RASTREAMENTO DE TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS EM … · 1.3 Transtorno do humor: depressão e mania 17...

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Manuela Polidoro Lima RASTREAMENTO DE TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS EM PACIENTES AMBULATORIAIS ATENDIDOS EM UM HOSPITAL ONCOLÓGICO Barretos, São Paulo 2014 Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação da Fundação PIO XII Hospital de Câncer de Barretos para obtenção do Título Mestre em Ciências da Saúde. Área de Concentração: Oncologia Orientador: Prof. Dr. Adhemar Longatto Filho Co-orientadora: Profª. Dra. Flávia de Lima Osório

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Manuela Polidoro Lima

RASTREAMENTO DE TRANSTORNOS PSIQUITRICOS EM PACIENTES AMBULATORIAIS ATENDIDOS EM UM HOSPITAL ONCOLGICO

Barretos, So Paulo

2014

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Fundao PIO XII Hospital de Cncer de Barretos para obteno do Ttulo Mestre em Cincias da Sade.

rea de Concentrao: Oncologia

Orientador: Prof. Dr. Adhemar Longatto Filho

Co-orientadora: Prof. Dra. Flvia de Lima Osrio

Manuela Polidoro Lima

RASTREAMENTO DE TRANSTORNOS PSIQUITRICOS EM PACIENTES AMBULATORIAIS ATENDIDOS EM UM HOSPITAL ONCOLGICO

Barretos, So Paulo

2014

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Fundao PIO XII Hospital de Cncer de Barretos para obteno do Ttulo Mestre em Cincias da Sade.

rea de Concentrao: Oncologia

Orientador: Prof. Dr. Adhemar Longatto Filho

Co-orientadora: Prof. Dra. Flvia de Lima Osrio

FICHA CATALOGRFICA Preparada por Vanessa Alves Zagatto CRB 8/8638

Biblioteca da Fundao Pio XII Hospital de Cncer de Barretos

L732r Lima, Manuela Polidoro. Rastreamento de transtornos psiquitricos em pacientes ambulatoriais atendidos em um hospital oncolgico. / Manuela Polidoro Lima. -Barretos, SP 2014.

130 f. : il. Orientador: Dr. Adhemar Longatto Filho . Dissertao (Mestrado em Cincias da Sade) Fundao Pio XII

Hospital de Cncer de Barretos, 2014. 1.Neoplasias. 2.Comorbidade. 3.Psiquiatria. 4.Transtornos.

5.Rastreamento. 6. Prevalncia. I. Autor. II. Longatto Filho, Adhemar.

CDD 616.858 6

FOLHA DE APROVAO

Manuela Polidoro Lima

Rastreamento de transtornos psiquitricos em pacientes ambulatoriais atendidos em um

hospital oncolgico

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Fundao Pio XII Hospital de

Cncer de Barretos para obteno do Ttulo de Mestre em Cincias da Sade - rea de

Concentrao: Oncologia

Data da aprovao: 21/02/2014

Banca Examinadora:

Prof. Dra. Sonia Regina Loureiro

Instituio: Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto - Sade Mental / USP

Prof. Dr. Carlos Eduardo Paiva

Instituio: Fundao Pio XII Hospital de Cncer de Barretos

Prof. Dr. Adhemar Longatto Filho

Orientador Presidente da Banca

Esta dissertao foi elaborada e est apresentada de acordo com as normas da Ps-

Graduao do Hospital de Cncer de Barretos Fundao Pio XII, baseando-se no Regimento

do Programa de Ps-Graduao em Oncologia e no Manual de Apresentao de Dissertaes

e Teses do Hospital de Cncer de Barretos. Os pesquisadores declaram ainda que este

trabalho foi realizado em concordncia com o Cdigo de Boas Prticas Cientficas (FAPESP),

no havendo nada em seu contedo que possa ser considerado como plgio, fabricao ou

falsificao de dados. As opinies, hipteses e concluses ou recomendaes expressas

neste material so de responsabilidade dos autores e no necessariamente refletem a viso

da Fundao Pio XII Hospital de Cncer de Barretos.

Embora o Ncleo de Apoio ao Pesquisador do Hospital de Cncer de Barretos tenha

realizado as anlises estatsticas e orientado sua interpretao, a descrio da metodologia

estatstica, a apresentao dos resultados e suas concluses so de inteira responsabilidade

dos pesquisadores envolvidos.

AGRADECIMENTOS

minha co-orientadora Prof. Dra. Flvia de Lima Osrio, pela ateno, compreenso e

pacincia desde o incio de nossa parceria, mesmo distncia; e ao meu orientador Prof. Dr.

Adhemar Longatto Filho.

Aos meus pais e minha irm pelos exemplos de vida e por sempre me motivarem a seguir

estudando... ainda que distantes, sempre muito presentes.

Aos membros das bancas de acompanhamento e de qualificao: Dr. Carlos Paiva e Dra.

rika Arantes de Oliveira Cardoso, pelas sugestes e crticas construtivas ao longo da

elaborao desta tese.

Aos membros do Ncleo de Apoio ao Pesquisador:

As secretrias Silvana Rodrigues e Brenda Honda Morais; a farmacutica Raquel Santamaria,

ao enfermeiro Julio Cesar de Souza e aos assistentes Elisngela Oliveira da Silva e Andr

Vitor Spindola da Silva, pelas horas de trabalho e empenho despendidos para que essa

pesquisa acontecesse.

Um agradecimento especial ao bioestatstico Cleyton Zanardo de Oliveira, pois sem ele no

haveramos alcanado todos os objetivos iniciais do projeto.

Meus sinceros agradecimentos a todos.

NDICE

1 INTRODUO 14

1.1 Cncer e aspectos gerais 14 1.2 Cncer e transtornos mentais 15 1.3 Transtorno do humor: depresso e mania 17 1.4 Ansiedade 19 1.5 Sintomas psicticos 21 1.6 Transtornos por abuso de substncias 23 1.7 Rastreamento de transtornos mentais 25 1.8 Rastreamento e tratamento de transtornos mentais no Hospital de

Cncer de Barretos

26

2 OBJETIVOS

29

2.1 Objetivo geral 29 2.2 Objetivos especficos 29

3

MATERIAIS E MTODOS

30

3.1 Delineamento 30 3.2 Contexto 30 3.3 Sujeitos 31 3.4 Instrumentos 31 3.5 Estudo piloto 33 3.6 Coleta de dados 34 3.7 Anlise dos dados 35 3.8 Aspectos ticos 36

4

RESULTADOS

37

4.1 Fase 1 37 4.2 Fase 2 55 4.3 Estudo da validao discriminativa dos instrumentos de rastreamento

utilizados

81 4.4 Proposio de um protocolo de avaliao psiquitrica e psicolgica para

pacientes oncolgicos ambulatoriais

82

5 DISCUSSO 87

5.1 Desenvolvimento e contexto do estudo 87

5.2 O uso de instrumentos de rastreamento de transtornos mentais em oncologia

87

5.3 Prevalncia de transtornos psiquitricos nas diferentes especialidades oncolgicas

90

5.4 Fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos psiquitricos em pacientes oncolgicos

94

5.5 Protocolo de rastreamento pra atendimento psicolgico ambulatorial 95 5.6 Limitaes do estudo

97

6 CONCLUSO 99

REFERNCIAS

100

APNDICE Apndice A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 115 Apndice B Itens para Rastreamento de Distrbios do Pensamento e Mania

117

Apndice C Questionrio de Identificao (QI) 118 Apndice D Questionrio de Identificao Clnica (QIC) 119 Apndice E Protocolo de Rastreamento para Atendimento Psicolgico Ambulatorial

120

ANEXOS Anexo A Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4) 123 Anexo B Mdulo de Ansiedade do Brief Patient Health Questionnaire (Brief PHQ)

124

Anexo C Generalized Anxiety Disorder (GAD-7) 125 Anexo D Fast Alcohol Screening Test (FAST) 126 Anexo E Fagerstrm Test for Nicotine Dependence (FTND) 127 Anexo F Carta de aprovao do Comit de tica em Pesquisa 128 Anexo G Comprovantes de submisso e de aceitao do artigo para publicao

129

LISTA DE ILUSTRAES

Quadro 1

Nmero de pacientes ambulatoriais atendidos no HCB durante o perodo de 1/01/11 a 30/06/11

30

Figura 1 Fluxograma da coleta de dados

35

Nomograma 1

Fatores de risco para desenvolvimento de Depresso atual 83

Nomograma 2

Fatores de risco para desenvolvimento de Transtornos de ansiedade

84

Nomograma 3

Fatores de risco para desenvolvimento de Abuso de lcool 85

Nomograma 4

Fatores de risco para desenvolvimento de Abuso de tabaco 86

LISTA DE TABELAS

Tabela 1

Caracterizao sociodemogrfica da amostra que comps a Fase 1 do estudo (n=1385)

37

Tabela 2

Antecedentes psiquitricos, psicolgicos e oncolgicos da amostra Fase 1 (n=1385)

39

Tabela 3

Distribuio dos sujeitos da amostra em funo da especialidade oncolgica de origem Fase 1 (n=1385)

40

Tabela 4

Prevalncia de indicadores de transtornos de humor e ansiedade em funo das diferentes especialidades oncolgicas Fase 1 (n=1385)

41

Tabela 5

Prevalncia de indicadores de transtornos do pensamento e de abuso/ dependncia de substncias em funo das diferentes especialidades mdicas Fase 1 (n=1385)

43

Tabela 6

Indicadores de ansiedade em funo das caractersticas sociodemogrficas da amostra Fase 1 (n=1385)

45

Tabela 7

Indicadores de transtorno de humor em funo das caractersticas sociodemogrficas Fase 1 (n=1385)

47

Tabela 8

Indicadores de transtornos do pensamento e de abuso/ dependncia de substncia em funo das caractersticas sociodemogrficas

49

Tabela 9

Indicadores de transtorno de ansiedade em funo dos antecedentes psiquitricos e psicolgicos da amostra Fase 1 (n=1385)

51

Tabela 10

Indicadores de transtorno de humor em funo dos antecedentes psiquitricos e psicolgicos da amostra Fase 1 (n=1385)

52

Tabela 11

Indicadores de transtorno de pensamento e de abuso/ dependncia de substncias em funo dos antecedentes psiquitricos e psicolgicos da amostra Fase 1 (n=1385)

54

Tabela 12

Caracterizao sociodemogrfica da amostra da Fase 2 do estudo (n=400), em comparao amostra total restante

55

Tabela 13

Antecedentes psiquitricos e psicolgicos da amostra da Fase 2 do estudo (n=400), em comparao amostra total restante

56

Tabela 14

Distribuio dos sujeitos da amostra da Fase 2 do estudo, em funo da especialidade oncolgica de origem (n=400), em comparao amostra total restante

57

Tabela 15

Prevalncia de transtornos psiquitricos da amostra da fase 2 do estudo, tendo como parmetro a SCID-IV (n = 400)

58

Tabela 16

Prevalncia dos principais transtornos avaliados em relao especialidade oncolgica Fase 2 (n=400)

60

Tabela 17

Perfil sociodemogrfico da amostra em relao presena ou ausncia de Episdio Depressivo Maior prvio e atual Fase 2 (n=400)

61

Tabela 18

Perfil sociodemogrfico da amostra em relao presena ou ausncia de abuso e dependncia de lcool Fase 2 (n=400)

62

Tabela 19

Perfil sociodemogrfico da amostra em relao presena ou ausncia de abuso de tabaco Fase 2 (n=400)

63

Tabela 20

Perfil sociodemogrfico da amostra em relao presena ou ausncia dos diferentes Transtornos de ansiedade Fase 2 (n=400)

64

Tabela 21

Perfil sociodemogrfico da amostra em relao presena ou ausncia de Fobia Social, Fobia Especfica e Transtornos de ansiedade Fase 2 (n=400)

66

Tabela 22

Caracterizao clnica da amostra em relao presena ou ausncia de Episdio Depressivo Maior prvio e atual Fase 2 (n=400)

67

Tabela 23

Caracterizao clnica da amostra em relao presena ou ausncia de abuso e dependncia de lcool Fase 2 (n=400)

68

Tabela 24

Caracterizao clnica da amostra em relao presena ou ausncia de abuso de tabaco Fase 2 (n=400)

69

Tabela 25

Caracterizao clnica da amostra em relao presena ou ausncia dos diferentes Transtornos de ansiedade Fase 2 (n=400)

70

Tabela 26

Caracterizao clnica da amostra em relao presena ou ausncia de Fobia Social e Fobia Especfica Fase 2 (n=400)

72

Tabela 27

Modelo final de regresso logstica, tendo como varivel de desfecho a presena de Transtornos de ansiedade (TOC, TAG, TEPT, Fobia Especfica e Pnico) por meio da SCID-IV

73

Tabela 28

Modelo final de regresso logstica, tendo como varivel de desfecho a presena de Episdio Depressivo Maior atual por meio da SCID-IV

74

Tabela 29

Modelo final de regresso logstica, tendo como varivel de desfecho a presena de TEPT por meio da SCID-IV

75

Tabela 30

Modelo final de regresso logstica, tendo como varivel de desfecho a presena de TOC por meio da SCID-IV

75

Tabela 31

Modelo final de regresso logstica, tendo como varivel de desfecho a presena de Transtorno do Pnico por meio da SCID-IV

76

Tabela 32

Modelo final de regresso logstica, tendo como varivel de desfecho a presena de TAG por meio da SCID-IV

77

Tabela 33

Modelo final de regresso logstica, tendo como varivel de desfecho a presena de Fobia Especfica por meio da SCID-IV

78

Tabela 34

Modelo final de regresso logstica, tendo como varivel de desfecho a presena de abuso de lcool por meio da SCID-IV

79

Tabela 35

Modelo final de regresso logstica, tendo como varivel de desfecho a presena de dependncia de lcool por meio da SCID-IV

80

Tabela 36

Modelo final de regresso logstica, tendo como varivel de desfecho a presena de abuso de tabaco por meio da SCID-IV

80

Tabela 37

Indicadores de sensibilidade, especificidade e taxa de classificao incorreta dos diferentes instrumentos utilizados, tendo-se como padro ouro para os diferentes transtornos a SCID-IV (n=400)

81

RESUMO

Lima MP. Rastreamento de transtornos psiquitricos em pacientes ambulatoriais atendidos em um hospital oncolgico. Dissertao (Mestrado). Barretos: Hospital de Cncer de Barretos; 2014. INTRODUO: Fatores psicolgicos e comportamentais, como estresse crnico, depresso e isolamento social podem contribuir para o incio e a progresso de certos tipos de cncer. Pacientes oncolgicos, com frequncia, experimentam diminuio da qualidade de vida, da capacidade para realizar atividades dirias e podem desenvolver problemas de sade mental. JUSTIFICATIVA: Ausncia de indicadores de prevalncia de transtornos mentais nesta instituio, e de protocolos de rastreamento especficos; poucos estudos na literatura que avaliam a prevalncia de transtornos mentais nesta populao. OBJETIVO: Rastrear indicadores e estimar a prevalncia de transtornos psiquitricos do Eixo I do Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais - 4 edio (DSM-IV) em pacientes ambulatoriais atendidos em um hospital oncolgico. MATERIAIS E MTODOS: Uma amostra estimada estatisticamente, de 1.385 pacientes oncolgicos em tratamento ambulatorial foi avaliada pelos instrumentos: Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4), Mdulo de ansiedade do Questionrio de Sade do Paciente (GAD-7); Fagerstrm Test for Nicotine Dependence (FTND) e Fast Alcohol Screening Test (FAST). Em um segundo momento, 1/3 desta amostra (400 pacientes) foi sorteada e avaliada, por telefone, por meio de uma entrevista clnica estruturada para o DSM-IV, denominada SCID-IV. Por meio de anlises estatsticas desenvolveram-se nomogramas que passaram a compor um protocolo de rastreamento de transtornos mentais. RESULTADOS: As amostras esto compostas por indivduos de ambos os sexos, com leve predomnio de mulheres, sujeitos com 1 grau incompleto/completo, casados, com filhos, inativos e que frequentam alguma religio. A maior parte destes no apresenta antecedentes psiquitricos e/ou psicolgicos prvios. A amostra da Fase 1 apresentou prevalncia de ansiedade que variou entre 21,5% e 27,4%, e de Transtorno do Pnico de 21%. A prevalncia de depresso foi de 21,1%, de abuso/dependncia de tabaco, de 40,2%, e de lcool, de 20,3%. Os sintomas de mania estiveram presentes em 33,5% dos sujeitos, e 55,1% e 11% apresentaram, em algum momento da vida, delrio e alucinao, respectivamente. Os resultados mais expressivos da avaliao da amostra da Fase 2 foram: prevalncia de Episdio Depressivo Maior prvio, 13,5% e atual 16%; prevalncia de abuso/dependncia de lcool 15,3%; prevalncia de Transtornos de Ansiedade Generalizada 11,5% e de Fobia Especfica 26,8%. Estatisticamente, as mulheres apresentaram nvel de ansiedade e depresso significativamente mais elevado do que os homens. Em relao ao nvel de abuso/dependncia do tabaco e do lcool, os homens apresentaram maiores indicadores em relao s mulheres, bem como os indivduos que no frequentam alguma religio. As mulheres, os sujeitos com baixa escolaridade e com histrico psiquitrico e psicolgico prvio, bem como pacientes das especialidades: Ginecologia, Mastologia e Trax, foram aqueles que apresentaram maiores taxas de transtornos em geral. A presena de transtorno psiquitrico e/ou psicolgico prvio associa-se maior prevalncia de ansiedade, depresso e pnico. CONCLUSO: O presente estudo demonstrou que alta a associao entre cncer e transtornos psiquitricos. Estes resultados reforam a importncia do rastreamento precoce de indicadores de transtornos psiquitricos, a fim de iniciar uma interveno preventiva ou que possa minimizar o sofrimento causado pela doena. PALAVRAS-CHAVE: Cncer; Comorbidade; Psiquiatria; Transtornos; Rastreamento; Prevalncia.

ABSTRACT

Lima MP. Rastreamento de transtornos psiquitricos em pacientes ambulatoriais atendidos em um hospital oncolgico. Dissertation (Masters degree). Barretos: Barretos Cancer Hospital; 2014.

INTRODUCTION: Behavioral and psychological factors such as chronic stress, depression and social isolation may contribute to the onset and progression of certain cancers. Frequently, cancer patients experiment life quality decrease, capacity to perform daily activities and may develop mental health problems. JUSTIFICATION: Mental disorders prevalence indicators absence in this institution, no tracking specific protocols and few studies assessing the mental disorders prevalence in this population. OBJECTIVE: Tracking indicators and estimate the psychiatric disorders prevalence from Mental Disorders Statistic and Diagnostic Manuals Axis I - 4th edition (DSM-IV) in treated outpatients at a cancer hospital. MATERIALS AND METHODS: An estimated statistical sample of 1.385 cancer outpatient treatment was assessed by instruments: Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4), and Generalized Anxiety Disorder (GAD-7); Fagerstrm Test for Nicotine Dependence (FTND) e Fast Alcohol Screening Test (FAST). In a second step, one third of this sample (400 patients) was selected and evaluated, by phone, by means of a structured clinical interview for DSM-IV, it is called (SCID-IV). Through statistical analyzes were developed nomograms that were included in a mental disorders tracking protocol. RESULTS: The samples are composed by individuals of both sexes, with a slight predominance of women, individuals with low education, married, with children, who do not work and move in some kind of religion. Mostly from these do not present psychiatric and/or psychological previous antecedents. The sample of Phase 1 showed that anxiety prevalence varied between 21.5% and 27.4%, and Panic Disorder 21%. Depression prevalence was 21.1%, tobacco abuse/dependence 40.2%, and alcohol 20.3%. Mania symptoms were present in 33.5% of the sample, 55.1% of patients had delirium at some point in life, and 11% had hallucination. The most significant results of the Phase 2 sample evaluation were: previous Major Depressive Episode prevalence, 13.5% and 16% current; alcohol abuse/dependence prevalence 15.3%, Generalized Anxiety Disorders prevalence 11.5% and Specific Phobia 26.8%. Women had statistically higher anxiety and depression level than men. Respecting the alcohol and tobaccos dependence and abuse level, men had higher rates than women, as well as individuals who do not practice any religion. Women, individuals with low education and previous psychological and psychiatric history, as well as patients of the specialties: Gynecology, Breast and Chest, they were those showing the highest rates of disorders in general. Presence of previous psychiatric and /or psychological disorder is associated with higher prevalence of anxiety, depression and panic. CONCLUSION: The present study demonstrated that there is a high association between cancer and psychiatric disorders. These results reinforce the importance of the psychiatric disorders indicators early tracking in order to start a preventive intervention or that can minimize the suffering caused by disease. KEYWORDS: Cancer; Comorbidity; Psychiatry; Disorders; Tracking; Prevalence.

14

1. INTRODUO

1.1 Cncer e aspectos gerais

Cncer o nome dado a um conjunto de doenas, que tm em comum o crescimento

de clulas que invadem tecidos e rgos do corpo humano. Essas clulas dividem-se de

forma rpida, desordenada e incontrolvel, determinando a formao de tumores malignos.

As causas de cncer so variadas, podendo ser externas ou internas ao organismo, estando

inter-relacionadas. As causas internas so, na maior parte dos casos, geneticamente

predeterminadas, e as causas externas esto ligadas aos hbitos de vida e alimentares dos

indivduos e ao meio ambiente em geral (INCA 1998).

Segundo o Instituto Nacional do Cncer (INCA 2012a), o nmero de novos casos da

doena para 2012/2013 equivale a cerca de 518 mil, sendo que os tipos de cncer mais

incidentes nas regies brasileiras sero os de pele no melanoma, prstata, mama e pulmo.

Contudo, vale a pena destacar que, destes, cerca de 80% apresentam fator etiolgico

relacionado ao meio ambiente em geral: o ambiente ocupacional (indstrias qumicas e

afins), o ambiente de consumo (alimentos, medicamentos) e o ambiente social e cultural

(estilos e hbitos de vida).

As mudanas no meio ambiente, provocadas pelo prprio homem; os hbitos e o estilo

de vida atual das pessoas em geral podem determinar diferentes tipos de cncer (INCA

2005b). Fatores psicolgicos e comportamentais, tais como estresse crnico, depresso e

isolamento social podem contribuir para a iniciao e a progresso de certos tipos de cncer

(Reiche et al. 2004; Williams et al. 2009).

O diagnstico precoce da doena, devido ao avano tecnolgico e da biologia

molecular, terapias-alvo e tratamentos multimodais, somados aos mtodos teraputicos

mais modernos (radioterapia, quimioterapia, cirurgia e transplante de medula ssea) tm

permitido ndices de sobrevida por cncer cada vez maiores, principalmente em pases

industrializados (Revista da Associao Mdica Brasileira 2004; Brearley et al. 2011).

Apesar da expanso de recursos tecnolgicos, cientficos e humanos, o cncer continua

sendo responsvel por grande parte das mortes no mundo. No territrio brasileiro, estima-

se que surgem aproximadamente 400.000 novos casos por ano, sendo que, destes, cerca de

127.000 evoluem a bito (INCA 2003). No Brasil, em 2007, apenas as doenas

cardiovasculares atingiram ndices maiores que a incidncia de cncer (INCA 2007).

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0104-4230&lng=en&nrm=iso

15

O diagnstico de cncer um evento estressante, que pode causar angstia, medo da

morte e do preconceito (Pirl 2004; Massie 2004). A doena oncolgica tem um efeito sobre o

bem-estar fsico e emocional dos pacientes e de suas famlias. Dessa forma, exige outros

cuidados que vo alm do controle de sintomas e da doena, principalmente no que diz

respeito ao enfrentamento do processo de adoecimento, que, inevitavelmente, faz emergir

a fragilidade humana (Kiss 1995). Nesse sentido, o tratamento para o cncer, em si, to

importante quanto ateno dispensada aos aspectos psicossociais da doena, uma vez que

as intercorrncias devidas ao tratamento podero influenciar a forma como o sujeito

enfrentar seu adoecimento (Souza & Erdmann 2003).

A deteco e preveno dos aspectos psicossociais da doena, sobretudo no que se

refere s psicopatologias, tambm so importantes, pois eles so considerados a principal

causa de morbidade, de baixa aderncia e adeso ao tratamento, de maior tempo de

internao, de pior prognstico e diminuio da qualidade de vida e de sobrevida doena,

alm de favorecer inabilidade funcional e custos mais elevados com cuidados mdicos

(Spiegel & Giese-Davis 2003; Dalton et al. 2009; Satin et al. 2009; Pinquart & Duberstein

2010; Bultz & Johansen 2011).

Assim sendo, apresentar-se- no tpico a seguir consideraes sobre tal ocorrncia.

1.2 Cncer e transtornos mentais

O diagnstico de cncer possui um efeito devastador para o paciente, pois ainda traz a

ideia de morte, embora atualmente ocorram muitos casos de cura. Alm do medo da morte,

pode trazer o medo de mutilaes, desfiguramento e tratamentos dolorosos. O sofrimento

pode conduzir a uma problemtica psquica e social, gerando instabilidade de humor e

dificuldade de enfrentamento, podendo desencadear, em alguns casos, isolamento, estigma,

mudana de papis e perda de autonomia (Santos 2005).

O cncer expe seu portador a uma rede complexa e mutvel de condies ao longo

das diferentes etapas da doena, exigindo dele respostas adaptativas. Tudo isso inserido em

um contexto social em que o cncer est associado a sofrimento e morte (Raison & Miller

2003). O tratamento do cncer pode incluir cirurgia, radioterapia ou quimioterapia, e

geralmente difcil, podendo durar meses ou anos. Os pacientes, com frequncia,

experimentam diminuio da qualidade de vida, da capacidade para realizar atividades

dirias e podem desenvolver problemas de sade mental (Meijer et al. 2011).

16

Citero (1999) indica que o cncer facilita um aumento na morbidade psiquitrica, ou

seja, torna-se um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais em geral.

Sintomas de sofrimento psquico e fsico podem emergir ao longo do tratamento oncolgico,

frequentemente combinado com os sintomas da prpria doena (Fleishman 2004; Clark et

al. 2011).

A prevalncia estimada de transtornos psiquitricos em indivduos com cncer cerca

de 20% a 50% (Deimling et al. 2002; Grassi et al. 2005; Mehnert & Koch 2007). De acordo

com Ballenger et al. (2001), aproximadamente 25% dos pacientes oncolgicos apresentam

critrios diagnsticos para ansiedade e depresso.

Clark et al. (2011) desenvolveram um estudo com 52 pacientes oncolgicos, em regime

de internao, e comprovaram que cerca de dois teros dos entrevistados (63,5%) relataram

nveis de sofrimento psicolgico importantes, referindo tristeza, sonolncia, cansao e dor.

Pacientes oncolgicos, quando comparados com a populao geral, tm risco

aumentado para apresentar sintomas e transtornos depressivos persistentes. Esses sintomas

podem aparecer como uma reao ao prprio diagnstico e/ou ao longo processo de

tratamento e reabilitao (Raison & Miller 2003).

Os transtornos mentais, alm de poderem configurar uma reao de ajustamento,

podem tambm aparecer associados a uma condio mdica geral, por ela induzidos. Archer

et al. (2008), por exemplo, referem que as neoplasias que afetam diretamente o sistema

nervoso central podem provocar sndromes depressivas por comprometimento direto dos

circuitos responsveis pela regulao do humor.

Essa associao pode ser claramente evidenciada em estudo brasileiro realizado com

319 pacientes oncolgicos (Citero et al. 2003), no qual diagnosticou-se algum tipo de

transtorno mental em quase 60% dos pacientes: 30,5% apresentavam transtorno do humor

(predominantemente depressivo); 17,4%, transtornos neurticos ou somatoformes (sendo

que 14% eram predominantemente transtornos de ajustamento); e 7,3% transtornos

orgnicos e somticos, sendo 4% deles transtornos delirantes.

A seguir, sero descritos aspectos relativos a algumas destas comorbidades

psiquitricas associadas s neoplasias.

17

1.3 Transtornos do humor: depresso e mania

A depresso uma preocupao em sade pblica em todo o mundo e tem sido

classificada como uma das doenas que mais prejudica os indivduos, as famlias e a

sociedade, contribuindo para o desenvolvimento de outras doenas (Department of Health

and Human Services 1999; World Health Organization 2002).

Estudos tm demonstrado que a depresso tem uma etiologia multifatorial,

destacando-se os fatores genticos, o estresse e as presses sociais, ou ainda pode se

desenvolver por uma combinao destes trs fatores (Lima et al. 2004; Scorza et al. 2005).

A associao entre depresso e doenas fsicas no unilateral; ao contrrio, ambas as

condies se influenciam mutuamente: a depresso pode ser uma complicao da doena

clnica ou de seu tratamento, e vice-versa, quando a complicao clnica pode ser vista como

uma consequncia de um ou de mais fatores etiolgicos comuns a ambas (Furlanetto &

Brasil 2006).

Eventos estressantes so mais susceptveis de precipitar episdios iniciais de

depresso em qualquer indivduo (Caspi et al. 2003). Assim sendo, as pessoas que recebem

um diagnstico de cncer, por vivenciarem diferentes tipos de perda, diversos nveis de

estresse e angstia emocional, esto mais vulnerveis ao desencadeamento de depresso

(Amaro et al. 2006). Da mesma forma, o prejuzo na aparncia fsica, a incapacitao e a

mudana de vida, associados doena clnica, so tambm fatores de risco para depresso,

principalmente em indivduos com histria familiar desse transtorno (Rundel & Wise 2002).

A depresso o transtorno psiquitrico mais comum em pacientes com cncer, com

prevalncias variando de 13% a 40% (Grassi et al. 1996; Pirl 2004; Coyne et al. 2007; Bottino

et al. 2009). A depresso est associada a um pior prognstico no tratamento do cncer e a

um aumento da morbidade e mortalidade (Ramasubbu & Patten 2003).

Alm disso, a depresso tambm favorece a presena de ideao suicida e do desejo

de morrer. Segundo estudo desenvolvido em Portugal, 34,6% dos pacientes oncolgicos

avaliados apresentavam tal sintomatologia (Madeira et al. 2011).

Complicaes clnicas e alteraes metablicas, tais como: hipercalcemia, anemia,

deficincia de vitamina B12 e desequilbrio eletroltico, tambm so considerados fatores de

risco para depresso em pacientes oncolgicos, bem como hipertireoidismo ou

hipotireoidismo e insuficincia adrenal (Bottino et al. 2009).

18

Sndromes depressivas podem ocorrer entre 21% e 58% dos pacientes que recebem

interferon-alfa, medicao utilizada para tratamento de neoplasias, considerada um

modificador da resposta biolgica, pois aumenta a capacidade de destruio das clulas

tumorais, de vrus e bactrias.

Os sintomas depressivos podem ser especficos, tais como: alteraes no humor,

ansiedade e queixas cognitivas, ou se manifestarem como uma sndrome neurovegetativa,

isto , sintomas de fadiga, anorexia, dor e retardo psicomotor, com a superposio dessas

sndromes, em muitos casos (Evans et al. 2005; Raison et al. 2005).

Assim, tanto o impacto da doena oncolgica como algumas condies clnicas

associadas mesma podem favorecer o desenvolvimento de sintomas depressivos,

requerendo ateno dos profissionais (Pandey et al. 2006; Jacobsen & Jim 2008).

Apesar do conhecimento que se tem sobre o impacto negativo da depresso e de sua

alta incidncia, alm da facilidade do tratamento e da boa-resposta clnica, esta ainda

permanece frequentemente subdiagnosticada (Pirl & Roth 1999; Lloyd-Williams 2001).

Lotufo Neto et al. (2001) referem que a depresso, habitualmente, no reconhecida,

diagnosticada ou tratada nos hospitais, quando o paciente busca atendimento por

problemas de ordem fsica (Baumeister et al. 2005; Wilson et al. 2007).

A dificuldade em obter o diagnstico ocorre, muitas vezes, porque a queixa dos

pacientes est normalmente associada a dores diversas e a mal-estar indefinido. Por outro

lado, tambm no existem profissionais habilitados para realizar a devida avaliao e o

acompanhamento psicolgico (Lotufo Neto et al. 2001).

Em pacientes oncolgicos esse reconhecimento se torna ainda mais difcil, pelo fato de

haver sobreposio de alguns sintomas do quadro clnico oncolgico com sintomas

depressivos, tais como: alterao do apetite, diminuio da energia, da libido e insnia

(Furlanetto 2000; Baptista et al. 2006). A presena de dor e o uso de terapias

antineoplsicas, como a quimioterapia, por exemplo, so fatores de risco ao surgimento de

depresso, alm de dificultarem sua identificao (Hewitt & Rowland 2002; Baumeister et al.

2005).

Assim, considerando-se o impacto negativo da depresso, possvel perceber que

medidas que favorecem o reconhecimento e o tratamento da sintomatologia depressiva so

necessrias e importantes para um manejo mais adequado da prpria doena oncolgica.

19

Outra alterao possvel do humor refere-se aos quadros de mania. Um episdio

manaco clssico caracterizado por humor eufrico ou expansivo, diminuio da

necessidade de sono, aumento da energia e de atividades prazerosas e/ou dirigidas a

objetivos, alm de inquietao e at mesmo agitao psicomotora. O pensamento torna-se

mais rpido, e as ideias costumam ser delirantes, com caractersticas de grandeza ou. Apesar

de relativamente frequentes e incapacitantes, episdios de mania ainda so pouco

estudados e diagnosticados (Carlson & Goodwin 1973; Moreno et al. 2005).

A mania considerada um transtorno de humor primrio. Alm disso, pode se

constituir em uma sndrome, quando associada ao uso ou abstinncia de substncias,

como anfetaminas ou cocana, por exemplo, bem como sintomas da abstinncia de lcool ou

sedativos. Doenas neurolgicas, tais como: epilepsia, traumatismo crnio-enceflico,

acidente vascular cerebral, tumores do Sistema Nervoso Central (SNC), ou ainda: patologias

metablicas ou endcrinas, como o hipertireoidismo, por exemplo, podem tambm

favorecer o surgimento de quadros manacos (Dubovsky & Dubovsky 2004; Moreno et al.

2005).

Assim, diferentemente da depresso, a mania parece associar-se unilateralmente aos

quadros neoplsicos, podendo em algumas situaes ser precursora de outros sintomas

clnicos positivos especficos de tumores do SNC. Dessa forma, o surgimento desse sintoma

pode ter, em algumas situaes, valor especulativo-diagnstico. Uma reviso no

sistemtica da literatura realizada no apontou estudos que avaliaram especificamente a

prevalncia deste sintoma e ou transtornos em amostras de pacientes oncolgicos. Assim,

estudos com este objetivo podem ter valia.

1.4 Ansiedade

De acordo com a Classificao de Transtornos Mentais e de Comportamento 10

edio (OMS / CID-10 1993), a ansiedade um estado no qual h uma srie de combinaes

de manifestaes fisiolgicas e mentais, vivenciadas na presena de um perigo imaginrio, e

que ocorrem em forma de ataques ou em estado persistente. O Manual Diagnstico de

Transtornos Mentais (DSM-IV / APA 1994), por sua vez, define ansiedade como a

antecipao apreensiva de um perigo futuro ou infortnio acompanhado de sentimentos de

disforia ou sintomas somticos de tenso.

20

Atualmente, os transtornos de ansiedade so as desordens neuropsiquitricas mais

comuns na Europa e nos Estados Unidos, atingindo cerca de 16,4% da populao em um ano

(Barlow 2002). So ainda a classe mais prevalente de desordens de sade mental e,

coletivamente, resultam em um significativo problema de sade pblica (Comer et al. 2011).

Contudo, nem toda vivncia de ansiedade experimentada pelos indivduos

patolgica. Ao contrrio, muitos estados de ansiedade so aceitveis, pois fornecem

respostas para que seja possvel lidar adequadamente com as diversas situaes e com os

desafios estressantes da vida (House & Stark 2002; Sartori et al. 2011).

Dessa forma, a ansiedade pode ser parte fundamental da adaptao normal do

indivduo a uma doena, por exemplo, na medida em que motiva o paciente a procurar

informaes sobre seu estado, seu tratamento e maneiras de aliviar os sintomas (Razavi &

Stiefel 1994).

Entretanto, em alguns indivduos, as reaes de ansiedade podem se tornar

persistentes, incontrolveis, excessivas e imprprias, mesmo depois da retirada do estmulo

adverso, anulando qualquer fator adaptativo e influenciando negativamente a qualidade de

vida cotidiana (Sartori et al. 2011). Dessa maneira, igualmente importante saber como as

alteraes de ansiedade ocorrem ao longo do tempo, especialmente em resposta aos

estressores psicolgicos (Dale et al. 2005).

De acordo com a American Society of Clinical Oncology (ASCO 1998), a ansiedade pode

afetar a sade psicolgica e fsica dos indivduos, sendo assim capaz de prejudicar as

relaes interpessoais com a famlia, com amigos e cuidadores formais e informais.

A ansiedade patolgica pode estar presente em condies, tais como: doenas fsicas,

vigncia de uso de medicamentos e drogas, abstinncia de lcool e depressores do SNC ou

mesmo, primariamente, nos chamados transtornos ansiosos (House & Stark 2002; Akiskal

2005).

Um estudo desenvolvido por Comer et al. (2011), nos Estados Unidos, concluiu que

adultos com diferentes transtornos de ansiedade, se comparados a adultos entrevistados

sem transtornos, apresentaram significativo empobrecimento do funcionamento social e da

sade mental, alm de maiores limitaes no desempenho de papis sociais, devido a

problemas emocionais. De acordo com os mesmos autores, indivduos com transtornos de

ansiedade, em relao populao saudvel, apresentam prevalncia substancialmente

maior de comorbidades mdicas.

21

Sintomas de ansiedade tambm so verificados em grande parte dos pacientes com

cncer e podem ser causados por diversas razes, incluindo o prprio diagnstico da doena,

tratamentos prolongados, hospitalizaes recorrentes, perodos de espera para

atendimento, entre outros (Pandey et al. 2006; Jacobsen & Jim 2008). Segundo Barlow

(2002), Kissane et al. (2004) e Roy-Byrne et al. (2008), a prevalncia de ansiedade em

pacientes oncolgicos pode variar entre 10% e 30%.

A presena de dispneia, fadiga, nusea e dor, sobretudo em pacientes em estados

terminais, pode tambm favorecer o aumento de sintomas de ansiedade, tal como apontado

por Bruera et al. (2000), Tchekmedyian et al. (2003) e Delgado-Guay et al. (2009), podendo

prejudicar ainda mais a qualidade de vida (Smith et al. 2003).

Por outro lado, Kessler et al. (2005b) destacam que muitos indivduos que procuram

oncologistas apresentam uma histria pr-mrbida de transtorno de ansiedade, que pode

ser agravada pelo estresse causado pelo diagnstico de cncer.

Entre os principais transtornos de ansiedade, Greer et al. (2011) relataram que, nos

pacientes com cncer, a fobia especfica e a fobia mdica so os mais comuns. Pacientes

adultos, sobreviventes a longo prazo de cncer, tambm mostraram ser mais suscetveis a

transtorno de ansiedade do tipo fobia especfica.

Nesta direo, um outro estudo revelou que 4,8% dos pacientes com cncer avanado

cumprem os critrios para transtorno de ansiedade generalizada (TAG) (Kadan-Lottick et al.

2005). Esse nmero mais expressivo do que a incidncia encontrada na populao em

geral (3,1%) (Kessler et al. 2005a).

Assim como a depresso, a ansiedade, se no diagnosticada correta e precocemente

nesses pacientes, pode afetar a sade mental e fsica, minando os relacionamentos

interpessoais com familiares, amigos e cuidadores, aumentando o sofrimento associado ao

enfrentamento do cncer (ASCO 1998).

Alm dos transtornos de humor e de ansiedade, sintomas psicticos tambm podem

estar associados doena oncolgica. Esse aspecto ser abordado a seguir.

1.5 Sintomas psicticos

Alucinao e delrio so manifestaes psicopatolgicas que caracterizam um

funcionamento psictico do indivduo. De acordo com Jaspers (1987), delrios so alteraes

do pensamento que se caracterizam por juzos, ideias ou crenas patologicamente falsos,

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14526884http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15939837

22

que esto acompanhados de uma grande convico, no so susceptveis argumentao

lgica; j o termo alucinao refere-se a uma alterao do senso-percepo, em que o

indivduo tem a percepo de um estmulo sem a existncia de estmulos externos

correspondentes.

Dependendo do rgo do sentido alterado, as alucinaes so denominadas, tais

como: auditivas (mais comuns), visuais, gustativas, olfatrias e tteis. Destaca-se que estes

trs ltimos subtipos so mais raros, e podem, muitas vezes, estar associados a condies

mdicas gerais presentes, sobretudo, nos quadros de delirium e nos casos de tumores do

SNC.

Entende-se por delirium, um transtorno mental orgnico com apresentao aguda de

caractersticas confusionais, que se caracteriza por um comprometimento dos nveis de

conscincia e ateno. Pode causar iluses e alucinaes, mais comumente visuais, ideias

delirantes, prejuzo de memria, desorientao espacial e temporal, humor depressivo e/ou

ansiedade. A incidncia de delirium em pacientes oncolgicos internados estimada entre

18% e 85% (Gaudreau et al. 2005).

O delirium pode estar associado ao efeito indireto da doena, incluindo falncia de

rgos, infeco, efeitos colaterais de algumas medicaes e a retirada das drogas que

deprimem o SNC (crebro e medula espinhal) (Nacional Cancer Institute - NCI; Raison et al.

2003).

De acordo com Citero et al. (2003), o delrio um tipo de sintoma psictico comum

nos hospitais gerais. Em pacientes que sofrem de cncer, especialmente, a prevalncia

prevista de 25%, considerando que, em pacientes que sofrem de cncer terminal, a taxa se

eleva para 85% dos casos.

Pacientes oncolgicos so suscetveis a apresentar transtornos mentais orgnicos por

diversos fatores: distrbios eletrolticos e metablicos secundrios ao cncer, carncia

nutricional e desidratao, efeitos de medicaes como analgsicos, opioides, sedativos e

antidepressivos, quadros infecciosos, sndromes paraneoplsicas, tumores primrios do SNC

e metstases cerebrais (Kaplan & Sadock 1999).

Estudos especficos mais atuais sobre a prevalncia de delrio e alucinao em

pacientes com cncer no foram encontrados na literatura. Dessa forma, tambm acredita-

se ser importante uma maior investigao desses sintomas no contexto oncolgico.

23

1.6 Transtornos por abuso de substncias

Alm dos transtornos de humor, o uso abusivo de substncias psicoativas, tais como

lcool e nicotina, atualmente, tambm considerado um problema de sade pblica, devido

sua associao com doenas fsicas, como cirrose, cncer e doenas cardiovasculares.

(Berrios & Porter 1995).

Como j referido, cerca de 80% dos casos de neoplasia associam-se a uma etiologia

ambiental. No que diz respeito ao consumo de lcool e tabaco, estes so fatores etiolgicos

bem-estabelecidos e preponderantes nos portadores de neoplasia maligna em algumas

regies do corpo, tais como pulmo e esfago (Kanda 2001).

Quanto ao tabaco, o seu uso frequente pode aumentar o risco de desenvolver cncer

de pulmo em 20 a 30 vezes em tabagistas de longa data, e em 30% a 50%, em fumantes

passivos (INCA 2005a). O cncer de pulmo a maior causa de mortalidade entre os tipos de

cncer no Brasil e no mundo. Dentre os casos diagnosticados, 90% esto associados ao

consumo de tabaco. O uso do cigarro tambm interfere nas taxas de mortalidade por cncer

de cavidade oral, esfago, laringe, estmago, rim, pncreas e bexiga (INCA 2006; OMS 2008;

Brandon & Unrod 2010).

Pesquisas tm demonstrado tambm que o fumo continuado, durante o tratamento

de muitos tipos de cncer, tem vrios efeitos adversos no tratamento, como o aumento das

chances de um segundo tumor, e uma pior taxa de resposta aos diferentes tratamentos

(Burke 2009).

Estudos realizados por Figlie et al. (2000) e por Oliveira et al. (2008)

encontraram taxas de fumantes que variam de 21% a 51% entre

pacientes internados em hospitais gerais. Santos et al. (2012) desenvolveram um estudo

com um total de 162 pacientes oncolgicos, e constataram que 88,2% faziam uso de tabaco

e 79% consumiam lcool, sendo que 124 (76,5%) utilizavam ambas as substncias.

Nesta direo, Kao et al. (2000) apontaram que a dependncia de nicotina est

relacionada ao aumento do consumo de lcool e de outras substncias e vice-versa. Estudos

apontam que consumidores de lcool so mais propensos a fumar e, da mesma forma,

fumantes so mais propensos a consumir bebidas alcolicas, destacando-se o papel das

comorbidades (Covey et al. 1994).

No que diz respeito ao lcool, o seu consumo excessivo e crnico, ainda que no esteja

associado ao hbito de fumar, constitui-se como forte agente potencializador no

24

desencadeamento de leses cancerosas, pois influencia as clulas de forma genotxica (Reis

et al. 2002; Gigliotti et al. 2008). O lcool tambm provoca deficincias nutricionais,

alteraes hepticas, alm de defeitos estruturais e metablicos nas mucosas (Soares 2007).

Existem poucos estudos que avaliam a prevalncia de alcoolismo em pacientes

oncolgicos; esta varia de acordo com o tipo de cncer e a localizao do tumor. No Brasil, a

relao entre lcool e cncer tem sido avaliada por meio de estudos de caso-controle, que

estabeleceram a associao epidemiolgica entre o consumo de lcool e cnceres da

cavidade bucal e de esfago (INCA 2012b).

Desta forma, fica evidente o papel das substncias psicoativas citadas como fatores

etiolgicos para o desenvolvimento do cncer.

possvel, tambm, relacionar de outro modo o uso de substncias psicoativas com o

diagnstico de cncer. Considerando que a doena aumenta o nvel de ansiedade e estresse,

pacientes usurios dessas substncias podem buscar ou aumentar seu uso, a fim de aliviar a

ansiedade e as preocupaes associadas doena e ao seu tratamento. Pacientes

deprimidos, por exemplo, podem aderir pouco aos esquemas de tratamento para o cncer e

engajarem-se em comportamentos prejudiciais sade, como, por exemplo, fumar (Anda et

al. 1990; Glassman et al. 1990; Wulsin et al. 1999; Faller et al. 1999).

Segundo Kane, citado por Cocores (1991), fumantes relatam que fumar os ajuda a

relaxar e melhorar o humor, especialmente em situaes de estresse, alm de reduzir a raiva

e a tenso. Para esse autor, os indivduos recorrem ao cigarro a fim de aliviar a ansiedade e a

sensao de vazio, que no podem ser elaborados psicologicamente, considerando, assim,

o cigarro uma estratgia de enfrentamento eficaz, pois causa um efeito rpido e imediato.

Tabagistas tambm costumam fumar para aliviar os prprios sintomas de abstinncia

e, assim, associam o ato diminuio da ansiedade, tendendo a recorrer ao cigarro em

situaes de estresse (Malbergier & Oliveira Jnior 2005).

De acordo com Crocq (2003), o ato de beber pode ser secundrio depresso, quando

o lcool utilizado como automedicao pelo paciente. O indivduo alcoolista tambm pode

beber com a finalidade de aliviar sentimentos de tristeza, medo, desnimo e solido. King et

al. (2006) apontam que o abuso ou a dependncia de lcool costumam estar relacionados

com a depresso devido s tentativas do paciente de minimizar o sofrimento causado pelos

sintomas depressivos, com o uso intenso e constante de lcool por um longo perodo da

vida.

25

Considerando este panorama, a consulta mdica e/ou o perodo de internao

hospitalar devem ser considerados uma grande oportunidade para a deteco de distrbios

relacionados ao abuso de substncias, bem como para a motivao quanto necessidade de

interrupo ou diminuio de uso. Pode ser, tambm, um momento oportuno para aplicao

das estratgias adequadas de tratamento, que podem se estender para alm do perodo de

permanncia no hospital (Botega et al. 2010). Para tanto, recursos que possam rastrear

possveis problemas a este nvel, de forma ampla e rpida, so necessrios, destacando-se o

papel dos instrumentos autoavaliativos de rastreamento.

1.7 Rastreamento de transtornos mentais

A partir de tais apontamentos encontrados na literatura, quanto relao de

transtornos de humor, uso de sustncias e outros transtornos mentais em pacientes

oncolgicos, evidencia-se a importncia do rastreamento dos mesmos no contexto da sade

e de seu tratamento.

O rastreamento precoce de problemas comportamentais e/ou distrbios

psicolgicos/psiquitricos em pacientes atendidos em contextos de sade favorece a

qualidade do atendimento oferecido, bem como a diminuio do sofrimento e de custos

operacionais institucionais (Stout & Cook 1999).

Considera-se que a preveno dos transtornos mentais, sobretudo da ansiedade e da

depresso, mais efetiva do que seu tratamento, quando as mesmas j se encontram

instaladas (Jones 2001).

Clark (2011) acredita que, rotineiramente, uma triagem para dificuldades psicolgicas

e fsicas deve tornar-se um primeiro passo para a avaliao das necessidades

biopsicossociais dos indivduos, que recebem tratamento hospitalar para o cncer.

O desenvolvimento de um protocolo de triagem para transtornos mentais em

pacientes oncolgicos uma ao importante para auxiliar o tratamento desses pacientes,

pois, em geral, no exige uma quantidade onerosa de tempo ou esforo, j escassa aos

profissionais clnicos (Spencer et al. 2010).

Nesse amplo contexto de sade mental, as escalas de rastreamento so utilizadas com

frequncia, visto que representam economia de tempo, e funcionam como direcionadores

de entrevistas/avaliaes mais especficas, detectando possveis casos que precisam de

intervenes psicolgicas e tratamento psiquitrico (Jadoon et al. 2010; Fanger et al. 2010).

26

Atualmente existe uma variedade de escalas de preenchimento breve e com

excelentes indicadores psicomtricos disponveis. Entre elas pode-se destacar o

Questionrio de Sade do Paciente - 4 (PHQ-4; Staab et al. 2001), uma combinao de dois

instrumentos breves validados para depresso e ansiedade, que tem por objetivo avaliar a

sade do paciente em relao depresso e ansiedade (Kroenke et al. 2009).

Outros instrumentos tambm mundialmente utilizados em estudos clnicos,

principalmente em hospitais, so: Questionrio de Transtorno de Ansiedade Generalizada

(GAD-7; Spitzer et al. 2006); Escala de Ansiedade e Depresso (HADS; Zigmond & Snaith

1983); Fast Alcohol Screening Test (FAST; Meneses-Gaya et al. 2009); Teste de Dependncia

de Nicotina de Fagerstrom (FTND; Fagerstrom Karl-Olov 1978) e as Escalas de Beck (Beck

Depression Inventory and Beck Anxiety Inventory; Beck, 1961).

1.8 Rastreamento e tratamento de transtornos mentais no Hospital de Cncer de

Barretos: contexto do estudo

O Hospital de Cncer de Barretos foi fundado em 1967 e consiste em um ncleo de

ensino, pesquisa e servios especializados para tratamento de cncer. Por se tratar de um

hospital de alta complexidade para o tratamento de neoplasias, recebe grande demanda de

pacientes provenientes de todos os estados brasileiros. Os atendimentos so oferecidos

prioritariamente via Sistema nico de Sade (SUS).

O complexo hospitalar dividido em quatro unidades de atendimento, a saber:

Unidade I (Barretos SP): oferece servios envolvendo atendimento ambulatorial,

quimioterapia, radioterapia, internao, atendimento emergencial, pequenas e grandes

cirurgias e Unidade de Terapia Intensiva;

Unidade II (Barretos SP): destinada ao atendimento de pacientes em Cuidados

Paliativos e com dor crnica;

Unidade de Jales (Jales SP): oferece atendimentos ambulatoriais, laboratoriais,

programas de preveno, radioterapia, radiologia, pequenas e grandes cirurgias, centro de

infuso (quimioterapia) e internao;

Unidade de Porto Velho (Porto Velho RO): oferece atendimentos ambulatoriais,

pequenas cirurgias e centro de infuso (quimioterapia).

O servio de Psicologia funciona em todas as unidades, realizando avaliaes

psicolgicas em pacientes e acompanhamento dos mesmos quando necessrio.

27

Geralmente, o paciente avaliado segundo solicitao mdica ou da equipe de

enfermagem. O pedido pode ser realizado oralmente, por telefone ou por escrito, no

pronturio do paciente. O paciente e/ou familiar tambm podem solicitar atendimento

diretamente ao psiclogo ou equipe que o acompanha. Os familiares dos pacientes

tambm so assistidos recebendo suporte e orientao. Em caso de avaliao do paciente

em regime de tratamento ambulatorial, a solicitao entregue ao paciente, e ele mesmo

realiza o agendamento na recepo do ambulatrio, onde se localiza o Departamento de

Psicologia.

Atualmente, o Servio de Psicologia conta com 12 psiclogos, sendo oito deles

atuantes na Unidade I, dois deles na Unidade II, um na Unidade de Jales e um na Unidade de

Porto Velho, os quais realizam atividades psicoterpicas individuais e grupais.

A unidade I e II tambm conta com a atuao de um mdico psiquiatra, que realiza

atendimentos clnico-medicamentosos ao paciente em regime de internao ou

ambulatorial e avaliaes e orientaes aos familiares, quando necessrio, aps

encaminhamento do psiclogo, baseado em critrios clnicos no estandardizados.

De acordo com indicadores do Servio de Arquivo Mdico (SAME Barretos 2012), os

psiclogos das Unidades I e II realizam, em mdia, 800 atendimentos/ms, incluindo

avaliaes de primeira vez e acompanhamentos, ndice que, apesar de expressivo, ainda

relativo a menos de 2% dos pacientes atendidos pelo Hospital. Quanto psiquiatria, as

estatsticas de 2012 sinalizam uma mdia de 75 atendimento/ms.

Assim, diante desses dados, conclui-se que estes ndices so pouco significativos se

considerada a prevalncia de transtornos mentais e as alteraes psicolgicas/psiquitricas

nessa populao atendida, apontando para possveis limitaes por parte do Departamento

de Psicologia e Psiquiatria, no que diz respeito ao nmero de profissionais e aos

atendimentos realizados.

Assim, o trabalho dos profissionais de sade mental nessa instituio se limita a

avaliaes e acompanhamentos de pacientes que j indicam sinais de dificuldade de

enfrentamento da doena e do tratamento, existindo pouca possibilidade para segmentos

com foco mais preventivo.

Por outro lado, atualmente tambm no existe um protocolo ou critrios especficos

para o encaminhamento de pacientes para avaliao psicolgica/psiquitrica. Isso dificulta a

identificao da demanda do paciente e, muitas vezes, o alcance daqueles que realmente

28

necessitam desse suporte profissional. A criao e utilizao de um protocolo especfico

poderia auxiliar na deteco desses transtornos/dificuldades, de forma mais sistemtica e

essencial no atendimento precoce desses sujeitos.

A evidente associao do cncer com transtornos mentais, sendo estes considerados

uma resposta condio da doena, ou como resultado de uma condio mdica geral; a

importncia do tratamento dos referidos transtornos de forma a auxiliarem positivamente

na evoluo e no tratamento da doena; e a ausncia de indicadores de prevalncia de

transtornos mentais no Hospital de Cncer de Barretos, que inviabiliza o planejamento de

um programa sistematizado de rastreamento de transtornos mentais, justificam o presente

estudo conforme os objetivos a seguir.

29

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

Rastrear indicadores e estimar a prevalncia de transtornos psiquitricos do Eixo I do

Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais - 4 edio (DSM-IV) em pacientes

ambulatoriais atendidos em um hospital oncolgico.

2.2 Objetivos especficos

a) estimar a prevalncia de transtornos do humor (depresso, mania), de ansiedade e

sintomas psicticos (delrio e alucinao), bem como de abuso/dependncia de substncias

psicoativas (lcool e tabaco) em pacientes oncolgicos ambulatoriais, por meio de

instrumentos de rastreamento;

b) verificar as possveis associaes entre a prevalncia de transtornos psiquitricos e

as caractersticas sociodemogrficas e clnicas dos pacientes;

c) propor um protocolo de rastreamento para atendimento psicolgico ambulatorial, a

ser utilizado pelo Servio de Psicologia do Hospital de Cncer de Barretos. Pretende-se

propor tal protocolo com base nos instrumentos e/ou itens mais discriminativos, segundo os

resultados do presente estudo;

d) avaliar a capacidade discriminativa dos instrumentos de rastreamento, tendo-se

como parmetro a Entrevista Clnica Estruturada para o DSM-IV (SCID IV).

30

3. MATERIAIS E MTODOS

3.1 Delineamento

Trata-se de um estudo observacional, transversal, psicomtrico e de comparao de

grupos.

3.2 Contexto

O presente estudo foi desenvolvido em pacientes atendidos no ambulatrio de

especialidades do HCB, o qual ocorre na Unidade I, nas seguintes especialidades: Urologia,

Mastologia, Ginecologia, Cabea e Pescoo, Pele, Neurocirurgia, Ortopedia, Digestivo Alto,

Digestivo Baixo, Melanoma e Trax. Este ambulatrio atende cerca de 3.788 casos novos por

ms e 44.777 retornos mensais (SAME Barretos 2011).

O Quadro 1 ilustra o nmero de casos novos e retornos realizados nesta unidade

durante o primeiro semestre de 2011 (perodo prvio ao incio da coleta de dados para o

projeto piloto).

Quadro 1 Nmero de pacientes ambulatoriais atendidos no HCB durante o perodo de 1/01/11 a 30/06/11

Especialidade Casos Novos Retornos Total

Cabea e Pescoo 354 5.996 6.350

Digestivo Alto 624 4.662 5.286

Digestivo Baixo 388 4.457 4.845

Ginecologia 331 5.362 5.693

Mastologia 515 8.933 10.448

Melanoma 98 602 700

Neurocirurgia 179 1.845 2.024

Ortopedia 79 1.028 1.107

Pele 304 3.413 3.717

Trax 215 11 226

Urologia 701 8.468 9.169

Total 3.788 44.777 48.565

Fonte: SAME Barretos (2011).

31

3.3 Sujeitos

A amostra do estudo foi composta por pacientes ambulatoriais (caso novo ou retorno)

atendidos no HCB nas diferentes especialidades oncolgicas, durante o perodo de abril a

outubro de 2012. A mesma foi estimada por meio de tcnicas estatsticas, chegando-se a um

tamanho amostral mnimo de 1155, considerando-se a taxa de erro em 3%.

Os critrios de incluso foram: indivduos de ambos os sexos, com idade superior a 18

anos que aceitaram voluntariamente participar do estudo, assinando o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE - Apndice A). Como critrios de excluso, adotou-

se: a) comprometimento grave da capacidade cognitiva, avaliado qualitativamente pelo

aplicador, e b) ausncia de condies clnicas para responder aos instrumentos.

3.4 Instrumentos

Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos:

a) Questionrio de Sade do Paciente 4 (PHQ-4) instrumento autoaplicado,

composto por quatro itens pontuados em uma escala de likert de zero (nenhuma vez) a trs

(quase todos os dias), que visam rastrear indicadores de depresso (PHQ-4 D) e de

ansiedade (PHQ-4 A) vivenciados ao longo das duas ltimas semanas. Esta pontuao

consiste na somatria separada dos itens de ansiedade e dos itens de depresso, e quanto

maior a soma, maior a sintomatologia. Utilizou-se a verso traduzida para o portugus do

Brasil pela Pfizer (Copyright, 2005 Pfizer Inc), a qual foi denominada Questionrio Sobre a

Sade do Paciente 4 (Anexo A);

b) Mdulo de Ansiedade/ Pnico do Questionrio de Sade do Paciente (Brief PHQ)

instrumento autoaplicado, pontuado em escala dicotmica (sim/no), composto por cinco

itens que visam rastrear indicadores de ansiedade/pnico vivenciados ao longo das duas

ltimas semanas. Utilizou-se a verso disponibilizada pela Pfizer (Copyright, 2005 Pfizer Inc),

traduzida e adaptada para o portugus do Brasil por Chagas e Osrio (2011) (Anexo B).

Considera-se provvel presena de pnico a pontuao sim em todos os cinco itens do

instrumento;

c) Mdulo de Ansiedade do Questionrio de Sade do Paciente (GAD-7) instrumento

autoaplicado, composto por sete itens, avaliados em uma escala de zero a trs, em que zero

significa nenhuma vez e trs significa quase todos os dias. Tem o objetivo de rastrear

indicadores tpicos de transtornos ansiosos vivenciados ao longo das duas ltimas semanas.

32

Utilizou-se a verso traduzida para o portugus do Brasil pela Pfizer (Copyright, 2005 Pfizer

Inc.) (Anexo C);

d) Teste Rpido de Identificao do Uso Abusivo de lcool (Fast Alcohol Screening Test

FAST) instrumento autoaplicado, que objetiva avaliar o uso arriscado, nocivo e a

sndrome de dependncia ao lcool. Utilizou-se a verso traduzida e validada para o

portugus do Brasil realizada por Meneses-Gaya et al. (2009), a qual foi denominada Teste

Rpido de Identificao do Uso Abusivo de lcool (Anexo D); este instrumento composto

por quatro itens que so pontuados em uma escala que varia de zero (nunca) a quatro

(diariamente ou quase diariamente) nos primeiros trs itens. O ltimo item oferece trs

opes de resposta, sendo elas: No; Sim, em uma ocasio e Sim, em mais de uma

ocasio. O escore total calculado com a soma dos escores de cada item, sendo que a

maior pontuao associa-se maior patologia;

e) Teste de Dependncia de Nicotina de Fagerstrm (FTND) elaborado por Karl-Olov

Fagerstrm (1978), tambm um instrumento autoaplicado, composto por seis itens que

objetivam mensurar o grau de dependncia fsica da nicotina. Utilizou-se a verso traduzida

e validada para o portugus do Brasil realizada por Carmo e Pueyo (2002), a qual foi

denominada Teste de Dependncia de Nicotina de Fagerstrm (Anexo E); a pontuao de

cada item especfica, e a maior pontuao associa-se ao maior nvel de dependncia do

tabaco;

f) Itens para Rastreamento de Distrbios do Pensamento e Mania tomando-se como

parmetro o Self Request Questionnaire (SRQ-20), um instrumento de triagem de

transtornos mentais para servios de atendimento primrio, recomendado pela Organizao

Mundial da Sade, j validado para a populao brasileira (Mari & Williams 1986),

adaptaram-se cinco questes autoaplicadas, visando a identificao de delrios, alucinaes

e alteraes manacas/hipomanacas, as quais so pontuadas como sim ou no

(Apndice B);

g) Questionrio de Identificao (QI) instrumento desenvolvido para o presente

estudo, que objetivou a coleta de dados complementares relativos caracterizao

sociodemogrfica e clnica da amostra estudada (Apndice C);

h) Questionrio de Identificao Clnica instrumento desenvolvido para o presente

estudo, o qual tem por objetivo a coleta de dados relativos doena oncolgica e doenas

preexistentes (Apndice D);

33

i) Entrevista Clnica Estruturada para o DSM-IV (SCID-IV verso clnica) traduzida e

adaptada para o portugus por Del-Ben et al. (2001), um instrumento utilizado para a

elaborao de diagnsticos clnicos psiquitricos baseados no DSM-IV. composto por

mdulos, num total de dez, que podem ser aplicados de forma independente ou

combinados, conforme os objetivos almejados. Inicialmente a entrevista foi validada para

uso ao vivo, mas estudos subsequentes avaliaram e atestaram a sua adequao para a

realizao via telefone (Crippa et al. 2008; Lee et al. 2008, 2010; Hajebi et al. 2012).

A SCID inicia-se por uma seo de reviso geral, que segue o roteiro de uma entrevista

clnica no estruturada. Posteriormente, ela dividida em mdulos que correspondem s

categorias diagnsticas maiores. Os critrios diagnsticos esto presentes no prprio corpo

do instrumento, facilitando a elaborao do diagnstico, conforme a entrevista progride.

Existe ainda a possibilidade de que algumas questes sejam ignoradas, caso critrios

essenciais para o diagnstico no sejam preenchidos, permitindo a excluso de diagnsticos

irrelevantes (Spitzer et al. 1989, 1992).

Neste estudo foram utilizados todos os mdulos visando investigao diagnstica

dos diferentes transtornos psiquitricos de Eixo I.

3.5 Estudo piloto

Visando estimar estatisticamente a composio amostral necessria para a conduo

do estudo, realizou-se, primeiramente, um estudo piloto, em que aplicaram-se os

instrumentos de autoavaliao acima descritos em cerca de dez pacientes de cada

ambulatrio (totalizando 110 aplicaes). Os responsveis pela coleta de dados desta

primeira etapa foram membros do Ncleo de Apoio ao Pesquisador (NAP), os quais tambm

foram, posteriormente, os responsveis pela aplicao dos instrumentos no decorrer do

estudo. Este estudo piloto tambm serviu para treinamento dos aplicadores e para avaliao

da viabilidade da realizao da pesquisa. O projeto piloto tambm foi importante para

esclarecer dvidas sobre aplicabilidade e pertinncia dos questionrios, sendo realizados os

ajustes necessrios, conforme destacado abaixo:

a) adaptao das questes para rastreamento de distrbios do pensamento e mania;

b) esclarecimentos sobre a aplicao do instrumento FAST e nova padronizao da

aplicao.

34

Em funo deste estudo piloto, a amostra ideal para a realizao do estudo (Fase 1) foi

estimada em 1.155 (amostra mnima).

3.6 Coleta de dados

A coleta de dados desta pesquisa ocorreu em duas fases distintas.

Fase 1: Rastreamento dos transtornos psiquitricos por meio de escalas de

autoavaliao Os pacientes avaliados foram selecionados aleatoriamente, tendo-se como

referncia o sistema de agendamento do HCB, em funo da data de realizao da consulta

mdica. A aplicao dos instrumentos foi conduzida e assistida por profissionais, membros

do NAP, previamente treinados pela pesquisadora principal.

Fase 2: Confirmao diagnstica por meio da utilizao de instrumento padro-ouro

Cerca de 1/3 dos pacientes avaliados na Fase 1 foram selecionados por meio de uma tabela

de nmeros aleatrios para participar desta segunda fase da coleta. Estes pacientes foram

contatados por telefone para responderem aos mdulos da SCID-IV, segundo metodologia

proposta por Crippa et al. (2008). Esta etapa foi conduzida por dois entrevistadores com

formao na rea de Psicologia, os quais foram previamente treinados para a aplicao do

instrumento. Para o treinamento utilizou-se leitura, discusso de material e role-play por

meio de simulao e representao de alguns quadros clnicos, de forma a conseguir-se

acordo diagnstico igual ou superior a 85%.

Esta fase da coleta de dados teve por objetivo favorecer maior validade ao uso dos

instrumentos de rastreamento, uma vez que alguns deles ainda no so validados no Brasil

(PHQ-4, GAD-7, Brief PHQ e Questionrio para Rastreamento de Distrbios do Pensamento e

Mania), e outros foram utilizados e avaliados em outros contextos, diferentes do oncolgico.

Os pacientes identificados por meio dos instrumentos e/ou de entrevista, como

portadores de algum transtorno psiquitrico, foram encaminhados para avaliao

psicolgica e/ou psiquitrica no HCB ou em servio de referncia da cidade de origem.

O passo a passo da coleta de dados desta pesquisa est descrito no fluxograma abaixo:

35

Figura 1 Fluxograma da coleta de dados

3.7 Anlise dos dados

Os dados foram codificados segundo as recomendaes tcnicas e alocados em um

banco de dados para anlise, a qual foi realizada com auxlio do Programa Estatstico

Statistical Package for Social Sciences (SPSS) verso 19.

Inicialmente, foram utilizadas as medidas descritivas dos dados e calculados a mdia, o

desvio padro, o mnimo, o mximo e as tabelas de frequncia para as variveis qualitativas.

O teste de Qui-Quadrado (ou Teste Exato de Fisher, quando os pressupostos do Teste

de Qui-Quadrado no foram respeitados) e o Teste t de student foram utilizados para:

verificar a associao entre as caractersticas sociodemogrficas (sexo, idade,

escolaridade, estado civil, atividade profissional e religio) e clnicas (histrico psiquitrico

prvio, histrico psiquitrico familiar e atendimento psicolgico prvio) com as escalas

PHQ-4, GAD-07, Brief PHQ, FAST, FTND e com os Itens para Rastreamento de Distrbios do

Pensamento e Mania (Fase 1);

verificar a associao entre as caractersticas sociodemogrficas e clnicas, as escalas

e os transtornos avaliados pela SCID-IV (Episdio Depressivo Maior prvio e atual, TOC, TAG,

TEPT, Transtorno do Pnico, Fobia Especfica, Fobia Social, alucinaes, delrios, Transtorno

de Abuso e Dependncia de lcool, Transtorno de Abuso de Substncia no lcool) (Fase 2).

Estudo Piloto n = 120

Instrumentos de

autoavaliao.

Pacientes selecionados

n = 434

Clculo amostral mnimo n = 1155

FASE 1 TCLE

Instrumentos de auto-avaliao; Membros do

NAP; n = 1.385

FASE 2 1/3 dos pacientes Fase 1

selecionados aleatoriamente;

Entrevista telefnica / aplicao da SCID-IV;

Psiclogas treinadas

Sujeitos excludos = 0

Sujeitos includos = 1.385

Sujeitos excludos = 34 Motivo = paciente no encontrado

Sujeitos includos = 400

Amostra avaliada n =1385

36

verificar a homogeneidade entre a amostra avaliada pelas escalas autoaplicveis

(Fase 1) e a amostra avaliada pela SCID-IV, por meio de ligao telefnica (Fase 2), em

relao s caractersticas sociodemogrficas.

Para verificar a discriminao das escalas de rastreamento, foi calculada a

sensibilidade, especificidade e acurcia, considerando-se os diferentes domnios da SCID-IV

como padro-ouro.

Para anlise dos resultados da Fase II, utilizou-se a Regresso Logstica Mltipla, a fim

de verificar a relao conjunta das caractersticas sociodemogrficas e das escalas para cada

transtorno da SCID-IV. Para isso, selecionaram-se apenas as caractersticas que, na anlise

simples (comparao de grupos), obtiveram p-valor menor ou igual a 0,20. Posteriormente,

para os principais transtornos mentais avaliados, construiu-se um nomograma, baseado no

resultado da Regresso Logstica Mltipla.

Segundo Slawin et al. (2004), o nomograma um modelo ou dispositivo que utiliza um

algoritmo ou frmula matemtica, composto por diversas variveis, que tem como objetivo

calcular a probabilidade de um evento ou desfecho. Esses modelos exercem a funo de

quantificar a combinao de vrios fatores de risco e, ento, desenvolver uma previso

probabilstica da manifestao de interesse (Karakiewicz et al. 2005).

Adotou-se como nvel de significncia p valor menor ou igual a 0,05.

3.8 Aspectos ticos

O projeto de pesquisa, primeiramente, foi enviado para apreciao do Comit de tica

em Pesquisa do HCB, aps a anuncia das chefias responsveis pelos diferentes

ambulatrios de especialidades, para a realizao da coleta de dados, sendo aprovado

(Projeto de Pesquisa n 537/2011).

Todos os pacientes assinaram duas cpias do TCLE, em que estavam explicitados as

justificativas, os objetivos, procedimentos, riscos e benefcios da pesquisa da qual estavam

sendo convidados a participar voluntariamente.

A todos os pacientes foi garantida a no identificao pessoal e a total liberdade de

retirar seu consentimento, sem qualquer constrangimento ou prejuzo em seu tratamento.

Foi assegurada ao paciente a responsabilidade, por parte do pesquisador, sobre qualquer

prejuzo que a participao no estudo pudesse acarretar.

37

4. RESULTADOS

Os resultados sero apresentados em funo de cada uma das fases do estudo

4.1 Fase 1

As principais caractersticas sociodemogrficas desta amostra esto apresentadas na

Tabela 1, abaixo.

Tabela 1 Caracterizao sociodemogrfica da amostra que comps a Fase 1 do

estudo (n=1.385)

Varivel Categoria n %

Sexo Feminino Masculino

773 612

55,8 44,2

Idade

X (DP)

50,3 (13,9)

Escolaridade

1 grau incompleto/ completo 2 grau incompleto/ completo Superior incompleto/ completo

818 355 212

59,0 25,7 15,3

Estado civil

Solteiro Casado/unio estvel Divorciado/separado Vivo No respondeu

224 933 129 98 01

16,1 67,4 9,3 7,1 0,1

Filhos

No Sim No respondeu

76 1201 108

5,5 86,7 7,8

Profisso

Ativo No ativo No respondeu

528 848 09

38,1 61,3 0,6

Religio

Frequenta No frequenta No respondeu

1099 284 02

79,4 20,5 0,1

Religio

Catlica Evanglica Esprita Outra Ateu No respondeu

940 340 59 27 16 03

68,0 24,5 4,2 1,9 1,2 0,2

N = nmero de pacientes; % = porcentagem; X = mdia; DP = desvio padro.

38

Conforme observado na Tabela 1, a amostra composta por indivduos de ambos os

sexos, com um leve predomnio de mulheres (55,8%). Predominaram tambm sujeitos com o

1 grau incompleto/completo (59%), casados ou com unio estvel (67,4%), com filhos

(86,7%) e no ativos do ponto de vista laboral (61,3%). Quanto religio, 79,5% da amostra

frequenta algum tipo, sendo a mais frequente a religio catlica (68%).

A Tabela 2 ilustra os antecedentes psiquitricos/psicolgicos pessoais e familiares

desta amostra, bem como o histrico de doena oncolgica familiar.

39

Tabela 2 Antecedentes psiquitricos, psicolgicos e oncolgicos da

amostra Fase 1 (n=1.385)

Varivel N %

Histrico psiquitrico prvio Sim No No respondeu

131

1251 03

9,5

90,3 0,2

Atendimento psicolgico prvio Sim No

211

1174

15,2 84,8

Histrico psiquitrico familiar Sim No No respondeu

304

1079 02

22,0 77,9 0,1

Histrico familiar oncolgico Pai Sim No No respondeu Me Sim No No respondeu Irmos Sim No No respondeu Filhos Sim No No respondeu

263

1120 02

194 1189

02

306

1077 02

23 1298

64

19,0 80,9 0,1

14,0 85,9 0,1

22,1 77,8 0,1

1,7 93,7 4,6

N = nmero de pacientes; % = porcentagem.

Segundo a Tabela 2, a maior parte da amostra no apresentou antecedentes

psiquitricos e/ou psicolgicos prvios, bem como antecedentes psiquitricos familiares.

Quanto ao histrico de doenas oncolgicas na famlia, encontraram-se antecedentes em

cerca de 20% da amostra, sobretudo em pais e irmos.

40

A Tabela 3 apresenta os sujeitos que compuseram a amostra, em funo da

especialidade oncolgica de origem.

Tabela 3 Distribuio dos sujeitos da amostra em funo da

especialidade oncolgica de origem Fase 1 (n=1.385)

Especialidade n %

Mastologia 262 18,92

Urologia 236 17,04

Cabea e Pescoo 160 11,55

Ginecologia 146 10,54

Digestivo Alto 140 10,11

Digestivo Baixo 120 8,66

Pele 95 6,86

Trax 76 5,49

Neurocirurgia 62 4,48

Melanoma 60 4,33

Ortopedia 28 2,02

Total 1385 100,00

N = nmero de pacientes; % = porcentagem.

Apresentar-se-o, a seguir, os principais indicadores de transtornos psiquitricos

encontrados na amostra da Fase 1, em funo dos diferentes instrumentos utilizados.

Considerando a amostra total, encontrou-se prevalncia de 21,5% de ansiedade por

meio do instrumento GAD-7 e de 27,4%, por meio do instrumento PHQ-A. Quando se

utilizou o instrumento Brief PHQ para avaliao de transtorno de pnico, a prevalncia

encontrada foi de 21%. Em relao aos demais transtornos psiquitricos avaliados, a

prevalncia de depresso foi de 11,1% (PHQ-D), de abuso/dependncia de tabaco 40,2%

(FTND) e de lcool 20,3% (FAST). Os sintomas de mania estiveram presentes em 33,5% da

amostra, e 55,1% e 11% dos sujeitos apresentaram, em algum momento da vida, delrio e

alucinao, respectivamente.

As Tabelas 4 e 5 apresentam os indicadores de prevalncia de transtornos psiquitricos

em funo das diferentes especialidades oncolgicas estudadas.

41

Tabela 4 Prevalncia de indicadores de transtornos de humor e ansiedade em funo das

diferentes especialidades oncolgicas Fase 1 (n=1.385)

Ansiedade Ansiedade Depresso Mania Pnico

Especialidade GAD-7 N %

PHQ-4 A N %

PHQ-4 D N %

Mania N %

Brief PHQ N %

Cabea e Pescoo Sim No

22 138

13,8 86,2

31 129

19,4 80,6

24 136

15,0 85,0

75 85

46,9 53,1

27 132

17,0 83,0

Digestivo Alto Sim No

26 113

18,7 81,3

30 110

21,4 78,6

25 114

18,0 82,0

37 103

6,4 73,6

31 109

22,2 77,8

Digestivo Baixo Sim No

22 98

18,3 81,7

31 89

25,8 74,2

23 97

19,2 80,8

32 88

26,7 73,3

37 83

30,8 69,2

Ginecologia Sim No

47 97

32,6 67,4

63 83

43,2 56,8

44 101

30,3 69,7

65 81

44,5 55,5

52 94

35,6 64,4

Mastologia Sim No

79 182

30,3 69,7

95 166

36,4 63,6

56 206

21,3 78,7

71 191

27,1 72,9

79 181

30,4 69,6

Melanoma Sim No

06 54

10,0 90,0

05 55

8,3 91,7

05 55

8,3 91,7

24 36

40,0 60,0

07 53

11,7 88,3

Neurocirurgia Sim No

04 58

6,5 93,5

10 52

16,1 83,9

09 53

14,5 85,5

24 38

38,7 61,3

13 49

21,0 79,0

Ortopedia Sim No

06 22

21,4 78,6

05 23

17,9 82,1

07 21

25,0 75,0

11 17

39,3 60,7

12 16

43,0 57,0

Pele Sim No

11 83

11,7 88,3

16 79

16,8 83,2

12 83

12,6 87,4

25 70

26,3 73,7

12 83

12,6 87,4

Trax/Pulmo Sim No

20 56

26,3 73,7

30 46

39,5 60,5

17 59

22,4 77,6

18 58

23,7 76,3

21 55

27,6 72,4

Urologia Sim No

54 181

23,0 77,0

63 172

26,8 73,2

35 201

14,8 85,2

82 154

34,7 65,3

38 193

16,5 83,5

TOTAL Sim No

2971082

21,54 78,46

379 1004

27,40 72,60

257 1126

18,58 81,42

464 921

33,50 66,50

329 1048

23,90 76,10

N = nmero de pacientes; % = porcentagem; PHQ-4 D = Questionrio de Sade do Paciente-4 Depresso; PHQ-4 A = Questionrio de Sade do Paciente-4 Ansiedade; GAD-7 = Mdulo de ansiedade do Questionrio de Sade do Paciente; Brief PHQ = Mdulo de Ansiedade/Pnico do Questionrio de Sade do Paciente.

42

De acordo com a Tabela 4, a especialidade de Ginecologia foi a rea que apresentou os

maiores indicadores psicopatolgicos envolvendo ansiedade, depresso, mania e pnico. As

pacientes da especialidade de Mastologia que participaram da pesquisa, tambm

apresentaram nveis significativos de ansiedade, de acordo com os dois instrumentos (GAD-7

e PHQ-4 A), e de depresso (PHQ-4 D): 30,3%, 36,4% e 21,3%, respectivamente.

Pacientes da especialidade de Ortopedia tambm apresentaram ndices significativos

de depresso (25%), e os pacientes do Trax/Pulmo, de ansiedade (39,5% PHQ-4 A).

A Tabela 5 apresenta dados relacionados porcentagem de abuso/dependncia de

tabaco e lcool, bem como de delrios e alucinaes. Destacam-se as especialidades de

Cabea e Pescoo, Digestivo Alto, Trax/Pulmo e Urologia como aquelas com maiores

ndices de uso e abuso destas substncias. Quanto aos indicadores de alucinao, as taxas

variaram de 6,3% a 22,1%, com destaque especialidade de Ginecologia.

Em relao s taxas de delrio, encontrou-se a menor prevalncia nos sujeitos da

especialidade de Cabea e Pescoo, e maior nas pacientes da Ginecologia (17,8%). Destaque

tambm para a especialidade do Trax/Pulmo, que apresentou altas taxas de abuso de

substncias e de alucinao.

43

Tabela 5 Prevalncia de indicadores de Transtornos do Pensamento e de Abuso/

Dependncia de Substncias em funo das diferentes especialidades mdicas Fase 1

(n=1.385)

lcool Tabaco Alucinao Delrio

Especialidade FAST N %

FTND N %

Alucinao N %

Delrio N %

Cabea e Pescoo Sim No

31

129

19,4 80,6

34

125

21,4 78,6

16

144

10,0 90,0

02

157

1,3

98,7 Digestivo Alto Sim No

43 97

30,7 69,2

29

111

20,7 79,3

09

130

6,5

93,5

11

129

7,9

92,1 Digestivo Baixo Sim No

24 96

20,0 80,0

21 99

17,5 82,5

13

107

10,8 89,2

14

106

11,7 88,3

Ginecologia Sim No

17

129

11,6 88,3

20

125

13,8 86,2

02

113

22,1 77,9

26

120

17,8 82,2

Mastologia Sim No

22

240

8,4

91,6

19

243

7,3

92,7

38

224

14,5 85,5

35

226

13,4 86,6

Melanoma Sim No

11 49

18,3 81,6

09 50

15,3 84,7

05 55

8,3

91,7

02 58

3,3

96,7 Neurocirurgia Sim No

05 57

8,1

91,9

10 51

16,4 83,6

06 56

9,7

90,3

04 58

6,5

93,5 Ortopedia Sim No

03 25

10,7 89,2

04 24

14,3 85,7

03 25

10,7 89,3

02 26

7,1

92,9 Pele Sim No

12 83

12,6 87,3

17 78

17,9 82,1

06 89

6,3

93,7

06 89

6,3

93,7 Trax/Pulmo Sim No

18 58

23,7 76,3

19 57

25,0 75,0

11 65

14,5 85,5

12 64

15,8 84,2

Urologia Sim No

52

184

22,0 78,0

48

188

20,3 79,7

15

221

6,4

93,6

38

198

16,1 83,9

TOTAL Sim No

238

1147

17,2 82,8

230

1151

16,6 83,4

124

1229

9,16

90,84

152

1231

10,99 89,01

N = nmero de pacientes; % = porcentagem; FAST = Teste Rpido de Identificao do Uso Abusivo de lcool; FTND = Teste de Dependncia de Nicotina de Fagerstrm.

44

As Tabelas 6, 7 e 8 apresentam os resultados encontrados quando comparou-se as

diferentes variveis sociodemogrficas e clnicas com os diferentes instrumentos de

avaliao utilizados.

A Tabela 6 indica que as mulheres apresentaram, do ponto de vista estatstico, nvel

significativamente mais elevado do que os homens de sintomas de ansiedade, medidos pelos

instrumentos GAD-7 e PHQ-4 A, alm de maiores sintomas de pnico.

Observou-se tambm que o estado civil uma varivel que interfere nos ndices de

ansiedade (PHQ-4 A) e pnico (Brief PHQ). Sujeitos casados/unio estvel apresentaram

maior nvel de pnico do que os divorciados/separados. J os sujeitos solteiros apresentaram

maior ansiedade do que os casados e do que os divorciados.

As variveis escolaridade, situao profissional e religio no apresentaram

significncia estatstica, no que diz respeito presena ou no dos diferentes sintomas de

ansiedade.

45

Tabela 6 Indicadores de ansiedade em funo das caractersticas sociodemogrficas da amostra Fase 1 (n=1.385)

Ansiedade Pnico Ansiedade

Caracterizao sociodemogrfica

GAD-7

No Sim

Brief PHQ

No Sim

PHQ-4 A

No Sim

N % N % Est. N % N % Est. N % N % Est.

Sexo Masculino Feminino No respondeu

Escolaridade

528 554

48,8 51,2

82

215 06

27,6 72,4

=42,40 p

46

Quanto varivel depresso, na Tabela 7, observou-se diferenas significativas quanto

ao sexo, estado civil e situao profissional, sendo que as mulheres e os profissionalmente

inativos foram os ndices mais expressivos.

Considerando a varivel estado civil, aps realizao de teste estatstico, verificou-se

que os sujeitos solteiros e vivos apresentaram maior ndice de depresso se comparado aos

demais.

Quanto varivel mania, as diferenas significativas foram evidenciadas nas categorias

escolaridade e estado civil, sendo que os indivduos com 1 grau de escolaridade e os

casados foram aqueles com maior porcentagem, se comparados aos demais.

47

Tabela 7 Indicadores de transtorno de humor em funo das caractersticas sociodemogrficas Fase 1 (n=1.385)

Depresso Mania

Caracterizao sociodemogrfica

PHQ-4 D

No Sim

Mania

No Sim

N % N % Est. N % N % Est.

Sexo Masculino Feminino No respondeu

545 581

48,4 51,6

66

191 02

25,7 74,3

=43,8 p

48

Visualizando a Tabela 8, percebe-se, em relao aos indicadores de abuso e

dependncia do tabaco, avaliados por meio do instrumento FTND, que os homens

apresentaram maiores porcentagens em relao s mulheres, bem como os sujeitos

profissionalmente no ativos e aqueles que no frequentam religio, em relao ao seu grau

de referncia, com significncia estatstica. A varivel escolaridade tambm mostrou

influncia em relao aos ndices de uso de tabaco; pacientes com o 1 grau apresentaram

maior ndice de uso de cigarro se comparados aos sujeitos com o 2 e o 3 graus.

No que diz respeito aos indicadores de alcoolismo, avaliados por meio do FAST,

observa-se que os homens e aqueles indivduos que no frequentam religio apresentaram

maiores indicadores de abuso de lcool. As variveis esco