atos administrativos referentes aos serviços hospitalares Vários atos administrativos foram editados para dar densidade ao

conceito de serviços hospitalares, ora de “forma ampla”, ora de “forma restrita”.

A Instrução Normativa nº 306, de 12 de março de 2003 (revogada pela IN/SRF nº 480, de 15 de dezembro de 2004), dispunha, in verbis:

“Art. 23. Para os fins previstos no art. 15, § 1º, inciso III, alínea a, da Lei nº 9.249, de 1995, poderão ser considerados serviços hospitalares aqueles prestados por pessoas jurídicas, diretamente ligadas à atenção e assistência à saúde, que possuam estrutura física condizente para a execução de uma das atividades ou a combinação de uma ou mais das atribuições de que trata a Parte II, Capítulo 2, da Portaria GM nº 1.884, de 11 de novembro de 1994, do Ministério da Saúde, relacionadas nos incisos seguintes:

I. realização de ações básicas de saúde, compreendendo as seguintes atividades:a) ações individuais ou coletivas de prevenção à saúde tais como: imunizações,

primeiro atendimento, controle de doenças transmissíveis, visita domiciliar, coleta de material para exames, etc.;

b) vigilância epidemiológica por meio de coleta e análise sistemática de dados, investigação epidemiológica, informação sobre doenças, etc.;

c) ações de educação para a saúde, mediante palestras, demonstrações e treinamento in loco, campanhas, etc.;

d) orientar as ações em saneamento básico por meio de instalação e manutenção de melhorias sanitárias domiciliares relacionadas com água, dejetos e lixo;

e) vigilância nutricional por meio das atividades continuadas e rotineiras de ob-servação, coleta e análise de dados e disseminação da informação referente ao estado nutricional, desde a ingestão de alimentos à sua utilização biológica;

f) vigilância sanitária, por meio de fiscalização e controle que garantam a qualidade aos produtos, serviços e do meio ambiente.

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II. prestação de atendimento eletivo de assistência à saúde em regime ambulatorial, compreendendo as seguintes atividades:

a) recepcionar, registrar e fazer marcação de consultas;b) realizar procedimentos de enfermagem;c) proceder a consulta médica, odontológica, psicológica, de assistência social, de

nutrição, de fisioterapia, de terapia ocupacional, de fonoaudiologia e de enfermagem; d) recepcionar, transferir e preparar pacientes;e) assegurar a execução de procedimentos pré-anestésicos e realizar procedimentos

anestésicos nos pacientes; f) executar cirurgias e exames endoscópios em regime de rotina;g) emitir relatórios médico e de enfermagem e registro das cirurgias e endoscopias

realizadas; h) proporcionar cuidados pós-anestésicos; i) garantir o apoio diagnóstico necessário.III. prestação de atendimento imediato de assistência à saúde, compreendendo as

seguintes atividades:a) nos casos sem risco de vida (urgência de baixa e média complexidade):1. triagem para os atendimentos; 2. prestar atendimento social ao paciente e/ou acompanhante; 3. fazer higienização do paciente; 4. realizar procedimentos de enfermagem; 5. realizar atendimentos e procedimentos de urgência; 6. prestar apoio diagnóstico e terapêutico por 24 h; 7. manter em observação o paciente por período de até 24 horas. b) nos casos com risco de vida (emergência) e nos casos sem risco (urgência de

alta complexidade):1. prestar o primeiro atendimento ao paciente; 2. prestar atendimento social ao paciente e/ou acompanhante; 3. fazer higienização do paciente; 4. realizar procedimentos de enfermagem; 5. realizar atendimentos e procedimentos de urgência; 6. prestar apoio diagnóstico e terapia por 24 horas; 7. manter em observação o paciente por período de até 24 horas. IV. prestação de atendimento de assistência a saúde em regime de internação,

compreendendo as seguintes atividades:a. internação de pacientes adultos e infantis:1. proporcionar condições de internar pacientes, em ambientes individuais ou co-

letivos, conforme faixa etária, patologia, sexo e intensividade de cuidados; 2. executar e registrar a assistência médica diária; 3. executar e registrar a assistência de enfermagem, administrando as diferentes

intervenções sobre o paciente;

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4. prestar assistência nutricional e distribuir alimentação a pacientes (em locais específicos ou no leito) e a acompanhante (quando for o caso);

5. prestar assistência psicológica e social; 6. realizar atividades de recreação infantil e de terapia ocupacional; 7. prestar assistência pedagógica infantil (de 1º grau) quando o período de internação

for superior a 30 dias. b. internação de recém-nascido até 28 dias:1. proporcionar condições de internar recém-nascidos normais patológicos, prema-

turos e externos que necessitam de observação;2. executar e registrar a assistência médica diária;3. executar e registrar a assistência de enfermagem, administrando as diferentes

intervenções sobre o paciente;4. prestar assistência nutricional e dar alimentação aos recém-nascidos;5. executar o controle de entrada e saída de recém-nascido.c. internação de pacientes em regime de terapia intensiva:1. proporcionar condições de internar pacientes críticos, em ambientes individuais e

coletivos, conforme grau de risco (intensiva ou semi-intensiva), faixa etária, patologia e requisitos de privacidade;

2. executar e registrar assistência médica intensiva;3. executar e registrar assistência de enfermagem intensiva;4. prestar apoio diagnóstico laboratorial, de imagens e terapêutico durante 24 horas;5. manter condições de monitoramento e assistência respiratória 24 horas;6. prestar assistência nutricional e distribuir alimentação aos pacientes;7. manter pacientes com morte cerebral, nas condições de permitir a retirada de

órgãos para transplante, quando consentida.d. internação de pacientes queimados:1. proporcionar condições de internara pacientes com queimaduras graves, em

ambientes individuais ou coletivos, conforme faixa etária, sexo e grau de queimadura;2. executar e registrar a assistência médica ininterrupta;3. executar e registrar a assistência de enfermagem ininterrupta;4. dar banhos com fins terapêuticos nos pacientes;5. assegurar a execução dos procedimentos pré-anestésicos executar procedimentos

anestésicos;6. prestar apoio terapêutico cirúrgicos, como rotina de tratamento (vide alínea f,

inciso V);7. prestar apoio diagnóstico laboratorial e de imagem ininterrupto;8. manter condições de monitoramento e assistência respiratória ininterrupta;9. prestar assistência nutricional de alimentação e de hidratação dos pacientes;10. prestar apoio terapêutico de reabilitação fisioterápica aos pacientes.V. prestação de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia, compreendendo as

seguintes atividades:

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a. patologia clínica; b. imagenologia; c. métodos gráficos; d. anatomia patológica; e. desenvolvimento de atividade de medicina nuclear; f. realização de procedimentos cirúrgicos e endoscópicos, tais como: recepcionar

e transferir pacientes; assegurar a execução dos procedimentos pré-anestésicos e executar procedimentos anestésicos nos pacientes; executar cirurgias e exames endos-cópios em regime de rotina; emitir relatórios médicos e de enfermagem e registro das cirurgias e endoscopias realizadas; proporcionar cuidados pós-anestésicos; garantir o apoio diagnóstico necessário;

g. realização de partos normais e cirúrgicos;h. desenvolvimento de atividades de reabilitação em pacientes externos e internos;i. desenvolvimento de atividades hemoterápicas;j. desenvolvimento de atividades de radioterapia;k. desenvolvimento de atividades de quimioterapia; l. desenvolvimento de atividades de diálise;m. desenvolvimento de atividades relacionadas ao leite humano.”

A IN/SRF nº 480, de 15 de dezembro de 2004, por sua vez, “restrin-gindo” o conceito de serviços hospitalares, passou a dispor, in verbis:

“Art. 27. Para os fins previstos nesta Instrução Normativa, são considerados serviços hospitalares somente aqueles prestados por estabelecimentos hospitalares.

§ 1º Para os efeitos deste artigo, consideram-se estabelecimentos hospitalares, aqueles estabelecimentos com pelo menos 5 (cinco) leitos para internação de pacientes, que garantam um atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos, que possuam serviços de enfermagem e atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviços de cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos organizados para a rápida obser-vação e acompanhamento dos casos.

§ 2º Para efeito de enquadramento do estabelecimento como hospitalar levar-se-á, ainda, em conta se o mesmo está compreendido na classificação fiscal do Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), na classe 8511-1 - Atividades de Aten-dimento Hospitalar.

§ 3º São considerados pagamentos de serviços hospitalares, para os fins desta Ins-trução Normativa, àqueles efetuados às pessoas jurídicas:

I. prestadoras de serviços pré-hospitalares, na área de urgência, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias de suporte avançado (Tipo ‘D’) ou em aeronave de suporte médico (Tipo ‘E’); e

II. prestadoras de serviços de emergências médicas, realizados por meio de UTI

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móvel, instaladas em ambulâncias classificadas nos Tipos ‘A’, ‘B’, ‘C’ e ‘F’, que pos-suam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida.”

O Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 18/2003, por sua vez, “restringindo ainda mais” o conceito de serviços hospitalares, dispõe, in verbis:

“Art.1º. Para fins do disposto no art. 15, § 1º, inciso III, alínea a, da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro, considera-se serviços hospitalares os prestados pelos estabelecimentos assistenciais de saúde constituídos por empresários ou sociedades empresárias.”

“Art.2º . Para fins do disposto no art. 1º, independentemente da forma de constitui-ção da pessoa jurídica, não serão considerados serviços hospitalares ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, quando forem:

I. prestados exclusivamente pelos sócios da empresa; ouII. referentes unicamente ao exercício de atividade intelectual, de natureza científica

dos profissionais envolvidos.Parágrafo único. Os termos auxiliares e colaboradores de que trata o caput referem-se

a profissionais sem a mesma habilitação técnica dos sócios da empresa e que a esses prestem serviços de apoio técnico ou administrativo.”

Atualmente, a IN/SRF nº 539, de 2005, ao alterar a Instrução Norma-tiva SRF nº 480, dispõe, verbis:

“Art. 27. Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, são considerados serviços hospitalares aqueles diretamente ligados à atenção e assistência à saúde, de que trata o subitem 2.1 da Parte II da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária nº 50, de 21 de fevereiro de 2002, alterada pela RDC nº 307, de 14 de novembro de 2002, e pela RDC nº 189, de 18 de julho de 2003, prestados por empresário ou sociedade empresária, que exerça uma ou mais das:

I. seguintes atribuições:a) prestação de atendimento eletivo de promoção e assistência à saúde em regime

ambulatorial e de hospital-dia (atribuição 1);b) prestação de atendimento imediato de assistência à saúde (atribuição 2); ouc) prestação de atendimento de assistência à saúde em regime de internação (atri-

buição 3);II. atividades fins da prestação de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia

(atribuição 4).§ 1° A estrutura física do estabelecimento assistencial de saúde deverá atender ao

disposto no item 3 da Parte II da Resolução de que trata o caput, conforme compro-vação por meio de documento competente expedido pela vigilância sanitária estadual ou municipal.

§ 2° São também considerados serviços hospitalares, para fins do disposto nesta

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Instrução Normativa, os seguintes serviços prestados por empresário ou sociedade empresária:

I. pré-hospitalares, na área de urgência, realizados por meio de UTI móvel, ins-taladas em ambulâncias de suporte avançado (Tipo ‘D’) ou em aeronave de suporte médico (Tipo ‘E’);

II. de emergências médicas, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambu-lâncias classificadas nos Tipos ‘A’, ‘B’, ‘C’ e ‘F’, que possuam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida.”

Por fim, a Resolução-RDC nº 50, de 21.02.2002, da Diretoria da ANVISA, em seu anexo, parte II, (programação físico funcional dos estabelecimentos de saúde – organização físico-funcional) elenca uma série de atividades que podem ser tomadas por serviços hospitalares.

2.4.2) Sobre os atos administrativos referentes aos serviços hospita-lares e o controle judicial

Como já fora dito, cabe ao Poder Judiciário avaliar a disciplina com-plementar administrativa para verificar se a competência discricionária foi exercitada dentro dos limites ditados pelo ordenamento jurídico, ou seja, se a Administração, em atuação discricionária densificadora (prog-nose) respeitou a totalidade dos princípios jurídicos, entendidos na sua devida dimensão.

2.4.1.1) Do princípio do não-confisco, da capacidade contributiva e o da isonomia

Nesse sentido, o primeiro controle judicial de toda a reportada regu-lamentação administrativa sobre os “serviços hospitalares” diz respeito à observância do princípio do não-confisco, da capacidade contributiva e o da isonomia.

Como já se manifestou nesta Turma o eminente Des. Federal An-tônio Albino Ramos de Oliveira (AC 2005.72.00.005710-5/SC, DJU 21.06.2006), a Lei 9.249, de 26.12.95, veio alterar a legislação do Imposto sobre a Renda e da contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas. Sabidamente, esses tributos vêm sendo recolhidos mensalmente, pelo chamado sistema de “bases correntes”, complementado pela declaração anual de ajuste. O art. 15 da Lei 9.249/95 dispõe sobre a determinação da base de cálculo do recolhimento mensal do imposto. Cuida-se ali de base de cálculo estimada, já que não tem apoio no lucro real. O legisla-dor, mediante critérios não explicitados, fixou qual percentual da receita

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bruta da empresa corresponderia a seu lucro. Assim, na revenda de com-bustíveis foi estimado um percentual de apenas 1,6% (art. 15, § 1º, I), o que se explica por ser razoavelmente conhecida a chamada “margem de lucro” desse setor da economia. Para o setor de transporte, foi adotado o percentual de 16%, abrindo-se exceção para o transporte de carga, que ficou nos 8%, presumivelmente por seus maiores custos. E o percentual mais alto – 32% – foi reservado para as atividades de prestação de serviço, abrindo-se exceção apenas aos serviços hospitalares, para os quais foi mantido o percentual de 8%. Numa primeira leitura, é possível afirmar que o setor de serviços ficou com o percentual maior porque, em regra, envolve menores custos que as atividades comerciais e industriais. E dessa premissa se tira que os serviços hospitalares foram excepcionados por motivo inverso, ou seja, porque são mais onerosos para o empresá-rio, exigindo uma estrutura física (prédio, móveis, equipamentos etc.), humana (médicos, enfermeiros etc.) e operacional (prestação de serviços intensivos e ininterruptos) de alto custo.

Assim, a regulamentação administrativa da IN/SRF nº 480/04, do Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 18/2003 “desbordam da legalidade” quando exigem que os serviços sejam prestados no espaço físico de um hospital.

Basta que se trate de serviços que apóiem ou complementem aqueles prestados pelo hospital, conforme o entendimento anterior da Adminis-tração expresso na Instrução Normativa nº 306, de 12 de março de 2003. O que importa na aferição do que seja serviço hospitalar, portanto, é a essência da prestação sem consideração de elementos externos, como, por exemplo, local ou subordinação.

Nas palavras do Min. Teori Albino Zavascki (REsp nº 763.147/RS, DJ 24.04.2006 p. 370), a 1ª Turma do STJ vem entendendo que o enqua-dramento de determinado serviço médico como sendo ou não serviço hos-pitalar , para fins de incidência do imposto de renda, depende da própria natureza do serviço prestado, e não da instituição que o oferece.

Ressalta-se que esse exagero do Fisco foi, em parte, abrandado pela a Instrução Normativa nº 539, de 25.04.2005, que afastou aquelas exi-gências, praticamente retornando às regras anteriores.

No tocante às atividades relacionadas como serviços hospitalares, a IN 539/2005, na medida em que remete à Resolução-RDC nº 50, de

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21.02.2002, da Diretoria da ANVISA, excedeu a natureza regulamentar ao exigir que os serviços ali relacionados fossem prestados em prédios e instalações configurados conforme os preceitos da ANVISA.

Veja-se, aquelas normas administrativas, no que se referem às especifi-cações técnicas dos prédios, ambientes e equipamentos, não têm relevân-cia para o Direito Tributário. Dizem respeito ao controle sanitário. Nesse sentido, basta ler o art. 1º da Resolução-RDC nº 50, de 21.02.2002, para concluir que ali não se teve a preocupação de definir o que são serviços hospitalares, e sim de estabelecer regras para os projetos físicos dos esta-belecimentos de saúde. E sequer é possível invocar essa regulamentação para aferir a regularidade do funcionamento das unidades já existentes, pois ela dispõe para o futuro. Esse entendimento é confirmado, aliás, nos arts. 1º e 2º da Resolução RDC nº 189, de 18.07.2003, que veio alterar a Resolução RDC 50/2002:

“Art. 1º Todos os projetos de arquitetura de estabelecimentos de saúde públicos e privados devem ser avaliados e aprovados pelas vigilâncias sanitárias estaduais ou municipais previamente ao início da obra a que se referem os projetos.

Art. 2º A Licença Sanitária de Funcionamento destinada a construções novas, áreas a serem ampliadas e/ou reformadas de estabelecimentos já existentes e dos anterior-mente não destinados a estabelecimentos de saúde, de serviços de saúde públicos e privados fica condicionada ao cumprimento das disposições contidas nesta Resolução e na Resolução ANVISA RDC nº 50 de 21 de fevereiro de 2002. (...)

Art. 19. Projetos que já se encontram em trâmite de análise seguirão as normas anteriores a esta Resolução. Projetos já aprovados e com obra já iniciada terão seu trâmite conforme rotina anterior a esta Resolução.”

Operou em desvio de poder o administrador, assim, ao vincular, genericamente, o conceito de serviços hospitalares a uma regra relativa a projetos de construção, ampliação ou reforma de unidades de saúde. Lapidar, nesse sentido, a manifestação do eminente Des. Federal An-tônio Albino Ramos de Oliveira, por ocasião do julgamento da AMS 2005.70.00.015459-3/PR, Segunda Turma, DJU 21.06.2006): “se formos admitir tais restrições, é bem possível que grande parte dos grandes hospitais, hoje em funcionamento, mas construídos em épocas pretéritas, fiquem ao desabrigo da alíquota reduzida, fixada pelo legislador para a prestação de serviços hospitalares. Afastadas, porém, essas indevidas limitações, a INS 539/2005 dá guarida à pretensão da autora, uma vez que suas atividades se encontram nela arroladas.”

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Por fim, cabe a análise das limitações trazidas pelo inciso I do art. 2º do Ato Declaratório Interpretativo da SRF nº 18/2003, antes transcrita. Entendo que elas ferem o princípio da isonomia, ao discriminarem o médico que, concomitantemente com sua profissão, desenvolve atividade econômica organizada.

De fato, incidindo o tributo desigualmente entre contribuintes de igual capacidade contributiva, há quebra da isonomia. Assim, devem ser proibidas distinções arbitrárias, consideradas tais as que não se baseiem na capacidade contributiva.

Como nos diz Fabio Brun Goldschimidt (O princípio do não-confisco no Direito Tributário. São Paulo: RT, 2003, p. 213-214), para que se sustente que determinado tributo incidente sobre certa atividade está extraordinariamente elevado, devemos compará-lo com aquele pago em outra situação semelhante. E a inconstitucionalidade (por afronta também ao art. 150, VI) apresentar-se-á não somente quando as duas exigências forem diferentes, sem que exista razão para tanto, mas também quando, admitida a possibilidade de tratamento diferenciado, verificar--se, mediante o confronto das exigências, que o tamanho da diferença de tratamento não é razoável.

Portanto, é abusiva a discriminação do administrador entre as socie-dades empresariais com exclusiva mão-de-obra dos médicos sócios e as que contam com mão-de-obra de terceiros, porque, além de estabe-lecer uma diferença irrazoável quanto ao médico que presta o serviço hospitalar, não há referência direta à natureza do serviço hospitalar, referindo-se a algo secundário, isto é, à organização na qual tal serviço está envolvido.

2.4.1.1 ) Dos artigos 196 e 197 da CF/88 De outro banda, o segundo controle judicial de toda a reportada regu-

lamentação administrativa sobre os “serviços hospitalares” diz respeito à observância das determinações programáticas dos artigos 196 e 197 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pelas quais, a toda evidência, o Estado deve reduzir custos às atividades inerentes ao Sistema Nacional de Saúde. Veja-se o teor de tais artigos:

“Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e

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ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

“Art. 197 São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.” (grifos nossos)

Nesse sentido, registro que a Segunda Turma deste Regional já vem adotando a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Veja--se o que registra o eminente Min. Castro Meira no voto condutor do REsp 831731/RS, Segunda Turma, DJ 16.06.2006:

“Por certo, o mencionado dispositivo legal além de não vincular o conceito de ‘serviços hospitalares’ ao local em que são prestados, mas sim à sua finalidade, sejam próprios, suporte ou auxiliares daqueles prestados no âmbito hospitalar, merece uma interpretação teleológica, pois objetiva reduzir os custos do tratamento da saúde, ante ser ‘direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção recuperação’, consoante dispõe o artigo 196 da Constituição da República.”

Destarte, o conceito de serviços hospitalares também está ligado à finalidade para os quais são prestados (proteção da saúde). É inegável o caráter finalístico da Lei nº 9.249/95: objetiva reduzir os custos do tratamento da saúde.

Em suma:a) é possível trabalhar no campo tributário com o conceito indeter-

minado;b) se a tarefa interpretativa do conceito indeterminado for insuficiente,

residindo ele na zona de penumbra, no halo de cores pálidas, frente a persecução da boa administração, persiste o dever de conduzi-lo a uma das zonas de certeza, razão pela qual subsistirá ao administrador o encargo de sopesar com exclusividade as circunstâncias do caso, utilizando-se de uma intelecção pautada em critérios estritamente administrativos, adentrando, pois, no campo da discricionariedade administrativa. Neste caso, é possível e devida a sindicabilidade jurisdicional, visto nenhuma lesão ou ameaça de direito poder ser excluída da apreciação do Poder Judiciário. Contudo, não poderá o Judiciário impor uma decisão diversa da que foi eleita pela autoridade administrativa, mas deve tornar nulo os

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atos administrativos que denotem desvio de finalidade;c) o termo “serviços hospitalares” é um conceito indeterminado não

vinculado, pois não pode ser densificado mediante um simples procedi-mento de interpretação. Sua significação está no “halo conceitual” e é necessário um ato administrativo de valoração para dissipar a incerteza;

d) o juiz, ao avaliar a disciplina complementar administrativa sobre “serviços hospitalares”, deve, sem adentrar no mérito administrativo (teoria do desvio de poder), verificar se a competência discricionária foi exercitada dentro dos limites ditados pelo ordenamento jurídico, ou seja, se a Administração, em atuação discricionária densificadora (prognose) respeitou a totalidade dos princípios jurídicos, entendidos na sua devida dimensão. Cabe, em especial, destacar a importância dos princípios do não-confisco, da capacidade contributiva e da isonomia na parametrização da sindicabilidade judicial, bem como as diretrizes programáticas dos arts. 196 e 197 da CF/88.

2.5) Sobre o caso concreto Há uma divergência na jurisprudência da Primeira Seção deste Regio-

nal sobre o tipo de prova do serviço hospitalar que deve ser apresentada em juízo. Isso ficou bem claro no julgamento dos Embargos Infringentes em AC nº 2005.71.00.005202-6 (DJU 19.07.06), cujo relator foi o emi-nente Des. Federal Joel Paciornik.

A primeira linha de entendimento (que saiu, então, vencedora, por maioria), defendeu ser necessária a análise da questão fática, isto é, o juiz deve verificar, caso a caso, todas as provas trazidas pela parte que afirma desempenhar serviços hospitalares, sendo insuficiente o mero registro da atividade no seu contrato social.

De outro lado, sustentou-se que é suficiente para definir a natureza do serviço prestado, o contrato social, conforme entendimento consolidado no STJ.

Entendo que o último posicionamento é o mais adequado, porque, como bem salientou o eminente Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira naquela assentada, não há como presumir que a empresa requerente esteja prestando serviço diferenciado (não-hospitalar), mas, se houver prestação de serviços outros que não os que constam do seu contrato social, não fica a Fazenda impedida de autuá-la e exigir o im-

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posto de renda calculado de acordo com os percentuais próprios desses outros serviços. Mas quanto a esses serviços, cuja prestação consta no seu contrato social (e que é suporte do seu pedido), não há como afastar a natureza hospitalar.

A parte autora juntou seu contrato social (fl. 39), no qual consta ter por objeto o ramo de laboratório de análises clínicas, certificado de regularidade de atividades, licença sanitária cuja atividade declarada é também a de laboratório de análises clínicas, cadastro de informações na categoria de laboratórios, contrato de prestação de serviços auxiliares de diagnóstico e terapia e contrato de prestação de serviços laboratoriais, reforçando o objeto constante no contrato.

Os serviços desempenhados pela parte autora estão previstos no anexo da Resolução RDC 50/2002 da ANVISA, no seguinte item:

“ATRIBUIÇÃO 4: PRESTAÇÃO DE ATENDIMENTO DE APOIO AO DIAG-NÓSTICO E TERAPIA

ATIVIDADES: 4.1-Patologia clínica:4.1.1-receber ou proceder a coleta de material (no próprio laboratório ou descen-

tralizada);4.1.2-fazer a triagem do material;4.1.3-fazer análise e procedimentos laboratoriais de substâncias ou materiais bio-

lógicos com finalidade diagnóstica e de pesquisa;4.1.4-fazer o preparo de reagentes/soluções;4.1.5-fazer a desinfecção do material analisado a ser descartado;4.1.6-fazer a lavagem e preparo do material utilizado; e 4.1.7-emitir laudo das

análises realizadas.”

O anexo da Resolução RDC 50/2002 da ANVISA deve ser usado como adequado regulamento densificador do conceito de serviço hospitalar, porque, além de ser suporte da IN SRF nº 539/05, ele considera não só o serviço direto de terapia, de intervenção ou os de internamento em insti-tuição hospitalar, mas também os serviços de diagnóstico por imagem, os de raio X e os de quimioterapia. Assim, restam observados os preceitos da Instrução Normativa nº 306/03 e os princípios do não-confisco, da capacidade contributiva e o da isonomia, bem como as determinações programáticas dos artigos 196 e 197 da CF/88.

Assim, considero que as atividades desenvolvidas pela parte autora são equiparadas às hospitalares, nos termos da Lei nº 9.249/95.

Correção monetária

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A atualização monetária incide desde a data do pagamento indevido do tributo (Súmula 162-STJ), até a sua efetiva restituição e/ou compen-sação . Para os respectivos cálculos, devem ser utilizados, unicamente, os indexadores instituídos por lei para corrigir débitos e/ou créditos de natureza tributária. São eles, sucessivamente, os seguintes: OTN/BTN/BTNF até fevereiro de 1991, incluindo-se aí os expurgos da inflação ocor-rida em janeiro/89 (42,72%), março (30,46%), abril (44,80%), maio/90 (2,36%) e fevereiro/91 (21,87%), conforme Súmulas 32 e 37 desta Corte Regional; o INPC, de MARÇO a dezembro de 1991 (Lei nº 8.177/91); e UFIR, de janeiro de 1992 até dezembro de 1995 (Lei nº 8.383/95). Esta última, inclusive, é de ser aplicada nos meses de julho e agosto de 1994, afastando-se o IGPM neste período, conforme ficou assentado no julgamento deste Tribunal no EIAC nº 2000.04.01.118008-0/PR, Rel. Des. Maria Lúcia Luz Leiria, unânime, realizado em 04.09.2002; por fim a taxa SELIC, a partir de 01 de janeiro de 1996, instituída pelo art. 39, parágrafo quarto, da Lei nº 9.250/95.

JurosNo que diz respeito aos juros, ressalto que a sua contagem passou a

obedecer à sistemática prevista no artigo 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95. Por essa disposição legal, aplica-se agora a taxa SELIC sobre o indébito tributário, a partir do mês de janeiro de 1996 (STJ, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU 01.08.2000, p. 189). Abrange ela o quantum da remune-ração do capital, mais a recomposição do valor da moeda e, ainda, da incidência dos juros. Trata-se, portanto, de indexador misto englobando a soma desses fatores no período a que se referir os cálculos. Por isso, não pode ser aplicado cumulativamente com outros índices ou taxas. (STJ, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, DJU 23.03.99)

Assim, estando os juros já embutidos na SELIC, não será mais neces-sário calculá-los em apartado da correção monetária ou de outras verbas da sucumbência, na fase da liquidação de sentença.

CompensaçãoEm relação à compensação, mister observar a seguinte evolução

legislativa, conforme didaticamente explanado pelo Eminente Min. do STJ Teori Albino Zavascki, Relator do RE 548.161- PE (2003/0095057-4), julgado pela 1ª Turma daquela Colenda Corte em 20.11.2003: a) até

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30.12.91 não havia em nosso ordenamento jurídico a figura da compen-sação tributária; b) de 30.12.91 a 27.12.96 havia autorização legal apenas para a compensação entre tributos da mesma espécie, nos termos do art. 66 da Lei 8.383/91; c) de 27.12.96 a 30.12.02 era possível a compensação entre valores decorrentes de tributos distintos, desde que fossem todos administrados pela Secretaria da Receita Federal e que esse órgão, a requerimento do contribuinte, autorizasse previamente a compensação , conforme estabelecia o art. 74 da Lei 9.430/96; d) a contar de 30.12.2002, com a alteração do art. 74 da Lei 9.430/96 pela Lei 10.637/02, para os tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal foi autorizada a compensação de iniciativa do contribuinte (com efeito de extinção do crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação) mediante simples entrega de declaração contendo as informações sobre os créditos e débitos utilizados.

Assim, anteriormente à edição da Lei nº 10.637/02 (30.12.2002), não havia legislação que autorizasse a compensação efetuada direta-mente pelo contribuinte em relação a tributos de espécies distintas e de diferente destinação constitucional. No entanto, em observância à regra geral de que a lei aplicável à compensação é aquela vigente na data do encontro entre débitos e créditos, pode o contribuinte proceder à compensação dos créditos na forma da Lei nº 10.637/2002, porquanto posterior e mais benigna.

Há que ser ressalvado, por fim, que a LC nº 104/2001 introduziu no Código Tributário Nacional o art. 170-A, segundo o qual “é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de con-testação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”. Com isso, impôs-se ao contribuinte nova condição para a compensação de tributos diretamente na escrita fiscal, qual seja, a inexistência de discussão judicial sobre os créditos a serem utilizados na compensação .

Logo, pela legislação atual, somente é possível a compensação após o trânsito em julgado da decisão e deverá dar-se na forma prescrita pela Lei nº 10.637/2002, isto é, por iniciativa do contribuinte, entre quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal e mediante entrega de declaração contendo as informações necessárias acerca dos créditos e débitos utilizados.

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Honorários advocatícios Incabíveis em sede de mandado de segurança, nos termos das Súmulas

105 do STJ e 512 do STF.Dessa forma, dou provimento ao apelo, devendo ser observada a

prescrição operada na hipótese, nos termos da fundamentação supra.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.72.01.004063-1/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

Apelante: Soc. Educacional Joinville Ltda. Advogados: Drs. Ramiro Heise e outros

Apelados: (os mesmos)

EMENTA

Execução fiscal. Embargos. Regularidade da CDA. Decadência. Contribuições ao SESC, ao SENAC, ao SEBRAE e ao INCRA. SELIC.

1. A Certidão de Dívida Ativa goza de presunção de certeza e liqui-dez, só elidida por prova irrefutável que, no caso, não foi produzida pela embargante, portanto inexiste violação ao art. 2º, § 5º, da Lei de Execução Fiscal.

2. Nos tributos lançados de ofício pelo Fisco, é de cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, o prazo para promover a notificação do contribuinte e constituir o crédito. (art. 173, I, CTN)

3. O art. 240 da Constituição Federal de 1988 recepcionou as contri-buições devidas ao SESC e ao SENAC. Tais contribuições são devidas pelas empresas ligadas à Confederação Nacional de Comércio, sendo que tal enquadramento é dado pelo art. 577 da CLT e seu quadro anexo. As

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empresas prestadoras de serviços educacionais, por força de seus atos constitutivos, são sociedades limitadas com fins lucrativos, inserindo-se no conceito moderno de empresa que explora atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Resta clara, portanto, a sua caracterização como contribuinte dos serviços autônomos.

4. A contribuição para o SEBRAE é de intervenção no domínio eco-nômico, prevista no art. 149, caput, da Constituição (STF, RE 396266/SC, Rel. Min. Carlos Velloso). Por esse motivo, considerando-se também o princípio da solidariedade social (art. 195, caput, da Constituição), a contribuição ao SEBRAE deve ser paga por todas as empresas, e não apenas pelas pequenas e microempresas, não existindo, necessariamente, a correspondência entre contribuição e prestação, entre o contribuinte e os benefícios decorrentes da exação.

5. A contribuição adicional ao INCRA (0,2%), instituída pela Lei n° 2.613/55 e mantida pelo Decreto-Lei n° 1.146/70, restou extinta com o advento da Lei nº 8.212/91, consoante entendimento adotado pela 1ª Seção desta Corte, independente de se tratar de empresas urbanas ou rurais.

6. É legítima a incidência da taxa de juros diversa daquela estabe-lecida no parágrafo 1º do artigo 161 do CTN, desde que fixada em lei. Logo, aplicável a SELIC sobre o débito exeqüendo, já que tal índice está previsto na Lei nº 9.065, de 1995.

7. A regra constitucional constante no artigo 192, parágrafo 3º, que fixava o índice de juros de 12% ao ano, era, até a sua revogação pela Emenda Constitucional nº 40/03, norma de eficácia limitada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da embargante e dar par-cial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, que considero interposta, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de outubro de 2006.Des. Federal Vilson Darós, Relator.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Sociedade Educacional Joinville Ltda. opôs embargos à execução fiscal que lhe move o INSS, alegando nulidade da CDA, decadência e inexigibilidade das contri-buições ao SESC, ao SENAC, ao SEBRAE e ao INCRA. Sustenta não ser sucessora legítima da empresa devedora, motivo por que não deve responder pelas dívidas desta, tampouco pelas multas, as quais entende que, por serem penalidades, não podem passar da pessoa do devedor.

Intimada, impugnou a autarquia, impugnando a decadência e susten-tando a exigibilidade das contribuições.

Devidamente processado o feito, sobreveio sentença que, (a) dando pela regularidade da CDA; (b) entendendo ocorrida a sucessão de empresas; (c) reconhecendo a decadência das dívidas com vencimento anterior ao novembro de 1995; (d) mantendo as contribuições devidas ao SESC, ao SENAC e ao SEBRAE; e (e) afastando a contribuição ao INCRA, julgou parcialmente procedente a ação, estabelecendo que cada parte arcará com as despesas de seu advogado e isentando de custas.

Irresignados, apelaram os litigantes. Insurgiu-se a autarquia contra o reconhecimento da decadência, bem como contra o afastamento da con-tribuição ao INCRA. A embargante, por sua vez, repisou os argumentos invocados na inicial.

Contra-arrazoados os recursos, subiram os autos a esta Egrégia Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós:

Da remessa oficialInicialmente, considero interposta a remessa oficial, visto que a sen-

tença foi publicada em data posterior à vigência da Lei nº 10.352/01, que modificou o art. 475, § 2º, do CPC, e o direito controvertido é de valor superior a sessenta salários mínimos (R$ 568.901,76).

Da regularidade da CDA

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Inicialmente, faz-se mister esclarecer que, conforme o art. 204, ca-put e parágrafo único, do CTN, a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez, o que só pode ser afastado por prova inequívoca a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.

No caso, pela simples visualização do título, verifica-se que este se encontra íntegro e perfeito, estando presentes os requisitos do art. 2º, § 5º e incisos, da Lei nº 6.830/80. Isso porque não existem controvérsias quanto à existência da dívida, porquanto perfeitamente determinados os sujeitos e a natureza da relação jurídica. Outrossim, preenchido está o requisito da liquidez: todos os índices necessários ao cálculo da dívida, bem como os respectivos fundamentos legais, constam nos documentos juntados com a inicial do processo executivo. Assim, meras alegações de irregularidades ou de incerteza do título executivo, sem prova capaz de comprovar o alegado, não retiram da CDA a certeza e a liquidez de que goza, por presunção expressa em lei.

Consonante as disposições dos artigos 3º da Lei nº 6.830/80 e 204 do CTN:

“LEI Nº 6.830/80:Art. 3º A Dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez. Parágrafo Único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida

por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite”.CTN, ART. 204:Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e

tem o efeito de prova pré-constituída. Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ili-

dida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.”

Além disso, a CDA tem por finalidade, constituído o crédito, opor-tunizar ao executado impugná-la e, assim, exercer lídimo direito a mais ampla defesa. E aqui isso se faz presente.

Nessa linha, a jurisprudência:“1. (...)2. Os requisitos da CDA, constantes no § 5º do art. 2º da Lei 6.830/80, têm por

escopo o exercício da ampla defesa e do contraditório, princípios constitucionalmente consagrados, pela parte executada/embargante. Cumprindo esse aspecto teleológico nos autos, não há de se falar em nulidade.

3-8 (...)” (TRF4, AC 338157, 1ª T., Rel. Des. Federal Álvaro Junqueira DJU 15.06.2005)

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Assim, resumindo-se a impugnação do embargante a meras alegações sobre a irregularidade e a iliquidez da CDA, ausente qualquer meio de prova a demonstrar os referidos argumentos, é de ser mantido incólume o título, permanecendo válida a execução.

Da sucessão de empresas Conforme bem fundamentado em sentença, a notificação fiscal da

embargante (fls. 193/211) apresenta extenso rol dos motivos que leva-ram ao enquadramento desta como sucessora da original responsável tributária. Entre eles, exemplifica:

“(a) ‘a empresa sucessora, Sociedade Joinville, inicia suas atividades utilizando o mesmo endereço da empresa extinta, incluindo as mesmas instalações, com os mesmo móveis e utensílios’ (fl. 197); (b) ‘a nova empresa recebe em transferência todo o quadro de empregados (...)’ (fl. 197); (c) o quadro de clientes da nova empresa é abastecido com metade dos clientes da empresa sucedida”.

Frise-se que a embargante sequer impugnou a motivação apresentada pela autarquia, limitando-se a peticionar pelo julgamento antecipado da lide. (fl. 328)

Assim, não acolho seus argumentos.

Da decadênciaOs débitos apurados são relativos a tributos sujeitos a lançamento

por homologação. Não havendo a declaração, deve o Fisco apurar os valores devidos e realizar lançamento de ofício. Para tanto, tem o prazo de 5 anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, consoante art. 173, I , do CTN.

No caso dos autos, a insurgência gira em torno dos créditos relativos aos períodos de setembro/91 a agosto/99 (fl. 329v.). Considerando a data do lançamento/notificação (nov/2000) consoante fl. 329v., ocorreu a decadência do direito de constituir os créditos vencidos em 1994. Isso porque o prazo decadencial iniciou-se em 1º de janeiro de 1995, o qual teve seu termo final em 31 de dezembro de 1999. Tendo o lançamento ocorrido em novembro de 2000, caduca estava a contribuição relativa ao período de 1994.

Assim, é de ser parcialmente reformada a sentença, para que se reco-nheça a decadência apenas das dívidas vencidas até dez/94.

Das contribuições ao SESC e ao SENAC

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O SESC e o SENAC são entidades privadas sociais criadas, em 1946, com o intuito de contribuir para o fortalecimento e o bem-estar das classes comerciárias. Para tanto, com sua criação, foram instituídas contribui-ções para financiar a atuação dos referidos Serviços. Os Decretos-Leis nº 9.853/46 e nº 8.621/46 são, respectivamente, as matrizes legais dessas contribuições.

A Constituição Federal de 1988 recepcionou tais contribuições, dis-pondo, em seu artigo 240:

“Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições com-pulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.”

Assim, delimitados os conceitos e admitida a recepção da contribui-ção no atual ordenamento jurídico, resta-nos analisar a possibilidade de cobrança relativamente aos prestadores de serviços na área da educação, como é o caso da empresa em exame.

Para tanto, devemos considerar o que dispõe o caput do artigo 3º do Decreto-Lei nº 9.853, verbis:

“Art. 3º. Os estabelecimentos comerciais enquadrados nas entidades sindicais su-bordinadas à Confederação Nacional do Comércio (art. 577 da Consolidação das Leis do Trabalho aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943), e os demais empregadores que possuam empregados segurados pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários, serão obrigados ao pagamento de uma contribuição mensal ao Serviço Social do Comércio, para custeio dos seus encargos.”

Da mesma forma, estabelece o caput dos artigos 4º e 5º do Decreto--Lei nº 8.621/46:

“Art. 4º. Para o custeio dos encargos do SENAC, os estabelecimentos comerciais cujas atividades, de acordo com o quadro a que se refere o art. 577 da Consolidação das Leis do Trabalho, estiverem enquadrados nas Federações e Sindicatos coordenados pela Confederação Nacional de Comércio, ficam obrigados ao pagamento mensal de uma contribuição equivalente a um por cento sobre o montante da remuneração paga à totalidade de seus empregados.”

“5º. Serão também contribuintes do SENAC as empresas de atividades mistas e que explorem, acessória ou concorrentemente, qualquer ramo econômico peculiar aos esta-belecimentos comerciais, e sua contribuição será calculada apenas sobre o montante da remuneração paga aos empregados que servirem ao setor relativo a esse ramo.”

Dos artigos citados, conclui-se que as contribuições para o SESC e

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o SENAC são devidas pelas empresas ligadas à Confederação Nacional de Comércio, sendo que tal enquadramento é dado pelo artigo 577 da CLT e seu quadro anexo.

Vinha entendendo, com base em inúmeros precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça, que as empresas prestadoras de serviço educacional não estavam sujeitas ao recolhimento da contribuição social destinada ao SESC e ao SENAC, por não exercerem atividade comercial, mas eminentemente civil.

No entanto, ainda que não constem do referido quadro, as sociedades prestadoras de serviço educacional se enquadram no conceito atual de atividade comercial. Ora, é certo que, analisando-se a incidência de um imposto nos dias atuais, devem ser levados em consideração os conceitos contemporâneos, atualmente utilizados.

Assim, embora não haja referência expressa às prestadoras de serviço educacional, essas se enquadram no art. 577 da CLT como agentes au-tônomos do comércio, à luz do novo conceito de empresas trazido tanto pela doutrina como pela nova legislação vigente.

O novo Código Civil, de 10 de janeiro de 2002, em harmonia com esse novo conceito, criou a hodierna figura do empresário, atribuindo uma amplitude muito maior do que a antiga noção de comerciante, limitada àquele que pratica atos de comércio, pois abarca atividades econômicas diversas, incluindo-se entre elas, pela preponderância do setor nos dias atuais, a prestação de serviços com fins lucrativos, exercida com habi-tualidade e profissionalismo.

Corroborando o acima exposto, oportuna a transcrição do artigo 966 do Código Civil de 2002: “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”

A expressão estabelecimentos comerciais, para o fim do citado artigo 3º do Decreto-Lei nº 9.853/46, inclui não apenas as empresas comerciais stricto sensu, mas também aquelas de prestação de serviços.

Não havendo Confederação de Serviços, a atividade econômica de serviços foi incluída expressa e legalmente na noção mais ampla de comércio ou de estabelecimento comercial.

Não há falar aqui em interpretação extensiva de dispositivos do Direito Tributário, vedada pelo princípio da tipicidade cerrada. Impõe-se, para

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definição da incidência da contribuição em questão, uma exegese atual da lei e dos conceitos nela contemplados que, como visto, adquiriram novos contornos diante da realidade mais recente.

A empresa ora em análise é sociedade civil com fins lucrativos que se dedica à prestação de serviços em caráter profissional, inserindo-se no conceito moderno de empresa que explora atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Resta clara, portanto, a sua caracterização como contribuinte dos serviços autônomos.

Saliente-se, ainda, que a própria apelante elegeu o regime jurídico a que pretendia se submeter quando da sua instituição. No contrato social de fls. 71 a 73, a recorrente estrutura-se como sociedade comercial por cotas de responsabilidade limitada.

Por fim, importante lembrar que o SESC e o SENAC têm como fi-nalidade contribuir para o bem-estar social do empregado e a melhoria do padrão de vida deste e de sua família, bem como propiciar o aprimo-ramento moral e cívico da sociedade, beneficiando todos os seus asso-ciados, independentemente da categoria a que pertençam. Assim, não é demais se exigir das empresas prestadoras de serviços que contribuam com iniciativas que visam ao incremento social e busquem dar melhor condições de vida a seus funcionários.

Por conseguinte, concluo pela obrigação da recorrente ao recolhimento da contribuição social aos serviços autônomos, negando-se provimento ao apelo neste ponto.

Da contribuição ao SEBRAE O legislador, ao criar a contribuição para o SEBRAE, instituiu-a

como um adicional às contribuições já existentes (SESI, SENAI, SESC e SENAC), nos termos da Lei nº 8.029, de 1990, com a redação que lhe deu a Lei nº 8.154, de 1990, artigo 8º.

Já o Decreto-Lei nº 2.318, de 30 de dezembro de 1986, por sua vez, que trata das contribuições destinadas a SESI, SENAI, SESC e SENAC, diz:

“Art. 1º. Mantida a cobrança, fiscalização, arrecadação e repasse às entidades benefi-ciárias das contribuições para o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), para o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), para o Serviço Social da Indústria (SESI) e para o Serviço Social do Comércio (SESC), ficam revogados: (...)”

Dessa forma, o que sempre se concluiu era que os sujeitos passivos

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que recolhiam o adicional do SEBRAE seriam aqueles que também contribuíram para as entidades referidas no Decreto-Lei nº 2.318/86, ou seja, as contribuições destinadas a SESI, SENAI, SESC e SENAC.

Esse já foi o entendimento dominante nesta Corte. Contudo, a questão restou posteriormente dirimida pelo Plenário do Supremo Tribunal Fede-ral, que reconheceu a constitucionalidade da contribuição ao SEBRAE, desvinculando-a das contribuições a SESC, SENAC, SENAI e SESI, no julgamento do RE 396.266/SC.

Nesse julgado, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a contribuição para o SEBRAE é contribuição de intervenção no domínio econômico, prevista no art. 149, caput, da Constituição, não obstante a lei supramencionada nominá-la como adicional às alíquotas das contribuições sociais gerais repassadas a SESI, SENAI, SESC e SENAC. Por esse motivo, a contribuição ao SEBRAE não se inclui no rol do art. 240 da Constituição Federal, uma vez que é totalmente autônoma, e não um mero adicional, desvinculado das contribuições ao SESI/SENAI e ao SESC/SENAC.

Deve-se acrescentar ainda que o SEBRAE não presta serviços so-mente às pequenas e microempresas, mas a todas as atividades empre-sariais conexas, atendendo ao bem comum de toda a sociedade. Assim, considerando-se o princípio da solidariedade social (art. 195, caput, da Constituição), por se tratar de contribuição de intervenção no domínio econômico, a contribuição ao SEBRAE deve ser paga por todas as em-presas, e não apenas pelas pequenas e microempresas, não existindo, necessariamente, a correspondência entre contribuição e prestação, entre o contribuinte e os benefícios decorrentes da exação.

Registre-se, ao final, que o fato de estarem as contribuições de intervenção no domínio econômico previstas no art. 149 da Consti-tuição Federal não obriga que sejam instituídas por lei complementar (art. 146, III, CF/88). Essa desnecessidade de lei complementar para a sua instituição está também pacificada na Primeira Seção desta Corte, a saber:

“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO SEBRAE.1. O adicional destinado ao SEBRAE (Lei nº 8.029/90, na redação dada pela Lei

nº 8.154/90) constitui simples majoração das alíquotas previstas no DL nº 2.318/86 (SENAI, SENAC, SESI e SESC). Prescindível, portanto, sua instituição por lei com-

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plementar, inocorrendo, também, o fenômeno da bitributação. 2. Em se tratando de contribuição de intervenção no domínio econômico, que

dispensa seja o contribuinte virtualmente beneficiado, deve ser paga pelas empre-sas à vista do princípio da solidariedade social.” (CF/88. art. 195, caput). (EIAC nº 2000.04.01.107480-2/SC, TRF4., 1ª S., Rel. Des. Federal DIRCEU DE ALMEIDA SOARES, DJU 03.04.2002)

Da contribuição ao INCRA A contribuição adicional ao INCRA, incidente sobre a folha de

salários no percentual de 0,2%, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 (artigo 195, inciso I) e permaneceu exigível até a edição da Lei nº 8.212/91, conforme pacífica jurisprudência do STJ e desta Corte:

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNRURAL E PARA O IN-CRA . EMPRESA PRIVADA. PREVIDÊNCIA URBANA. IMPOSSIBILIDADE DE SUPERPOSIÇÃO CONTRIBUTIVA. COMPENSAÇÃO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE A PARTIR DO ADVENTO DAS LEIS 7.787/89 E 8.212/91.

1. É pacífico o entendimento da Corte (1ª Seção e 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça) no sentido de que as contribuições para o FUNRURAL e para o INCRA são indevidas, por empresa vinculada exclusivamente à Previdência Urbana, posto vedada a superposição contributiva.

2. O custeio da Previdência Social Rural, como ocorria à época do Serviço Social Rural, como fonte de receita, poderia ser exigido da empresa urbana. A lei, ao instituir a contribuição para o FUNRURAL, não condicionou a vinculação da empresa às atividades rurais, o que conduz ao entendimento de que as contribuições previdenciárias relativas ao FUNRURAL e ao INCRA eram devidas por empresas urbanas até o advento das Leis 7.787/89 e 8.212/91, respectivamente, que, posteriormente, as excluem.

3. A contribuição previdenciária instituída pela Lei Complementar 11/71, PRO--RURAL, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Com a promulgação da Lei 7.787/89 o percentual de contribuição foi unificado para 20%, especificando-se no artigo 3º, §1º, que a unificação implicava a extinção do PRO-RURAL como entidade isolada a partir de 1º de setembro de 1989. Consectariamente, a contribuição para o FUNRURAL, incidente sobre as operações econômicas de aquisição de produtos rurais pelas empresas, restou devida até o advento desta lei.

4. As empresas urbanas, mesmo não exercentes de qualquer atividade rural, ficaram sujeitas à contribuição para o FUNRURAL e para o INCRA, em face do princípio da solidarização da seguridade social, adotado pela CF/88. No entanto, as contribuições de 2,4% para o FUNRURAL e de 0,2% para o INCRA foram eliminadas, respectivamente, pelas Leis nº 7.787/89 e nº 8.212/91 (AC nº 04247174/96, Rel. Juiz Gilson Dipp, DJ 23.10.96). Assim sendo, o recorrente tem direito de compensar o que pagou indevida-

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mente somente a partir da data de publicação destas leis, a título de contribuição para o FUNRURAL e para o INCRA, respectivamente, com tributos da mesma espécie.

5. Decisão mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.6. Agravo regimental parcialmente provido.” (STJ, AGA 490449/SP, 1ª T., Rel.

Min. LUIZ FUX, DJU 01.03.2004, p. 127)“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS AO IN-

CRA. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO PELA LEI Nº 8.212/91.(...)2. A contribuição ao INCRA incidente sobre a folha de salários foi recepcionada

pela nova Ordem Constitucional (art. 195, I) e permaneceu exigível, por seu caráter de contribuição social geral, até a edição da Lei nº 8.212/91, que a extinguiu de forma tácita. Precedentes desta Corte e do STJ.

3. Verba honorária em favor da parte autora fixada em 10% sobre o valor da con-denação.” (TRF4, AC 2001.70.09.002123-5/PR, 2ª T., Rel. Des. Federal DIRCEU DE ALMEIDA SOARES, DJU 28.05.2003, p. 308)

“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO INCRA E AO FUNRURAL. SENAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA. RESTITUIÇÃO. CABIMENTO. CORREÇÃO MO-NETÁRIA E JUROS. HONORÁRIOS. PRESCRIÇÃO.

1. ... 2. A contribuição de 0,2% ao INCRA restou extinta somente pela Lei nº 8.212, de

24.07.91. 3. ... 4. ...” (TRF4, AC 2000.71.00.023413-1/RS, 1ª T., Rel. Des. Federal ÁLVARO

EDUARDO JUNQUEIRA, julg. em 08.06.2005, DJU 22.06.2005, p. 731)

Dessa forma, tenho por indevida a cobrança da referida contribuição para os fatos geradores ocorrentes após o advento da Lei nº 8.212/91.

Da taxa SELIC No tocante ao pedido da não-incidência da taxa SELIC, tenho que

também não merece prosperar. O artigo 161 do Código Tributário Na-cional assim dispõe:

“Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.

§ 1° Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.”

Assim, há referência expressa à aplicação do percentual de 1% ao mês a título de juros de mora, se a lei não dispuser de modo diverso, “...

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sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária” (art. 161 CTN). Desta forma, está expresso na legislação a possibilidade de aplicação de juros sobre o débito exeqüendo, não havendo vedação a que os juros ultrapassem o percentual de 1% ao mês, desde que já existente lei que faça tal previsão.

In casu, a Lei nº 9.065, de 20 de julho de 1995, em seu artigo 13, prevê expressamente a aplicação da SELIC sobre débitos tributários, dispondo:

“Art. 13. A partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do artigo 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com redação dada pelo artigo 6º da Lei nº 8850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo artigo 90 da Lei nº 8.981/95, o artigo 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a.2, da Lei nº 8.981/95, serão equivalentes à taxa Referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente.”

O artigo 84, inciso I, da Lei nº 8.981/95 assim dispõe:“Art. 84. Os tributos e contribuições sociais arrecadados pela Secretaria da Receita

Federal, cujos fatos geradores vierem a ocorrer a partir de 1º de janeiro de 1995, não pagos nos prazos previstos na legislação tributária serão acrescidos de:

I. juros de mora, equivalentes à taxa média mensal de captação do Tesouro Nacional relativa à Dívida Mobiliária Federal Interna.”

Dessa forma, a limitação dos juros a 1% ao mês não se aplica à es-pécie. A regra constitucional que fixa o índice de juros de 12% ao ano é norma de eficácia limitada, sendo inviável a observância do limite esta-belecido no artigo 192, parágrafo 3°, da Constituição Federal de 1988, por faltar-lhe a necessária regulamentação legislativa. E esse é também o entendimento do Supremo Tribunal Federal (RE n° 131.620-9, Rel. Ministro Celso de Mello, DJU de 10.12.93, Seção I, p. 27097) prevale-cente até a Emenda Constitucional nº 40, de 2003, que retirou do texto constitucional o dispositivo em comento.

Neste sentido é o precedente desta Turma:“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CDA. CONFISSÃO DE DÉBITOS

TRIBUTÁRIOS. PARCELAMENTO. AUTOLANÇAMENTO. INADIMPLEMENTO. CDA. VALIDADE. REQUISITOS. REGULARIDADE FORMAL. TAXA SELIC. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. MULTA. PREVISÃO LEGAL.

1. -3(...)4. A capitalização e a aplicação dos juros de mora acima do limite constitucional

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de 12% ao ano não viola o princípio da legalidade por não ser auto-aplicável o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, dispositivo pendente de regulamentação conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal. Assevere-se haver a Emenda Constitucional nº 40/03 retirado do texto da Carta Magna o referido § 3º. Na esfera infraconstitucional, o Código Tributário Nacional, norma de caráter complementar, não proíbe a capitalização de juros nem limita a sua cobrança ao patamar de 1% ao mês, pois o art. 161, § 1º, desse diploma legal prevê que essa taxa de juros somente será aplicada ‘se a lei não dispuser de modo contrário’. Assim, não tendo o Código Tributário Na-cional determinado a necessidade de lei complementar, pode a lei ordinária fixar taxas de juros diversas daquela prevista no citado art. 161, § 1º, do CTN, donde se conclui que a incidência da SELIC sobre os créditos fiscais se dá por força de instrumento legislativo próprio (lei ordinária) sem importar qualquer afronta à Constituição Federal.

5. -6(...)” (AC 723625, 1ª T., Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira. DJU 01.06.2005)

De outra banda, não há falar em capitalização dos juros mês a mês da SELIC, pois a forma de acumulação desse índice se dá mediante o somatório dos percentuais mensais, e não pela multiplicação dessa taxa a caracterizar anatocismo, vedado por lei (art. 167, parágrafo único, do CTN).

Nesse sentido a jurisprudência:“EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. ERRO MATERIAL. AGRAVO RETIDO.

PROVA PERICIAL. MEMÓRIA DISCRIMINADA DO CÁLCULO. DESNECESSI-DADE. LANÇAMENTO DA MULTA E DOS JUROS. LEGALIDADE DA TAXA SELIC. CAPITALIZAÇÃO. MULTA. LEGALIDADE. CDC. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENIGNA. ART. 106, II, C, DO CTN. CUMULAÇÃO COM JUROS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1-4 (...) 5. A taxa SELIC possui base legal determinando sua incidência no campo tributário,

sustentada pela possibilidade aberta pelo § 1º do art. 161 do CTN. O descumprimento da obrigação tributária impõe o dever de o contribuinte inadimplente indenizar o Fisco pela impossibilidade de contar com o valor devido. A aplicação da taxa SELIC mostra--se apropriada a traduzir as repercussões econômicas no erário público causadas pelo inadimplemento da obrigação tributária.

6. (...)7. A forma de acumulação da SELIC se dá mediante o somatório dos percentuais

mensais, e não pela multiplicação dessas taxas de forma a caracterizar caso de anato-cismo, vedado em lei.

8-12(...).” (TRF4, AC nº 2002.72.03.000192-7/SC. Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares. 2ª T., DJU 08.06.2005)

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Cumpre, ainda, ressaltar que a aplicação do referido índice não configura indevida delegação de competência tributária, tendo em vista que esta diz respeito à instituição de tributos ou alteração de seus valores, enquanto aquele trata da fixação de índices de juros e correção monetária.

Nesse sentido, válidas são as lições de Hugo de Brito Machado:“A Constituição atribui às pessoas jurídicas de direito público competência para ins-

tituir tributos. É a competência tributária própria. Quem a tem pode instituir e arrecadar o tributo, praticando todos os atos a esse fim necessários, desde a edição da lei até os atos materiais de cobrança do tributo. É a essa competência tributária própria que se refere o Código Tributário Nacional ao estabelecer que ela compreende a competência legislativa plena (CTN, art. 6º). Só as pessoas jurídicas de direito público, dotadas de Poder Legislativo, são titulares da competência tributária própria.

Pode ocorrer que a lei institua um tributo e atribua a uma autarquia a titularidade da competência para a respectiva administração e arrecadação. É o que ocorre em muitas contribuições especiais, que hoje encontram fundamento no art. 149 da Constituição Federal. Cuida-se, neste caso, de competência tributária delegada, que não inclui a com-petência legislativa.” (Curso de Direito Tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2005)

Como se vê, a competência tributária própria compreende todos os atos relativos aos tributos, incluindo sua instituição, enquanto a imprópria abrange apenas a arrecadação e administração. De qualquer forma, o estabelecimento de juros moratórios não se encontra nesse âmbito, não havendo falar em qualquer espécie de vício.

Sucumbência mantida nos termos fixados na sentença guerreada.Isso posto, nego provimento ao apelo da embargante e dou parcial pro-

vimento ao apelo do INSS e à remessa oficial, que considero interposta, para reconhecer a decadência apenas das dívidas vencidas até dezembro de 1994, nos termos da fundamentação.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.72.12.000760-9/SC

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Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Joel Ilan Paciornik*

Apelantes: Pittol Calçados Concórdia Ltda. e outroAdvogados: Drs. Celia C. Gascho Cassuli e outros

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Simone Anacleto Lopes

Apelados: (os mesmos)

EMENTA

Tributário. PIS. COFINS. Art. 3º, §1º, da Lei 9.718/98. Alargamento da base de cálculo. Inconstitucionalidade. Art. 195 da CF. EC 20/98. Compensação. Prescrição. Correção monetária. Honorários advocatí-cios. Sucumbência mínima do pedido.

1. O Supremo Tribunal Federal, em recente decisão prolatada no julgamento dos RE 357950/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, e RE 346084/PR, rel. orig. Min. Ilmar Galvão, em sessão realizada no dia 09.11.2005, rematou a controvérsia declarando a inconstitucionalidade do alargamento da definição de faturamento como base de cálculo do PIS e da COFINS promovida pelo § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98.

2. Cuidando-se de tributo sujeito ao lançamento por homologação, o prazo para pleitear a restituição inicia a partir da data em que ocorrer a homologação do lançamento. Diante da homologação tácita, dispõe o contribuinte do prazo de dez anos para postular a restituição, a contar do fato gerador, cinco dos quais relativos à homologação tácita e os outros cinco ao prazo prescricional propriamente dito.

3. O e. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 327043, decidiu, por unanimidade, que se aplica o prazo do referido art. 3º da LC 118/2005 somente às ações ajuizadas a partir de 09 de junho de 2005, o que não é o caso dos autos.

4. A Lei nº 9.430/96 não derrogou o art. 66 da Lei nº 8.383/91, no que se refere aos tributos e contribuições administrados pela Receita Federal, podendo o contribuinte escolher o regime que lhe convier.

5. Optando o contribuinte pelo regime da Lei nº 8.383/91, deve com-pensar o crédito com prestações vincendas de tributo da mesma espécie e * O magistrado era Juiz Federal convocado para atuar no TRF 4ª Região à época do julgamento. Posterior-mente, em 14.08.2006, foi empossado como Desembargador Federal da Corte.

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destinação constitucional, a partir do trânsito em julgado, extinguindo-se o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação.

6. Se o contribuinte escolher pelo sistema da Lei nº 9.430/96, pode compensar com qualquer tributo ou contribuição arrecadado pela Re-ceita Federal, porém deve apresentar declaração na via administrativa e submeter-se às regras postas na Lei, inclusive a que proíbe a utilização do crédito antes do trânsito em julgado da sentença.

7. O provimento judicial limita-se a declarar o direito do contribuinte a realizar a compensação, seja nos moldes da Lei nº 8.383/91, seja de acordo com a Lei nº 9.430/96, sem que isso implique antecipação ou substituição do juízo administrativo.

8. A correção monetária deve incidir sobre os valores desde a data do pagamento indevido – por aplicação do entendimento assentado pela Súmula nº 162 do STJ – com incidência da taxa SELIC, aplicável a partir de 01.01.96, excluindo-se qualquer índice de correção monetária ou juros de mora. (art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95)

9. Tendo em vista que as autoras sucumbiram em parte mínima do pedido, deve a ré responder integralmente pelas custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor da causa, na forma do art. 21, parágrafo único, do CPC. 10. Apelação da União desprovida e apelação das autoras provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da União e dar provimento à apelação das autoras, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de julho de 2006. Juiz Federal Joel Ilan Paciornik, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Joel Ilan Paciornik: Pittol Calçados Con-córdia Ltda. e outro ajuizaram ação ordinária, postulando a declaração de inexigibilidade do PIS e da COFINS nos moldes da base de cálculo introduzida pelo art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98, com o reconhecimento

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do direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente a esse título.

Historiaram que a Lei nº 9.718/98 incluiu na base de cálculo do PIS e da COFINS outras receitas que não aquelas integrantes do conceito de faturamento previsto nas LC nº 07/70 e LC nº 70/91. Destacaram a irretroatividade da EC nº 20/98, o que torna a Lei nº 9.718/98 inconsti-tucional desde sua edição. Argumentaram que as subseqüentes Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003, que atualmente regulamentam as contri-buições em comento, não têm o condão de convalidar a base de cálculo definida na Lei nº 9.718/98. Asseveraram que as referidas leis ordinárias excluíram na nova sistemática de tributação as pessoas jurídicas tribu-tadas pelo lucro presumido, que permanecerão regidas pela legislação anterior, situação em que se enquadram as autoras em alguns exercícios. Sustentaram a impossibilidade de uma lei ordinária modificar uma lei complementar, por afronta ao princípio da hierarquia das leis estampado no art. 59 da CF.

Regularmente processado o feito, sobreveio sentença, às fls. 76-85, julgando procedente em parte a ação, para declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98 e determinar a compensação dos valores recolhidos indevidamente com base no re-ferido dispositivo até 31 de março de 2003, a ser efetuada compensação nos termos estabelecidos pela Lei nº 9.430/96 e alterações posteriores, corrigidos monetariamente pela taxa SELIC, condenadas as partes, cada qual ao pagamento de metade das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor da causa, em face da sucumbência recíproca. (art. 21, caput, do CPC)

As demandantes interpuseram recurso de apelação, às fls. 88-93, alegando que decaíram em parte mínima do pedido, motivo pelo qual a ré deve responder integralmente pelas custas processuais e honorários advocatícios.

A União Federal, por sua vez, também apelou (fls. 103-107), defenden-do, em breve relato, a constitucionalidade da ampliação da base de cálculo do PIS e da COFINS promovida pelo art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98.

Com contra-razões (fls. 99-100 e 111-115), subiram os autos a esta Corte.

Espécie não submetida ao reexame necessário, nos termos do art.

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475, I e § 2º, do CPC.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Joel Ilan Paciornik: A Lei nº 9.718/98, em seu art. 3º, § 1º, ao estabelecer a base de cálculo do PIS e da COFINS, ampliou a definição de faturamento, considerando-o como a “... totalida-de das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”.

De fato, não se desconhece que, após ampla e reiterada discussão sobre a inovação introduzida pelo referido dispositivo, este Tribunal firmou posicionamento, em julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade nº 1999.04.01.080274-1/SC, pela constitucionalidade da modificação da base de cálculo do PIS e da COFINS introduzida pela Lei nº 9.718/98, porquanto inserida no conceito de receita bruta.

Ocorre, contudo, que o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão prolatada no julgamento dos RE 357950/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, e RE 346084/PR, rel. orig. Min. Ilmar Galvão, em sessão realizada no dia 09.11.2005, rematou a controvérsia declarando a inconstitucionalidade do alargamento da definição de faturamento como base de cálculo do PIS e da COFINS promovida pelo § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98.

A propósito, vale transcrever o texto extraído do Informativo do STF nº 408, in verbis:

“Concluído julgamento de uma série de recursos extraordinários em que se questio-nava a constitucionalidade das alterações promovidas pela Lei 9.718/98, que ampliou a base de cálculo da COFINS e do PIS, cujo art. 3º, § 1º, define o conceito de faturamento (‘Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica. § 1º. Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classifi-cação contábil adotada para as receitas.’) - v. Informativos 294, 342 e 388. O Tribunal, por unanimidade, conheceu dos recursos e, por maioria, deu-lhes provimento para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/98. Entendeu-se que esse dispositivo, ao ampliar o conceito de receita bruta para toda e qualquer receita, violou a noção de faturamento pressuposta no art. 195, I, b, da CF, na sua redação ori-ginal, que equivaleria ao de receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza, conforme reiterada jurisprudência do

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 123-542, 2006534

STF. Ressaltou-se que, a despeito de a norma constante do texto atual do art. 195, I, b, da CF, na redação dada pela EC 20/98, ser conciliável com o disposto no art. 3º, do § 1º, da Lei 9.718/98, não haveria se falar em convalidação nem recepção deste, já que eivado de nulidade original insanável, decorrente de sua frontal incompatibilidade com o texto constitucional vigente no momento de sua edição. Afastou-se o argumento de que a publicação da EC 20/98, em data anterior ao início de produção dos efeitos da Lei 9.718/98 – o qual se deu em 1º.02.99 em atendimento à anterioridade nonagesimal (CF, art. 195, § 6º) –, poderia conferir-lhe fundamento de validade, haja vista que a lei entrou em vigor na data de sua publicação (28.11.98), portanto, 20 dias antes da EC 20/98. Reputou-se, ademais, afrontado o § 4º do art. 195 da CF, se considerado para efeito de instituição de nova fonte de custeio de seguridade, eis que não obedecida, para tanto, a forma prescrita no art. 154, I, da CF (‘Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;’). RE 357950/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio. RE 346084/PR, rel. orig. Min. Ilmar Galvão, 09.11.2005”

Malgrado outro tenha sido o entendimento deste Tribunal sobre a matéria, a discussão perde relevância ante a nova orientação dada pela Suprema Corte, órgão máximo para resolver as questões relativas à compatibilidade formal e material das leis frente à Constituição Fede-ral, no sentido de ser inconstitucional a exigência do PIS e da COFINS nos termos da base de incidência trazida pela Lei nº 9.718/98. Deixo, portanto, de argüir a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98 ao Plenário desta Corte, em atendimento ao art. 481, parágrafo único, do CPC.

Diante de tais considerações, impõe-se seja afastada a exigibilidade do PIS e da COFINS nos termos do art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98, sendo as ditas contribuições devidas, contudo, nos moldes das bases de cálculo previstas nas Leis Complementares nos 07/70 e 70/91 e Lei nº 9.715/98.

Ressalte-se, outrossim, que as subseqüentes Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003, resultado da conversão das respectivas Medidas Provisó-rias nos 65 e 135, mantiveram a base de cálculo do PIS e da COFINS definida anteriormente pela Lei nº 9.718/98, assim compreendida como o resultado da totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua classificação contábil, mas instituíram a co-brança não-cumulativa dessas contribuições, permitindo o abatimento de vários créditos.

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Em que pese as autoras tenham efetivamente questionado a validade das Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003 em sua inicial, a sentença reco-nheceu o direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente ao PIS e à COFINS somente no período de vigência do art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98. Portanto, descabe a análise da exigibilidade das contri-buições em apreço após a vigência daquelas leis ordinárias, porquanto sequer foi objeto do apelo das demandantes.

Forçoso destacar, por oportuno, que o STF já se pronunciou no sen-tido de que a eficácia do provimento judicial em controle concentrado, entendimento que pode ser aplicado ao controle concreto, por analogia, passa a valer a partir da publicação, no DJU, da ata de julgamento, e não do trânsito em julgado do acórdão. Nesse sentido, imperioso transcrever trecho do voto do Min. Celso de Mello, em que foi Relator na Rcl 3309, pub. DJU de 04.08.2005, no qual cita precedentes da Suprema Corte que serviram de fundamento para sua decisão:

“(...) O extremo relevo que assumem as conseqüências jurídicas decorrentes da suspensão cautelar da aplicabilidade de atos normativos, quando impugnados em sede de controle concentrado de constitucionalidade, impõe que se defina o dies a quo a partir do qual a decisão desta Suprema Corte passa a ter eficácia. Cabe relembrar, neste ponto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar questão de or-dem suscitada na ADI 711/AM, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, definiu, como termo inicial da plena instauração de eficácia da medida cautelar concedida em ação direta, a data em que publicada, no Diário da Justiça da União, a ata da sessão do respectivo julgamento, ressalvadas as hipóteses excepcionais indicadas no precedente referido: ‘Ação Direta de Inconstitucionalidade. Medida cautelar deferida. Questão de Ordem. 2. A decisão que concede medida cautelar, em ação direta de inconstitucionalidade, possui eficácia, ex nunc. Com a concessão da liminar, o ato normativo impugnado fica com sua eficácia suspensa, até o julgamento final. (...) 4. O deferimento da medida cautelar produz seus efeitos a partir da data da publicação da ata de julgamento no Diário da Justiça da União.(...).’ (grifei) (...) Não foi por outra razão que esta Suprema Corte, ao julgar a Rcl 2.576/SC, Rel. Min. ELLEN GRACIE, reiterou essa orientação, assinalando, então, que se revela ‘Desnecessário o trânsito em julgado para que a decisão proferida no julgamento do mérito em ADI seja cumprida’, sendo de aplicar--se, ainda, ‘(...) o critério adotado por esta Corte, quando do julgamento da Questão de Ordem, na ADI 711, em que a decisão, em julgamento de liminar, é válida a partir da data da publicação no Diário da Justiça da ata da sessão de julgamento’ (grifei) (...). Concedida a medida cautelar (que se reveste de caráter temporário), a eficácia ex nunc (regra geral) ‘tem seu início marcado pela publicação da ata da sessão de julga-mento no Diário da Justiça da União (...)(ADIn 711-AM (Questão de Ordem), Rel.

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Min. NÉRI DA SILVEIRA) (...).’ (RTJ 164/506-509, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) (...) Esse mesmo entendimento é também perfilhado pelo eminente Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional, p. 67, item n. 3.4, 2001, RT),(...) ‘O termo inicial da eficácia da liminar é, em regra, o da data da publicação, no Diário de Justiça da União, da ata da sessão de julgamento em que a medida foi deferida, ressalvada decisão expressa em outro sentido.’ (grifei) (...). Vê-se, desse modo, considerada a orientação jurisprudencial acima referida, que a eficácia da decisão plenária do Supremo Tribunal Federal, tal como proferida na ADI 2.409-MC/ES (eficácia ex nunc), passou a operar somente a partir do dia 20.03.2002, data em que foi publicada, no DJU, a ata pertinente à sessão de julgamento daquele processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, o que permite reconhecer que a prática dos atos ora reclamados não se pôs em conflito com o acórdão que deferiu a medida cautelar na já mencionada ADI 2.409-MC/ES (...).”

PrescriçãoAnte a natureza tributária das contribuições ora enfocadas (PIS e

COFINS), não se aplica a prescrição qüinqüenal prevista no Decreto nº 20.910/32. A regra especial prevalece sobre a geral, incidindo as disposições específicas do Código Tributário Nacional sobre prescrição e decadência.

Neste passo, cuida-se, na espécie, de tributo sujeito a lançamento por homologação, no qual o contribuinte antecipa o pagamento, sem prévio exame da autoridade administrativa; somente depois de feito o recolhimento é que o Fisco constatará a sua regularidade, dependendo a extinção do crédito de posterior homologação do lançamento (art. 150, caput e § 1º, do CTN). Não havendo a homologação expressa, considera--se definitivamente extinto o crédito no prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador, ocorrendo o que se denomina de homologação tácita. (art. 150, § 4º, do CTN)

Assim, o prazo de cinco anos para pleitear a restituição, contado da extinção do crédito tributário (art. 168, I, do CTN), inicia a fluir a partir da data em que ocorrer a homologação do lançamento. Diante da homologação tácita, dispõe o contribuinte do prazo de dez anos para postular a restituição, a partir do fato gerador, cinco dos quais relativos à homologação tácita e os outros cinco ao prazo prescricional propriamente dito. Neste sentido, há farta jurisprudência do Colendo STJ, expressa no REsp nº 171.999/RS (Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 14.12.98), Embargos de Divergência no REsp nº 54.380-9/PE (Rel. Min. Humberto

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Gomes de Barros, DJU 07.08.95), REsp nº 134.732/RS (Rel. Min. Hélio Mosimann, DJU 18.11.96), REsp nº 120.939/RS. (Rel. Min. Peçanha Martins, DJU 20.10.97)

No caso, ajuizada a demanda em 08 de junho de 2005, não há parcelas atingidas pela prescrição.

Por outro lado, descabe a invocação da Lei Complementar nº 118/2005, já que, examinando a matéria, a Primeira Seção do e. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 327043, decidiu, por unanimidade, que se aplica o prazo do referido art. 3º somente às ações ajuizadas a partir de 09 de junho de 2005, o que não se verifica na hipótese dos autos.

Compensação A compensação, segundo o art. 170 do CTN, constitui modalidade de

extinção do crédito tributário, na qual o contribuinte obrigado ao paga-mento do tributo é credor da Fazenda Pública. Os principais regimes de compensação são estabelecidos pelo art. 66 da Lei nº 8.383/91 e pelo art. 74 da Lei nº 9.430/96, com características, requisitos e efeitos próprios. O contribuinte não pode criar um regime misto, em que combine apenas os aspectos que lhe são mais favoráveis.

Regime da Lei nº 8.383/91 A Lei nº 8.383/91, no art. 66, autorizou a compensação de tributos e

contribuições federais, inclusive previdenciários, pagos indevidamente ou a maior, mesmo quando resultantes de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, no recolhimento da importância correspondente a períodos subseqüentes, condicionando, no § 1º, que seja feita entre tributos e contribuições da mesma espécie.

Cuida-se de uma compensação de futuro crédito tributário (logo, de crédito não constituído ainda) com um crédito que tem o contribuinte perante a Fazenda em virtude de pagamento indevido de tributo. Da mesma forma que o pagamento antecipado, a compensação referida no art. 66 da Lei nº 8.383/91 extinguirá o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação, conforme art. 150, § 1º, do CTN. O sujeito passivo da relação tributária compensa os créditos por sua conta e risco, assumindo a responsabilidade de seu ato. Uma vez que não é necessário provocar a via administrativa, o contribuinte deve informar o procedi-

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mento compensatório na DCTF, GFIP ou documento equivalente. Se o Fisco constatar irregularidade, deve realizar lançamento de ofício, dentro do prazo legal (CTN, art. 150, § 4º), pois não há falar em confissão de dívida quanto ao débito quitado através da compensação.

A condição imposta no § 1º do art. 66 da Lei deve ser entendida como tributos e contribuições com a mesma espécie e destinação constitucio-nal, porquanto o encontro de contas far-se-á perante o ente responsável pela arrecadação, fiscalização e lançamento do tributo. Há outra razão de ordem financeira: se o tributo que for compensado tiver destinação diversa daquele que já foi pago indevidamente, não se estará mantendo o equilíbrio das receitas tributárias, imprescindível para a distribuição destas receitas.

Nesse regime, somente pode haver a compensação de prestações vincendas, isto é, posteriores ao pagamento indevido, desde que não se trate, obviamente, de crédito tributário constituído na forma da lei.

O art. 170-A do CTN, acrescentado pela Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001, que veda a compensação de tributo objeto de contestação judicial antes do trânsito em julgado da sentença, é aplicável a sentenças proferidas após a vigência deste dispositivo. Quando o pedido funda-menta-se na invalidade de dispositivo de lei, é necessário que o crédito seja determinado quanto ao seu objeto e certo quanto à sua existência, condição esta alcançada tão-somente por ocasião da chancela do Poder Judiciário sobre a tese defendida pelo contribuinte.

Regime da Lei nº 9.430/96 O art. 74 da Lei nº 9.430/96 aplica-se apenas aos tributos administrados

pela Secretaria da Receita Federal, admitindo a compensação com débitos oriundos de quaisquer tributos e contribuições administrados por este órgão. A Lei nº 10.637/2002 alterou significativamente o regime legal, que, embora seja em alguns pontos semelhante ao da Lei nº 8.383/91, difere substancialmente em outros. Transcrevo o inteiro teor do dispo-sitivo, com as modificações supervenientes, destacando as diferenças:

“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. (Redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002)

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§ 1º A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)

§ 2º A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)

§ 3º Além das hipóteses previstas nas leis específicas de cada tributo ou contribui-ção, não poderão ser objeto de compensação mediante entrega, pelo sujeito passivo, da declaração referida no § 1º: (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003)

I. o saldo a restituir apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física;(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)

II. os débitos relativos a tributos e contribuições devidos no registro da Declaração de Importação. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)

III. os débitos relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal que já tenham sido encaminhados à Procuradoria-Geral da Fazenda Na-cional para inscrição em Dívida Ativa da União; (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

IV. o débito consolidado em qualquer modalidade de parcelamento concedido pela Secretaria da Receita Federal - SRF; (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

V. o débito que já tenha sido objeto de compensação não homologada, ainda que a compensação se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa; e (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

VI. o valor objeto de pedido de restituição ou de ressarcimento já indeferido pela autoridade competente da Secretaria da Receita Federal - SRF, ainda que o pedido se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

§ 4º Os pedidos de compensação pendentes de apreciação pela autoridade admi-nistrativa serão considerados declaração de compensação, desde o seu protocolo, para os efeitos previstos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)

§ 5º O prazo para homologação da compensação declarada pelo sujeito passivo será de 5 (cinco) anos, contado da data da entrega da declaração de compensação. (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 6º A declaração de compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 7º Não homologada a compensação, a autoridade administrativa deverá cientificar o sujeito passivo e intimá-lo a efetuar, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da ciência do ato que não a homologou, o pagamento dos débitos indevidamente compensados. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 8º Não efetuado o pagamento no prazo previsto no § 7º, o débito será encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União, ressalvado o disposto no § 9º. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 9º É facultado ao sujeito passivo, no prazo referido no § 7º, apresentar manifes-

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tação de inconformidade contra a não-homologação da compensação. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 10. Da decisão que julgar improcedente a manifestação de inconformidade caberá recurso ao Conselho de Contribuintes. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 11. A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9º e 10 obedecerão ao rito processual do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses: (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

I. previstas no § 3º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)II. em que o crédito: (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)a) seja de terceiros; (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)b) refira-se a ‘crédito-prêmio’ instituído pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 491, de 5 de

março de 1969; (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)c) refira-se a título público; (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)d) seja decorrente de decisão judicial não transitada em julgado; ou (Incluída pela

Lei nº 11.051, de 2004)e) não se refira a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita

Federal - SRF. (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)§ 13. O disposto nos §§ 2º e 5º a 11 deste artigo não se aplica às hipóteses previstas

no § 12 deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)§ 14. A Secretaria da Receita Federal - SRF disciplinará o disposto neste artigo,

inclusive quanto à fixação de critérios de prioridade para apreciação de processos de restituição, de ressarcimento e de compensação. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)”

Enfatizo que, mesmo na vigência da Lei nº 10.637/2002, é impres-cindível a declaração de compensação, por meio de procedimento admi-nistrativo adequado (DCOMP). A mera informação na DCTF, portanto, não equivale à Declaração de Compensação, devendo o contribuinte submeter-se ao crivo da Secretaria da Receita Federal. A principal dife-rença em relação ao regime da Lei nº 8.383/91, porém, diz respeito aos efeitos da compensação. Caso não seja homologada a compensação e o contribuinte não manifeste inconformidade, a Receita pode inscrever em dívida ativa o que foi declarado e cobrar o débito, sem prévio lançamento, pois a declaração de compensação constitui confissão de dívida. Além disso, o § 12 do art. 74 enumera várias situações em que a compensação será considerada não declarada, ou seja, sequer haverá decisão posterior não homologatória; o fisco simplesmente vai ignorar a declaração. Insta

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mencionar que o art. 170-A do CTN também é aplicável à compensação prevista na Lei nº 9.430/96, permitindo-se ao contribuinte valer-se de seus créditos depois do trânsito em julgado da sentença.

A Lei nº 9.430/96 não derrogou o art. 66 da Lei nº 8.383/91, no que se refere aos tributos e contribuições administrados pela Receita Federal. O contribuinte pode escolher o regime que lhe convier, pois, inexistindo antagonismo entre ambos, sua coexistência é admissível. O que é abso-lutamente vedado é mesclar elementos dos dois. O provimento judicial, portanto, limita-se a declarar o direito do contribuinte a realizar a com-pensação, seja nos moldes da Lei nº 8.383/91, seja de acordo com a Lei nº 9.430/96, sem que isso implique antecipação ou substituição do juízo administrativo. Obviamente que, optando o contribuinte pelo regime da Lei nº 8.383/91, deve compensar o crédito com prestações vincendas de tributo da mesma espécie e destinação constitucional, a partir do trânsito em julgado. Se escolher pelo sistema da Lei nº 9.430/96, pode compensar com qualquer tributo ou contribuição arrecadado pela Receita Federal, porém deve apresentar declaração na via administrativa e submeter-se às regras postas na Lei, inclusive a que proíbe a utilização do crédito antes do trânsito em julgado da sentença.

A sentença, na hipótese vertente, declarou o direito das autoras à compensação na forma da Lei nº 9.430/96, com as alterações posteriores. Contudo, ficou silente quanto à aplicação do art. 170-A do CTN, pelo que merece ressalva neste ponto.

Correção monetáriaProsseguindo, anoto que os valores deverão ser corrigidos moneta-

riamente desde a data do pagamento indevido – por aplicação do enten-dimento assentado pela Súmula nº 162 do STJ – com incidência da taxa SELIC, índice aplicável a partir de 01.01.96, excluindo-se qualquer outro indicador de correção monetária ou juros de mora (art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95). No particular, aponto, ainda, que, a partir do advento da Lei nº 9.250/95, legalmente estabelecida a atualização dos valores compensados segundo a sistemática do artigo 66 da Lei nº 8.383/91 observará a forma do citado artigo 39, § 4º.

Honorários advocatícios Como se vê, as autoras pleiteiam neste feito o reconhecimento da

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inexigibilidade do PIS e da COFINS com base no art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98, o que foi efetivamente reconhecido na sentença, ainda que tenha limitado o direito das demandantes a compensar somente os valores recolhidos indevidamente no período de 01.02.99 a 31.03.2003.

No caso, portanto, embora as autoras não tenham obtido êxito integral da sua pretensão, tenho que decaíram em parte mínima do pedido, moti-vo pelo qual a ré deve arcar integralmente com o ônus da sucumbência, merecendo reforma a sentença neste ponto.

Em assim sendo, e considerando ainda que o feito trata de compensa-ção de indébito, em que não há condenação, a União Federal deve arcar com o ressarcimento das custas processuais adiantadas pelas autoras e com o pagamento dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa (valor da causa = R$10.000,00), em atendimento ao art. 21, parágrafo único, c/c § 4º do art. 20, ambos do CPC, bem como por ser este o entendimento já pacificado nesta Turma aos casos como o da espécie.

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação da União Federal e dar provimento à apelação das autoras para arbitrar o ônus sucumbencial na forma da fundamentação.

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ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

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INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE NO AINº 2003.04.01.038921-1/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Relator p/acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde

Agravante: Dilnei Silveira SeveroAdvogados: Drs. Glauto Lisboa Melo Junior e outros

Agravada: União Advogado: Dr. Luís Henrique Martins dos Anjos

EMENTA

Incidente de inconstitucionalidade. Código de Trânsito Brasileiro (§ 2º do art. 262 e § único do art. 271). Liberação de veículo condi-cionada ao pagamento de multa – impropriedade. Afronta ao direito de propriedade.

1. É inconstitucional o ditamento legal que condiciona a liberação de veículo apreendido em decorrência de infração de trânsito ao pagamento de penalidade pecuniária, por afronta ao direito de propriedade.

2. A restrição ao direito de propriedade existente no condicionamento, conforme disposto, foge aos princípios norteadores do Código de Trânsito Brasileiro, quais sejam da segurança no trânsito, incolumidade física da pessoa e inviolabilidade do direito à vida.

3. Proclamação de inconstitucionalidade abstraindo dos dispositivos indicados o trecho “despesas com remoção e estada, além de outros

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encargos previstos na legislação específica”.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, por maioria, vencidos em parte o Relator e os Desembargadores Federais Silvia Goraieb, Vilson Darós, Maria Lúcia Luz Leiria e Maria de Fátima Freitas Labarrère, acolher a argüição de inconstitucionalidade das expressões contidas no parágrafo 2º do artigo 262 e do parágrafo único do artigo 271 do Código de Trânsito Brasileiro, “multas, impostos, taxas”, nos termos do relatório, voto médio e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Rejeitaram a argüição os Desembargadores Federais Nylson Paim de Abreu, Marga Barth Tessler, Élcio Pinheiro de Castro, Surreaux Chagas e Dirceu de Almeida Soares.

Porto Alegre, 29 de setembro de 2005.Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator p/acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Trata-se de Incidente de Inconstitucionalidade suscitado perante a 3ª Turma desta Corte, no AI nº 2002.04.01.018302-1/RS, no qual se vis-lumbrou a inconstitucionalidade da restrição ao direito de propriedade concretizada pelo § 2º do art. 262 e pelo § único do art. 271, ambos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), por violar a garantia insculpida no art. 5º, XXII, da CF.

Em seu parecer, o Ministério Público Federal (MPF) opinou pela procedência do incidente de inconstitucionalidade. (fls. 95/98)

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: A questão central que ora se apresenta é saber se, segundo as normas do CTB, pode a Administração reter o veículo de uma pessoa indefini-damente, até que o particular quite as multas e taxas impostas, sem que isto importe em grave violação ao texto constitucional.

Com efeito, trata-se de analisar a constitucionalidade da restrição ao

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direito de propriedade concretizada pelo § 2º do art. 262 e pelo § único do art. 271 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Eis a redação dos citados dispositivos (para facilitar a compreensão, transcrevo também os dispositivos legais relacionados diretamente aos já citados):

“Art. 262. O veículo apreendido em decorrência de penalidade aplicada será re-colhido ao depósito e nele permanecerá sob custódia e responsabilidade do órgão ou entidade apreendedora, com ônus para o seu proprietário, pelo prazo de até trinta dias, conforme critério a ser estabelecido pelo CONTRAN.

(...)§ 2º. A restituição dos veículos apreendidos só ocorrerá mediante o prévio paga-

mento das multas impostas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica.

§ 3º. A retirada dos veículos apreendidos é condicionada, ainda, ao reparo de qualquer componente ou equipamento obrigatório que não esteja em perfeito estado de funcionamento.

(...)Art. 271. O veículo será removido, nos casos previstos neste Código, para o depósito

fixado pelo órgão ou entidade competente, com circunscrição sobre a via.Parágrafo único. A restituição dos veículos removidos só ocorrerá mediante o pa-

gamento das multas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica.” (grifei)

Como se nota, os dispositivos legais cuja constitucionalidade é questionada têm redação praticamente idêntica. Nestes, permite-se que o Poder Público retenha o veículo de um particular por prazo in-determinado até que este pague “as multas impostas, taxas e despesas com remoção e estada”.

Constata-se, pois, nesses dispositivos legais uma severa limitação ao direito constitucional de propriedade. (CF, art. 5º, XXII)

Sabendo-se que o direito fundamental de propriedade não é absoluto (STF: RE 14263, ADIMC 2213/DF, MS 23452/RJ), estando, portanto, o seu conteúdo sujeito a limitações impostas pelo legislador (RE 246243/MG; RE 308399/MG), dado que o art. 5º, XXII, da CF não encerra um conceito constitucional de propriedade (RE 246243/MG; RE 308399/MG), há que se analisar a constitucionalidade da medida legislativa adotada para tal restrição.

Ou seja, se a limitação imposta pelo legislador ao direito fundamen-tal de propriedade está amparada em um valor também consagrado

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constitucionalmente (ou no mínimo juridicamente relevante) que jus-tifique a medida adotada. E isto se deve fundamentalmente ao fato de que o legislador não possui uma liberdade absoluta na sua atividade legiferante (RE 266994/SP; RE 415015/RS), porquanto esta é limitada por parâmetros existentes no próprio texto constitucional. (MS 23452/RJ; RE 374981/RS)

A respeito, leciona Bernard Schwartz, in Commentary on the Cons-titution of the United States – The Rights of Property, the Macmillan Company, New York, 1965, p. 2/3, verbis:

“The Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in the nation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two centuries of existence.

To regard the Constitution solely as a grant of governmental authority is, never-theless, to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitation upon such authority. As already emphasized in section 1, the American conception of a constitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter from which government derives the powers which enable it to function effectively. Instead, with us, the organic document is one under which governmental powers are both conferred and circumscribed.

The Constitution is thus more than a framework of government; it establishes and guarantees rights which it places beyond political abridgment. In this country, written constitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people against the encroachments of governmental power.”

Assim, novamente voltamos à necessidade de se analisar se a limitação imposta ao direito de propriedade é justificável, isto é, se se encontram presentes razões constitucionalmente relevantes que justifiquem a limi-tação imposta ao direito de propriedade dos proprietários de automóvel pelas mencionadas normas do CTB.

Por isso, com o objetivo de descobrir a finalidade ou a justificativa em que se ampara esta restrição ao direito fundamental de propriedade, convém observar alguns outros dispositivos do CTB, verbis:

“Art. 1º...§ 2º. O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e

entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.

(...)§ 5º. Os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito

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darão prioridade em suas ações à defesa da vida, nela incluída a preservação da saúde e do meio ambiente.

Art. 6º. São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito:I - estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à segurança,

à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o trânsito, e fiscalizar seu cumprimento;

Art. 20. Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas federais:

(...)II - realizar o patrulhamento ostensivo, executando operações relacionadas com a

segurança pública, com o objetivo de preservar a ordem, incolumidade das pessoas, o patrimônio da União e o de terceiros;

(...)Art. 269...§ 1º. A ordem, o consentimento, a fiscalização, as medidas administrativas e

coercitivas adotadas pelas autoridades de trânsito e seus agentes terão por objetivo prioritário a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa.” (grifei)

Como se vê, “as medidas administrativas e coercitivas adotadas pelas autoridades de trânsito e seus agentes terão por objetivo prioritário a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa” (§ 1º do artigo 269). Pode-se dizer, também com amparo na lei (§ 2º art. 1), que a tentativa de consecução desses objetivos por meio da restrição ao direito de pro-priedade tem como resultado “O trânsito, em condições seguras”.

A “proteção à vida” (dentro da qual se insere a “incolumidade física da pessoa”), a “segurança” e mais especificamente “a segurança no trânsito” são valores igualmente importantes – assim como o direito de propriedade –, possuindo também, todos eles, status constitucional. “A inviolabilidade do direito à vida” e a “segurança” têm igualmente status de direito fundamental, pois estão previstos no caput do art. 5º da CF, que integra o Capítulo I da CF, do Título II, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Estabelecer e implantar política de educação para “a segurança no trânsito” é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, segundo o artigo 23, inciso XII, da CF.

Por isso, é com base nessas finalidades consagradas constitucional-mente – “segurança” (“no trânsito”) e “proteção à vida” (“incolumidade física da pessoa”) – que se devem analisar as limitações feitas no CTB, no § 2º do art. 262 e no § único do art. 271, ao direito de propriedade

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dos proprietários de veículos automotores.Desse modo, é à luz desses valores constitucionais que se deve anali-

sar a constitucionalidade da limitação imposta ao direito fundamental de propriedade nos dispositivos legais atacados. Assim, cabe transcrevê-los novamente:

“Art. 262 (...)§ 2º. A restituição dos veículos apreendidos só ocorrerá mediante o prévio paga-

mento das multas impostas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica.

(...)Art. 271 (...)Parágrafo único. A restituição dos veículos removidos só ocorrerá mediante o pa-

gamento das multas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica.” (grifei)

Infelizmente, nestes dispositivos não se vê qualquer preocupação com a “segurança no trânsito” ou com “incolumidade física da pessoa”, seja a da pessoa do motorista, seja do passageiro ou dos pedestres. Aqui, a finalidade da restrição legislativa ao direito de propriedade é coagir o proprietário do veículo a quitar os impostos devidos. Ou seja, o objetivo é meramente fiscal, visa a garantir a arrecadação de impostos. Lendo-se a CF perceber-se-á que tal “valor” – garantir a arrecadação fiscal (ou a quitação dos impostos) – não foi constitucionalmente consagrado, isto é, não é um objetivo constitucionalmente previsto ou juridicamente relevante, que justifique a restrição severa ao direito fundamental de propriedade dos proprietários de veículos automotores. Ora, para a Fa-zenda Pública obter o pagamento de impostos, ela dispõe de meio jurí-dico próprio e especial – o processo executivo fiscal –, o qual, inclusive, lhe garante uma série de benefícios não concedidos aos particulares à execução de seus créditos.

Repelindo idêntica ratio juris, o próprio STF, por meio da Súmula 323, já asseverou, verbis: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.”

De modo similar, anteriormente a Suprema Corte já havia assentado na Súmula nº 70, verbis: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.”

A respeito, impõe-se recordar a velha, mas sempre nova lição de John

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Randolph Tucker, em seu clássico comentário à Constituição norte--americana, verbis:

“All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are ‘irritum et insane’ - null and void. Government, therefore, has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. It cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits.” (The Constitution of the United States, Callaghan & Co., Chicago, 1899, p. 66/7, § 54)

Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis:“The Constitution, again, is founded on compromise, and the most perfect and abso-

lute good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution.” (The Works of Daniel Webster, Little, Brown and Company, Boston, 1853, v. I, p. 331)

Por conseguinte, vislumbro a inconstitucionalidade do § 2º do art. 262 e do § único do art. 271, ambos do CTB, eis que a restrição ao direito de propriedade ali imposta não encontra suporte em qualquer outro valor constitucionalmente consagrado, configurando-se, portanto, violação ao direito fundamental de propriedade. (ofensa ao art. 5º, XXII, da CF)

Com efeito, essa é a melhor exegese dos artigos Constitucionais in-vocados, a que melhor atende à sua finalidade e ao próprio espírito da Constituição, o que não deve ser desprezado pelo intérprete. Scire leges non est verba earum tenere, sed vim ac potestatem (CELSO, Dig. 1, 3, 7). Nesse sentido, ademais, a distinção no direito constitucional ameri-cano entre a interpretação em sentido estrito e a construction, na lição de Thomas Cooley, verbis:

“Construction, on the other hand, is the drawing of conclusions, respecting subjects that lie beyond the direct expressions of the text, from elements known from and given in the text; conclusions which are in the spirit, though not within the letter of the text. (A Treatise on the Constitutional Limitations, 7. ed., p. 70)

Da mesma forma, o ensinamento de William Blackstone, verbis: “(...) the most universal and effectual way of discovering the true meaning of a

law, when the words are dubious, is by considering the reason and spirit of it; (...)” (Commentaries on the Laws of England, J. B. Lippincott Company, Philadelphia, 1896, v. 1, p. 60, nº 5)

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Por esses motivos, julgo procedente o presente incidente de incons-titucionalidade, declarando a inconstitucionalidade do § 2º do art. 262 e do § único do art. 271 do CTB, por violar o art. 5º, XXII, da CF.

É o meu voto.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Peço vênia para divergir parcialmente da proposição feita pelo eminente Relator. Confiro.

Não se está a questionar a legalidade, ou não, da apreensão. Se o veículo não tiver licença, há de ser apreendido, e somente será liberado quando estiver devidamente licenciado. Outra situação, e aqui reside a minha anuência ao r. voto do eminente colega Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, está no fato de a liberação do veículo apreendido, in casu, em decorrência de infração dos artigos 230 e 232 do Código de Trânsito Brasileiro, estar condicionada ao pagamento da penalidade pecuniária. Aqui, bem abordado, com inteira propriedade o descabimento da prestação exigida, o que agride inclusive posiciona-mento sumular do egrégio Supremo Tribunal Federal. (Súmula 323: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos)

Há, no entanto, certas despesas geradas pelo próprio fato da apreensão em decorrência do cometimento da infração pelo motorista e/ou proprie-tário, que justificam a exigência de contraprestação para fins de liberação do bem, como remoção e estada do veículo. De aí, nesse aspecto não há qualquer inconstitucionalidade a ser declarada, certo que a exigência que a Administração faz se dá estritamente para ressarcimento de valores despendidos em decorrência de ato ilícito do administrado.

Nessas condições, acompanho o eminente Relator em parte, abs-traindo da pronúncia de proclamação de inconstitucionalidade o trecho “despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica”, constante do parágrafo 2º do artigo 262 e do parágrafo único do artigo 271, ambos do Código de Trânsito Brasileiro. (Lei nº 9.503/97)

É como voto.

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SÚMULAS

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 553-562, 2006 555

SÚMULA Nº 1“É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo

10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.” (DJ 02.10.91, p.24184)

SÚMULA Nº 2“Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime

precedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários-de-contri-buição, anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN.” (DJ 13.01.92, p.241)

SÚMULA Nº 3“Os juros de mora, impostos a partir da citação, incidem também sobre a soma das

prestações previdenciárias vencidas.” (DJ 24.02.92, p.3665)

SÚMULA Nº 4“É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.”

(DJ 22.04.92, p.989)

SÚMULA Nº 5“A correção monetária incidente até a data do ajuizamento deve integrar o valor da

causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12081)

SÚMULA Nº 6“A autoridade administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81

- SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.” (DJ 20.05.92, p.13384)

SÚMULA Nº 7“É inconstitucional o art. 8° da Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ

20.05.92, p.13384)

SÚMULA Nº 8“Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações

contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal.” (DJ 20.05.92, p.13385)

SÚMULA Nº 9“Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa,

a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previden-ciário, face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p.35897)

SÚMULA Nº 10“A impenhorabilidade da Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seu

advento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p.18986)

SÚMULA Nº 11

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“O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que os títulos da dívida agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipadamente.” (DJ 20.05.93, p.18986) (Rep. DJ 14.06.93, p.22907)

SÚMULA Nº 12“Na execução fiscal, quando a ciência da penhora for pessoal, o prazo para a

oposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao da intimação deste.” (DJ 20.05.93, p.18986)

SÚMULA Nº 13“É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gaso-

lina e álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93, p.18987)

SÚMULA Nº 14 (*)“É constitucional o inciso I do artigo 3° da Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93,

p.18987) (DJ 31.08.94, p.47563 (*)CANCELADA)

SÚMULA Nº 15“O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lei

n° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência e não ao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p.43516)

SÚMULA Nº 16“A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame

da fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso.” (DJ 29.10.93, p.46086)

SÚMULA Nº 17 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28% relativo

à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p.52558) (DJ 19.06.95, p. 38484 (*)REVISADA)

SÚMULA Nº 18“O depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário

somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da sentença.” (DJ 02.12.93, p.52558)

SÚMULA Nº 19“É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no que

respeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93, p.55316)

SÚMULA Nº 20“O art. 8°, parágrafo 1°, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais,

quando demandado na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p.55316)

SÚMULA Nº 21

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“É constitucional a Contribuição Social criada pelo art. 1° da Lei Complementar n° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p.55316)

SÚMULA Nº 22“É inconstitucional a cobrança da taxa ou do emolumento para licenciamento de

importação, de que trata o art. 10 da Lei 2.145/53, com a redação da Lei 7.690/88 e da Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p.20933)

SÚMULA Nº 23“É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo de

energia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência da Constituição Federal de 1988.” (DJ 05.05.94, p.20933)

SÚMULA Nº 24“São auto-aplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 da Constituição Federal de

1988.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 25“É cabível apelação da sentença que julga liquidação por cálculo, e agravo de

instrumento da decisão que, no curso da execução, aprecia atualização da conta.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 26“O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tem por

base o salário mínimo de NCz$120,00 (art. 1° da Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 27“A prescrição não pode ser acolhida no curso do processo de execução, salvo se su-

perveniente à sentença proferida no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 28“São inconstitucionais as alterações introduzidas no Programa de Integração Social

(PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 29“Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula em

curso superior.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 30“A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao ser-

vidor o saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p.30113)

SÚMULA Nº 31“Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir do

trânsito da sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p.32675)

SÚMULA Nº 32 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativo

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à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p.38484 (*)REVISÃO DA SÚMULA 17)

SÚMULA Nº 33“A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do Decreto-

-Lei n° 2.288/86) independe da apresentação das notas fiscais.” (DJ 08.09.95, p.58814)

SÚMULA Nº 34“Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.”

(DJ 22.12.95, p.89171)

SÚMULA Nº 35“Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federais

com base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p.744)

SÚMULA Nº 36“Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base na

variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p.744)

SÚMULA Nº 37“Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relati-

vos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96, p.15388)

SÚMULA Nº 38“São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de perda do objeto por causa

superveniente ao ajuizamento da ação.” (DJ 15.07.96, p.48558)

SÚMULA Nº 39“Aplica-se o índice de variação do salário da categoria profissional do mutuário

para o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES, vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 40“Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário-de-contribuição

e o salário-de-benefício para o cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 41“É incabível o seqüestro de valores ou bloqueio das contas bancárias do INSS para

garantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 42 (*)“A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas do oficial de

justiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeridas.” (DJ 16.04.97, p.24642-43) (DJ 19.05.97, p.34755 (*)REVISÃO)

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 553-562, 2006 559

SÚMULA Nº 43“As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazo

prescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 44“É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos admi-

nistradores, autônomos e avulsos, prevista nas Leis nos 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 45“Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensação

de tributos.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 46“É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização do

devedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 da Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98, p.330) (Rep. DJ 11.02.98, p.725)

SÚMULA Nº 47“Na correção monetária dos salários-de-contribuição integrantes do cálculo da renda

mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agosto de 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 48“O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, da Lei n° 8178/91 está incluído no

índice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de se-tembro de 1991.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 49“O critério de cálculo da aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 da

Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 50“Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20

salários mínimos após a entrada em vigor da Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 51“Não se aplicam os critérios da Súmula n° 260 do extinto Tribunal Federal de

Recursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição Federal de 1988.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 52 (*)“São devidos juros de mora na atualização da conta objeto de precatório comple-

mentar.” (DJ 07.04.98, p.382) (DJ 07.10.2003, p.202 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 53“A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetária

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do débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p.382)

SÚMULA Nº 54“Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitam

à incidência do imposto de renda.” (DJ 22.04.98, p.386)

SÚMULA Nº 55“É constitucional a exigência de depósito prévio da multa para a interposição de

recurso administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 da Lei n° 8.212/91 - com a redação dada pela Lei n° 8.870/94 - e pelo art. 636, § 1°, da CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584)

SÚMULA Nº 56“Somente a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva nas ações que

objetivam a correção monetária das contas vinculadas do FGTS.” (DJ 03.11.98, p.298)

SÚMULA Nº 57“As ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS

sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p.298)

SÚMULA Nº 58“A execução fiscal contra a Fazenda Pública rege-se pelo procedimento previsto

no art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p.518)

SÚMULA Nº 59“A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários,

passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519)

SÚMULA Nº 60“Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido

estrito.” (DJ 29.04.99, p.339)

SÚMULA Nº 61 (*)“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja

postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo caso de delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p.290) (DJ 07.07.2004, p.240 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 62 (*)“Nas demandas que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetária

sobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas não movimentadas.” (DJ 23.02.2000, p.578) (DJ 08.10.2004, p.586 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 63“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias

versando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p.657)

SÚMULA Nº 64“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmo

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para o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ 07.03.2001, p.619)

SÚMULA Nº 65“A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previ-

denciárias não constitui prisão por dívida.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 66“A anistia prevista no art. 11 da Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos,

não aproveitando aos administradores de empresas privadas.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 67“A prova da materialidade nos crimes de omissão no recolhimento de contribui-

ções previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 68“A prova de dificuldades financeiras, e conseqüente inexigibilidade de outra con-

duta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 69“A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização

da conduta prevista no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 70“São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo de

ação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p.459)

SÚMULA Nº 71“Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação

nas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não levantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p.586)

SÚMULA Nº 72“É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 73“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade

rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 74“Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge

21 anos, ainda que estudante de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 75“Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano,

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a contar da citação.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 76“Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente

sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 77“O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir

de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).” (DJ 08.02.2006, p.290)

SÚMULA Nº 78“A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal

concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.” (DJ 22.03.2006, p. 434)

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ÍNDICE NUMÉRICO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 563-566, 2006 565

DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL

2000.04.01.009297-3/RS. (AC) Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde.........................1272000.04.01.087504-9/PR. (AC) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ......1372000.72.00.006556-6/SC. (AC) Rel. Des. Federal Edgard Lippmann ........................................1642000.72.05.006066-7/SC. (AC) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ......1722001.71.07.003959-5/RS. (AC) Rel. Des. Federal Edgard Lippmann ........................................1842002.04.01.025232-8/RS. (AC) Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon .......................1922002.71.00.033038-4/RS. (AC) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ......2132003.71.02.000155-6/RS. (AC) Rel. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida ..............................2332005.04.01.015872-6/RS. (AC) Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva ..........................2442005.04.01.032610-6/PR. (AG) Rel. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida ..............................2612005.72.00.008340-2/SC. (AMS) Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon .......................266

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

2001.72.02.004671-5/SC. (ACR) Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose ..........................................2792003.70.00.047251-0/PR. (ACR) Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose ..........................................2902003.72.07.003058-0/SC. (ACR) Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado ...................3032005.04.01.023761-4/RS. (CC) Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde.........................3162005.72.04.009402-2/SC. (APN) Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado ...................3182006.04.00.020015-5/RS. (HC) Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro .............................3242006.04.00.025222-2/SC. (HC) Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro ..............................332

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

2000.70.01.014088-0/PR. (AC) Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle ................3432001.71.04.000705-1/RS. (AC) Rel. Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch ..................3522002.04.01.054849-7/PR. (AC) Rel. Des. Federal Celso Kipper ................................................3582002.71.00.055080-3/RS. (AC) Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus ........................3662003.70.01.014910-0/PR. (AMS) Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira ...........................3702004.71.04.009954-2/RS. (AC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona............................377

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

2003.04.01.023045-3/SC. (EDAGPT) Rel. Des. Federal Vilson Darós ................................................3952005.04.01.022177-1/SC. (MS) Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus ........................3992006.04.00.011269-2/RS. (AG) Rel. Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch ..................4142006.04.00.025303-2/RS. (CC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona............................416

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DIREITO TRIBUTÁRIO

2001.70.07.000055-0/PR. (AC) Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira..............4232003.71.00.073504-2/RS. (AMS) Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira..............4332004.70.02.005262-1/PR. (AC) Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik .......................................4472004.71.02.006294-0/RS. (AMS) Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares ...........................4542005.70.00.000405-4/PR. (AMS) Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares ...........................4872005.72.01.004063-1/SC. (AC) Rel. Des. Federal Vilson Darós ................................................5162005.72.12.000760-9/SC. (AC) Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik .......................................530

ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

2003.04.01.038921-1/RS. (INAG) Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde.........................545

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ÍNDICE ANALÍTICO

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 567-591, 2006 569

A

AÇÃO CIVIL PÚBLICAVide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

Vide RODOVIA FEDERAL

AÇÃO PENALAnulação – Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

ACORDO INTERNACIONALVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICADireito à saúde – Vide RODOVIA FEDERAL

ADVOGADOAto voluntário – Vide ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Contrato aleatório - Vide HONORÁRIOS

Honorários – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Honorários – Vide CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA

Honorários – Vide DANO MORAL

Honorários – Vide IMPOSTO DE RENDA

Honorários – Vide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

Honorários – Vide TEMPO DE SERVIÇO

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AGENTE POLÍTICOSegurado facultativo – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

AGRAVO DE INSTRUMENTOVide EXECUÇÃO JUDICIAL

ALÍQUOTA ZEROProduto industrializado – Vide IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIA-LIZADOS)

APOSENTADORIARegime estatutário – Vide TEMPO DE SERVIÇO

Tempo de contribuição – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Tratado internacional – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA POR IDADE Requerimento - Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇOSalário-base – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTALConstrução civil – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

Município – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

Reserva ecológica. Gestor. Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-sos Naturais). Implantação. Linha divisória. Necessidade. Dano ambiental. Atividade agropecuária. Irrigação. Lavoura.Desapropriação por utilidade pública. Obrigação de fazer. Prazo. Fixação. Multa diária.Proprietário. Arrendatário. Adequação. Utilização. Imóvel. Anterioridade. Desapro-priação.Ônus da sucumbência. União Federal. Inocorrência. Ação civil pública. Ministério Público Federal. Ilegitimidade passiva. União Federal.....................................................................244

ASSISTÊNCIA HOSPITALARExame médico – Vide IMPOSTO DE RENDA

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ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIAAdvogado. Ato voluntário. Enquadramento. Defensor dativo. Descabimento. Con-traprestação. Justiça Federal. Inexistência. Honorários. Sucumbência. Recebimento. Resolução. CJF (Conselho da Justiça Federal). Aplicação.Recurso judicial. Conversão. Agravo de instrumento. Impossibilidade. ...................414

ATIVIDADE AGROPECUÁRIADano ambiental – Vide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

ATIVIDADE RURALContribuição previdenciária – Vide TEMPO DE SERVIÇO

Prova – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Regime de economia familiar – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

ATIVIDADE URBANAPaís estrangeiro – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

AUTO DE INFRAÇÃONulidade – Vide IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS)

B

BASE DE CÁLCULOInconstitucionalidade – Vide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

BEM DE FAMÍLIAInterpretação restritiva – Vide SEQÜESTRO DE BENS

BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOAposentadoria. Tempo de contribuição. Tempo de serviço. Mandato eletivo. Reconhe-cimento. Impossibilidade. Contribuição previdenciária. Recolhimento. Necessidade. Prescrição. Inocorrência.Agente político. Segurado facultativo. Equiparação. Servidor público. Descabimento.....358

Aposentadoria por idade. Trabalhador rural. Requerimento. Via administrativa. Carta registrada. Aviso de recebimento. Possibilidade. Indeferimento. Comunicação verbal. Anterioridade. Irrelevância. INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Protocolo. Pedido. Cabimento. Ato admi-nistrativo. Ato de expediente. Previsão legal. Desnecessidade. Princípio da Eficiência. Principio da Razoabilidade. Observância.............................................370Aposentadoria por tempo de serviço. Aposentadoria proporcional. Preenchimento de

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requisito. Atividade rural. Regime de economia familiar. Reconhecimento. Via admi-nistrativa. Prova material. Prova testemunhal. Contagem. Período. Menor de catorze anos. Cabimento. Contribuição previdenciária. Recolhimento. Inexigibilidade. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Salário-de-benefício. Atividade. Representante comercial. Simultaneidade. Sócio--gerente. Soma. Salário-de-contribuição. Descabimento. Contribuição. Recolhimento. Qualidade. Trabalhador autônomo. Reconhecimento. Possibilidade.Correção monetária. Juros de mora.Honorários. Advogado. Compensação.Isenção de custas.....................................................................................................377

Aposentadoria por tempo de serviço. Atividade urbana. País estrangeiro. Reconheci-mento. Impossibilidade.Acordo internacional. Ajuste. Complementação. Ratificação. Congresso nacional. Inocorrência.Tratado internacional. Previsão. Aposentadoria. Inexistência......................................366

Vide EXECUÇÃO JUDICIAL

BOA-FÉVide PERDIMENTO DE BENS

C

CARTA REGISTRADAAposentadoria por idade – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

CDC (CÓDIGO DE DEFESA E PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR)SFH (Sistema Financeiro da Habitação) – Vide DANO MATERIAL

CEF (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL)Responsabilidade solidária – Vide DANO MATERIAL

CERTIDÃOTrabalhador rural – Vide TEMPO DE SERVIÇOCERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVAPresunção de liquidez e certeza – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

COFINS (CONTRIBUIÇÃO PARA FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL)Cooperativa – Vide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO

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Mandado de segurança – Vide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

Princípio da Não-Cumulatividade - Vide IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS IN-DUSTRIALIZADOS)

Vide IMPOSTO DE RENDA

COMPETÊNCIA JURISDICIONALJuizado Especial Cível – Vide CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA

Juízo criminal – Vide CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA

Justiça Estadual. Poluição. Área de proteção ambiental. Município. Empresa. Explo-ração mineral. Autorização. Regularidade. Bens. Interesse. União Federal. Violação. Inocorrência.Exploração mineral. Fiscalização. Órgão público. Administração Pública Federal. Irrelevância.Habeas corpus. Concessão......................................................................................332

Justiça Federal. Manutenção. Prolação de sentença. Juiz federal. Anterioridade. Vigên-cia. Emenda Constitucional. Modificação. Competência. Justiça do Trabalho.Embargos de declaração. Efeito infringente. Possibilidade. Preenchimento de requisito. Omissão.Honorários. Advogado. Processo trabalhista. Descabimento.......................................395

COMPOSIÇÃO DA BANCA EXAMINADORA Princípio da Publicidade - Vide OAB (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL)

COMUNIDADE INDÍGENAMeio de comunicação - Vide RACISMO

CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICOObrigação de fazer – Vide RODOVIA FEDERAL

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIACompetência jurisdicional. Juízo criminal. Manutenção. Mandado de segurança. Anulação. Cassação. Porte de arma. Desbloqueio de bens. Apreensão. Procedimento administrativo..........................................................................................................316

Competência jurisdicional. Justiça Federal. Juizado Especial Cível. INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Execução. Honorários. Advogado..............................416CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERALResolução – Vide ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 62, p. 567-591, 2006574

CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIOLançamento definitivo – Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

CONSTRUÇÃO CIVILÁrea de proteção ambiental – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

Defeito – Vide DANO MATERIAL

CONTRATO DE RISCOVide HONORÁRIOS

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIAAgente político – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Atividade rural – Vide TEMPO DE SERVIÇO

CONTRIBUIÇÃO SOCIALSesc (Serviço Social do Comércio). Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio). Estabelecimento de ensino. Exigibilidade. Sociedade civil. Fim lucrativo. Prestação de serviço. Caracterização.Contribuição. Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Exigibilidade. Supremo Tribunal Federal. Entendimento. Caracterização. Intervenção no domínio econômico. INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Empresa urbana. Inexigibilidade. Certidão da dívida ativa. Comprovação. Irregularidade. Obrigação ilíquida. Inocorrên-cia. Presunção de liquidez e certeza. Responsável tributário. Empresa. Sucessor. Decadência. Parcela. Tributo.Taxa de juros. Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia). Aplicação.....516

CONTROLE JUDICIALAto discricionário – Vide RODOVIA FEDERAL

COOPERATIVACofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) – Vide PIS (PRO-GRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

CORREÇÃO MONETÁRIASelic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia) – Vide IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS)

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Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Vide DANO MATERIAL

Vide IMPOSTO DE RENDA

Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIAMaterialidade. Inexistência. Requisito. Decisão definitiva. Processo administrativo--fiscal. Constituição do crédito tributário. Lançamento definitivo. Necessidade.Denúncia. Recebimento. Descabimento. Condição de procedibilidade. Inocorrência. Ação penal. Anulação.............................................................................................324

CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTEConstrução civil. Reforma. Residência. Terreno de Marinha. Área de proteção ambiental. Autorização. Autoridade competente. Inexistência.Dolo. Comprovação. Obra civil. Continuidade. Notificação. Autoridade administrativa. Anterioridade. Invasão de propriedade. União Federal. Atipicidade. Substituição da pena. Pena privativa de liberdade. Prestação de serviços à comunidade. Destruição. Residência.Prescrição da pretensão punitiva............................................................................303

CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIROVide SEQÜESTRO DE BENS

CSLL (CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO)Redução de alíquota - Vide IMPOSTO DE RENDA

CUMPRIMENTO DA PENAJuizado Especial Criminal – Vide PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADECUSTASDevolução – Vide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

Obrigação solidária – Vide DANO MATERIAL

Pagamento – Vide SEQÜESTRO DE BENS

D

DANO AMBIENTAL

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Irrigação – Vide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

DANO ESTÉTICOVide DANO MATERIAL

DANO MATERIALCabimento. Indenização. Evento futuro. Impossibilidade. Dano moral. Dano estético. Princípio da Razoabilidade. Aplicação.Doença. Decorrência. Cirurgia. Nexo de causalidade. Prestação de serviço. Compro-vação.Hospital público. Responsabilidade contratual. Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço. Internação. Pagamento. Relação de consumo. Caracterização. CDC (Código de Defesa e Proteção ao Consumidor). Correção monetária. Juros de mora.........................................................................127

Dano moral. Indenização. Referência. Salário mínimo. Pensão por morte. Valor. Ma-nutenção.Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais). Respon-sabilidade. Culpa. Morte. Marido. Filho. Autor. Acidente. Local aberto ao público. Inadequação. Flora.Prescrição. Interrupção de prazo. Ajuizamento. Medida cautelar. Antecipação. Prova.....164

Indenização. Responsabilidade objetiva. Responsabilidade solidária. Seguradora. CEF (Caixa Econômica Federal). Construção civil. Defeito. Negligência. Fiscalização Desmoronamento. Imóvel.SFH (Sistema Financeiro da Habitação). Mútuo. Aquisição. Casa própria. Cláusula abusiva. Nulidade. Ex officio. Possibilidade. CDC (Código de Defesa e Proteção ao Consumidor). Aplicação.Dano moral. Arbitramento. Princípio da Razoabilidade.Prescrição. Inocorrência. Contagem de prazo. Data. Segurado. Conhecimento. Indefe-rimento. Cobertura de seguro. Interpretação restritiva.Ilegitimidade passiva. IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). Litisconsórcio passivo. Litisconsórcio necessário. Inocorrência.Custas. Obrigação solidária....................................................................................192DANO MORALIndenização – Vide DANO MATERIAL

Indenização. Tortura. Prisão. Ilegalidade. Período. Regime de exceção. Fato notório.

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Prova. Desnecessidade.União Federal. Responsabilidade objetiva. Teoria do risco administrativo. Aplicação.Honorários. Advogado............................................................................................137

Vide DANO MATERIAL

DECADÊNCIAVide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

DEPÓSITOProduto industrializado - Vide IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIA-LIZADOS)

DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICAVide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

DESBLOQUEIO DE BENSVide PERDIMENTO DE BENS

DESCAMINHOVide PERDIMENTO DE BENS

DEVIDO PROCESSO LEGALVide PERDIMENTO DE BENS

DIGNIDADEVide DIREITO À SAÚDE

DIREITO À SAÚDEAdministração Pública – Vide RODOVIA FEDERAL

Estrangeiro. Transplante. SUS (Sistema Único de Saúde). Possibilidade. Domicílio. Território nacional. Desnecessidade. Igualdade. Brasileiro. Princípio constitucional. Dignidade. Direitos humanos. Observância. ...................261

DIREITO À SEGURANÇAAdministração Pública - Vide RODOVIA FEDERALDIREITO À VIDAPrevalência. Liberdade de crença. Fornecimento de medicamento. Descabimento. Tratamento médico. Prova. Eficácia. Inexistência.Pais naturais. Representação legal. Filho menor. Direito à vida. Direito indisponível. Risco de vida. Transfusão de sangue. Exigibilidade. Liberdade de crença. Restrição.

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Princípio da Proporcionalidade. Aplicação.Legitimidade passiva. União FederalDenunciação da lide. Estado. Município. Descabimento. Responsabilidadesolidária..................................................................................................................233

DIREITOS HUMANOSEstrangeiro – Vide DIREITO À SAÚDE

E

EMBARGOS DE DECLARAÇÃOEfeito infringente – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

EMENDA CONSTITUCIONALJustiça do Trabalho – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

ERRO MATERIALVide EXECUÇÃO JUDICIAL

ESTRANGEIROTransplante – Vide DIREITO À SAÚDE

EXAME MÉDICOAssistência hospitalar - Vide IMPOSTO DE RENDA

EXECUÇÃO JUDICIALBenefício previdenciário. RMI (Renda Mensal Inicial). Cálculo. Reavaliação. Decor-rência. Erro material. Possibilidade. Coisa julgada. Violação. Inocorrência. Embargos à execução. Intempestividade. Irrelevância.Mandado de segurança. Descabimento. Agravo de instrumento. Adequação...........399

EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITOVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

F

FATO DO PRÍNCIPEVide HONORÁRIOSFATURAMENTOVide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

FOLHA DE SALÁRIOSVide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

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H

HIPOTECA LEGALVide SEQÜESTRO DE BENS

HONORÁRIOSAdvogado – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Advogado – Vide DANO MORAL

Advogado – Vide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

Advogado – Vide TEMPO DE SERVIÇO

Advogado. Banco. Contrato aleatório. Contrato de risco. Remuneração. Exclusivida-de. Parcela. Sucumbência. Possibilidade. Cessão de crédito. CEF (Caixa Econômica Federal). Irrelevância.Contrato. Extinção. Decorrência. Fato do príncipe. Mandato. Revogação tácita. Ino-corrência. Perdas e danos. Descabimento. Suspensão do processo. Descabimento. Ação judicial. Justiça Estadual. Irrelevância.Interesse de agir. Carência da ação. Inocorrência.....................................................213

Execução – Vide CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA

Mandado de segurança – Vide IMPOSTO DE RENDA

Processo trabalhista – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

Sucumbência – Vide ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

HOSPITAL PÚBLICORelação de consumo – Vide DANO MATERIAL

I

IBAMA (INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS)Culpa – Vide DANO MATERIAL

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Linha divisória – Vide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

IGUALDADEEstrangeiro – Vide DIREITO À SAÚDE

ILEGITIMIDADE PASSIVAIRB (Instituto de Resseguros do Brasil) – Vide DANO MATERIAL

União Federal – Vide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

IMÓVELBem divisível – Vide SEQÜESTRO DE BENS

IMPORTAÇÃO CLANDESTINAVide PERDIMENTO DE BENS

IMPOSTO DE RENDACSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Redução de alíquota. Prestação de serviço. Exame médico. Equiparação. Serviço hospitalar.Princípio do Não-Confisco. Princípio da Capacidade Contributiva. Princípio da Iso-nomia. Observância.Compensação de crédito tributário. Possibilidade. Requisito.Correção monetária. Juros. Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia). Apli-cação.Mandado de segurança. Honorários. Advogado. Descabimento..............................487

IMPRENSAVide RACISMO

INCITAÇÃO AO CRIMEHomicídio – Vide RACISMO

INCONSTITUCIONALIDADEBase de cálculo - Vide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

INDENIZAÇÃOTortura – Vide DANO MORALINPI (INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL)Litisconsórcio passivo – Vide PROPRIEDADE INDUSTRIAL

INSS (INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL)Execução – Vide CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA

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INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICOSebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) – Vide CONTRI-BUIÇÃO SOCIAL

INVASÃO DE PROPRIEDADEAtipicidade – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

INVENÇÃORegistro – Vide PROPRIEDADE INDUSTRIAL

INVIOLABILIDADE PARLAMENTARVereador – Vide RACISMO

IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS)Compensação de crédito tributário. Matéria-prima. Embalagem. Princípio da Não--Cumulatividade. Produto industrializado. Alíquota zero. Correção monetária. Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia). Aplicação.Prescrição qüinqüenal. Deferimento parcial.Produto agrícola. Atividade industrial. Inexistência. Tributação. Inocorrência. Crédito tributário. Impossibilidade......................................................................................433

Suspensão do crédito tributário. Remessa. Produto industrializado. Depósito. Sociedade coligada. Devolução. Posterioridade. Estabelecimento industrial. Erro. Preenchimento. Nota fiscal. Irrelevância.Fiscalização. Auto de infração. Nulidade.Autoridade administrativa. Vistoria. Necessidade. Prova. Depósito mercantil. Inocor-rência............................................................................................................423

ISENÇÃO DE CUSTASVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

ISENÇÃO TRIBUTÁRIAVide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

J

JORNADA DE TRABALHOIncompatibilidade – Vide PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

JUIZADO ESPECIAL CÍVELExecução – Vide CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA

JUIZADO ESPECIAL CRIMINALCumprimento da pena - Vide PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

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JUROSVide IMPOSTO DE RENDA

JUROS DE MORAVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Vide DANO MATERIAL

JUSTIÇA DO TRABALHOEmenda constitucional - Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

JUSTIÇA ESTADUALPoluição – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

L

LANÇAMENTO DEFINITIVOConstituição do crédito tributário - Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

LEGITIMIDADE ATIVAMinistério Público – Vide SEQÜESTRO DE BENS

LEGITIMIDADE PASSIVAUnião Federal - Vide DIREITO À VIDA

LIBERDADE DE CRENÇARestrição – Vide DIREITO À VIDA

LITISCONSÓRCIO PASSIVOINPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) - Vide PROPRIEDADE INDUS-TRIAL

M

MANDADO DE SEGURANÇACompensação de crédito tributário – Vide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL) MANDATO ELETIVOTempo de serviço – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

MENOR DE CATORZE ANOSAtividade rural – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

MINISTÉRIO PÚBLICO

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Fiscalização – Vide PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

Homologação – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Legitimidade ativa – Vide SEQÜESTRO DE BENS

MORTELocal aberto ao público - Vide DANO MATERIAL

MULTAVide SEQÜESTRO DE BENS

MULTA DIÁRIADesapropriação por utilidade pública – Vide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

MUNICÍPIOÁrea de proteção ambiental – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

N

NEXO DE CAUSALIDADEDoença – Vide DANO MATERIAL

NOTA FISCALErro – Vide IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS)

O

OAB (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL)Prova. Admissão. Anterioridade. Informação. Composição de banca examinadora. Inocorrência. Princípio da Publicidade. Inobservância.Impetrante. Prejuízo. Inexistência. Exercício. Direito. Impugnação. Decorrência. Im-pedimento. Suspeição. Possibilidade.Controle judicial. Ato administrativo. Possibilidade. Critério de avaliação. Princípio da Razoabilidade....................................................................................................266OBRA DE CONSERVAÇÃOVide RODOVIA FEDERAL

OBRIGAÇÃO DE FAZERConcessão de serviço público – Vide RODOVIA FEDERAL

P

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PAÍS ESTRANGEIROAtividade urbana – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

PATENTERegistro – Vide PROPRIEDADE INDUSTRIAL

PENSÃO POR MORTEManutenção – Vide DANO MATERIAL

PERDIMENTO DE BENSCaminhão. Transporte. Mercadoria. Importação clandestina. Descabimento.Descaminho. Participação. Proprietário. Veículo automotor. Comprovação. Inocorrên-cia. Desbloqueio de bens. Cabimento. Boa-fé. Caracterização.Devido processo legal. Necessidade.......................................................................447

PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social). Cooperativa. Inci-dência. Folha de salários. Simultaneidade. Faturamento. Receita bruta. Alteração. Definição. Constitucionalidade.Tomador de serviço. Retenção. Contribuição. Possibilidade. Obrigação acessória.Isenção tributária. Previsão legal. Necessidade. Lei complementar. Desnecessidade.Mandado de segurança. Compensação de crédito tributário. Reconhecimento. Cabi-mento.Prescrição decenal. Parcela. Fato gerador. Anterioridade. Homologação tácita. Crédito tributário. Possibilidade.Honorários. Advogado. Descabimento.Custas. União Federal. Devolução. Parcela. Sucumbência recíproca.....................454

Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social). Inexigibilidade. Base de cálculo. Receita bruta. Pessoa jurídica. Inconstitucionalidade. Compensação de crédito tributário. Possibilidade. Contribuinte. Opção. Modalidade.Restituição de tributo. Prescrição. Inocorrência. Honorários. Advogado............................................................................................530

POLUIÇÃOExploração mineral - Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

PORTE DE ARMAMandado de segurança - Vide CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA

POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDOVide RODOVIA FEDERAL

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PRESCRIÇÃOInterrupção de prazo – Vide DANO MATERIAL

PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVAVide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

PRESCRIÇÃO DECENALVide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

PRESCRIÇÃO QÜINQÜENALVide IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS)

PRESTAÇÃO DE SERVIÇONexo de causalidade - Vide DANO MATERIALPRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE Juizado Especial Criminal. Cabimento. Prática forense. Inexigibilidade. Atividade. Dificuldade. Inexistência.Cumprimento da pena. Empresa privada. Empresa pública. Administração Pública. Administração direta. Administração indireta. Possibilidade.Ônus da prova. Condenado. Incompatibilidade. Jornada de trabalho. Horário. Prestação de serviço.Ministério Público. Fiscalização. Cumprimento da pena. Necessidade..................318

Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVAVide IMPOSTO DE RENDA

PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIAVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

PRINCÍPIO DA ISONOMIAVide IMPOSTO DE RENDAPRINCÍPIO DA LEGALIDADEVide PROPRIEDADE INDUSTRIAL

PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADECompensação de crédito tributário - Vide IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS IN-DUSTRIALIZADOS)

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADEVide DIREITO À VIDA

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PRINCÍPIO DA PUBLICIDADEComposição da banca examinadora - Vide OAB (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL)

PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADEVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Vide DANO MATERIAL

Vide OAB (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL)

PRINCÍPIO DO NÃO-CONFISCOVide IMPOSTO DE RENDA

PRISÃOIlegalidade – Vide DANO MORAL

PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCALDecisão definitiva – Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

PRODUTO INDUSTRIALIZADOAlíquota zero – Vide IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS)

PROPRIEDADE INDUSTRIALInvenção. Registro. Patente. Nulidade. Princípio da Legalidade. Violação. Preenchi-mento de requisito. Inocorrência.Litisconsórcio passivo. Litisconsórcio necessário. INPI (Instituto Nacional de Proprie-dade Industrial). Empresa...........................................................................172

R

RACISMOMeio de comunicação. Vítima. Comunidade indígena. Atipicidade. Vereador. Crítica. Entrevista. Jornal. Dolo. Inexistência. Inviolabilidade parlamentar.Incitação ao crime. Homocídio. Atipicidade. Desenho. Publicação. Imprensa.......279

RECEITA BRUTAVide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

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REGIME DE ECONOMIA FAMILIARAtividade rural – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Tempo de serviço – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Trabalhador rural – Vide TEMPO DE SERVIÇO

REGIME DE EXCEÇÃOTortura – Vide DANO MORAL

REGIME ESTATUTÁRIOAposentadoria – Vide TEMPO DE SERVIÇO

REPARAÇÃO DE DANOSVide SEQÜESTRO DE BENSRESERVA ECOLÓGICAVide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

RESPONSABILIDADE CONTRATUALHospital público – Vide DANO MATERIAL

RESPONSABILIDADE OBJETIVACEF (Caixa Econômica Federal) - Vide DANO MATERIAL

União Federal - Vide DANO MORAL

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO OU SERVIÇOHospital público – Vide DANO MATERIAL

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIASeguradora – Vide DANO MATERIAL

Vide SEQÜESTRO DE BENSRESPONSÁVEL TRIBUTÁRIOSucessor – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

REVISÃO DE BENEFÍCIOAposentadoria por tempo de serviço. Critério. Enquadramento. Classe. Salário-base. Reconhecimento. Tempo de serviço. Atividade rural. Regime de economia familiar. Prova. Declaração escrita. Sindicato rural. Homologação. Ministério Público. Sufici-ência. Prova testemunhal. Desnecessidade.Recolhimento de tributo. Contribuição previdenciária. Inexigibilidade.Correção monetária. INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). IGP (Índice

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Geral de Preços).....................................................................................................343

RMI (RENDA MENSAL INICIAL)Reavaliação - Vide EXECUÇÃO JUDICIAL

RODOVIA FEDERALObra de conservação. Proteção. Usuário. Prevenção. Acidente. Exigibilidade. Ação civil pública. Tutela antecipada. Concessão de serviço público. Obrigação de fazer.Possibilidade jurídica do pedido. Controle judicial. Ato administrativo. Ato discricioná-rio. Possibilidade. Omissão. Administração Pública. Direito à saúde. Direito à segurança.Decisão extra petita. Perda do objeto. Inocorrência. Interesse de agir...................184

S

SALÁRIO-DE-BENEFÍCIOVide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

SEBRAE (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS)Estabelecimento de ensino – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

SEGURADO FACULTATIVOAgente político – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

SENAC (SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM DO COMÉRCIO)Estabelecimento de ensino – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIALSEQÜESTRO DE BENSImóvel. Bem móvel. Cabimento. Objetivo. Reparação de danos. Pagamento. Custas. Pena de multa. Crime contra o sistema financeiro. Prova. Materialidade. Indício. Autoria do crime. Diversidade. Réu. Responsabilidade solidária.Bem de família. Bem penhorável. Pagamento. Multa. Impossibilidade. Interpretação restritiva. Imóvel. Bem divisível. Levantamento. Hipoteca. Legitimidade ativa. Ministério Público. Medida cautelar. Interesse. Fazenda Pública.Hipoteca legal. Requerimento. Regularidade.Meação. Observância. Tutela antecipada. Descabimento............................................................................290

SERVIDOR PÚBLICO

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Aposentadoria – Vide TEMPO DE SERVIÇO

SESC (SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO)Estabelecimento de ensino – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)Desmoronamento – Vide DANO MATERIAL

SINDICATO RURAL Declaração escrita – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

SUBSTITUIÇÃO DA PENAVide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

SUCUMBÊNCIAHonorários – Vide ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Vide HONORÁRIOSSUCUMBÊNCIA RECÍPROCAVide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

SUSPENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIOVide IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS)

T

TAXA DE JUROSSelic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia) - Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

TEMPO DE CONTRIBUIÇÃOAposentadoria – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

TEMPO DE SERVIÇOCertidão. Prova. Trabalhador rural. Regime de economia familiar. Objetivo. Aposen-tadoria. Regime estatutário. Servidor público.Contribuição previdenciária. Recolhimento. Período. Atividade rural. Necessidade.Honorários. Advogado. Redução............................................................................352

Mandato eletivo – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Regime de economia familiar – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

TERRENO DE MARINHAConstrução civil – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

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TOMADOR DE SERVIÇOObrigação acessória – Vide PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)

TORTURARegime de exceção – Vide DANO MORAL

TRABALHADOR RURALAposentadoria por idade – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Regime de economia familiar – Vide TEMPO DE SERVIÇO

TRANSFUSÃO DE SANGUEExigibilidade – Vide DIREITO À VIDA

TRANSPLANTEEstrangeiro – Vide DIREITO À SAÚDE

TRATADO INTERNACIONALAposentadoria – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

TUTELA ANTECIPADAConcessão de serviço público – Vide RODOVIA FEDERAL

V

VEREADOREntrevista – Vide RACISMO

VISTORIAAutoridade administrativa – Vide IPI (IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIA-LIZADOS)

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ÍNDICE LEGISLATIVO

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ADCTArtigo 58 ..................................................................................................................399

Código Civil de 1916Artigo 178 ................................................................................................................192Artigo 879 ................................................................................................................213Artigo 966 ................................................................................................................516Artigo 1058 ..............................................................................................................213

Código Civil de 2002Artigo 966 ................................................................................................................516

Código de Processo CivilArtigo 20 ..................................................................................................................530Artigo 21 .......................................................................................................... 377/530Artigo 267 ................................................................................................................377Artigo 481 ................................................................................................................530Artigo 535 ................................................................................................................395

Código de Processo PenalArtigo 134 ................................................................................................................290Artigo 136 ................................................................................................................290Artigo 137 ................................................................................................................290Artigo 142 ................................................................................................................290Artigo 156 ................................................................................................................318

Código de Trânsito BrasileiroArtigo 262 ................................................................................................................545Artigo 271 ................................................................................................................545Código Penal

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Artigo 46 ..................................................................................................................318Artigo 109 ................................................................................................................303Artigo 110 ................................................................................................................303

Código Tributário NacionalArtigo 46 ..................................................................................................................433Artigo 97 ..................................................................................................................454Artigo 150 ........................................................................................................ 454/530Artigo 161 ................................................................................................................516Artigo 168 ........................................................................................................ 454/530Artigo 170 ................................................................................................................530Artigo 170-A .................................................................................................... 454/487Artigo 173 ................................................................................................................516Artigo 176 ................................................................................................................454Artigo 204 ................................................................................................................516 Consolidação das Leis do TrabalhoArtigo 577 ................................................................................................................516

Constituição Federal/88Artigo 5º ...................................................................................... 137/192/261/447/545Artigo 23 .......................................................................................................... 233/332Artigo 29 ..................................................................................................................279Artigo 37 ........................................................................................................................137/172/266/370 ............................................................................................................Artigo 109 ................................................................................................................332Artigo 150 ......................................................................................................................454..................................................................................................................................Artigo 153 ......................................................................................................................433..................................................................................................................................Artigo 195 ......................................................................................................................454..................................................................................................................................Artigo 196 ........................................................................................................ 233/487Artigo 197 ......................................................................................................................487..................................................................................................................................Artigo 201 ................................................................................................................352

Declaração Universal dos Direitos HumanosArtigo 5º ...................................................................................................................137Artigo 9º ...................................................................................................................137

Decreto nº 20.910/32 ..............................................................................................433

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Decreto nº 70.235/72Artigo 18 ..................................................................................................................423

Decreto nº 83.081/79 ..............................................................................................358Decreto nº 83.089/79 ..............................................................................................358

Decreto nº 89.312/84 ..............................................................................................358

Decreto nº 1.875/96 ................................................................................................366

Decreto nº 4.543/2002Artigo 617 ......................................................................................................................447..................................................................................................................................Decreto nº 4.544/2002Artigo 2º ...................................................................................................................433

Decreto Legislativo nº 75/95 .................................................................................366

Decreto-Lei nº 8.621/46Artigo 4º ..................................................................................................................516Artigo 5º ..................................................................................................................516

Decreto-Lei nº 9.853/46Artigo 3º .........................................................................................................................516..................................................................................................................................Decreto-Lei nº 73/66Artigo 21 ..................................................................................................................192

Decreto sem número de 5 de junho de 2003 .......................................................244

Emenda Constitucional nº 20/98 ..........................................................................454

Emenda Constitucional nº 45/2004 ......................................................................395

Instrução Normativa do SRF nº 539/2005Artigo 27 ..................................................................................................................487

Lei nº 1.533/51Artigo 5º ...................................................................................................................399

Lei nº 3.807/60 .......................................................................................................358 Lei nº 5.764/71Artigo 4º ...................................................................................................................454

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Artigo 22 ..................................................................................................................454Artigo 79 ..................................................................................................................454Artigo 87 ..................................................................................................................454Artigo 111 ................................................................................................................454Lei nº 6.830/80Artigo 2º ...................................................................................................................516Artigo 3º ...................................................................................................................516

Lei nº 6.902/81Artigo 7º ...................................................................................................................244

Lei nº 7.210/84Artigo 61 ..................................................................................................................318Artigo 67 ..................................................................................................................318Artigo 149 ................................................................................................................318

Lei nº 7.735/89 .......................................................................................................244 Lei nº 8.009/90Artigo 5º ...................................................................................................................290

Lei nº 8.078/90Artigo 2º ...................................................................................................................127Artigo 3º ........................................................................................................... 127/192Artigo 14 ..................................................................................................................127

Lei nº 8.137/90Artigo 1º ...................................................................................................................324

Lei nº 8.212/91Artigo 29 ........................................................................................................................377..................................................................................................................................Lei nº 8.213/91Artigo 11 ..................................................................................................................358Artigo 52 .......................................................................................................... 343/377Artigo 53 .......................................................................................................... 343/377Artigo 55 ............................................................................................ 343/352/358/377Artigo 94 ........................................................................................................................352/530 ..........................................................................................................................Lei nº 8.906/94Artigo 22 ..................................................................................................................213

Lei nº 8.981/95

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Artigo 84 ..................................................................................................................516

Lei nº 9.065/95Artigo 13 ..................................................................................................................516Lei nº 9.099/95Artigo 3º ...................................................................................................................416Artigo 52 ........................................................................................................................416..................................................................................................................................Lei nº 9.249/95Artigo 15 ..................................................................................................................487Artigo 20 ..................................................................................................................487

Lei nº 9.250/95Artigo 39 .......................................................................................................... 433/487

Lei nº 9.279/96Artigo 8º ...................................................................................................................172Artigo 11 ..................................................................................................................172Artigo 46 ..................................................................................................................172

Lei nº 9.289/96Artigo 4º ........................................................................................................... 343/377

Lei nº 9.430/96Artigo 73 ..................................................................................................................433Artigo 74 .......................................................................................................... 433/530

Lei nº 9.605/98Artigo 54 ..................................................................................................................332Artigo 64 ..................................................................................................................303

Lei nº 9.711/98 ........................................................................................................343

Lei nº 9.715/98 .......................................................................................................530Artigo 2º ...................................................................................................................454

Lei nº 9.718/98Artigo 3º ...................................................................................................................454

Lei nº 9.932/99Artigo 8º ...................................................................................................................192

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Lei nº 9.985/2000Artigo 42 ..................................................................................................................244

Lei nº 10.259/2001Artigo 3º ...................................................................................................................416Artigo 6º .........................................................................................................................416..................................................................................................................................Lei nº 10.637/2002Artigo 1º ...................................................................................................................454Artigo 8º ...................................................................................................................454

Lei nº 10.833/2003Artigo 1º ...................................................................................................................454Artigo 10 ..................................................................................................................454Artigo 30 ..................................................................................................................454Artigo 31 ..................................................................................................................454Artigo 33 ..................................................................................................................454Artigo 34 ..................................................................................................................454Artigo 36 ..................................................................................................................454

Lei Complementar nº 07/70 ..................................................................................530Artigo 3º ...................................................................................................................454

Lei Complementar nº 70/91 .......................................................................... 454/530

Lei Complementar nº 118/05Art. 3º .......................................................................................................................487

Medida Provisória nº 1.053/95Artigo 8º ...................................................................................................................343

Medida Provisória nº 1.212/95Artigo 2º ...................................................................................................................454

Medida Provisória nº 1.415/96 .............................................................................343

Medida Provisória nº 2.158-35/2001Artigo 13 ..................................................................................................................454Artigo 15 ..................................................................................................................454

Provimento do Conselho Federal da OAB nº 81/96

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Artigo 5º ...................................................................................................................266

Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados/82Artigo 36 ..................................................................................................................423Artigo 392 ................................................................................................................423

Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA nº 50/2002 ...............................487

Resolução do Conselho da Justiça Federal nº 440/2005Artigo 2º ...................................................................................................................414Artigo 8º ...................................................................................................................414Artigo 12 ..................................................................................................................414

Resolução do ex-BNH nº 171 ................................................................................192

Súmula do Superior Tribunal de JustiçaNº 43 ..............................................................................................................................343..................................................................................................................................Nº 105 ............................................................................................................................399/454/487 ...................................................................................................................Nº 148 ......................................................................................................................343Nº 149 ......................................................................................................................352Nº 162 .............................................................................................................. 487/530Nº 204 ............................................................................................................................377..................................................................................................................................Nº 213 ......................................................................................................................454Nº 297 ......................................................................................................................192Nº 306 ............................................................................................................................343/377 ..........................................................................................................................Súmula do Supremo Tribunal FederalNº 267 ......................................................................................................................399Nº 323 ......................................................................................................................545Nº 473 ......................................................................................................................172Nº 512 .............................................................................................................. 454/487 Súmula do Tribunal Federal de RecursosNº 138 ......................................................................................................................447Nº 260 ......................................................................................................................399

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