Questões da e para a indústria de café

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AGRO PECUÁRIO ESTADO DE MINAS S E G U N D A - F E I R A , 3 D E M A I O D E 2 0 0 4 2 ARTIGO Questões da e para a indústria de café MARA LUIZA GONÇALVES FREITAS Mestranda em administração pela Ufla e especialista em cafeicultura empresarial [email protected] A tradição de país produtor de café, ao longo dos últimos dois séculos, galgou importantes inserções do Brasil na política in- ternacional, todavia não possibi- litou o fomento de uma indús- tria nacional forte, atualmente em xeque. Num ambiente de ineslasticidade da demanda; re- tração do consumo provocado pela queda da renda e do poder de compra, aliado à substituição do produto por outros que na ótica do consumidor estão mais compatíveis com a sua qualida- de de vida; afunilamento do acesso a mercados, proporciona- do pela concentração do seg- mento supermercadista; a auto- fagia que atualmente vive o se- tor em função da guerra de pre- ços, além dos transtornos pro- porcionados por uma carga tri- butária aviltante e as atuais polí- ticas industriais, que, embora um pouco mais agressivas que as anteriores, ainda são tímidas, criam um ambiente propício pa- ra que a indústria de café de tor- ne-se uma forte candidata a uma vaga em uma UTI. É certo que existe capital in- vestido pela iniciativa privada, além do esforço de implementa- ção de programas de incremen- to de consumo calcado na quali- dade, por parte dos sindicatos re- gionais e associação nacional, mas a grande questão a ser dis- cutida é até quando haverá fôle- go financeiro das indústrias de modo geral, para resistirem à hostilidade das forças ambien- tais, principalmente aquelas li- gadas às políticas públicas? Os recursos da iniciativa privada, que são escassos e que deveriam conferir maior competitividade ao setor, infelizmente estão sen- do exauridos pelos cofres públi- cos e não retornam à sociedade. A indústria de café é, por- tanto, um ícone muito repre- sentativo dessa conjuntura vivi- da por toda a indústria nacio- nal, relegada à política do salve- se quem puder e quem pode mais na redução das margens de lucros, o que não deixa de ser um atrativo fascinante para o exercício da informalidade. A alteração da estrutura in- dustrial cria um enigma em po- tencial para um segmento que almeja a inovação, até mesmo por uma questão de sobrevivên- cia do agronegócio como um to- do, uma vez que o Brasil é o se- gundo mercado consumidor mundial em volume. Se por um lado há a necessidade de melho- rar a qualidade do café ofertado, por um outro não há equalização dos recursos e tampouco a des- burocratização dos órgãos de fo- mento, de modo a facilitar a dis- tribuição de recursos para a aqui- sição de tecnologia da moderni- zação do parque industrial e nem para grandes injeções de re- cursos em pesquisa e desenvolvi- mento, que gerem novos usos para o café, no âmbito industrial, além da bebida, parte nobre do produto. Outrossim, não há in- vestimentos suficientes em pes- soal que favoreçam o funciona- mento do sistema público de fis- calização sanitária, de modo a coibir a pirataria existente no se- tor, tampouco a implementação de normas válidas para a comer- cialização em todo o mercado nacional que limitem o padrão mínimo da qualidade física e sensorial do café. As indústrias não são homo- gêneas pelo seu posicionamento institucional, mas o seu produto, infelizmente, aos olhos do con- sumidor ainda o é, o que sugere a necessidade de não considerar como commodity o café oferta- do no mercado, providência que já vem sendo tomada pela inicia- tiva privada. Todavia, mesmo com a massificação de campa- nhas de marketing calcadas no desenvolvimento de novas per- cepções de consumo, fica a dúvi- da se o governo (que compra pe- lo menor preço) subsidiará o acesso das populações de baixa renda ao café com qualidade su- perior, considerando este inves- timento como elemento estraté- gico para um setor que gera 12 milhões de empregos e que pode ir além, principalmente se for levada em conta a vertente do co- mércio internacional. LEIA MAIS SOBRE CAFÉ PÁGINA 11 AP Mesmo com a massificação de campanhas de marketing para aumentar o consumo, fica a dúvida se o governo subsidiará o acesso das populações de baixa renda ao café com qualidade superior

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A G R O P E C U Á R I O

E S T A D O D E M I N A S ● S E G U N D A - F E I R A , 3 D E M A I O D E 2 0 0 4

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AARRTTIIGGOO

Questões da e para a indústria de caféMARA LUIZA GONÇALVES FREITAS

Mestranda em administração pela Ufla e

especialista em cafeicultura empresarial

[email protected]

A tradição de país produtorde café, ao longo dos últimosdois séculos, galgou importantesinserções do Brasil na política in-ternacional, todavia não possibi-litou o fomento de uma indús-tria nacional forte, atualmenteem xeque. Num ambiente deineslasticidade da demanda; re-tração do consumo provocadopela queda da renda e do poderde compra, aliado à substituiçãodo produto por outros que naótica do consumidor estão maiscompatíveis com a sua qualida-de de vida; afunilamento doacesso a mercados, proporciona-do pela concentração do seg-mento supermercadista; a auto-fagia que atualmente vive o se-tor em função da guerra de pre-ços, além dos transtornos pro-porcionados por uma carga tri-butária aviltante e as atuais polí-ticas industriais, que, emboraum pouco mais agressivas queas anteriores, ainda são tímidas,criam um ambiente propício pa-ra que a indústria de café de tor-ne-se uma forte candidata auma vaga em uma UTI.

É certo que existe capital in-vestido pela iniciativa privada,além do esforço de implementa-ção de programas de incremen-to de consumo calcado na quali-dade, por parte dos sindicatos re-gionais e associação nacional,mas a grande questão a ser dis-cutida é até quando haverá fôle-go financeiro das indústrias demodo geral, para resistirem àhostilidade das forças ambien-tais, principalmente aquelas li-gadas às políticas públicas? Os

recursos da iniciativa privada,que são escassos e que deveriamconferir maior competitividadeao setor, infelizmente estão sen-do exauridos pelos cofres públi-cos e não retornam à sociedade.

A indústria de café é, por-tanto, um ícone muito repre-sentativo dessa conjuntura vivi-da por toda a indústria nacio-

nal, relegada à política do salve-se quem puder e quem podemais na redução das margensde lucros, o que não deixa de serum atrativo fascinante para oexercício da informalidade.

A alteração da estrutura in-dustrial cria um enigma em po-tencial para um segmento quealmeja a inovação, até mesmo

por uma questão de sobrevivên-cia do agronegócio como um to-do, uma vez que o Brasil é o se-gundo mercado consumidormundial em volume. Se por umlado há a necessidade de melho-rar a qualidade do café ofertado,por um outro não há equalizaçãodos recursos e tampouco a des-burocratização dos órgãos de fo-

mento, de modo a facilitar a dis-tribuição de recursos para a aqui-sição de tecnologia da moderni-zação do parque industrial enem para grandes injeções de re-cursos em pesquisa e desenvolvi-mento, que gerem novos usospara o café, no âmbito industrial,além da bebida, parte nobre doproduto. Outrossim, não há in-vestimentos suficientes em pes-soal que favoreçam o funciona-mento do sistema público de fis-calização sanitária, de modo acoibir a pirataria existente no se-tor, tampouco a implementaçãode normas válidas para a comer-cialização em todo o mercadonacional que limitem o padrãomínimo da qualidade física esensorial do café.

As indústrias não são homo-gêneas pelo seu posicionamentoinstitucional, mas o seu produto,infelizmente, aos olhos do con-sumidor ainda o é, o que sugerea necessidade de não considerarcomo commodity o café oferta-do no mercado, providência quejá vem sendo tomada pela inicia-tiva privada. Todavia, mesmocom a massificação de campa-nhas de marketing calcadas nodesenvolvimento de novas per-cepções de consumo, fica a dúvi-da se o governo (que compra pe-lo menor preço) subsidiará oacesso das populações de baixarenda ao café com qualidade su-perior, considerando este inves-timento como elemento estraté-gico para um setor que gera 12milhões de empregos e que podeir além, principalmente se forlevada em conta a vertente do co-mércio internacional.

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Mesmo com a massificação de campanhas de marketing para aumentar o consumo, fica a dúvidase o governo subsidiará o acesso das populações de baixa renda ao café com qualidade superior