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Radcliffe-Brown e o Estrutural-funcionalismo... – Oliveira, Santana & Alves Revista Diálogos – N.° 11 – abr./mai. 2014 234 Radcliffe-Brown e o Estrutural-funcionalismo: a questão da mudança na estrutura e no sistema social Emanoel Magno A. de Oliveira 1 Iolanda Cardoso de Santana 2 Adjair Alves 3 Resumo: O ponto notadamente marcante da teoria estrutural- funcionalista é a sua preocupação em explicar ou estudar o aspecto social das sociedades em um dado momento, privilegiando uma análise das sociedades do ponto de vista sincrônico em detrimento da análise diacrônica que, estuda as relações sociais e culturais das sociedades através dos tempos. Fica evidente que o modelo analítico pretendido pelo estrutural- funcionalismo é um modelo que se preocupa com a lógica interna do sistema social de cada sociedade. Podemos atestar que o estrutural-funcionalismo, bem como o funcionalismo estudam a 1 Mestrando em Antropologia pelo PPGA da Universidade Federal de Pernambuco. Membro do grupo de pesquisa credenciado pelo CNPq. ARGILEA - Antropologia, Religiosidade, Gênero, Interculturalidade, Linguagens e Educação Ambiental. E-mail: [email protected]. 2 Mestranda em Antropologia pelo PPGA da Universidade Federal de Pernambuco. Membro do grupo de pesquisa credenciado pelo CNPq. ARGILEA - Antropologia, Religiosidade, Gênero, Interculturalidade, Linguagens e Educação Ambiental. E-mail: [email protected]. 33 Doutor em Antropologia professor adjunto da Universidade de Pernambuco – líder do grupo de pesquisa credenciado pelo CNPq. ARGILEA - Antropologia, Religiosidade, Gênero, Interculturalidade, Linguagens e Educação Ambiental.

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Radcliffe-Brown e o Estrutural-funcionalismo: a questão da mudança na estrutura e no sistema social

Emanoel Magno A. de Oliveira1

Iolanda Cardoso de Santana2

Adjair Alves3

Resumo: O ponto notadamente marcante da teoria estrutural-funcionalista é a sua preocupação em explicar ou estudar o aspecto social das sociedades em um dado momento, privilegiando uma análise das sociedades do ponto de vista sincrônico em detrimento da análise diacrônica que, estuda as relações sociais e culturais das sociedades através dos tempos. Fica evidente que o modelo analítico pretendido pelo estrutural-funcionalismo é um modelo que se preocupa com a lógica interna do sistema social de cada sociedade. Podemos atestar que o estrutural-funcionalismo, bem como o funcionalismo estudam a

 1 Mestrando em Antropologia pelo PPGA da Universidade Federal de Pernambuco. Membro do grupo de pesquisa credenciado pelo CNPq. ARGILEA - Antropologia, Religiosidade, Gênero, Interculturalidade, Linguagens e Educação Ambiental. E-mail: [email protected]. 2 Mestranda em Antropologia pelo PPGA da Universidade Federal de Pernambuco. Membro do grupo de pesquisa credenciado pelo CNPq. ARGILEA - Antropologia, Religiosidade, Gênero, Interculturalidade, Linguagens e Educação Ambiental. E-mail: [email protected].  33  Doutor  em  Antropologia  –  professor  adjunto  da  Universidade  de Pernambuco – líder do grupo de pesquisa credenciado pelo CNPq. ARGILEA - Antropologia, Religiosidade, Gênero, Interculturalidade, Linguagens e Educação Ambiental.  

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organização social interna de cada sociedade, e explicam a realidade social das sociedades como esse todo orgânico onde as partes do sistema social se interligam para sustentar e garantir a sobrevivência ou continuidade do sistema. No entanto, no caso do estrutural-funcionalismo, essa escola estuda não somente como funcionam as sociedades, mas como as estruturas se integram para dar continuidade ao sistema social. Dito isso, vale questionar quanto às transformações e mudanças sociais no interior desses mesmos sistemas sociais. Já que as mudanças e alterações no interior das sociedades são evidentes, como o estrutural-funcionalismo explica tais mudanças e alterações? Como se daria a transformação na estrutura social – para fazer uso de um termo de Radcliffe-Brown – em determinada sociedade? O objetivo desse artigo centra-se na análise de como as alterações se dão, segundo o modelo analítico estrutural-funcionalista, na estrutura social e como essas mudanças são explicitadas pelo estrutural-funcionalismo concebido por Radcliffe-Brown. Palavras-chave: Estrutural-funcionalismo, Radcliffe-Brown, Estrutura social, Funcionalismo. Abstract: The remarkably striking point of the structural-functionalist theory is it concern to explain or study the social aspect of society at a given time, favoring an analysis of companies in the synchronic point of view rather than the diachronic analysis that studies the social relations and cultural societies through the ages. It is evident that the analytical model intended by structural functionalism is a model that is concerned with the internal logic of the social system of each society. We can attest that the structural-functionalism, functionalism and study the internal social organization of each society, and explain the social reality of companies such organic whole in which the parts of the social system interconnect to sustain and ensure the

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survival and continuity of the system. However, in the case of structural-functionalism, this school studying not only how societies work, but the structures are integrated to give continuity to the social system. That said, it is worth questioning about the social changes and transformations within those social systems. Since changes and alterations within societies are evident, such as structural-functionalism explains such changes and alterations? As would be the transformation in social structure – to use a term of Radcliffe-Brown – in a given society? The purpose of this article focuses on the analysis of how changes occur, according to the structural-functionalist analytical model, the social structure and how these changes are explained by structural functionalism designed by Radcliffe-Brown. Keywords: Structural-functionalism, Radcliffe -Brown, Social structure, Functionalism.

O Estrutural-funcionalismo enquanto uma escola antropológica surgiu em inicio do século XX muito em reação aos evolucionistas e difusionistas, rejeitando os seus modelos teóricos e analíticos, tendo como seu principal expoente Alfred R. Radcliffe-Brown. Distinguindo-se também do funcionalismo e sua abordagem teórica, a maneira de compreender as sociedades, construindo um modelo teórico e analítico partido da análise da estrutura social, entendendo a estrutura como sendo as relações sociais estabelecidas na sociedade, onde cada unidade funcional serve como uma espécie de sustentáculo social: a sociedade concebida como um todo orgânico no qual as partes se interligam para manutenção do sistema e da estrutura, esta se relacionando diretamente com aquela. Radcliffe-Brown inclusive rejeita não só o modelo analítico, como até mesmo ser pertencente à escola funcionalista, na qual nega sua existência, a forjando enquanto

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um “mito” criado por Malinowski (RADCLIFFE-BROWN, 2013: p.169).

Dessa forma, a escola estrutural-funcionalista – e seus adeptos – vai defender e fazer uso do trabalho de campo – preconizado pelos funcionalistas –, já que seus defensores rejeitavam as produções antropológicas chamadas “especulação de gabinete” produzida pelos seus predecessores evolucionistas. O trabalho empírico de campo é enfatizado pelas duas escolas antropológicas, segundo a qual não se poderia efetuar uma disciplina efetivamente antropológica sem o trabalho campo; o trabalho de campo é um dos legados deixados à Antropologia por ambas as escolas – a saber: o funcionalismo e o estrutural-funcionalismo. Outra questão suscitada, e de grande importância para a antropologia, é quanto ao termo (bastante utilizado) de relativismo cultural – já evidenciado na escola difusionista por Franz Boas –, reafirmada com o estrutural-funcionalismo, pois a partir do contato destes antropólogos com outras sociedades e culturas, atesta-se a validade, bem como a criatividade e/ou essencialidade de todas as culturas, por mais simples que esta seja. Isto é, esses contatos, a partir do trabalho de campo, revela a peculiaridade de cada cultura e evidencia o quanto cada uma delas tem sua importância, devendo ser tratadas não como superiores ou inferiores; mais elevadas ou mais baixas, mas sim como diferentes. Dessa forma, o estrutural-funcionalismo e o próprio funcionalismo, apresentam-se como uma reação ao evolucionismo principalmente pelo seu caráter especulativo e suas análises generalizantes. Enfatizando assim o trabalho empírico de campo.

Não obstante, o ponto notadamente marcante da teoria estrutural-funcionalista é a sua preocupação em explicar ou estudar o aspecto social das sociedades em um dado momento, privilegiando uma análise das sociedades do ponto de vista sincrônico em detrimento da análise diacrônica que, estuda as relações sociais e culturais das sociedades através dos tempos.

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Fica evidente que o modelo analítico pretendido pelo estrutural-funcionalismo é um modelo que se preocupa com a lógica interna do sistema social de cada sociedade. Dito de outro modo, como funciona determinada sociedade num dado momento do tempo. Por isso mesmo o modelo diacrônico – por privilegiar a história – não lhe interessa, embora não seja descartado puro e simplesmente o atributo histórico e sua influência para constituição e continuidade de qualquer sociedade, apenas é descartado esse modelo analítico por uma questão metodológica visto que o estrutural-funcionalismo preocupa-se em estudar a sociedade partido do pressuposto do presente. Sendo assim, o estrutural-funcionalismo afasta-se não somente do modelo de análise evolucionista, mas também do difusionismo, já que ambos se preocupavam em estudar as origens e as transformações sociais (e culturais) por qual passa cada sociedade.

Adaptação, integração e organização social (RIVIÈRE, 1995) são conceitos chaves para escola funcionalista, assim como para a estrutural-funcionalista, onde a interdependência dos elementos sociais de uma sociedade a faz ser o que é, e a se integrar como se constituindo num todo orgânico, garantido a continuidade ao sistema social. O contexto social é explicado como a interligação das partes, representando e sustentando o todo. Ampliando alguns conceitos funcionalistas, Radcliffe-Brown adiciona a estes, além do de função, os termos estrutura e processo, para determinar o peso que as instituições detêm em cada sociedade, mesmo não sendo de caráter diretamente observável, segundo ele. Diante disso, podemos atestar que o estrutural-funcionalismo e o funcionalismo estudam a organização social interna de cada sociedade, e explicam a realidade social das sociedades como esse todo orgânico onde as partes do sistema social se interligam para sustentar e garantir a sobrevivência ou continuidade do sistema. No entanto, no caso do estrutural-funcionalismo, essa escola estuda não somente como

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funcionam as sociedades, mas como as estruturas se integram para dar continuidade ao sistema social.

Dito isso, vale questionar quanto às transformações e mudanças sociais no interior desses mesmos sistemas sociais. Já que as mudanças e alterações no interior dos sistemas sociais são evidentes, como o estrutural-funcionalismo explica tais mudanças e alterações? Como se daria a transformação na estrutura social – para fazer uso de um termo de Radcliffe-Brown – em determinada sociedade?4 O objetivo desse artigo centra-se na análise de como as alterações se dão, segundo o modelo analítico estrutural-funcionalista, na estrutura social e como essas mudanças são explicitadas pelo estrutural-funcionalismo concebido por Radcliffe-Brown. Assim, utilizar-se-á, quando necessário, tanto o termo estrutural-funcionalismo, quanto o termo funcionalismo. Mas o foco da análise se centra no estrutural-funcionalismo.

Funcionalismo e Estrutural-funcionalismo

Ao analisarem o interior das sociedades os funcionalistas procuram entender em sua investigação como cada segmento de determinada sociedade se comporta e interage em suas relações sociais. Preocupam-se, sobretudo em explicar a estabilidade dos segmentos sociais e como estes segmentos continuam a interagir para manutenção do organismo social. Procuram explorar os traços sistêmicos das culturas (KAPLAN; MANNERS, 1981),

 4 O objetivo deste ensaio centra-se na análise de como as alterações se dão, segundo o modelo analítico estrutural-funcionalista, na estrutura social e como essas mudanças são explicitadas pelo estrutural-funcionalismo. Assim, utilizar-se-á quando necessário tanto o termo estrutural-funcionalismo, quanto o termo funcionalista. Mas o foco da análise é no estrutural-funcionalismo. 

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buscam entender como os traços e as instituições de uma cultura se interligam para formar um sistema. O funcionalismo analisa no seio de cada sociedade os elementos que convergem para manutenção do organismo social buscando entender e explicar como as sociedades funcionam e porque funcionam. Aqui talvez resida o fato de esta orientação teórica ou paradigma antropológico não lidar tão próximo com a questão acima levantada, a saber, a questão da mudança social em dada sociedade. Porém, sabe-se que apesar de não abordarem do ponto vista teórico-metodológico a questão da mudança, já que estavam muito mais preocupados com a questão da regularidade e em fixar os traços sistêmicos das culturas, isso não quer dizer que não estivessem atentos para esta questão; embora talvez este fosse um dos maiores problemas teórico-analítico enfrentado pela escola funcionalista e estrutural-funcionalista. Pelo menos esta era uma das principais críticas recebidas por ambas às escolas: a de não dar conta das mudanças sociais nas sociedades.

Problemas suscitado por causa da própria forma de análise e explicação para os fenômenos sociais. Tomando de empréstimo conceitos da fisiologia concebem a sociedade como um tipo de organismo onde as partes não somente se relacionam, mas também contribuem para a manutenção desse mesmo organismo, nesse caso o organismo social, e sua consequente estabilidade; conflitos ocasionados no interior de qualquer sistema social que não for rapidamente resolvido colocaria em risco a sobrevivência desse sistema ou organismo social. Vida social e vida orgânica (RADCLIFFE-BROWN, 2013) são conceitos utilizados por Radcliffe-Brown como forma de fazer analogia a vida fisiológica de um sistema biológico e a vida social de um sistema, em suas palavras: “O reconhecimento da analogia e de algumas de suas implicações não é novo” (Idem, p.161). Desse modo, os sistemas sociais e suas respectivas instituições são entendidos como sistemas interligados dotados de relações e interações, onde as partes estão envolvidas com o todo – o sistema mais amplo – no

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qual estão integrados. Nessa interligação das partes com o todo, é necessária ainda – para manutenção do sistema – a demonstração de que estas relações cooperam para a manutenção do sistema maior ou de alguma parte desse (KAPLAN; MANNERS, 1981). Função é um conceito chave para a explicação funcionalista, ao observador cabe registrar os dados obtidos dos aspectos fundamentais da cultura nativa através da pesquisa empírica de campo, relacioná-los entre si, para posteriormente construir uma teoria geral. Todos os aspectos da cultura são considerados e foco das análises funcionalista, sejam eles de ordem política, econômica, religiosa, etc. Por todos estes aspectos fazerem parte do sistema social (e cultural) e por estarem interligados num todo orgânico, busca-se justamente a função que cada um desses elementos exerce ou ocupam na sociedade e/ou cultura estudada. Para Malinowski só se apreende de fato a cultura nativa através da aplicação sistemática do etnógrafo e da consequente imersão deste no trabalho de campo. “Qual é, então, esta magia do etnógrafo, com a qual ele consegue evocar o verdadeiro espírito dos nativos, numa visão autêntica da vida tribal?” Pergunta Malinowski, e ele mesmo oferece a resposta:

Como sempre, só se pode obter êxito através da aplicação sistemática e paciente de algumas regras de bom-senso assim como de princípios científicos bem conhecidos, e não pela descoberta de qualquer atalho maravilhoso que conduza ao desejado, sem esforços e sem problemas (MALINOWSKI, 1978: p.20).

Paciência e aplicação sistemática que leva o antropólogo a imergir no campo etnográfico e “enfiar sua cunha cada vez mais fundo, se é interessado e persistente” (EVANS-PRITCHARD, 2005: p.93). Em suma, o essencial para o funcionalismo é

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procurar qualquer traço da cultura que têm funções específicas que a mantenha relacionadas com cada um dos outros elementos da mesma cultura ou sociedade, formando um todo orgânico onde haja interação, interligação e interdependência que coopere para a manutenção do organismo social. Nesse sentido, as partes não podem ser compreendidas separadas do todo. Daí resida a grande dificuldade do funcionalismo em estabelecer ou explicar as alterações e transformações no interior das sociedades, pois a questão reside muito mais no método utilizado pelos funcionalistas do que uma possível percepção – nesse caso a falta dela – dessas mudanças. Essa questão será abordada de forma mais aprofundada no decorrer do artigo.

A noção de estrutura vai aparecer com a escola antropológica estrutural-funcionalista posteriormente quando Radcliffe-Brown, influenciado por Durkheim, estabelece a conexão entre a função social e o organismo social enquanto “coesão social” – termo que toma de empréstimo da teoria durkheimiana – que contribui para a continuação da vida social em sua totalidade. Em suas palavras, ao se referir sobre o conceito de função social, afirma: “[...] Pode ser empregado para designar a interconexão entre a estrutura social e o processo de vida social” (Ibid, p.18). Este tipo de abordagem iniciada por Radcliffe-Brown vai se diferenciar da abordagem funcionalista, e esta escola passa a ser denominada de estrutural-funcionalista. Nesse tipo de abordagem não somente a função desempenhada por cada indivíduo inserido no organismo social é importante, mas suas posições sociais ocupadas no interior desse mesmo organismo5. A organização de um sistema trata, nesse sentido, de determinar suas funções, ao passo que a estrutura social determina as posições sociais ocupadas por cada indivíduo no âmbito do coletivo para manutenção do sistema social (Idem).

 5 Posições sociais ocupadas definidas pela estrutura que mantêm o organismo social funcionando. 

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Quais as principais distinções quanto ao enfoque analítico entre o funcionalismo e o estrutural-funcionalismo? Podem-se destacar algumas diferenças básicas entre os dois tipos de escola antropológica: o funcionalismo defendido por Malinowski partia da lógica interna onde o indivíduo era protagonista nas relações sociais estabelecidas em sociedade; para o estrutural-funcionalismo de Radcliffe-Brown, o indivíduo é coagido pela estrutura, ou seja, pelas relações sociais estabelecidas no âmbito da coletividade. Enquanto Malinowski parte em sua análise funcional da sociedade do indivíduo (lógica internalizada), Radcliffe-Brown parte da análise do coletivo e este agindo sobre o indivíduo (lógica externalizada).

Do ponto de vista vislumbrado por Malinowski, a sociedade é um conjunto de interações que o homem, ou, cada indivíduo estabelece entre si, e mantém a sociedade funcionando. Seu objetivo era demonstrar o quanto os costumes se encontravam funcionalmente dependentes uns dos outros, revelando as bases sociais e psicológicas sobre as quais as instituições sociais assentam-se para manutenção do organismo social (LAYTON, 1997). Percebe-se aqui o valor que Malinowski atribui ao indivíduo, este concebido como o sustentáculo no qual o todo social funciona e as bases sociais e institucionais são mantidas. Alicerçado nas necessidades biológicas do homem, o termo função em Malinowski adquire o sentido de “satisfazer as necessidades biológicas primárias (do indivíduo) através das instrumentalidades da cultura” (MALINOWSKI, 1954: p.202, apud, LAYTON, 1997: p.53). Contrariamente a Malinowski, Radcliffe-Brown influenciado pela teoria durkheimiana, percebe o peso que a estrutura detém ou é determinante sobre o indivíduo. Instituições como a família, política, religião, etc. contribuem para a manutenção do organismo social. Analogamente ao um organismo fisiológico, o organismo social não é a estrutura, apenas possui uma estrutura que há mantém funcionando. O todo necessita está integrado às partes para que a estrutura social se

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mantenha em pleno funcionamento. Assim, o estrutural-funcionalismo definido por Radcliffe-Brown se concentra na estrutura das relações sociais, na medida em que estas relações são estabelecidas pelas instituições aos sujeitos, atribuindo funções a cada unidade em termos de contribuições dadas por estas instituições para a manutenção da estrutura (Idem). Nesse caso, a função das partes é manter a estrutura. O indivíduo ao se integrar a uma sociedade passa a agir coletivamente com os outros indivíduos daquela mesma sociedade, ao qual lhe atribui uma ou mais funções institucionalmente reconhecida para a manutenção do sistema social. Ao se deter no estudo da estrutura social, Radcliffe-Brown não só busca entender a lógica funcional interna que integra a sociedade, mas como essa lógica interna se integra para a manutenção dessa mesma estrutura. É nesse sentido, que a estrutura de uma sociedade interage, coagindo cada unidade do organismo social a se integrar funcionalmente, estabelecendo funções sociais para a manutenção do sistema. A estrutura associa sistemas e coloca em evidência a rede de relações entre posições sociais (RIVIÈRE, 1995): a divisão da sociedade em classes e/ou camadas sociais é um exemplo dessas relações.

Podemos atestar o avanço que a teoria estrutural-funcionalista trouxe aos estudos antropológicos na medida em que incorpora em seu cabedal teórico o conceito de estrutura. Não podemos negar a grande contribuição de Malinowski quanto ao método e o trabalho de campo para a antropologia, mas do ponto de vista teórico Radcliffe-Brown inova ao evidenciar o estudo da estrutura social. Embora a ideia ou noção de estrutura não seja de todo nova nas ciências até então constituídas, como assinalado por Lévi-Strauss (1987: p.17):

O estruturalismo, ou o que quer que se designe por este nome, tem sido considerado como algo completamente novo e

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revolucionário para a altura; ora, isto, segundo penso, é duplamente falso. Em primeiro lugar, até no campo das humanidades o estruturalismo não tem nada de novo; pode-se seguir perfeitamente esta linha de pensamento desde a Renascença até ao século XIX e ao nosso tempo. Mas essa ideia também é errada por outro motivo: o que denominamos estruturalismo no campo da Linguística ou da Antropologia, ou em outras disciplinas, não é mais que uma pálida imitação do que as ciências naturais andaram a fazer desde sempre.

Tomando de empréstimo conceitos das ciências naturais, influenciado pelas teorias durkheimiana, Radcliffe-Brown passa a abordar esses conceitos em antropologia inovando dessa forma o seu campo teórico e analítico. Mesmo não sendo um conceito novo – mesmo nas ciências sociais, como dito acima por Lévi-Strauss – o estrutural-funcionalismo inova à medida que estabelece um novo paradigma teórico-metodológico na antropologia; ainda que vislumbrado sob uma perspectiva das ciências naturais (RADCLIFFE-BROWN, 2013). Na realidade, Radcliffe-Brown estava mais preocupado em estabelecer as bases para uma ciência da sociedade, sob o modelo das ciências naturais, e atestar o caráter científico dessa ainda recém-constituída ciência6, em face dos questionamentos daquela época.

A questão da mudança na estrutura social

 6 As Ciências Humanas e Sociais, ainda estavam engatinhando nesse período e necessitava-se dá veracidade as suas investigações, por isso a proximidade – desde Augusto Comte e o positivismo científico – com as Ciências Naturais e os seus modelos teórico-metodológicos. 

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“Processo social” é um conceito incorporado pela escola estrutural-funcionalista ao estudo antropológico das sociedades. Conceito que visa estabelecer uma crítica a noção ou até mesmo conceito de “entidade”, segundo a qual as sociedades seriam como “entidades reais distintas” (Idem). “Processo” se adequa melhor ao estudo das sociedades pela própria dinâmica interna das mesmas; dinâmica sendo aqui entendida enquanto as relações sociais estabelecidas no seio de cada sociedade. Este processo se constitui dessa enorme quantidade de “ações e interações de seres humanos, agindo como indivíduos em combinação ou grupos” (Idem, p.11). Note que estas interações são relacionadas sempre as partes com o todo e vice e versa. As partes têm de estar ligada ao todo para a manutenção do sistema, bem como da estrutura social. Diante desses processos sociais, o antropólogo deve estar atento para a regularidade das interações em dada sociedade, fixando o que há de comum nessas interações, deixando de lado as particularidades. A essas regularidades sociais, da qual o antropólogo deve estar atento, Radcliffe-Brown denomina de forma de vida social (Idem). Para o estudo da forma de vida social de determinada sociedade deve-se empregar o método da antropologia comparada7. O “processo social” se insere nesse tipo de investigação como uma forma de fixar as interações sociais em dado momento ou período de tempo, por se tratar de uma investigação sincrônica da sociedade. Neste ponto de vista e, por via do método, as alterações e mudanças sociais no sistema são perceptíveis e até apreendidas, de certa forma até determinantes, mas não são ao ponto de desmembrar a estrutura por se tratar de uma investigação sincrônica. O tempo histórico

 7 Radcliffe-Brown denomina a Antropologia Social também de Sociologia Comparada, pois entende que o estudo teórico das sociedades e suas instituições sociais só podem ser apreendidos através do método comparativo (RADCLIFFE-BROWN, 2013: p.10). 

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ou ao longo da história não é determinante para esse tipo de abordagem, por isso mesmo não se fixa sobremaneira a investigação nas mudanças, pois num determinado período de tempo – relativamente curto – tais alterações no sistema ocorre de forma gradual e lenta, e não se configura como o foco da análise. Assim, afirma Radcliffe-Brown (Idem, p.12):

A forma de vida social de certo conjunto de seres humanos pode permanecer aproximadamente a mesma por dado período. Mas durante determinado tempo sofre ela transformações ou modificações. Por essa razão, embora possamos considerar os fatos da vida social como constitutivos de um processo, há, além disso, o processo de mudança na forma de vida social. Numa descrição sincrônica demos um apanhado de uma forma de vida social tal como existe em determinado tempo, abstraindo tanto quanto possível das transformações que possam estar ocorrendo em suas linhas essenciais. Uma visão diacrônica, por outro lado, há de registrar tais mudanças através de um período. Na sociologia comparada temos que tratar teoricamente da continuidade das formas de vida social e das transformações que nela se dão.

Portanto, as mudanças ou alterações no sistema social não são postas de lado pelo estrutural-funcionalismo, ao contrário, são perceptíveis e Radcliffe-Brown estava atento a estas mudanças. O foco da análise numa perspectiva sincrônica era determinante em seu resultado final ou conclusões dessas análises. Mesmo em face dessa perspectiva – a de como as sociedades funciona e mantém a estrutura social –, a da continuidade social, as mudanças eram

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percebidas e incorporadas, de uma forma ou outra, a teoria geral estrutural-funcionalista. A estes processos de mudanças ou alterações nas sociedades são denominados por Radcliffe-Brown de “dinâmica”, ao passo que os processos de continuidades dos sistemas sociais são denominados por este de “estática”. Analogamente ao organismo fisiológico8, as questões de condições de existência da sociedade são questões da estática, já as questões de mudanças no interior das sociedades são condições da dinâmica nas formas de vida social (Idem). Radcliffe-Brown está atento a estas mudanças e alterações, tanto que emprega conceitos e modelos das ciências naturais para explicar não somente a continuidade dos sistemas sociais, mas também suas respectivas transformações, o emprego de termos advindos das ciências naturais é bastante utilizado por ele na elaboração de sua teoria social sobre a sociedade, concebendo a antropologia social enquanto um ramo da ciência teórico-natural da sociedade humana (Idem, p.170). Daí o emprego das terminologias estática e dinâmica: o primeiro para explicar a manutenção e continuidade, o segundo para explicar a transformação e mudança no sistema social.

De acordo com Radcliffe-Brown a estrutura social designa uma complexa rede de relações sociais realmente existente (Idem, p.172). Esta estrutura faz parte da realidade, e é uma realidade concreta ao qual o pesquisador imergi ao campo etnográfico na busca desta rede de relações a partir dos fatos observáveis. Para ele o estudo da estrutura social é fundamental para a antropologia social. E esse estudo implica fazer o uso do método comparativo entre as várias sociedades existentes. Se aplicar nesse tipo de estudo ou pesquisa é fundamental para o pesquisador, assim como para o avanço da antropologia social em seus estudos sobre as inúmeras sociedades existentes. Nesses termos também, a mudança na estrutura social é perceptível na visão estrutural-

 8 Ver-se a influência que recebeu Radcliffe-Brown das Ciências Naturais. 

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funcionalista definida por Radcliffe-Brown: “Alguns antropólogos empregam o termo ‘estrutura social’ para designar apenas grupos sociais duráveis, como nações, tribos e clãs, que mantenham continuidade e identidade como grupos individuais, a despeito de transformações em seu seio9” (Idem, p.172). Em seu enfoque, destaca as relações sociais de pessoa a pessoa, como por exemplo, as relações sociais estabelecidas entre pai e filho; e ainda a diferenciação entre os vários indivíduos em classes sociais estruturalmente definidas. Este segundo ponto é fundamental na teoria social estrutural-funcionalista de Radcliffe-Brown, pois esse tipo de relação estabelece no seio da sociedade as posições, bem como suas respectivas funções sociais fundamentais para a manutenção da estrutura. Manutenção e continuidade esta que não é estática. Para o estrutural-funcionalismo a realidade social concreta passa por essas alterações, embora estejam interessados em fixar a continuidade social.

Mas mesmo em face da busca pelas invariantes que mantém o todo estrutural em dada sociedade, cabe ao antropólogo está atento aos processos de mudança no seio dessas mesmas sociedades. Embora sobre certos aspectos, essas mudanças e alterações no sistema sejam consideradas disfunções – no caso, funções negativas – que atuam para degeneração da estrutura. Durkheim (2001)10 já apontava para a questão da disfunção social (chamado por ele de patologia) e como o pesquisador deve distinguir entre o normal e o patológico no âmbito do social; no livro “O suicídio”, Durkheim (1978) concebe este como um fenômeno social, o considerando enquanto um aspecto patológico, isto é, enquanto uma disfunção ou “doença” social característica da sociedade moderna. Apesar de toda influência exercida por Durkheim na formulação da teoria estrutural-

 9 Nesse mesmo parágrafo de seu texto Radcliffe-Brown se refere a Evans-Pritchard como um dos defensores desse tipo de análise.  10 Em sua obra “As regras do método sociológico”. 

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funcionalista de Radcliffe-Brown, este vai rejeitar o postulado teórico daquele no que diz respeito à mudança social no seio das sociedades. De fato, as instituições sociais configuram como elementos integrados que são respostas adaptáveis às necessidades básicas ou elementares dos sujeitos estabelecidos em sociedade (RIVIÈRE, 1995). Mas nem por isso estas instituições não sejam passíveis de alterações em seu sistema, muito menos essas alterações sejam entendidas enquanto mera questão de disfunção social. As sociedades, diz Radcliffe-Brown (2013: p.165), não morrem no mesmo sentido que os animais, não podemos definir disnomia como o que leva, se não controlada, à morte de uma sociedade. Um pouco mais adiante assinala, “[...] não podemos definir disnomia (se se quiser disfunção) como a perturbação das atividades usuais de um tipo social (como Durkheim tentou fazer)” (Idem, p.165). Nesse sentido, rejeita o postulado teórico de disfunção social durkheimiano para explicar as mudanças que ocorrem nas sociedades, pelos próprios limites teóricos deste postulado, pois ao se aproximar dos postulados da morfologia e da fisiologia, logo esses limites tornaram-se evidentes. As alterações que se dão na sociedade diferem sobremaneira das alterações que se dão no organismo animal.

Uma sociedade difere do organismo animal à medida que, num organismo animal quando atacado por uma doença esse organismo é ameaçado de morte e, dependendo do grau da doença uma morte rápida. Já na sociedade muito raramente isso venha a ocorrer (a morte do sistema), nesse caso, o que ocorre é a alteração no tipo estrutural desse sistema, alteração essa que não acontece de forma tão rápida, a não ser por meio de revoluções, mesmo assim o sistema social não morre. Para melhor elucidar essa questão vejamos o que diz Radcliffe-Brown (Idem, p.165):

[...] De modo que talvez possamos dizer que, enquanto um organismo atacado por doença

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virulenta reagirá, e se a reação falhar, morrerá, sociedade que seja arrastada à condição de desumanidade ou inconsistência funcionais (o que chamamos provisoriamente de disnomia) não morrerá, exceto em casos relativamente raros (como uma tribo australiana subjugada pela força destrutiva do homem branco), mas continuará a lutar no sentido de uma eunomia, algo como a saúde social, e poderá, enquanto isto, alterar seu tipo estrutural.

Utilizar o termo disfunção social para indicar as

transformações ocorridas em um sistema social soa um tanto estranho para o estrutural-funcionalismo definido por Radcliffe-Brown. Então qual seria uma explicação plausível para as mudanças ocorridas em um sistema social? Como foi dito, as mudanças e alterações no sistema social ocorrem em sua forma estrutural, essas alterações acontecem de maneira gradual e lenta no seio da cada sociedade. Algumas dessas mudanças são até mesmo imperceptíveis ao observador, como no caso de mudanças do tipo particulares, a exemplo da entrada e saída de indivíduos de uma sociedade seja pelo fenômeno da emigração e imigração ou pelo nascimento e morte de pessoas na sociedade, ou, até mesmo por intermédio de casamentos e divórcios ocorridos na forma cotidiana de uma sociedade. Mas enquanto a estrutura social muda deste modo, a forma estrutural geral permanece constante por um período de tempo, maior ou menor (Idem).

No caso das mudanças do tipo estrutural que venha a “desestruturar” o sistema, nesse sentido, o próprio sistema luta contra essas “forças contrárias”, não obtendo êxito, muda seu tipo estrutural, porém, mantendo não somente a sociedade em pleno funcionamento e a estrutura social viva, mas, sobretudo, mesmo em face dessas transformações rápidas há de algum modo a

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manutenção da continuidade estrutural, inclusive conservando parte do sistema anterior.

Considerações finais

Por dá maior ênfase à questão da continuidade do sistema e da estrutura social, o estrutural-funcionalismo buscava compreender em seus estudos e análises das sociedades as invariantes no interior dessas mesmas sociedades. A regularidade que mantém a solidariedade11 da sociedade. A sociedade concebida como um todo orgânico cujo as partes se integram – a qual cada unidade tem uma função determinada – para manutenção da estrutura e consequentemente de sua continuidade funcional. As unidades – que são as pessoas que integram o sistema – só podem ser estudadas enquanto nas condições de estrutura social, e a estrutura social entendida nos termos de unidades que integram o sistema. Daí a busca pela regularidade e as invariantes sociais no seio de cada sociedade. Essa era a preocupação do estrutural-funcionalismo definido por Radcliffe-Brown, a continuidade que mantêm viva essa complexa rede de relações sociais; as instituições sociais – que formam a ossatura da estrutura social – são entendidas como esta rede de relações que mantém a continuidade e existência da sociedade. É uma questão de método e modo analítico de explicar as relações sociais estabelecidas no seio das sociedades. É o estudo dos invariantes em face do variante, variantes sociais que existem, mas não ao ponto de desmembrar a estrutura12.

 11 Para fazer uso de um conceito durkheimiano.  12 Pelo próprio modelo metodológico desenvolvido pela escola estrutural-funcionalista, o estudo sincrônico da sociedade, faz com que a questão da mudança da estrutura não seja tão abordada nos resultados de suas pesquisas.

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A questão da mudança e da alteração da estrutura é entendida e explicada neste contexto, enquanto transformações graduais e lentas (exceto no caso das revoluções), dependentes inclusive da própria estrutura, bem como da função social. Estrutura social que apesar da mudança, só altera o seu tipo estrutural por causa da e, pela manutenção e/ou continuidade do sistema social em cada sociedade. Mesmo havendo a mudança na estrutura, esta volta a se integrar as partes ou unidades contribuindo para continuidade funcional do organismo ou sistema social, há mantendo em pleno funcionamento.

Estrutural-funcionalismo que surgiu enquanto uma escola antropológica em reação ao evolucionismo e ao difusionismo, rejeitando seus postulados teóricos; por alguns anos será uma corrente bastante influente na antropologia, principalmente no que se refere à Antropologia Social e o método comparativo; influencia que chegará de certa forma a formulação da escola Estruturalista defendida por Lévi-Strauss, embora se distinga em muitos de seus postulados teóricos.

Referências

DURKHEIM, Émile. 2001. As regras do método sociológico. Tradução Pietro Nassetti, São Paulo, Martin Claret (Coleção Obra Prima de Cada Autor). ___________. 1978. O suicídio. Seleção de textos José Arthur Giannotti; tradução Carlos Alberto Ribeiro de Moura, São Paulo, Abril Cultura (Coleção Os Pensadores).

 Justamente por serem estudadas analiticamente em um período relativamente curto de tempo, as alterações na estrutura embora ocorram, pela própria dinâmica do social, não ocorre de modo que venha a desmembrar a estrutura. 

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