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16 RAS _ Vol. 9, No 34 – Jan-Mar, 2007

Desafios para a gestão deunidades básicas de saúde*

Challenges to manage basic heathcare units

Adriana Maria André1, Maria Helena Trench Ciampone2

RESUMOO gestor local enfrenta o desafio de responder aos anseios da comunidade utilizando-se dos

recursos disponíveis; dessa maneira, faz-se imprescindível que disponha de um arcabouço de co-nhecimentos, habilidades e atitudes, a fim de poder otimizar e maximizar tais recursos, realizandoparcerias, negociando propostas e trabalhando com a equipe e a comunidade num exercício de“empoderamento” para a cidadania. Quem são esses gestores e quais são na percepção dos mes-mos as competências necessárias para exercer essa função? Realizamos a nossa pesquisa utili-zando o método da pesquisa-ação nessa vertente metodológica qualitativa; tivemos como base deanálise dos dados a vertente dialética, pois entendemos que não se compreende a mudança noprocesso de gerenciamento da assistência dos serviços de saúde sem levar em conta a sua histo-ricidade, totalidade, dinamicidade e provisoriedade no contexto da transformação social. As evi-dências mostraram que a percepção dos atuais gestores, em relação às competências para geriruma Unidade Básica de Saúde (UBS), contemplam uma visão simplista influenciando diretamenteno modo de operacionalização das estratégias e na dinâmica das equipes, contribuindo para aineficácia e ineficiência dos processos. Portanto, defendemos a tese de que para haver a ascensãode profissionais à posição de gestor de uma UBS ou a quaisquer Serviços de Saúde deveria serinstituído um Sistema de Avaliação de Competências e Certificação de Formação Profissional naqual os cursos específicos de Gestão em Saúde fossem pré-requisitos.

ABSTRACTThe local manager faces the challenge to respond to the population needs utilizing the re-

sources available; he must, therefore have a set of skills, knowledge, and attitudes to be able tooptimize and maximize such resources, making partnerships, negotiating offers and working withhis team and the community in an exercise of empowering the citizenry. Who are those managersand how do they perceive the competences required to carry out this function? This research wasqualitative in the line of the research-action and the data were analyzed dialectically. To understandthe changes in the health care management, the authors had to analyze the social transformationsin their historical and dynamic context. Results showed that the perceptions of current managersregarding the competences to manage a Basic Healthcare Unit involve a simplistic view that direct-ly influences the implementation of strategies and the dynamics of working teams, making pro-cesses both ineffective and inefficient. Therefore, they defend the idea that for a professional tobecome the manager of a Basic Healthcare Unit, or of any healthcare service, there should be aCompetence evaluation System and a Professional Training Certification System for which somespecific Healthcare Management courses would be prerequisites.

* Este trabalho é parte da Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

1. Especialista em Administração de Sistemas de Saúde e Hospitalar/EASP/FVG; Mestre em Enfermagem na área de concentração Administração em Serviços deEnfermagem e de Saúde pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; Assessora Técnica de Planejamento da Coordenadoria Regional de Saúde Sul deSão Paulo (licenciada); Assessora da Superintendência da Fundação Getúlio Vargas (IDE/FGV-SP). Fundação Getúlio Vargas, Av. Paulista, 548, andar Intermediário,Bela Vista – 01310-000 – São Paulo, SP, Brasil. Tel.: (11) 3281-3632. E-mail: [email protected]

2. Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem/USP; Doutora em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia/USP; Professora Titular da área de Administraçãoem Serviços de Enfermagem e de Saúde do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem/USP; Orientadora da presente investigação. Escola deEnfermagem da USP, Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 – 05403-000 – São Paulo, SP, Brasil. Tel.: (11) 3066-7551, fax: (11) 3066-7561. E-mail: [email protected]

Palavras-chaveAdministração de serviços desaúde.Gerência.Competência profissional.

KeywordsHealthcare servicesadministration.Management.Professional competence.

Conflito de interesse: nenhum declarado.Financiador ou fontes de fomento: nenhum de-clarado.Data de recebimento do artigo: 8/1/2007.Data da aprovação: 29/3/2007.

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INTRODUÇÃOPensando nos desafios para a ges-

tão dos serviços de saúde, particular-mente os presentes nas UnidadesBásicas de Saúde mediante alguns dosfatores determinantes das práticasgerenciais nesses locais, pontuamosalgumas peculiaridades relacionadasentre algumas das distinções entre asorganizações formais públicas e asprivadas, que influenciam o cotidianoda gerência nesses serviços. Ao res-gatarmos as características peculiaresda administração pública e privadaadmitimos que o conjunto das mesmasé bastante heterogêneo, por vezesmesclando nuances dessa tipologia.Podemos, contudo, identificar algumascaracterísticas peculiares da burocra-cia da organização e da gestão dasempresas públicas (1).

Por exemplo, em relação ao direitopúblico e ao direito administrativo. Den-tre os inúmeros aspectos que isso im-plica, destacamos o fato de que umadecisão no âmbito da burocracia pú-blica só pode ser tomada legalmente,se houver, no conjunto normativo, umdispositivo que autorize e confira vali-dade à decisão. Diferentemente daempresa privada, uma decisão podeser tomada desde que não haja umanorma legal que a proíba. Enquanto odireito público trata do que é permiti-do, o direito privado trata do que é proi-bido. Apenas essa diferença causauma enorme distância na gestão des-ses dois tipos de organização(1).

Para o autor, o que referenda a lógi-ca e a ação nas decisões gerenciaisna esfera privada é a lógica do pensa-mento econômico e na esfera públicasão os movimentos do pensamentopolítico. Note-se que ambos semprerepresentaram o que lhes é contem-porâneo e derivaram de todo o arca-bouço de valores e dos diferentes con-

textos que permearam as relações en-tre os sujeitos e as organizações de-terminados pela estrutura econômica,política e social.

No campo da saúde, ao pinçarmospara fins de análise algumas das dife-renças nas atribuições dos gestores deUnidades Básicas de Saúde diante dasmodificações decorrentes das políticasde saúde vigentes, principalmente asadvindas da implantação da estratégiasaúde da família, verificamos a neces-sidade dessas práticas sofrerem an-coragem em novos paradigmas degestão, e, nessa perspectiva, em no-vos modelos de gestão, que deman-dam um perfil diferenciado dos gesto-res, com competências (entendidacomo o conjunto de conhecimentos,habilidades e atitudes) que os diferen-cie em relação à gestão tradicional-mente desenvolvida nesse campo.Esse é um dos grandes desafios a se-rem perseguidos por parte, tanto des-ses atores sociais que se propõem aestar à frente destas Unidades, quan-to dos órgãos formadores de recursoshumanos em saúde, aos quais cabe atarefa de preparar profissionais paraassumirem a transformação dessaspráticas, bem como estabelecendoparcerias para a educação permanen-te.

No chamado modelo tradicional deassistência a saúde, o gerente atuacomo um mero chefe de pessoal, seatendo a atividades exclusivamente deordem burocrática, exercendo um pa-pel controlador e centralizador, sua vi-são é limitada e predominantementevoltada para o intramuros. Como repre-sentante da autoridade política, o ges-tor, ao assumir o comando de uma or-ganização pública, com suas distintasfinalidades e atreladas ao sistema po-lítico, deve ter a clareza que a lógicaque prevalece é a lógica da permanên-

cia no poder(2). Por decorrência, os ob-jetivos e metas, na organização pú-blica, espelham as escolhas políticas,nem sempre explícitas e claras, o quetorna o processo decisório, no âmbitolocal, ainda mais complexo e centrali-zado. Isso explica a descontinuidade deprogramas quando ocorrem mudançasde dirigentes, até dentro do mesmo go-verno.

Pensando na estratégia Saúde daFamília, fica evidente a mudança dalógica política, quanto ao modelo as-sistencial e gerencial que passa a de-mandar a interação e a participação dediversos atores sociais como os pro-fissionais da UBS, a comunidade, aslideranças para que o projeto se as-sente no atendimento das necessida-des de saúde da população da áreade abrangência e nas ações interse-toriais para sanarem ou minoraremessas necessidades(3). Nessa lógica, opapel do gestor é a do articulador queprepara, orienta, estimula e negocia,demonstrando, na prática, a importân-cia da liderança de equipes. Nessaperspectiva, a visão do gestor deve sermais abrangente, suas atribuições ex-trapolam os limites da Unidade, privi-legiando o que é proposto no ModeloSistêmico Aberto de Gestão.

O Modelo Sistêmico Aberto de Ges-tão, busca a transversalidade dasações no âmbito das equipes onde ainterdisciplinaridade, a interação sinér-gica, a articulação e o intercâmbio con-tínuo com o ambiente devem susten-tar o processo de aprendizagem con-tínua e a retroalimentação dos planosde ação; nada deve ser “estanque” eas modificações devem ocorrer segun-do a necessidade de aprimoramentoou revisão cotidiana dos processos.

O gestor local, portanto, enfrenta odesafio de responder aos anseios dacomunidade utilizando-se dos recursos

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disponíveis; dessa maneira, faz-se im-prescindível que disponha de um ar-cabouço de conhecimentos, habilida-des e atitudes, a fim de poder otimizare maximizar tais recursos, realizandoparcerias, negociando propostas e tra-balhando com a equipe e a comunida-de num exercício de “empoderamen-to” para a cidadania.

Apesar de a Estratégia Saúde daFamília fazer parte da macropolítica doMinistério da Saúde desde a metadeda década de 90, observa-se que o sis-tema de saúde continua sofrendo oprocesso de desconcentração(4), en-tendendo por desconcentração a de-legação de responsabilidades sem adelegação de poder decisório, trans-ferindo-se para o gestor a responsa-bilidade da implementação de umadecisão central, porém, sem a prerro-gativa de poder decisório para o ma-nejo dos recursos escassos conformea necessidade local, sem burlar as re-gras estruturais que definem quanto,como e onde empregá-los. Esse ter-mo parece-nos, portanto, bem apro-priado para descrever a situação depoder do gestor local.

Além das limitações de ordem prá-tica, financeira e das ligadas à legisla-ção municipal, existem as intersubjeti-vidades que permeiam as relações depoder advindas da área político-parti-dária que têm importantes reflexos nagestão das Unidades Básicas de Saú-de.

Por exemplo, a ascensão à posiçãode gestor das UBS não é uma ascen-são de caráter meritório, mas sim indi-cativo, proveniente das relações deamizade e confiança mantidas com osuperior hierárquico imediato, ou comas instâncias políticas superiores.

A problemática daí decorrente nosconvida e estimula a uma série de re-flexões e questionamentos que deram

origem à presente investigação queteve por objetivos: conhecer a percep-ção dos profissionais que exercem agestão das Unidades Básicas de Saú-de acerca de quais são as competên-cias necessárias à operacionalizaçãodessas novas práticas de gestão queprivilegiam o coletivo e o trabalho par-ticipativo e problematizar se a forma-ção e o preparo específico desses ges-tores influencia no modo de operacio-nalização das estratégias e da dinâmi-ca das equipes envolvidas nos servi-ços, tendo em vista subsidiar dadospara compor um perfil de competên-cias gerenciais compatíveis com osnovos modelos de gestão em saúde.

REVISÃO TEÓRICA CONCEITUALQuando se pensa no planejamento

de modelos gerenciais no âmbito dasorganizações públicas, esses devemresponder às seguintes questões: qualé o problema ou o objetivo que motivaa ação pública por intermédio dessaorganização? Que situação da realida-de se quer transformar e em que dire-ção? Como o sistema organizacionaldeve funcionar para tal? Qual é o pa-pel do gestor? Nesse caso, qualquerresposta a essas perguntas, em umregime democrático, tem de encontrarrespaldo na legitimidade assentada nalegalidade e representatividade. Por serpúblico, o sistema de gestão tambémnão dispensa a necessidade do focona eficiência e na eficácia do uso dosrecursos. O que temos verificado naprática, é que os métodos modernosde gestão, sob o rótulo de “new publicmanagent” corresponde a implantarmodelos substitutivos à lógica do es-tado pela lógica do mercado.

Contudo, os conceitos de gestãoestratégica também se aplicam plena-mente aos serviços de saúde(5); os ins-trumentos fundamentais ao processo,

como a definição da missão, a análisedos cenários, e os decorrentes planosde ação de acordo com os cenários, aelaboração de políticas e a avaliaçãocontínua, podem ser potentes ferra-mentas do processo de trabalho ge-rencial, quando bem conduzidas pelogestor.

Nessa perspectiva, cabe também aeste esclarecer os valores e a visãonorteadora da cultura local e propiciarcondições de “empoderamento” dosseus colaboradores, para a implemen-tação de uma proposta de gestão par-ticipativa. Para tanto, a delegação depoder e construção de relação de con-fiança constituem pontos essenciais.

O projeto de governo (proposta deação) de um gestor deve se mostrarviável em função da governabilidade(grau de dificuldade das ações) e dacapacidade de governo que se traduzpela perícia pessoal e institucional paratomar decisões. Envolve, portanto, nãosomente uma competente análise dosproblemas, dos processos, e do manejodos recursos e da relação custo-be-nefício, como também, da base do su-porte político para a sustentação eaprovação das propostas.

O gestor enquanto líder deve sabertrabalhar com sua equipe de maneiraa compor os conhecimentos e habili-dades do grupo na busca de um am-biente onde ocorra a sinergia e o de-senvolvimento contínuo das pessoas.

O gestor imprime ao trabalho a suamarca, impulsionando ou não a equi-pe por meio de seu próprio trabalho,ou seja, torna-se modelo, referência emdecorrência da postura que adota fren-te ao jogo de forças que influenciam ocotidiano do serviço.

Nessa perspectiva, partimos do su-posto de que o gestor de uma UBS de-ve ter uma visão ampliada de saúde,ser capaz de uma priorização adequada

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dos problemas e necessidades da co-munidade e de implementar o modelode assistência integral e da gestãoparticipativa, o que exige que este te-nha competência para tal.

METODOLOGIAPara o desenvolvimento desse es-

tudo optamos pelo método da Pesqui-sa-Ação, pois esta modalidade de pes-quisa constitui-se apropriada para ocampo social, com base empírica, ondeos pesquisadores estão envolvidos demodo cooperativo e participativo, per-tencendo à Instituição cenário onde apesquisa foi realizada. Esse tipo deorientação metodológica permite oaumento do conhecimento ou do “ní-vel de consciência” do grupo envolvi-do no processo, acerca do problemaque deu origem ao objeto de pesqui-sa, a competência gerencial para o pro-cesso de gestão de UBS(6).

Assim, essa vertente metodológicafoi adotada, na perspectiva da pesqui-sa qualitativa, tendo como base deanálise dos dados a vertente dialética,pois entendemos que não se com-preende a mudança no processo degerenciamento da assistência dos ser-viços de saúde sem se levar em contaa sua historicidade, totalidade, dinami-cidade e provisoriedade no contexto datransformação social.

O cenário do estudo foi constituídopor 19 Unidades de Saúde de uma dasSupervisões Técnicas de Área da Se-cretaria Municipal de São Paulo. Ossujeitos da pesquisa foram os respec-tivos gestores dessas unidades. O es-tudo ocorreu em duas etapas, sendoque na primeira realizamos entrevistasindividuais com os sujeitos e, na se-gunda, um encontro grupal na perspec-tiva de um grupo focal. Para a entre-vista constituímos uma amostra inten-cional composta por seis dos 19 ge-

rentes, que aceitaram o convite parafazer parte do estudo. Intencionalmen-te formulamos o convite para três ge-rentes que fizeram o curso de capaci-tação para Gerenciamento de Unida-des de Saúde (GERUS) ou outro cur-so de especialização em gerenciamen-to e para três gerentes que não fize-ram nenhum curso específico na áreagerencial. A partir da análise da trans-crição dos discursos gravados, com oconsentimento dos sujeitos durante asentrevistas, realizamos a análise dasunidades de significado que compuse-ram as questões disparadoras que fo-ram discutidas no encontro grupal.

Na segunda etapa do estudo reali-zamos um encontro de Grupo Focal,no qual atenderam ao convite paraparticipar somente 50% dos 19 Ge-rentes. Consideramos a validade des-se encontro em função da premissa deque os presentes seriam porta-vozesdas situações e circunstâncias típicasque envolvem a gerência dessas uni-dades de saúde, o que viabilizou as fi-nalidades almejadas.

Na primeira fase do estudo, a dasentrevistas, após a transcrição das fi-tas, procedemos à análise temática dosdados. Para tanto, iniciamos com umaleitura flutuante do conjunto que foiseguida pela constituição do corpusdos discursos, desvelando os núcleosde sentido que constituíram os temasdisparadores do encontro do grupofocal(7).

Na segunda fase do estudo, o dogrupo focal, o encontro também foi gra-vado, transcrito e realizamos a crônicagrupal a partir da síntese das “falas” einterpretação dos significados, compor-tamentos, conflitos e contradições quepermearam o debate dos temas. Naanálise de dados nessa fase utilizamosos conceitos estruturantes do referen-cial teórico-temático como construtos

norteadores da análise das convergên-cias e divergências que emergiram domaterial empírico oriundo do grupo.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISEDOS RESULTADOS

Dos 19 gerentes da Supervisão Téc-nica de Área, 10 participaram da pes-quisa, ou seja, 52,63%. Destes, 70%eram do sexo feminino e 30% do mas-culino, sendo 40% da amostra médi-cos, 20% dentistas, 20% psicólogos,10% fonoaudiólogos e 10% enfermei-ros.

Em relação ao preparo para exercera gerência, 50% dos gerentes fizeramo curso de Gerenciamento de Unida-des de Saúde (GERUS), 10% realiza-ram curso de gestão em saúde e 40%não possuíam qualquer curso na áreade gestão. Quanto ao tempo de exer-cício da função, 90% dos gerentesocupavam essa posição entre três ecinco anos, 10% haviam assumido ha-via menos de um ano e somente 20%deles possuíam experiência em gestãoem outros serviços, distintos da Secre-taria Municipal de Saúde.

Quanto aos cursos de pós-gradua-ção senso lato, 90% informaram terrealizado cursos em suas áreas técni-cas específicas e 10% que nunca rea-lizaram qualquer curso de pós-gradua-ção.

A primeira questão da entrevista re-feria-se a quais eram os conhecimen-tos gerenciais que julgavam necessá-rios a um gestor de Unidade Básicade Saúde para desempenhar o seupapel de maneira eficiente e eficaz. Oresultado obtido foi: conhecer as pro-postas do SUS, ter um compromissocom a proposta da Atenção Básica terparticipado das propostas ou estarconsciente das metas e prioridades daregião e do município, conhecer a má-quina administrativa, conhecer a popu-

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lação, conhecer a Unidade, conhecero pessoal, conhecer a dinâmica dasrelações humanas, conhecer o poten-cial de cada funcionário, conhecercomo trabalhar a intersetorialidade.

Comparando esse resultado com osconteúdos gerenciais ministrados noscursos de gestão das Universidadesmais importantes do nosso país, verifi-camos que os cursos de gestão sãocompostos por blocos básicos de co-nhecimentos para fundamentação teó-rica do gestor como: Estatística, Eco-nomia, Epidemiologia, Sociologia, Tec-nologia da Informação, Teoria Geral daAdministração, Psicologia, Legislaçãoem Saúde, Políticas de Saúde e disci-plinas que propiciam a instrumentali-zação mais específica como: Adminis-tração Financeira, Contabilidade, Ad-ministração de Recursos Humanos,Logística, Administração de RecursosFísicos e Materiais, dentre outros.

Ao contrapormos os resultados dasfalas dos gestores com os conheci-mentos gerenciais considerados es-senciais nos cursos de gestão ficoupatente o quanto os gerentes desco-nhecem esses referenciais teóricos ounão articulam os mesmos com as suaspráticas gerenciais.

A segunda questão da entrevista di-zia respeito a quais habilidades geren-ciais estes julgavam que deveriam serdesenvolvidas pelo gerente a partir dosconhecimentos essências da gestão.Após as discussões obtivemos comoresultado as habilidades relacionadasa: capacidade de negociação com asinstâncias externas da unidade, incluin-do desde a hierarquia superior; ter diá-logo com a máquina administrativa, diá-logo com os funcionários e com a po-pulação; persistir; manter um projeto;ter clareza quanto aos objetivos; ter ca-pacidade de construir coletivamente oprojeto de trabalho da Unidade; man-

ter-se atualizado tecnicamente na suaárea de atuação; ter “jogo de cintura”;entender a população; se relacionarcom as pessoas; dividir as coisas comtodo mundo; ter controle emocional; terconsciência quanto ao modo de seportar, quanto à maneira de conduzir,lidar com dados e interpretá-los; terpaciência, persistência e flexibilidade.

Verificamos que na visão dos ges-tores, apesar de agirem de maneiraempírica e intuitiva e sem o embasa-mento teórico que permite a classifi-cação e racionalização das decisões,muitas das habilidades citadas coinci-dem com o referencial teórico utiliza-do como base neste estudo, acercadas habilidades gerenciais que sãoessenciais(8).

No entanto, ressaltamos que as ha-bilidades devem ser desenvolvidas pelamobilização dos conhecimentos adqui-ridos. Nesse sentido as habilidades nãopautadas em conhecimentos consti-tuem-se em empirismo e ficam sujei-tas ao jogo de probabilidades do acer-to ou erro.

A terceira questão problematizadafoi quais atitudes eles consideravamque devem permear as atividades de-senvolvidas pelo gestor. O quadro re-sumo das percepções dos gestores fi-cou assim composto: atitude de sermais democrático; conseguir ouvir;conviver; suportar um pouco mais oconflito; não ter muito personalismo;atitude de preservação; ser objetivo emuito claro ao falar; ouvir o lado dofuncionário; ter equilíbrio e bom sen-so; credibilidade; ter proximidade coma população; ser exemplo; ter atituderespeitosa e coerente; ser pró-ativo eestimular isso na equipe; ser imparciale justo; ser humilde; ser observador;interferir menos.

Devemos lembrar que, no tocante àsatitudes inerentes a determinado car-

go ou posição, estas devem ser com-postas dentro do contexto do compor-tamento organizacional que represen-ta o conjunto de valores éticos, moraise sociais aceitos pelo grupo de atoresque participam dos processos da ins-tituição(9).

Dentre as atitudes listadas pelos ge-rentes apreende-se que no contextodas organizações de saúde que com-põem a atenção básica de assistência,os valores expressos na representaçãodas atitudes dos gestores nem sem-pre se verificam nas práticas, o querepresenta uma divergência entre asidéias e as práticas configurando-seem contradições no âmbito do pensare do agir.

CONCLUSÕESAlgumas tentativas de Inovação

Gerencial na Administração Públicanão contribuíram para reestruturar aorganização do trabalho e não propi-ciaram a incorporação das concepçõesde qualidade dos sujeitos envolvidos enem alteraram as relações de poderexistentes entre gerentes, funcionáriose usuários, porém os estudiosos rela-tam que se verificou que as atitudesdos gerentes frente à inovação influen-ciam as atitudes dos seus subordina-dos(10).

O sistema ainda é regido predomi-nantemente por princípios administra-tivos que se assemelham aos tradicio-nais e ultrapassados, pois se utiliza dasações programáticas e da mediaçãopor interlocutores de áreas temáticas,e tal fato acarreta planejamentos e di-recionamentos diferentes a serem im-plementados ao mesmo tempo, pelosmesmos agentes da gerência média,seus interlocutores, e pelos gerentese agentes da ponta, que enfrentam asagruras de não poderem planejar suasações e passarem o tempo todo “apa-

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gando incêndios” e implementando acultura da improvisação.

Não podemos deixar de mencionarque há necessidade tanto de redese-nho dos macroprocessos de trabalhoquanto de entendimento de que no-vas competências devem ser desen-volvidas pelos gestores para que hajacondições de melhoria dos serviçosprestados à população no serviço pú-blico e especificamente nas UnidadesBásicas de Saúde.

Historicamente apreendemos quevários cursos de capacitação em ges-tão foram promovidos pela SMS-SP,em que as metodologias podem tersido discretamente diferentes, porémos conteúdos foram muito semelhan-tes.

Os especialistas em gestão contem-porânea constatam a necessidade dodesenvolvimento do que denominamde um “continuum” de papéis e de com-petências gerenciais que incluem, porum lado, adquirir progressivamente umacomplexidade cognitiva – a possibili-dade de executar uma estratégia ra-zoavelmente complexa em termos cog-nitivos, desempenhando papéis varia-dos e até antagônicos de maneira al-tamente integrada e complementar e,por outro, uma complexidade compor-tamental – capacidade de explorar eutilizar competências e comportamen-tos dos diversos modelos(11).

A tendência da administração mo-derna é, portanto, de que o gerenteaglutine e integre competências diver-sas, decorrentes de diferentes mode-los de gestão e que configurem umespectro de polivalência funcional quepode e deve ser ampliado, modificadoe aprimorado conforme a necessida-de.

Nesse sentido consideramos queconhecer o perfil de competências dosatuais gestores de UBS, de uma áreatomada como amostra da SMS-SP,permitiu concluir que as competênciasatuais desses gestores não favorecema implementação dos novos modelosassistenciais e gerenciais que contem-plam as estratégias que lhe são ine-rentes.

Os dados mostraram que a percep-ção dos atuais gestores, em relação àscompetências para gerir as UBS, con-templam uma visão simplista e queexiste um despreparo desses agentes.

Portanto, defendemos a tese de quepara haver a ascensão de profissionaisà posição de gestor de uma UnidadeBásica de Saúde ou a quaisquer Ser-viços de Saúde deveria ser instituídoum Sistema de Avaliação de Compe-tências e Certificação de FormaçãoProfissional na qual os cursos especí-ficos de Gestão em Saúde fossem pré-requisitos.

Isso porque ficou evidente que odespreparo do gestor influencia dire-tamente o modo de operacionalizaçãodas estratégias e a dinâmica das equi-pes envolvidas nos serviços, contribuin-do para a ineficácia e ineficiência dosprocessos.

Para que efetivamente as UnidadesBásicas de Saúde ou Unidades deSaúde da Família possam cumprir osseus objetivos, além de ter um gestorpreparado para assumir esse papel, écrucial que o mesmo seja escolhido pormérito, por concurso público. Outros-sim, destaca-se a necessidade pre-mente da cúpula central do governopromover ações de desburocratizaçãopública e descentralização de proces-so decisório, ou seja, delegar respon-

sabilidades desengessando as organi-zações públicas, o que representariamaior autonomia e poder decisório lo-cal, fortalecendo o planejamento estra-tégico na dinâmica dos serviços. Suaausência minimiza as responsabilida-des dos gerentes em relação aos re-sultados e o sucesso organizacional,tornando o sistema de gestão e demonitoramento empobrecido.

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