Recursos naturais 2 (Sebenta de Geografia A).

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- 1 - 3. Os Recursos Naturais Disponíveis (cont.) Ponto de partida: A importância dos recursos naturais (cont.) Continuando a abordar os recursos naturais disponíveis no nosso território, falaremos, agora, dos recursos do mar e, se tiver cabimento, de novo da radiação solar. Historicamente, atribuímos grande importância ao mar. Pesca, algas, sal ... constituem exemplos de recursos que há muito são explorados pelas populações ribeirinhas. Transporte marítimo, indústria de construção e reparação naval e indústria conserveira são algumas das atividades humanas a ele intimamente ligadas. Presentemente, a aposta na chamada economia azul, faz recrudescer a interesse pelo mar. Não será por acaso que, nos discursos de políticos e economistas, tanto se ouve falar do mar como a oportunidade que não podemos voltar a desperdiçar. Relembremos. Portugal foi o obreiro dos Descobrimentos, o primeiro responsável pela Mundialização, uma nação poderosa enquanto dominadora do comércio das especiarias e a metrópole de um vasto Império que durou até à década de setenta do século XX. O “diálogo” permanente com o mar justificou que, à data da Revolução de 1974, e apesar da nossa dimensão territorial continental europeia, possuíssemos, a nível mundial, uma das maiores frotas de pesca assim como o era a da Marinha portuguesa, Aliás, nesta altura, dispúnhamos de um estaleiro naval de grande reconhecimento mundial, a Lisnave, e tínhamos construído um porto que, após anos de marasmo, é, hoje, uma das maiores referências do país nas trocas de mercadorias globais, o porto de Sines. Éramos, também, detentores da maior indústria conserveira com numerosas fábricas localizadas junto ao litoral (fig.1). Em 1938 chegaram a existir 138 estabelecimentos, hoje reduzidos a 20. Segundo vários estudiosos, esta indústria (...) possibilitou, a seu tempo, a expansão do tecido e da vida urbana e um desenvolvimento económico e social sem precedentes nos centros portuários – Hugo Nazareth Fernandes. O setor conserveiro foi, ainda, um ícone, o maior exportador e o maior dinamizador social – Ana Rute Silva. Muitos outros testemunhos poderíamos acrescentar. Hoje, Portugal exporta 60% da sua produção. Fig.1 – Localização das fábricas de conservas de peixe em Portugal (no seu período áureo) – mapa incluído no artigo de Alexandra Prado Coelho “As conservas estão sempre na moda?” no blog “Mais olhos que barriga”, Público.pt

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3. Os Recursos Naturais Disponíveis (cont.)

Ponto de partida: A importância dos recursos naturais (cont.) Continuando a abordar os recursos naturais disponíveis no nosso território, falaremos, agora, dos recursos do mar e, se tiver cabimento, de novo da radiação solar. Historicamente, atribuímos grande importância ao mar. Pesca, algas, sal ... constituem exemplos de recursos que há muito são explorados pelas populações ribeirinhas. Transporte marítimo, indústria de construção e reparação naval e indústria conserveira são algumas das atividades humanas a ele intimamente ligadas. Presentemente, a aposta na chamada economia azul, faz recrudescer a interesse pelo mar. Não será por acaso que, nos discursos de políticos e economistas, tanto se ouve falar do mar como a oportunidade que não podemos voltar a desperdiçar. Relembremos. Portugal foi o obreiro dos Descobrimentos, o primeiro responsável pela Mundialização, uma nação poderosa enquanto dominadora do comércio das especiarias e a metrópole de um vasto Império que durou até à década de setenta do século XX. O “diálogo” permanente com o mar justificou que, à data da Revolução de 1974, e apesar da nossa dimensão territorial continental europeia, possuíssemos, a nível mundial, uma das maiores frotas de pesca assim como o era a da Marinha portuguesa, Aliás, nesta altura, dispúnhamos de um estaleiro naval de grande reconhecimento mundial, a Lisnave, e tínhamos construído um porto que, após anos de marasmo, é, hoje, uma das maiores referências do país nas trocas de mercadorias globais, o porto de Sines.

Éramos, também, detentores da maior indústria conserveira com numerosas fábricas localizadas junto ao litoral (fig.1). Em 1938 chegaram a existir 138 estabelecimentos, hoje reduzidos a 20. Segundo vários estudiosos, esta indústria (...) possibilitou, a seu tempo, a expansão do tecido e da vida urbana e um desenvolvimento económico e social sem precedentes nos centros portuários – Hugo Nazareth Fernandes. O setor conserveiro foi, ainda, um ícone, o maior exportador e o maior dinamizador social – Ana Rute Silva. Muitos outros testemunhos poderíamos acrescentar. Hoje, Portugal exporta 60% da sua produção. Fig.1 – Localização das fábricas de conservas de peixe em Portugal (no seu período áureo) – mapa incluído no artigo de Alexandra Prado Coelho “As conservas estão sempre na moda?” no blog “Mais olhos que barriga”, Público.pt

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Para além das conservas, as Estatísticas das Pescas (INE) indicam-nos que, pesca e aquicultura, fornecem matéria prima para a indústria transformadora (fig.2).

Fig. 2 – Estatísticas da Pesca 2015, INE (ano de edição 2016) A referência à aquicultura dá-nos a oportunidade para sublinharmos o que de novo se fala em termos de novas possibilidades exploratórias. Para além da indústria alimentar de congelados e da produção em aquicultura extensiva e semi-intensiva, os biorrecursos marinhos da costa portuguesa podem ser explorados para a indústria farmacêutica, para a cosmética, para a alimentação com a colheita e preparação de algas, como, ainda, para a indústria de mineração através da exploração do subsolo marinho. Nódulos polimetálicos, crostas de ferro e manganês ricas em cobalto e sulfuretos polimetálicos, sulfuretos maciços ricos em cobre e zinco localizados nos campos hidrotermais da Crista Média Atlântica a sudoeste dos Açores, fosforitos, são exemplos de recursos que Portugal pode e deve explorar. Foi com vista nestas novas oportunidades que, Portugal, em 2009, apresentou à Comissão da Limites da Plataforma Continental (CLPC) o seu Projeto de Extensão da Plataforma Continental (PEPC) peloqualsepretendealargaraáreaterritorialdopaísparaalémdas200milhasnáuticas(figuras3e4,páginaseguinte).“Os recursos vivos e não vivos dos fundos marinhos constituem—se, cada vez mais, como alternativa à exploração dos mesmos em terra. À medida que a escassez dos recursos aumenta nas áreas continentais e que a tecnologia prospetiva e extrativa progride, a exploração dos recursos minerais, energéticos (nos quais se incluem os hidratos de metano) e genéticos nos grandes fundos marinhos torna-se cada vez mais exequível.”

emepc – Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental

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Fig.3 – A configuração atual e a que passará a existir caso seja viabilizado o projeto de alargamento da Plataforma Continental. Fonte: emepc – Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental. A exploração das energias fósseis petróleo e gás natural também será um desígnio a mais longo prazo, "dentro de duas a três décadas", já que só agora se iniciarão as prospeções (...) O mar não acaba aqui. A exploração das potencialidades do mar alto, começando nas turbinas eólicas flutuantes e acabando na mineração, será o estímulo necessário para fazer crescer um sector que, apesar de já existir, se mantém confinado ao ambiente académico (...). Fig. 4 – Localização geográfica dos recursos já identificados, a maioria deles, fora da atual ZEE do país. Se a pretensão de alargamento da plataforma continental for aceite, estes recursos passam a ser nossos.

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Por enquanto, todavia, em Portugal, o pescado continua a ser o recurso mais extraído do mar assim como o sal marinho. A aquicultura, por seu lado, adquire um estatuto cada vez mais visível. A necessidade de evitar a sobreexploração de algumas espécies em risco tem sido a explicação mais credível para justificação desta prática (figuras 5 e 6). Fig.5 – Estação Piloto de Piscicultura em Olhão (EPPO) O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA, I. P.) é uma das entidades públicas que faz investigação, desenvolve e realiza demonstrações experimentais na Estação Piloto de Piscicultura, em Olhão, dando um largo contributo para a formação científica e técnica, tanto ao nível profissional como universitário. Fig.6 – Tanques na EPPO Na EPPO realizam-se ensaios de reprodução, desenvolvimento larvar e engorda de diversas espécies com especial ênfase para a dourada, robalo bem como para novas espécies tais como o sargo, o mero, o linguado e a corvina.

EPPO - Estação Piloto de Piscicultura de Olhão, IPMA, I.P.

Localizada no Parque Natural da Ria Formosa, a unidade é composta de uma zona de maternidade dispondo de reprodutores de 9 espécies de peixes marinhos adaptadas a cativeiro), uma zona de pré-engorda e a área de engorda em tanques de terra, em sistema de monocultura, policultura ou multitrófico e uma zona experimental (jaula oceânica) ao largo da ilha de Armona.

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As imagens anteriores denunciam dois modos de produção de aquicultura: em regime semi-intensivo (fig.5) e em regime intensivo (fig.6). Neste caso, todas as fases do processo de criação são controladas pelo homem. Naquele outro, o produtor contribui com um suplemento alimentar para que a(s) espécie(s) atinjam mais rapidamente o peso ideal para a captura e consequente comercialização. Fig. 7 – Mexilhões criados em cordas ao largo da ilha da Armona, Olhão

Fig. 8 – Produção de aquicultura por tipo de água e regime (2014) – INE

No caso dos mexilhões produzidos em mar aberto, ao largo da costa algarvia, a alimentação é totalmente em regime extensivo. Aliás, a organização sem fins lucrativos, Marine Stewardship Council (MSC) reconheceu que, este método, justificava a atribuição do selo de sustentabilidade. Segundo o título a notícia, publicada pela TVA TV Algarve (22/01/2015) “Portugal é o primeiro país mediterrânico com mexilhões sustentáveis”.

As Estatísticas das Pescas 2015, Edição de 2016, revelam-nos que, na área da aquicultura, o número de estabelecimentos dedicados a esta atividade praticamente diminuiu em 9 unidades, mas, curiosamente, aumentou em 126 hectares a área abrangida (Quadro 1). Interessante, ainda, o facto de ser exclusivo o regime intensivo em águas doces – produção de trutas - e predominante o regime extensivo na produção em águas salobras e marinhas – 1400 num total de 1440 (Fig.8).

Quadro 1

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Na mesma publicação do INE, entre numerosa informação, destacamos, também:

Fig.9

Fig.10

Fig.11

Dentro da produção por espécie, os dados da edição de 2016 das Estatísticas das Pescas mostram-nos que, quer em 2013, quer em 2014, as ameijoas eram os bivalves predominantes quase com 50% da produção total de moluscos, seguidas dos mexilhões e, em terceiro lugar, as ostras.

Nos peixes marinhos, o pregado é, sem dúvida, a espécie mais produzida com um peso de 70% em 2014, seguindo-se a dourada. Quanto à produção em água doce, tal como já afirmámos antes, a truta é exclusiva.

No tocante ao tipo de estabelecimentos, 88,3% são viveiros. Em segundo lugar, e a grande distância, os tanques de regime intensivo.

No que concerne à produção de sal marinho, dependente da evaporação solar, obviamente, que é nas áreas litorais mais a sul que se reúnem as condições mais favoráveis à existência de salinas. Daí, a sua ausência no litoral Norte e o predomínio na região algarvia.

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A aquicultura em Portugal tem uma tradição na criação intensiva de trutas em águas doces. No entanto, a sua maior expansão observa-se já depois da entrada do país na então CEE. É, neste sentido, relativamente recente e pratica-se com recurso a novas técnicas e a uma tecnologia exigente e assente numa investigação em paralelo. A pesca, uma atividade ancestral, sofreu, também, uma evolução tecnocientífica. Porém, é exercida em termos diferenciados de acordo com a capacidade de arqueação bruta das embarcações. Para além da habitual dicotomia entre pesca tradicional e pesca moderna, outras caraterísticas estão associadas. Embarcações de baixa arqueação, com reduzida autonomia no mar, com uma atividade perto da costa, feita com técnicas tradicionais, com capturas pouco volumosas, fazem parte da chamada pesca local. No sentido oposto, embarcações de elevada arqueação, grande autonomia no mar (pode ser de meses), com uma atividade em mar alto, muitas vezes, em áreas longínquas, recorrendo a mão de obra numerosa e qualificada, com volumosos totais de capturas, compõem a apelidada pesca industrial em autênticos navios-fábricas (figuras 12 e 13). A pesca local continua a ser praticada por numerosos habitantes de áreas litorais constituindo, na esmagadora maioria dos casos, o principal ganho das famílias. Por isso, restrições que sejam colocadas a estes pescadores são, por norma, mal recebidas e incompreendidas face ao conhecimento empírico que é passado de geração em geração.

Fig.12 – Pesca industrial, o passo para a Fig.13 – Pesca tradicional, o caminho para a insustentabilidade sustentabilidade Fonte – marcotradenews.com Fonte – F. Nestares, praia da Torreira Vários fatores podem sugerir restrições, umas de ordem natural – condições meteorológicas adversas, por exemplo, - outras de ordem económica – como sejam as capturas excessivas – outras, ainda, de ordem política, tal como medidas implementadas no âmbito da PCP – Política Comum das Pescas. Sem dúvida, para além de impedimentos de saída para a faina devido ao encerramento das barras, as medidas da PCP são as que mais têm influenciado o setor pesqueiro nacional. Prevista no Tratado de Roma (1957), a PCP foi se adaptando a novas realidades que conduziram a alterações nos seus objetivos iniciais. Em 1 de maio de 2013, decididos os novos princípios que devem assegurar a política comum das pescas para o século XXI, foi conseguido um acordo sobre o regime de pescas, assente em três pilares principais:

A nova PCP A organização comum dos mercados dos produtos da pesca e da aquicultura O novo Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e da Pesca (FEAMP).

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A nova PCP visa garantir que as atividades de pesca e de aquicultura sejam sustentáveis do ponto de vista ambiental a longo prazo e geridas de um modo coerente com os objetivos de alcançar benefícios económicos, sociais e de emprego.

Das medidas já habituais, a definição anual de totais admissíveis de captura – TAC (medida introduzida em 1983) – continua a ser renovada anualmente. A justificação é a eficácia da sua implementação na gestão dos stocks das espécies sujeitas a capturas excessivas associadas à pesca de arrasto praticada pela pesca costeira e, principalmente, pela pesca longínqua. Ao lançarem as redes e ao capturarem o que fica aprisionado nas malhas sem qualquer critério de escolha, tanto são arrastados adultos como juvenis o que, assim sendo, vai dificultar ou, mesmo, impedir, a sua reprodução. Daí que, uma outra medida, seja a exigência pelo uso da malha adequada ao que se pretende que seja pescado.

Algumas das restrições são motivo de tensões entre os profissionais do setor que praticam a pesca tradicional que, de certo, são os menos responsáveis pelas situações de abuso. Por exemplo, entre nós, a nossa comunidade piscatória local já praticava o chamado defeso da sardinha, isto é, a interdição de pesca por tempo limitado desta espécie de molde a “assegurar a proteção dos juvenis e dos adultos reprodutores”.

A nova PCP aponta, também, para que, cada Estado-Membro

adapte a sua frota às possibilidades de pesca reduzindo, se necessário, o número de embarcações (política de abate de barcos);

dá relevo às pescas de pequena escala considerando o seu reduzido impacto e a importância que desempenha junto das populações locais ao envolver uma numerosa mão de obra e, nesse sentido, define o ano de 2022 como limite para a implementação do regime exclusivo de acesso de 12 milhas para as frotas tradicionais;

valoriza a “aquicultura sustentável com o duplo objetivo de aumentar a produção para abastecer o mercado do peixe da UE e estimular o crescimento nas zonas costeiras e rurais”.

Apesar dos apoios que a PCP disponibiliza aos profissionais dos Estados-Membros, o certo é que, em Portugal, a atividade tem evoluído de forma irregular. As Estatísticas das Pescas de 2015 diz-nos que:

Em 31-12-2015 estavam registados 17 536 pescadores, mais 757 indivíduos face a 2014 (+4,5%). Nas atividades de apanha e pesca apeada sem o auxílio de embarcação, verificou-se um decréscimo do número de licenciados, quer para a apanha de animais marinhos (-4,7%) quer para a pesca apeada (-1,7%)

A frota licenciada em 2015 totalizou 4 188 embarcações (menos 98 licenças face a 2014), refletindo reduções de 3,0% no número de embarcações, 2,7% na arqueação bruta e 2,9% na potência.

Foram abatidas à frota de pesca 158 embarcações, mais 77 unidades comparativamente a 2014. Por outro lado, ocorreram 55 novas entradas em 2015, o que representou um acréscimo na ordem dos 25% face a 2014. Do total de

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embarcações entradas, 24 foram novas construções (43,6% do total). Em 2015 estavam reconhecidas 15 Organizações de Produtores (OP) as quais tinham 1 696 embarcações associadas (1 585 em 2014), correspondendo a 41% do total de embarcações licenciadas em Portugal e traduzindo um aumento de 111 unidades relativamente a 2014.

Em 2015 foram capturadas pela frota portuguesa 194 164 toneladas de pescado, o que relativamente a 2014 representou um acréscimo de 5,6% ...

A Indústria Transformadora da Pesca e Aquicultura em 2014 ... apresentou uma produção conjunta de “congelados”, “secos e salgados” e “preparações e conservas” que atingiu 241 mil toneladas (-2,0% em relação ao ano anterior), tendo sido registadas menores quantidades, sobretudo das “preparações e conservas“, que decresceram 3,9%, mas também dos “produtos congelados” (-2,1%) e dos “secos e salgados” (-0,5%).

O saldo da balança comercial dos produtos da pesca foi deficitário (735,0 milhões de euros, que compara com 659,6 milhões de euros em 2014), tendo-se registado um aumento de 75,4 milhões de euros face a 2014. A taxa de cobertura foi 58,4%, correspondendo a um aumento de 0,2 p.p. em relação a 2014.

As possibilidades de pesca aumentaram 22% em 2015 (+10% em 2014). No conjunto das espécies sujeitas a limitações de capturas, destaca-se o aumento da quota do carapau (+70%; +16% em 2014), da sarda (+37%; +28% em 2014), do verdinho (+32%; +114% em 2014), do biqueirão (+10%), do lagostim (+15%; -10% em 2014) e de tamboril (+13,5%). As quotas do goraz, da pescada branca e dos areeiros diminuíram, relativamente a 2014, 50%, 15% e 39% respetivamente.

Se a pesca e a aquicultura continuam a ter relevo na nossa economia, a atividade portuária readquiriu a importância que já teve no passado. Somos uma economia aberta, dependemos das trocas internacionais e, não, somente, das trocas com os nossos parceiros comunitários. A nossa posição periférica, no passado, terá sido razão para um certo isolamento geográfico com a Europa. A vizinhança com Espanha pautou-se por confrontos frequentes, os Pirinéus eram um obstáculo natural que dificultava as comunicações e, o mar, era o escape natural.

Hoje, já o sabemos, a nossa perificidade é uma vantagem dentro da economia global. 90% das mercadorias são transportadas por via marítima e, Portugal, é uma placa giratória por onde passam embarcações que unem os diversos continentes. Os nossos portos, com destaque para o de Sines, estão de facto nas rotas das autoestradas marítimas globais. Fig.14 - O mundo através do comércio marítimo Na última década, 2005-2014, a evolução do comércio marítimo indica que o comércio de graneis sólidos se destacou de todos os outros com um crescimento na ordem dos 61% seguidos da contentorização que atingiu um crescimento aproximado de 22%. Fonte: jornaldaeconomiadomar.com

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Leiamos esta notícia da LUSA (06/06/2016): Portos crescem até abril e Sines representa 53% da atividade no continente Os portos portugueses movimentaram entre janeiro e abril 29,4 milhões de toneladas, mais 2,3% face ao valor registado um ano antes, com Sines a crescer e a representar já 53% da atividade portuária do continente. Em comunicado hoje divulgado, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) diz que o primeiro quadrimestre registou a "melhor marca de sempre" no conjunto dos portos do continente. "Este resultado do mercado portuário reflete essencialmente o comportamento do Porto de Sines nos tráfegos de carga contentorizada, carvão e petróleo bruto que, apresentando um peso de 40,8% do total de carga movimentada no conjunto dos portos, registaram um acréscimo global de 23,5% face ao período homólogo de 2015" (...) Para o crescimento global contribuiu também o desempenho dos portos de Viana do Castelo e de Setúbal (...). A contrariar a tendência de crescimento surgem os portos de Leixões, Lisboa, Aveiro, Figueira da Foz e Faro, que assinalaram quebras de 4,2%, 15,4%, 12,7%, 9,9% e 16,7%, respetivamente (...). O Porto de Sines reforça assim a liderança dos portos em Portugal continental, com 53%, seguido do porto de Leixões (19,8%), Lisboa (10,9%) e Setúbal (8,6%) (...). Em termos de tráfego global de contentores, o Porto de Sines mantém a posição de líder também neste segmento de mercado, com 52,4% do total de TEU, seguindo-se Leixões, com 26,1%, Lisboa, com 14,6%, descendo 1,6 pontos percentuais, e Setúbal, com 6,1%, mais 0,2 pontos percentuais, acrescenta a autoridade (...). A carga embarcada, com origem no 'hinterland' dos portos comerciais, na qual as exportações assumem um peso importante, registou no 1.º quadrimestre de 2016 ... uma diminuição de cerca de 1,4% face ao período homólogo de 2015. A maioria dos portos registou quebras no volume de carga embarcada, como é o caso de Aveiro (-39%), Lisboa (-20,3%), Setúbal (-9,9%) e Leixões (-8,3%), com apenas Sines e Viana do Castelo a registarem variações positivas, de 16,7% e 12,7%, respetivamente. Quanto ao volume de carga desembarcada com destino ao 'hinterland' dos portos, na qual as importações representam em regra mais de 90%, registou um aumento de cerca 5,1%, ... destacando-se a carga contentorizada, que regista um acréscimo global de 15%.

ICO // CSJ Como se depreende, é enorme a atividade portuária no Continente e é fulcral para as trocas comerciais a existência de boas infraestruturas que facilitem as exportações e as importações que são operadas através dos portos principais.

Temos uma extensa costa – cerca de 850 km– da foz do Minho a V.R de Stº António com uma rede portuária onde se destacam nove portos principais e uma rede de pequenos portos secundários (figura 15).

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(Nota:ARededeAltaVelocidade representadanãochegouaserimplementadaatéaopresente)As estatísticas a que aludimos atrás, o texto que selecionamos e o mapa que consta da Revista Militar nº 2547, abril de 2014, num artigo da autoria do Tenente-Coronel Jorge M. Dias Sequeira “As Teorias Geopolíticas e Portugal” são contributos justificativos do quanto o país deve valorizar as potencialidades que a geografia lhe concedeu: um país pequeno mas tripartido, uma das maiores ZEE com perspetivas de se tornar ainda maior, uma localização privilegiada entre os excessos tropicais e os rigores polares, uma situação periférica ultrapassada pela situação estratégica na encruzilhada entre os diferentes continentes. Tal como podemos extrair, ainda, do artigo que referimos (...) devemos transformar a vantagem comparativa da posição de Portugal em vantagem competitiva no espaço europeu; se por um lado, somos um país periférico ao grande mercado constituído pelo espaço que liga o Reino Unido ao Norte de Itália, passando pelos Países Baixos, França e Alemanha; por outro, possuímos a primeira costa Atlântica da Europa, o “ponto mais perto para os navios que das Américas Orientais ou do Extremo Oriente demandam a Europa”, que será ainda potenciado com a entrada em funcionamento do canal do Panamá redimensionado “aproximando” o nosso país da costa Ocidental do continente americano e do oceano Pacífico (...) A posição geográfica portuguesa é periférica relativamente ao centro da Europa e outras regiões mundiais, mas é central relativamente a mercados de países banhados pelo Atlântico, como por exemplo, o Brasil, Angola, Venezuela, Estados Unidos da América e

Sistema Portuário comercial do Continente

São nove portos comerciais:

Cinco constituem o sistema portuário principal – Leixões, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Sines –, dirigidos por administrações portuárias com o estatuto de sociedades anónimas (SA) de capitais exclusivamente públicos. Os quatro portos secundários são: Viana do Castelo, Figueira da Foz (são SA detidas pelo Porto de Leixões e de Aveiro, respetivamente) e Faro e Portimão, administrados pelo Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM). (MOPTC, 2009).

Fig.15 – Fonte: MOPTC, 2009

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Canadá. (...) Também, pela plataforma continental portuguesa passam importantes rotas de navegação, entre o Norte e o Sul, o Leste e o Oeste; atendendo à profundidade das águas marítimas onde existem bons portos, como o de Sines, com condições para ser um dos mais amplos da Europa, e a ausência de obstáculos à navegação nas zonas costeiras são fatores que podem contribuir para o desenvolvimento do transporte marítimo e dos serviços portuários, capazes de acolher os maiores navios de transporte de mercadorias. A construção de uma linha ferroviária de mercadorias (bitola europeia) que ligue as Plataformas Logísticas nacionais e que se ligue ao centro da Europa, segundo a direção geral: Aveiro/Coimbra, Salamanca, Valhadolid, Irún, Bordéus e Paris, poderia contribuir para tal desiderato (figura 16)

Fig.16 – Sistema Marítimo Global de mercadorias.1 Fonte: Rodrigue 2012

A par da importância que é atribuída aos portos ouve-se com cada vez mais frequência falar de logística. De facto, a quantidade de mercadorias transportadas, nomeadamente, pelos contentores e a interdependência internacional obrigam a uma gestão complexa das cargas transportadas. Embora a evolução do transporte combinado já atinja níveis muito satisfatórios não é possível deslocar matérias primas e produtos de imediato na sua totalidade. Daí que, os espaços de apoio à atividade portuária, comercial e industrial sejam de enorme vantagem para, neste caso, os operadores portuários. Mas, o mesmo, se coloca para todos os outros modos de transporte.

Não será, portanto, de admirar que o governo português tenha previsto uma Rede Nacional de Plataformas Logísticas, ainda não totalmente concretizada, mas que opera já em vários locais (figuras 17 e 18).

1 TEU - Uma Unidade equivalente a 20 Pés (em inglês: Twenty-foot Equivalent Unit ou TEU), é uma medida standard utilizada para calcular o volume de um contentor.

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“Duas plataformas urbanas nacionais localizadas perifericamente às duas principais áreas metropolitanas do País, Porto e Lisboa. Beneficiam da proximidade a nós completos do sistema nacional e internacional de transportes, incluindo o transporte aéreo, têm grande dimensão, e estão particularmente vocacionadas como grandes centros de distribuição; Quatro plataformas portuárias localizadas na imediação dos portos de Leixões, Aveiro, Lisboa e Sines, todas elas polinucleadas ... Quatro plataformas transfronteiriças junto à fronteira com Espanha, localizadas naqueles que são os principais eixos de fluxos com o exterior: Valença, Chaves, Guarda e Elvas/Caia; Uma plataforma regiona, em Tunes, que pretende servir a região do Algarve e estabelecer princípios de equilíbrio territorial no conjunto do país; Dois Centros de Carga Aérea, no Porto e em Lisboa, que complementam as onze plataformas da rede nacional de plataformas logísticas. Têm como objetivo aumentar a capacidade atual de processamento de carga aérea e concentrar as operações num mesmo local, agilizando-as e reduzindo substancialmente os tempos envolvidos”.

Fig.17 _ Rede Nacional de Plataformas Logísticas

Fonte: MOPTC, Portugal Logístico

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No edifício de serviços poderão ser instaladas diversas empresas na área dos serviços aduaneiros, navegação, transitários, bancos, seguradoras, restaurantes entre outras. O edifício de apoio será uma mais valia para os motoristas, que poderão usufruir de cafetaria, lavandaria, vestiários e duches para além de parqueamento para viaturas. O valor desta plataforma logística é potenciado principalmente pela sua localização junto ao Porto de Leixões, usufruindo de todas as mais valias daí decorrentes. Os acessos fáceis e rápidos ao Grande Porto, ao Aeroporto e às principais vias rodoviárias e ferroviárias, são também vantagens relevantes para uma empresa que aqui se instale.

Fig. 18 - Brochura de apresentação da

Plataforma Logística do porto de Leixões. A

localização dos dois polos logísticos foi

pensada em termos de proximidade ao porto

assim como às principais vias de

comunicação. Em baixo, os dois polos em

mais pormenor.

Fonte: apdl.pt

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Falamos dos nossos portos e demos uma ênfase especial à localização estratégica do porto de Sines. Porém, esta de pouco lhe serviria se não oferecesse uma outra caraterística natural essencial: trata-se de um porto de águas profundas. Quais as vantagens? Não está sujeito a assoreamento pelo que permite a acostagem de navios de grande porte como é o caso dos superpetroleiros e dos super porta-contentores (figura 19).

Fig.19 - 395,4 metros de comprimento, 59 metros de largura e carrega o equivalente a 19.220 contentores de 20 pés de comprimento. Trata-se do MSC Zoe, um dos maiores porta-contentores do mundo.

O caso de Leixões é o oposto. O seu “nascimento” deveu-se à impossibilidade do porto da cidade do Porto, localizado no rio Douro, na Ribeira, de receber barcos a partir de um baixo calado em consequência do forte assoreamento fluvial e dos obstáculos rochosos nas imediações da barra.

Quis Deus ou a Natureza que na foz do rio Leça, a meio quarto de légua da costa, se elevasse das águas atlânticas um conjunto de rochedos a que os homens deram o nome de «Leixões» ... Numa costa frequentemente assolada por tempestades e nevoeiros, perigosos dada a existência de abundantes penedias traiçoeiras só visíveis nas vazantes, e que muito contribuíram para o sombrio e nefasto título de «Costa Negra» dado a esta região durante séculos, o refúgio formado naturalmente pela enseada dos Leixões não poderia deixar de escapar à atenção e argúcia dos Homens. ... Porto de abrigo natural que, de facto, durante muitos séculos salvou milhares de vidas de marítimos, mareantes, passageiros e pescadores.... Mas, de porto de abrigo natural Leixões converter-se-á, no final do século XIX, numa gigantesca estrutura portuária artificial. Num dos mais dinâmicos locais onde a Europa encontra e abraça o Atlântico.... Um outro factor, localizado cinco quilómetros mais a sul, ia tendo cada vez mais peso: o poder ser uma alternativa, um abrigo, para os navios, cada vez em maior número, que em determinadas alturas do ano «não podem entrar (n)a Barra do Porto, por seus continuos perigos.»... Com efeito, desde sempre a foz do rio Douro foi um obstáculo particularmente penoso para as embarcações... Uma entrada perigosa, repleta de inúmeros e inesperados penedos, emergentes uns, encobertos outros, provocava repetidos e trágicos naufrágios. ... Por outro lado, o facto do Douro ser um rio de grandes e cíclicas cheias, que impediam a sua navegabilidade durante largos períodos, associado à circunstância de, em contrapartida, a barra se mostrar muitas das vezes bastante assoreada nas épocas restantes, concorria para que o Douro fosse, efectivamente, um porto de grandes perigos e dificuldades para o trânsito marítimo. Tanto maiores quanto se ia registando, igualmente, um progressivo aumento do calado dos navios... A construção do porto artificial de Leixões ... foi com efeito um acontecimento nacional. ... Em Fevereiro de 1895

O maior porta-contentores do mundo chegou

a Sines. “Começou uma nova era” – título

da notícia do semanário Expresso

de 11/08/2015

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estavam dados por concluídos os trabalhos da construção do porto de abrigo. Era no entanto evidente a utili�dade e necessidade de o transformar num verdadeiro porto comercial.... Seriam no entanto os Homens, ou a Natureza pela mão destes, que a partir dos finais dos anos quarenta do século XX condenariam a navegabilidade na foz do Douro. Na origem de tal condição esteve a construção das barragens de aproveitamento hidroeléctrico do rio que, evitando as repetidas e por vezes gigantescas cheias, contribuiu decisivamente para a diminuição da limpeza natural da corrente e para o assoreamento do Cabedelo. E a tonelagem e calado dos navios, em contrapartida, não paravam de crescer...

O Douro, como porto comercial, desapareceria durante as duas décadas seguintes. E até embarcações características, como os barcos rabelos e os rabões carvoeiros, são transformados em elementos turísticos e decorativos.... O desenvolvimento dos transportes aéreos e rodoviários e as profundas transformações socioeconómicas motivadas pela «Crise do Petróleo» no início da década de '70 e pelo «25 de Abril» de 1974 colocaram novos e profundos desafios ao Porto de Leixões. O fim dos mercados coloniais até aí preponderantes. As novas realidades impostas pelo processo de integração europeia. O profundo desenvolvimento técnico e tecnológico dos últimos anos. Tudo isto obrigou a novas respostas e a um acentuado dinamismo que muitos pensariam ser impossível ao já centenário porto. Prova acabada de que não há, neste caso como em todos os outros, um fim da História. Esta continua a fazer-se diariamente. Mesmo quando se trata de uma estrutura que tem na sua base um conjunto de velhos rochedos que, desde há séculos, os homens se habituaram a ver como porto seguro.

Trechos retirados de Joel CLETO - Leixões. Pequena História de um Grande Porto. Porto de Leixões. Fotografias de Domingos Alvão e Emílio Biel. Leça da Palmeira: Administração dos Portos do Douro e Leixões, 1998.

Sanindusa.pt

Terminal de passageiros, a última grande infraestrutura acrescentada ao complexo de Leixões. “O Novo Terminal reúne as condições ideais para acolher a maior parte dos navios de cruzeiros da atual frota mundial, assim como potenciar viagens em turnaround, isto é, viagens com início e fim no porto de Leixões”, uma enorme valia no desenvolvimento turístico da região. Fonte: apdl.pt

Leixões foi construído para colmatar a incapacidade do porto fluvial do Douro continuar a servir as necessidades da região. Assoreamento, cheias irregulares e barra com muitos obstáculos rochosos eram fatores que tinham de ser ultrapassados com um novo porto. Fonte: doportoenaoso.blogspot.pt (imagem do Cais da Ribeira no Porto)

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Do texto de Joel Cleto2 destacamos “porto de abrigo natural”, “inúmeros penedos”, “grandes e cíclicas cheias”, “barra ... assoreada”, expressões que sugerem várias interrogações: quais as caraterísticas da costa portuguesa? Como tem evoluído? Até que ponto os fatores humanos têm interferido no traçado da costa? Que futuro se perpetiva para o litoral português?

Levar-nos-ia longe procurar respostas exaustivas para tais questões. Façamos, então, uma tentativa de traçar o essencial que precisamos para nos esclarecermos.

Que o litoral muda de aspeto não será difícil de verificar a muitos de nós que, porventura, vivamos perto do mar. Basta, num dia de inverno chuvoso e ventoso, passar junto à praia que se frequenta no verão e salta à vista o que o mar é capaz de fazer. O areal modifica-se, os pescadores ficam em terra, há estradas, às vezes, invadidas pelas ondas, aparecem os meios de comunicação a registar as imagens para todos poderem presenciar, surgem as opiniões, principalmente, dos que são mais prejudicados pelas eventuais perdas materiais e, ainda, proliferam os textos que alertam para um drama global, as alterações climáticas.

É, realmente, muita coisa que está envolvida. Para os diretamente prejudicados o assunto parece ser apenas local e, por isso, reclamam-se por soluções locais. Porém, as intervenções humanas nem sempre se revelam corretas. De imediato, pode-se satisfazer anseios. Frequentemente, tempos depois, conclui-se que foi um erro causador de novos problemas. Isto, a propósito de uma outra expressão retirada do texto mencionado “barragens de aproveitamento hidroelétrico”. Reparemos que há penedos próximo à barra do Douro que dificultam o seu acesso, que existiam cheias cíclicas que impediam entradas e saídas da barra mas, também, limpavam as areias acumuladas na embocadura e, com a construção das barragens, o areal do cabedelo aumentou inviabilizando a navegação aos barcos à medida que aumentava o seu calado.

De facto, o litoral tem-se modificado e, em primeiro lugar, por razões meramente naturais. A teoria das placas tectónicas fala-nos da deslocação das massas continentais, a geologia histórica reconstitui, através do estudo das rochas e dos fósseis, o que se passou nos 4,5 milhares de milhões da idade da Terra, a paleoclimatologia confirma que, ao longo das diferentes eras geológicas, houve mudanças significativas.

Estas evidências justificam, por exemplo, e no caso de Portugal continental, que a nossa costa se apresenta ora baixa e rochosa, ora alta e rochosa, ora baixa arenosa, nuns sítios aparecem reentrâncias, noutros proeminências que entram pelo mar de forma altaneira. Porquê?

Porque o tipo de costa vai ser determinado pelo tipo de rocha (resistente ou não resistente à erosão marinha), que, por sua vez, depende da unidade geológica a que a rocha pertence. Rochas duras originam costa alta e rochosa – arribas -, rochas moles ou 2 Arqueólogo, Historiador e divulgador da História e Património.

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detríticas originam costas baixas e arenosas – praias. Acontece que, por força das alterações da temperatura global, ocorreram períodos de glaciação alternando com períodos interglaciários que afetaram diretamente o nível médio das águas oceânicas. Fala-se de movimentos eustáticos do mar e cujos resultados estão dependentes do sentido da variação da temperatura: um aumento do valor médio vai provocar maior degelo, nomeadamente das calotes polares e um avanço do mar em relação à terra, fala-se de transgressão marinha e, naturalmente, de uma redução da área litoral; praias podem desaparecer, ilhas podem ser submersas, cursos fluviais são encurtados e o assoreamento iniciar-se-á mais a montante. Contrariamente, uma descida da temperatura global é acompanhada por uma formação de gelo em maior volume, as calotes polares tornam-se mais espessas e mais extensas, o nível do mar desce e, áreas antes submersas, ficarão a nu; haverá novas praias a formarem-se e arribas que o deixam de ser - arribas fósseis; os rios vão readquirir maior velocidade, vão ter que escavar uma foz mais a jusante e, neste esforço, vão abandonar algumas partes das suas margens constituindo terraços fluviais fluviais. Fala-se, então, de regressão marinha.

Fig. 20 – Os três mapas permitem estabelecer a interação entre unidades geológicas, tipos dominantes de rochas e tipos de costa (da esquerda para a direita: unidades geológicas, carta geológica e tipos de costa).3

3 O mapa com os tipos de costa foi elaborado por Alexandre Cruz, aluno da ES Mouzinho da Silveira, Portalegre.

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Fig.21 – Localização geográfica dos principais acidentes da costa: laguna de Aveiro, na foz do rio Vouga, tômbolo de Peniche onde se localiza o Cabo Carvoeiro e a laguna de Faro, na costa meridional. O conhecimento das caraterísticas naturais da costa é de enorme importância para que se gizem os planos de intervenção humana mais adequados à preservação desta faixa litoral fundamental para o país. Não será por acaso que, entre os muitos planos já elaborados, constem os chamados POOC – Planos de Ordenamento da Orla Costeira. Os POOC são instrumentos de natureza regulamentar da competência da administração central, tem como objeto as águas marítimas costeiras e interiores e respetivos leitos e margens. Os POOC abrangem uma faixa ao longo do litoral, a qual se designa por zona terrestre de proteção, com a largura máxima de 500m contados a partir do limite das águas do mar para terra e uma faixa marítima de proteção até à batimétrica dos 30m., com exceção das áreas sob jurisdição portuária, e identificam e definem nomeadamente:

O regime de salvaguarda e proteção para a orla costeira, com o objetivo de garantir um desenvolvimento equilibrado e compatível com os valores naturais, sociais,

Os movimentos transgressivos e regressivos, mormente os ocorridos no período quaternário, são apontados como agentes responsáveis pela configuração atual da costa portuguesa e, necessariamente, dos principais acidentes da costa: lagunas de Aveiro e Faro e tômbolo de Peniche, os três associados a episódios de deposição de sedimentos em áreas pouco profundas em consequência de regressões marinhas (fig. 21). Podemos, ainda, acrescentar outros fatores como são os casos dos ventos dominantes, do quadrante oeste, e a existência de correntes marítimas, em especial, a corrente de Portugal, um ramo da Corrente Quente do Golfo, que deslisa na direção N-S ao longo da costa ocidental. Mesmo a orientação dos cursos terminais fluviais é geradora, ou não, da abrasão marinha. Reparemos, no mapa da figura 21, que a esmagadora maioria dos rios são discordantes com a linha de costa o que vai favorecer o contacto com o oceano. A uma escala de mais pormenor, podemos, também, verificar configurações muito localizadas que alteram a paisagem pela influência de realidades geológicas ou de disposição do relevo presentes nos sítios em concreto.

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culturais e económicos, com a identificação de atividades proibidas, condicionadas e permitidas na área emersa e na área imersa, em função dos níveis de proteção definidos;

As medidas de proteção, conservação e valorização da orla costeira, com incidência nas faixas terrestre e marítima de proteção e ecossistemas associados;

As propostas de intervenção referentes a soluções de defesa costeira, transposição de sedimentos e reforço do cordão dunar

As propostas e especificações técnicas de eventuais ações e medidas de emergência para as áreas vulneráveis e de risco;

O plano de monitorização da implementação do POOC. Fig.22 - http://www.apambiente.pt/ A existência de nove POOC´s – Caminha –Espinho; Ovar-Marinha Grande; Alcobaça-Mafra; Sintra-Sado; Cidadela-Forte de S.Julião da Barra; Sado-Sines; Sines-Burgau; Burgau-Vilamoura e Vilamoura-Vila Real de Stº.António – é a prova de que a costa não é igual ao longo da sua extensão sendo necessário, logicamente, adaptar cada plano às caraterísticas de cada troço diferente. Quando ouvimos falar das praias que ostentam bandeira azul ficamos, agora, a saber que este galardão é uma garantia não só da qualidade da água como, igualmente, da existência de um conjunto de infraestruturas obtidas com a concretização de medidas previstas nos planos traçados, por exemplo, de um POOC. Como sucedeu, ao longo dos últimos anos, com os investimentos aplicados na costa entre Caminha–Espinho. Infraestruturas de saneamento básico, acessos, parques de estacionamento, demolições e requalificação dos espaços públicos foram realizados valorizando esta faixa litoral sujeita a uma intensa ocupação humana. Aliás, é próprio da análise geográfica fazer uso de observações a diferentes escalas para, por um lado, melhor compreender os fenómenos que estuda, e, por outro, ajudar a intervenções práticas mais eficazes e ajustada às realidades no terreno. As preocupações com os usos mais racionais do espaço público são relativamente recentes no país. Em 1932 surgiu a primeira legislação sobre o ordenamento do território mas sem grandes consequências. Foi preciso esperar por 1975 para que se retomasse este capítulo legislativo. A candidatura de Portugal à então CEE exigiu-nos mais rigor na

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adoção de medidas de planeamento a diversos níveis havendo o risco, já como membro de pleno direito, quando não se cumprissem determinadas metas, de sermos fortemente penalizados, por exemplo, com a suspensão da entrega dos fundos estruturais. Em 1982, por exemplo, foi elaborado o primeiro Decreto-Lei sobre os PMOT – Planos Municipais de Ordenamento do Território. Em 1990 saiu a primeiro Decreto-Lei sobre o Litoral. Hoje, não há município que não tenha em vigor o seu PDM – Plano Diretor Municipal. Depois de décadas de ausência (ou quase) de planeamento e planos, agora há-os para várias áreas e a várias escalas (fig.23). Fig.23 – Esquema retirado da Agência Portuguesa do Ambiente, entidade a quem compete “instituir um sistema de planeamento integrado das águas adaptado às caraterísticas das águas que integram as regiões hidrográficas”. É, de facto, a “Lei da Água ... (que) rege os moldes em que o planeamento e gestão das águas devem ser desenvolvidos”.4 Interessa que retenhamos que, perante planos de âmbito diferente, tem que existir uma sujeição hierárquica. Um plano à escala municipal (local) terá, obrigatoriamente, que se subordinar ao de escala regional e, este, ao de escala nacional. Por exemplo, um PDM terá que, se for o caso, de integrar determinações de um PROT – Plano Regional do Ordenamento do Território, o qual se tem que sujeitar ao PNPOT – Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território.

4 POAAP – Plano de Ordenamento de Albufeiras e de Águas Públicas; POOC – Plano de Ordenamento da Orla Costeira; POE – Plano de Ordenamento dos Estuários; PAPVL – Plano de Ação e Proteção e Valorização do Litoral; PNUEA – Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água; PENSAAR – Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais; PNBEPH – Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico.

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Voltemos à evolução do litoral e à conjugação de fatores que podemos encontrar na cartografia à falta de uma observação direta do local (fig.24). Fig.24 – Carta geológica do município de Vila Nova de Gaia http://www.gaiurb.pt/revpdm/rel/6/6_1.pdf No texto que acompanha a caraterização biofísica do município podemos ler que: As freguesias litorais do concelho ... encontram-se em zonas de areias e cascalheiras de praia, areias de duna e depósitos de praias antigas (que se estendem para o interior). Estes depósitos de praias antigas são constituídos por mantos de calhaus rolados e areias, acompanhados por argilas e assentam em terrenos xistentos . Ao longo do vale do rio Douro, sobretudo nas freguesias de Afurada, Oliveira do Douro, Avintes e Lever, encontram-se importantes terraços fluviais ... em cotas que vão até aos 140 m (10 m em Oliveira do Douro; 113 m em Lever; 123 m em Avintes; e 140 m em Olival ... As areias da foz do Douro constituem uma plataforma que estrangula a saída do rio para o mar e por essa razão torna a barra de difícil navegação.

Trata-se de mais um testemunho do quanto a interface entre a terra e o mar se vai alterando com o tempo geológico e como tal se reflete, também, na rede hidrográfica adjacente. Quando fala de praias antigas, quer-se dizer que, hoje, podem ser formações que não estão em contacto direto com o mar pois, este, ao recuar abandona a antiga zona de depósitos marinhos. Aliás, diz-se, às vezes, que se está perante praias levantadas, camadas arenosas que devem ser preservadas do pisoteio desenfreado de pessoas e veículos pois, frequentemente, apresentam sistemas dunares que, mesmo que consolidados, são facilmente destruídos deixando de funcionar como barreiras naturais aos

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avanços do mar. Ao aludir aos terraços fluviais, uma vez mais, é aos efeitos das oscilações do nível do mar que se vai buscar a explicação para a sua existência.

Mas, como já referimos nalgumas ocasiões, aos fatores físicos associam-se as intervenções humanas que procuram ultrapassar as dificuldades que a Natureza causa, principalmente, à economia dos homens.

Com um litoral bastante retilíneo com poucos abrigos naturais e uma atividade humana intensa, as queixas dos pescadores locais são repetidas inverno após inverno perante as investidas do mar. No entanto, outros agentes exprimem opiniões.

Já falámos da economia azul e quanto devemos apostar nas oportunidades que o mar nos pode oferecer. Apostas como o turismo balnear, o desporto como o surf, o reforço da atividade portuária são exemplos de setores onde ainda há espaço para crescer. Além da atração que o litoral exerce nas populações residentes, o litoral oferece oportunidades de lazer que proporcionam uma procura crescente, aos locais, mas, igualmente, aos estrangeiros que escolhem as nossas praias para as suas férias.

Recuperação das dunas, alimentação artificial das praias, estabilização das arribas, manutenção e construção de esporões e muros de proteção, demolição e remoção de estruturas localizadas em áreas de risco são soluções que têm sido aplicadas para contrariar problemas como o desrespeito pela preservação das dunas em consequência da construção desordenada, a diminuição da quantidade de sedimentos que chegam ao litoral em consequência da construção das barragens e a exploração de inertes (areias) para a construção civil ou a destruição de estruturas por ação dos avanços do mar. Mas, como também, já expressamos, a solução pode ter o seu reverso.

Custos elevados, tanto na construção como na manutenção; impactos negativos no litoral, alteração da estética da paisagem, e, a longo prazo, aumento de risco provocado pelas estruturas, apenas oferecem proteção local e reduzida no tempo quando se constroem esporões e quebras mar. Nalguns casos, tem-se optado pela alimentação artificial das praias. Embora seja uma intervenção menos agressiva para a paisagem, é dispendiosa e repetitiva, principalmente, se, em cada inverno, se verificarem frequentes invasões marinhas com destruição sistemática dos depósitos lá colocados anteriormente. Ultimamente, a comunicação social, tem feito eco de outro tipo de intervenção: a demolição de habitações, muitas delas, construídas clandestinamente e que impedem uma gestão adequada do espaço litoral ameaçado pelo avanço do mar. Mais de 500 pessoas em protesto contra as demolições na Ria Formosa Mais de 500 pessoas concentraram-se hoje na Ilha do Farol, em Olhão/Faro, em protesto contra as demolições das casas consideradas clandestinas na Ria Formosa, exigindo que o processo seja "imediatamente suspenso" pela Sociedade Polis.Ria Formosa O protesto ... juntou os moradores das ilhas do Farol, Culatra e Armona ... Os 137 proprietários da ilha do Farol foram notificados para abandonarem as casas até ao dia 24, estando a posse administrativa pela Sociedade Polis Litoral Ria Formosa, marcada para os dias 27 de Abril e 06 de Maio, prazos entretanto suspensos por decisão

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do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, após análise das providências cautelares apresentadas pelos proprietários (...) um dos argumentos que serão apresentados para travar as demolições, "é o do camaleão", espécie protegida que existe na ilha e que (pode) "ficar em risco, caso as demolições prossigam" (...). O processo de renaturalização da ria Formosa, lançado pelo Ministério do Ambiente, através do programa Polis, prevê a demolição de um total de 800 construções nos núcleos urbanos das ilhas-barreira da Ria Formosa. Os trabalhos começaram em Dezembro, no ilhote dos Ramalhetes e no ilhote de Cobra, e deverão prolongar-se até ao verão, segundo o calendário anunciado inicialmente pela sociedade Polis.

25/04/2015 - Lusa/SOL

Movimento regressa a ações de protesto contra demolições na Ria Formosa O Movimento SOS Ria Formosa/Je suis Ilhéu decidiu voltar a iniciar ações de protesto (...) O Parlamento aprovou na sexta-feira um projeto de resolução do PS que recomenda ao Governo “a requalificação e valorização da ria Formosa” e rejeitou outros dois, do BE e do PCP, que pretendiam travar as demolições nas ilhas barreira. ... O PS sugere na resolução que seja retomada a "filosofia inicial" do Programa Polis Litoral e, ainda, que seja clarificada a natureza jurídica do Núcleo da Ilha da Culatra, "assegurando a manutenção do carácter de ‘dominialidade’ do domínio hídrico e a regularização das edificações existentes, mediante a execução de um plano de intervenção e requalificação".

LUSA/Público - 13/02/2016

Trata-se de um velho dilema quando os interesses em jogo são tão díspares, o que inviabiliza, particularmente, em sociedades democráticas, a aplicação de soluções consideradas necessárias. É um dado adquirido que as alterações climáticas estão a surtir efeito. Sabemos que, face aos conhecimentos atuais, que não se pode impedir a ação da Natureza, mesmo que já tenhamos atingido elevados e sofisticados níveis de tecnologia. É, igualmente, por demais reconhecida a incapacidade que, frequentemente, o cidadão comum tem da noção de risco. Compete, por isso, às autoridades que nos governam, independentemente da cor política, agir de acordo com que técnicos habilitados e cientistas nos apresentam como consequências possíveis caso não se atue no sentido de minimizar os estragos que, repetidamente, ano após ano, se verificam ao longo da nossa costa.

Dir-se-á, mas onde para a defesa dos interesses particulares? Obviamente que devem ser considerados durante a fase de planeamento. Porém, se se concluir que é indispensável executar um plano que trará mais vantagens para o coletivo, é este que deve prevalecer.

O facto de vivermos em democracia não pode significar que o interesse privado deve ser respeitado dogmaticamente. A justiça deve intervir, avaliar e definir indemnizações aos proprietários. Sendo comprovado que determinada habitação é a única que possui o proprietário, as próprias autoridades têm o dever de arranjar uma alternativa. Sucede que, o estar à beira mar é muito apetecível, mas só quando as suas manifestações não são destrutivas. Caso contrário, lá surgem os protestos por falha de atuação atempada.