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REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL E DINÂMICA ECONÔMICA 1 2 Angela Moulin S. Penalva Santos 3 Janeiro, 1998 SUMÁRIO I - Introdução II - Os Impactos da Globalização na Configuração Espacial II.1- A Configuração Espacial em Crise II.2- A Configuração Espacial na Nova Ordem Econômica III - Sistema Urbano Brasileiro III.1 - Crescimento Urbano e Estruturação da Rede Urbana III.2 - Sistema de Cidades no Brasil III.3 - As Funções Urbanas III.4 - A Nova Dinâmica Espacial IV - Referências Bibliográficas 1 Este ensaio é parte integrante dos relatórios de pesquisa do projeto Crescimento Econômico e Desenvolvimento Urbano, desenvolvido na Diretoria de Pesquisas do IPEA pelo Núcleo de Estudos e Modelos Espaciais Sistêmicos - NEMESIS - com o apoio do MCT/FINEP/CNPQ/PRONEX. 2 Trabalho em processo de publicação no periódico (Syn)Thesis. Cadernos do Centro de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 3 Professora Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas - UERJ

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REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL E DINÂMICA ECONÔMICA1 2

Angela Moulin S. Penalva Santos3

Janeiro, 1998

SUMÁRIO

I - Introdução

II - Os Impactos da Globalização na Configuração Espacial

II.1- A Configuração Espacial em Crise

II.2- A Configuração Espacial na Nova Ordem Econômica

III - Sistema Urbano Brasileiro

III.1 - Crescimento Urbano e Estruturação da Rede Urbana

III.2 - Sistema de Cidades no Brasil

III.3 - As Funções Urbanas

III.4 - A Nova Dinâmica Espacial

IV - Referências Bibliográficas

1Este ensaio é parte integrante dos relatórios de pesquisa do projeto Crescimento Econômico e

Desenvolvimento Urbano, desenvolvido na Diretoria de Pesquisas do IPEA pelo Núcleo de

Estudos e Modelos Espaciais Sistêmicos - NEMESIS - com o apoio do

MCT/FINEP/CNPQ/PRONEX.2 Trabalho em processo de publicação no periódico (Syn)Thesis. Cadernos do Centro de

Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.3Professora Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas - UERJ

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I- Introdução

O economista Paul Krugman argumentou recentemente que “uma boa forma de se

entender a economia norte-americana é estudando suas cidades”(1). O mesmo poderia ser

dito em relação à economia de qualquer país, já que, não obstante a forte expansão do

comércio internacional nesta era de economia globalizada, a maior parte da produção de

qualquer país ainda é destinada ao mercado consumidor local. É necessário, pois, analisar

os determinantes da localização da produção no espaço, concedendo especial atenção à

formação do sistema de cidades, locus privilegiado da produção. Interessa-nos, em

particular, discutir o papel de um grupo de cidades, aquelas consideradas de porte médio,

como localização preferencial das atividades econômicas.

O objetivo deste texto é a elaboração de reflexões teóricas sobre a reestruturação

espacial recente, destacando como as transformações da nova ordem econômica vigente

refletem-se no espaço. As novas tecnologias no campo das comunicações, conjugadas com

uma reestruturação produtiva, traduzem-se na possibilidade de um processo de

descentralização espacial dentro do qual a localização da produção nas cidades de porte

médio assume um papel de grande relevo.

Este texto está estruturado em três partes, a primeira das quais constitui-se nesta

introdução. Na segunda parte, discute-se como as transformações na ordem econômica, a

partir dos anos 70, refletiram-se nas distintas formas como se estrutura o espaço: mais

polarizado nas décadas de 50 a 70, enquanto que os anos 80 e 90 presenciaram o início de

um processo de descentralização, ainda que regionalmente concentrado no Centro-Sul do

país. Na terceira parte, focaliza-se a organização do sistema urbano no Brasil. Analisa-se a

formação do sistema de cidades, as funções das cidades distribuidas hierarquicamente,

finalizando com uma reflexão, incipiente, sobre a nova dinâmica espacial em curso na

economia brasileira.

II - Os Impactos da Globalização na Configuração Espacial

A partir de meados dos anos 1980, surgiu um debate sobre a derrocada do modelo de

expansão econômica vigente desde o “boom” do pós-segunda guerra que, àquela altura já

atravessava pelo menos uma década de crise aberta desde a desvalorização do dólar, em

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1971, e das crises do petróleo. A crise fiscal, a inflação e a dificuldade de retomada do

crescimento econômico eram sintomas de uma crise do padrão de desenvolvimento

estabelecido em Bretton Woods, no final da Segunda Guerra.

Os focos de tensão sobre aquela ordem foram tão intensos que muitos analistas se

questionavam se o capitalismo estaria sendo superado ou se ingressava numa nova etapa e,

neste caso, quais seriam os fatores que o distinguiria do paradigma anteriormente vigente

(4). Estaria em curso uma Terceira Revolução Industrial baseada nos avanços da

microeletrônica? Um novo padrão tecnológico estaria baseado nos processos de

“acumulação flexível”(5) ou no “toyotismo”(6), com novas perspectivas para as distintas

regiões geoeconômicas? Estariam as regiões mais comprometidas com o padrão

anteriormente vigente mais sucetíveis a enfrentar uma crise mais grave enquanto que abrir-

se-iam melhores perspectivas para as regiões que ingressariam no desenvolvimento

industrial nesta fase?

II.1- A configuração espacial em crise

A sociedade capitalista industrial desenvolveu, ao longo do século XX, um padrão de

crescimento bastante polarizado. Este foi o resultado não apenas do processo de

concentração característico do capitalismo, mas o produto da utilização de tecnologias que

viabilizavam-se economicamente se aplicadas pelas grandes empresas. Vale dizer,

tratavam-se de tecnologias que permitiam economias de escala, de tal sorte que

estimulavam a monopolização e concentração da estrutura produtiva. A verificação de que

a polarização era resultado da própria dinâmica econômica levou alguns estudiosos a

proporem a intervenção do poder público na organização espacial. Depois da II Grande

Guerra, tornou-se célebre a proposta de Fraçois Perroux de implementação de “pólos de

desenvolvimento” como instrumento de estímulo à economia das regiões deprimidas e,

assim, de superação de desequilíbrios regionais. Muitos países acolheram esta proposta e,

em particular, o Brasil, dos anos 1960 e 1970 (7).

Os principais pressupostos que estavam subjacentes às políticas regionais incluiam,

entre outras, as seguintes premissas: o desenvolvimento concebido como um processo

centrífugo partindo de alguns setores (indústrias motrizes), de alguns centros (pólos de

desenvolvimento), difundindo-se através dos mecanismos de mercado e/ou do apoio da

política de desenvolvimento regional; altas e crescentes taxas de crescimento, o que

permitiria a difusão espacial do desenvolvimento até as regiões menos desenvolvidas;

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baixos custos de energia, transportes e mobilidade, favorecendo o processo de difusão;

idéia de que a tecnologia moderna só se aplica eficazmente no âmbito da grande empresa e

confiança na capacidade do Estado gerar o desenvolvimento através da implementação de

políticas públicas(8).

As políticas baseadas em tais premissas apresentam como principais características a

aplicação de um mesmo modelo de desenvolvimento de crescimento quantitativo

essencialmente derivado do modelo da primeira Revolução Industrial; a desconsideração

de aspectos sociais, políticos e ecológicos da região a se desenvolver e grande confiança

no sistema de grande escala, altamente consumidora de energia.

Hoje, tais características revelam uma falta de flexibilidade em função da petrificação

das instituições frequentemente centralizadas, o que constitui mais um obstáculo do que

um estímulo ao desenvolvimento das regiões. E, ao mesmo tempo, aquelas premissas sobre

as quais repousavam as políticas regionais não têm se verificado desde a eclosão da crise

econômica do início dos anos 70. Assim, esta crise do capitalismo que se desenvolve após

25 anos de expansão que se seguiram ao final da Segunda Grande Guerra gerou uma

ruptura com o padrão de organização espacial até então modelado pela grande empresa (9)

A partir de então ocorreram importantes mudanças na dinâmica econômica, a mais

importante das quais diz respeito ao processo de globalização econômica, limitando a

capacidade de intervenção do Estado via políticas macroeconômicas e de construção do

território ou mesmo tornando inócua as tradicionais políticas de pólos, já que cresceu

notavelmente as possibilidades de deslocalizações dos investimentos. Neste contexto, quais

seriam os contornos da nova configuração espacial e qual o papel do Estado nesta ordem

econômica globalizada?

II.2- A configuração espacial na nova ordem econômica

Após os anos 70, vem sendo articulada uma nova configuração espacial, resultante da

atual dinâmica econômica. Os fatores que contribuem para esta reestruturação espacial

podem ser observados de uma perspectiva macroespacial (os efeitos da “globalização”) e

de uma outra, microespacial (globalização dos mercados conjugada à urbanização da

população).

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A globalização, isto é, o processo de mundialização atual do capitalismo, é um

processo multifacetado, compreendendo transformações nas esferas financeira, comercial,

produtiva e institucional (10). Todas estas faces correspondem a etapas da competição

entre um número cada vez mais reduzido de grandes empresas transnacionais, cerca de 300

mega empresas, segundo François Chesnay. Tais 300 empresas constituem o “mercado”,

entidade nada abstrata e que tem tentado se impor frente ao Estado, enquanto atores

estruturadores da ordem econômica mundial (11).

A globalização na esfera financeira foi o resultado da desregulamentação dos

mercados financeiros mundiais, atraindo volume crescente de recursos da esfera produtiva.

Sua enorme expansão deve ser entendida no âmbito dos avanços tecnológicos nas áreas de

transportes e comunicações. Estas inovações diminuiram o custo e os tempos de

deslocamento espacial , possibilitando a significativa ampliação dos “espaços”(12). Nestas

condições, o mercado financeiro opera em tempo real, em todo o mundo e a todo

momento, aumentando a fluidez e o volume destes capitais, muito sensível a quaisquer

modificações no desempenho econômico das economias nacionais, especialmente no que

se refere ao câmbio. Essas modificações contribuem para aumentar a volatilidade do

capital e de afirmar a sua independência frente a “localizações”, isto é, aumentando as

possibilidades de “deslocalizações”.

A globalização na esfera comercial corresponde ao fenômeno da tendência à

homogeinização das estruturas de demanda e oferta, propiciando ganhos no aumento da

escala da produção, ainda que venha diminuindo o ciclo de vida dos produtos. Constitui

uma das faces da nova ordem econômica mundial baseada, segundo a perspectiva de David

Harvey, na “acumulação flexível”, processo de produção marcado por um confronto direto

com a rigidez do fordismo. Aquela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos

mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento

de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços

financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação

comercial, tecnológica e organizacional. Na verdade, aquele autor defende a tese de que a

acumulação flexível envolve também um novo movimento de “compressão do espaço-

tempo”: os horizontes temporais da tomada de decisões pública e privada se estreitam,

enquanto a comunicação via satélite e a queda nos custos de transportes possibilitam cada

vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço mundializado.

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Esse processo resulta em possibilidades múltiplas de deslocamento das atividades

produtivas, já que, com o aumento da escala de produção (dada a uniformização do

consumo a nível mundial), as empresas podem arcar com o custo (decrescente) de

estabelecer relações de interdependência produtiva em muitas partes do planeta. Neste

contexto, aumenta consideravelmente o comércio mundial realizado intracorporações ou

intersetorial, completamente distinto do comércio internacional típico até meados do

século XX, por exemplo. Este dado deve ser conjugado a outro, correspondente a

concentração dos investimentos externos diretos que, localizam-se no âmbito dos países

que compõem a “tríade” (bloco norte-americano, Comunidade Européia e Japão).

Esse movimento de concentração do intercâmbio intracorporativo e “intratriádico” tem

sido acompanhado de outro, relativo à “regionalização” do comércio internacional. Os três

pólos da tríade apresentaram crescimento, entre 1979 e 1989, nas exportações intra-

regionais no total mundial, especialmente a Ásia, enquanto que, nos demais países em

desenvolvimento, ocorreu o inverso. Na América Latina, aquela participação era de 1,1%

em 1979, mas caiu a 0,5%, dez anos depois, não obstante o aumento observado no seu

comércio intrarregional (13). Trata-se, portanto, de um intercâmbio internacional que

exclui muitos países, retirando-lhes o acesso à poupança externa para que possam financiar

o seu desenvolvimento econômico com o que contribuir para superar seus desequilíbrios

sociais e espaciais.

A globalização na esfera produtiva corresponde ao fenômeno da produção mundial de

um bem para o qual várias economias nacionais contribuiram com diferentes aportes de

insumos. Surge a possibilidade do surgimento e afirmação de uma “indústria global”. Vale

dizer, diante da uniformização dos padrões de consumo e de produção, as empresas

passariam a considerar empresas localizadas em todo o mundo como seus possíveis

abastecedores. A globalização produtiva seria, então, o resultado da competição entre as

empresas com acesso a quaisquer partes do planeta.

Uma abordagem como esta concede ao mercado todo o poder sobre a organização

econômica e, portanto, sobre a espacialização da produção. O poder público é considerado

um agente incapaz de interferir nas decisões de alocação ou na localização dos

investimentos produtivos, ou, se o faz, produz ineficiências alocativas e distributivas,

emitindo sinais equivocados para o mercado. Caso tal abordagem seja aceita, estaríamos

diante da submissão dos Estados frente ao “mercado”. Nestas condições, estaria correto

repetir K.Ohmae (14), para quem está em curso um processo de desaparecimento dos

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Estados Nacionais e do surgimento de novas territorialidades definidas por sua inserção

estrategicamente mais competitiva na economia mundial. Estas novas territorialidades

fariam emergir as chamadas “economias regionais”, ainda utilizando a argumentação deste

autor japonês. Torná-las cada vez mais competitivas a nível mundial envolveria a aceitação

por parte dos Estados Nacionais deste designio do mercado, e a não-interferência nesta

ordem mercantilizada.

Entretanto, Chesnay (15) chama atenção para o fato de que as indústrias não estão

integradas no plano mundial, como sugere a interpretação acima. O que está integrado é o

mercado mundial e em graus sem precedentes na história. As indústrias que estão se

integrando são aquelas que localizam-se dentro da tríade Estados Unidos-Comunidade

Européia-Japão. Quanto às demais regiões, América Latina e África, em particular, vêm

sendo excluídas dos principais fluxos de comércio e de capitais. Apenas alguns pontos

destes dois continentes estariam sendo integrados nesta globalização produtiva, casos da

região sudestina brasileira e da África do Sul.

Outra importante face da globalização envolve a tendência à uniformização das

agendas explícitas de governo, envolvendo uma mesma (des)regulamentação nos distintos

âmbitos das atividades econômicas, ainda que se observem distintas estratégias nacionais

como, por exemplo, a da França frente a da Inglaterra. Esta tendência está relacionada

com a necessidade de harmonização das políticas que afetam o desempenho econômico

cuja unidade de análise relevante vai deixando de ser os Estados Nacionais e passa a ser

constituída de todo o planeta.

É importante considerar, contudo, que apesar desta tendência à uniformização do

mundo, os oligopólios têm na exploração das desigualdades nacionais uma das importantes

fontes de apropriação de lucros na rivalidade oligopolista. Aliás, uma das estratégias desta

competição envolve a capacidade das empresas de “levar a concorrência até as bases da

retaguarda de seus adversários, em particular suas bases localizadas em seus países de

origem”(16). Nestas condições cabe aos Estados Nacionais contribuirem para a

maximização da oferta de fatores locacionais capazes de atrair os investimentos

produtivos, especialmente os investimentos externos diretos - IED. Na disputa pela atração

deste IED, os atributos locacionais a serem considerados não são mais apenas o baixo

custo de fatores e disponibilidade de recursos, consideradas “vantagens comparativas

estáticas”, mas oferta de infra-estrutura, mão-de-obra qualificada e gestão

macroeconômica eficiente e estável, chamadas “vantagens competitivas dinâmicas”.

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Apesar de Krugman (17) ter alertado que não são os os países que competem entre si,

mas, sim, as empresas sediadas nestes países, cabe aos governos nacionais um papel

importatíssimo, isto é, o de estimular vantagens locacionais, o que envolve,

necessariamente, uma política “territorialista”. Vale dizer, uma política de construção de

territorialidades adequadas às necessidades dos investidores e que possam atraí-los para as

áreas em que o mercado não se interesse. Neste contexto, infra-estrutura em transportes e

comunicações assume um papel estratégico fundamental. Se a localização destes

investimentos infra-estruturais fica a cargo da iniciativa privada, esta privilegiará,

naturalmente, algumas áreas nas quais se concentram seus interesses. As demais regiões

poderiam, nestas condições, ver sua atratividade ainda mais reduzida pela comparação com

a oferta de vantagens comparativas daquelas regiões mais dinâmicas. No entanto, todas

estas regiões fariam parte de um mesmo país, cujo governo deveria estar comprometido

com a promoção do desenvolvimento em todas as regiões. A simples observação da

localização da malha ferroviária e da rede de energia do país antes de 1930 constitui prova

cabal do pouco compromisso que o mercado tem com as regiões que estejam fora de sua

área de interesse.

Como conciliar a promoção das vantagens comparativas dinâmicas com o “Estado

Mínimo”? Segundo o já citado K.Ohmae (18), a interferência governamental pode

comprometer o desenvolvimento de uma região que o mercado tenha eleito como

localização preferencial dos investimentos. Assim, as políticas de promoção de uma região

deprimida podem ser inócuas para atrair investidores privados e, ao mesmo tempo, criar

viéses no mercado os quais podem comprometer o desempenho das regiões mais dinâmicas

dentro de um mesmo país. E, no entanto, paradoxalmente, é a própria dinâmica econômica

subjacente à globalização que torna necessária a atuação do Estado, seja para conduzir as

políticas de desregulação, seja para estimular as “vantagens comparativas dinâmicas”.

Neste contexto, ao invés do “Estado Mínimo” estar identificado com um Estado fraco,

aquele deveria ser um Estado menor, porém, forte.

Além destes aspectos macroespaciais, há que se referir aos fatores microespaciais que

também contribuem para o processo de descentralização espacial. A globalização

econômica e a “nova rodada de compressão tempo-distância” (19) trazem ainda alguns

outros impactos na configuração espacial atual. Conforme já discutido, uma das principais

faces do fenômeno refere-se à globalização dos mercados. A homogeinização dos

padrões de oferta e, principalmente, de demanda, abre uma verdadeira “fronteira de novos

negócios” nas economias locais (20). Parte destes negócios refere-se a franquias de marcas

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de produtos e de serviços já estabelecidos nos grandes mercados, mas uma parcela mais

significativa está relacionada à produção local de bens e serviços que antes eram oferecidos

por agentes forâneos ou mesmo nem eram consumidos localmente.

Esse fator deve ser conjugado a outro, que acaba por viabilizar esta diversificada gama

de novos negócios: a geração de deseconomias de aglomeração nos grandes centros

urbanos. Tais deseconomias acabam por contribuir para que parte da população e do

capital que migrariam para as metrópoles, se mantenham nas localidades de menor porte e,

assim, afirmem o potencial das economias locais, criando ali alternativas economicamente

viáveis de sua reprodução.

Ainda mais significativo é o movimento de deslocamento das indústrias desde as

grandes cidades até as cidades médias, onde as empresas podem contar com uma

população grande o suficiente para verem atendidas suas necessidades de mão-de-obra e

de terrenos a custos inferiores aos encontradas nas metrópoles, onde, além do mais,

enfrentavam outros custos inexistentes nas cidades médias, como o congestionamento do

trânsito e a violência urbana. A transformação das tradicionais metrópoles industriais em

centros de prestação de serviços especializados é uma tendência que tem se verificado em

grande parte do planeta (21) Cabe observar, no entanto, que essa descentralização

industrial não tem contemplado igualmente as demais regiões, contribuindo para a

superação dos desequilíbrios regionais, mas, sim, tem resultado numa “descentralização

espacialmente concentrada” como sugere a análise do padrão locacional dos investimentos

referida anteriormente.

Outros fatores devem ser acrescentados como elementos que contribuem para a

tendência à descentralização das atividades econômicas. Um deles é o dinamismo dos

empreendimentos agropecuários. A crescente capitalização destas atividades torna-as

interdependentes com aquelas desenvolvidas no espaço urbano. Além disso, mesmo os

trabalhadores que se dedicam às atividades primárias, dependem dos serviços urbanos

relativos a educação, treinamento e saúde. Nestas condições, ainda que a produção

primária se expanda, este crescimento gera impactos nas atividades urbanas e contribui

para aumentar o grau de urbanização da população. Neste caso, as cidades de menor porte

também se beneficiam, e não apenas as cidades médias, num processo que tende a afirmar

a generalização do modo de vida urbano. Acrescente-se, ainda, o fato de que, com o

aumento da taxa de urbanização e da participação política a nível local, afirma-se uma

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tendência à descentralização na gestão do território, contribuindo para políticas de

desenvolvimento local.

A conjugação dessa gama de fatores permite sustentar que há, pelo menos

teoricamente, uma tendência à descentralização econômica. Esta seria o produto das

formas de apropriação espacial pela atual dinâmica econômica, mas também pela

descentralização na gestão do território. A nova estruturação espacial impõe,

naturalmente, novos papéis às cidades, consideradas elos da cadeia de fluxos que

caracteriza a ordem econômica. Um novo sistema urbano emerge, comandado por um

pequeno grupo de cidades de classe mundial, como Nova York, Tóquio e Londres, ao qual

se ajustam as redes urbanas nacionais. Neste contexto, cabe verificar qual o papel que

cumprem as cidades médias regionais e como podem contribuir para o melhor desempenho

econômico e social das regiões nas quais se inserem.

III- O SISTEMA URBANO BRASILEIRO

As cidades não são uma categoria histórica típica do capitalismo. Na Antiguidade, por

exemplo, existiram muitas e importantes cidades a partir das quais se estabeleceram

impérios, como é o caso notável do Império Romano. Neste caso, o papel das cidades era

eminentemente político, de centros de controle político e militar. Na Idade Média, apesar

da descentralização política e econômica, muitas cidades se destacaram como centros de

comércio, à exemplo de Brugges, na Bélgica, ou tantas outras cidades européias, cujo sítio

geográfico sempre incluia um rio, quando não se localizavam na costa marítima. Nestes

casos, as cidades eram pontos de uma rede comercial mundial que vinha se formando,

especialmente no período final da Idade Média. Sob o capitalismo, contudo, o papel das

cidades é muito distinto.

O capitalismo é um sistema econômico que tende a se expandir territorialmente e

setorialmente, movido por inovações técnicas que aumentam a produtividade do trabalho,

permitindo a geração crescente de um excedente de produção que libera trabalhadores do

serviço no campo ao mesmo tempo que consegue abastecer uma população

crescentemente urbanizada. O desenvolvimento industrial viabiliza, portanto, uma taxa

crescente urbanização da população, ao mesmo tempo que a urbanização estimula o

desenvolvimento industrial pela expansão da mercantilização da produção.

Nos países que se industrializaram no século XIX, quando a população ainda era

principalmente rural, as cidades que foram surgindo correspondiam a centros de

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atendimento das necessidades de circulação da produção agrícola ou de atividades

industriais de pequena escala de produção. O crescimento destas atividades alimentavam a

dinâmica das economias urbanas que, à medida em que iam se tornando mais complexas,

passavam a diversificar suas atividades terciárias para atendimento de suas próprias

necessidades internas. O crescimento econômico e a expansão do número de cidades, com

algumas delas tornando-se centros mais desenvolvidos geraram um aprofundamento da

divisão social e espacial do trabalho, do que resultou na constituição de uma rede urbana

hierarquizada, que deu origem à teoria das localidades centrais.

Nos países de industrialização tardia, já no século XX, a relação entre urbanização e

industrialização foi inteiramente diferente. No Brasil, em particular, a formação de sua rede

urbana correspondeu a distintas formas de inserção da economia brasileira na ordem

econômica mundial, desde “descobrimento”, no século XVI (22). Desde então, e até a

industrialização, neste século, a rede urbana foi muito pobre, constituindo-se de uma

número reduzido de cidades localizadas ao longo da costa do país. Tais cidades estavam

articuladas com as metrópoles européias, destino da produção primária local. A relação

destas nossas cidades com o espaço de produção local era apenas como centro

intermediário até os mercados externos dos produtos de exportação. Estas cidades eram

centros de controle político, religioso e militar utilizados por portugueses para submeter a

colônia brasileira ao Pacto Colonial.

A “cidade colonial” e mesmo a “cidade comercial”(após a independência de Portugal)

no Brasil era estéril, do ponto de vista econômico (23). Ela somente se tornará produtiva a

partir da industrialização, quando assume novos papéis a partir da grande concentração de

população e de atividades econômicas no espaço urbano, gerando a necessidade de

socialização, e, portanto, do barateamento, do seu processo de reprodução. Cabe destacar,

entretanto, que isso se dá num contexto inteiramente distinto daquele vigente nos países já

industrializados, sem que fosse possível intensificar o processo de industrialização “pari

passu” com as transformações econômicas no campo e a urbanização. O resultado foi uma

urbanização muito mais acelerada do que o crescimento do emprego no setor industrial,

implicando um aparente “inchaço” das nossas cidades. Nestas condições, a estruturação de

nossa rede urbana apresentava algumas importantes distinções em relação a dos países já

industrializados. .

III. 1 - Crescimento Urbano e da Estruturação da Rede Urbana

As únicas teorias econômicas de crescimento urbano que receberam atenção geral, se

não aceitação, foram a análise do lugar central e a teoria da base urbana (24). De acordo

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com a teoria da base, uma cidade cresce como resultado da especialização em exportações,

a atividade de exportação é considerada como a fonte de oferta do crescimento econômico

urbano. Nos modelos de base, a economia urbana é tratada como um sistema endógeno e o

investimento é sempre induzido. Esta teoria estabelecia que a população ativa se dividia em

primária, trabalhando nas atividades exportadoras de bens e serviços, e na secundária, que

trabalhava em função das necessidades da própria aglomeração. O crescimento urbano

sempre teria início com o desenvolvimento das atividades básicas. O aumento das

exportações envolveria um aumento dos investimentos que, sob o efeito do multiplicador

keynesiano, multiplicaria a renda urbana.

Nos modelos de lugar central, a principal fonte de crescimento da cidade é a demanda

de mercadorias e serviços em seu interior. Os bens e serviços são divididos entre

superiores e inferiores, sendo que os primeiros referem-se aqueles bens de preço unitário

mais alto, de consumo infrequente e que os consumidores estão dispostos a “viajar” para

mais longe até encontrá-los, como é o caso dos automóveis. Os bens inferiores são aqueles

de baixo preço unitário, de consumo frequente e que devem estar disponíveis próximo aos

consumidores, como pão e alimentos não diferenciados. Os bens inferiores apresentam área

de alcance de mercado muito restrita, enquanto que os bens superiores dependem de um

alcance mercantil maior. As cidades de nível hierárquico mais baixo só oferecem os bens

inferiores para atendimento apenas dos consumidores locais. As cidades vão subindo de

nível hierárquico conforme vão diversificando a oferta de bens e serviços superiores, com

alcance de mercado cada vez maior, isto é, incluindo não apenas ao seu próprio mercado,

mas também os consumidores de um conjunto crescente de cidades. No topo da pirâmede

hierárquica, está situada a cidade que oferece os bens e serviços mais especializados, cujo

mercado corresponde ao conjunto do território de todas as demais cidades.

A Escola de Jena, onde se desenvolveu esta teoria apresenta-a como uma teoria

normativa, no sentido de que, caso fosse necessário reconstruir o espaço, o sistema urbano

hierarquizado seria o mais racional, o que sugeriria que tal abordagem teórica presta-se a

modelos de planejamento, como foi o caso de sua utilização no projeto de Colonização

Dirigida da Amazônia (25). No entanto, cabe observar que, segundo suas formulações

originais, enfatiza-se o fato de as redes hierarquizadas se formam espontaneamente, via

concorrência a que se entregam os estabelecimentos por sua partipação nas áreas de

mercado, o que não foi o caso da ocupação da Amazônia.

De fato, há evidência empírica dando conta da regularidade na hierarquização da

formação da rede de apoio às atividades rurais na China (26). Na Guatemala, por outro

lado, verificou-se que outros fatores, como a infra-estrutura de transportes e a distribuição

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da renda, alheios à concorrência dos preços ao consumidor, teriam influência decisiva na

organização de seu sistema urbano. Não é possível, portanto, deixar de considerar o papel

do poder público que, através de seus investimentos infra-estruturais e mesmo produtivos,

contribui para a redefinição da rede de cidades. Especialmente a partir do desenvolvimento

industrial, as articulações entre a economia urbana e seu entorno territorial teriam de ser

reconsideradas, especialmente em casos, como o do Brasil, onde o Estado constituiu-se

num agente fundamental do processo de transformação de uma economia de base rural e

agrícola em uma outra de base urbano-industrial.

A discussão sobre os determinantes do crescimento urbano, e da estruturação do

sistema urbano hierarquizado deveria tratar de articular as teorias da base e das localidades

centrais. Seria preciso acentuar a interdependência entre as atividades de base e de

comércio e serviços (teoria das localidades centrais) do que conceder excessivo poder

explicativo às exportações como determinantes do crescimento urbano. Uma séria

deficiência da teoria da base é o fato de não ser verdadeiramente constante a relação

atividades básicas/atividades de serviços. Nas grandes cidades, o setor terciário comanda o

processo de formação de renda urbana, com crescente especialização das metrópoles em

serviços de tipo financeiro, publicidade, jurídicos, dentre outros. Quanto maior for a

cidade, quanto maior for o seu nível hierárquico, maior a possibilidade que sua economia

produza um valor maior para o atendimento do mercado local do que para exportação.

Assim, mesmo em casos em que a economia de uma cidade dependa de suas atividades de

exportação em indústrias bens especializadas, como entretenimento, defesa e aeroespacial,

como é o caso em Los Angeles, a maior parte de sua população está alocada em atividades

voltadas para o atendimento das demandas locais (27). Isto significa que aquelas atividades

especializadas - e de exportação-, geram um dinamismo local que sustenta um conjunto

amplo e variado de atividades para o atendimento da demanda local.

Admitir que a maior parte da produção seja para atendimento do mercado doméstico, e

não externo, entretanto, implica considerar a relevância da teoria das localidades centrais

para a identificação das cadeias de fluxos de bens, serviços, informações, capitais, que

circulam através de cidades, estruturadas em redes hierarquizadas. São, portanto, não

apenas válidas, mas sobretudo, úteis as informações contidas em estudos sobre redes

urbanas, como as pesquisas do IBGE sobre regiões de influência das cidades (28). Cabe

destacar, entretanto, que parte destas redes não são formais, mas fluem através dos

mercados informais. Nem todos os bens fluem através do mesmo número de níveis

hierárquicos. A regressividade na distribuição da renda aumenta o alcance dos mercados de

produtos superiores, diminuindo o número de níveis hierárquicos, enquanto que uma renda

distribuida de forma mais igualitária aumenta o número de níveis, bem como o de cidades

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de hierarquia mais baixa. Em suma, ainda é válido utilizar a teoria das localidades centrais

na identificação da rede urbana, mas é preciso qualificar o seu uso, incorporando as muitas

críticas a que a teoria tem sido submetida desde a sua formulação original, na Alemanha

dos anos 30.

III. 2 - Sistema de Cidades no Brasil

A estruturação da rede urbana brasileira foi identificada pelo IBGE (29) pela primeira

vez no final dos anos 60. O marco teórico utilizado nesta pesquisa foi o da teoria das

localidades centrais. Num contexto de intensificação da industrialização e em que a

população urbana brasileira ultrapassava a população rural, a pesquisa contribuiu para

indicar a configuração espacial resultante da dinâmica econômica vigente. Uma década

mais tarde, o mesmo IBGE refez o estudo, constatando um novo nível hierárquico na rede

de cidades brasileiras: tratava-se dos centros submetropolitanos, de segundo nível, com

posição intermediária entre a metrópole regional e a capital regional. Quase 20 anos

depois, o IBGE está finalizando um novo estudo, procurando identificar as transformações

ocorridas no sistema urbano em face das mudanças na dinâmica social, demográfica e

econômica nesta era de economia globalizada.

As alterações na rede urbana brasileira correspondem a ajustes espaciais na dinâmica

econômica, refletindo suas modificações. Nos anos 40, a taxa de urbanização da população

brasileira era de apenas cerca de 30% e as atividades econômicas ainda eram basicamente

rurais. Durante os anos 60, a população urbana superou, pela primeira vez, a população

rural. Este resultado reflete o aprofundamento do processo de industrialização e da

manutenção de uma estrutura fundiária arcaica que expulsava os trabalhadores do campo,

ainda que a cidade não fosse capaz de gerar tantas oportunidades de emprego quanto as

necessárias para assimilar os migrantes oriundos do campo. Conforme observou

argutamente Francisco de Oliveira (30), a industrialização brasileira nunca dependeu das

transformações no campo, tendo se processado apesar do arcaismo vigente nas relações de

produção no campo. Assim, a taxa de urbanização não guardou relação com a

industrialização, mas a ultrapassou, dando origem a uma “crítica anti-urbana” (31).

Segundo esta crítica, as cidades cresciam como “cogumelos”, mas eram incapazes de

sustentar o dinamismo necessário para incorporar os fluxos migratórios produto da

expulsão do campo, os quais, no entanto, demandavam infra-estrutura urbana sem que

pudessem contribuir para o seu financiamento, mantendo-se à margem da economia formal

urbana.

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O crescimento excessivo de algumas metrópoles sudestinas estava relacionado com o

desenvolvimento industrial tardio que, numa economia em que o capital era um recurso

muito escasso, buscava maximizar os benefícios oriundos da localização em áreas onde já

fosse disponível a infra-estrutura urbana e produtiva (32). Nestas condições, a

concentração industrial no sudeste brasileiro resultou num adensamento da rede urbana

onde ela já era maior, isto é, na costa e no centro-sul do país.

A constatação deste fenômeno tornou urgente o estímulo à ocupação do Centro-Oeste

e do Norte do país, em cujo processo, a urbanização seria importante instrumento (33).

Não apenas se tratava de uma questão geopolítica, de afirmação do controle político de

uma parte majoritária do território do país, mas também de incorporar à economia nacional

uma grande fonte de recursos naturais até então pouco explorados economicamente (34).

Ademais, a incorporação daquela região de fronteira de produção permitiria redirecionar

fluxos migratórios que o nordeste arcaico estava expulsando, sem que fosse preciso que o

governo central enfrentasse o projeto politicamente dificil de ser implementado de reforma

agrária. Mais ainda, poderia significar uma expansão da oferta de insumos primários e

produção alimentar que contribuiria para manter sob controle o custo de vida numa

conjuntura de exacerbamento da inflação. É dentro deste contexto que devemos situar a

ocupação da chamada “Amazônia” brasileira, isto é, as regiões Centro-Oeste e Norte ao

longo das décadas de 60 e 70.

Os anos 80 já se iniciaram com o “fechamento” da fronteira amazônica, e, portanto,

com a consolidação da ocupação do território brasileiro. A rede de cidades se adensou

significativamente, expandindo o alcance dos mercados da região mais desenvolvida do

país, o eixo São Paulo-Rio de Janeiro-Belo Horizonte. A população urbana do país já

alcançou uma taxa próxima a 80%, sendo que nas regiões mais desenvolvidas, o índice de

urbanização é ainda maior. A população rural é ainda significativa no Nordeste (39,4%),

onde está relacionada com a pobreza regional. Em alguns estados, ela já é insignificante,

como é o caso do Estado do Rio de Janeiro, com cerca de 4% de residentes rurais.

A generalização da urbanização da população tem nas migrações vigentes na economia

brasileira um componente de fundamental relevância. Se, ao longo das décadas de 40 a 70

os principais fluxos eram originários do campo para as cidades, a partir da década de 80, a

mobilidade da população passou a se constituir de fluxos de tipo urbano-urbano. Ademais,

os fluxos de grande distância, especialmente os provenientes do Nordeste em direção ao

Sudeste, foram substituídos, em importância, pelos fluxos intra-estaduais (35). Esta nova

mobilidade da população brasileira, conjugada à notável queda na taxa de fecundidade,

resultou numa nova estruturação urbana no país: as capitais estaduais nordestina viram sua

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população explodir, enquanto que as regiões metropolitanas, apesar de polarizarem

contingente considerável da população, passaram a crescer mais em suas periferias do que

em seus núcleos.

Desde o Censo Demográfico de 1950 até o de 1991, a urbanização da população pode

ser observada através da multiplicação do número de cidades de pequeno porte (definidas

como aquelas com população inferior a 20 mil habitantes), porém com redução da

participação de sua população no total da população brasileira: os 1745 centros urbanos

contavam com 35,30% da população brasileira em 1950, mas em 1991, apesar do número

destes centros passarem a 3.736, sua participação na população brasileira caiu para o

equivalente a 19,30%. No mesmo período, o número de metrópoles com mais de 2 milhões

de habitantes dobrou de 2 para 4, porém, sua participação na população brasileira

decresceu de 31% para 17,10%. Houve, neste período, um significativo aumento do

número e do tamanho dos centros urbanos com população entre 50 e 500 mil habitantes:

os 23 centros urbanos passaram a 293, sendo que a participação de sua população no total

do país passou de 19,9% para 34,6% (36). Cabe acrescentar, no entanto, que, segundo a

contagem da população que o IBGE realizou, em 1996, observa-se uma reversão do

fenômeno, ainda tímido, da descentralização da população ocorrido nos anos 1980: as

regiões metropolitanas voltaram a aumentar sua participação na população brasileira.

A dinâmica demográfica brasileira vem apontando para um aumento da taxa de

urbanização da população, consolidação das cidades metropolitanas e crescimento mais

intensificado naquela classe intermediária de cidades, com população entre 50 e 500 mil

habitantes, ainda que grande parte de tais cidades situem-se em regiões metropolitanas. A

questão a ser considerada refere-se ao papel que cada classe de cidade cumpre no processo

de desenvolvimento econômico: existem peculiaridades que destaquem as poucas cidades

com população superior aos 2 milhões de habitantes daquelas mais numerosas, com

população entre 50 e 500 mil habitantes?

III. 3 - As Funções Urbanas

Ao longo do processo de ocupação do território brasileiro, a sua configuração espacial

e sua urbanização corresponderam ao papel que suas cidades cumpriam como elos entre

estruturas produtivas locais e os seus principais mercados. As transformações na dinâmica

econômica resultavam em mudanças também na apropriação do espaço, numa tendência à

intensificação da urbanização da população e do aumento do número e tamanho das

cidades.

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Durante os anos 70, antes que a crise do capitalismo mundial se explicitasse em toda

sua plenitude, ainda se alimentava a expectativa de que o poder público pudesse ser o

condutor de uma política de superação dos desequilíbrios regionais que se consolidaram na

grande expansão econômica do pós-segunda grande guerra. Conforme já discutido na

sessão II, as políticas regionais se apoiavam amplamente na capacidade extrativa do Estado

e concediam importante papel à criação de pólos por via administrativa. Aqui no Brasil, a

política de pólos de crescimento foi bastante utilizada, especialmente nas regiões de

fronteira econômica (37). Mas, além dos pólos artificialmente criados, outra alternativa de

política adotada era a do estímulo às cidades médias.

A explosão das cidades do Terceiro Mundo a partir dos anos 60 fez emergir um debate

sobre a suposta “disfuncionalidade” daqueles “cogumelos” em que se transformaram

cidades como México e São Paulo. Apesar de a situação ser pior nos países que só se

industrializaram no século XX, também nos países de industrialização madura, a crítica

anti-urbana vicejava e ganhava adeptos. Na França, por exemplo, (38) a forte polarização

em torno de Paris foi considerada uma situação de desequilíbrio que deveria ser enfrentada

mediante implementação de políticas que estimulassem o redirecionamento dos recursos

produtivos para cidades médias, ditas “metrópoles de contenção”. A suposição era que a

melhor distribuição de população e atividades econômicas seria um instrumento mais eficaz

na disseminação do desenvolvimento econômico, sem incorrer nas deseconomias de

aglomeração (aumento de preço da terra, congestionamento, organização dos

trabalhadores, etc) produzidas nas maiores metrópoles.

Esta mesma suposição esteve subjacente às políticas de concessão de financiamentos

especiais concedidos às cidades médias no Brasil. No âmbito do Banco Nacional de

Habitação foram financiados projetos, com o objetivo de viabilizar a implantação de infra-

estruturas físicas naquelas cidades, de modo a torná-las localizações mais atrativas para os

investidores (39). O êxito desta política poderá ser verificado a partir da observação do

grau de descentralização da atividade econômica dos últimos 20 anos. Isso não significa

admitir que os financiamentos governamentais nas infra-estruturas físicas sejam o principal

determinante da tendência à descentralização espacial da economia. Conforme amplamente

discutido na segunda seção deste trabalho, são muitos os fatores que têm, teoricamente,

estimulado o processo de descentralização espacial.

Entretanto, foi a tentativa de avaliar a eficácia daquela política de concessão de

financiamento às cidades médias no Brasil que moveu o interesse em investigar a dinâmica

deste conjunto de cidades. Um estudo pioneiro foi realizado no final dos anos 70, quando

se definiu o universo das cidades médias como aquelas com população urbana superior a

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50 mil e inferior a 250 mil habitantes (40). Passados duas décadas e, diante da inexistência

de uma linha de investigação profícua em torno deste tema, voltamos a tê-lo como objeto

desta pesquisa, porém, cientes das transformações em curso na dinâmica econômica que

resultaram, inclusive, em novo conteúdo de significados o conceito de “cidades médias”.

A nova dinâmica econômica reflete-se no espaço, resultando na produção de novos

recortes espaciais que mudaram inteiramente o significado do sistema urbano. De acordo

com Santos (41), o sistema urbano brasileiro pode ser caracterizado por dois tipos de

recortes. “De um lado, recriam-se subespaços mediante nova regionalização (...) é a nova

fórmula do velho fenômeno da região. O outro é o relativo à união dos pontos de apoio

das corporações no seu processo produtivo, ligando e relacionando lugares estratégicos de

produção propriamente dita, da comercialização, da informação, do controle, da regulação.

No primeiro caso, onde o espaço é contínuo, trata-se de um recorte horizontal do espaço

total. No segundo caso, o recorte resultante é vertical. No primeiro caso, as tarefas

técnicas predominam, ligadas direta ou indiretamente, ao processo direto de produção. No

segundo caso, são tarefas políticas que predominam, base do processo de regulação da

produção (crédito, informação, ordens) que é, também um processo de regulação do

território, isto é, de seu equipamento e seu uso. Nesse sentido, diremos que a região deixa

de ser um produto da solidariedade localmente tecida, para tornar-se resultado de

solidariedade organizacional”. Ou, nos termos de Lu (42), áreas de influência econômica e

espacial deixam de ser como “as duas faces de Janus”, intensificando-se o relacionamento

mercantil entre as áreas mais dinâmicas do Centro-Sul e as regiões mais longíquas,

tornadas mais facilmente acessíveis pelos novos meios de comunicação e transportes.

Neste processo, a área de influência das economias locais torna-se mais restrita no espaço

em benefício das regiões economicamente consolidadas do sudeste, conforme evidenciou o

estudo do IBGE, Região de Influência das Cidades, realizado em 1978.

A percepção da existência desta “solidariedade organizacional” e da distinção entre

áreas de influência econômica e espacial implicam considerar a estruturação de uma nova

rede de cidades, tendo por líderes algumas cidades de classe mundial. De fato, a

combinação da dispersão espacial com integração mundial liderados por um grupo cada

vez menor de agentes tem contribuído para a assunção de um papel estratégico pelas

principais cidades do planeta. Estas cidades funcionam hoje como postos de comando na

organização da economia mundial; como lugares-chaves e praças de mercado fundamentais

para as indústrias que lideram neste período, financeiras e de serviços especializados para

empresas; e como campos para a produção de inovações nas indústrias. (43)

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As principais funções que definem as cidades mundiais são: a) articulação da economia

nacional com outros centros nodais do sistema global de cidades; b) especialização em

atividades de gerência, de centros de decisão: c) centro financeiro; d) centros de

disseminação de informações e de transportes; e e) pólos de turismo, isto é, localização de

modernos hotéis e indústrias de entretenivmento, aeroportos, museus, centros de

convenção, etc. (44). No topo da hierarquia das cidades mundiais encontram-se Nova

York, Tóquio e Londres. Num segundo nível hierárquico, poderíamos situar São Paulo ou

a Cidade do México.

Apesar de liderar um rede de fluxos mundiais de capitais e informações, mais do que

mercadorias, as cidades de maior nível hierárquico tornaram-se, paradoxalmente, mais

vulneráveis à dinâmica econômica mundial. Willian Tabb (45), por exemplo, observa que

“talvez estejamos presenciando um fenômeno similar ao das “cidades primazes” no

Terceiro Mundo, centros gigantescos que sugam capital e servem como residência para as

elites locais voltadas para o exterior e para os pobres marginalizados”, mas que dependem

do desempenho da economia mundial, já que a reciclagem de títulos constitui uma de suas

funções mais importantes.

A interdependência crescente da economia mundial modificou inteiramente a relação

entre a cidade mundial e as demais cidades hierarquicamente inferiores num sistema urbano

nacional. Até os anos 80, as políticas públicas tendiam a se preocupar com os

desequilíbrios regionais, alocando investimentos nas regiões mais atrasadas. A partir dos

anos 80, contudo, as cidades de classe mundial vêm consumindo mais e mais recursos afim

de adaptá-las às novas condições da economia mundial, na qual as funções de centralidade

mundial demandam recurso para investimentos em infra-estrutura para uma minoria da

população, parte da qual é, inclusive, transitória, ao invés da maioria dos residentes

permanentes.

As cidades mundiais, contudo, não são caracterizadas unicamente pela concentração

das atividades dinâmicas e de controle do capital. Referindo-se a Nova York, Tabb (46)

comenta que “a multiplicação dos sem-teto é um processo social cuja origem,

evidentemente, está no mercado de trabalho e no mercado imobiliário. É a ponta mais

visível do iceberg de um processo de empobrecimento”. Vale dizer, o autor admite que a

metrópole mundial é o “locus” das novas atividades de regulação da produção mundial,

mas convive com a expansão dos excluídos, que se manifesta no número crescente dos

“sem-teto” e de desempregados ou subempregados. No Brasil, o mesmo fenômeno se

traduz no crescimento maior da cidade informal versus a cidade formal, isto é, na

população favelada em relação àquela que vive em moradias regulares.

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É ainda William Tabb quem finaliza a discussão sobre cidades mundiais considerando

que “o discurso sobre a cidade mundial privilegia a reorganização do capital e ignora o

momento subjetivo representado pelas derrotas da coalizão urbana progressista que,

durante os anos 60, tinha logrado que as elites nacionais e locais se responsabilizassem por

grande parte dos custos sociais num grau inconcebível para a maioria dos participantes dos

debates dos anos 80 em Londres, Tóquio e Nova York” (47). Cabe observar, contudo, que

a expansão da taxa de urbanização da população e o fenômeno da “metropolização da

pobreza” (48) vêm tornando inadiável que sejam enfrentadas adequadamente as

necessidades de reprodução dos excluídos metropolitanos. Em particular que a sociedade

seja capaz de refazer aquela “coalizão urbana progressista”, nem que seja para diminuir os

custos da aglomeração metropolitana e criar condições para sua reprodução. Ademais, é

crucial que a descentralização não implique numa “dessolidariedade” entre residentes de

regiões mais ricas e mais pobres, de modo que aqueles deixem de contribuir para o

financiamento das políticas de promoção nas regiões mais pobres, como já vem ocorrendo,

por exemplo, nos Estados Unidos (49).

Discutindo o sistema urbano brasileiro, Milton Santos (50) sugere que o espaço total

brasileiro é atualmente preenchido por regiões agrícolas e regiões urbanas. Segundo este

autor, não se trata mais de “regiões rurais” e de “cidades”. “Hoje, as regiões agrícolas (e

não rurais) contêm cidades; as regiões urbanas contêm atividades rurais”. Isto implicaria

admitir a existência de um “Brasil Agrícola” e um “Brasil Urbano”, sendo que, no

primeiro, o campo é que comanda a vida econômica e social do sistema urbano, sobretudo

nos níveis inferiores da escala, enquanto que nas regiões urbanas são as atividades

secundárias e terciárias que têm este papel. Esta é uma consideração importante, quando

observamos o papel do chamado “agrobusiness” em regiões, como o noroeste paulista ou

o Estado do Mato Grosso do Sul. O papel que as cidades deste “Brasil Agrícola” cumprem

no cadeia de fluxos econômicas é funcionalmente distinta daquelas cidades do “Brasil

Urbano”. Nas primeiras, desenvolve-se uma maior “solidariedade localmente tecida” - uma

expansão regional movida por atividades locais - do que nas últimas, mais passíveis de

desenvolverem maior “solidariedade organizacional” - isto é, representam elos de cadeias

extra-locais de fluxos econômicos -, para nos mantermos no âmbito da abordagem de

nosso geógrafo.

III.4- A Nova Dinâmica Espacial

A caracterização das metrópoles como produtoras de serviços especializados vem

resultando num processo de desindustrialização das mesmas. Conforme indicado por

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Tabb(51), isso está ocorrendo de forma signiticativa em Londres e em Nova York, e

menos em Tóquio. É possível, no entanto, que os investimentos externos diretos de firmas

japonesas no sudeste asiático venham acelerando, ao longo dos anos 90, a função de

controle do capital, típica das cidades de classe mundial também na capital japonesa. No

Brasil, este processo tamabém está em curso. A redistribuição do PIB industrial vem

contemplando uma certa descentralização, ainda que regionalmente concentrada (52). Na

mesma direção apontam os resultados publicados pela Revista Exame, na publicação das

500 Maiores e Melhores Empresas Brasileiras. Lê-se ali que, se entre 1973, das 500

maiores empresas listadas na primeira edição desta publicação, 63,4% tinham sua sede em

São Paulo e 20,2% no Rio de Janeiro, hoje, estes dois estados representam apenas 63,8%.

Este recuo do eixo Rio-São Paulo favoreceu uma crescente participação dos outros

estados sudestinos e sulistas, sugerindo que a descentralização vem se mantendo no âmbito

das regiões Sul-Sudeste.

Nossa principal metrópole, São Paulo, vem sendo objeto de intenso debate sobre as

tendências locacionais à descentralização dos investimentos, considerando a perspectiva de

que sua desindustrialização possa implicar num aprofundamento da crise social. Não há,

contudo, consenso de que essa metrópole esteja se desindustrializando. Segundo a

Fundação Seade, “salvo no setor têxtil, as indústrias instaladas na capital e adjacências não

fecharam, nem se mudaram para outros locais. Os novos projetos é que estão sendo

implantados em regiões alternativas, como o interior do estado” (53).O fenômeno da

descentralização, portanto, está mais relacionado com os novos investimentos e não com a

relocalização de empresas já instaladas.

Verifica-se que o processo de “descentralização regionalmente concentrada” é uma

tendência do padrão atual de desenvolvimento, dados os novos fatores locacionais

considerados mais relevantes: a infra-estrutura e a logística; a qualificação da mão-de-obra

e o mercado consumidor. Isto explica porque, segundo dados da FIESP (54), a partir de

um estudo do BNDES, dos US$ 110 bilhões em investimentos programados para o país

até o ano 2000, 21,5% ainda seriam realizados em território paulista. Cabe destacar,

contudo, que destes recursos, apenas 5% deverão se localizar na capital paulistana.

Esta baixa participação do núcleo da região metropolitana nos novos investimentos não

significa que todo o interior esteja sendo igualmente contemplado com a expansão

industrial. Na verdade, o chamado “transbordamento” da indústria paulista tem limites

espaciais bem limitados, devendo beneficiar principalmente uma região de 47 municípios,

que tem em Campinas seu centro urbano mais importante. Segundo o Balanço da Gazeta

Mercantil, em 1995, 51,79% do produto industrial do Estado de São Paulo foi realizado na

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região metropolitana, enquanto que este índice já fora de 70%, na década de 70, caindo

para 64,01%, na de 80. O interior do estado foi o responsável por essa queda de 13% entre

1980 e 1995, tendo sido a região que absorveu os novos projetos.

Além deste vetor de transbordamento principal, outro que deveria ser mencionado

refere-se à expansão industrial que liga o oeste dos estados de São Paulo e Minas Gerais

(55). Junto com o interior paulista, este eixo apresenta as melhores perspectivas de

crescimento econômico, o que não implica necessariamente a perda de competitividade da

economia fluminense. O Estado do Rio de Janeiro sofreu um esvaziamento econômico

secular, tendo se acentuado nas décadas de 70 e 80. Entretanto, os anos 90 vêm indicando

uma reversão deste quadro de estagnação.

Dados mais recentes, elaborados no IPEA (56), apontam a retomada do crescimento

das economias fluminense e capixaba, muito provavelmente devido à abertura comercial no

país, já que tratam-se de estados que têm na função portuária importante atividade

econômica. A maior inserção no comércio internacional é particularmente relevante para a

economia capixaba, cuja estrutura portuária é considerada como a melhor, no contexto

nacional (57). Nestas condições a expansão do comércio internacional, estimulada pela

abertura econômica econômica, a partir dos anos 90, tem proporcionado perspectivas mais

dinâmicas à economia estadual no Espírito Santo, a qual apresenta um grau de abertura

(em proporção ao PIB estadual) significativamente superior ao do país, ou de qualquer

região do Brasil(58). No que respeita à economia fluminense, além da função portuária que

vem retomando a importância que teve antes do processo de industrialização brasileira,

apresenta disponibilidade daquele “tripé de competividade” - infra-estrutura e logística,

mão de obra qualificada e mercado consumidor -, considerados fatores locacionais

dinâmicos.

A Região Sul, apesar de apresentar uma economia menos dinâmica do que a sudestina,

vem sendo beneficiada com as perspectivas abertas com a formação do Mercosul, o que

que pode ser exemplicado com a forte expansão da economia paranaense que vem

implantando um pólo da indústria automobilística na região metropolitana de Curitiba (59).

O Estado de Santa Catarina também vem consolidando sua função industrial, enquanto que

o Rio Grande do Sul, após décadas de crise, vem retomando seu dinamismo (60). Nestas

condições, a redistribuição das participações estaduais no PIB industrial do país, que vinha

se processando ao longo das décadas de 70 e 80, foi revertida com a nova ordem

econômica e espera-se que o Sudeste e o Sul continuem a polarizar a concentração

industrial vigente no Brasil, ainda que de forma menos concentrada intra-regionalmente.

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Este novo padrão locacional da indústria está claramente relacionado com os custos da

aglomeração metropolitana, os quais os empresários procuram evitar, localizando-se em

cidades menores onde o custo do trabalho é menor, há menor possibilidade de greves, os

custos de congestionamento e violência urbana quando existem, são incomparavelmente

menores do que os vigentes nas grandes metrópoles. A localização nestas cidades acaba

por consolidar um processo de expansão dos investimentos nas infra-estruturas físicas que

confirmam as cidades de porte intermediário como localizações mais atrativas para os

investimentos produtivos. Nestas condições, tais cidades atraem também uma classe de

trabalhadores especializados, mas não qualificados para os serviços típicos da função de

cidade mundial, para a qual a “qualidade de vida” pode ser desfrutada a um custo

compatível com sua renda, mas impossível de arcar com os custos crescentes das

condições de vida nas grandes metrópoles. Esta nova realidade pode ser inferida a partir da

verificação do crescimento do número e da taxa de crescimento das cidades de porte

intermediário, sugerindo uma maior complexidade de sua economia.

Conforme já se esperava, a maior parte das cidades de porte intermediário localiza-se

na região mais desenvolvida do país, isto é, nas regiões Sudeste e Sul do país. Definindo-se

as cidades médias como aquelas cuja população varia de 50 a 500 mil habitantes, verifica-

se que 259, num total de 441 cidades, situam-se naquela região (61). Este fenômeno

sugere a possibilidade de existência de uma relação entre o referido processo de

“descentralização espacialmente concentrada” e o elevado número de cidades de porte

intermediário no Centro-Sul do país, onde se concentra grande parte da produção

industrial do país.

Entretanto, cabe destacar a emergência desta categoria de cidade em todas as demais

regiões, em particular, destacar a existência de 18 destas cidades na recém ocupada região

Centro-Oeste. O notável crescimento econômico desta região está sustentado em

atividades de base primária (62). A constituição de “regiões agrícolas”, conforme a já

referida formulação de Santos (63), envolve a necessidade de estabelecimento de cidades

de porte compatível com as atividades terciárias, relativas à circulação daquela produção,

bem como a prestação de serviços que viabilizem tal produção. O elevado número - 18- de

cidades médias na Região Centro-Oeste, considerada fronteira econômica até a década de

70 (64), sugere que suas funções estejam relacionadas com atividades primárias,

responsáveis pela dinamização da economia regional, ao contrário do que ocorre com o

Centro-Sul, área de ocupação consolidada e que tem na indústria suas atividades “básicas”,

responsáveis pelo crescimento do sertor terciário.

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Verifica-se, assim, que se trata de um fenômeno que vem se generalizando por todo o

país. Contudo, cabe discutir se apenas o tamanho da população urbana, e, em particular, os

limites definidores que estamos utilizando, constituem o melhor instrumento para

classificar as cidades como sendo ou não médias, generalizando os resultados obtidos

como típicos daquela classe de cidade. Uma análise mais apurada deveria incluir outras

classificações que envolvessem a distribuição das cidades de um dado tamanho por níveis

hierárquicos definidos nos estudos que o IBGE realiza sobre o sistema urbano brasileiro;

segundo as cidades sejam ou não capitais de unidades da federação; segundo estejam

dentro ou não de uma região metropolitana; segundo façam ou não parte de uma “região

agrícola”; e, finalmente, se localizam-se nas regiões mais industrializadas e, portanto,

possam se beneficiar do “transbordamento” industrial acima mencionado. No estudo

dentro do qual se insere este artigo, pretendemos analisar o desempenho das cidades

médias, tentando incluir o maior número de elementos que contribuam para definir a sua

dinâmica econômica e a sua inserção na rede de cidades brasileiras, consideradas como a

configuração espacial da da nova ordem econômica na qual se insere o país.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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(5) Harvey, David - op. cit

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(9) Adaylot, P. - op. cit.

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(11) Santos, A.M.S.P. - Globalização e a inserção das economias latino-americanas na

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n.1, UERJ, 1997

(12) Harvey, David - op. cit

(13) Chesnay, F. - op. cit., pg. 231

(14) Ohmae, K. - O Fim dos Estado-Nação. Rio de Janeiro: Campus, 1996

(15) Chesnay, F. - op. cit

(16) Chesnay, F. - op. cit, p.117

(17) Krugman, K. - op. cit.

(18) Ohmae, K. - op. cit

(19) Harvey, D. - op. cit

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(22) Singer, Paul - Economia Política da Urbanização. São Paulo: Brasiliense, 1977.

(23) Singer, Paul - op. cit.

(24) Richardson, H.W. - Economia Regional. Teoria da Localização, Estrutura Urbana e

Crescimento Regional. Rio de Janeiro: Zahar, 1975

(25) Santos, A.M.S.P. - “Urbanização na Fronteira: Um subproduto da política de

colonização?”. Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro: IPEA, 1985

(26) Plattner, S. - Rural Markets Network. Mimeo.

(27) Krugman, P. - op. cit.

(28) IBGE - Regiões de Influência das Cidades. Rio de Janeiro: IBGE, 1966 e 1978.

(29) IBGE - op. cit, 1966.

(30) Oliveira, F. de - “O Estado e o Urbano no Brasil”. In: Revista Espaço e Debates, n.6,

1982.

(31) Singer, Paul - op. cit.

(32) Singer, Paul - op. cit

Oliveira, F. de - op. cit.

(33) Santos, A.M.S.P. - op. cit, 1993

(34) Almeida, A.L.O. - Colonização Dirigida da Amazônia. Rio de Janeiro: IPEA/INPES,

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CNPQ/PRONEX, 1998.

(37) Becker, B. e Egler, C. - op. cit.

(38) Moseley, M. - op. cit.

(39) Schmidt, B.V. - O Estado e a Política Urbana no Brasil. Porto Alegre: Editora da

UFRS, 1983

(40) Andrade, T.A. e Lodder,C.A. - op. cit.

(41) Santos, Milton - op. cit., p.115

(42) Lu, Martin - “Os Grandes Projetos da Amazônia: Integração Nacional e

(Sub)Desenvolvimento Regional?” Mimeo, 1984

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(43) Sassen, Saskia - A Cidade Global. In: Lavinas, L. e Nabuco, M.R. (org) -

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(44) Tolosa, H.C. - “Rio de Janeiro: As A World City”. Rio de Janeiro: Conjunto

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Janeiro. Texto Para Discussão n.3, 1995.

(45) Tabb, W. - op. cit., p. 194

(46) Tabb, W. - op. cit., p. 212

(47) Tabb, W. - op. cit., p.218

(48) Tolosa, H.C. - Pobreza no Brasil: uma avaliação dos anos 80. In: Velloso, J.P.R.(org)

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(49) Reich, Robert - O Trabalho das Nações. São Paulo: Educator, 1994

(50) Santos, Milton - op. cit., p. 65

(51) Tabb, W. - op. cit.

(52) Diniz, C.C. - “Sudeste: Heterogeneidade Estrutural e Perspectivas”. In Rui B.A.

Affonso e Pedro L.B. Silva, op. cit.

Considera, C. et alli - Produto Interno Bruto por Unidade da Federação. Rio de

Janeiro, IPEA/Texto Para Discussão N.424, maio de 1996.

(53)Citado no Balanço da Fazeta Mercantil, relativo ao Estado de São Paulo, setembro de

1977, Ano II, n.2

(54) Citados no Balanço da Gazeta Mercantil, SP, op. cit.

(55) Diniz, C.C. - op. cit.

(56) Considera, C. et alli - op. cit.

(57) Revista Exame, n.650 - Espírito Santo em Exame. São Paulo: Editora Abril, 1997.

(58) Revista Exame, n.650 - op. cit.

(59) Gazeta Mercantil - Paraná - Balanço Anual 1997 Gazeta Mercantil. Agosto de 1997,

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(60) Bandeira, P.S. - “A Economia da Região Sul”. In: Federalismo no Brasil, op. cit.

Gazeta Mercantil - Balanço Anual 96/97. Rio Grande do Sul. Julho de 1996. Ano III.

n.3

Gazeta Mercantil - Balanço Anual 96/97. Santa Catarina. Julho de 1996. Ano

III.n.3

(61) - Andrade, T.A. e Serra, R.V. - op. cit.

(62) Banceira, P.S.- op. cit.

(63) Santos, Milton - op. cit.

(64) Almeida, A.L.O. - op. cit.