Química - Cadernos Temáticos - Peirce

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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola 7, DEZEMBRO 2007 34 Semiótica na Química      ▲ Recebido em 10/10/06; aceito em 18/10/07  A utilização apropriada de sim- bologias, desenvolvidas ao longo de séculos, constitui uma parte significativa do conheci- mento químico por ser uma ciência que trata da matéria em uma escala submicroscópi ca ou nanoscópica.  A despeito da importância do uso apropriado das simbologias químicas no âmbito da sala de aula de Química, é freqüente a dificuldade por parte de estudantes sobre a compreensão e o uso desses símbolos, o que é apoiado pelo estudo das concepções alternativas de estudantes de Ensino Médio e Superior. No sentido de compreender as re- lações de significação de represen- tações próprias grafadas e faladas que têm lugar na sala de aula de Quí- mica, descrevemos neste trabalho as bases da teoria semiótica de Charles Peirce e sua contribuição para a com- preensão dos processos de significa- ção desse ambiente de ensino. Essa teoria trata explicitamente a relação entre as representações e seus “mo- tores de significação”, o que é impor- tante para a compreensão dos pro- cessos de ensino e aprendizagem Jackson Go is e Marcelo Gio rdan Neste trabalho, apresentamos uma discussão a respeito dos processos de significação de representações químicas na sala de aula a partir da contri buição da teoria semiótica de Peirce . T ambém neste trabalho discutimos a contribuição das representações computacionais nos processos de significação na sala de aula de Química. Com esta reflexão, queremos amparar o desenvolvimento de ambientes virtuais de Ensino de Química em base teórica que nos permita conjugar aspectos epistemológicos da Química com os fundamentos da teoria dos signos na direção de problematizar a produção de significados na sala de aula. Semiótica, representação estrutural, significação que ocorrem em atividades de ensino na sala de aula de Química. Temos como objetivo neste texto trazer uma compreensão mais apro- fundada a respeito dos processos de significação de re- presentações quími- cas na sala de aula a partir da contri- buição da teoria se- miótica de Peirce. Também temos co- mo objetivo discutir a contribuição das representações computaciona is nos processos de significação na sala de aula de Química. Com esta reflexão, queremos, portanto, amparar o de- senvolvimento de ambientes virtuais de Ensino de Química em base teó- rica que nos permita conjugar aspec- tos epistemológicos da Química com os fundamentos da teoria dos signos na direção de problematizar a produ- ção de significados na sala de aula. Peirce: uma breve biografia Charles Sanders Peirce (1839- 1914) nasceu em Cambridge, Massa- chusetts, e é considerado o mais importante dos fundadores da moder- na teoria geral da semiótica (Nöth, 2005). Seus escritos têm recebido atenção internacional por mais de um século e contribuíra m substancialmente pa- ra a base do pensa- mento científico mo- derno (Peirce, 1981). Seu pai, Benjamin Peirce, foi um distinto professor de Mate- mática na Universida- de de Harvard, sendo considerado o mais importante matemático norte-ame- ricano em sua época. Sua família mantinha proximidade dos círculos acadêmicos e científicos, e em sua casa eram recebidos os mais reno- mados artistas e cientistas, de forma que desde criança Peirce já convivia num ambiente de natural inclinação intelectual. Tinha aspirações ao co- nhecimento químico desde os seis anos de idade e aos onze anos escre- veu uma pequena História da Quími- ca. Por influência de seu pai, No sentido de compreender as relações de significação de representações próprias grafadas e faladas que têm lugar na sala de aula de Química, descrevemos as bases da teoria semiótica de Charles Peirce

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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 7, DEZEMBRO 2007

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Semiótica na Química

     ▲▲

Recebido em 10/10/06; aceito em 18/10/07

 Autilização apropriada de sim-bologias, desenvolvidas aolongo de séculos, constitui

uma parte significativa do conheci-mento químico por ser uma ciênciaque trata da matéria em uma escalasubmicroscópica ou nanoscópica.

 A despeito da importância do usoapropriado das simbologias químicasno âmbito da sala de aula de Química,é freqüente a dificuldade por parte deestudantes sobre a compreensão eo uso desses símbolos, o que éapoiado pelo estudo das concepçõesalternativas de estudantes de EnsinoMédio e Superior.

No sentido de compreender as re-lações de significação de represen-tações próprias grafadas e faladas

que têm lugar na sala de aula de Quí-mica, descrevemos neste trabalho asbases da teoria semiótica de CharlesPeirce e sua contribuição para a com-preensão dos processos de significa-ção desse ambiente de ensino. Essateoria trata explicitamente a relaçãoentre as representações e seus “mo-tores de significação”, o que é impor-tante para a compreensão dos pro-cessos de ensino e aprendizagem

Jackson Gois e Marcelo Giordan

Neste trabalho, apresentamos uma discussão a respeito dos processos de significação de representaçõesquímicas na sala de aula a partir da contribuição da teoria semiótica de Peirce. Também neste trabalho discutimosa contribuição das representações computacionais nos processos de significação na sala de aula de Química.Com esta reflexão, queremos amparar o desenvolvimento de ambientes virtuais de Ensino de Química embase teórica que nos permita conjugar aspectos epistemológicos da Química com os fundamentos da teoriados signos na direção de problematizar a produção de significados na sala de aula.

Semiótica, representação estrutural, significação

que ocorrem em atividades de ensinona sala de aula de Química.

Temos como objetivo neste textotrazer uma compreensão mais apro-fundada a respeito dos processos designificação de re-presentações quími-cas na sala de aulaa partir da contri-buição da teoria se-miótica de Peirce.Também temos co-mo objetivo discutira contribuição dasr e p r e s e n t a ç õ e scomputacionais nosprocessos de significação na sala deaula de Química. Com esta reflexão,queremos, portanto, amparar o de-

senvolvimento de ambientes virtuaisde Ensino de Química em base teó-rica que nos permita conjugar aspec-tos epistemológicos da Química comos fundamentos da teoria dos signosna direção de problematizar a produ-ção de significados na sala de aula.

Peirce: uma breve biografia

Charles Sanders Peirce (1839-1914) nasceu em Cambridge, Massa-

chusetts, e é considerado o maisimportante dos fundadores da moder-na teoria geral da semiótica (Nöth,2005). Seus escritos têm recebidoatenção internacional por mais de um

século e contribuíramsubstancialmente pa-ra a base do pensa-mento científico mo-derno (Peirce, 1981).Seu pai, BenjaminPeirce, foi um distintoprofessor de Mate-mática na Universida-de de Harvard, sendoconsiderado o mais

importante matemático norte-ame-ricano em sua época. Sua famíliamantinha proximidade dos círculos

acadêmicos e científicos, e em suacasa eram recebidos os mais reno-mados artistas e cientistas, de formaque desde criança Peirce já convivianum ambiente de natural inclinaçãointelectual. Tinha aspirações ao co-nhecimento químico desde os seisanos de idade e aos onze anos escre-veu uma pequena História da Quími-ca.

Por influência de seu pai,

No sentido de

compreender as relaçõesde significação de

representações próprias

grafadas e faladas que têmlugar na sala de aula de

Química, descrevemos asbases da teoria semiótica

de Charles Peirce

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bacharelou-se em Física e Matemá-tica na Universidade de Harvard, em1859, e se graduou em Química coma qualificação   summa cum laude(aprovado com louvor) na LawrenceScientific School em 1863 (Sebeok eSebeok, 1987). Peirce se considerouquímico por muito tempo durante suavida, mesmo quan-

do sua busca cientí-fica o levou para ou-tras áreas do conhe-cimento (Peirce,1981). Além da Quí-mica, ele tinha inte-resse em várias ou-tras áreas do conhe-cimento como Mate-mática, Física, As-tronomia, Biologia,Economia, Geodé-sica, Topografia, Car-tografia, Lingüística, Filologia, His-tória, Arquitetura, Artes Plásticas, Qui-rografia, Línguas (conhecia cerca dedez), Psicologia e era um profundoconhecedor de Literatura. Trabalhoua maior parte de sua vida profissionala serviço do governo federal em As-tronomia e Geodésica durante o diae, de 1861 a 1891, no observatórioda Universidade de Harvard durantea noite (Santaella, 2005). O centro detodo o interesse de Peirce era a Ló-

gica, que ele considerava ser apenasum outro nome da Semiótica. Con-forme veremos abaixo, sua formaçãobásica e inicial em Química provavel-mente contribuiu de maneira substan-cial para o desenvolvimento de suateoria semiótica.

A Semiótica

 A Semiótica é a ciência dos pro-cessos significativos (semiose), dossignos lingüísticos e das linguagens(Nöth, 2005). Esses processos signi-

ficativos são mediados pela materia-lidade da palavra grafada ou falada,de símbolos escritos, gestuais ou na-turais, e acontecem sempre que algu-ma coisa significa algo para alguém(Peirce, 2005). Dessa forma, além deser necessário que haja uma veicula-ção material do signo, é necessáriotambém que este seja percebido ecompreendido por um ser vivo.

Essa ciência propriamente dita te-

ve o seu inicio com o filósofo JohnLocke (1632-1704), que postulou uma“doutrina dos signos” com o nome deSemeiotiké, em 1690, na sua obraEssay on human understanding (Nöth,2005). Charles Sanders Peirce, noentanto, deu a contribuição de maiorpeso para essa ciência que foi a últi-

ma ciência humana a

ser estabelecida co-mo área de conheci-mento no início doséculo XX.

 A semiótica, quetambém tem porobjeto de estudo to-das as linguagenspossíveis (Santaella,2005), traz importan-tes contribuições pa-ra o entendimento dopapel da linguagem

nas ações humanas. Nesse ponto,não se deve confundir linguagemcom

 língua. Por língua, pode-se entendera língua nativa, materna ou pátria, utili-zada cotidianamente para a comuni-cação de forma escrita e oral. Noentanto, essa comunicação tambémpode acontecer por intermédio deoutras  linguagens como imagens,gráficos, sinais, luzes, fenômenos na-turais, por meio do cheiro e do tato, emuitas outras formas que constituem

diferentes formas de linguagens.De uma forma especial, o estudodo fenômeno de promoção de signi-ficado é importante para uma melhorcompreensão das ações que ocor-rem no ambiente de ensino, media-das principalmente pelo uso da línguamaterna, mas também por um con-junto de simbologiaspróprias das dife-rentes áreas de co-nhecimento e pordiferentes agentes

presentes na situa-ção de ensino. Pelofato de a Químicautilizar uma linguagem escrita e faladatão relacionada com o uso de sim-bologias exclusivas ou compartilha-das por outras áreas das ciênciasexatas, é importante a utilização deuma abordagem que considere expli-citamente o papel da mediação dossignos lingüísticos na constituição do

conhecimento humano, em especialnos processos de significação.

A tríade signo, objeto e interpretante

 A teoria semiótica de Peirce pro-põe que o conhecimento humano po-de ser representado por uma tríade:signo, objeto e interpretante. De acor-do com o próprio Peirce, um signo é

tudo aquilo que representa algo paraalguém como, por exemplo, sinais es-critos ou gestuais, desenhos, símbo-los, situações ou imagens. Dentro daidéia da tríade, o signo é tudo aquiloque está relacionado com uma se-gunda coisa e que a representa. Essasegunda coisa que é representadapelo signo é chamada de objeto, aqual pode existir concretamente ounão. A palavra “béquer” pode sercitada como exemplo de signo quetem um objeto com existência con-creta. Quando essa palavra (signo) élida, a mente do leitor é levada a ima-ginar um artefato vítreo de formaaproximadamente cilíndrica aberto naparte de cima e fechado na parte debaixo. Na teoria semiótica, esse arte-fato é denominado de objeto. Poroutro lado, a palavra “saudade” podeser citada como exemplo de signoque tem um objeto com existênciaabstrata, pois ela leva a mente doleitor a um sentimento relacionado à

ausência de alguém ou algo. A mediação é a principal caracte-rística dos signos, pois eles se colo-cam entre o sujeito e o mundo tantopara organizar atividades de produ-ção material e simbólica, quanto paraestruturar o pensamento. Ainda deacordo com Peirce, o signo dirige-se

a alguém, isto é, criana mente dessa pes-soa um signo equi-valente ou mais de-senvolvido, deno-

minado interpretan-te, que está relacio-nado aos construtos

teóricos existentes nas mentes dequem pratica as mais variadas formasde conhecimento. Nos exemploscitados acima, as palavras “béquer”e “saudade” criam na mente do leitoras idéias respectivas relacionadas aessas palavras. Dessa maneira, osigno, o seu objeto e o interpretante

 A Semiótica é a ciência dosprocessos significativos,

dos signos lingüísticos edas linguagens. Esses

processos significativos sãomediados pela

materialidade da palavra

grafada ou falada, desímbolos escritos, gestuais

ou naturais, e acontecemsempre que alguma coisa

significa algo para alguém

 A teoria semiótica dePeirce propõe que o

conhecimento humanopode ser representado por 

uma tríade: signo, objeto einterpretante

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Semiótica na Química

criado na mente das pessoas formamuma tríade, a partir da qual podemser mais bem compreendidos os pro-cessos de significação.

 Ainda de acordo com Peirce, cadasigno cria um interpretante que, porsua vez, é representamen de um novosigno, de forma que a semiose resultanuma série de interpretantes suces-

sivos,   ad infinitum. Não haveria ne-nhum primeiro nem um último signonesse processo de semiose ilimitada(Peirce, 2005). Nem por isso, entre-tanto, a idéia de semiose infinita impli-ca num circulo vicioso ou auto-refe-rente. Ao contrário, esse processosucessivo estaria se referindo à idéiade dialogia no pensamento – diálogoeste entre as várias fases do ego –,de maneira que, sendo dialógico, opensamento se comporia essencial-mente de signos. Como cada pensa-mento tem de dirigir-se a um outro, oprocesso contínuo de semiose (oupensamento) só poderia ser interrom-pido, mas nunca realmente finalizado.Na vida cotidiana, devido às exigên-cias práticas das realizações pesso-ais ou sociais, as séries de idéias nãocontinuariam de fato ad infinitum, mastecnicamente a seqüência da semio-se seria sempre possível (Nöth, 2005,p. 72).

Do ponto de vista de sua relação

com os próprios elementos da tríadepeirceana, os signos podem ser clas-sificados em três possíveis grupos:signo em si mesmo ou primeiridade;sua relação com seus objetos ou se-cuntidade; sua relação com seusinterpretantes ou terceiridade (Nöth,2005). Neste traba-lho, escolhemos rela-cionar as dimensõesdo conhecimentoquímico com as pos-síveis relações dos

signos com seusobjetos. Isso porqueo estudo do signoem si mesmo é debase ontológica e sua contribuiçãoacontece no âmbito do conhecimentoda natureza do signo, o que não trazcontribuições diretas ao estudo sobreo desenvolvimento de ambientes deEnsino de Química nos quais esta-mos interessados.

Já o estudo do signo em relaçãoao seu objeto descreve de que formao signo promove seu significado (Peir-ce, 2005). Como veremos adiante, nasua especificidade, o conhecimentoquímico dispõe de formas gráficas efonéticas peculiares que são usadasquando lidamos coma interpretação de

fenômenos da trans-formação dos mate-riais. O modo comoessas representa-ções promovemseus significados e acompreensão dasações que tem lugardurante o desenvolvi-mento das atividadesde ensino sãoquestões importan-tes no ensino da Química, em espe-cial quando a natureza dessas repre-sentações é circunscrita às suas fun-ções de mediação e de constituiçãodo conhecimento.

 Além disso, o campo coletivo nasituação de ensino e aprendizagem,ou seja, a parte que pertencente tantoao professor quanto ao estudantetambém está no âmbito das relaçõesentre os signos e seus objetos, poisos interpretantes estão nas mentes decada participante da situação de sala

de aula, de forma que a relação entreo signo e o interpretante pertenceapenas aos indivíduos particularmen-te. Com isso, o campo de ação doprofessor na situação de ensino, quepode ser visto como um processo designificação numa relação dos signos

com seus objetos,deve ser entendidocomo um campo co-mum a dois lados,de onde se podemextrair importantes

relações nos proces-sos de ensino eaprendizagem.

Faz-se necessá-rio observar que a abordagem do pro-cesso de significação que expomosnão leva em consideração fatores denatureza sociológica ou culturaiscomo, por exemplo, o valor atribuídopela coletividade às relações de nexoentre o signo e o objeto ou, ainda, o

propósito dessas relações para finsde organizar ações no coletivo, entreoutros fatores (Giordan, 2006).

Considerando as relações do sig-no com seu objeto, existem três tiposde signo: ícone, índice e símbolo(Peirce, 2005). Os signos que têm o

poder de significa-ção por ostentar al-

guma semelhançacom o seu objeto,semelhança essa vi-sual ou de proprie-dades, são chama-dos de ícones. Co-mo exemplo deícone dentro do co-nhecimento químico,podemos sugerir autilização de um‘objeto molecular’

concreto do tipo bola-vareta de umaespécie química qualquer como, porexemplo, a água, no contexto de umaaula sobre a descontinuidade damatéria. No mesmo instante em queo professor utilizar esse tipo de recur-so em sua aula, a atenção do estu-dante será dirigida para as esferasdistintas, talvez com colorações dife-rentes, e ligadas entre si. Esse tipode representação tem a intençãoexplícita de enfatizar duas proprie-dades: a descontinuidade da matéria

nas unidades discretas da molécula,bem como a tridimensionalidade doente molecular. Dessa forma, porsemelhança com as teorias de Daltonsobre a descontinuidade da matériae de Lewis sobre os pares eletrônicos,as bolas simbolizam os átomos dehidrogênio e oxigênio e as varetas, asligações químicas. Em nosso exem-plo de ícone, qualquer pessoa sem omínimo conhecimento químico (inter-pretante) e, portanto, sem nunca tertido contato com a idéia de molécula

(objeto) poderá identificar no ícone‘objeto molecular’ unidades discretasdistintas separadas por algo que asune. Temos, portanto, a função depromover significação por semelhan-ça de propriedades entre o ícone(objeto molecular) e seu objeto (entemolecular).

Os signos que promovem signifi-cação em virtude de uma ligação fí-sica direta com o objeto, indicando

Do ponto de vista de sua

relação com os próprioselementos da tríadepeirceana, os signos

podem ser classificados em três possíveis grupos: signo

em si mesmo ouprimeiridade; sua relação

com seus objetos ou

secuntidade; sua relaçãocom seus interpretantes ou

 terceiridade

 Ainda de acordo com

Peirce, cada signo cria uminterpretante que, por sua

 vez, é representamen deum novo signo, de forma

que a semiose resulta numasérie de interpretantessucessivos, ad infinitum 

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sua existência, são chamados de índi-ces. Como exemplo de índice dentrodo conhecimento químico, podemoscitar a utilização do símbolo do ele-mento químico carbono (C) no con-texto de uma aula sobre elementosquímicos. Tão logo o professor utilizeessa simbologia, aatenção do estudan-

te será dirigida para oelemento químico car-bono que, nessa si-tuação, geralmentetem apenas o nomecomo principal pro-priedade. Os índicespromovem significa-ção pelo fato de indi-carem o objeto e deserem automatica-mente afetados por ele, de forma quea indefinição do objeto acarreta a per-da do significado pretendido. No casoda aula de elementos químicos, se oprofessor não explicar com antece-dência que a letra ‘C’ representa o ele-mento químico carbono (objeto), aescrita desta não será de nenhumautilidade para a significação preten-dida. Os índices não dependem dointerpretante, uma vez que apenasapontam para outro signo, obtendoassim seu significado. No caso danossa aula de elementos químicos,

se estivesse presente um estudanteque não conhecesse o idioma local,ele poderia mesmo assim compreen-der plenamente que a letra ‘C’ maiús-cula estaria indicando um objeto utili-zado na aula (carbono).

Finalmente, os signos que são as-sociados aos seus objetos em virtudede uma lei ou convenção são chama-dos de símbolos. Todas as palavrassão símbolos porque não denotamcoisas em particular, mas espécies decoisas, próprios da sua língua de ori-

gem. Como exemplo de símbolo,podemos citar a palavra ‘fósforo’ nu-ma aula sobre elementos químicos.

 Antes mesmo de o professor explicara existência de um elemento químicocom esse nome, ao se pronunciaressa palavra, vem à mente do estu-dante a idéia cotidiana do fósforo deacender fogo. Não é necessário quese apresente algum objeto que mos-tre o significado dessa palavra na lín-

gua portuguesa, pois ele já existe namente do estudante. A palavra sozi-nha não denota um palito de fósforosem particular ou o elemento químicofósforo, mas um tipo ou algumas pos-sibilidades de tipo de objeto deconhecimento. Os símbolos depen-

dem do interpre-tante porque é nele

que reside a lei deassociação ao obje-to. Não dependemde si mesmos, co-mo no caso dos íco-nes, para promovero significado por-que não têm qual-quer semelhançacom o objeto. E nãodependem de estar

indicando fisicamente o objeto noinstante em que são proferidas (comono caso dos índices), porque já existeuma associação da palavra com aidéia em questão.

Fora de seus contextos, toda for-ma de referência verbal na sala deaula, tomando cada palavra separa-damente, é simbólica. Isso porquesão utilizadas palavras como meio dereferência aos objetos de conheci-mento, a menos que o professor te-nha diante de si o laboratório químicoou o quadro negro, pois dessa forma

poderá apontar para objetos ou utili-zar diferentes formas de grafia parapromover significação de qualidadeindicial. Idealmente, se considerar-mos apenas o âmbito de significadosda língua portuguesa, toda forma dereferência falada, fora de seus contex-tos, é simbólica, umavez que os estudan-tes certamente com-preenderão isolada-mente quase todasas palavras que fo-

rem faladas. Dentrodos significados docontexto da sala deaula de Química, noentanto, essas for-mas de referência po-dem ser simbólicas, indiciais ouicônicas, conforme descrito acima.

 Ainda de acordo com Peirce, é di-fícil, senão impossível, encontrar al-gum signo desprovido da qualidade

indicial. Semelhantemente, dentro doconhecimento químico, os mesmossignos poderão assumir qualidadeindiciais, icônicas e simbólicas, de-pendendo do contexto em que sãoaplicados. O desejo dos educadoresé que o ensino promova a migraçãodas relações de qualidades indicial eicônica dos signos próprios do co-

nhecimento químico, para uma rela-ção de qualidade simbólica, ou seja,que os signos alcancem seus signifi-cados por se relacionarem com cons-trutos teóricos presentes nas mentesdos estudantes.

As dimensões do conhecimento

químico e os signos

Uma dificuldade freqüente dos es-tudantes nas aulas de Química é ade não entenderem o que o profes-sor está dizendo. Quando profissio-nais da Química se comunicam entresi, quase sempre não há necessidadede se explicitar se as referências sãofeitas no nível macroscópico, submi-croscópico ou simbólico, pois estesoperam apropriadamente entre todosos níveis. As referências a cada umadas dimensões do conhecimento sãoplenamente compreendidas pelosinterlocutores uma vez que conse-guem transitar amplamente por todaselas. Já os estudantes geralmente

sentem dificuldade de entender a qualdimensão do conhecimento os profis-sionais se referem quando é neces-sário transitar entre elas.

Considerando individualmente adimensão simbólica, macroscópica esubmicroscópica do conhecimento

químico, quais sãoos tipos de relaçãosemiótica que pre-valecem entre ossignos e seus obje-tos? Passamos a

analisar, sob a visãodos tipos de relaçãode qualidade dossignos, as formas dereferência a cadauma das três dimen-

sões do conhecimento químico. A dimensão macroscópica do co-

nhecimento químico, conforme des-crito acima, trata dos fenômenos eprocessos que são perceptíveis e

Os símbolos dependem dointerpretante porque é nele

que reside a lei deassociação ao objeto. Não

dependem de si mesmos,

como no caso dos ícones,para promover o

significado porque não têmqualquer semelhança com

o objeto

Os signos que são

associados aos seusobjetos em virtude de uma

lei ou convenção sãochamados de símbolos.

 Todas as palavras sãosímbolos porque não

denotam coisas emparticular, mas espécies de

coisas, próprios da sua

língua de origem

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Semiótica na Química

observáveis por meio de informaçõessensoriais e medições, como varia-ção térmica, cores e cheiros em umlaboratório. Os professores se refe-rem a esse nível de conhecimento,com muita freqüência, de forma oralapós uma aula de laboratório. Nessecaso, são as palavras que constituemos signos a serem compartilhados

pelo professor. Quando o professorfala sobre determinadas cores visua-lizadas, ele está se referindo a eventosespecíficos já conhecidos. Esse tipode informação é facilmente apreen-dido pelos estudantes, de forma quenas séries iniciais onde ocorre o con-tato com a Química, aquilo que pri-meiro chama a atenção e provoca cu-riosidade são as informações trazidasdo laboratório. Os estudantes nãosentem dificuldade com as referên-cias indiciais que os professores fa-zem na sala de aula: fica bastanteclaro a que o professor está se refe-rindo quando, por exemplo, evoca acoloração de uma solução básica empresença de fenolftaleína. Existe ca-ráter simbólico na representação ma-croscópica já que na situação de salade aula podem ser feitos experimen-tos de pensamento utilizando conhe-cimentos trazidos do cotidiano.Podemos citar como exemplo uma si-tuação em que o professor pede para

os estudantes imaginarem o queacontece com cubos de gelo que sãocolocados dentro de um recipiente edeixados em temperatura ambiente.

 As palavras do professor vão direcio-nar o pensamento dos estudantesnão para uma situação especificavivida por eles, mas para conheci-mentos gerais rela-cionados ao gelo e àtemperatura ambien-te, ou seja, para ointerpretante. Nesse

caso, não existe ca-ráter icônico porque,via de regra, nãoexiste semelhançaentre a representação macroscópicae o objeto de conhecimento.

Dessa forma, quando os profes-sores se referem à dimensão macros-cópica do conhecimento, na maiorparte das vezes, as palavras promo-vem seus significados por indicar a

existência de algo e, em alguns ca-sos, elas o fazem a partir dos constru-tos existentes na mente dos estudan-tes. Apesar de existirem essas duascomponentes semióticas na dimen-são macroscópica – indicial e simbó-lica – e de os professores por vezesse referirem a ambasnuma mesma fala,

não existe a menorpossibilidade de con-fusão por parte dosalunos porque a refe-rência indicial indica omundo concreto, re-al. O virtual, ou cons-truto teórico, que é areferência simbólica,obtém significado doconcreto, que é a forma de referênciaindicial. A vontade dos educadores éque durante as atividades de ensino,nessa dimensão do conhecimento,os estudantes dependam cada vezmenos de referências indiciais e queestas sejam transformadas em cons-trutos teóricos capazes de seremacessados por meio de referênciasimbólica ou do interpretante.

 A dimensão submicroscópica doconhecimento químico trata do nívelmolecular dos fenômenos químicos,como o movimento e a interação daspartículas. Esse nível de conhecimen-

to é um construto teórico resultado damoderna unificação do conhecimentoquímico teórico e experimental (Hof-fman; Laszlo, 1991). Nessa dimensãodo conhecimento, os signos resultamde uma composição de palavras,figuras, analogias e metáforas. Emaulas de Química, os professores se

referem a esse nívelde conhecimento ge-ralmente duranteexplicações sobretransformações ou

propriedades quími-cas. Quando o pro-fessor fala sobre coli-sões entre moléculas

numa aula sobre cinética de partícu-las, é comum a apresentação defiguras nas quais existam partículasde formas variadas colidindo umascontra as outras. O professor não serefere a uma experiência vivida direta-mente pelo estudante, que seria a

visualização das partículas, mas utili-za analogias e metáforas para seaproximar do conhecimento preten-dido. Esse é o tipo de referênciasemiótica icônica, uma vez que o pro-fessor confia na relação de seme-lhança existente entre o objeto de co-

nhecimento, que se-ria o estudo das pro-

priedades cinéticasde moléculas, e osigno apresentadoaos estudantes.

Esse tipo de refe-rência pode apre-sentar problemas,pois em toda analo-gia ou metáfora exis-tem significados que

se deseja que os estudantes se apro-ximem, como a noção de descon-tinuidade da matéria, e existem outrossignificados que se deseja que osestudantes se afastem, como a colo-ração dos entes moleculares. Casonão seja tratado adequadamente, po-de se tornar em uma fonte de concei-tos alternativos quando a semelhan-ça de propriedades entre o ícone e oobjeto não é tomada como motor dasignificação e quando não se discuteexplicitamente quais são os signi-ficados corretos e os incorretos.

Essa propriedade da referência

icônica nos coloca, ao mesmo tempo,uma limitação e um potencial para li-darmos com o conhecimento científi-co, uma vez que figuras, gráficos eesquemas se tornam universais jus-tamente em função de sua múltiplacapacidade de referência. Se a mul-tiplicidade de referência abre um focode disputa na negociação de signifi-cados, ela também nos faz lançarmão de outras formas de representa-ção, com qualidades indicial e simbó-lica, para exatamente selecionar uma

propriedade em particular, colocandoem movimento os três motores dasignificação. Ou seja, nas situaçõesde ensino, a relação de semelhançaentre o ícone e o objeto é fonte dedisputa entre o conjunto de critériosadotados pelo professor, que é apoia-do no conhecimento oficial, e o con-junto de critérios adotados pelosestudantes. Essa mesma multiplici-dade potencializa a criatividade do

 A dimensão

submicroscópica doconhecimento químico

 trata do nível molecular 

dos fenômenos químicos,como o movimento e ainteração das partículas

Nas situações de ensino, a

relação de semelhançaentre o ícone e o objeto é fonte de disputa entre o

conjunto de critériosadotados pelo professor,

que é apoiado noconhecimento oficial, e o

conjunto de critérios

adotados pelos estudantes

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estudante para estabelecer vínculosentre três formas de representação demodo a construir interpretações sobreo fenômeno que se aproximem doconhecimento oficial. Se o ícone éfonte para elabora-ção de significadosdiversificados, é jus-tamente essa carac-

terística que faz deleum signo particular-mente útil para o en-sino.

Existe carátersimbólico quando setrabalha com a di-mensão submicros-cópica, já que na si-tuação de sala de aula observa-se umesforço por parte dos professorespara fazer referência a construtosformados nas mentes dos estudan-tes. Podemos citar como exemplo derepresentação, com qualidade sim-bólica, quando o professor, em umaaula sobre os estados físicos damatéria, procura exemplificar a proxi-midade relativa dos átomos no estadode agregação sólido da matéria. Oprofessor pode evocar oralmente co-mo exemplo um recipiente contendopequenas esferas (experimento depensamento), de forma a exemplificara pouca movimentação relativa entre

os átomos comparada aos outrosestados de agregação da matéria.O caráter indicial em representa-

ções da dimensão submicroscópicado conhecimento químico deve serexplorado com cautela na sala deaula. Isso porque as representaçõesdessa dimensão do conhecimentoquímico não apontam (pelo menosnão deveriam apontar) diretamentepara nenhum objeto conhecido nomundo real dos estudantes ou dequalquer ser humano. Ao contrário, o

objeto teórico do mundo no nível mo-lecular deverá ser construído ao longodo curso de Química, a partir de pro-priedades e conceitos que vão sendoaos poucos adicionados aos já exis-tentes. Dessa forma, existe umainconsistência conceitual caso a utili-zação de objetos moleculares con-cretos ou virtuais aponte diretamentepara objetos concretos do mundosensível à percepção humana. Pelo

contrário, no uso de tais objetos, deveser enfatizado o caráter icônico de se-melhança e analogia com as proprie-dades de moléculas e átomos e nãoum caráter indicial, para que os estu-

dantes não pensemque os átomos têmcores ou que as liga-ções químicas são

bastões. Caso existacaráter indicial ao seutilizar os signos des-sa dimensão, isso seconstituirá num pro-blema em que incor-rerão erros concei-tuais profundos, jáque sempre que for

feita referência a ela, a atenção do es-tudante será levada para as figuras eformas concretas e não para as fun-ções que elas desempenham naconstrução de interpretações do fenô-meno.

Dessa forma, quando os profes-sores se referem verbalmente à di-mensão submicroscópica do conhe-cimento, em alguns casos, as pala-vras promovem seus significadosdevido à semelhança existente entreas figuras presentes nas metáforas eo modelo de partículas atualmenteaceito e, em outros casos, elas o fa-zem com base nos construtos men-

tais dos estudantes. Nesse caso, exis-te possibilidade de confusão entreessas duas referências porque osestudantes podem não saber se oprofessor está se referindo às seme-lhanças icônicas ou ao construto teó-rico simbólico que seespera existir em suamente ou mesmo sea referência feita temqualidade indicial. Osprofessores, nessecaso, fazem referên-

cia a duas compo-nentes virtuais emuma mesma dimen-são do conhecimen-to. Também nessecaso, a vontade dosprofessores é que durante as ativida-des de ensino, nessa dimensão doconhecimento, os estudantes depen-dam cada vez menos de referênciasicônicas e que elas sejam transfor-

madas em construtos teóricos capa-zes de serem acessados por meio dareferência simbólica do interpretante.

 A dimensão simbólica do conhe-cimento químico trata das represen-tações qualitativas, utilizando nota-ções, terminologias e simbolismosespecializados, e também trata dasrepresentações quantitativas, quando

são utilizados gráficos e equaçõesmatemáticas. Esse nível de conheci-mento é fruto da experiência acu-mulada dos químicos por meio depráticas experimentais e teóricas, etambém de congressos mundiaisonde são convencionadas as melho-res formas de notação. O signo a sercompartilhado pelo professor é com-posto de palavras, notações e equa-ções, como no caso de uma aula emque há resolução de exercícios decálculo de concentração de soluções.Esses signos compostos, por suavez, significam grandezas, leis e cons-trutos teóricos, freqüentementecompartilhados pelos significados emtorno de conceitos matemáticos. Emaulas de Química, os professores sereferem a essa dimensão do conhe-cimento durante a execução de pro-cedimentos teóricos utilizando equa-ções, grandezas e leis como, porexemplo, quando resolvem proble-mas teóricos junto com os estu-

dantes.Quando o professor resolve umexercício de cálculo de concentraçãode solução de forma dialogada emsala de aula, são comuns as referên-cias às grandezas e às leis na forma

de notações espe-cializadas e equa-ções antes, durantee depois da resolu-ção. Vamos tomarcomo exemplo a re-solução de um exer-

cício na qual a con-centração de umasubstância dependada temperatura dasolução e que sejanecessário converter

o valor de concentração em massapara concentração molar. Para resol-ver o exercício, o professor lança mãodos três tipos de referência semiótica.

 A referência de qualidade icônica se

 A dimensão simbólica doconhecimento químico trata

das representaçõesqualitativas, utilizando

notações, terminologias esimbolismos especializados,

e também trata dasrepresentações

quantitativas, quando são

utilizados gráficos eequações matemáticas

O caráter indicial emrepresentações da dimensão

submicroscópica do

conhecimento químico deveser explorado com cautela, já que as representações

dessa dimensão do

conhecimento químico nãoapontam diretamente para

nenhum objeto conhecidono mundo real

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Semiótica na Química

faz presente quando gráficos sãoutilizados para se chegar a uma con-clusão, seja por meio de semelhançageométrica ou algébrica. O signo, naforma de gráfico, por exemplo, promo-ve significação pelo simples fato deexistir semelhança visual ou de proprie-dades entre ambos. Em gráficos car-tesianos, a semelhança com o objeto,

no caso uma grandeza como a tem-peratura, ocorre namedida em que o au-mento ou a diminui-ção da grandezaacompanha o au-mento ou a diminui-ção do valor daabscissa ou da orde-nada. Quando a aten-ção dos estudantes édirecionada para talsemelhança na dimensão macroscó-pica do conhecimento químico, a pro-moção do significado ocorre por meiode qualidade semiótica icônica.

 A referência indicial também estápresente nesse exemplo de resoluçãode exercícios, quando se represen-tam grandezas por meio de letras ousímbolos especiais. Quando o profes-sor estabelece em uma aula que aletra ‘M’ maiúscula se refere à con-centração molar, ao terminar de efe-tuar o cálculo da concentração junto

com os estudantes e escrever o valorfinal da concentração na forma‘M = 2,0 mol/L’, o pensamento doestudante será levado de volta aosignificado inicial da letra ‘M’, no casoconcentração molar. Apesar de du-rante a resolução algébrica do exercí-cio o pensamento dos estudantesprovavelmente estar voltado para oalgoritmo de resolução em um deter-minado momento, geralmente ao fi-nal da resolução, seu pensamentoserá levado ao significado do cálculo

dentro do contexto da Química. Essasletras ou símbolos recebem seussignificados porque estão simples-mente indicando a existência dasgrandezas, o que configura a signifi-cação de qualidade indicial.

E a referência de qualidade simbó-lica está presente quando se lançamão de conceitos e idéias já domina-dos pelos estudantes para a resoluçãodo problema. Em nosso problema de

resolução de exercícios de concentra-ção, podemos citar como exemplo aexemplificação do processo de solubili-zação de determinado sólido solúvelem água como, por exemplo, cloretode sódio. Tão logo o professor inicie adescrição da adição de um sólidobranco em água, a mente dos estudan-tes será facilmente levada a imaginar

uma cena parecida, não se referindo auma situação espe-cífica, mas a significa-dos já dominados pe-los estudantes comoágua, sal de cozinha,recipiente vítreo, obje-to para agitar a solu-ção e outros. Nessecaso, o conceito deque sal de cozinha sedissolve em água é

plenamente conhecido por estudantesdo Ensino Básico, e pode ser acessa-do pelos professores por meio de refe-rências exclusivamente verbais paradar significação de qualidade simbó-lica no contexto da aula de Química.

 Assim, a exemplificação do processode solubilização de um sal promoveseu significado a partir de relações comoutras palavras e outros conceitos co-nhecidos dos estudantes (caráter sim-bólico), e não por alguma semelhançapresente no próprio signo (caráter

icônico) ou por estar este exemplifi-cando um caso específico do objetode conhecimento (caráter indicial).

Dessa forma, quando os profes-sores se referem à dimensão simbóli-ca do conhecimento, algumas vezesas palavras promovem seus signifi-cados por indicar a existência de algo;outras vezes, devido à semelhançaexistente entre as figuras presentesnas metáforas e os modelos atual-mente aceitos; e em outros casos, aspalavras promovem seus significados

pela relação com construtos teóricos.Nesse caso, a possibilidade de con-fusão entre os três tipos de qualidadesemiótica é grande, e os estudantescertamente ficarão confusos por nãosaberem qual tipo de qualidade(icônica, indicial ou simbólica) é omais apropriado para que as palavrase representações diversas tenhamsignificado. O caminho mais curto en-contrado pelos estudantes para a

resolução de problemas é tratar essadimensão do conhecimento químicode uma forma familiar a eles: a mate-mática. Os professores, nesse caso,fazem referência aos significadoscom o uso das três qualidades semió-ticas em uma mesma dimensão doconhecimento. Também nesse caso,a vontade dos professores é que,

durante as atividades de ensino nessadimensão do conhecimento, osestudantes dependam cada vez me-nos de referências icônicas, indiciaise simbólicas simples, e que estassejam transformadas em construtosteóricos capazes de serem acessa-dos por meio de referências simbó-licas complexas.

Os signos e as representações químicas

computacionais: O Ensino de Química

Tendo indicado os principais ele-mentos de ligação entre a teoriasemiótica de Peirce e as situações deEnsino de Química, vamos nos con-centrar agora na confluência desseensino com as interfaces computacio-nais. O desenvolvimento do computa-dor tem influenciado fortemente seuuso na escola, de forma que a minia-turização pode ser considerada comoum dos fatores que possibilitaram a po-pularização dessa tecnologia ao per-mitir o acesso dos usuários domésticos

ao processamento e armazenamentomassivo de informação no computadorde mesa. Além disso, os efeitosproduzidos pelas interfaces gráficasvêm sendo aprimorados desde acriação de ambiente de janelas. Comisso, a comunicação entre usuário ecomputador é feita por meio de ícones,e a execução dos aplicativos não exigeconhecimento de programação porparte do aluno (Giordan, 2005).

Quando as representações sãomediadas pelos recursos gráficos ofe-

recidos atualmente pelo computador,a relação entre os signos e seus obje-tos, em algumas dimensões da reali-dade química, pode ser profunda-mente modificada. Os recursos de ani-mação de imagens e simulação ofere-cidos pelo uso dos computadorespodem trazer um novo caminho deconstrução do conhecimento na salade aula de Química.

No nível macroscópico, os signos

 Ao terminar de efetuar o

cálculo da concentração junto com os estudantes e

escrever o valor final daconcentração na forma

‘M = 2,0 mol/L’, opensamento do estudante

será levado de volta ao

significado inicial da letra ‘M’

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geralmente se fazem presentes na salade aula de Química ou laboratóriodidático pelo emprego das palavrascomo forma de referência aos fenôme-nos ou da percepção destes por meiodos sentidos como a visualização, ocheiro ou a variação de temperatura,por exemplo.

Quando se utiliza o computador, no

entanto, o caráter icônico das repre-sentações nessa dimensão do conhe-cimento químico passa a ter potencialde uso benéfico ao ensino. O própriofenômeno a ser estudado pode serrepresentado em uma animação sema necessidade de os estudantes ovivenciarem em laboratório. Em algunscasos, isso é necessário devido àpericulosidade do fenômeno, como nocaso das transformações químicasque ocorrem em vulcões em erupção.Com isso, o caráter icônico estarápresente de forma a tornar mais claroum experimento de pensamento quenão foi vivenciado pelo estudante.Quando o experimento de pensamentoé apenas narrado como, por exemplo,as mudanças de fase da água, estepode ser imaginado em alguns casos,uma vez que o estudante conhece pelomenos a maior parte dos seus compo-nentes como cubos de gelo, água naforma líquida e vapor d’água. Emoutros casos, o experimento pode não

ser tão facilmente imaginável, como nocaso de fenômenos de transmutaçãonuclear que ocorrem em reatores atô-micos. Ao se utilizar uma animação, aimaginação é auxiliada pela visualiza-ção gráfica. Além disso, o foco devisualização do estudante pode serdirecionado corretamente para aspropriedades e suas representaçõescorrespondentes como, por exemplo,a estabilização da temperatura duran-te mudanças de fase e a forma gráficada representação equivalente. A

utilização de recursos computacionaispara visualização de representaçõesdessa dimensão do conhecimentoquímico possibilita a visualização decaracterísticas importantes, do pontode vista do conhecimento químico, defenômenos de difícil visualização direta.

No nível submicroscópico, os sig-nos se fazem presentes nas represen-tações imagéticas, além do uso daspalavras como forma de referência aos

construtos teóricos próprios dessadimensão do conhecimento químico.O caráter icônico dessas represen-tações está presente na sala de aulade Química geralmente na forma de fi-guras estáticas que simbolizam os áto-mos e suas várias formas de repre-sentação e agrupamento no caso delivros didáticos e modelos atômicos

concretos. Mesmo quando o compu-tador é utilizado como meio de repre-sentação, é freqüente a utilização deimagens em que a natureza particuladada matéria é apresentada em umformato no qual muitas característicaspróprias desse nível de representaçãosão passadas por alto.

 A utilização do computador podeser feita de forma que a aparência su-gerida da qualidade icônica das repre-sentações nessa dimensão do conhe-cimento químico traga mais benefíciosao ensino da Quími-ca. Os recursos grá-ficos computacio-nais, amplamentedisponíveis na atuali-dade, aliados à utili-zação de  softwaresde código aberto,junto com o conheci-mento sobre simula-ções por mecânica edinâmica molecular, podem apresentar

com clareza muitas peculiaridades epropriedades inerentes aos processosrelativos a interações dinâmicas no ní-vel de partículas atômicas como, porexemplo, a movimentação relativa en-tre as partículas devido a colisõesintermoleculares e a própria tempera-tura. Dessa forma, o caráter icônicodesse tipo de representações pode serutilizado para construir conhecimentoque ou não seria possível de outraforma ou seria muito mais difícil utili-zando apenas palavras e imagens es-

táticas. A utilização de recursos com-putacionais para visualização derepresentações dessa outra dimensãodo conhecimento químico pode trazerpara os estudantes uma perspectivamais alinhada com o conhecimentocientífico atualmente aceito.

 Além das contribuições em cada di-mensão do conhecimento químico, ocomputador traz ainda a possibilidadede integração de representações dos

níveis macroscópico, submicroscópicoe simbólico ou de composições deduas dessas dimensões do conheci-mento, com o objetivo de propiciar aelaboração de significados por meiode representações, principalmente donível simbólico do conhecimento quí-mico. Nesse sentido, muitos ambientesvirtuais de Ensino de Química têm sido

desenvolvidos na última década como objetivo de permitir que o estudantevisualize de forma integrada as váriasrepresentações do conhecimentoquímico (Gois, 2007).

No desenvolvimento do programaConstrutor (Giordan e Gois, 2005), pro-curamos associar duas formas dis-tintas de signos próprios da Química.Um deles, conhecido como fórmulaestrutural condensada, está relaciona-do com a dimensão simbólica doconhecimento químico. O outro, o qual

é construído sob de-manda por meio doprograma Construtor,é um objeto molecu-lar virtual tridimen-sional, o qual estárelacionado com adimensão submicros-cópica do conheci-mento químico.

 A partir do uso doprograma computacional Construtor

(Gois, 2007), estudantes de EnsinoMédio podem criar estruturas tridi-mensionais virtuais a partir de fórmulasestruturais condensadas comoCH

3CH

2CH

2CH

3(Tabela 1). Com essa

ferramenta, os estudantes podemvisualizar as características da dimen-são submicroscópica da matéria, queé o objeto molecular virtual resultantea partir de uma representação dadimensão simbólica, que é a própriafórmula estrutural condensada.

Ou seja, a partir de uma represen-

tação com qualidade fortemente sim-bólica ou convencional (fórmula estru-tural condensada), o estudante tem apossibilidade de elaborar significadomais apropriado, dentro do atual para-digma da natureza particulada da ma-téria, com o auxílio da mediação deuma representação com qualidadeicônica, de significação por meio desemelhança, no caso o objeto molecu-lar virtual (Tabela 1).

 A utilização docomputador pode ser feita

de forma que a aparênciasugerida da qualidade

icônica das representaçõesnessa dimensão do

conhecimento químico traga mais benefícios ao

ensino da Química

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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 7, DEZEMBRO 2007

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Semiótica na Química

 Abstract: Semiotics in Chemistry: Peirce’s Sign Theory to Comprehend Representation – In this work a discussion about meaning processes of chemical representation in classrooms based on thecontributions of Charles Peirce Semiotics theory is presented. The discussion is extended to the contributions of computational representations in meaning processes in Chemistry classrooms. Inthis discussion we intend to base the development of Chemistry learning virtual environments in a way that allows us to join epistemological aspects of Chemistry with the foundations of the signtheory, so that meaning promotion in classrooms can be problematized.

Keywords: Semiotics, structural representation, meaning

Referencias

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 lock Holmes y Charles Sanders Peirce:el método de la investigación. Barce-lona: Paidós, 1987.

 A vontade dos professores de Quí-mica é que sempre pudessem utilizarobjetos moleculares, virtuais ou con-cretos, para suas aulas sobre estrutu-ra e propriedades da matéria e suastransformações. No entanto, por moti-vos de praticidade, são utilizadas asrepresentações simplificadas, comletras e números, como a fórmulaestrutural condensada da Tabela 1. Adespeito do uso de representaçõessimplificadas por motivos de contin-gência, é necessário que os significa-dos dessas representações se tornemdisponíveis aos estudantes. O uso doprograma Construtor pode auxiliar oestudante na elaboração dessessignificados, já que ele pode gerarobjetos moleculares virtuais, de signifi-

cação com qualidade icônica, a partirde representações com qualidade sim-bólica ou convencional. Ao utilizar esseprograma, o estudante pode elaborarsignificados com meios mediacionaismais sofisticados – os objetos molecu-lares –, de forma que, quando ele sedeparar com representações da di-mensão simbólica do conhecimentoquímico, estas possam ser facilmenterelacionadas com o significado dadimensão submicroscópica.

SínteseConforme dito no início, tínhamos

como objetivo neste texto trazer umacompreensão mais aprofundada a res-peito dos processos de significação derepresentações químicas na sala de

aula a partir da contribuição da teoriasemiótica de Peirce. Conforme descritoacima, em cada dimensão do conhe-cimento químico prevalecem deter-minadas qualidades semióticas designificação. No nível macroscópico doconhecimento químico, prevalecem asrelações indiciais e simbólicas. No nívelsubmicroscópico, são encontradaspredominantemente as relações icôni-cas e simbólicas de significação. Nonível simbólico do conhecimentoquímico, no entanto, são encontradastodas as qualidades de significaçãosemiótica, ou seja, indiciais, icônicas esimbólicas. Com isso, a dimensãosimbólica do conhecimento químicocertamente oferece maior dificuldadede compreensão dentro do que atual-

mente é proposto como conhecimentoquímico oficialmente aceito.Também tínhamos como objetivo

discutir a contribuição das represen-tações computacionais nos processosde significação na sala de aula deQuímica. Conforme visto, as possibi-lidades de representação das dimen-sões do conhecimento químico atual-mente veiculadas por intermédio doscomputadores permitem visualizarfenômenos de difícil acesso ou mes-mo de fenômenos que não poderiam

ser visualizados de outra maneira. Alémdisso, com o uso do computador, épossível visualizar de forma dinâmicae integrada as representações perti-nentes a cada dimensão do conheci-mento químico, o que possibilita uma

Tabela 1: A tabela relaciona, por meio do exemplo de duas diferentes representaçõesde uma molécula de butano (primeira linha), o tipo da representação (segunda linha), adimensão do conhecimento químico associado (terceira linha) e a qualidade semióticada significação (quarta linha).

QualidadeSemiótica

Simbólica

Icônica

Dimensão doconhecimento

químico

Simbólica

Submicroscópica

Tipo de representaçãoquímica

Fórmula estruturalcondensada

Objeto molecular virtualtridimensional

Categoria

Representação

CH3

CH2

CH2

CH3

compreensão holística das represen-tações e dos conceitos associados.

Jackson Gois ([email protected]), bacharel e licenciadoem Química pelo Instituto de Química (IQ) da Uni-versidade de São Paulo (USP), mestre em Ensinode Química pela USP, é docente da UniversidadeFederal do Paraná – Campus Litoral. Marcelo

Giordan ([email protected]), bacharel e mestre emQuímica, doutor em Ciências pelo IQ-UNICAMP,Livre-docente em Educação pela Faculdade deEducação (FE) da USP, é docente da FE-USP.