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Segundo Merleau-Ponty, “é o homem que investeo mundo de significados”. Tomando como pontode partida esta colocação, surge-nos questões asmais variadas com relação ao procedimento empíricoem Ciências Humanas (em geral), e em Psicologia(em particular). A questão do método em Psicologiasempre foi questão controversa ao longo da história,desde a constituição da “ciência psicológica” comociência naturalista, até os dias atuais, quando sereflete sobre a diversidade das possibilidades daapreensão do humano e suas perspectivas (Amatuzzi,1994).

No esteio das reflexões sobre o status da Psicologiaenquanto ciência – natural (ou empírica) ou “humana”,com suas especificidades – costuma-se estabelecercategorias metodológicas distintas para contextosdiversos: em especial quando se fala de métodosquantitativos versus métodos qualitativos. Cremosser desnecessário, neste espaço, discorrermos sobreo caráter da cientificidade dos métodos qualitativos,

tarefa já empreendida exaustivamente ao longodos diversos embates epistemológicos com respeitoà Psicologia (González Rey, 1999; Scarparo, 2000;Bruns & Holanda, 2003), e já discutido em trabalhoanterior (Holanda, 2002).

Nosso objetivo neste artigo é empreender umadiscussão em torno da diversidade dos métodosqualitativos de pesquisa em Psicologia, com especialdestaque para o método fenomenológico, comoum modelo compreensivo que apresenta significativarelação com o fenômeno psicológico.

Comumente se descreve os métodos qualitativoscomo modelos diferenciados de abordagem empírica,especificamente voltados para os chamados “fenô-menos humanos”, ou seja, como métodos que fogemda tradicional conexão com aspectos empíricostais como medição e controle. Segundo Mucchielli(1991, p. 3):

Os métodos qualitativos são métodos dasciências humanas que pesquisam, explicitam,analisam, fenômenos (visíveis ou ocultos).Esses fenômenos, por essência, não sãopassíveis de serem medidos (uma crença,uma representação, um estilo pessoal derelação com o outro, uma estratégia face umproblema, um procedimento de decisão...),eles possuem as características específicasdos “fatos humanos”. O estudo desses fatoshumanos se realiza com as técnicas de pesquisae análise que, escapando a toda codificaçãoe programação sistemáticas, repousam

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Análise Psicológica (2006), 3 (XXIV): 363-372

Questões sobre pesquisa qualitativa e

pesquisa fenomenológica

ADRIANO HOLANDA (*)

(*) Psicólogo. Mestre em Psicologia Clínica pelaUniversidade de Brasília e Doutor em Psicologia pelaPUC-Campinas. Primeiro-Secretário da Associação Brasileirapara o Avanço Conjunto da Filosofia, Psicopatologiae Psicoterapia – Abrafipp. Didata do Instituto de Gestalt-Terapia de Brasília. Coordenador do Grupo ARCHÉ –Programa de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Feno-menologia da Religião e da Espiritualidade (UnB).

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essencialmente sobre a presença humana ea capacidade de empatia, de uma parte, esobre a inteligência indutiva e generalizante,de outra parte.

Podemos partir desta definição para caracterizaro método qualitativo em pesquisa e apontar o modelofenomenológico dentro desta modalidade. GonzálezRey (1999) aponta para o que chama de “caráteroculto” da evidência. Segundo ele, a “qualidade”dos fenômenos não aparece imediatamente à expe-riência, nem se constrói por via da indução. Aabordagem qualitativa propõe-se, então, a elucidare conhecer os complexos processos de constituiçãoda subjetividade, diferentemente dos pressupostos“quantitativos” de predição, descrição e controle.

Isto levanta algumas questões, tais como: adefinição de método “qualitativo” ou “quantitativo”encontra-se no objeto de estudo, ou na forma detratamento dos dados? Ou, será realmente inviávela possibilidade de codificação dos “fatos humanos”?Ou ainda, não será necessário revermos nossaspróprias concepções a respeito do que caracteri-zamos como sendo “quantificável” ou não? O próprioautor assinala que “... o problema não está emusar um instrumento quantitativo, o problema estáem definir o que este instrumento avalia, e comoutilizamos essa avaliação no processo geral deconstrução do conhecimento” (González Rey, 1999,p. 53).

A rigor, concordamos com a idéia de que otratamento dos dados representa, em grande medida,a dificuldade primeira encontrada nas investigaçõesque procuram dados de compreensão da realidadesubjetiva do ser humano. Por outro lado, tambémconsideramos o fato que, ao analisarmos, questio-narmos, isolarmos, buscarmos a compreensão desteou daquele fenômeno humano, estamos – na verdade– em busca de um modelo minimamente organizadoque sirva como referência à compreensão do mesmofenômeno (ou de fenômeno similar), num segundomomento. Assim, estamos, de fato, em busca decriarmos uma “codificação” – mínima, que seja– para o fato humano. Além disso, concordamosainda com o fato de que um tratamento unilateralda realidade é, necessariamente, limitadora desta.

Resulta disso que a polêmica entre o “quantitativo”e o “qualitativo” – como apontado anteriormente– se dilui em perspectivas. A pesquisa da experiênciahumana carrega consigo particularidades e possi-bilidades que transcendem este ou aquele modelo

de acesso ao fenômeno. Estas particularidadesficam mais presentes quando vislumbramos aperspectiva fenomenológica.

O estudo dos determinantes qualitativos napsicologia se define pela busca e explicaçãode processos que não estão acessíveis àexperiência, as quais existem em complexase dinâmicas inter-relações que, para seremcompreendidas, exigem o estudo integraldos mesmos e não sua fragmentação emvariáveis” (González Rey, 1999, p. 54).

Se partirmos da idéia de unidade indissolúvelentre o metodológico e o epistemológico, ou seja,entre a produção e elaboração do conhecimento eas diversas formas deste conhecimento, veremosque a investigação qualitativa não se define instru-mentalmente, mas epistemologicamente, apoiadano processo de construção do conhecimento.

Definiríamos a investigação qualitativa apartir de dois elementos distintivos:

1) Pela inclusão da subjetividade no próprioato de investigar – tanto a do sujeito dopesquisador por um lado (como no caso da“pesquisa-participante” ou da pesquisa “heu-rística”), como a do sujeito pesquisado, peloreconhecimento de sua alteridade (comono caso da pesquisa “empírico-fenomeno-lógica”);

2) Por uma visão de abrangência do fenômenopesquisado, realçando a sua circunscriçãojunto aos demais fenômenos – sociais, culturais,econômicos, quando for o caso (como napesquisa “hermenêutica”, por exemplo).

Assim, qualquer esboço de definição do que équalitativo em metodologia, ao mesmo tempoem que é considerado como um contraponto aosmodelos quantificadores, representa, na verdade, ummodelo que destaca ou releva certos elementoscaracterísticos da natureza humana, os quais asmetodologias quantificadoras têm dificuldade deacessar.

Em trabalho anterior (Holanda, 2002), já discutimoso fato de que a pesquisa qualitativa nasce no seiodas investigações sociológicas e antropológicas,penetrando na Psicologia a partir destas disciplinas.Existe uma relativa diversidade de modelos emétodos de abordagem qualitativa da realidade.Convém relacionarmos algumas das principaisabordagens qualitativas para podermos circunscrever

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a posteriori o método fenomenológico. Iremosnos reportar, basicamente, a dois autores, comocompiladores destes modelos: J. Creswell (1998),que publicou “Qualitative Inquiry and ResearchDesign: Choosing among Five Traditions”, e ClarkMoustakas (1994), que aborda mais especificamenteo modelo fenomenológico, em seu livro “Pheno-menological Research Methods”. Estas duas obrasserão apenas referências para podermos analisarposteriormente os modelos fenomenológicos depesquisa.

Creswell (1998) aponta na direção de cinco“tradições” na investigação qualitativa: a biografia(ou estudo biográfico), o estudo fenomenológico,a “grounded theory” ou teoria fundamentada, aetnografia e o estudo de caso. Moustakas (1994)aponta também para cinco modelos de pesquisaqualitativa: modelo etnográfico ou etnografia; teoriafundamentada ou “grounded research theory”;hermenêutica; a pesquisa fenomenológica e a heu-rística.

Discutiremos inicialmente os destaques particularesde cada um dos autores, começando por Creswell(“estudo biográfico” e “estudo de caso”) e depoispara Moustakas (“hermenêutica” e “heurística”),e depois caracterizaremos os modelos discutidosem comum, como são os casos da “teoria fundamentadana pesquisa”, da pesquisa “etnográfica” e da pesquisa“fenomenológica”.

Antes de tudo, porém, gostaríamos de destacarum modelo de pesquisa que vem sendo bastantedesenvolvido atualmente e que não se encontracitado em nenhuma das duas obras por nós refe-renciada acima. Trata-se da pesquisa historiográficaou historiografia (Campos, 1998; Brozek & Massimi,1998; Scarparo, 2000).

A pesquisa historiográfica visa à coleta,catalogação e descrição de acontecimentos históricospara posterior interpretação e construção de umquadro relevante para a ciência. No caso da Psicologia,a ênfase recai sobre documentos ou trabalhospublicados por pesquisadores, a partir dos quaisbusca-se reconstruir a própria evolução das teoriase das descobertas, inserindo-as num contexto defundamentação muito mais sólido.

Campos (1998), ao apontar para a multiplicidadedos modos de se fazer pesquisa histórica, cita cincoformas de construção da evidência historiográfica:

a) Biográfica, onde a vida e a obra do autorsão as principais fontes de dados, e que

Creswell (1998) descreve com mais detalhes(como veremos adiante);

b) Descritiva e analítica, que parte da descriçãodetalhada dos pressupostos e do conteúdode determinada teoria, com especial atençãoàs “controvérsias” como relevante para odesenvolvimento de uma ciência;

c) Quantitativa, como uma forma objetiva dese avaliar o impacto de uma teoria ou dedeterminado(s) autor(es) sobre o desenvol-vimento científico (como o estudo da freqüênciade citações, p. ex.)1;

d) Social, que enfatiza as relações entre cons-trução e evolução das idéias psicológicas eo contexto sócio-histórico nas quais estãoinseridas; e

e) Psicossocial ou “psicossociologia do conhe-cimento”, que leva em consideração “tantoos aspectos relacionados à interação nointerior da comunidade científica como suasrelações com o contexto” (Campos, 1998,p. 17).

A principal razão de se estudar a história daPsicologia está na possibilidade deste estudo auxiliarna integração de um campo que se caracteriza porsua diversidade e fragmentação. A nosso ver, apesquisa historiográfica é um instrumento necessáriopara a compreensão epistemológica da ciênciapsicológica, e para a compreensão de seu locusde ação.

A pesquisa historiográfica tem ocupado cada

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1 Um comentário parece-nos merecer destaque. Comoestamos apontando desde o início, a discussão em tornode um locus especial deste ou daquele modelo de pesquisa– seja quantitativo ou qualitativo – esbarra nas neces-sidades advindas, tanto do pesquisador quanto das própriasdemandas sociais (aqui entendidas como derivadas deum campo específico do conhecimento, ou seja, no nossocaso, da Psicologia. Qual a necessidade atual desta ciência?A resposta a esta questão responde em parte pela escolhado método). Assim é que, qualquer destes modos “qua-litativos” de se abordar o fenômeno psicológico podemser transmutados em modos “quantitativos” e vice-versa.Um determinado fenômeno (p. ex., a “vivência da loucura”)pode ser melhor descrita a partir de um modelo fenome-nológico de pesquisa, mas estes mesmos relatos podemser agrupados e avaliados num contexto quantitativo,conforme necessidade ou escolha do pesquisador.

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vez mais espaço no contexto científico brasileiro,bastando para isto destacar a existência de umGrupo de Trabalho desta natureza na ANPEPP(Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduaçãoem Psicologia), que chegou a produzir, em 1996(Vol. 1, N.º 15), caderno especial sobre Históriada Psicologia, organizado pela Prof.ª Regina Helenade Freitas Campos (UFMG). Todavia, numerososoutros empreendimentos ainda merecem destaque,como o “Projeto História da Psicologia Brasileira”,encaminhado pelo Conselho Federal de Psicologiaque vem produzindo vídeos e livros sobre perso-nalidades brasileiras (como a Coleção “Pioneirosda Psicologia Brasileira”), bem como reeditandoobras esgotadas de inestimável valor para a ciênciabrasileira; e mais recentemente, a criação de umgrupo de trabalho de História da Psicologia naABEP (Associação Brasileira de Ensino da Psicologia),coordenado pela Prof.ª Ana Maria Jacó-Vilela(UFRJ). A título de ilustração e para demonstrara diversidade do tema, apresentamos aqui algumasreferências atuais sobre a questão: Massimi, Mahfoud,Silva e Avanci (1999); Antunes (1999); Jacó-Vilela,Jabur e Rodrigues (1999); e mais recentemente,Massimi (2004)2.

Retomemos agora nossas principais referências,a partir das descrições particulares como assina-lamos acima. Um dos primeiros modelos de pesquisaqualitativa apresentados por Creswell (1998) é abiografia ou estudo biográfico. Consiste no estudode um indivíduo e de suas experiências, seja atravésde depoimentos, seja a partir de documentos e/oumaterial arquivado. Trata-se da descrição de momentossignificativos da vida de um indivíduo, atravésde documentos vitais. Inclui biografias individuais,histórias de vida e histórias orais.

O estudo biográfico é um tipo de trabalho quese alicerça em diferentes disciplinas e é encontradoprincipalmente na literatura, na história, naantropologia, na sociologia e na psicologia. Representauma pesquisa com “documentos de vida”.

Creswell (1998) destaca, na Psicologia, o livrode Gordon Allport, intitulado “Usos de DocumentosPessoais na Ciência Psicológica”, publicado em1942, como um importante documento para apesquisa personalística.

Estruturalmente, o estudo biográfico subdivide-seem quatro tipos:

a) Estudo Biográfico, propriamente dito, ondea história individual é escrita por algumpesquisador, a partir de documentos e registros;

b) Autobiografia, onde a história é escrita pelaspróprias pessoas;

c) História de Vida, que consiste no relato devida de um indivíduo, muito usado em ciênciassociais e antropológicas, correlacionando-ocom temas culturais, sociais e institucionais,que se dá através de uma coleta primáriade entrevistas e conversas com o sujeito; e,

d) História Oral, que é a reunião de lembrançasde eventos, suas causas e efeitos, a partirde um ou de mais indivíduos.

O autor acrescenta ainda que as biografiaspodem ser escritas “objetivamente” – com poucainterpretação do pesquisador – , “eruditamente”– a partir de uma formação histórica e crono-lógica –, “artisticamente” – a partir de detalhes –ou “narrativamente” – contando com umaexplicitação ficcional. Trata-se de um modelo degrande importância para a pesquisa histórica, ondese circunscreve o sujeito a ser estudado dentro deseu contexto sócio-cultural. Um exemplo bem atual,é a biografia de Heidegger, publicada por RüdigerSafranski3, que lança mão de documentos da épocapara traçar um panorama da personalidade dofilósofo.

Creswell (1998) ainda aponta para os seguintespassos metodológicos do trabalho biográfico:

1) Parte-se de um conjunto objetivo de expe-riências, observando estágios e experiênciasdo curso de vida, seja a partir de uma cronologia(utilizando-se da linha temporal como refe-rência), seja categorizando por experiências(educação, família, trabalho, etc.);

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2 Nesta obra em particular, há dois capítulos versandosobre a história da perspectiva humanista brasileira deautoria de William Gomes e Gustavo Gauer, contandocom a colaboração deste autor: “Primórdios da PsicologiaHumanista no Brasil”, e “História das Abordagens Huma-nistas em Psicologia no Brasil”.

3 “Heidegger. Um mestre da Alemanha entre o beme o mal”, de Rüdiger Safranski (2000), São Paulo:Geração Editorial.

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2) Reúne-se, então, material biográfico contextualconcreto, ou seja, reúnem-se “histórias”, oque pode ser feito, por exemplo, a partir deentrevistas;

3) Organiza-se as histórias em torno de “eixos”ou temas centrais;

4) Parte-se para a exploração dos significadosdessas histórias; e

5) Busca-se maiores estruturas para explicaros significados (interações sociais, produçõesculturais, ideologias, contexto histórico) paraa interpretação (ou “trans-interpretações”,que vão além da simples interpretação dosfatos).

Os desafios deste modelo de pesquisa são múltiplos.Um dos principais refere-se à coleta de dados –requer um vasto material para que se possa teracesso a um mínimo de informações necessárias.É necessário ainda um compreensão clara do materialhistórico e um olhar apurado para se explicitar ocontexto, sob pena de superficialização do trabalho.Caso se utilize um modelo interpretativo, o pes-quisador deve ser capaz de se colocar na narrativae assumir seu ponto de vista.

Creswell (1998) apresenta ainda o “estudo decaso”, tanto como uma metodologia qualitativade pesquisa como quanto um objeto de estudo.Refere-se à exploração de um sistema delimitado,partindo de uma coleta de dados detalhada, emprofundidade, envolvendo fontes múltiplas de infor-mação.

O foco do estudo de caso pode ser intrínseco(quando se encara o “caso” na sua singularidade)ou instrumental (tomando-se o “caso” como ilustração).Se houverem mais casos, então o estudo caracte-rizar-se-á como sendo “caso coletivo”.

Os passos a serem seguidos são os seguintes:em primeiro lugar, escolhe-se o “caso” (define-se qual o estudo de caso é o mais promissor ouútil, podendo este ser único ou coletivo, multi-situado ou interno, intrínseco ou instrumental); emseguida, coleta-se os dados extensivamente, commúltiplas fontes de informações. Um terceiro passo,a análise dos dados, pode ser “holística” (tomandoo caso por inteiro) ou “embutida” (tomando aspectosespecíficos do caso) e, finalmente, a interpretaçãofinal (elabora-se o aprendido com o caso).

Os desafios inerentes a este modelo, segundoo autor, são os seguintes: a) em primeiro lugar, aprópria identificação do caso (a designação de

sua utilidade ou relevância corre o risco de setornar excessivamente subjetiva); b) em segundolugar, a escolha da delimitação do caso (se umcaso único ou múltiplo) e; c) finalmente, as fronteirasdo caso, ou as complicações inerentes à circunscriçãodos casos, ou seja, como este caso “toca” os demaiscampos. Acrescentaríamos o fato de que o estudode caso pode tornar-se, a despeito de sua objeti-vidade, um instrumento e não um método espe-cífico de trabalho, daí a necessidade de se ter clarezada circunscrição de seu objeto de estudo para ummelhor enquadramento deste modelo.

Moustakas (1994) destaca dois modelos queCreswell (1998) não aborda: a hermenêutica e apesquisa heurística. Principiaremos pela Hermenêutica.O vocábulo “Hermenêutica” advém do gregohermeneutikós, que por sua vez deriva do verbohermeneuein, que significa “interpretar”. Originalmenteé um termo derivado da teologia, designando umametodologia de interpretação dos textos bíblicos,passando posteriormente a designar um esforçode interpretação de um texto difícil. Contempo-raneamente, costuma designar – na filosofia – areflexão sobre os símbolos, como temos em PaulRicoeur (Japiassu & Marcondes, 1990). ParaAbbagnano (1986), por “Hermenêutica” designa-sequalquer técnica de interpretação.

Para Moustakas (1994), hermenêutica é entendidacomo a exploração ou modelo de pesquisa cujofoco está na consciência e na experiência. Derivadas idéias de Wilhelm Dilthey, para quem, todaciência e todo saber é empírico, mas toda experiênciaestá originalmente conectada e validada pela nossaconsciência. Segundo a hermenêutica, é atravésdo horizonte da experiência (que primeiramenteparece nos dizer sobre nossos próprios estadosinteriores) e de seu “alargamento”, que se passaa saber sobre o mundo externo e sobre as demaispessoas, ou seja, parte-se de si-próprio para expandiro conhecimento.

A hermenêutica procura pela intenção originaldo autor, pela originalidade do sujeito mas, paratanto, enfatiza a circunscrição histórica do sujeito.Dilthey acreditava que, para se entender a expe-riência humana, além de descrever a experiênciaem si, era necessário estudar a história, e os estudosda experiência são dependentes da circunscriçãohistórica desta e das descrições para formar umtodo. É preciso descobrir como os estudos humanosestão relacionados à humanidade.

O que a perspectiva hermenêutica traz de

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grande contribuição e que está no centro de suametodologia e de seu projeto, é a idéia de inter-relação entre ciência, arte e história, para a elaboraçãode uma interpretação condizente.

A hermenêutica tornou-se conhecida a partirdos trabalhos do chamado “Círculo Hermenêutico”:

A expressão “círculo hermenêutico” é umametáfora para designar o processo dacompreensão das ciências do espírito (e tambémhumanas) e da interpretação em geral. Comele deparou sempre, na nossa cultura, a reflexãosobre o afazer interpretativo – desde aalegorese aplicada aos deuses homéricos(no seio da cultura grega) até à exegesetipológica da patrística e da teologia medieval,ao sola scriptura de Lutero e às diversasteorias da hermenêutica (Schleiermacher,Dilthey, Heidegger, Gadamer e P. Ricoeur)(Morão, 1990, p. 980).

Define-se pelo fato de que o solo das interpretaçõesse dá sobre as experiências que são continuamenterefeitas e reinterpretadas: “O homem cresce sobresi mesmo, é um novelo de experiências. E cadanova experiência é uma experiência que nascesobre o fundo das anteriores e a reinterpreta” (Reale& Antiseri, 1991, p. 628). Em outras palavras, abase da hermenêutica está na própria experiência.

Hans-Georg Gadamer, em seu livro Verdade eMétodo, apresenta o percurso da construção de umateoria hermenêutica, definindo a possibilidade dacompreensão do ser através da linguagem: “O serque pode ser compreendido é linguagem” (Gadamer,1998, p. 687). Na linguagem estão contidos, tantoo questionamento, quanto a sua própria resposta.

Heidegger entende o processo hermenêuticocomo uma pré-estrutura constitutiva da experiênciahumana, ou seja, a interpretação faz parte da estruturabásica da experiência (Morão, 1990; Moustakas,1994), posição que Gadamer reitera, ao consideraro “círculo hermenêutico” como um “momentoestrutural ontológico da compreensão”, onde estápresente a antecipação do sentido (Morão, 1990).

Na perspectiva de Paul Ricoeur, definem-sealguns critérios para a elaboração de um trabalhohermenêutico, dentre os quais destacamos o esforçopela fixação no sentido, bem como a necessidadede se interpretar os protocolos como um todo,como uma gestalt de sentidos interconectados, oque revela a potencialidade para múltiplas inter-pretações (Moustakas, 1994).

Outro modelo de pesquisa qualitativa apontadapor Moustakas (1994) é a pesquisa heurística. Apalavra “Heurística” decorre do verbo grego heuriskein,que significa “encontrar”, “descobrir”. SegundoAbbagnano (1986), o verbo grego ευρισιχω corres-ponde a “encontro”, “busca” ou “arte da busca”.“Diz-se que um método é heurístico quando leva oaluno a descobrir aquilo que se pretende que elaaprenda: a maiêutica socrática é, por excelência,um método heurístico” (Japiassu & Marcondes,1990, p. 119).

Refere-se a um processo de pesquisa internaatravés do qual se descobre a natureza e o significadoda experiência, e desenvolve métodos e procedi-mentos para investigações futuras. Neste modeloo self do pesquisador está presente ao longo detodo o processo, ou seja, o pesquisador experienciaself-awareness (auto-consciência) e auto-conhe-cimento.

O processo heurístico engloba processos “auto-criativos” e “auto-descobertas”, principiando poruma questão ou problema que o pesquisador pretenderesponder. Trata-se, pois, de um processo “auto-biográfico”, englobando seis fases: a) engajamentoinicial, b) imersão na questão, c) incubação, d)iluminação, e) explicação e f) culmina numa síntesecriativa. Nas investigações heurísticas, a verifi-cação se dá retornando aos participantes da pesquisa,partilhando com eles os significados e as essênciasdo fenômeno como derivados da reflexão sobre aanálise do material.

A grande contribuição do modelo heurístico estána intrínseca participação do sujeito do pesquisadorno próprio ato da pesquisa, isto é, na efetiva colocaçãoda subjetividade do pesquisador no ato de pesquisar.No contexto da pesquisa heurística em psicologia,Maciel (2004, p. 184) assinala: “É vital para a pesquisaheurística o engajamento, ou seja, a postura humanabásica que depende da estrutura da afirmaçãovolitiva, e que se manifesta em Moustakas comoo “estar-com” o dado, conviver com a experiência”.

A teoria fundamentada (“grounded researchtheory”), para Creswell (1998) é um modelo quetem por objetivo gerar ou descobrir uma teoria, apartir de uma situação na qual os indivíduos interagem.Para Moustakas (1994) é um modelo cujo foco édecifrar os elementos da experiência. A partir doestudo desses elementos e de suas inter-relações,desenvolve-se uma teoria que torna o pesquisadorapto a entender a natureza e o sentido de uma

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experiência para um grupo particular de pessoasnum contexto particular.

Coleta-se primariamente dados de entrevistas,a partir de múltiplas visitas ao campo. A teoria égerada durante o processo de pesquisa e conco-mitante à coleta dos dados, ou seja, à medida queos dados vão sendo coletados. As hipóteses e osconceitos são trabalhados fora do curso do estudo.

Segundo Creswell (1998), historicamente, BarneyGlaser e Anselm Strauss, em 1967, sustentaramque a sociologia deveria “fundamentar” suas teorias,partindo de dados do campo, num caminho contrárioao uso tradicional de orientações técnicas a priori.A intenção era gerar teoria relacionada intimamentecom o contexto do próprio fenômeno. Metodolo-gicamente, o pesquisador partia de 20 a 30 entrevistas,em várias visitas ao campo, até a saturação. Oprocedimento de análise seguiria o seguinte padrão:“codificação aberta” (para formar categorias abertas),uma “codificação axial” (para agrupar dados emnovas formas), uma “codificação seletiva” (paraidentificar uma linha histórica) e retratar a matrizcondicional. O resultado seria uma teoria de “nívelsubstantivo”.

Para Addison (citado por Moustakas, 1994), osprincípios básicos deste modelo de pesquisa são:

(1) Questionamento: continuamente se questionasobre as lacunas dos dados (omissões, incon-sistências e compreensões incompletas).Com isto, reconhece-se a necessidade deobter informações sobre o que influenciae dirige as situações e os sujeitos que estãosendo estudados;

(2) Abertura da pesquisa: neste modelo, realçam-se os processos, abertos na condução dapesquisa, mais do que os métodos fixos eprocedimentos;

(3) Reconhecimento da importância do contextoe da estrutura social;

(4) Desenvolvimento de processos: desenvolve-se teoria e dados entrevistando processosmais do que observando práticas individuais;

(5) Simultaneidade: a coleta, a codificação ea análise dos dados ocorrem simultaneamentee em relação com cada um dos outros, aoinvés de separar componentes; e

(6) Indução.

Para Creswell (1998), os desafios deste modelosão os seguintes: a) o pesquisador deve colocarde lado as teorias e idéias prévias a respeito do

objeto a ser estudado (similarmente à “redução”na fenomenologia); b) apesar da natureza indutivado trabalho, trata-se de uma abordagem sistemáticade pesquisa, com passos específicos a serem seguidose respeitados; c) há uma certa dificuldade naindicação do que significa “saturação” e, d) deve-sereconhecer que o resultado primário é uma teoriacom componentes específicos.

Acreditamos que a maior contribuição destemodelo de pesquisa consiste exatamente na pers-pectiva de construção da pesquisa a partir dos dadoscoletados, numa superação do modelo tradicionalque idealiza o aspecto racional da construção deteoria. Isto vai ao encontro do proposto no iníciodeste capítulo, quando discutíamos a respeito daconstrução do pensamento e a relação de “mão-dupla” entre teoria e dados.

Com relação à etnografia ou à pesquisa etnográfica,Creswell (1998) apresenta-a como sendo a descriçãoe a interpretação de um grupo ou sistema cultural(ou social), a partir do exame dos padrões de compor-tamentos observáveis (tais como os costumes, porexemplo). Envolve um extenso trabalho de campoe pode ser aplicado numa variedade de settingssociais que permitem observações diretas das atividadesdo grupo estudado, comunicações e interações compessoas, e oportunidades para entrevistas formaise informais (Moustakas, 1994).

Possui sua gênese na Antropologia Cultural(com Boas, Malinowski, Radcliffe-Brown e Mead)que, embora partindo das ciências naturais, divergemda abordagem tradicional por coletarem dados de“primeira mão”.

Envolve um engajamento inicial de exploração,como planejamento, prontidão à condução doestudo, incluindo permissão para observação eparticipação. Busca-se pessoas em situação deinteração, em ambientes comuns, e tenta-se discerniros padrões comportamentais, através da pesquisa-participante ou de entrevistas. Realiza-se a pesquisafundamentalmente partindo para um trabalho decampo, reunindo informações – seja por observações,entrevistas ou materiais úteis – e procedendo, aseguir, à descrição, análise e interpretação dogrupo detalhadamente.

Deve-se dar destaque à observação participantecomo sendo um processo construído duplamente,pelo pesquisador e pelos “atores sociais” envolvidos.O método exige o máximo de interação e envol-vimento do pesquisador com aqueles que estãosendo observados, ou seja, requer uma participação

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ativa do pesquisador no trabalho da pesquisa. Naverdade, implica num reconhecimento do caráterdialético envolvido do ato de pesquisar, que é aintrínseca ação direta do pesquisador na pesquisa.

Bogdan e Taylor (citado por Moustakas, 1998)sugerem algumas estratégias para a condução dapesquisa etnográfica: a) atenção às palavras-chaveao observar interações e ao gravar comentários;b) concentração ao abrir e fechar relatórios; c)antes de sair do ambiente, tomar notas de tudo oque deve ser lembrado; d) não falar com ninguémantes das anotações estarem completas; e) traçarum diagrama físico do meio ambiente no qual sedesenvolve o estudo; f) traçar um esboço de atosespecíficos (eventos, atividades e conversações).

Moustakas (1994) ainda cita algumas consideraçõesde Patton a respeito da pesquisa etnográfica. Segundoeste último, para a consecução deste modelo depesquisa é importante ser bastante descritivo aotomar notas no campo, reunir a maior variedadepossível de informações a partir de diferentesperspectivas, selecionar informantes-chave, mantendoclareza de que suas perspectivas são limitadas,mas que são representativos do contexto ao qualo estudo está se referindo; estar consciente e sensívelaos diferentes estágios do trabalho de campo (o quesignifica construir confiança e vínculo no estágioinicial, lembrar que o avaliador/observador tambémestá sendo observado/avaliado); se envolver aomáximo na experienciação do programa comofor possível enquanto mantém uma perspectivaanalítica focalizada no propósito do trabalho decampo; separar claramente descrição de interpretaçãoe julgamento; prover feedback como parte doprocesso de verificação do trabalho de campo (eobservar o impacto desse feedback); e incluir nasnotas de campo e na sua avaliação, suas própriasexperiências, pensamentos e sentimentos, já queesses são também dados de campo.

Como se vê, trata-se de um trabalho – antes detudo – extenso e complexo, que demanda grandeenvolvimento da parte do pesquisador, sem o qualo trabalho fica invalidado. Dentre os desafios inerentesa este modelo, Creswell (1998) destaca: a) estemodelo apresenta-se fundamentado na antropologiacultural, e deve a ela se referir; b) o tempo utilizadonormalmente para a coleta de dados é relativamenteextenso, ou seja, demora-se muito tempo no campo(como podemos observar nos escritos de Malinowskiem seus estudos sobre os trobriandeses, que duraramdois anos, por exemplo); c) as narrativas derivadas

de trabalho tão extenso e complexo, podem limitaro público e; d) há o risco de uma “nativização”do pesquisador e a possibilidade deste se tornarincapaz de terminar o estudo.

Todavia, há muito que se aprender com aperspectiva etnográfica. Segundo Patton (citadopor Moustakas, 1994), o valor da observação parti-cipante define-se pelo fato de que o observadorestá mais apto a entender o contexto no qual aspessoas vivem por estar numa observação direta.Além disso, as “experiências de primeira mão”tornam o pesquisador apto a deduzir o que ésignificante, podendo aprender coisas às quais osoutros não têm acesso. Mas talvez o mais fundamentalseja – à semelhança do método heurístico – ainclusão das percepções do observador no processoda pesquisa.

Por fim, temos o método fenomenológico, aoqual Creswell (1998) descreve como sendo a“descrição das experiências vividas” de váriossujeitos sobre um conceito ou fenômeno, com vistasa buscar a estrutura “essencial” ou os elementos“invariantes” do fenômeno, ou seja, seu “significadocentral”.

Na perspectiva sociológica, foi trabalhada porSchutz, que buscava entender como os indivíduosdesenvolvem significados das interações sociais.Em relação ao método em si, Creswell (1998)assinala que o pesquisador deve estar atento àcompreensão da perspectiva filosófica por detrásda abordagem, utilizar questões que explorem osignificado da experiência, a partir da coleta dedados de sujeitos que experienciaram o fenômeno(que pode ser feita através de entrevistas, depoimentos,estudos de caso, acrescidas de auto-reflexão, etc).Com respeito à análise dos dados, o autor citafundamentalmente a perspectiva compreensivada estrutura essencial, desenvolvida por Giorgi(1985).

Moustakas (1994) elabora um pouco maisclaramente este modelo. Foi Adrian Van Kaamquem operacionalizou a pesquisa fenomenológica(denominada de “empírica”, por Moustakas) emPsicologia. Van Kaam (1959) partiu da investigaçãodo real sentimento de ser entendido, solicitandoa estudantes que relembrassem situações onde sesentiram entendidos por alguém (partindo, assim,das descrições de seus sentimentos).

A pesquisa “empírico-fenomenológica” envolveum retorno à experiência para obter descriçõescompreensivas que darão a base para uma análise

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estrutural reflexiva criando um retrato da essênciada experiência.

Giorgi (1985) aponta dois níveis descritivos:

I. Dados originais são compostos de descrições“ingênuas”4 obtidas através de questõesopen-ended (abertas) e diálogos;

II. Pesquisador descreve as estruturas da expe-riência baseado nas análises reflexivas einterpretações dos julgamentos ou históriasdos participantes da pesquisa.

O método fenomenológico constitui-se numaabordagem descritiva, partindo da idéia de quese pode deixar o fenômeno falar por si, com oobjetivo de alcançar o sentido da experiência, ouseja, o que a experiência significa para as pessoasque tiveram a experiência em questão e que estão,portanto, aptas a dar uma descrição compreensivadesta. Destas descrições individuais, significadosgerais ou universais são derivados: as “essências”ou estruturas das experiências.

O principal representante desta metodologiatalvez seja Amedeo Giorgi, que coordenou durantemuito tempo, na University of Duquesne, um grupode pesquisa de base fenomenológica, e que elaborapassos bem detalhados para um trabalho fenome-nológico. A ele iremos nos referir mais destacadamenteno próximo item. Já Van Eckastsberg, segundoMoustakas (1994), elabora os seguintes passospara estudos fenomenológicos:

1) Formulação do problema – o fenômeno (deli-neando-se o foco da investigação);

2) Situação gerando dados – “protocolo devida” (trata-se de uma narrativa descritivaprovidenciada pelos sujeitos); e

3) Análise dos dados – explicação e interpretação(os dados são lidos e escalonados para revelarsua estrutura, coerência e configuração desentido).

Creswell (1998) destaca alguns desafios inerentesa este modelo: a) a necessidade de uma sólidafundamentação filosófica na fenomenologia; b)uma preocupação significativa com a escolha dossujeitos (que devem ser representativos no quetange à experiência do fenômeno a ser estudado)e; c) talvez o mais importante, a colocação “entreparênteses” das experiências pessoais para ir aoencontro do fenômeno tal qual ele se mostra.

Convém destacarmos algumas qualidades comunsaos diversos modelos de pesquisa em ciênciashumanas, em contraste com os modelos da ciêncianatural e em relação à pesquisa quantitativa, deacordo com Moustakas (1994):

1) Reconhecimento do valor das metodologiasqualitativas e dos estudos da experiênciahumana como não-aproximadas às abordagensquantitativas;

2) Foco na experiência de totalidade (em relaçãoa uma ênfase em objetos e partes nas outrasmetodologias);

3) Busca de significados e essências da experiência(utilizando-se de diferentes medidas e expli-cações);

4) Obtenção de descrições da experiência emconsiderações na primeira pessoa, atravésde entrevistas formais, informais e de conver-sações;

5) Um “olhar” aos dados da experiência comoimperativo para compreender o comportamentohumano e como evidência para investigaçõescientíficas;

6) Formulação de questões e problemas querefletem o interesse, o envolvimento e ocomprometimento do pesquisador;

7) Visão do comportamento e da experiênciacomo uma relação integrada e inseparávelentre sujeito e objeto, e entre partes e todo.

Procuramos apresentar aqui algumas das formasmais destacadas de pesquisa associadas às ciênciashumanas. Acreditamos que é necessária uma preo-cupação especial com os “dados” do humano,por considerarmos que estes – mesmo não sendode “outra natureza” – que os dados obtidos a partirda observação naturalística, requerem outro“olhar”. Isto não implica em dizer que haja umcontraste e por conseguinte, uma separação entreo humano e o natural, mas que a observação natu-ralista não abarca a integralidade do fenômenohumano.

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4 Aqui consideram-se “ingênuas” aquelas descriçõesque não passaram pela influência da racionalização,ou seja, são “pré-reflexivas”, constituindo-se emdescrições que partem – supostamente – da idéia deque o sujeito, sem refletir a respeito-de, estaria maisconectado com a sua própria experiência imediata (comseu “vivido”).

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Assim, desde os primórdios da pesquisa social,foram-se destacando perspectivas alternativasna pesquisa com o humano, na expectativa de sepoder alcançar cada vez mais a totalidade destefenômeno.

Por estarmos falando de um fenômeno comcaracterísticas próprias, faz-se necessário o desen-volvimento de metodologias que privilegiem aspectostais como intuição, imaginação, a busca de estruturasuniversais, para obter um quadro bem elaboradoda dinâmica que subjaz à experiência. Acreditamosque o modelo fenomenológico de pesquisa podevir a ser uma resposta a esta demanda, contantoque se tenha sempre em mente os “desafios”destacados acima.

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RESUMO

Neste texto, pretendemos discutir questões relativasao método de pesquisa em Psicologia, partindo de umaperspectiva geral da Pesquisa Qualitativa e, em particular,da Pesquisa Fenomenológica. Nosso objetivo é empreenderuma discussão em torno da diversidade dos métodosqualitativos de pesquisa em Psicologia, com especialdestaque para o método fenomenológico, como ummodelo compreensivo que apresenta significativa relaçãocom o fenômeno psicológico. Para tal, o artigo traçaum panorama dos métodos qualitativos, discutindo algunsmodelos, tais como o modelo etnográfico, a pesquisaheurística, a hermenêutica, a grounded-theory, a pesquisahistoriográfica, o estudo de caso, a pesquisa biográfica,para por fim, destacar a pesquisa fenomenológica.

Palavras-chave: Pesquisa qualitativa, fenomenologia.

ABSTRACT

This text aims to discuss questions about the researchmethod in Psychology, from a general perspective ofQualitative Research and Phenomenological Research.The objective of this article is to discuss about thediversity of qualitative methods of psychological research,with special attention on the phenomenological method,as a compreensive method which presents significativerelation with the psychological phenomenon. This articleshows an outlook of qualitative methods, discussingfew models, like the ethnographic model, the heuristicresearch, hermeneutics, grounded-theory, historicalresearch, case-study, biographical research, and thephenomenological research.

Key words: Qualitative research, phenomenology.

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