Quimica Para Discentes Surdos Uma Linguagem Peculiar

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  • QUMICA PARA DISCENTES SURDOS: UMA LINGUAGEM PECULIAR

    Terezinha Corra LINDINO* Cleber Antonio LINDINO **

    Graciele Maria STEINBACH*** Rafael Cappellesso de OLIVEIRA****

    RESUMO: Este artigo tem como finalidade discutir a questo do ser surdo, unir os conhecimentos sobre a lngua de sinais e os contedos desenvolvidos na Educao Bsica sobre Qumica e sugerir a adoo do Mtodo do Arco, de Charles Maguerez, apresentado por Bordenave e Pereira (1982). Ressaltamos tambm que o ensino de Qumica para Surdos, por meio da lngua de sinais, possui suas dificuldades principalmente no que tange simbologia qumica, aos termos especficos frequentemente utilizados nesta disciplina, porque no possuem seus correspondentes na LIBRAS. Essa dificuldade complementada pela falta de compreenso e interpretao da Lngua Portuguesa e das dificuldades com relao coerncia e coeso textuais e, dessa forma, os discentes surdos no compreendem facilmente o contexto do contedo presente nos materiais didticos, baseados na escrita, utilizados no ensino de Qumica. PALAVRAS-CHAVE: Lngua de Sinais, Mtodo do Arco, Comunicao. ABSTRACT: This article aims to discuss the characteristics of being deaf, joins the knowledge about the sign languages with the content developed on the Elementary Education about Chemistry and suggests the adoption of the Arch Method, by Charles Maguerez, presented by Bordenave e Pereira (1982). We highlight that the Chemistry teaching for deaf, by sign language, possess its difficulties, specially the chemical symbols and the specific terms, often used in this subject, because they dont possess matching signs in LIBRAS. That difficulty is complemented by the lack of understanding and interpretation of the

    * Doutora em Educao, Professora da rea de Fundamentos da Educao, Unioeste- campus Rondon ** Doutor em Qumica, Professor do Colegiado em Qumica, Unioeste- campus Toledo *** Graduada em Qumica, Unioeste- campus Toledo **** Graduando em Qumica, Unioeste- campus Toledo

  • Portuguese Language and the difficulties related to the text coherence and cohesive whole and, so, the deaf students dont easily understand the content context present on the teaching materials, based on the written, used on the Chemistry teaching. KEYWORDS: Sign Language, Arch Method, Communication. INTRODUO

    O ensino de Qumica na Educao Bsica trabalhado, quase que em sua totalidade, de forma tradicional, no qual o docente a figura central encarregado de transmitir o conhecimento. As aulas so expositivas utilizando-se apenas os recursos mais bsicos como livros didticos, alm de quadro negro e giz. No so utilizadas metodologias diferenciadas. Os discentes so meros elementos passivos que devem assimilar o que transmitido. O sistema de avaliao d nfase memorizao e reproduo do contedo e, portanto, mede a quantidade de informao absorvida pelos discentes.

    Sendo a Qumica uma cincia experimental, o mtodo de ensino tradicional deixa a desejar, pois acarreta em dificuldades de compreenso por parte do pblico alvo os discentes. Para os discentes surdos esse mtodo ainda mais inconveniente j que os mesmos no possuem a audio e aulas expositivas focalizam a oralidade. Outro acontecimento que agrava a situao o fato de muitas vezes no haver sintonia entre docente, intrprete e discente surdo. A transmisso de conhecimentos entre docente e discente ocorre de forma indireta e nesse processo pode haver distoro do contedo, prejudicando o discente surdo.

    Aos discentes surdos, a necessidade de uma linguagem especfica Lngua de Sinais para o entendimento de outra linguagem especfica Qumica implica na adoo de uma metodologia tambm especfica. O Mtodo do Arco, de Charles Maguerez, apresentado por Bordenave e Pereira (1982), proporciona ao discente surdo tomar conscincia do seu mundo e atuar intencionalmente para transform-lo, partindo de um ou vrios pontos de vista (temas).

    A pedagogia da problematizao freireana considera que o indivduo conhece realmente algo quando capaz de transformar sua realidade a partir de sua insero na mesma (FREIRE, 1987). Torna-se imprescindvel a aproximao teoria-prtica para validao da educao problematizadora. Ou seja, Freire defende ainda que a educao problematizadora deva ser o ponto articulador na libertao do ser humano. Seu principal instrumento o conhecimento, para alm da

  • ampliao da conscincia. O autor ressalta que este tipo de educao deve voltar-se para a transformao da realidade, concretizada e executada pelo homem.

    essencial que os discentes e docentes no s compreendam, interpretem e expliquem a realidade, mas tambm intervenham sobre ela. Segundo Berbel (1999, p. 31) A educao do futuro dever ser capaz de contribuir para que o indivduo seja mais integrante e participativo da histria em que vive, medida que ele vai construindo sua prpria histria. O sentido especial do Arco exercitar a cadeia dialtica de ao-reflexoao, tendo como ponto de partida e de chegada do processo de ensino e aprendizagem, a realidade social. Isto porque as etapas devem ser seguidas corretamente, para que o processo de resoluo do problema no tenha falhas ou distores.

    O Mtodo do Arco apresenta cinco etapas: Observao da Realidade; Pontos-Chave; Teorizao; Hipteses de Soluo e Aplicao Realidade (prtica) (BERBEL, 1996).

    Na etapa de Observao da Realidade a especulao de um tema ou unidade de estudo. Os discentes so orientados pelo docente a olhar atentamente o que perceberem sobre a parcela da realidade em que aquele tema est sendo vivido ou acontecendo, podendo para isso serem dirigidos por questes gerais que ajudem a focalizar e a no fugir do tema. Tal observao permitir aos discentes identificar dificuldades, carncias, discrepncias de vrias ordens, que sero transformadas em problemas, ou seja, sero problematizadas.

    Para realizar as atividades da segunda etapa, que a dos Pontos-Chaves, os discentes so levados a refletir primeiramente sobre as possveis causas da existncia do problema em estudo. Por que ser que esse problema existe? Neste momento os discentes, com as informaes que dispem, passam a perceber que os problemas de ordem social (em laboratrio, no caso da Qumica) so complexos e geralmente multideterminados.

    Continuando as reflexes, devero se perguntar sobre os possveis determinantes maiores do problema, que abrange a prpria causa identificada. Agora, os discentes percebem que existem variveis menos diretas, menos evidentes, mais distantes, mas que interferem na existncia daquele problema em estudo. Tal complexidade sugere um estudo mais atento, criterioso, crtico e abrangente do problema, em busca de sua soluo.

    A partir dessa anlise reflexiva, os discentes so estimulados a uma nova sntese: a da elaborao dos pontos essenciais que devero ser estudados sobre o problema, para compreend-lo mais profundamente e encontrar formas de interferir na realidade para

  • solucion-lo ou desencadear passos nessa direo. Podem ser listados alguns tpicos a estudar, perguntas a responder ou outras formas. So esses pontos - chaves que sero desenvolvidos na prxima etapa.

    A terceira etapa a da teorizao. Esta a etapa do estudo propriamente dito. Os discentes buscam na literatura existente (livros, revistas especializadas, pesquisas j realizadas, jornais, anais de congressos, especialistas sobre o assunto etc.) o que necessitam sobre o problema, dentro de cada ponto-chave j definido. Tudo registrado, possibilitando algumas concluses, que permitiro o desenvolvimento da etapa seguinte.

    Por conseguinte, a quarta etapa a das Hipteses de Soluo. Todo o estudo realizado dever fornecer elementos para os discentes, crtica e criativamente, elaborarem as possveis solues. Nesta metodologia, as hipteses so construdas aps o estudo, como fruto da compreenso profunda que se obteve sobre o problema.

    E na Aplicao Realidade (prtica), quinta e ltima etapa, procura-se ultrapassar o exerccio intelectual. Nesse momento, o componente social e poltico esto mais presente. A prtica que corresponde a esta etapa implica num compromisso dos discentes com o seu meio. Do meio observaram os problemas e para o meio levaro uma resposta de seus estudos, visando transform-lo em algum grau (BERBEL 1996, p.8-9).

    O que se considera essencial no processo de utilizao do Arco na Metodologia da Problematizao a forma de realizar o estudo, com clareza e rigor, ao mesmo tempo em que com criatividade, desenvolve-se o trabalho. Para a integralizao desse propsito, a comunicao dos conceitos, as representaes e os procedimentos em atividades significativas sobre Qumica devem ser congruentes linguagem utilizada pelos Surdos, de modo que nesta integrao as dificuldades pelo sujeito surdo sejam percebidas (para que serve e o que ela tem a ver) em seu cotidiano.

    A anlise de cada etapa deve ser realizada comparando-se o nmero de encontros por tema e os materiais utilizados com a suficincia dos mesmos e, tambm, se os temas foram compreendidos pelos discentes surdos e por que. Assim, defende-se que a interao com ambientes diferenciados, linguagem apropriada e materiais alternativos corrobora para uma real aprendizagem por parte dos discentes surdos, visto que ao elaborar um conjunto de procedimentos e atividades intencionalmente selecionadas e organizadas, deve-se se ater natureza do problema e as condies gerais dos participantes.

  • SURDEZ E SEUS DESAFIOS COMO LNGUA Inicialmente, interessante esclarecer os termos lngua e

    linguagem. A lngua no se confunde com a linguagem, pois ela somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente, sendo ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenes necessrias, adotadas pelo corpo social para possibilitar o exerccio dessa faculdade nos indivduos.

    A linguagem, por sua vez, tida como tudo que envolve significao, que tem valor semitico, no se restringindo apenas a uma forma de comunicao, e nela que o pensamento do indivduo constitudo. A linguagem est sempre presente no sujeito, at quando este no est se comunicando com outras pessoas; assim ela constitui o sujeito, a forma como este recorta e percebe o mundo e a si prprio.

    Segundo Bakhtin (1992), a verdadeira substncia da lngua no est nem no sistema abstrato das formas lingsticas (no universo lexical, nos fonemas, nos morfemas, nas flexes etc.) nem est alojada no psiquismo individual de cada pessoa. Sua essncia no nem o ato psicofisiolgico que a produz nem a enunciao monolgica. A verdadeira substncia da lngua , por excelncia, o ato dialgico em seu acontecimento concreto. Entretanto, qualquer dilogo, alm de ser ele prprio histrica e socialmente determinado, evidencia outra histria: a histria da prpria linguagem.

    Afirmar que a linguagem oculta e explicita uma histria supe admitir a existncia de regularidades, cristalizaes de formas e de certas frmulas discursivas, de significados e de regras formacionais. Para o autor, a lngua produto do trabalho coletivo e ininterrupto de sujeitos socialmente organizados, cujo processo instaura a construo, tambm coletiva, de conhecimentos e saberes sobre o mundo. Homem e linguagem no so, assim, categorias estranhas uma outra (BAKHTIN, 1992).

    As lnguas expressam a capacidade especfica dos seres humanos para a linguagem, expressam as culturas, os valores e os padres sociais de um determinado grupo social. Para este estudo, selecionou-se a surdez como foco de estudo.

    A surdez uma das mais significativas limitaes da oportunidade de crescimento do indivduo. Sendo a audio essencial aquisio da linguagem, o surdo congnito est fisicamente impossibilitado de aprender o principal veculo de comunicao humana a palavra cuja privao influi negativamente desde o relacionamento me-filho, como tambm lhe torna inacessveis as mltiplas informaes verbais sobre a realidade (SOUZA, 1982). Ela pode ser congnita ou adquirida, conforme o indivduo tenha nascido

  • surdo ou com audio normal e posterior degenerao, por motivo de doena.

    A histria da educao dos Surdos marcada por conflitos e controvrsias. Em alguns estudos dos ltimos cinco sculos pode-se verificar que o foco dos debates sempre esteve relacionado a questes ligadas (s) lngua(s): desenvolver nos Surdos uma linguagem oral (acompanhada ou no de sinais) por pensar a educao a partir da lngua utilizada pelos ouvintes ou permitir a eles o uso da Lngua de Sinais, cujo reflexo seria tambm sentido nas esferas educacionais (LODI, 2005).

    Desde a antiguidade, o argumento mais utilizado pelos defensores do oralismo se referia necessidade de os surdos desenvolverem a fala o que possibilitaria, entre outras coisas, a integrao na sociedade de ouvintes (LODI, 2005). Apesar do grande empenho dos profissionais no desenvolvimento da audio e da fala, poucos Surdos obtinham resultados satisfatrios no domnio da linguagem oral.

    A dificuldade em entender a linguagem oral era associada a desvios comportamentais dos surdos como birra, agressividade, agitao motora e nervosismo ou, at mesmo, era associada ao retardo mental. Segundo Myklebust (1975), a linguagem tem um papel importante nos processos psicolgicos e de aprendizagem, portanto h uma conexo entre linguagem e inteligncia, sendo assim, a linha de evoluo mental e das funes intelectuais da criana surda no pode marchar paralela da criana ouvinte.

    As crianas surdas no so inferiores s ouvintes, mas sim apresentam em suas funes mentais diferenas qualitativas significativas e dignas de considerao (MYKLEBUST, 1975, p. 86). Estas diferenas qualitativas se baseiam em que, de acordo com testes de aptides mentais primrias, os quocientes intelectuais totais dos surdos, ainda que dentro do padro de inteligncia normal, se colocam ligeiramente abaixo da mdia.

    Acredita-se que isso ocorre devido hiptese de exigncia, pelos testes aplicados, de maior capacidade de abstrao, que supe funes de carter simblico-verbal e de memria, reas que so afetadas pela surdez, esta ltima em carter seletivo, defende Myklebust (1975). Assim, quando ocorre a surdez diminui-se sensivelmente a eficincia do processo de socializao justamente pela ausncia da linguagem, uma vez que ela o mais eficaz instrumento de interao e comunicao compreensiva de pessoa a pessoa. Por exemplo, a criana surda, filha de pais ouvintes, est impossibilitada de

  • estabelecer com a me a interao necessria ao aprendizado produtivo, no perodo crtico do desenvolvimento infantil.

    Em outras palavras, vivemos em uma sociedade na qual a lngua oral imperativa e, por consequncia, caber a todos que fazem parte dela se adequarem aos seus meios de comunicao, independentemente de suas possibilidades (QUADROS, 2005). Qualquer outra forma de comunicao considerada inferior e impossvel de ser comparada com as lnguas orais (DIZEU; CAPORALI, 2005).

    A Lngua de Sinais, lngua natural dos Surdos, ainda considerada por muitos profissionais apenas como gestos simblicos. De uma maneira geral, em nossa sociedade no existe lugar para as diferenas. Os Surdos usurios da Lngua de Sinais so desconsiderados no processo educacional, ressaltam as autoras.

    No momento em que a criana adquire sua lngua natural ela se torna capaz de realizar o aprendizado de uma segunda lngua, tornando-se um ser bilngue. No caso dos Surdos, como nem sempre isso uma realidade, podemos encontrar surdos adultos que, pela falta de acesso Lngua de Sinais na infncia, chegam vida adulta sem ter adquirido nenhuma lngua, por terem sido apenas expostos a uma lngua oral e no terem desempenho satisfatrio com esta.

    A Lngua de Sinais representa um papel expressivo na vida do sujeito surdo, conduzindo-o, por intermdio de uma lngua estruturada, ao desenvolvimento pleno. Harrison (2000) refere que essa lngua fornece para a criana surda a oportunidade de ter acesso aquisio de linguagem e de conhecimento de mundo e de si mesma.

    A Lngua de Sinais tem como meio propagador o campo gesto-visual, o que a diferencia da lngua oral, que utiliza o canal oral-auditivo. Alm dessa diferena, tambm apresenta antagonismos quanto s regras constitutivas. No entanto, a Lngua de Sinais deve ser respeitada como lngua, pois assume a mesma funo da lngua oral, a comunicao (DIZEU; CAPORALI, 2005).

    Conforme Quadros (2005), as Lnguas de Sinais s foram reconhecidas como lngua quando surgiu um sistema de notao para representar sua estrutura. Isso ocorreu a partir do trabalho de Stokoe, em 1960, que aprimorou o sistema de notao criado por LaMont West para tentar descrever a Lngua de Sinais usada por grupos indgenas dos Estados Unidos, aplicando esse sistema para a Lngua de Sinais Americana (ASL), utilizada pela comunidade de surdos americanos. Este trabalho inicial foi muito importante para a descrio do nvel fonolgico em Lngua de Sinais composto pelos elementos configurao de mo, locao, movimento e orientao da mo , o que

  • corresponderia, nas lnguas faladas, aos elementos articulatrios e acsticos.

    O trabalho de transcrio em Lngua de Sinais foi beneficiado, estabelecendo-se elementos que dariam maior suporte pesquisa e ao status lingustico dessa lngua, que comeou, assim, a ser bem mais descrita e compreendida. Os trabalhos sobre a ASL so pioneiros e servem de referncia para qualquer pesquisa em outras Lnguas de Sinais.

    No Brasil, a Lngua Brasileira de Sinais LIBRAS uma lngua que foi oficialmente reconhecida pela Lei 10.436/2002. Ela possui os mesmos parmetros da ASL, que so configurao de mo, locao, movimento e orientao da mo. Todavia, a ampliao do vocabulrio em LIBRAS se realiza por criao de sinais compostos e por emprstimo de itens lexicais de outras LSs (Lnguas de Sinais). Em decorrncia desse ltimo processo, muitos sinais so iguais em vrias LSs.

    A LIBRAS possui uma estrutura gramatical assim como qualquer outra lngua. No geral, a seqncia principal para a elaborao de frases a seguinte: sujeito, verbo e objeto (SVO), porm, existem regras gramaticais da LIBRAS que contrariam tal disposio, como por exemplo, na elaborao de perguntas, onde os interrogativos so utilizados no final das frases (QUADROS; KARNOPP, 2004).

    O processo para elaborao de novos sinais complexo porque envolve uma srie de fatores e isso acarreta na falta de muitos sinais para palavras especficas. Este um fator que ainda deixa a desejar na LIBRAS. Isso justifica as dificuldades encontradas por muitos docentes e intrpretes na hora de ensinar aos discentes surdos, especialmente na disciplina de Qumica, a qual abrange muitos conceitos abstratos e na qual h inmeras palavras especficas.

    Segundo Machado e Moura (1995), a maneira com que acontece a construo de conceitos em sala de aula, seja com discentes surdos ou ouvintes, extremamente complicada e abrange fenmenos difceis de ter sob controle. Uma das contribuies fundamentais dessa perspectiva relaciona-se com a concepo do processo de conhecimento como produo simblica e material que se estabelece na dinmica das interaes entre as pessoas. Neste sentido, o foco das atenes na sala de aula no estaria no docente, nos discentes ou no contedo, mas sim no movimento das interaes que ocorrem ao longo do processo.

    Num movimento interativo, a atividade cognitiva dos sujeitos vai sendo constituda por meio do outro e mediante a linguagem, por exemplo, Vigotsky (1993) dedicou-se a estudar as relaes entre a

  • linguagem e o pensamento, oferecendo contribuies importantes relacionadas ao papel da linguagem na elaborao conceitual.

    Segundo Fontana (apud MACHADO; MOURA, 1995, p. 27), Nesta perspectiva a elaborao conceitual considerada como um modo culturalmente desenvolvido de os indivduos refletirem cognitivamente suas experincias, resultante de um processo de anlise (abstrao) e de sntese (generalizao) dos dados sensoriais que mediado pela palavra e nela materializado.

    Dessa forma, a palavra assume um papel fundamental e central,

    configurando-se como mediadora da compreenso dos conceitos por parte dos sujeitos e principal agente de abstrao e generalizao. nesse sentido que a linguagem assume um papel constitutivo na elaborao conceitual, e no apenas o papel comunicativo ou de instrumento.

    O Surdo no possui essa palavra, que classificada como fundamental e central no processo de construo do conhecimento, e por esse motivo que o ponto crtico da educao dos surdos est na abordagem adotada pelo docente em sala de aula, no sendo capaz de trabalhar o potencial do discente surdo para que ele possa aprender (MACHADO; MOURA, 1995). Mais ainda, aponta que para uma escola realmente estar voltada ao atendimento das necessidades do discente surdo dever garantir o seu direito de aprender e de se comunicar na lngua em que pode se apropriar por meio do dilogo contextualizado, independente da modalidade de ensino que frequente.

    Ao contrrio, se as necessidades especiais de comunicao desses discentes no forem consideradas eles permanecero vistos sob o prisma da deficincia, da incapacidade e da incompetncia e a escola estar, na verdade, construindo a sua marginalizao, a sua excluso escolar e social. BILINGUISMO: DIREO OU DIRETRIZ?

    No Brasil, a metodologia de ensino para Surdos mais utilizada e aceita nos dias atuais a bilngue, que adota a LIBRAS como primeira lngua e o portugus escrito como segunda lngua. Segundo Quadros (2005), alm de promover melhor aprendizagem por parte dos discentes, o bilingismo reconhece as diferenas e a lngua passa a ser um instrumento de relaes sociais.

    Para os adeptos do bilinguismo, sem o ensino em LIBRAS, a educao nega ao Surdo o acesso aos contedos bsicos escolares que

  • devem ser proporcionados a todos os indivduos, inclusive queles com necessidades educacionais especiais. Contudo, o que acontece nas escolas que o bilinguismo, assim como foi pensado, no ocorre efetivamente.

    Percebe-se que os docentes so mal preparados para trabalhar com esses discentes, ignorando as limitaes trazidas pela deficincia, ministrando aulas destinadas basicamente aos ouvintes. Esse problema produto da tradio oralista (Mtodo Oral), em que os surdos considerados portadores de uma patologia, deveriam aprender a expressar-se oralmente, se quisessem vislumbrar alguma participao na sociedade (DORZIAT, 1999).

    As atuais diretrizes educacionais e orientaes para organizao de servios em educao especial tm originado vrias mudanas no sistema, demandando que o docente reveja a sua formao inicial em busca de formao continuada para enfrentar essa nova realidade poltica e social. Porm, muitos dos cursos promovidos ainda no correspondem s expectativas e necessidades dos docentes de surdos porque no chegam a contemplar as especificidades das necessidades educacionais especiais de seus discentes. Em geral, os programas existentes so destinados totalidade dos docentes de educao especial e a rede de apoio necessria a cada clientela tratada de maneira genrica.

    Adicionalmente, muitos dos profissionais selecionados para implantar os programas e/ou ministrarem as aulas no tm conhecimento especfico e/ou atualizado no trabalho com o discente surdo, deixando de considerar, na formao ministrada, aspectos importantes do desenvolvimento e da aprendizagem desses discentes, acrescenta a autora.

    Sabe-se que cada indivduo tem uma forma prpria de construir o conhecimento, mas por meio de pesquisas, constatou-se que o mtodo pelo qual os seres humanos retm melhor as informaes adquiridas utilizando a linguagem oral e a visual conjuntamente (LA TAILLE, 1992). Dessa maneira possvel compreender a dificuldade de aprendizagem dos discentes surdos, pois os mesmos so desprovidos de audio e, consequentemente, da fala. Isso pode ser visualizado na Tabela 1.

    TABELA 1. Mtodos de Ensino e a reteno do contedo com o decorrer do tempo

    Mtodo de Ensino Reteno at 3 horas Reteno aps 3 dias Somente oral 70% 10%

    Somente visual 72% 20% Oral e visual 85% 65%

  • conjuntamente FONTE:Frrez (1996) De acordo com estudos realizados, a literatura aponta que a viso o sentido no qual h maior possibilidade percentual de aprendizagem, no s por discentes surdos, mas pelos ouvintes tambm. Todavia, a forma como estes contedos so memorizados diferente, no dependendo apenas da viso. Isso pode ser verificado na Tabela 2.

    TABELA 2. Reteno Mnemnica

    Como aprendemos Porcentagens dos dados memorizados pelos estudantes

    1% por meio do gosto 10% do que lem 1,5% por meio do tato 20% do que escutam

    3,5% por meio do olfato 30% do que vem 11% por meio do ouvido 50% do que vem e escutam 83% por meio da viso 79% do que dizem e discutem

    90% do que dizem e depois realizam FONTE: Frrez (1996)

    Outro problema que ocorre frequentemente nas salas de aula

    que possuem discentes surdos a falta de sintonia entre docente e intrprete. fato que em muitas situaes da sala de aula o papel do intrprete no tal e qual como deveria ser, assumindo assim, o papel de docente. Por lidar diretamente com o discente surdo, para o intrprete praticamente invivel a separao dos papis e ele acaba tomando aes pertinentes ao docente. Essa facilidade com que o intrprete se coloca como docente pode ser justificada pela ideia do senso comum de que ensinar um simples processo de transferncia de conhecimento. Conceito totalmente errneo.

    Segundo Freire (1997), o docente deve ensinar. preciso faz-lo. S que ensinar no transmitir conhecimento. Para que o ato de ensinar se constitua como tal, preciso que o ato de aprender seja precedido do, ou simultneo ao, ato de aprender o contedo ou o objeto que se pode conhecer, com que o discente se torna produtor tambm do conhecimento que lhe foi ensinado.

    Rosa (2006) defende que o docente do Ensino Fundamental ao Superior tem como objetivo auxiliar e realizar a mediao entre o discente e o conhecimento, lidando constantemente com as questes da aprendizagem, construdas pelos discentes. O papel do docente nico

  • e consiste em organizar situaes de aprendizagem para desafiar o discente a elaborar um novo conhecimento. De acordo com a autora, o trabalho do intrprete de Lngua de Sinais consiste em pronunciar, na Lngua de Sinais, um discurso equivalente ao discurso pronunciado no portugus oral (ou vice-versa).

    O intrprete de Lngua de Sinais (ILS) trabalha em variadas circunstncias, precisando ser capaz de adaptarem-se a uma gama de situaes e necessidades de interpretao da comunidade surda, situaes s vezes to ntimas quanto uma terapia, sigilosa como delegacias e tribunais ou to expostas como salas de aulas e congressos. Para que o processo de ensino-aprendizagem de discentes surdos seja facilitado de extrema importncia que docente e intrprete desempenhem suas respectivas funes de modo profissional sem interferir na funo do outro. CONCLUSO

    Sabe-se que a proposta bilngue, assim como foi imaginada, ainda no foi efetivamente implantada, no s nas escolas, mas na sociedade como um todo. Isso gera diversas dificuldades no processo de ensino-aprendizagem dos discentes surdos.

    A disciplina de Qumica considerada uma disciplina difcil pela maioria dos discentes, pois envolve vrios conceitos especficos e abstratos, muitos deles relacionados ao mundo microscpico dos tomos e das molculas, entidades to pequenas que so invisveis at aos melhores microscpios de um laboratrio de pesquisa, e envolve tambm raciocnio lgico e habilidade para clculos.

    O ensino de Qumica para Surdos, por meio da lngua de sinais, possui suas dificuldades principalmente no que tange simbologia qumica, aos termos especficos frequentemente utilizados nesta disciplina, porque no possuem seus correspondentes na LIBRAS. Essa dificuldade complementada pela falta de compreenso e interpretao da Lngua Portuguesa e das dificuldades com relao coerncia e coeso textuais e, dessa forma, os discentes surdos no compreendem facilmente o contexto do contedo presente nos materiais didticos, baseados na escrita, utilizados no ensino de Qumica.

    Algumas palavras de duplo sentido utilizadas nos conceitos qumicos so confundidas pelos discentes surdos, como por exemplo, a palavra soluo que relacionada soluo de problemas e a palavra concentrao que relacionada a algum concentrado, centralizado em algo. Isso pode ser verificado e comprovado em uma prova escrita, com intuito verificativo e no avaliativo. Os discentes surdos apresentam dvidas em relao ao significado de algumas palavras, tais como

  • flutuao, bambu, e decantao, e tambm confundiram os termos concentrada e saturada utilizadas para denotar tipos de solues.

    Isto tambm se aplica a algumas vidrarias do laboratrio de Qumica como bquer, pipeta, proveta, erlenmeyer e balo volumtrico, pois os mesmos no possuem sinais especficos em Lngua de Sinais, confirmando assim, a necessidade de estudos que relacionem a Qumica com a Lngua de Sinais.

    Outra dificuldade est na ausncia do intrprete, ou a no sintonia no desenvolvimento de contedos entre docente e intrprete. Dessa forma, no ensino de Qumica, o discente surdo recebe as informaes distorcidas e apreende o contedo de forma errnea, sendo muito prejudicado no processo de ensino-aprendizagem.

    A partir desta pesquisa, acredita-se que a melhor maneira para avaliar os discentes surdos por meio da avaliao formativa - por meio do monitoramento constante de todas as atitudes, perguntas, receios, posturas, participaes e ausncias fundamentada em linguagem especfica. Esse tipo de avaliao configura-se um mtodo avaliativo adequado, j que cada discente aprende de uma forma diferente e esse mtodo respeita as diferenas. Constatou-se que os discentes surdos tm muita vontade de aprender, de adquirir conhecimentos novos. Utilizando o Mtodo do Arco, as aulas tornam-se espaos de trocas e experincias, nas quais a aprendizagem ultrapassa os saberes qumicos possibilitando processos de dilogo e respeito s diferenas.

    Incluir no requer somente permitir por lei que pessoas com necessidades especiais frequentem escolas regulares, mas oferecer aos profissionais da educao condies para trabalhar de forma coerente e pedaggica, com um mtodo realmente inclusivo e eficiente, que faa com que haja uma aprendizagem significativa por parte dos discentes surdos. Para haver incluso do discente surdo, necessrio que as pessoas envolvidas no processo educacional se livrem de preconceitos e entendam a importncia do discente surdo em formular suas prprias opinies, de compartilhar suas dvidas, suas descobertas e seu poder de deciso. REFERNCIAS BAKHTIN, M. Os gneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Esttica da criao verbal. Trad. de Maria Hermantino Galvo Gomes Pereira. So Paulo: Martins Fontes, 1992.

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