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1 RAZÃO (CRÍTICA) MODERNA E DIREITO: POR UMA MENTALIDADE JURÍDICA EMANCIPATÓRIA Luís Fernando Lopes Pereira RESUMO O texto busca reunir as pesquisas e leituras feitas nas disciplinas de epistemologia jurídica e história do direito dando à primeira uma visão historiográfica crítica que permita o questionamento das bases da racionalidade jurídica contemporânea, contribuindo assim, para a construção de uma visão mais democrática e participativa do direito. Tal visão se embasa nas idéias da Escola de Frankfurt, da Historiografia francesa dos Annales e da recente produção da história do direito. De Frankfurt retira-se a idéia de modernidade crítica produzida pela escola filosófica alemã no período entre-guerras. O fato dos frankfurtianos serem críticos ao projeto de modernidade que se consolida na virada do século XIX para o XX, pode ser visto como elo de ligação entre Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Erich Fromm e Walter Benjamin. A crítica parte, entretanto, de bases racionais, pois a escola defende que a modernidade que não cumpriu seus projetos foi aquela fruto da razão instrumental iluminista que ao priorizar o domínio e controle do mundo natural, serve mais como forma de disciplinarização humana que de emancipação. Por isso eles propõem que uma outra razão deve realizar as promessas modernas, resultando disso que o projeto moderno estaria ainda inconcluso. Da historiografia francesa dos Annales, escola historiográfica que surgiu como resposta ao positivismo histórico de Leopold Von Ranke e seu Historicismo, retira-se a ampliação do campo de estudos da história para além do político, a ampliação das fontes e uma análise das mesmas a partir das conjunturas e estruturas e não dos acontecimentos encadeados de maneira seqüencial. A idéia de mentalidades é uma das mais ricas dessa corrente. Criada pelos fundadores da Escola, Lucien Febvre e Marc Bloch seria utilizada pela recente produção do campo da história do direito 1 , com a construção de uma idéia de mentalidade Doutor em História Social pela USP, professor de Epistemologia do Programa de Mestrado das Faculdades Integradas Curitiba e de História do Direito da UFPR e da UniBrasil. 1 Trata-se aqui fundamentalmente das obras do português António Manuel Hespanha e do italiano Paolo Grossi que, embora utilizem metodologias diversas convergem para o sentido de uma leitura crítica da

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RAZÃO (CRÍTICA) MODERNA E DIREITO: POR UMA MENTALIDADE JURÍDICA EMANCIPATÓRIA

Luís Fernando Lopes Pereira∗

RESUMO

O texto busca reunir as pesquisas e leituras feitas nas disciplinas de epistemologia jurídica

e história do direito dando à primeira uma visão historiográfica crítica que permita o

questionamento das bases da racionalidade jurídica contemporânea, contribuindo assim,

para a construção de uma visão mais democrática e participativa do direito. Tal visão se

embasa nas idéias da Escola de Frankfurt, da Historiografia francesa dos Annales e da

recente produção da história do direito. De Frankfurt retira-se a idéia de modernidade

crítica produzida pela escola filosófica alemã no período entre-guerras. O fato dos

frankfurtianos serem críticos ao projeto de modernidade que se consolida na virada do

século XIX para o XX, pode ser visto como elo de ligação entre Theodor Adorno, Max

Horkheimer, Herbert Marcuse, Erich Fromm e Walter Benjamin. A crítica parte,

entretanto, de bases racionais, pois a escola defende que a modernidade que não cumpriu

seus projetos foi aquela fruto da razão instrumental iluminista que ao priorizar o domínio

e controle do mundo natural, serve mais como forma de disciplinarização humana que de

emancipação. Por isso eles propõem que uma outra razão deve realizar as promessas

modernas, resultando disso que o projeto moderno estaria ainda inconcluso. Da

historiografia francesa dos Annales, escola historiográfica que surgiu como resposta ao

positivismo histórico de Leopold Von Ranke e seu Historicismo, retira-se a ampliação do

campo de estudos da história para além do político, a ampliação das fontes e uma análise

das mesmas a partir das conjunturas e estruturas e não dos acontecimentos encadeados de

maneira seqüencial. A idéia de mentalidades é uma das mais ricas dessa corrente. Criada

pelos fundadores da Escola, Lucien Febvre e Marc Bloch seria utilizada pela recente

produção do campo da história do direito1, com a construção de uma idéia de mentalidade

∗ Doutor em História Social pela USP, professor de Epistemologia do Programa de Mestrado das Faculdades Integradas Curitiba e de História do Direito da UFPR e da UniBrasil. 1 Trata-se aqui fundamentalmente das obras do português António Manuel Hespanha e do italiano Paolo Grossi que, embora utilizem metodologias diversas convergem para o sentido de uma leitura crítica da

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jurídica. Definida a perspectiva metodológica parte-se para a definição do objeto

epistemológico de análise, qual seja, a construção de uma visão científica e moderna de

direito, que se fundamenta na emancipação do indivíduo com Descartes e seu cogito e com

a reflexão franciscana do direito e seu nominalismo e voluntarismo. Assim, entra-se na

questão histórica para a crítica da construção da modernidade jurídica. Passa-se, então, ao

tratamento crítico da construção jurídica moderna, desde sua gênese que abarca o

jusracionalismo da escolástica espanhola e de Grócio, até a consolidação do absolutismo

jurídico com as revoluções burguesas e as grandes codificações do século XIX. Nas

considerações finais a proposta de uma nova visão epistemológica para as ciências

jurídicas que ultrapasse os limites e reducionismos demonstrados durante o desenrolar do

texto, presentes na mentalidade racional moderna, na busca por um direito mais ligado à

sociedade e às transformações de um mundo dinâmico e contraditório.

PALAVRAS CHAVES: RACIONALISMO MODERNO- ABSOLUTISMO JURÍDICO - MENTALIDADE JURÍDICA. ABSTRACT This paper intends to congregate the researches and readings made in two disciplines -

juridical epistemology and law history -, giving the first a critical historiography

perspective, that allows to question the basis of the contemporary juridical rationality, thus

contributing to the construction of a more democratic and participating view of the law.

Such vision is supported by the Frankfurt School, the French Historiography of the

Annales and by the recent production of the law history. From Frankfurt was taken the

idea of critical modernity produced by the German philosophical school in the between-

wars period. The fact that the frankfurtians are critics of the modernity project

consolidated in the turn of the XIX to the XX century, can be seen as a link that binds

Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Erich Fromm and Walter

Benjamim. The critic is based, however, on a rational basis, for the school defends that the

modernity that did not accomplish its projects was a result of the illuminist instrumental

realidade jurídica atual, vendo-a como fruto da consolidação da classe burguesa e de seus interesses ou mentalidades. (N.A.)

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reason, that gave preference to the dominion and control of the natural world, a way to

discipline human beings, instead of emancipating them. Because of this, they propose that

another reason must realize the modernity promises, leading to the conclusion that the

modernity project is still unfinished. From the French historiography school of the

Annales, which emerged as an answer to the historic positivism of Leopold Van Ranke

and his Historicism, was taken the enlargement of the history field beyond the politic, the

growing of the sources and their analysis based on the context and the structure, and not

from happenings enchained in a sequential manner. The idea of mentalities is one of the

richest in this field. Created by the school founders, Lucien Febvre e Marc Bloch, was

used by the recent production in the law history field, with the construction of a juridical

mentality idea. Once the methodological perspective is done, we define the

epistemological object of analysis, which is the construction of a scientific and modern

view of the law, based on the emancipation of the individual in Decartes and his cogito

and with the Franciscan reflection of the law and their nominalism and voluntarism. Thus,

we enter in the historical question to make the critic of the construction of the juridical

modernity. Then we begin the critical treatment of the modern juridical construction, from

its genesis, that includes the jusnaturalism of spanish scolastic and from Grocio, until the

consolidation of the juridical absolutism with the bourgeois revolutions, and the great

codifications of the XIX century. In the final considerations, we propose a new

epistemological view for the juridical sciences, that goes beyond the limits and the

reductionisms demonstrated during the text, current in the modern rational mentality,

searching for a law more attached to society and to the transformations of a dynamic and

contradictory world.

KEY-WORDS: MODERN RATIONALITY - JURIDICAL ABSOLUTISM -

JURIDICAL MENTALITY.

1.Introdução: a epistemologia jurídica e as bases modernas da ciência do direito.

Epistemologia é o estudo da teoria das ciências do conhecimento. O termo

epistème foi forjado por Platão como significando as ciências teóricas, imutáveis e

genéricas em oposição à doxa que seria vinculada à prática, ao efêmero e passageiro. Dele

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e de Aristóteles viriam a valorização do genérico e, por conseguinte a desvalorização do

instável. Assim, a epistemologia representa uma temática de fundamental relevância, geralmente colocada ao lado da ontologia e da axiologia. Nesse sentido, todos os processos concernentes ao pensar e ao conhecer entram no âmbito da epistemologia, da qual, sob certo aspecto, pode-se dizer que se refere à inteligibilidade do real e às formas que ele assume. (SALDANHA, Nelson. In: BARRETO, 2006, p.269.)

Logo, a reflexão epistemológica do direito exige, portanto um resgate histórico da

construção do direito como ciência, o que se consolida na modernidade, em particular

entre os séculos XIV e XIX. De seu início na virada do XIII para o XIV, com a reflexão

franciscana do direito, origem do nominalismo e do voluntarismo modernos, passando pela

escolástica ibérica do século XVIII, em particular por Suárez e por Grócio, que lançam as

bases do direito natural moderno, chegando, no XIX, ao positivismo de Augusto Comte e

sua visão unitária de ciência e aos neokantianos que separam o nômeno (permanente) do

fenômeno (mutável), tendo também como suporte a reflexão individual de René Descartes

em busca de uma verdade absoluta.

A cientificização do direito que se constituiu como disciplina submetida a regras de

valor necessário e objetivo não estava presente na reflexão jurídica do direito romano

clássico ou mesmo na doutrina aristotélica-tomista, pois ambos os conceitos desconfiavam

de formulações genéricas e não viam o direito como proveniente da norma, mas mais

próximo à idéia de arte, dirigido por regras prováveis do justo, que no período medieval

teve sua base na reflexão escolástica dialética do direito que a partir do conflito de

opiniões ou de pontos de vista (tópicas) buscava uma verdade provisória. Nesse novo

quadro de generalizações as particularidades se dissolvem nas abstrações universalizantes

e perde-se a perspectiva de que a realidade é múltipla e complexa.2

2 Exemplo interessante dessa questão parece ser a manifestação da vontade geral através da mitologia da representação política. Um mesmo político representa uma miríade tão vasta de particularismos e interesses conflitantes que dificilmente decidirá de maneira contrária ao sentido do poder econômico ou da força. Não existe uma única posição na eleição de um representante para as câmaras (municipais, estaduais ou federais) ou para o executivo, em particular hoje quando o discurso político ideológico é substituído por táticas de marketing e estratégias de venda. Os partidos que ainda guardam um certo perfil ideológico, fazem tal discurso circular pela sociedade e aglutinam em torno de si aqueles que compartilham de tal visão de mundo. Entretanto ao não convencerem a maioria hipnotizada pelas imagens de televisão de que sua visão tem sentido, dificilmente conseguem grandes posições no poder formal.(N.A.)

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Este quadro antigo e medieval se fundamentava sobre a separação entre ius

(direito) e lex (lei) que se mantém até o trabalho de Graciano3, onde “citando Isidoro, acrescenta: ius é o gênero, do qual lex é a espécie. Explicou, em seguida, a tripartição da lei: lex naturae, lex divina e lex humana; tripartição registrada por Isidoro de Sevilha e não exatamente equivalente à do direito romano4. No texto romano (de Ulpiano) a expressão usada era ius gentium, ius naturae e ius civile” (LOPES, 2004.p.82).

Aqui, na verdade se inicia a ruptura com a separação, pois ius, o termo genérico, é

também o justo. Colocada desta maneira, não há diferença substancial entre lex e ius e

ambos os termos são formas de prescrição, embora venha simultaneamente afirmado que o

gênero é o justo. A importância da lex em seu texto reflete já a transição para um período

de valorização da mesma que culminaria com a construção de uma tradição positivista e

de certeza. Este contexto de segurança em que a validade passa a ser mais importante que

a efetividade era de interesse da ascendente classe burguesa que desde o século XII a partir

do que alguns chamam de renascimento urbano e comercial5 da Baixa Idade Média,

passou a acumular poder econômico e a controlar o jurídico.

Tal disputa entre a tradição de certeza e a tradição de dúvida se dá também na raiz

da modernidade, entre o ceticismo de Michel de Montaigne e a certeza de René Descartes.

Para Maria Rita Kehl, Diante da crise da verdade, alguns céticos propunham o método de levar a dúvida até o limite em busca de uma certeza confiável. Apostavam na capacidade da mente alcançar a verdade pelo método, desde que se partisse de uma base indubitável. Tratava-se de uma grande responsabilidade para o sujeito moderno, e apontava para um projeto de sujeito capaz de chegar à verdade pela razão (...) mas como era possível estabelecer uma espécie de verdade compartilhada por todos, um senso comum confiável, em uma cultura que, em primeiro lugar, estava se tornando individualista; em segundo lugar começava a

3 O Decretum ou a Concórdia discordantium canonum considerado o primeiro grande exemplo de como ius e lex foram distinguidos e definidos. A obra foi escrita entre 1125 e 1140, após a Querela das investiduras entre Henrique IV e Gregório VII (1073). Sobre o assunto ver: LOPES, 2004. 4 No direito romano a principal diferença entre ius e lex foi estabelecida pelas institutas de Gaio onde o mesmo afirmava que “todos os povos que são regidos por leis e costumes (lex) seguem em parte um direito que lhes é próprio (ius civile ou proprium) e em parte um direito comum a todos (ius gentium) No Corpus Iuris Civilis de Justiniano a separação continua, entretanto se transforma agora em tripartite em relação ao ius pois passa-se a ter o ius naturale, o gentium e o proprium ou civile. Não há, portanto, no direito romano, confusão entre ius e lex o que possibilita ver esta como uma manifestação objetiva do ius deliberada por qualquer autoridade e aquele como um método de descobrir o juízo adequado para cada caso com base na equidade.(N.A.) 5 Questiona-se a utilização do termo renascimento urbano pois as cidades não desapareceram por completo na Alta Idade Média. Mesmo a separação tradicional entre as duas fases é questionável, em particular se seguirmos os passos de Paolo Grossi, encarando a ordem jurídica medieval como uma mentalidade jurídica comum entre as duas fases onde teria predominado o reicentrismo, o pluralismo jurídico, o casuísmo, a predominância do coletivo sobre o individual etc. ver GROSSI, 1996)

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ser atravessada pela diferença, pela alteridade, pela diversidade de línguas, pela noticia dos povos recém-descobertos, pelas trocas de mercadorias, que movimentavam a vida das cidades européias, fragmentando as opiniões e os saberes? A verdade é uma ilusão compartilhada. (...) Quando a sociedade se torna mais múltipla e complexa, as ilusões compartilhadas se multiplicam, a questão da escolha individual se torna mais dramática – em que acreditar? (KEHL, in NOVAES, 2004, p.109-110)

A certeza de Descartes é tipicamente moderna e está relacionada a consolidação da

própria idéia de indivíduo que se afirma na modernidade a partir do momento em que se

rompem os laços das comunidades tradicionais, libertando o sujeito das amarras da

tradição, embora por outro lado tenha-o aprisionado modernamente em teias de controle

mais sofisticados, em particular porque introjetados pelos indivíduos, conforme destaca

Erich Fromm em sua obra O medo da liberdade (FROMM, 2005) onde comenta a

ambigüidade de sua manifestação moderna que “por um lado, o faz mais independente e

mais crítico, outorgando-lhe uma maior confiança em si mesmo, e por outro lado, mais só,

isolado e atemorizado.” 6 Este indivíduo emancipado era a promessa da modernidade

cartesiana que não se efetivou. Era o indivíduo transcendental que Foucault mata. Esta

liberdade, obra moderna, foi iniciada pelo protestantismo7 ao libertar espiritualmente o

homem e complementada pelo capitalismo8 que o fez do ponto de vista mental, social e

político, sendo, entretanto, a liberdade econômica a base para a mesma. Afinal, O indivíduo havia deixado de estar englobado em uma ordem social fixa, fundada na tradição, que somente lhe concedia uma estreita margem para obter uma melhor posição social, situada além dos limites tradicionais. Agora confiava – e lhe era permitido fazê-lo – em obter êxito em todas as pretensões econômicas pessoais que fosse capaz de obter com o exercício de sua diligência,

6 Tradução livre de “por u n lado, lo hace más independiente y más crítico, otorgándole uma mayor confianza em si mismo, y por outro lado, más solo, aislado y atemorizado.” (FROMM, 2005.p.114) 7 Vale lembrar como mostra Franz Wieacker que “os precursores do jusracionalismo na Alemanha têm as suas raízes no humanismo e na reforma. O humanismo jurídico não só levara a cabo a reforma do ensino através de uma ordenação do corpo do direito, mas também tinha posto à prova, em conexão com a sua teoria do conhecimento, a relação entre direito e justiça (aequitas, epicikia). Ao mesmo tempo, Lutero tinha posto sob uma nova forma a questão da justificação do poder e do direito positivo, substituindo-a pela questão religiosa da justificação perante Deus. (WIEACKER, 2004, 318). 8 A liberdade moderna produto do mundo burguês se fundamenta na economia e na livre circulação de mercadorias, buscando a visão do homem como contraente e sua redução às regras de mercado, submetido às leis da oferta e da procura, tendo agora que preencher as condições exigidas pelo mercado para se inserir socialmente. Como na clássica citação de Marx no Manifesto Comunista, “o constante revolucionar da produção, a ininterrupta perturbação de todas as relações sociais, a interminável incerteza e agitação distinguem a época burguesa de todas as épocas anteriores. Todas as relações fixas, imobilizadas, com sua aura de idéias e opiniões veneráveis, são descartadas; todas as novas relações, recém-formadas, se tornam obsoletas antes que se ossifiquem. Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais condições de vida e sua relação com outros homens” (MARX, apud: BERMAN, 1989, p.93.)

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capacidade intelectual, coragem, frugalidade ou sorte. Sua era a oportunidade de Êxito, seu era o risco do fracasso, o de contar-se entre os feridos ou mortos da cruel batalha econômica que cada um combatia contra todos os demais9

Tal individualismo no terreno jurídico começa a se apontar na reflexão franciscana

do direito ainda na virada dos séculos XIII para XIV, com Duns Scotus10 e Guilherme de

Ockham11. Scotus, da corrente integrista que acreditava ser a razão governada pela fé,

tinha as leis de Deus não como leis naturais, mas como fruto da vontade d’Ele,

substituindo assim o mundo de generalidades de São Tomás de Aquino por um mundo de

indivíduos, em uma moral voluntarista onde a vontade tem primazia sobre a razão. O

grande reflexo para o jurídico é a idéia de soberania absoluta da lei positiva, como fruto da

primazia da vontade, pois o direito estaria agora no texto. Ockham, por sua vez, foi

universitário em Oxford onde estudou Aristóteles e lançou as bases do nominalismo

moderno, ou seja, a partir da idéia da distinção entre as coisas (res) e seus signos, só aceita

a existência das coisas, simples, isoladas, separadas e não dos signos, que seriam

universais e calcados em termos ou linguagens que expressam semelhanças. No campo do

direito há o abandono da idéia da existência de um direito natural, pois o mesmo passa a

ser visto a partir da vontade positiva do indivíduo, o que seria a base para o positivismo

jurídico.12 Embora a qualificação de fundador do moderno jusnaturalismo seja de Hugo

Grócio, um dos primeiros teólogos humanistas e juristas de seu tempo em particular por

9 Tradução livre de “El indivíduo había dejado de estar encadenado por um orden social fijo, fundado em la tradición, que solo lê otorgaba um estrecho margen para el logro de uma mejor posición personal, situada más allá de los límites tradicionales. Ahora confiaba – y lê estaba permitido hacerlo – en tener êxito em todas las ganâncias econômicas personales que fuera capaz de obtener com el ejercício de su diligencia, capacidad intelectual, coraje, frugalidad o fortuna. Suya era la oportunidad del êxito, suyo el riesgo del fracaso, el de contarse entre los muertos o heridos em la cruel batalla econômica que cada uno libraba contra los demás. (FROMM, 2005, p. 116) 10 Frade franciscano inglês, nascido em 1266 e falecido em 1308. Acreditava que a propriedade era naturalmente comum. 11 Frade franciscano inglês, nascido em Ockham, próximo a Londres em 1285(90). Foi protagonista da luta contra o papado de Avignon então sob o comando de João XXII, tendo recebido apoio de Luís IV da Baviera onde faleceu em 1347. Acreditava que os bens materiais estavam à disposição de cada um e de todos, em uso comum. Ver: BONI, Luis Alberto. In: BARRETO, 2006, p.615-618. 12 Sobre a reflexão franciscana do direito ver: VILLEY, 2005.

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seus De jure belli ac pacis13, terminados em 1623, onde constrói um direito das gentes

supranacional e supraconfessional deduzido da tradição da teologia moral.14

2. Mentalidade jurídica moderna: o método histórico e a crítica jurídica.

No campo jurídico o processo de modernização que centra o direito no indivíduo e

em sua vontade se sedimenta na transição de uma mentalidade jurídica medieval para a

moderna15. Ao utilizar o conceito de mentalidades não se pretende consolidar a própria

visão de ciência jurídica de acordo com a racionalidade oitocentista, afinal se tomarmos a

visão de Durkheim sob inspiração hegeliana veríamos aqui a predominância do coletivo, a

primazia do universal e a impotência do indivíduo, em uma verdadeira coisificação do

espírito coletivo encarado como o conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem vida própria; podemos denominá-lo a consciência coletiva média. Sem dúvida, sua base não é um órgão único; por definição essa consciência se estende de forma difusa por toda a sociedade; não obstante, tampouco carece de características específicas que a determinam como realidade distinta. Com efeito, esta consciência coletiva é independente das condições particulares em que se encontram os indivíduos, estes passam e ela permanece16

13 Em 2004 saiu a primeira edição de uma tradução direta para o português de Ciro Mioranza d’O direito da guerra e da paz, com introdução de António Manuel Hespanha e apresentação de Arno dal Ri Júnior da UFSC, pela editora Unijuí em colaboração com a Fondazione Cassamarca. 14 Grócio nasceu em Delft, nos meios do patriciado borgundo-neerlandês e recebeu seu barrete doutoral em Orléans das mãos de Henrique IV na precoce idade de dezessete anos, para grande admiração do mundo cultural do seu tempo, e entrou imediatamente no serviço público da sua terra natal, os Estados da Holanda, a mais poderosa província dos Países Baixos setentrionais, que em união com Utreque se tinham desligado da coroa espanhola. Em 1613 é secretário de estado. Ver: WIEACKER, 2004, p.324. 15 O termo mentalidade jurídica é utilizado por Paolo Grossi ao tratar da história do direito a partir de referenciais ligados à Escola dos Annales e sua categoria de mentalidades que corresponde à longa duração e que seria “uma escolha técnica específica na construção de uma instituição jurídica (...) signo de uma escolha mais comprometida produzida no nível do costume jurídico, tem um fundamento francamente antropológico e corresponde a visão que uma civilização histórica tem das relações entre homem, sociedade e natureza. É o terreno das mentalidades uma força invisível, impalpável mas incisiva, que imprime no universo jurídico um caráter específico”. Tradução livre de “una específica elección técnica en la construcción de uma institución jurídica (...) signo de uma elección más comprometida producida en el nível de la costumbre jurídica, tiene um fundamento francamente antropológico y concierne a la visión que uma civilización histórica tiene de las relaciones entre hombre, sociedad y naturaleza. Es el terreno de las mentalidades uma fuerza invisible, impalpable pero incisiva, que imprime al universo jurídico um carácter preciso” (GROSSI, 1996.p. 28-29) 16 Tradução livre de “el conjunto de las creencias y los sentimientos comunes a la media de los miembros de uma misma sociedad forma um sistema determinado que tiene vida própria; podemos denominarlo la conciência colectiva media. Sin Duda, su substracto no es um órgano único; por definición, esta conciencia se extiende de forma difusa em toda la sociedad; no obstante, tampoco carece de características específicas que la determinam como realidad distinta. Em efecto, esta concienciacolectiva es independiente de las condiciones particulares em las que se hallan los indivíduos; estos pasan, y ella queda” (DURKHEIM,, 1987, p.46)

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Essa idéia, típica da racionalidade moderna, prioriza o universal e o vê como a

soma das consciências subjetivas, como em Max Weber para o qual a ação social possui

objetividade científica, incapaz de ser captada nos comportamentos subjetivos isolados, o

que, de acordo com Theodor Adorno (2001.p.37-43), elimina a compreensão, caindo em

uma metafísica por sua concepção de objetividade social como totalidade objetiva absoluta

ou mesmo pela redução do sujeito cognoscente à forma de reflexão subjetiva do social.

Outra questão presente aqui e na raiz da idéia de emancipação do indivíduo está na relação

entre indivíduo e sociedade que segue via de regra a lógica de que os termos representam

conceitos antagônicos e que foram forjados de forma dicotômica na modernidade,

relacionado às outras variadas dicotomias como corpo x alma, real x representação, etc. O

sociólogo alemão Norbert Elias que refuta os a priori kantianos que estabeleciam a

existência de coisas internas à razão que seria, portanto, transcendente17, nega as

dicotomias da moderna ciência social, privilegiando o estudo no campo da sensibilidade e

não do conhecimento. De acordo com Kliminster, Com muita freqüência, ele explora um problema partindo da apresentação das dicotomias estáticas presentes nas abordagens vulgares, regressando diversas vezes a elas quando está a expor um quadro de explicação alternativo, mais amplo e inclusivo (...) O convite que nos faz para desaprender velhas categorias a fim de desenvolver uma imagem mais distanciada e realista dos seres humanos, no âmbito do quadro e de uma escala temporal evolutivos não é, porém, uma tarefa fácil ou unicamente racional. (KLIMINSTER. Apud: ELIAS, 1994, p. X-XI)

Assim, Elias acredita que há uma relação necessária entre indivíduo e sociedade18,

ou seja, ou ganham os dois ou perdem os dois. Uma sociedade qualificada e complexa é

produto da relação de indivíduos particulares que por sua vez refletem sua relação com os

17 Elias seria inclusive orientado por um neokantiano com o qual discutiu por não concordar com os a priori categorias que ele considerava fora da sociedade e da história. Ver: PEREIRA, in: Relações Internacionais no mundo atual, 2002, p.19-46. 18 Chega mesmo a tratar da insuficiência dos termos forjados pela sociologia ortodoxa para tratar do assunto pois, segundo ele, os termos sociedade e indivíduo dão a idéia de um lado de um todo harmonioso onde o indivíduo desaparece e de outro de um sujeito isolado, sem laços sociais. Para ele a individualidade é produto da adesão voluntária dos indivíduos aos modelos sociais, destes eles retiram características que são introjetadas e compõem sua identidade. Logo, quanto mais complexa e profunda a relação social do sujeito, de forma mais particular este se apresentará, sendo, portanto, mais individualizado. De outro lado a inserção individual em variados e qualificados modelos sociais permite um intercâmbio de características e valores que alteram também os modelos, tornando-os mais abertos e plurais. Desta forma Elias vincula a individualidade não a um fator externo de genialidade ou de alguém que ultrapassa seu tempo, mas como aqueles que vivenciam sua época como poucos, aproveitando-se das ofertas sociais para se fazeresm de maneira plural, qualificada e complexa. Ver: ELIAS, 1990.

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modelos sociais. Ao quebrar a dicotomia indivíduo – sociedade, Elias busca a visualização

das sociedades humanas no longo termo, na longa duração de desenvolvimento e

mudança. O indivíduo, por sua vez, só pode ser entendido em suas interdependências com

os outros, como parte das relações sociais e não como autônomos relacionando-se com a

sociedade. No que diz respeito a temporalidade, Elias concorda com o método da Escola

dos Annales.

A idéia de mentalidades segue, pois, a linha da Escola dos Annales para a qual é

preciso fazer a história a contrapelo, o que exige uma visão de baixo, para a construção de

uma perspectiva crítica e desconstrutivista, não vendo o direito como obra dos grandes

juristas ou legisladores e suas certezas, posicionado acima da sociedade, mas ligando-o à

vida cotidiana, em leis vivas, fruto de uma sociedade organizada, de seu corpo social. Para

tanto, é necessário, como nos ensina Foucault, “se livrar do sujeito, isto é, chegar a uma análise que possa dar conta de sua constituição na trama histórica, sem ter que se referir a um sujeito, seja ele transcendente com relação ao campo dos acontecimentos, seja perseguindo sua identidade vazia ao longo da história”(FOUCAULT, 1979 p.85).

Como ensina Fernand Braudel, é preciso buscar os valores duradouros, as

estruturas da longa duração, onde o direito se manifesta através de um universo de signos

que emergem de valores históricos, em um modelo mental a partir do qual é possível

resgatar o direito escrito na história, onde os valores jurídicos são escolhas locais, embora

a nossa se esconda por detrás de um tecnicismo burocrático. A construção do direito é

feita a partir de respostas específicas do mundo jurídico às demandas das comunidades, o

que o torna plural e complexo e exige seu acolhimento e não sua obediência forçada.

É preciso pensar, portanto, no campo das mentalidades, em um conjunto de

práticas culturais segundo sua própria coerência para reconstruir sua autonomia e

especificidade, quebrando assim as análises a-históricas. A Escola dos Annales a partir da

influência da psicologia como marco analítico, vendo o psicológico como fundamento da

experiência social, busca a relação entre indivíduo e sociedade na longa duração,

resgatando as mentalidades como utensilagem mental, ou conjunto de categorias de percepção, de expressão, de conceituação e de ação que estruturam a experiência, tanto individual como coletiva, dos homens em sociedade. Definição aberta, manifestamente empírica, mas que vai em todo caso muito mais além do que se chamaria um sistema de representações, porque

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inclui a língua, os afetos, mas também as técnicas e as formas de organização social 19

Em Lucien Febvre e sua psicologia coletiva percebemos a índole psicológica dos

fatos sociais, seus contextos sociais particulares nos quais aparecem e funcionam, onde

cada horizonte cultural passa a ser um sistema coerente de signos e instrumentos, uma

“rede complexa e móvel de fatos sociais”(FEBVRE, 1989, p. 127.), em constante

interação e compreendidos com distanciamento. Febvre busca resgatar o horizonte mental

de uma civilização, em uma história estrutural que privilegia coerências sincrônicas que

individualizam sistemas culturais.

Marc Bloch20, companheiro de Febvre na primeira geração da Escola dos Annales,

antecipa a antropologia histórica buscando integrar um conjunto de disposições afetivas e

morais em uma estrutura social da qual não pode estar separada; é nesse sentido o primeiro

a levar a sério uma crença como produção psicológica coletiva que teria algo a nos ensinar

sobre as expectativas e representações do mundo.

As raízes do jurídico são encontradas também nas mentalidades, nas bases

profundas que expressam os valores sociais, ligados ao modo particular de sentir, viver e

conceber o direito que é uma mentalidade afundada na consciência social, ou nas palavras

de Paolo Grossi, “um complexo de valores circulantes em uma área espacial e temporal

capaz, pela sua vitalidade, de superar a diáspora de fatos e episódios e de constituir o

tecido conectivo escondido e constante daquela área” (GROSSI, 2006 A, p. 28.).

É, portanto, no contexto do uso da categoria de mentalidade jurídica moderna, que

podemos analisar os problemas epistemológicos que no período passam a ser a cooptação

do jurídico pelo Estado, que se confirma no século XIX, quando as revoluções burguesas

completam o legalismo e o positivismo jurídico, também chamado de absolutismo jurídico

que impedem que se veja o direito como fruto do social, pois sob a influência das Escolas

19 Tradução livre de “conjunto de las categorias de percepción, de expresión, de conceptualización y de acción que estructuran la experiencia, tanto individual como colectiva, de los hombres em sociedad. Definición abierta, manifestamente empírica, pero que va em todos los casos mucho más allá de lo que se llamaría um sistema de representaciones, porque incluye la lengua, los afectos, pero también las técnicas y las formas de organización social.” (REVEL, 2005.p.94). 20 A obra de Marc Bloch que marcou profundamente sua concepção de mentalidades foi os reis taumaturgos publicado em 1924 onde discute a crença difundida na França e na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII de que os reis possuíam o poder de cura através do toque régio para uma doença de pele semelhante ao vitiligo denominada escrófula. Nesse sentido é o primeiro historiador a levar a sério o que muitos chamam de “engano coletivo”. Ver: BLOCH, 1993.

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Jurídicas da Exegese francesa e Escola Histórica Alemã (também conhecida como

jurisprudência dos conceitos ou pandectística21) passamos a estar Diante de um direito já todo identificado na vontade estatal contentou-se com fontes certas e claras, límpidas na linguagem, robustamente pensadas (por exemplo o Code Civil), fundadas sobre um admirável saber técnico, e não se refletiu o suficiente sobre duas conseqüências gravíssimas: o direito se identificava a esta altura só com o direito oficial e, como tal, tendia sempre mais a formalizar-se, enquanto uma fronteira compacta se erguia entre o território do direito e dos fatos; a sociedade civil continuava a ser depositária da produção jurídica somente na fábula-ficção da democracia indireta proclamada pela obsessionante apologia filo-parlamentar, mas da realidade dela (produção jurídica) restava clamorosamente expropriada. O direito era desenraizado da complexa riqueza do social para ligar-se a uma só cultura, empobrecer-se e identificar-se desagradavelmente na expressão do poder e da classe dele detentora. (GROSSI, 2006 A.p.126-127).

A própria citação de Grossi retrata a relação desta visão jurídica com a democracia

indireta, com a consolidação da burguesia e com a dominação de classe, afinal o

absolutismo jurídico é um “castelo normativo murado com cimento revolucionário

jacobino” (GROSSI, P. 2006 B. p.27.) Se hoje repensamos os sucessos e fracassos da

modernidade, entre eles está a participação popular no poder político e também no

jurídico.

3. Jusracionalismo, Revoluções Burguesas e codificação: bases do absolutismo

jurídico.

A tradição do jusnaturalismo objetivista, que se consolida com o Iluminismo do

século XVIII, teve suas bases na Escola Ibérica do Direito Natural que alterou o modelo

finalista do direito para um modelo mecanicista. Para António Manuel Hespanha, as

contribuições mais significativas da escolástica espanhola foram: (i)Laicização do direito. Levando às últimas conseqüências a teoria das causas segundas, a natureza é de tal modo concebida como auto-regulada, que se admite que tal regulação teria lugar mesmo se Deus não existisse22. (ii)

21 O termo pandectística vem de Pandectas do Código de Justiniano, do grego pandectae que significa o que abarca tudo, por sua pretensão sistemática e totalizadora. Essa parte do Corpus Júris Civilis era também chamada de Digesto. (N.A.) 22 O jurista Grócio foi, de acordo com Franz Wieacker, a base para o jusnaturalismo moderno, pois ensina sobre a origem do direito natural que “este, uma vez que é racionalmente necessário, tem vigência mesmo contra o jus divinum, mesmo que Deus não existisse e que, ao contrário do jus civile, também tem vigência na guerra (...) Grócio fundou o seu direito das gentes no direito natural e, por isso, formulou uma teoria jurídica geral, ele tornou-se num modelo mesmo para o direito privado jusnaturalista. Através da mediação de Puterdorf, Christian Wolf e Thomasius, Grócio influenciou até ao pormenor as codificações jusnaturalistas alemãs e estrangeiras até à pandectística e mesmo até o direito privado da actualidade” (WIEACKER, 2004, p. 326-327).

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Radicação do direito na razão individual. Retomando as formas do jusnaturalismo estóico (veiculado pelo humanismo), os peninsulares defendem a idéia de que as leis naturais são suficientemente explícitas para serem conhecidas pela razão humana. A razão individual (desde que seja recta) é, assim, promovida a fonte de direito, a primeiro código onde estão escritos os princípios jurídicos eternos. (iii) Logicização do direito. A crença na razão e nos mecanismos lógicos, postos em honra pelo nominalismo, vai fazer com que se julgue possível encontrar o direito por via dedutiva. Suarez lança, de facto, as bases do dedutivismo que iria reinar na metodologia do direito ao afirmar, pela primeira vez nos tempos modernos, que é possível deduzir, a partir dos princípios racionais do direito, regras jurídicas precisas, com conteúdo, eternas e imutáveis. Com o que, está bem de ver, muito se afastou de São Tomás, mas muito se aproximou dos sistemas jurídicos logicizantes do século XVIII. (HESPANHA, 2005. p. 292)

Desta lógica surgiria a pretensão de se definir procedimentos intelectuais capazes

de deduzir dos axiomas identificados sobre a natureza humana outras normas. Esta visão

mecanicista se concentra em explicações no nível temporal, visível, físico de onde se

retirariam leis cósmicas que fundamentariam a codificação do século XIX. Os vínculos

sociais, portanto, passam a ser vistos como fatos artificiais da vontade, donde resulta que

na base do direito está a natureza individual, a vontade, fundamento da teoria dos direitos

subjetivos vistos como poder de vontade garantido a certo sujeito pelo direito; tais direitos

atribuídos seriam anteriores a ordem jurídica pois viriam da condição natural do homem

que, portanto, podem criar direitos a partir de atos de vontade ilimitados, os negócios23

jurídicos. O modelo individualista é calcado no homem de negócios (o selfmade man).

Esta seria a base da lógica contratualista que se consolida exatamente no contexto

histórico de desenvolvimento do capitalismo mercantil, quando a burguesia exigia um

direito claro e simples, abstrato24 e sistemático25 que lhe desse segurança, estabilidade e

23 O próprio termo negócio tem relação direta com a consolidação do mundo burguês pois trata literalmente de negar o ócio e se colocar em atividade produtiva ou consumista na nova ordem que retira do sujeito o tempo livre para a reflexão filosófica, para as artes e para a política. De acordo com Bertrand Russell a sociedade pós industrial capitalista seria a primeira capaz do ponto de vista tecnológico e científico de estender o tempo do ócio para a maioria da população. Para tanto ele propõe uma redução da jornada de trabalho para não mais que 4 horas diárias, afinal, “a técnica moderna tornou possível a drástica redução da quantidade de trabalho necessária para garantir a todos a satisfação de suas necessidades básicas. Isto ficou claro durante a Primeira Guerra Mundial. Todos os membros das forças armadas, todos os homens e mulheres engajados na produção de munições, na espionagem, na propaganda de guerra e nas funções de governo ligadas à guerra, foram sacados das ocupações produtivas. Apesar disso, o nível geral de bem-estar físico entre os assalariados não qualificados do lado doa aliados era mais alto do que antes e até do que depois da guerra” (RUSSELL, 2002,p.28) Russell vê a ética do trabalho como uma lógica de dever onde as pessoas não receberiam salários proporcionais à sua produção, mas à virtude demonstrada em seu esforço. A realização humana, entretanto, exige o ócio e a filosofia, arte e política que somente ele possibilita. 24 A questão da abstração leva a idéia de que a partir de figuras jurídicas genéricas se pode deduzir as regras particulares, invertendo o método anterior do casuísmo medieval e romano no qual o direito não se retirava

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certeza. Daí toda a atividade jurídica moderna ser ao contrato vinculada (pacta sunt

servanda).

O contexto histórico de emancipação da vontade do sujeito é marcado pela

consolidação do liberalismo, em substituição a economia moral, levando ao capitalismo

agrário26 e à afirmação moderna da propriedade. Daí a relação entre a liberdade moderna e

a propriedade, o contratualismo só permitiria a troca entre sujeitos livres e detentores de

bens, mascarado sob a democracia da igualdade formal que na verdade legalizou a

desigualdade material, afinal a antiga aequitas é substituída pela conservação da

proporção de fato. Não por acaso os modelos de sistemas constitucionais criados nesse

contexto por Kant, Seyès, Benthan e Constant são de democracia restrita.

A nova ordem burguesa e as transformações materiais e mentais da sociedade

levaram a construção de uma nova ordem jurídica, onde se esvazia a tradição do velho

direito e se protege o novo, representado pela dogmática da lei escrita. A pretensão do

controle e domínio do mundo natural se monta nesse contexto e é exemplarmente descrita

pelo historiador inglês Keith Thomas que mostra como mesmo a dieta alimentar inglesa do

século XVIII acompanha essa idéia, na medida em que a carne de animais criados para o

abate passa a ser a base da dieta alimentar nacional, fazendo mesmo com que o roast beff

passe a ser símbolo da identidade nacional. (THOMAS, 1988) Este distanciamento do

mundo natural também fica evidente na construção de um comportamento regrado pelos

manuais de etiqueta, tão bem analisados por Norbert Elias, onde os mesmos indicavam

que não seria polido ter comportamentos semelhantes ao dos animais, como nas regras: da regra, mas a partir do caso concreto se estabeleciam fórmulas gerais que possibilitariam uma relativa homogeneidade nas decisões de casos semelhantes. Agora, retira-se o direito da regra. (N.A.) 25 A sistematização diz respeito a ordenação a partir de princípios gerais, que teria como seu maior exemplo a codificação do século XIX. Tais códigos, inclusive, quebram a divisão tradicional do direito romano clássico e do medieval que tinha uma preocupação com a natureza das coisas. Agora as novas sistematizações tratam inicialmente da definição do sujeito de direito. (N.A.) 26 O autor que trata da passagem de uma economia moral da multidão, que era paternalista e assistencialista para diminuir as precariedades e desvios sociais, para uma economia liberal que se regulamenta nas leis de mercado e, portanto, na oferta e na procura é Edward Thompson, historiador da Nova Esquerda Inglesa, de origem marxista mas que questiona o determinismo econômico ortodoxo, dando margem a seus estudos sobre cultura operária e popular. Conforme o autor, “este (XVIII) era o século em que o dinheiro leva toda força, em que as liberdades se convertem em propriedades e se coisificam os direitos de aproveitamento (...) se converteram em propriedades que se classificavam pelo valor de tantas libras, não necessariamente se converteram em mercadorias acessíveis a qualquer comprador no mercado livre”. Tradução livre de “este (XVIII) es el siglo em que el dinero lleva toda la fuerza, em el que las libertades se convierten em propriedades y se coisifican los derechos de aprovechamiento (...) se convirtieron em propriedades que se clasificaban com el valor de tantas libras, no siempre se convirtieron em mercancias accesibles para qualquier comprador em el mercado libre” (THOMPSON, 1984, p. 21.)

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os que se levantam e fungam repugnantemente sobre os pratos, como se fossem suínos, pertencem à classe dos animais do campo. Bufar como um salmão, comer voraz e ruidosamente como um texugo e queixar-se enquanto come – eis três coisas inteiramente indecorosas. Não arrotes quando estiveres comendo com uma colher. Isto pe um hábito bestial (ELIAS, 1991, p.96)

Desta forma, os que se comportassem de maneira não polida seriam equiparados

aos animais e tratados como tais, o que fundamenta ideologicamente a expansão

colonialista da Europa sobre a África e a Ásia no século XIX. O controle sobre o mundo

natural refletiu-se também na vitória sobre a noite pois a queda do tabu da noite, a substituição do tempo da natureza pelo tempo da cultura, o império do artificial sobre o natural tinham provocado uma profunda coupure na rede de condicionamentos tecida silenciosamente ao longo de séculos e milênios. (CAMPORESI, 1996, p. 20.)

Entretanto o sonho de domínio da natureza, como demonstra Freud é uma

pretensão irrealizável e que não levaria necessariamente a um aumento da felicidade dos

habitantes das regiões desenvolvidas, afinal, Durante as últimas gerações, a humanidade efetuou um progresso extraordinário nas ciências naturais e em sua aplicação técnica, estabelecendo seu controle sobre a natureza de uma maneira jamais imaginada. As etapas isoladas desse progresso são do conhecimento comum, sendo desnecessário enumerá-las. Os homens se orgulham de suas realizações e têm todo direito de se orgulharem. Contudo, parecem ter observado que o poder recentemente adquirido sobre o espaço e o tempo, a subjugação das forças da natureza, consecução de um anseio que remonta a milhares de anos, não aumentou a quantidade de satisfação prazerosa que poderiam esperar da vida e não os tornou mais felizes. (FREUD, 1997, p. 39)

No contexto do liberalismo econômico vemos a sedimentação do absolutismo

jurídico, fruto típico da era burguesa27, onde o detentor do poder político passa a deter o

monopólio da produção jurídica para garantir a liberdade econômica. A sociedade agora

participa apenas através da ficção da democracia indireta, pois o estado passa a ser visto

como o representante e intérprete da vontade geral. Sob um rígido monismo jurídico, o

fechado sistema jurídico moderno distancia a lei da sociedade e de seu fluxo de mudança,

tornando o direito distante da população e reduzindo-o à legalidade, pois vê-se a

manifestação jurídica legislativa como justa por refletir a união das vontades individuais.

As revoluções burguesas consolidam a idéia de que a lei é a vontade geral, afinal o

monarca de Thomas Hobbes é substituído pela soberania popular de Rousseau, em uma 27 Não por acaso ganham destaque nesse contexto as três máximas a seguir, retiradas da razão prática e que norteariam a construção das regras particulares: abster-se do bem alheio, manter a palavra dada e reparar o dano. Ver: HESPANHA, 1972.

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supremacia absoluta do parlamento28 A liberdade moderna desobrigava agora o cidadão

individualista de se ocupar com o interesse coletivo29 e a falência das utopias parece ser

um sintoma deste desajuste. Para esta lógica colaboraram também Montesquieu que

buscava fatores objetivos que determinariam o modo de ser do direito, Leibniz que

vinculava direito natural à razão divina, na busca de verdades eternas averiguáveis pela

reflexão e Jeremy Benthan que, como utilitarista, via como direito justo o que organiza a

sociedade de modo a obter o máximo de bem estar para o maior número de pessoas,

transformando, assim, o direito em um produto de rigoroso cálculo. Segundo o princípio

da utilidade Benthan pensava também um código completo, logicamente concatenado,

sistemático que fixaria o direito vigente30. O direito se converte em regras e suas

conseqüências são sistematizadas em busca de uma certeza e previsibilidade que somente

poderia se originar de uma legislação abstrata, fixa e rígida que tolhe o espaço da

interpretação, reduzindo o momento aplicativo e supervalorizando a rigorosa textualidade.

4.Considerações finais: por uma mentalidade jurídica emancipatória ou a morte da

Matrix.

O século XX não altera as bases do racionalismo moderno que passa a ser criticado

pelas vertentes denominadas pós-modernas31que propalam o fim da história, da

modernidade e de seu projeto. Mas no mesmo século XX encontramos a continuidade da

tradição de dúvida de Michel de Montaigne, que busca uma visão crítica da modernidade

28 Paolo Grossi chama tal política de democratismo jacobino, onde a lei parlamentar é tida como a vontade geral. Savigny reforçaria tal idéia ao afirmar que o direito vem do espírito do povo. Ver: GROSSI, 2006 A. 29 Novamente presente aqui a falta do tempo de ócio, privilégio de classe amenizado pela idolatria contemporânea ao trabalho e sua valorização na mentalidade atual, quadro no qual já se fala em vício no trabalho como em qualquer outra substância que cause dependência física, psicológica e/ou emocional. O sujeito não tem tempo ou mesmo vontade de se dedicar ao coletivo o que faz com que o mesmo se transforme em temas técnicos e procedimentais de administradores formatados e formatadores. A crise do espaço público atual é visível na alternativa moderna à rua que era local empobrecido de manifestação política indireta, que é o shopping center, paraíso privado de consumo. 30 De acordo com Paolo Grossi, desta forma a codificação moderna não é fruto do voluntarismo e de seu repertório, pois é fundamentado na idéia de direito natural moderno que vê a lei como volição autoritária do detentor da soberania. Pode-se, inclusive, estender a base filosófica dessa codificação a Hobbes, Espinoza, Locke, Descartes, Grócio, Leibniz, Putendorf etc. Ver : GROSSI, 2006 B. 31 Essa vertente do campo de conhecimento parte do pressuposto de que o projeto moderno fracassou e é irrealizável, fundamentalmente porque a racionalidade ocidental moderna teria fracassado em suas promessas, particularmente quanto a democracia, a emancipação do sujeito e ao aumento do bem estar. Liderada pelos filósofos pós-estruturalistas franceses como Jean Baudrillard, François Lyotard, Jacques Derrida etc. os pós-modernos defendem a substituição da unidade pretendida pela modernidade e seus grandes modelos explicativos por uma pluralidade de visões.

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sem abandonar seus ideais e utopias, ou renovando-as para realizá-las a partir da

construção de uma outra racionalidade que não contribua para a reificação do sujeito

como a iluminista. Partindo do pensamento da modernidade crítica32 é preciso refletir

sobre a razão do direito para que a mentalidade jurídica contemporânea abandone as

certezas generalizantes e abstratas da modernidade conservadora e possa de fato voltar a

dimensionar no campo do jurídico o horizonte da justiça.

Este deslocamento proposto é essencial mesmo para a emancipação do indivíduo

proposta pela modernidade, pois no século XX assistimos a uma crise da experiência que

levou a autores como Walter Benjamin a perceberem os limites da construção individual

em um mundo cada vez mais massificado e globalizado, onde o homem vai perdendo a

memória individual e coletiva33. Benjamin usa para tratar do assunto o exemplo da crise da

narrativa, da capacidade de intercambiar histórias, afinal Na substituição das antigas formas de comunicação pela informação e desta pela sensação, reflete-se a degradação da experiência...Na narração, o acontecimento é incorporado à vida do narrador, que a transmite, como experiência, ao ouvinte. É por isso que o narrador deixa nele seus traços, como o oleiro deixa a marca de sua mão no vaso de argila. (BENJAMIN, apud: ROUANET, 1990, p. 50.)

Estas questões parecem muito com o tratamento dado ao filme Matrix pelo filósofo

esloveno Slavoj Zizek que trata do filme como uma metáfora do capital que teria

colonizado cultura e subjetividade, onde Matrix pode ser visto como o grande Outro

lacaniano, a rede que estrutura a realidade para nós. Afinal, de acordo com o filósofo a

Matrix não somente daria a entender que existe um real escondido por ela, como blinda o

real de fato ao mostrar um alternativa também virtual para a realidade da máquina. Para

Zizek, quando nossa existência completa (social) é progressivamente externalizada-materializada em um grande Outro da rede digital, é fácil imaginar um demoníaco programador que apague nossa identidade digital e nos prive de nossa existência social, convertendo-nos em não-pessoas (...) um sujeito que

32 Pode-se inserir aqui uma série de pensadores, desde os filósofos da Escola de Frankfurt, passando pela Nova Esquerda Inglesa, por Hanna Arendt, Slavoj Zizek, István Meszáros etc. 33 A partir da leitura feita por Sérgio Paulo Rouanet da obra de Walter Benjamin, vemos que o mesmo contrapõe em relação ao debate da memória dois autores: Proust e Baudelaire, este último preferido pelo filósofo alemão. Proust é colocado como aquele que tenta restaurar a figura do narrador com meios privados, a possibilidade de extrair do fundo da experiência individual momentos significativos do particular e do geral, centrando tal questão na memória involuntária. Para Baudelaire, entretanto, reage à atrofia da experiência pelo spleen, “forma específica de taedium vitae que reconhece a experiência como irrecuperável, e em vez de recriá-la artificialmente, transforma essa perda na própria matéria de sua reflexão” (ROUANET, 1990, p. 51)

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flutua livremente de uma realidade virtual a outra, um puro fantasma que se dá conta de que a toda realidade é um simulacro; ou a suposição paranóica de que há uma realidade real mais além da Matrix 34

Para ele as duas posições são equivocadas e perdem o sentido do real, daí sua idéia

de deserto do real. O mundo jurídico parece estar calcado em uma realidade virtual como

a montada pela Matrix. Mesmo as aparentes alternativas de um mundo que não pertence à

máquina é ofertado por ela como forma de aplacar as insatisfações e canalizá-las para o

fortalecimento da mesma.

O paralelo com a questão jurídica parece direto.Pelo exposto nos itens anteriores

vemos que o jurídico se transformou em manifestação do poder estatal que, por sua vez,

tende a refletir os interesses daqueles que controlam a máquina do Estado. Assim, mesmo

as duas alternativas que não resolvem a questão parecem estar presentes nessa reflexão: de

um lado a paranóica crença na existência de uma realidade para além da máquina em um

naturalismo que hoje fundamenta as propostas liberais de emancipação fragmentada e

ilusória do sujeito. De outro a alternativa de aceitação da virtualidade e da aparente vitória

do capital internacional e da mundialização neo-liberal, fazendo com que o sujeito se

condicione a seus ditames, passando de uma identidade vazia a outra, saltando de uma

realidade virtual a outra.

Nesse contexto o real se desertifica e o direito se distancia da sociedade e de seu

fluxo de mudanças. Ossificado, fixo e morto o direito deixa de buscar a justiça e de ser a

expressão da experiência que entrou em crise. Mas é preciso colocar em cheque o velho

legalismo, não no sentido liberal de crer paranoicamente que há uma realidade para além

da máquina, mas deslocando o jurídico para a sociedade e sua realidade plural e

heterogênea, diversa da formal, perfeita e abstrata prevista pelas tipologias jurídicas.

Dessa forma, a própria realidade jurídica que pode nascer das novas relações sociais

solidárias poderia atingir valores sem coação, por penetrar níveis mais profundos da

racionalidade, permitindo o surgimento, multiplicação e sobreposição de diversos estratos

de legalidade, que levem a uma nova ordem que não se limite a exigir uma obediência

34 Tradução livre de “cuando nuestra completa existência (social) es progresivamente externalizada-materializada em el gran Outro de lar ed digital, es fácil imaginar um demoníaco programador que borre nuestra identidad digital y nos prive así de nuestra existencia social, convirtiéndonos em no-persona (...) um sujeto que flota libremente de uma realidad virtual a outra, um puro fantasma que se da cuenta de que toda ralidad es um simulacro; o la suposición paranóica de que hay una realidad real más allá de la Matrix..” (ZIZEK, 2005, p. 155-156)

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passiva, mas transformando-se em um direito vivo35 e talvez nesse novo contexto

possamos buscar a realização dos sonhos modernos, em particular da democracia e da

emancipação do sujeito.

Para tal, a racionalidade científica moderna que deslocou o direito para um deserto

do real, deve ser substituída por uma outra racionalidade, emancipatória, desalienadora e

democrática, como nas propostas de Gadamer36 e sua visão do direito como ciência social,

ou de Boaventura de Souza Santos que propõe uma transição paradigmática que determine

a transição de uma perspectiva de regulação para uma de emancipação, o que exige um

des-pensar do direito, Des-pensar é uma tarefa epistemologicamente complexa porque implica uma desconstrução total, mas não niilista, e uma reconstrução descontínua, mas não arbitrária. Além disso, por ser efectuada no enlaço da ciência moderna, o momento destrutivo do processo de des-pensar tem de ser disciplinar (o direito e cada uma das ciências sociais), ao passo que o seu momento construtivo deve ser indisciplinar: o processo de des-pensar equivale a uma nova síntese cultural(SANTOS, 2005, p. 186.)

Que tal des-pensar e que a re-construção de uma nova racionalidade não reificante

possam dialogar com a história que deve contribuir para o questionamento das bases sobre

as quais está montado o edifício moderno.

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35 A respeito das questões de quebra do absolutismo jurídico e construção de uma nova mentalidade jurídica ver: GROSSI, 2006 C. 36 Ver a respeito GADAMER, 2004.

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