Reflexão Carta Encíclica Laudato Si

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CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI, PAPA FRANCISCO, 2015. - Alguns pensamentos do documento pontifício - Geni Maria Hoss 1 A Carta Encíclica é de grande relevância por sistematizar o pensamento ecológico à luz da fé cristã e interpelar os cristãos e todas as pessoas de boa vontade à responsabilidade ética para com o meio ambiente. Em se tratando do meio ambiente, da questão ecológica como tema teológico-pastoral no ambiente cristão, vários documentos e mensagens do Magistério e de Conselhos Pontifícios apresentaram reflexões sobre a questão socioambiental. O Papa Paulo VI, na mensagem enviada ao Secretário Geral da Conferência Internacional das Nações Unidas sobre o Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, falava sobre empenho necessário para salvaguardar a “bonita casa, ordenada no respeito por todas as coisas” (PAULO VI, 1972). É também nesta época que surgiram vozes denunciando as comunidades judaico-cristãs de contribuírem substancialmente, a partir da leitura da Palavra Sagrada, na destruição do meio ambiente. Lynn White (1970), da Universidade da Califórnia, afirma que o poder dado pelo Criador permitiu o uso inconsequente dos bens da natureza. Carl Amery, publica o livro O fim da Providência: As consequências impiedosas do cristianismo (Cf. SATTLER; SCHNEIDER, 2002, p. 15) 2 , no qual sustenta que os cristãos têm responsabilidade pela atual crise ecológica. Em tempos mais recentes, Bernard Stefan Eck, ao fazer a análise crítica dos escritos de Albert Schweitzer sobre a ética pela vida, diz que “pode ser considerado como tragédia da vida de Schweitzer ter de filosofar sob o impacto do lixo do pensar e crer cristãos” (ECK, 2003) . É um tema transversal às diversas religiões, culturas e sociedades e a contribuição de cada segmento para a destruição dos bens comuns hoje e no futuro, só podem ser admitidas a partir do ser e estar no mundo inconsequente, motivado, entre outros, pelas facilidades, pelo hedonismo e pela busca desenfreada do sucesso meramente econômico. 1 Docente e pesquisadora na área de Teologia e Bioética, [email protected] 2 Título original: Das Ende der Vorsehung. Die gnadenlosen Folgen des Christentums. [Tradução nossa]

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Breve reflexão sobre a Carta Encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, 2015. Aborda as problemáticas sobre o meio ambiente, as suas interações socioeconômicas, numa perspectiva de ecologia integral.

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  • CARTA ENCCLICA LAUDATO SI, PAPA FRANCISCO, 2015.

    - Alguns pensamentos do documento pontifcio -

    Geni Maria Hoss1

    A Carta Encclica de grande relevncia por sistematizar o pensamento

    ecolgico luz da f crist e interpelar os cristos e todas as pessoas de boa vontade

    responsabilidade tica para com o meio ambiente. Em se tratando do meio

    ambiente, da questo ecolgica como tema teolgico-pastoral no ambiente cristo,

    vrios documentos e mensagens do Magistrio e de Conselhos Pontifcios

    apresentaram reflexes sobre a questo socioambiental. O Papa Paulo VI, na

    mensagem enviada ao Secretrio Geral da Conferncia Internacional das Naes

    Unidas sobre o Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, falava sobre empenho

    necessrio para salvaguardar a bonita casa, ordenada no respeito por todas as

    coisas (PAULO VI, 1972). tambm nesta poca que surgiram vozes denunciando

    as comunidades judaico-crists de contriburem substancialmente, a partir da leitura

    da Palavra Sagrada, na destruio do meio ambiente. Lynn White (1970), da

    Universidade da Califrnia, afirma que o poder dado pelo Criador permitiu o uso

    inconsequente dos bens da natureza. Carl Amery, publica o livro O fim da Providncia:

    As consequncias impiedosas do cristianismo (Cf. SATTLER; SCHNEIDER, 2002, p.

    15)2 , no qual sustenta que os cristos tm responsabilidade pela atual crise ecolgica.

    Em tempos mais recentes, Bernard Stefan Eck, ao fazer a anlise crtica dos escritos

    de Albert Schweitzer sobre a tica pela vida, diz que pode ser considerado como

    tragdia da vida de Schweitzer ter de filosofar sob o impacto do lixo do pensar e crer

    cristos (ECK, 2003) . um tema transversal s diversas religies, culturas e

    sociedades e a contribuio de cada segmento para a destruio dos bens comuns

    hoje e no futuro, s podem ser admitidas a partir do ser e estar no mundo

    inconsequente, motivado, entre outros, pelas facilidades, pelo hedonismo e pela

    busca desenfreada do sucesso meramente econmico.

    1 Docente e pesquisadora na rea de Teologia e Biotica, [email protected] 2 Ttulo original: Das Ende der Vorsehung. Die gnadenlosen Folgen des Christentums. [Traduo nossa]

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    Esta casa comum est correndo o grande risco de sucumbir e no poder mais

    abrigar a vida. Por isso, nos ltimos anos, a questo ecolgica vinha ocupando

    espao, embora tmido, em documentos pontifcios e mensagens para determinadas

    ocasies como congressos sobre o meio ambiente organizados pelas Naes Unidas

    (ONU) ou em datas relativas ao tema. S para citar alguns, cabe aqui ressaltar a

    mensagem de So Joo Paulo II, em 1. de janeiro de 1990, cujo tema Paz com Deus

    Paz com toda a criao! se tornou como que um lema, cujos desdobramentos

    aparecem em diversas publicaes teolgicas sobre o meio ambiente. Vrios

    pargrafos do Catecismo da Igreja Catlica (1992) se ocupa com a questo da vida

    humana e de todas as formas da vida. O Compndio da Doutrina Social da Igreja

    captulo X: Salvaguardar o meio ambiente - (2004) integra o tema na questo social.

    A Comisso Teolgica Internacional (2004) publicou o documento Comunho e

    Servio, sobre o ser humano imago Dei e lhe atribui a incumbncia dada por Deus de

    ser administrador das coisas visveis.

    louvvel e oportuno que a Igreja tenha um documento, ou seja, a Carta

    Encclica Laudato Si, onde sistematiza de forma ampla e integrada um tema de

    extrema relevncia para os cristos e toda a famlia humana. Louvado sejas, meu

    Senhor, ttulo que remete ao Cntico das Criaturas, indica a viso da casa comum

    pautada no pensamento de So Francisco, que se tornou referncia para diversos

    povos na relao com o as criaturas. A Terra, segundo afirma o Papa Francisco, se

    pode comparar ora a uma irm, com quem partilhamos a existncia, ora a uma boa

    me, que nos acolhe nos seus braos (1). Somos constitudos pelos mesmos

    elementos do planeta e isto nos identifica com todo o ser criado. Alm disso,

    necessitamos das criaturas para existirmos: o ar, a gua, as bactrias ...

    A encclica discorre sobre temas relevantes e convergentes sobre a vida sobre

    os desafios relativos ao cuidado do planeta e suas implicaes na vivncia da f em

    Deus Criador de todas as coisas. Existem interdependncias significativas tanto entre

    as diversas formas de vida bem como entre as diversas dimenses da famlia humana.

    Trata-se de uma abordagem ampla e de mltiplas interpelaes para os cristos e

    toda a famlia humana.

    A Encclica composta por seis captulos, assim distribudos: 1. Confronto

    com a Bblia e a tradio judaico-crist. 2. Raiz dos problemas. 3. Tecnocracia e

    fechamento no ser humano. 4. Ecologia integral. 5. Vida social, econmica e poltica;

    dilogo. 6. Educao. Esta breve reflexo no avalia captulo por captulo, mas aborda

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    pontos relevantes de cada captulo, seguidos sempre do nmero correspondente na

    encclica Laudato Si.

    1 O CUIDADO DA CASA COMUM.

    O cuidado da casa de todos tarefa de todos. Por isso, o Papa Francisco se

    dirige de forma ampla a cada pessoa que habita neste planeta (3). Nesta encclica,

    pretendo especialmente entrar em dilogo com todos acerca da nossa casa comum.

    Para os cristos, o cuidado da criao questo fundamental da f. Retomando o

    pensamento de So Joo Paulo II, o Papa Francisco diz: Os cristos, em particular,

    advertem que a sua tarefa no seio da criao e os seus deveres em relao natureza

    e ao Criador fazem parte da sua f (64). Entende-se que os fiis catlicos so os

    primeiros destinatrios da Carta Encclica Laudato Si e so chamados a assumir com

    maior engajamento a incumbncia confiada pelo prprio Criador, que significa uma

    relao de reciprocidade responsvel entre o ser humano e a natureza (67).

    1.1 ASPECTOS INTRODUTRIOS DA ENCCLICA LAUDATO SI.

    A urgncia socioambiental aponta para uma problemtica comportamental do

    ser humano, para uma deficincia da educao para o cuidado da Terra, pois segundo

    o Papa Francisco crescemos a pensar que ramos seus proprietrios e dominadores,

    autorizados a saque-la (2). E por termos sido destruidores vorazes do meio

    ambiente verificamos que entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-

    se a nossa terra oprimida e devastada, que geme e sofre as dores do parto (Rm 8,

    22) (2). A responsabilidade pelo cuidado socioambiental no tarefa de

    determinados segmentos da sociedade, mas de todos, embora de forma diferenciada.

    No lugar de uma abordagem catastrfica de muitos autores da rea, lemos na

    encclica uma mensagem de esperana, pautada na essncia da f crist, sem,

    contudo, deixar de alertar para a seriedade da questo ecolgica, que no uma

    questo isolada. No podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem

    ecolgica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justia nos

    debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos

    pobres (49). um desafio profundamente entrelaado com a questo social. O

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    cuidado do planeta exige srio comprometimento sustentado pela esperana, o que

    d sentido mudana de rumo. Diz o Papa: A esperana convida-nos a reconhecer

    que sempre h uma sada, sempre podemos mudar de rumo, sempre podemos fazer

    alguma coisa para resolver os problemas (61). O Papa pontua os principais riscos da

    nossa casa comum a serem superados para um mundo mais humanizado e

    harmonioso, nestes aspectos fundamentais que a humanidade precisa tomar um

    novo rumo sob pena de sua prpria extino.

    1.2 URGNCIAS ECOLGICAS.

    Mudanas climticas: Nas ltimas dcadas pesquisadores vem chamando a

    ateno para as mudanas climticas3. A este respeito, diz o Papa Francisco: As

    mudanas climticas so um problema global com graves implicaes ambientais,

    sociais, econmicas, distributivas e polticas, constituindo actualmente um dos

    principais desafios para a humanidade (25). Ele continua: O clima um bem

    comum, um bem de todos e para todos (23). Como bem comum, mais uma vez

    so os mais vulnerveis, os pobres, que sofrem o maior impacto. Aqueles que

    detm mais recursos e poder econmico ou poltico parecem concentrar-se

    sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas (26).

    Considerando os poucos resultados que se tem conseguido at agora, o Papa

    alerta: A falta de reaces diante destes dramas dos nossos irmos e irms um

    sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o

    qual se funda toda a sociedade civil (25).

    A gua: Sobre esta questo, o Papa diz: o acesso gua potvel e segura um

    direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a

    sobrevivncia das pessoas e, portanto, condio para o exerccio dos outros

    direitos humanos (30). A escassez de gua potvel tema de longa data por parte

    do Magistrio, pois atinge especialmente os pobres, desprovidos de condies

    para possui-la, entre outros, pelo risco de privatizao deste bem comum

    fundamental, por causa dos processos de distribuio ampla e justa onerosos e

    insuficientes, pelo excessivo consumo de gua pelos latifndios, pelos

    3 O segundo relatrio do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas), 1995, conclui que h influncia humana no clima.

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    agigantados processos de industrializao para atender as demandas do

    consumismo.

    A biodiversidade: cada ser vivo, cada elemento da natureza tem um valor em si

    mesmo e exerce importante funo na relao com o todo. Nada intil ou ftil,

    cada coisa tem um sentido prprio. Cada elemento merece respeito e cuidado pelo

    fato de existir, porque este existir dado por Deus. O domnio do ser humano

    que nunca absoluto - no pode se arrogar de destruir por interesses prprios o

    que Deus criou com amor e para o amor. Anualmente, desaparecem milhares de

    espcies vegetais e animais que j no poderemos conhecer mais, que os nossos

    filhos no podero ver, perdidas para sempre (33). Uma sociedade egosta e

    consumista faz com que esta terra onde vivemos se torne realmente menos rica

    e bela, cada vez mais limitada e cinzenta, enquanto ao mesmo tempo o

    desenvolvimento da tecnologia e das ofertas de consumo continua a avanar sem

    limites (34). Os avanos tecnolgicos permitem intervenes quase ilimitadas e

    exercem importante funo na destruio da natureza. Mas tambm atravs de

    tecnologias cada vez mais sofisticadas que so resolvidos os problemas criados

    pelo prprio ser humano. Por isso, de acordo com o Papa Francisco, so louvveis

    e, s vezes, admirveis os esforos de cientistas e tcnicos que procuram dar

    soluo aos problemas criados pelo ser humano (34).

    A dvida ecolgica: a diviso do mundo em Norte e Sul, por suas peculiaridades,

    requerem uma relao tica entre estes dois polos. As relaes internacionais

    sempre foram dspares dadas as diferenas especialmente na rea

    socioeconmica. Este fator impacta diretamente sobre as questes ecolgicas e

    implica numa responsabilidade diferenciada no que concerne aos problemas

    ambientais. Existe uma verdadeira dvida ecolgica (51), especialmente em se

    tratando das relaes Norte-Sul. Cada qual tem uma responsabilidade

    concernente aos estragos em funo de seu prprio desenvolvimento.

    Agora, esta terra maltratada e saqueada se lamenta e os seus gemidos se

    unem aos de todos os abandonados, excludos e descartados da sociedade. O Papa

    Francisco reitera e acentua a mudana de rumos, pregada por So Joo Paulo II.

    Todas as pessoas e todas as instncias religiosas e sociais necessitam de uma

    converso ecolgica. A converso ecolgica implica responsabilidade tica e

    compromisso para o cuidado da casa comum. Este apelo nasce da esperana uma

    vez que pressupe que o ser humano ainda capaz de intervir de forma positiva

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    (58), ou seja, em forma de cuidado do meio ambiente. Ou seja, a humanidade possui

    ainda a capacidade de colaborar na construo da nossa casa comum (13). preciso

    saber assumir as prprias condies de ajudar a reconstruir e reconstituir o que foi

    depredado. O reconhecimento da necessidade de mudana e ao um primeiro

    passo para que algo de positivo acontea na relao com o meio ambiente. Nem tudo

    est perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradao,

    podem tambm superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se (205).

    Para o cuidado da casa comum necessrio um amplo e contnuo dilogo

    entre os diversos saberes, entre as religies, entre os diversos segmentos da

    sociedade. O Papa Francisco reconhece o esforo empenhando para encontrar

    solues para as questes ambientais, mas coloca a humanidade diante da realidade

    do que ainda preciso ser feito, o que no possvel sem o dilogo e cooperao de

    todos.

    O Papa questiona: Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-

    nos, s crianas que esto a crescer? (160) Um questionamento que constitui a razo

    da Carta Encclica Laudato Si e, por isso, transversal a todos os temas abordados.

    A resposta complexa dadas as interconexes das diferentes dimenses da vida no

    planeta. A nica forma de vislumbrar um outro mundo passa pela abordagem que

    contemple os desafios das diferentes reas que constituem o trip da

    sustentabilidade: o campo econmico, social e ecolgico.

    2 VIVER EM ALIANA: COMUNHO, RELAES E INTERDEPENDNCIAS

    Deus fez aliana com todo o ser vivente e no h como viver, estar vivo, se

    no for em aliana, o que implica profundas e constantes interdependncias. A

    experincia de ser e estar no mundo se pauta na narrao da criao. O que Deus

    criou bom, mas o ser humano rompe e destri o equilbrio original estabelecido e

    desejado por Deus. Essas narraes [da criao] sugerem que a existncia humana

    se baseia sobre trs relaes fundamentais intimamente ligadas: as relaes com

    Deus, com o prximo e com a terra. Segundo a Bblia, essas trs relaes vitais

    romperam-se no s exteriormente, mas tambm dentro de ns. Esta ruptura o

    pecado (66).

    O pecado ruptura de relaes, destruio dos vnculos em todas as

    dimenses essenciais para se alcanar a plenitude da vida e permitir vida no planeta.

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    A ruptura das complexas e saudveis relaes, no mbito cristo, resulta de uma

    leitura e interpretao equivocada da Sagrada Escritura. Ns, cristos, algumas

    vezes interpretmos de forma incorrecta as Escrituras, hoje devemos decididamente

    rejeitar que, do facto de ser criados imagem de Deus e do mandato de dominar a

    terra, se deduza um domnio absoluto sobre as outras criaturas (67). O ser humano

    chamado a cultivar e guardar (cf. Gn 2,15). Na carta encclica Laudato Si lemos

    que o meio ambiente um bem colectivo, patrimnio de toda a humanidade e

    responsabilidade de todos (95). E ainda sobre o sentido da viso do mundo a partir

    da f crist: O mundo algo mais do que um problema a resolver um mistrio

    gozoso que contemplamos na alegria e no louvor (12). O cuidado incumbido por Deus

    ao ser humano um cuidado desprendido e sempre direcionado para o Criador, pois

    conforme o Papa afirma, o fim ltimo das restantes criaturas no somos ns. Mas

    todas avanam, juntamente connosco e atravs de ns, para a meta comum, que

    Deus, numa plenitude transcendente onde Cristo ressuscitado tudo abraa e ilumina

    (83). Para os cristos, a criao no divindade, mas expresso da grandeza e

    sabedoria do Criador. Nela ele se mostra aos olhos dos que no o podem ver ainda

    face a face. O que invisvel nEle o seu eterno poder e divindade tornou-se

    visvel inteligncia, desde a criao do mundo, nas suas obras (Rm 1, 20).

    2.1 O SER HUMANO E SUA POSIO NA CRIAO.

    A posio do ser humano no do domnio absoluto, contudo preserva uma

    misso e caractersticas que lhe so prprias e o distinguem das demais criaturas. O

    seu ser capaz de Deus, capaz de compreender as coisas e os processos que

    dinamizam a vida, capaz de tomar decises e ser tico, implica usufruir os bens da

    terra necessrios para a vida e a responsabilidade tica pelo cuidado dos mesmos.

    Redimensionar o ser humano do domnio absoluto para uma experincia de vida

    compartilhada com as demais, segundo a encclica, no significa igualar todos os

    seres vivos e tirar ao ser humano aquele seu valor peculiar que, simultaneamente,

    implica uma tremenda responsabilidade (90). Por outro lado, continua o Papa, no se

    trata de uma divinizao da terra, pois ento nos privaria da nossa vocao de

    colaborar com ela e proteger a sua fragilidade. Estas concepes acabariam por criar

    novos desequilbrios, na tentativa de fugir da realidade que nos interpela (90).

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    A comunho, na experincia a partir da prpria Trindade, nos aproxima de

    todas as criaturas de tal forma que podemos lamentar a extino de uma espcie

    como se fosse uma mutilao (89). Antes mesmo dos insistentes apelos dos saberes

    e da sociedade em geral, na vida em aliana, em comunho com Criador e todas as

    suas criaturas, onde esto as razes e a motivao maior do cuidado socioambiental.

    Diz o Papa: Ns e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai,

    estamos unidos por laos invisveis e formamos uma espcie de famlia universal, uma

    comunho sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde (90).

    Aqui se chega a um ponto controverso muitas vezes por falta de uma

    concepo integrativa da vida. Pode-se falar da impossibilidade de amar e cuidar de

    uns e de outros no, pois a mesma experincia de vida e relao tica com a vida.

    O amor e a compaixo por uma determinada forma de vida repercute nas demais. Na

    encclica lemos a este respeito: No pode ser autntico um sentimento de unio

    ntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo no houver no corao

    ternura, compaixo e preocupao pelos seres humanos (91). Um ponto crtico a

    relao tica com os animais. Se de um lado h uma relao conturbada que lhes tira

    a possibilidade de serem tratados segundo as exigncias que lhe so prprias, por

    outro, muitas vezes esto subjugados aos mandos e desmandos que lhes causam

    danos e mortes desnecessrios. O Papa diz: Quando o corao est

    verdadeiramente aberto a uma comunho universal, nada e ningum fica excludo

    desta fraternidade (92). A comunho universal implica a incluso de todas as

    criaturas e fortalecimento de laos de amor e respeito.

    A indiferena ou a crueldade com as outras criaturas deste mundo sempre acabam de alguma forma por repercutir-se no tratamento que reservamos aos outros seres humanos. O corao um s, e a prpria misria que leva a maltratar um animal no tarda a manifestar-se na relao com as outras pessoas. Todo o encarniamento contra qualquer criatura contrrio dignidade humana (92).

    2.2 ECOLOGIA INTEGRAL

    Viver em aliana na prtica supe que se considere as complexas interaes

    das diferentes criaturas e se entenda que tanto o ser individual nico est colocado

    em seu lugar e posio com propsito prprio, mas tambm tem sentido e relevncia

  • 9

    o modo de estabelecer suas relaes com o entorno. No se trata de somar os

    individuais para se formar comunho, pois esta no uma mera somatria de

    indivduos e coisas, mas a forma de se inter-relacionar, ou seja, uma relao de

    amor em todas as direes. Estas interaes so sempre nicas e trazem uma nova

    dinmica para o todo.

    A ecologia integral, como apresentada na encclica Laudato Si, tem como

    propsito avaliar a posio do ser humano no contexto do meio ambiente e suas

    relaes com este meio, ou seja, com palavras do Papa Francisco, uma ecologia

    que integre o lugar especfico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas

    relaes com a realidade que o circunda (23). Embora o ser humano e as demais

    criaturas sejam distintos entre si e com o Criador, esto profundamente unidos e

    interconectados de forma que no se pode ver a natureza como algo separado de

    ns ou como uma mera moldura da nossa vida (139). As relaes humanas no se

    estabelecem apenas com o outro humano, mas tambm com as outras criaturas, ora

    de forma individual, ora em sociedade. Portanto, tambm os ambientes coletivos

    sociais e culturais integram o nosso emaranhado de relaes. Desta forma afetam

    todas as nossas aes cotidianas. Se tudo est relacionado, tambm o estado de

    sade das instituies duma sociedade tem consequncias no ambiente e na

    qualidade de vida humana: toda a leso da solidariedade e da amizade cvica

    provoca danos ambientais (142). As interaes entre humanos passam pelas

    instituies e organizaes que os representam e se propem engajar pelos

    interesses comuns. Continua o Papa:

    A ecologia social necessariamente institucional e progressivamente alcana as diferentes dimenses, que vo desde o grupo social primrio, a famlia, at vida internacional, passando pela comunidade local e a nao. Dentro de cada um dos nveis sociais e entre eles, desenvolvem-se as instituies que regulam as relaes humanas (142).

    Ecologia integral refora as interaes das esferas econmicas, sociais e

    ambientais, dimenses que constituem o trip da sustentabilidade. No h duas

    crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma nica e complexa crise

    socioambiental (139). A concepo de ecologia integral e integradora est

    profundamente interconectada com a noo de bem comum. O comprometimento

    com as questes sociais a opo preferencial pelos pobres uma exigncia

  • 10

    tica fundamental para a efectiva realizao do bem comum (158). Numa

    sociedade onde as estruturas socioeconmicas geram sempre mais pessoas

    privadas de condies econmicas, de direitos fundamentais so facilmente

    descartadas, preciso mais do que regulamentaes, um compromisso srio e

    contnuo em prol de uma sociedade mais justa e solidria.

    O que est na raiz do cuidado, para o cristo, o sentido que lhe dado pela

    f. Trata-se de um chamado para cuidar de todas as criaturas segundo as leis inscritas

    pelo Criador, que confere a cada espcie um modo prprio de ser e estar no mundo.

    Precisamente pela sua dignidade nica e por ser dotado de inteligncia, o ser humano

    chamado a respeitar a criao com as suas leis internas, j que o Senhor fundou a

    terra com sabedoria ( Pr 3, 19) (69).

    3 DESAFIOS ECOLGICOS E DISCPULOS MISSIONRIOS ECOAMIGVEIS

    Para formar discpulos missionrios ecoamigveis preciso entender a causa

    e a extenso da atual crise. No possvel separar os campos acima mencionados,

    mas preciso delinear cada dimenso para estabelecer critrios e prioridades para

    que uma soluo seja possvel. A anlise da atual situao, conforme apresentado na

    encclica permite individuar no apenas os seus sintomas, mas tambm as causas

    mais profundas (15).

    3.1 O PARADIGMA TECNOCRATA - ANTROPOCENTRISMO EXACERBADO.

    A tecnologia abordada de forma incisiva pela sua relevncia na atualidade.

    As novas tecnologias, cujo desenvolvimento muitas vezes ultrapassa a capacidade de

    assimilao do ser humano, invadem amplos espaos da vida cotidiana tanto no

    recinto privado e familiar bem como em nvel de sociedade local e global. De um lado,

    reconhece-se a sua contribuio para a melhoria das condies de vida, de outro, so

    apontados os problemas que dela derivam quando usadas de forma inconsequente,

    ou seja, quando o bem do ser humano e de outras formas de vida so excludas.

    Em se tratando dos avanos tecnolgicos, em princpio

    justo que nos alegremos com estes progressos e nos entusiasmemos vista das amplas possibilidades que nos abrem estas novidades incessantes,

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    porque a cincia e a tecnologia so um produto estupendo da criatividade humana que Deus nos deu (102).

    A par das possibilidades que se abrem com as tecnologias, elas concedem

    poderes antes desconhecidos. O alcance de tais poderes muitas vezes imprevisvel.

    Uma anlise apurada demonstra a problemtica deste empoderamento tecnolgico

    quando no orientado para o bem-estar do ser humano e de todas as formas de vida

    e seu entorno. Os grandes problemas surgem quando se exclui o ser humano e

    quando se pretende usar as novas tecnologias como nico meio para resolver

    problemas de magnitude global atravs de aes pontuas e desconectadas. O Papa

    alerta: Na realidade a tecnologia, que, ligada finana, pretende ser a nica soluo

    dos problemas, incapaz de ver o mistrio das mltiplas relaes que existem entre

    as coisas e, por isso, s vezes resolve um problema criando outros (20). A

    tecnologia exclusivamente a servio de uma economia que no tem o ser humano e

    todas as formas de vida como centro traz consequncias deplorveis, pois se torna

    como que uma mquina de gerar sempre mais excludos e descartados da sociedade.

    O grande poder reinante hoje, mediante o qual se inclinam tambm as grandes

    potncias mundiais, como pases ou blocos, a economia empoderada e qualificada

    pelas vantagens das novas tecnologias no intuito de lucros sempre maiores, mais

    fceis e mais rpidos. Sobre esta problemtica, o Papa Francisco lembra: A aliana

    entre economia e tecnologia acaba por deixar de fora tudo o que no faz parte dos

    seus interesses imediatos (54). No se pode ignorar que aqueles que detm o poder

    e o conhecimento, de acordo com o Papa, exercem um domnio impressionante sobre

    o conjunto do gnero humano e do mundo inteiro (104). A explorao da natureza e

    das populaes mais vulnerveis ainda mais voraz com o uso inconsequente das

    tecnologias visando apenas lucros fceis e gigantescos, sem considerar as

    necessidades humanas e do planeta. A lgica da dominao tecnocrata hoje um

    dos maiores desafios. O domnio tecnocrtico deteriora e destri a economia e poltica

    fazendo com que as instncias de promoo da pessoa e da sua rede social agora

    so questionveis. O Papa Francisco diz neste contexto: O paradigma tecnocrtico

    tende a exercer o seu domnio tambm sobre a economia e a poltica (109). A

    autorregulao do mercado como se espera em pases democrticos no acontece,

    pois regulado por dinamismos adversos ao bem-estar da pessoa, da sociedade e

    do planeta.

  • 12

    Uma das questes cruciais quando se trata de analisar os desafios relativos

    ao meio ambiente e as interconexes com as outras reas a posio do ser humano

    no todo da criao e sua misso a partir do lugar que ocupa como ser pensante e

    capaz do agir tico. O excesso de antropocentrismo leva o ser humano a concentrar-

    se demasiadamente em si prprio e no poder que presume ter. E do exerccio deste

    poder nasce a lgica da dominao, do descartvel tanto em relao ao ser humano

    como todos os bens da natureza. Uma lgica que leva escravido e ao abandono

    das periferias da vida. esta mesma lgica que est atrs do comrcio e trfico de

    animais (cf. 123).

    Entre as dimenses da vida humana imprescindveis para uma ecologia

    integral o complexo mundo do trabalho como fator de dignificao e da promoo

    da pessoa. No entanto, os atuais paradigmas no mundo da economia e,

    consequentemente na poltica a ela submissa, o trabalho regido muitas vezes por

    processos de explorao, tirando-lhe a dimenso de ser um espao de

    autorrealizao e criatividade humana. Em qualquer abordagem de ecologia integral

    que no exclua o ser humano, indispensvel incluir o valor do trabalho (124). O

    trabalho geralmente relacionado com a sobrevivncia, bem-estar e possibilidade de

    enriquecimento. No entanto, na perspectiva crist, no se pode esquecer da

    incumbncia dada por Deus de cuidar do jardim e o domnio que, na verdade,

    participao dos processos de vida no planeta.

    Na realidade, a interveno humana que favorece o desenvolvimento prudente da criao a forma mais adequada de cuidar dela, porque implica colocar-se como instrumento de Deus para ajudar a fazer desabrochar as potencialidades que Ele mesmo inseriu nas coisas: O Senhor produziu da terra os medicamentos e o homem sensato no os desprezar ( Sir 38, 4) (124).

    Um desafio a mais na relao com a casa comum o reconhecimento dos

    limites do progresso. Este aspecto levanta sempre mais questionamentos sobre a

    responsabilidade tica na interveno do ser humano na natureza.

    Contemplando o mundo, damo-nos conta de que este nvel de interveno humana, muitas vezes ao servio da finana e do consumismo, faz com que esta terra onde vivemos se torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta, enquanto ao mesmo tempo o desenvolvimento da tecnologia e das ofertas de consumo continua a avanar sem limites (34).

  • 13

    uma questo complexa, mas que deve ser encarada com responsabilidade.

    A explorao econmica da natureza muitas vezes vem acompanhada de projetos

    pontuais e desconexos como forma de justificar a interveno inconsequente. Em

    todos os lugares e na sociedade global no h polticas que preservem a natureza no

    seu curso de autorregenerao. A posse sempre mais ampla de terras com auxlio

    das mais avanadas tecnologias geram pobreza e excluso de muitas pessoas antes

    ocupados em pequenas propriedades, de cultivo ecologicamente equilibrado e, na

    maioria das vezes, e intervm de forma negativa na biodiversidade no conjunto de

    ecossistemas, essenciais para a vida do planeta (cf. 134ss). Por isso, o Papa

    conclama:

    preciso assegurar um debate cientfico e social que seja responsvel e amplo, capaz de considerar toda a informao disponvel e chamar as coisas pelo seu nome. s vezes no se coloca sobre a mesa a informao completa, mas seleccionada de acordo com os prprios interesses, sejam eles polticos, econmicos ou ideolgicos. Isto torna difcil elaborar um juzo equilibrado e prudente sobre as vrias questes, tendo presente todas as variveis em jogo. necessrio dispor de espaos de debate, onde todos aqueles que poderiam de algum modo ver-se, directa ou indirectamente, afectados (agricultores, consumidores, autoridades, cientistas, produtores de sementes, populaes vizinhas dos campos tratados e outros) tenham possibilidade de expor as suas problemticas ou ter acesso a uma informao ampla e fidedigna para adoptar decises tendentes ao bem comum presente e futuro (135).

    3.2 PISTAS DE AO EDUCAO SOCIOAMBIENTAL.

    O grande desafio da Igreja e da sociedade como um todo tornar realidade

    as urgncias socioambientais, deduzidas a partir da atual situao socioambiental.

    preciso identificar caminhos concretos para que as mudanas necessrias

    aconteam. Segundo o Papa Francisco, no haver uma nova relao com a

    natureza, sem um ser humano novo (118). Por este motivo, no se pode separar o

    reconhecimento da necessidade de mudanas com a formao consistente e

    permanente dos cristos, dos discpulos missionrios ecoamigveis. A anlise precisa

    necessariamente virar proposta. E a proposta precisa encontrar eco em pessoas e

    instncias de gesto dispostas a torna-la realidade. No ambiente particular, mas

    especialmente em nvel global onde os grandes desafios devem estar na ordem do

    dia, a resposta aos apelos em prol da vida no planeta fraca e insuficiente.

  • 14

    Preocupa a fraqueza da reaco poltica internacional. A submisso da poltica tecnologia e finana demonstra-se na falncia das cimeiras mundiais sobre o meio ambiente. H demasiados interesses particulares e, com muita facilidade, o interesse econmico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informao para no ver afectados os seus projectos (54).

    Para o Papa importante que se encontrem caminhos concretos amplos, pois

    precisamos de polticas internacionais e locais que nos ajudem a sair da espiral de

    autodestruio onde estamos a afundar (163). A prpria encclica pretende ser uma

    importante contribuio para que se chegue a uma prtica coerente e eficaz no

    cuidado do meio ambiente. A Igreja no pretende definir as questes cientficas, nem

    substituir-se poltica, mas convido a um debate honesto e transparente para que as

    necessidades particulares ou as ideologias no lesem o bem comum (188). O dilogo

    e transparncia so fundamentais para que os projetos sejam efetivamente

    inofensivos ao meio ambiente, ou mais ainda, sejam benficos medida que o

    impacto ambiental seja de carter positivo.

    A previso do impacto ambiental dos empreendimentos e projectos requer processos polticos transparentes e sujeitos a dilogo, enquanto a corrupo, que esconde o verdadeiro impacto ambiental dum projecto em troca de favores, frequentemente leva a acordos ambguos que fogem ao dever de informar e a um debate profundo (182).

    Aps vrias tentativas de acordos internacionais sobre polticas e aes em

    prol do ambiente, cabe tambm uma chamada para a responsabilidades das

    lideranas polticas. Um outro mundo somente possvel se cada um faz sua parte,

    mas tambm se as autoridades adotarem novos critrios e saibam se contrapor s

    presses vindas de segmentos com interesses manifestos adversos ao cuidado do

    bem comum.

    Para um poltico, assumir estas responsabilidades com os custos que implicam no corresponde lgica eficientista e imediatista actual da economia e da poltica, mas, se ele tiver a coragem de o fazer, poder novamente reconhecer a dignidade que Deus lhe deu como pessoa e deixar, depois da sua passagem por esta histria, um testemunho de generosa responsabilidade. Importa dar um lugar preponderante a uma poltica salutar, capaz de reformar as instituies, coorden-la e dot-las de bons procedimentos, que permitam superar presses e inrcias viciosas (181).

    Alm dos grandes programas globais cabe uma participao efetiva da gesto

    local. Em nvel local as responsabilidades se disseminam at alcanar cada ser

  • 15

    humano, cada cristo. A aco poltica local pode orientar-se para a alterao do

    consumo, o desenvolvimento duma economia de resduos e reciclagem, a proteco

    de determinadas espcies e a programao duma agricultura diversificada com a

    rotao de culturas (180).

    Uma reao altura dos atuais desafios socioambientais comea por uma

    educao slida e permanente que resulte numa mudana de estilo de vida. Este novo

    estilo requer um grande processo educativo, pois, segundo o Papa francisco, no

    haver uma nova relao com a natureza, sem um ser humano novo (118). No se

    trata de mudar aspectos parciais da vida, mas de mudar um modo de estar no mundo.

    O sistema normativo (53) sugerido pelo Papa Francisco extremamente importante,

    pois necessrio que se estabeleam os limites necessrios e aes proativas de

    proteo aos ecossistemas. No entanto, uma mudana de paradigmas no se impe

    s por regulamentaes. Por isso, a dedicao de amplo espao da encclica

    educao. Um novo modo de pensar e agir uma cultura do cuidado implica uma

    adeso da pessoa como um todo. Trata-se de promover um novo comportamento que

    tenha na sua base o conhecimento e reconhecimento de tudo o que implica cuidar de

    todas as formas de vida e de todo o planeta, ou seja, sua fundamentao e seu

    sentido.

    Um novo modelo, um novo modo de estar no mundo, concorrem com os

    constantes apelos de uma sociedade do consumo, do conforto e onde prevalece o

    hedonismo. As necessidades criadas e sugeridas pelo sistema vigente requerem uma

    sempre maior explorao do ambiente. Da a importncia de uma educao

    fundamentada em valores consistentes e convincentes.

    A educao ser ineficaz e os seus esforos estreis, se no se preocupar tambm por difundir um novo modelo relativo ao ser humano, vida, sociedade e relao com a natureza. Caso contrrio, continuar a perdurar o modelo consumista, transmitido pelos meios de comunicao social e atravs dos mecanismos eficazes do mercado (215).

    Requer-se, portanto, uma autntica converso ecolgica, pois a crise

    ecolgica tambm uma crise cultural. O desafio de mudar hbitos e comportamentos

    implica num processo contnuo e no em fragmentos pontuais. Por isso, envolve todas

    as instncias educacionais desde a escola, a famlia, os meios de comunicao, a

    catequese (213).

  • 16

    O Papa Francisco sugere aes cotidianas que em seu conjunto fazem a

    diferena e transforma cada cristo, cada cidado partcipe de um mundo novo

    possvel.

    A educao na responsabilidade ambiental pode incentivar vrios comportamentos que tm incidncia directa e importante no cuidado do meio ambiente, tais como evitar o uso de plstico e papel, reduzir o consumo de gua, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poder comer, tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes pblicos ou partilhar o mesmo veculo com vrias pessoas, plantar rvores, apagar as luzes desnecessrias Tudo isto faz parte duma criatividade generosa e dignificante, que pe a descoberto o melhor do ser humano. Voltar com base em motivaes profundas a utilizar algo em vez de desperdiar rapidamente pode ser um acto de amor que exprime a nossa dignidade (211).

    Uma mudana de estilo de vida no se reduz ao controle do modo de consumo

    prprio, mas inclui tambm o exerccio da cidadania, ou seja, o empenho para exercer

    uma presso salutar sobre quantos detm o poder poltico, econmico e social (206).

    O consumidor cria as demandas, por isso pode e deve promover, por esta fora que

    lhe prpria, a mudana do comportamento das empresas, forando-as a

    reconsiderar o impacto ambiental e os modelos de produo (206).

    Consideraes Finais

    Ele deu uma ordem e tudo foi criado Ele fixou tudo pelos sculos sem fim e

    estabeleceu leis a que no se pode fugir! (Sl 148, 5b6).

    O apelo maior para os cristos reconhecer as demais criaturas com um fim

    prprio, com suas peculiaridades e exigncias prprias. Estas caractersticas que so

    prprias de cada criatura como que uma descrio divina sobre o modo de cuid-la.

    As criaturas louvam a Deus por sua existncia, portanto, cabe ao ser humano cuidar

    de cada uma com carinho especial, sabendo-se incumbido por Deus para tal misso.

    A problemtica das questes socioambientais no reside no uso destes para

    o bem-estar do ser humano e sua sobrevivncia, mas no abuso que se faz ao

    desrespeitar suas leis internas, segundo as quais tem uma dinmica de vida prpria.

    A velocidade da explorao dos bens da natureza incompatvel com o processo de

    regenerao ambiental. Ela no determinada pelo uso consequente e responsvel

  • 17

    dos bens da natureza, mas pela explorao inescrupulosa para atender as exigncias

    de uma sociedade consumista, imediatista e egosta.

    A encclica aborda diversas dimenses da atual crise que, na percepo de

    So Joo Paulo II, em sua Mensagem da Paz, de 1990, no uma mera crise

    ecolgica, mas um reflexo da crise moral.

    Referncias

    COMISSO Teolgica Internacional. Comunho e Servio: A pessoa humana criada imagem de Deus, 2004. Disponvel em: Acesso em: 25 ago. 2013. ECK, Stefan Bernhard. Auf dem Prufstand: Albert Schweitzer und die Ethik der Ehrfurcht vor dem Leben, 2002. Disponvel em: