REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO...

220

Transcript of REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO...

Page 1: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido
Page 2: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido
Page 3: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

REGIS:

UM MENINO

NO ESPAÇO

Page 4: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

CELSO INNOCENTE

Regis: Um menino no espaço.

ISBN 978-85-914107-0-5

1ª edição

Celso Aparecido Innocente

Penápolis-SP

2012

Page 5: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Sumário

Prefácio ————————————————— 9

O sequestro ——————————————–— 11

Chegada à Suster ————————————— 35

Revendo o passado ——————————–— 59

Entrevista na Televisão —————————— 79

Um novo amigo ————————————–– 103

Castigo susteriano ———————————–– 125

A fuga ————————————————– 147

O retorno ———————————————– 171

Tristes Lembranças ———————————— 187

Uma grande prova de amor ————————– 205

Sobre o autor —————————————— 217

Outros trabalhos ————————————— 219

Page 6: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

(CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Innocente, Celso

Regis [livro eletrônico] : um menino no espaço

/

Celso Innocente. -- Penápolis, SP : Ed. do Autor,

2012.

1235 Kb ; PDF

Bibliografia.

ISBN 978-85-914107-0-5

1. Ficção - Literatura infantojuvenil I. Título.

12-11117 CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção : Literatura infantojuvenil

028.5

2. Ficção : Literatura juvenil 028.5

Page 7: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Esta ficção é composta por 4 volumes, a

seguir:

- Regis um menino no espaço,

- Um menino no espaço – 2ª parte,

- O retorno do menino do espaço,

- Regis um menino do planeta Terra.

Para aqueles humanos, Regis era

o mais importante e o mais belo

garoto do mundo. Acreditavam

que lhes pertencia por direito, até

que um dia, tiveram que lhes dar

uma grande prova de amor...

Page 8: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido
Page 9: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Prefácio

egis é um menino como tantos outros: tem

muitos amigos, principalmente de escola. Tem

nove anos de idade, gosta de brincar, estudar e embora

seja pobre, é muito feliz.

De repente ele tem seu destino completamente

modificado, ao ser é sequestrado na Terra e levado a um

planeta distante, por seres alienígenas, humanos como os

terráqueos.

Mas por que seres de outro mundo sequestraria o

menino da Terra?

Aqueles humanos vivem em um planeta muito

avançado e de certa forma, livres de doenças, guerras,

dores ou morte, podendo por isto, serem consideradas

pessoas felizes. Mas falta-lhes algo, para que essa

felicidade seja possível.

Um mundo imortal, onde as células não se

dividem e não se multiplicam, portanto, as pessoas

deixaram de serem férteis e por isto lhes falta a coisa mais

simples da vida: o sorriso e pureza das crianças.

Por isto, o menino da Terra, fora acompanhado

desde seu nascimento e então, estava na hora de ser

R

Page 10: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

levado ao seu mundo, para lhes transmitir amor,

simplicidade, ternura e felicidade.

Mas Regis conseguiria lhes dar tudo isto, se ele

mesmo não poderia ser feliz? Não, estando distante de

seus pais, amigos e insignificante mundo chamado Terra.

Entre no pequeno mundo de Regis. Quem sabe

você também se apaixone por este garotinho simples e

com o dom de transmitir amor.

Page 11: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

11

O sequestro

eia hora antes do meio dia, do dia vinte e

cinco de Março do ano um mil novecentos e

oitenta, na Escola Estadual de Primeiro Grau Marcos

Trench, na cidade de Penápolis, estado de São Paulo,

Brasil, América do Sul, planeta Terra, sistema Solar, desta

mesma Via Láctea, soara o sinal, indicando o final das

aulas, para aquele período do dia.

Eu, nove anos de idade, recém-completado,

branco, com cabelos e olhos castanhos, cursava a terceira

série do primário. Saíra da escola, com bolsa escolar

marrom, tipo valise, na mão direita, usando um short em

tergal, azul marinho; um calçado tipo tênis da Alpargatas,

em lona, azul escuro e solado branco (quer dizer: seria

branco se não estivesse encardido de terra, devido às

artes de menino sapeca); uma camisa (não camiseta)

também em tergal, branca, com único bolso, no lado

esquerdo do peito com as letras G E M T bordada em

linha também azul marinho. Acompanhado por

Elizabeth, minha colega de classe e companhia, desde o

pré-primário. Ela, uma garota de minha idade, usava uma

saia também de tergal azul marinho, que chegava até a

M

Page 12: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

12

metade da coxa e uma blusa idêntica à minha camisa,

salvo pelos botões, os quais, enquanto os das camisas dos

meninos ficava do lado direito o das meninas era do lado

esquerdo. Ela, morena clara, cabelos negros, lisos, longos

e muito bonita; acho que a mais bonita de toda a escola.

Seguíamos sempre juntos, de volta à nossas casas,

distante aproximadamente três quilômetros.

Subimos à Rua Jacomo Paro e ao adentrarmos à

Rua Mato Grosso, que era cheia de entulhos e sem

pavimento asfáltico, atrás da Casa Anjo da Guarda, lhe

convidei:

— Beth, vamos atravessar pelo aeroporto!

— Por quê? — Perguntou-me ela, espantada.

— Por nada! Eu só queria passar por lá! Não

precisa ter motivos!

— E você acha que isto é convite que um menino

faz a uma garota?

— Por que não?

— Quem você pensa que eu sou Regis?

— Uma menina bonita! — Afirmei rindo.

— Obrigada pelo bonita! — Insinuou ela séria. —

O que você pretende?

— Por quê? — Gesticulei sem entender nada.

— No aeroporto tem mato!

—Tem trilhas!

— Continua tendo matos!

— E o que tem isso?

— Muita coisa! — Disse-me ela brava.

— Por favor, Beth, não pense mal de mim!

— Quem você pensa que eu sou pra andar no

mato com meninos?

— Desculpe-me, não estou pensando nada!

Page 13: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

13

— Quer ir por lá, que vá você! Eu irei pelo

caminho de sempre!

— Você não se importa, se eu for por lá?

— Claro que não! Eu não mando em você!

— Então tchau! Vá direto pra casa!

— Afinal de contas, o que você vai fazer no mato?

— Apenas atravessá-lo! Tchau!

Ela seguiu o mesmo caminho de sempre e eu, por

outro, em busca de aventuras, atravessando pelo

aeroporto, que realmente era cercado por denso matagal

que até encobria meus um metro e trinta centímetros de

altura.

Ao estar aproximadamente no centro daquele

campo cerrado, percebi um forte zumbido que fazia

lembrar um tipo de motor, vindo do alto. Olhei para cima

e avistei um estranho objeto, que se aproximava muito

rápido. Quis sair correndo, mas não consegui; estava

paralisado por aquela visão, que: ou eu estava dormindo,

ou era bem real.

O objeto pousou suavemente; quer dizer: ficou

levitando a uns dois metros de altura, a uns quatro

metros de distância. Era um desses objetos que o homem

diz: óvni. Um verdadeiro disco voador. De qualquer

forma, algo muito grande e bonito, nas cores: preta e

dourada.

Uma ranhura em formato oval se formou de

repente na parte inferior do estranho objeto, formando

assim o que seria a porta, se abrindo lentamente e

deixando cair até a uns trinta centímetros do solo, uma

escada de cinco degraus, feita a principio como se fosse

estanho derretido, que se solidificou rapidamente,

permanecendo prateada. Na entrada daquele estranho

objeto apareceu um vulto humano, trajando riquíssimas

Page 14: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

14

vestes de seda azulada. Quando pensei em fugir, o ser me

chamou:

— Pare, Regis!

Parei, olhando para ele, que me ordenou, fazendo

gestos com o dedo indicador:

— Se aproxime.

Não sei por que, mas ao contrário de que mamãe

sempre me aconselhou, de não me aproximar ou falar

com estranhos, obedeci a sua ordem. Quem era aquele

estranho em forma de humano que sabia meu nome? Ao

me aproximar da escada, ele me ordenou:

— Entre, por favor!

Permaneci parado por alguns segundos, depois

lentamente, talvez hipnotizado, subi os degraus e

adentrei naquele estranho veículo. A escada subiu

rapidamente, me fazendo assustado a olhar para trás e

ver a porta se fechar também rapidamente. Agora eu me

encontrava dentro de uma grande sala. O homem,

moreno, cabelos escuros, curto e bem penteado, de uns

vinte e cinco anos de idade, me saudou:

— Bem vindo à bordo, Regis!

— Q... Quem é... o senhor? — Perguntei assustado.

— Como sabe meu nome?

— Meu nome é Tony e eu sei tudo sobre você, não

apenas seu nome!

— Como assim? De onde o senhor veio? Do

espaço?

— De um planeta chamado Suster!

— Suster!... Outro planeta?

— Isto mesmo! E é pra lá que estamos levando

você!

— Estão me levando? Em quantos são vocês?

— Aqui na nave? Ou em nosso planeta?

Page 15: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

15

— Na nave?

— Apenas dois!

— E esse troço?... Já tá voando?

— Desde que a porta se fechou!

— Não pode ser! Eu quero descer! Abra essa

porta!

— Impossível Regis! Já estamos muito longe de

sua Terra! Já estamos fora do seu sistema solar!

— Não pode ser! — Duvidei. — Acabei de entrar!

— Aqui dentro, o tempo é diferente de seu tempo

lá fora. Esta nave viaja a milhões de quilômetros por hora!

— Só tenho nove anos, mas não sou tão bobo! —

Neguei convicto. — Nada do mundo pode voar a milhões

de quilômetros por hora!

— Não soube me expressar, Regis! — Riu o

homem zombeteiro. — Milhões de quilômetros por

minuto! Aliás, por segundo.

— Por acaso, hoje li em meu livro de ciências, que

não existe nada no mundo, capaz de voar a mais do que

quatro mil quilômetros por hora.

— A luz viaja a um bilhão e oitenta milhões...

— A luz pode até ser... — Concordei gesticulando.

— Nossa nave cria um efeito que seus cientistas

dirão, dobra de espaço e tempo. É o mesmo que

esticássemos o espaço atrás de nós e o encolhêssemos à

nossa frente, deixando a nave seguir protegida por uma

imaginária bolha gigantesca.

— Não fui eu quem escrevi meu livro de geografia

e ciências!

— Seu livro não sabe nada! — Riu o homem. —

No espaço sideral não existe gravidade, portanto não

existe atrito e o tempo é bem diferente do seu!

— O que?

Page 16: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

16

— Esqueça atmosfera terrestre, ionosfera,

troposfera, estratosfera e tudo mais o que você aprendeu

sobre espaço e tempo. Como já lhe disse: estamos fora de

seu sistema solar.

— Mas... Por que vocês... estão me se...

seques...trando? Eu sou um menino pobre. Não tenho

dinheiro pra dar a vocês!

— Nós queremos você, não o seu dinheiro! Seu

dinheiro em meu mundo é lixo!

— Mas por que vocês me querem? — Senti as

lágrimas molhando meu rosto. — O que irão fazer

comigo?

— Não tenha medo! — Me abraçou o homem. —

Nada de mal vai lhe acontecer!

— Como não? Ir pra longe da minha casa, não é

mal?

— Você será um garoto feliz conosco.

— Eu não quero ir!

— Mas não tem querer! Já estamos indo! A

milhões de quilômetros por minuto!

As lágrimas aumentaram. Joguei minha bolsa

escolar no piso, virei-me ao que seria a tal porta daquela

nave e mesmo não havendo nenhum sinal dela por ali,

espanquei fortemente o local gritando:

— Não quero ir! Me deixe descer!

— Calma menino! — Pediu tal homem, tornando

me abraçar calmamente. — Tudo ficará bem!

— Nada está bem! Quero voltar pra casa!

— Imagine-se em um bonito passeio pra se

estudar ciências prática!

— Mas quem são vocês? Como falam a minha

língua?

Page 17: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

17

— Nós não falamos sua língua! Você é quem fala a

nossa!

— Mas eu falo Português!

Retirou de seu pescoço, uma correntinha azulada,

contendo uma minúscula caixa em formato oval,

dourada, dependurada, colocou-a sobre minha cabeça,

deixando-a pendurada em meu peito, dizendo:

— Use isto!

— Pra que serve?

—Com ela você entenderá qualquer linguagem

falada pelo homem, em qualquer lugar do Universo.

Acariciei aquele objeto de metal precioso, como se

fosse algo sagrado. O homem me chamou:

— Vamos conhecer o Rud, na cabine da nave.

Sem nada falar, porem ainda assustado e

cauteloso, apanhei minha bolsa e acompanhei aquele

homem. Entramos em um pequeno corredor e depois de

alguns passos, paramos diante de uma porta transparente

esverdeada, que se abriu sozinha. Entramos, Tony sentou-

se em uma poltrona transparente, feita, assim como a

porta, talvez de acrílico, enquanto eu permaneci de pé,

mesmo porque ali só existiam duas daquelas poltronas. O

tal Rud, moreno de uns vinte e cinco anos, também

trajando vestes de seda, estava diante de um painel

contendo dezenas de botões, de cores predominantes em

azul muito claro e preto; diante do Mecanismo, que fazia

aquele enorme disco se mover pelo espaço ou tal vácuo,

embora aparentava estar parado.

Ao nos ver entrar, girou a cadeira em cento e

oitenta graus, e rindo gozador, insinuou:

— Ora, vejam só, se não é o nosso garoto Regis!

— Nosso garoto Regis!— Exclamei admirado.

Page 18: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

18

— Isso mesmo! — O confirmou. — Se você

soubesse há quanto tempo estamos esperando por este

momento!

— Tempo! Nosso garoto! Esperando esse

momento! — Exclamei. — Quer me explicar melhor?

— Claro! — Interferiu Tony. — Quantos anos você

acha que eu tenho?

Rud voltou aos comandos da máquina.

— Uns vinte e cinco! — Respondi. — Por quê?

Rud riu zombeteiro e completou:

— Cinco mil anos, mais ou menos! Perdi a conta!

— Acha que acredito nisso?

— Tem que acreditar, pois é a verdade! —

Insinuou Tony.

— Cinco mil anos... é muita coisa!

— Mas é verdade! — Disse Rud, sério.

— Vocês já teriam morrido!

— Acontece que somos imortais! — Riu Rud.

— Não existe imortal! — Neguei fazendo careta.

— Só Deus!

— Talvez já vivemos no paraíso!

— No paraíso não tem disco voador!

— E essa carinha de lágrimas? Dá pra limpar?

— Como vocês sabiam que iam me encontrar,

naquele mato no aeroporto, a essa hora?

— Nós traímos você pra lá! — Explicou Tony.

— Como assim?

— Dominamos sua mente...

— Ninguém domina a mente de ninguém! —

Interferi duvidando.

— Como a cobra Naja faz com sua presa? —

Ironizou o tal Rud.

Balancei os ombros como a não compreender.

Page 19: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

19

— Fizemos você ir até aquele local! Ao pousarmos,

fizemos você ficar paralisado. A seguir, fizemos você

entrar nesta nave.

— Eu não entendo! — Insisti. — Sou apenas um

moleque! Por que vocês me querem?

— Você não é um moleque! É um menino! E é por

isto mesmo que o queremos! — Explicou Rud. — Só

queremos você! Não o trocaríamos por qualquer outro!

— Por que não?

— Porque você é o nosso menino! — Explicou

Tony. — Desde o seu nascimento, esperamos ansiosos por

este momento. Você não pertence à Terra!

— Mentira! — Neguei assustado, com novas

lágrimas. — Eu nasci na Terra! Tenho pai, mãe e cinco

irmãos!

— Você só nasceu na Terra! Mas não é de lá!

— Mentira! Me levem de volta!

— Calma! — Pediu Tony. — Visitaremos meu

planeta! Continuaremos esta aula de ciências avançada,

falaremos de astronomia, depois veremos o que fazer.

— E quando chegaremos a seu planeta?

— Em novecentas e cinquenta e sete horas de

viagem! — Explicou Tony1.

— É uma longa viagem! — Disse Rud. — Você

precisará descansar. Vá com Tony.

Acompanhei Tony, que me levou a outra parte do

disco. Entramos em um quarto diferente: as paredes eram

douradas, as duas camas azulada, feitas de um material,

que parecia acrílico e forradas por ricos tecidos de, talvez

lã. A parede enfeitada por espelhos sobrepostos.

Assim que entramos, ele me disse alegre:

1 E este tempo não era o mesmo baseado na Terra.

Page 20: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

20

— Aqui será seu aposento durante a viagem! Não

precisa ter medo, pois nada de mal o assustará. Pode

descansar sossegado!

Abriu um armário com muitas roupas,

semelhantes às minhas e disse:

— Confeccionamos algumas roupas iguais às suas

e trouxemos, pois a viagem é muito longa e acredito que

você vai querer vestir outras.

Tomou a bolsa escolar de minhas mãos e a

acomodou na parte superior do armário, fechando-o,

depois dirigiu-se à porta para sair, mas resolvi perguntar-

lhe assustado:

— Por que vocês estão me levando pra lá? O que

farão comigo?

— Só lhe daremos amor! Pode acreditar!

— Como posso acreditar nisso? Vocês estão me

tirando de meus pais!

— Você é nosso garoto! Já disse! E é muito bonito

também!

— Êpa! Sou homem oh!

— Homem não pode ser bonito? — Brincou ele.

— Não sou garoto de vocês! Eu nasci na Terra!

— Mas nós o amamos!

— Nós quem? Quantos são vocês?

— Cerca de três bilhões e quatrocentos milhões de

habitantes. Todos falam a mesma língua e todos te amam

igualmente.

— Todos sabem meu nome?

— Naturalmente!

— Como pode ser? Onde fica seu planeta?

— Na Via Láctea mesmo! Sabe o que é Via Láctea?

— O nome de nossa galáxia!

— Muito bem!

Page 21: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

21

— Sabe o que significa Via Láctea? — Perguntei

com leve sorriso.

— Como assim?

— O significado desse nome!

— Não! Não sei! — Negou ele surpreso.

— Caminho de leite! – Insinuei com a cara de

maior inteligente do mundo. Foi bom aprender alguma

coisa na escola.

— Parabéns! – Acho que ele quis me cativar. –

Nosso planeta está a oitenta e sete anos-luz da sua Terra!

Você sabe quanto é oitenta e sete anos-luz?

— Nem imagino!

— Sabe quanto é um ano luz?

— Também não!

— Sabe o que é ano luz?

Acenei negativamente com a cabeça.

— É à distância percorrida pela luz no período de

um ano terráqueo. Pois bem: um ano luz é igual a nove

trilhões, quatrocentos e sessenta bilhões e quinhentos e

trinta e seis milhões de quilômetros. Imagine oitenta e

sete anos luz!

— É muito longe mesmo!

— Vir de nosso planeta ao seu para buscá-lo, está

nos custando o equivalente a mais de duzentos milhões

de cruzeiros! Isto se fosse calcular no seu dinheiro

brasileiro!

— Mas nosso dinheiro é lixo pra vocês! —

Exclamei com sorriso maroto.

— Estou só comparando! — Corrigiu Tony.

— Nossa! Não teria sido melhor economizar todo

esse dinheiro?

— Não! Você vale muito mais do que isso!

Page 22: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

22

Finalmente dei um leve sorriso animado e

insinuei:

— Não sabia que era tão valioso!

— Pois pra nós você é! Boa viagem!

E se retirou me deixando sozinho. A porta se

fechou e eu, ainda muito assustado pulei sobre a cama

para talvez, pensar no que estava ocorrendo.

*

Levantei-me, após ter dormido por algumas horas.

Ao me aproximar da porta, ela se abriu sozinha. Olhei

admirado, depois saí e segui para a cabine dos...

astronautas, ou sei lá como se chamam os alienígenas

humanos.

Chegando à porta, ela se abriu; entrei e ela tornou

a se fechar. Rud manejava a máquina. Tony não se

encontrava. Assim que entrei, Rud me olhou, me

cumprimentando:

— Olá garoto! Sente-se.

Em silêncio, sentei-me na cadeira ao seu lado, a

qual seria a de Tony e fiquei admirando os muitos botões

daquele estranho disco voador. À nossa frente víamos o

espaço sideral, por um grande, digamos pára-brisa de

vidro ou acrílico transparente.

A velocidade daquela máquina era tanta, que mal

dava para distinguir o que se aproximava. Muitas vezes,

um pontinho que surgia a muito longe, aumentava tão

rápido e logo já era ultrapassado por nós.

— Você dormiu? — Perguntou-me Rud, cortando

o silêncio.

— Um pouco... — Respondi. — Que horas são?

— Depende de onde você quer saber!

— Da Terra! Onde mais?

Page 23: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

23

— No estado de São Paulo, agora são vinte e uma

horas.

— Como? — Estranhei. — Eu não dormi tanto

assim!

— Aqui dentro desta nave, devido a alta

velocidade em que estamos, parece que o tempo passa

devagar, por isso você dormiu bastante e lhe parece

pouco.

Fiquei triste e calado. Rud percebeu e me

perguntou:

— Por que você está triste?

— Papai e mamãe devem estar preocupados

comigo!

— Não se preocupe com eles!

— Como não! — Comecei a chorar. — Eu os amo e

sei que eles me amam também!

— Eles têm outros filhos! Você não fará falta!

Foi aí é que chorei mais.

— Como não farei falta? Quer dizer que sou

qualquer coisa, que não se querendo mais, se joga no lixo?

— Não quis dizer assim! Pare de chorar!

— Eu não quero ir pro seu planeta! Quero ficar na

minha casa!

— Deixe de ser bobinho! Você gostará de viver em

Suster!

A porta se abriu e entrou Tony com uma bandeja

cheia de alimentos. A porta tornou a se fechar e ele, após

colocar a bandeja em uma pequena coluna no lado

esquerdo da cabine, afirmou rindo:

— Você é muito esperto garoto! Pensei que jamais

teria coragem de sair de seus aposentos!

— Estava com medo de ficar lá sozinho!

— Medo de que? — Caçoou Rud.

Page 24: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

24

— Sei lá! — Neguei, ainda com lágrimas. — Tenho

medo!

— Ouça Regis: — Pediu Tony. — Não precisa

temer nada! Aqui só estamos nós três! A nave é

completamente lacrada e nada entrará nela! Eu e Rud te

amamos muito! Por isto, nada de mal lhe faremos.

— Isso mesmo! — Confirmou o senhor Rud. —

Vamos comer um pouco?

— Por que você está com lágrimas? — Perguntou-

me Tony.

— Quero ir pra minha casa!

— Tudo vai ficar bem! Coma alguma coisa!

— Não quero!

— Aproveite, por que a próxima alimentação só

daqui a pelo menos cinco dias. — Insistiu Tony.

— Por quê? — Espantei.

— Na verdade! — Continuou Tony. — Em uma

viagem espacial, a gente não consome muita energia e

dorme bastante. Com isto, quase não precisa se alimentar.

Também quase não precisa ir ao banheiro!

— Na nave tem banheiro?

— Claro! — Riu o senhor Rud. — Onde você faria

xixi? Ou...

A comida eram frutos iguais à batata, só que de

sabor incomum e agradável; outros iguais a cenoura,

também com sabor diferente e um refresco azul, com

gosto de suco de amora.

Após aquela refeição, Rud se levantou, entregando

o comando da nave para Tony e se retirou, levando a

bandeja e alegando ir dormir um pouco para descansar.

Permaneci sentado, até que Tony olhasse sério

para mim. Então me levantei dizendo:

— Já sei! Não posso ficar aqui!

Page 25: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

25

— Muito pelo contrário! — Riu ele. — Se quiser

ficar será um prazer!

— Então posso ficar?

— Se você preferir!

— A viagem até seu planeta é longa! Como o

combustível é suficiente?

— Ora! Porque nós criamos o combustível,

enquanto viajamos!

— Como assim?

— Vou lhe explicar: nossa nave não queima

gasolina! O combustível dela é formado por gás

carbônico!

— Gás carbônico?

— Isso mesmo! Em seu planeta, o homem aspira

oxigênio e expira o gás carbônico. Não é isso?

Acenei que sim com a cabeça.

— Com as plantas, acontece o contrário. Não é

mesmo?

— As plantas aspiram ao gás carbônico e

eliminam o oxigênio. O que é bom pra nós humanos!

— Aqui dentro da nave, acontece o mesmo

processo terráqueo!

— Isso quer dizer que quanto mais pessoas

viajarem aqui dentro, melhor será?

— Teoricamente sim!

— Esta nave funciona como se fosse um... Bicho?!

— É! — Riu Tony. — Parece ter vida!

— Onde ficam os pulmões?

— E o coração?... E o cérebro?... É como uma

planta! Mas realmente tem seus pulmões, coração,

cérebro, artérias...

— E como a pressão do espaço não danifica a

nave?

Page 26: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

26

— Como assim? No espaço sideral não há atrito!

— Não sei o que é isso! — Franzi o nariz e a boca.

— Me diga como seus aviões viajam pelo seu

espaço aéreo, sem sofrer qualquer dano?

Balancei os ombros sem saber respostas de

adultos.

— Antes das suas aeronaves saírem do solo elas

passam por um processo de descompressão, sendo assim,

elas podem viajar em segurança pelo espaço.

Me olhou sério por um instante, depois

perguntou:

— Entendeu?

— Nadinha! — Neguei balançando os ombros.

Pensei um pouco e continuei:

— E em seu planeta?

— Nosso planeta é praticamente igual ao seu! É

formado por dezoito por cento de oxigênio, um de gás

carbônico, setenta e oito de nitrogênio, dois por cento de

vapor d’ água e um por cento de outros: Carbono por

exemplo.

— Se a gente ex... exp...

— Expira! Elimina...

— Se a gente elimina gás carbônico, quer dizer que

se eu soprar em um papel ele ficará preto?

— Não! — Estranhou ele. — De onde você tirou

isso?

— O carbono é preto!

— De onde você tirou isso?

— Do papel carbono!

— Nada a ver! — Riu o homem. — Papel carbono

é feito de tinta! Gás carbônico é o que seu pulmão elimina

no ar! Um gás invisível!

— Unh! — Fiz careta.

Page 27: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

27

— Não entendeu nada! Não é?

Dei de ombros.

— Em nosso organismo o que cria o gás carbônico

é a solidificação dos alimentos que consumimos,

misturados ao oxigênio. Essas coisas são muito complexas

pra sua idade. Vou exemplificar sem que você se apegue

muito: Gás carbônico na verdade é dióxido de carbono.

Por quê? Sabe o que é CO2?

— Gás carbônico! — Dei de ombros.

— Por quê?

Dei de ombros.

— Uma partícula de Carbono e duas de...

— Oxigênio?!... — Insinuei confiante.

— É isso! Vamos parar por aqui?

— E o solo de seu planeta? Estudei essas coisas!

— É quase igual ao seu! Pode acreditar!

Voltando a olhar para o espaço sideral, que se

deslumbrava pela visão no visor daquela nave, comecei a

não entender como que aqueles homens poderiam

conhecer um caminho tão distante, o qual era a ligação

entre um planeta chamado Suster e nossa querida Terra.

Então resolvi continuar perguntando:

— Tony como você e o Rud, pode conseguir

pilotar esta nave e saber o caminho correto, que os levam

da Terra até seu planeta?

— Ótima pergunta Regis! Na verdade, esta nave

nem é muito... pilotada por nós. A gente simplesmente a

acompanha. Ela é dirigida automaticamente por um

poderoso computador de bordo e mesmo para ele, seria

muito difícil, saber o caminho exato entre nossos mundos!

— Um computador guia esta nave?

— Sim! O mais poderoso já criado por um ser

humano!

Page 28: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

28

— E mesmo ele não pode saber o caminho exato?

— Isso mesmo! Antes de nossa viagem, a rota foi

cuidadosamente calculada por cientistas, com auxílio

desse computador. Só assim, nos foi possível chegar até

você.

— É muito difícil entender como isto seja possível!

— É fácil entender Regis! Com este cálculo

complicado, é como se estendêssemos uma linha, ou

estrada invisível, ligando seu planeta ao nosso e a nave só

pode seguir por esta estrada! Imagine um trem de ferro!

Já andou num?

Acenei que sim e perguntei:

— Ela jamais desvia de sua rota? — Perguntei.

— Claro que sim! — Exclamou Tony. — Embora a

gente não perceba, a nave se desvia da rota a todo o

momento, mas já no momento seguinte, o próprio

computador de bordo, corrige esta rota! Nós, os

astronautas, como você nos chamaria, nem percebemos

que isto ocorreu.

— Por que isto ocorre? Algum defeito?

— Não! A nave e o computador são perfeitos! O

que acontece é que somos constantemente bombardeados

por meteoritos, que vagam perdidos pelo Universo!

Quando estes meteoritos são muito pequenos, não nos

causa nenhum mal, pois a nave alem de muito resistente a

estas pancadas, funciona como um repelente, tirando-os

do nosso caminho. Você já viu um imã com dois pólos

iguais?

Balancei os ombros em dúvida.

— Se a gente tentar aproximar dois imãs com os

mesmos polos, eles se afastarão.

Page 29: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

29

— Ãh! Me lembrei! — Interrompi-o com a voz

forte. — Eu já fiz isso! Ele cria uma força que não deixa

grudar!

— Assim é a nave, em relação aos meteoritos

pequenos. Mas acontece que existem meteoritos do

tamanho de sua cidade e estes destruiriam com certeza

nossa nave e aí nem mesmo seres imortais como nós

conseguiríamos sobreviver.

— Nesse caso a nave é que desvia deles?

— Com certeza! Corrigindo a rota logo em

seguida!

— Fazendo ziguezague no espaço! — Ironizei

rindo.

— Sei que você é pequeno pra entender muito

sobre essas coisas, mas sua Terra também tem um

processo semelhante à nossa nave!

— Tem!? — Me admirei. — Como assim?

— No centro de sua Terra, bem lá no meio, no

núcleo, existe algo como uma grande bola completamente

de ferro, que gira a uma velocidade incrível. Então existe

outra camada, circulando essa tal bola, em sentido oposto,

feita de ferro líquido, que cria um tal campo magnético

que protege sua Terra contra os poderosos ventos

solares...

Não estava entendendo muito, mas prestava

atenção.

— Não está entendendo nada! — Desconfiou ele.

— Não é Regis?

— Mais ou menos! — Fiz gesto com as mãos. —

Mas estou gostando.

— O campo magnético protege a atmosfera

terrestre, evitando assim que a água do planeta se

evapore. — Continuou ele.

Page 30: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

30

— É? — Admirei.

— Se isso não existisse, a Terra acabaria sendo

como Marte, um local ermo, sem vida, como um grande

deserto.

— Marte deveria ser igual à Terra? — Perguntei-

lhe surpreso.

— Marte é igual à Terra! Mesmo tipo de solo! Só

que como os ventos solares destruíram sua atmosfera,

fazendo com que toda a água se evaporasse, acabou

morto.

— Como o senhor sabe tudo isso sobre a Terra? O

senhor mora do outro lado do... Universo!

— Primeiro: Eu sei tudo isso, porque meu planeta

é igual ao seu! E lá é assim! Depois, eu não moro do outro

lado do Universo! Sou seu vizinho!

— Vizinho!? — Admirei. — O tanto que já

viajamos e ainda falta pra chegar, você... o senhor... fala,

vizinho?

— Regis! Meu planeta fica na mesma galáxia que

sua Terra! Essa galáxia é formada por trezentos bilhões de

estrelas! O Universo possui milhões de galáxias! Só na Via

Láctea existem cem bilhões de planetas.

— Ufa! — Passei a mão na cabeça.

— Se quisermos comparar a distância entre Suster

e a Terra em relação apenas à Via Láctea, basta

imaginarmos a distância que fica sua casa e a casa de sua

namoradinha!

— Elizabeth!? — Insinuei forte. — Ela não é minha

namorada! É apenas amiga de escola!

Durante muitas horas, viajei ali, sentado ao lado

de Tony e embora muito triste e preocupado, estava

gostando muito daquela viagem. Por eles conversarem

muito, acabaram realmente me cativando e com isto, me

Page 31: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

31

tornei amigo dos dois e sabia que eles realmente me

amavam muito. Durante a viagem, os dois me ensinavam

a pilotar aquele estranho aparelho, que, mesmo meus

singelos nove anos de idade, me deixavam acreditar, que

cortava o espaço, a uma velocidade de milhões de

quilômetros por minuto... Quer dizer... Por segundo!

Eles me falavam muito sobre a nave e seu planeta;

mas nunca tudo o que eu realmente gostaria de saber.

Eles julgavam minha pouca idade, incapaz de

compreender a complexidade do Universo, com estrelas

da morte, buracos negros, poeiras e raios cósmicos...

Durante toda aquela viagem interplanetária, eu

fôra2 muito bem tratado e já começava a me sentir muito

bem. Afinal, estava me tornando uma criança muito

mimada. Mas mesmo assim, chorava praticamente todos

os dias, principalmente quando estava sozinho, pois, sem

ter o que fazer, começava a pensar em meus pais, irmãos,

escola e amigos.

Muitas vezes, em meu leito, começava a pensar: o

que será que papai e mamãe estão pensando que

aconteceu comigo? Será que a polícia está me

procurando? Naquele dia, acho que a mamãe foi me

procurar na casa da Beth. Tadinha! Bem que ela, não

queria passar pelo aeroporto... Ela achava que eu queria

fazer alguma brincadeira errada com ela. É bobinha! Eu

gosto muito dela, como amigo! Ela é tão bonita que até

parece uma princesa! Jamais faria alguma coisa que não

devesse... Não sou doido! Chegando de tarde, mamãe

deve ter me procurado na casa do senhor Luciano! Ele é

2 Na Língua Portuguesa não se acentua o verbo ir no singular do

Pretérito Mais-Que-Perfeito, mas para que não seja confundida com o

advérbio ou preposição fóra, que também não é acentuada, neste livro,

preferi adotar o tal acento circunflexo em fora.

Page 32: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

32

muito bom pra mim! Me quer como se eu fosse seu filho!

Mas seu filho verdadeiro vai nascer logo! Espero que ele

não deixe de gostar de mim! Nem ele e nem dona Sara!

* *

E foi assim, durante muitos dias de viagem pelo

desconhecido, onde a maior parte do tempo passava na

cabine, quase nunca ficando em meus aposentos, o qual,

considerava muito solitário.

— Senhor Tony, nos filmes que vejo dos

astronautas indo pra lua, eles flutuam dentro da nave.

Aqui dentro de sua nave nós permanecemos normais. Por

quê?

— Isso tem a ver com a força gravitacional dos

planetas. Quando os astronautas deixam a Terra, eles

acabam entrando em uma ilusão de gravidade zero. É

como se eles pesassem o mesmo que uma mecha de

algodão, por isso flutuam.

— E como com a gente... Ainda mais eu, que peso

bem menos do que um homem, não acontece igual a eles,

nesta nave?

— Você é muito observador, menino! — Riu o

senhor Tony. — Já que você é observador, você percebeu

o formato de nossa nave?

— Como formato? — Gesticulei.

— Como ela se parece? É igual seus foguetes

espaciais?

— Não! Ela se parece mais com uma bolacha

redonda!

— Pois é! Embora a gente não perceba, alem de

nossa nave se deslocar a uma grande velocidade, no

sentido curvo do espaço, durante alguns minutos por

hora, ela gira em torno de si própria, criando o tal efeito

Page 33: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

33

de gravidade, diferente de zero. Por isso a gente não

flutua.

— Ela gira!? — Fiz careta. — Igual um ventilador!?

— Pra você ver! — Riu o homem.

— Por isso que estou mais tonto do que sempre

fui! — Exclamei com sarcasmo.

— A gente nem percebe isso! E nem fica mais

tonto do que sempre foi! Se não ficaríamos enjoados,

igual quando se está em um barco balançando no mar.

— Pra que precisa disso? — Abri os braços,

fazendo gesto de uma grande ave de rapina. — Até que

seria legal, sairmos flutuando dentro da nave!

— O objetivo de criarmos este efeito centrífugo,

não é para evitar que flutuemos. O motivo é muito mais

importante do que isto. Imagine seu corpo, ossos,

organismo, sangue, temperatura... acostumados a uma

grande força gravitacional, passar trinta dias preso a uma

gravidade zero!

— O que tem?

— Você simplesmente morreria!

E era assim, apesar de triste, muito curioso,

durante todo o tempo.

Acabava muitas vezes até dormindo ali, ao lado de

quem tivesse no comando da nave e com isto, devido o

desconforto da poltrona, ele acabava me levando para

meu quarto, onde, uma vez no conforto da cama, acabava

dormindo por mais de doze horas seguidas, embora,

aparentemente não parecia mais do que uma ou duas.

Estava me acostumando aos segredos de uma

viagem aeroespacial, que realmente é muito complexa e

teríamos que estudar durante muitos anos para poder

compreendê-lo melhor.

Page 34: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

34

Page 35: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

35

Chegada à Suster

ntão, fui despertado por senhor Tony:

— Estamos chegando Regis! Em poucos

minutos estaremos pousando em solo firme.

— Como assim? — Me admirei. — O senhor Rud

me disse que teríamos uma viagem de setenta dias! Ainda

não viajamos nem dez!

— Já estamos no espaço com você, por quase

setenta e um dias!

— Não faz nada disso senhor Tony! — Sentei-me

sobre a cama.

— Lembra quando lhe dissemos que aqui dentro o

tempo passa mais devagar? Você tem a impressão que se

passou apenas alguns minutos, mas na realidade já se

passaram horas!

Após quase trinta dias susterianos de viagem pelo

espaço sideral. Ou seja: Novecentos e cinquenta e sete

horas susteriana, que é igual há setenta dias, vinte e uma

horas e dezessete minutos (pouco mais de mil setecentas e

uma horas) terráqueas, dia quatro de Junho, às oito horas

E

Page 36: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

36

e cinquenta minutos3. Seguimos juntos para a cabine da

nave, permanecendo de pé, junto aos dois astronautas.

— Como esta nave pode suportar uma viagem tão

distante? — Perguntei. — Como ela pode voar tão

rápido?

— Como assim? — Retrucou Rud.

— É praticamente impossível algum material no

mundo, ultrapassar a velocidade da luz! — Afirmei.

— Quem lhe disse que a velocidade da luz tem

que ser o limite? — Quis saber Tony.

— Li no livro de ciências, que qualquer material se

desintegraria a uma velocidade maior do que quatro mil

quilômetros por hora.

— Você já disse isso!

— Sei que já! — Balancei os ombros. — Por que os

professores fazem as crianças aprenderem isto, se não é

verdade?

— Seus cientistas ainda não compreendem sobre

uma viagem espacial. Eles lhes ensinam o que sabem!

— Tadinho de meu aprendizado de astrologia!

— O que astrologia tem a ver com nossa viagem?

— Riu o homem.

— O senhor é bobo? — Gesticulei. — É o que

estamos falando!

— Estamos falando de astronomia! Não astrologia!

— Hem!? — Não entendi mesmo.

—Astrologia tem a ver com os tais signos do

zodíaco! Tudo bem que tem a ver com o mundo dos

astros também!

— Como assim?

— Qual é seu signo?

3 Na Terra.

Page 37: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

37

— O que é isso?

— Deixa pra lá! O que estávamos falando antes?

— A velocidade desta nave! Meu livro de ciências!

— Um exemplo bem simples pra você terráqueo,

são seus satélites girando na órbita de sua Terra. Pra

colocá-los em órbita eles tiveram que ser jogado lá a uma

velocidade de onze mil e setenta quilômetros por hora,

que é a mesma velocidade em que gira a Terra. Se o tal

satélite for de baixa órbita é pior ainda, pois a velocidade

tem que ser de pelo menos vinte e seis mil e oitocentos

quilômetros por hora e apesar do atrito e dos limites de

quatro mil quilômetros descritos em seu livro de ciência,

eles não se desintegram.

— Como o senhor sabe tantas coisas da Terra?

— Pra vir até aqui, precisei me dedicar a estudar

um pouquinho sobre vocês. Aliás, não é muito diferente

de nós.

— E como este disco voador consegue velocidades

incríveis?

— Esta nave é feita de um material desconhecido a

vocês terráqueos. — Afirmou Rud. — É como se fosse

metal líquido.

— Como? – Achei muito esquisito. – Material

líquido?

— Digamos: Espécie de mercúrio!

— De passar nos machucados?

— Não Regis! Mercúrio metal! Conseguido através

de reagentes químicos!

— E é líquido?

— Quase!

— Como eu piso nela e ela não afunda?

Page 38: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

38

— Menininho curioso! — Riu o senhor Rud,

passando a mão sobre meus cabelos, bagunçado pelo

repouso.

— Li também, que existem cometas muito

grandes!

— Vá com calma! — Alegou o senhor Tony. —

Uma coisa de cada vez!

— Eu li isso! — Gesticulei. — Tô dizendo!

— Claro que sim! — Exclamou Tony. — Você

precisará conhecer mais sobre os mistérios do espaço

sideral. Existem cometas tão grandes, que só sua cauda

pode ter mais de cem milhões de quilômetros de

comprimento. Nós já falamos sobre isso. Lembra?

— Eu sei! — Dei de ombros. — Mas é que tenho

dúvidas!

— Claro! O Universo realmente é muito

complicado! Jamais vamos conseguir entendê-lo!

— E onde está o paraíso de Deus?

— Deus está dentro de seu coração, Regis!

— Quando eu morrer vou morar em meu coração?

— Quando você morrer, você vai morar no

coração das pessoas que te amam! Você viverá para

sempre na memória daqueles que te querem bem!

— Triste! Não? — Me preocupei.

— O que é triste?

— Deus é apenas uma memória!

— Não sei falar sobre isso, menino! — Se perdeu o

senhor Tony. — Mudemos de assunto!

Pensou um pouco e disse:

— Você sabia que nossa galáxia tem cem mil anos

luz de largura?

— O senhor já falou isso!

Page 39: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

39

— Sabia que o Sol, e as estrelas de meu mundo...

— Colocou o indicador direito sobre meu peito. — E do

seu também, estão localizados na faixa de vinte e seis mil

anos luz do centro da galáxia?

— Isso o senhor não disse! Mas o que importa?

— Se nossos mundos estivessem mais ao centro da

galáxia, ou mais nas bordas, jamais poderia ter vidas?

— Como assim?

— A faixa onde possa haver vida nessa galáxia,

está entre vinte e trinta e seis mil anos luz do centro.

Franzi o nariz como a dizer, “o que importa?”

— Tem ideia do que vem a ser trinta e seis mil

anos luz?

Tornei a franzir o nariz.

— Nem esta nave jamais conseguiria fazer

tamanha viagem!

— Não quero mais falar sobre isso! — Insinuei

fazendo careta.

— Por quê?

— Está me deixando tonto!

Naquelas longas conversas interessantes, porem

complicada para minha idade, permanecíamos Durante

muitas horas, todos os dias. Acho que era uma forma dos

dois astronautas susterianos fugirem do stress de longa e

quase solitária viagem.

O disco aterrissou em um enorme campo de

pouso, com seu solo acinzentado escuro, feito. Saímos da

cabine e após a porta externa se abrir, descemos, pisando

em terra firme... Aliás, Suster firme... Ou sei lá o que! Mas

era solo firme! Quer dizer: parecia mais mesmo, como

algo emborrachado, pois meus pés sentia pisar em algo

como se fosse feito com amortecedores fortes.

Page 40: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

40

Muitas pessoas, homens e mulheres, todos com

idade superior a vinte e cinco anos de aparência, pois na

verdade, deveriam ter centenas ou milhares de anos de

existência, estavam às voltas do disco voador, à nossa

espera.

O Sol, aliás, uma estrela, brilhava no azul do

infinito. A temperatura devia estar por volta dos quarenta

graus, pois estava bastante calor, embora, houvesse uma

brisa suave, mostrando que o ar era puro. Realmente era

oxigênio e parecia não ter poluição, pois fazia meu

organismo sentir de alguma forma, um bem estar, melhor

do que na Terra, com a respiração agradável.

Quando Tony percebeu que eu exilava aquele

oxigênio com certo prazer, ele passou as mãos sobre meus

ombros e rindo perguntou:

— Gostou do ar de meu mundo?

— Alivio por sair daquela prisão! — Insinuei

confiante, embora todo meu ser sentisse certo medo

daquele lugar.

— Não gostou de viajar em meu avião especial?

— Estou com medo, senhor Tony!

— Nada temas! Todos aqui te amam!

Três outros discos, semelhante àquele em que

chegamos, estavam estacionados, naquele enorme campo

de pouso e a uns duzentos metros, terminava o campo,

onde se formava uma gigante e bela residência. Um

verdadeiro palácio. Ao longe, naquela cidade susteriana,

se viam grandes, belas e brilhantes casas, refletindo os

raios de sua estrela, como se fossem construídas talvez de

aço, níquel ou metal.

— Estas pessoas que vieram nos receber gostariam

muito de falar com você, Regis. — Disse-me Rud. —

Acene pra elas.

Page 41: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

41

Obedeci à ordem: levantei a mão direita e acenei

timidamente; em resposta, todos acenaram para mim,

sem que ninguém, nem eu, dissesse uma palavra sequer.

Dali, acompanhando os dois astronautas, segui

para a bela residência. Entramos e depois de seguirmos

por um longo corredor vitrificado em verde, paramos

diante de uma porta escura, que se abriu sozinha e

entramos. Era uma gigantesca sala, muito elegante,

possuindo como mobília, algo que seria um enorme

computador, de uns quatro metros de comprimento,

tendo bem ao centro, um aparelho semelhante a um vídeo

cassete, para reproduzir tapes. Próximo às paredes, dois

grandes armários, cheio desses que seriam tapes e livros.

Alem de quê, por traz de uma escrivaninha, tendo uns

três metros, construída ricamente em acrílico e metal

dourado, sentado em uma poltrona branca, estava um

homem alto, moreno claro, com vestes douradas,

aparentando uns trinta anos de idade; na verdade deveria

ter uns dez mil.

Assim que entramos, aquele homem me olhou

firme, dos pés à cabeça e levantando-se, disse rindo:

— Finalmente chegaram!

— Missão cumprida, senhor Frene! — Afirmou

Rud. — A viagem foi longa e de certa forma assustadora,

mas tudo correu muito bem!

— Muito agradecido! — Se aproximou, abaixando-

se à minha frente. — Vocês merecem honras de heróis!

— Que nada! — Negou Tony. — Já foi uma honra,

esta missão.

— Gostaria que saíssem agora! — Pediu o senhor

Frene, acariciando meu rosto e ombros.

Page 42: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

42

Sem mais comentários, os dois astronautas se

retiraram e eu tentei os acompanhar. Mas o senhor Frene,

puxando-me pelo braço, impediu-me:

— Você não Regis! Você fica! Precisamos

conversar.

Parei e fiquei olhando para ele, que me disse,

apontando para outra poltrona, também branca:

— Você deve estar cansado. Sente-se!

Sem querer prolongar conversas desnecessárias,

sentei-me. Ele se aproximou, abaixando-se em minha

frente. Colocou as mãos sobre minhas pernas e

perguntou:

— O que você está achando de meu mundo?

— Seu mundo! — Exclamei admirado. — Então

este planeta pertence ao senhor?

— Não! — Riu ele. — Meu mundo, no modo de

dizer! Na verdade pertence a Deus.

— E qual é o seu Deus? — Perguntei desconfiado.

— Meu Deus é o seu Deus, garoto!

— Como sabe?... Qual é o seu Deus?

— É o Todo Poderoso! O Criador do meu e do seu

mundo! O Criador do Universo, enfim.

— E o senhor... Crê... Em Deus?

— Claro que sim! Você não crê?

— Com certeza! — Sorri. — Com meu coração... E

minha alma!

— Você é um menino muito inteligente e gentil,

mas ainda não respondeu minha pergunta: o que você

está achando de meu mundo?

— É muito bonito... — Respondi. — Mas não

posso viver aqui!

— Claro que pode! Você veio pra viver aqui!

Page 43: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

43

— Não posso! Tenho saudades de meu pai e

mamãe! Tenho certeza que eles estão sofrendo com a

minha ausência!

— Eles se conformarão!

— Jamais! Eles me amam e nunca me esquecerão!

— Esquecerá sim! Eles têm outros filhos pra lhes

dar amor! Você nos pertence.

— Não sou objeto pra pertencer a alguém! — Já

começara a chorar. — Ninguém é dono de mim!

— Calma! Você está nervoso! Quer dizer que nem

seus pais são donos de você?

— Não! A eles eu devo amor e obediência! Quer

dizer: se eles fossem meus donos, poderiam fazer o que

quisessem comigo: me vender, trocar, ou até me matar?

— Calma! Você entenderá porque fomos buscá-lo

na Terra!

— Eu já sei! É pra ficar vivendo aqui!

— Sim, é! Desde o dia em que nasceste você foi

cuidadosamente preparado pra deixar a Terra e vir

permanentemente para o meu mundo!

— Já sei sobre isso! — Continuava com jeito

choroso. — O senhor Tony me falou tudo!

— Mas sabe por que motivo?

— Não! Isso ninguém me contou ainda!

— Assim que chegou aqui, quem esperava vocês

no campo de pouso?

— Pessoas! — Insinuei, balançando os ombros. —

Muitas pessoas!

— Que tipo de pessoas?

— Não sei! Comuns! Homens e mulheres!

— Não pareceu lhe faltar nada?

— Não! — Balancei os ombros.

— Você viu homens e mulheres... E!...

Page 44: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

44

Dei de ombros como a não saber o que dizer.

—Você deve ter percebido que aqui existem

homens e mulheres, como na Terra. Não lhe pareceu nada

estranho?

— Não sei!

— Aqui em meu magnífico mundo, Regis, infeliz-

mente, não existe nenhum rostinho bonito de criança!

— Quer dizer que aqui não existem crianças?

— Isso mesmo! Não existem!

— Ora, essa é boa! — Exclamei rindo. — E

precisava ir tão longe? Gastar muito dinheiro e cometer

um crime, sequestrando uma pessoa, se o problema é tão

simples!

— Tão simples! — Admirou-se ele. — Nós

precisamos ter um garotinho... Ou que fosse uma

princesinha, pra dar amor e nos dar felicidades. E você

acha que é tão simples? Como deveríamos fazer?

— Fazer uma criança!

— Não é isso que queríamos! Não uma máquina!

— Eu não disse pra fazer uma máquina! Eu disse

pra fazer uma criança!

— Como? Um robô? Queremos um menino como

você: com alma, inteligência, coração... Um menino que

pensa, anda, fala... Ama...

— Então! Vocês não têm mais de três bilhões de

homens e mulheres saudáveis?

— O que você quer dizer, Regis?

— De namoro... Senhor Frene! — Exclamei um

pouco tímido com a palavra. — Não me diga que o

senhor é tão velho e não sabe como nasce uma criança!

— Me diz uma coisa: Você sabe como nasce uma

criança?

— Sei! — Baixei a cabeça.

Page 45: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

45

— Sabe de onde vem?

— Todos sabem!

— Como? Seus pais?

— Não! Eles nunca falam dessas coisas com a

gente! Foi a professora na aula de ciências.

— Não foi a cegonha! Foi?

— Já passei dessa fase! Mas não preciso falar.

Preciso?

— Não! Acredito em você!

— Quando a professora explicou sobre, como

nascem os bebês, eu cheguei em casa e falei com minha

irmã sobre isso. Mamãe quase me bateu.

— Muito bem: — Afirmou ele. — Os bebês nascem

exatamente do jeito que você aprendeu em sua escola!

Embora eu ache que nem era hora ainda de estudar isso.

Mas tudo bem: não há porque ter vergonha, receio ou

coisa parecida por isso. É a mais bela forma de prova de

amor, que Deus deixou para a procriação das espécies. A

mulher entrega seu corpo ao esposo e dessa linda união,

nasce um belo fruto, que preencherá o vazio que existe

naquele lar sagrado.

— Se o senhor sabe sobre isso, por que não fazem

o mesmo?

— Você é tão inteligente, porém tão bobinho

também! — Riu ele.

— Bobinho! Por quê?

— Nós somos imortais! Vivemos num lugar, que

pode ser considerado o paraíso! Onde não há dor,

guerras, lágrimas e nem pecados! Porém: se continuasse a

nascer crianças, certamente não caberia mais em nosso

mundo.

— Quer dizer que não nasce mais? Mesmo que as

pessoas queiram?

Page 46: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

46

— Isso mesmo!

— Mesmo que um homem faça... bes...teira... com

uma mulher?

— Um homem e uma mulher não faz bes...teira,

Regis! Eles, principalmente sendo casados, tem uma

união íntima sagrada, em que se entregam em linda

prova de amor.

— Tá! — Franzi a boca. — Aqui os homens não

ama as mulheres?

— Aqui os homens e as mulheres são estéreis! Não

geram mais vidas!

— O que é es...téreis?

— O que eu disse: aquilo que não é capaz de gerar

mais vidas!

— Sinto muito! — Disse-lhe triste. — Por que são

es...téreis?

— Você gosta de perguntar! Não? — Riu ele.

Balancei os ombros.

— Há aproximadamente cinco mil anos, nosso

planeta foi atingido por uma radiação, causada por uma

explosão estelar no espaço, a bilhões de quilômetros

daqui. Depois, com mais tempo falo sobre isso!

— Tenho tempo agora, senhor Frene! — Disse-lhe

triste. — Não tenho mais o que fazer!

— Você sabe que estrelas explodem! Não?

— Sei! O senhor Tony já contou!

— Muito bem: Elas tem um certo período de vida,

depois disso elas incham, engolem tudo o que está em sua

órbita, acabam provocando uma linda explosão mortal...

Ri, ao imaginar uma estrela, como se fosse um

grande monstro guloso, que nunca para de comer,

ficando cada vez mais gordo, até, por falta de espaço

dentro de seu próprio corpo, acabar se explodindo.

Page 47: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

47

— ...e geralmente se transformam em outras, as

quais os terráqueos batizaram por supernovas.

— Viram outras estrelas? — Imaginei que o tal

monstro estrela, ao explodir, joga no espaço, centenas de

estrelas filhotinhas.

— Isso mesmo! Dois tipos delas! É muito

complexo! Quer ouvir sobre isso?

Balancei os ombros como a dizer: “Tanto faz”,

“Não tenho mesmo o que fazer”.

— Quando uma supernova explode, ela pode

liberar muito hidrogênio e criar outra estrela normal,

chamada de Anã Branca, por exemplo. Como seu Sol.

Mas também ela pode não liberar nada de hidrogênio,

com isto será criada uma nova estrela conhecida como

estrela de nêutron. A massa de uma estrela assim é tão

densa, que se você pegasse o edifício Itália, que é o maior

edifício de São Paulo e o comprimisse até o tamanho de

uma caixa de fósforos, seu peso na Terra, ainda seria de

um milhão de toneladas.

— Acha que alguém vai acreditar nisso? —

Duvidei.

— Você vai! E eu não disse um milhão de quilos...

— Sei! — Balancei os ombros. — Um milhão de

toneladas!

— Sabe o que é isso?

— Não! — Neguei junto com os ombros. — E o

que isso tem a ver com seu povo não ter filhos?

— Tudo a ver! Quando uma dessas supernovas

explodiu a pouco mais de cinco mil anos no passado, ela

lançou poderosos e radioativos raios cósmicos em nossa

direção. Esses raios tem a característica própria de alterar

os de-ene-a dos seres vivos, causando-lhes mutações ou

dizimando-os. Foi o que aconteceu conosco: Todos os

Page 48: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

48

seres vivos de nosso mundo, com exceção de nós, seres

humanos, foram morrendo aos poucos, sem capacidade

de procriação.

— Não morreram de uma vez?

— Não! Assim como nós, eles se tornaram estéreis

e não mais procriaram. Como tinham a vida muito curta,

não tiveram tempo de se adaptarem e acabaram extintos.

— Vida curta?! — Insinuei admirado.

— Sim! — Confirmou ele. — Quanto tempo vive

uma mosca?

— Quanto tempo vive uma baleia, ou uma

tartaruga? — Retruquei, exibindo minha inteligência. —

Na Terra vivem mais de duzentos anos.

— Mas eram seres à beira da extinção!

— Não sobrou nadinha!

— Nada! Micróbios, peixes, anfíbios, répteis,

animais grandes ou pequenos... Todos acabaram

dizimados.

— Até as baratas?

— Até as baratas! — Riu ele. — Por quê?

— É que na Terra, uma vez ouvi falar, que se

houver uma guerra nuclear, toda a vida será dizi...

destruída por radiação. Menos as baratas!

— Sim! Têm lógicas! Como insetos desse tipo, tem

poder de readaptação, acaba sendo imune a

radioatividade. Mas não foi a radiação que matou minhas

baratas! Foi a falta de procriação.

Passei a mão na cabeça e fiz gestos com a boca, de

assunto complicado.

— Chega desse assunto difícil! Depois falamos

mais. Tudo bem?

Page 49: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

49

— O senhor disse que aqui não há pecados! Acha

que ir à Terra e me roubar de meus familiares, não é

pecado?

Ele se levantou e voltou a se sentar em sua

poltrona. Também me levantei e fui até à escrivaninha; ele

me olhou firme, dizendo:

— Não roubamos você! Simplesmente o

trouxemos pra cá! Aqui será bem melhor pra você.

— Como o senhor sabe o que será melhor pra

mim?

— Eu sei tudo de sua vida, garoto! Desde a hora

em que você nasceu!

— Não sei se é verdade! Mas mesmo que seja:

Meus sentimentos o senhor não pode saber! Por acaso

sabe que faz mais de setenta dias que meu coração está

doendo?

— Aqui Regis, você será eterno: Não pecará, não

morrerá! Sempre será um garoto bonito e saudável!

Nunca irá envelhecer e ficar com a pele enrugada e feia!

— Sempre serei um menino?

— Sempre! Eu e todas as pessoas que vivem aqui

te amamos muito!

— Senhor Frene: eu entendo o senhor. Mas já que

foram até a Terra pra me buscar, por que não me

deixaram em paz e trouxeram em meu lugar, um menino

abandonado? Um que não tivesse família? Tenho certeza

que ele iria ficar muito feliz!

Ele se levantou, caminhou até a porta de saída e

me chamou:

— Venha conhecer seu aposento, depois a gente

conversa mais.

O acompanhei: saímos daquela sala e seguimos

por outro corredor, até seu centro, onde, outra porta à

Page 50: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

50

direita se abriu e nós entramos. Era um grande

dormitório, semelhante aos da Terra, com cama e armário

em acrílico, poltrona dourada e roupas em seda e lã, alem

de um banheiro com seus materiais no mesmo estilo: vaso

sanitário, chuveiro, banheira com hidromassagem,

separada dos demais, por um boxe em acrílico

transparente. Todos, com exceção do boxe, em lindas

cores azul e verde claro.

— É aqui que você ficará! — Me disse o senhor

Frene. — E já vou alertá-lo de que não haverá guardas,

nem tranca nas portas. Ou seja, elas se abrirão, quando

você quiser sair, ou alguém quiser entrar.

— O senhor não teme que eu fuja?

— Fugir pra onde? Seu planeta está invisível pra

você. Aqui não tem pra onde você ir! Aqui será sua casa

agora! Portanto poderá sair e chegar quando você quiser!

— Não há outros perigos?

— Nem um! Ninguém vai querer roubá-lo! Agora

descanse. Depois a gente conversa mais.

Ele já ia se retirando, quando ainda resolveu falar:

— Meu planeta tem uma temperatura mais quente

do que o seu. Aqui onde estamos à temperatura fica entre

trinta e cinco e quarenta graus. Você é uma criança. Se

preferir ficar só de cuecas, ninguém irá reparar.

— Por que o senhor quer que eu fique pelado?

— Imagine! — Riu ele. — Eu só quero o seu bem!

Pode ficar de short, cueca, ou até de roupa, se assim você

preferir.

— Prefiro ficar muito bem vestido!

A porta se abriu e ele já ia se retirando, então

insisti:

— Senhor Frene...

Ele me olhou, então lhe perguntei:

Page 51: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

51

— Como o senhor sabia que na Terra existia vida

humana?

Ele tornou a entrar, segurou em meus braços e

perguntou:

— Você não está cansado?

— Nem um pouco!

— Está bem! Vou falar mais um pouco com você.

Sente-se aqui nesta poltrona.

Sentei-me. Ele sentou-se na cama e então me

perguntou:

— O que você quer mesmo saber?

— Como o senhor sabia que na Terra existia vida

humana?

— Eu e todo o meu povo somos humanos, iguais a

você; só que de uma civilização mais antiga, porém, bem

mais avançada em respeito a conhecimentos e tudo o

mais.

— Mais avançado?

— Sim! Por acaso você conhece ou já viu falar, por

exemplo: nas pirâmides do Egito?

— E como já! — Exclamei eufórico.

— Pois bem: Como acha que elas foram

construídas?

— Pela mão do homem!

— Seria impossível, homens com força comum,

levantar aquelas pedras gigantes, naquelas alturas e as

colocar com tal precisão, segurança e beleza.

— Naqueles tempos, existiam muitos escravos e

eles ajudaram a construir as pirâmides.

— Quem lhe disse isto?

— Vi em filmes! Nos livros também!

— Tanto você quanto seus filmes... e livros, estão

enganados! Você sabia que a precisão da colocação das

Page 52: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

52

pedras é tão perfeitas, que entre os vãos delas, não se é

possível colocar uma agulha?

Nada disse e ele continuou:

— Quem construiu as pirâmides e muitas outras

coisas da Terra, fomos nós.

— Isso é verdade?

— Por que eu iria mentir?

— E como nós, os terráqueos não sabemos desta

história?

— Nós preferimos não deixar muitas provas!

— Na Terra, sempre tem gente dizendo ter visto

disco voador, mas sempre acaba tudo esquecido.

— Nós sabemos!

— Por acaso, algum disco daqui, já foi visto na

Terra?

— Só há muitos séculos passados!

— E quando foram me buscar, o disco não foi

visto na Terra?

— Não! Só você o viu chegar!

— Mas era quase meio dia!

— Sei disso! Só que estava invisível à todos, exceto

pra você!

— Caso eu volte pra lá agora e fale que viajei em

um disco voador e fui a um planeta da Via Láctea,

chamado Suster, a oitenta e sete anos-luz de distância,

certamente diriam que estou louco e me internariam em

um hospício.

— Certamente! — Riu o homem.

— O senhor disse que construiu as pirâmides do

Egito. Pra quê?

— São belas!

Page 53: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

53

— Pra que o senhor faria uma viagem tão longa e

cara pra construir uma pirâmide em um planeta que não

é o seu? Qual a vantagem disso?

— Quando meu pai e sua tripulação chegou na

Terra e se viu perdido em um mundo semelhante ao

nosso, resolveu criar um lugar perfeito pra viver sua vida

e com isto retribuir também por sua acolhida.

— Seu pai esteve na Terra? — Me espantei.

— Ainda não contei esta passagem. Fico feliz, em

saber, que ouvir falar sobre meu planeta, lhe agrada!

Nada respondi, apenas dei um leve sorriso triste.

— Vou contar o porquê de meu pai ter chegado à

Terra. — Continuou ele. — Mas aos poucos.

— Por quê?

— Chegarei lá: — Continuou ele. — Meu planeta,

como seu povo chama, é cinco vezes maior do que o seu.

Nosso dia tem trinta e duas horas...

— Trinta e duas horas!?

— Isso mesmo!

— A Terra tem apenas vinte e quatro!

— Aqui tem trinta e duas! É iluminado por duas

estrelas gigantes...

— Dois sóis?

— Duas estrelas: Uma durante dezesseis horas,

que é a estrela Kristall. Uma estrela branca a seiscentos

milhões de quilômetros e cinco vezes maior do que o seu

Sol.

— Cinco vezes maior?

— E mais longe também! A outra estrela ilumina

as outras dezesseis horas. Chama-se Brina. É azul-clara,

fica do lado oposto da Kristall e a oitocentos e oitenta

milhões de quilômetros daqui.

— E é maior que o Sol?

Page 54: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

54

— Muitas vezes! Ela é três vezes maior do que a

Kristall. Cerca de quinze vezes maior do que o seu Sol!

— Como que ela não torra este planeta?

— Você é bobinho! — Riu ele. — Por causa de sua

distância!

— Mas a distância é pouca!

— Pouca! Oitocentos e oitenta milhões de

quilômetros é pouco?

— É! O Sol está a cento e... cinquenta... — Tive

dúvidas.

— Cento e quarenta e nove milhões de

quilômetros da Terra. — Corrigiu ele.

— Quer dizer: sua estrela, sendo quinze vezes

maior do que ele, deveria estar quinze vezes mais longe

também, pra que a temperatura fosse a mesma. Só que

não está a mais de cinco ou seis vezes mais longe.

— Eu te entendo. — Riu ele. — Você é um garoto

muito esperto! Mas mesmo assim, ainda precisa aprender

muito! Nossas estrelas são muito mais frias do que o seu

Sol, por isso a temperatura é quase a mesma!

— Mais fria? — Fiz careta. — Quanto?

— Você vai ser cientista? Cosmólogo?

— O que é cosmólogo?

— Aquele que estuda o universo. A temperatura

de seu Sol é de pouco mais de dez mil graus fahrenheit.

— Fah... O quê? — Franzi toda a cara.

— Quase seis mil graus Celsius. — Riu ele.

— Celsius! — Ri. — Conheço um Celso!

— Não liga não! — Riu o senhor Frene. — São

nomes dados ao sistema de medidas de temperatura.

Fahrenheit, Celsius, são os nomes dos cientistas que

descobriram e criaram tais sistemas.

— E suas estrelas?

Page 55: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

55

— É complicado falar sobre minhas estrelas. São

duas!

— O senhor sabe tudo sobre meu Sol e nada sobre

suas estrelas!

— Estudei muito sobre o sistema solar! Mas eu sei

sobre minhas estrelas. Elas ficam naquilo que os

terráqueos chamam de constelação da Ursa Maior. A

Kristall surgiu a cerca de dois bilhões de anos e deverá

viver mais uns três. Sua temperatura é de cinco mil graus

Celsius. A Brina surgiu a quase dois bilhões de anos e vai

viver mais um. Sua temperatura é de três mil graus. Você

sabe qual é a idade de seu Sol?

— O senhor sabe quantos anos eu tenho?

— Com certeza! — Riu ele. — E você vai se

espantar quando souber!

— Ãh?

— Seu Sol já viveu cerca de seis bilhões de anos.

Quando ele morrer, ou explodir, destruindo a Terra, vai

virar uma nova estrela chamada por vocês de Super

Nova.

— O Sol vai... morrer? — Me preocupei. — Vai

destruir a Terra?

— Com certeza vai! Todas as estrelas irão! Mas

não se preocupe. Nem minha longa vida verá esta

magnífica explosão.

— Como assim?

— O Sol ainda viverá pelo menos outros cinco

bilhões de anos. A terra morrerá um pouco antes.

— Se duas estrelas iluminam seu planeta, em

períodos... Diferentes... Isto indica que aqui não há noite!

Só dia!

— Realmente! Você é um geninho! Em Suster e

todo nosso sistema Estelar, não há noites. Não há trevas!

Page 56: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

56

— E como vivem as plantas?

— Normalmente! Assim como nós, humanos, as

plantas são habituadas ao nosso clima!

— Mas... Se seu planeta foi atingido por radioa...

Radiação... Deixando todos estéreis, não podendo gerar

filhos, como as plantas se procriam?

— Você gosta de perguntar? — Riu o senhor

Frene. — Por acaso memoriza tudo o que eu falo?

— Não! — Neguei, franzindo o nariz.

— E por que gosta de perguntar?

Os ombros falaram por mim.

— O que você quis saber sobre as plantas?

— Como as plantas de seu planeta se procriam?

— Como assim?

— Ora! As plantas fazem como nós... Quer dizer...

Os adultos, à sua maneira, através do pólen... Através dos

pássaros... Sei lá!

— Elas se acasalam! Você quer dizer!

— Pode ser!

— Elas continuam sua reprodução normalmente!

Porem, como aqui não há insetos ou pássaros, para

polinizá-las, o próprio vento se responsabiliza por isso!

— Mas como elas não ficaram estéé...reis como os

homens?

— Seu ciclo de vida é diferente de nós. Por

exemplo: elas não absorvem oxigênio! Podem ser imunes

à famosa radiação!

— Aqui não há insetos e pássaros! O senhor

disse!...

— A única vida animal em nosso planeta, somos

nós, os humanos! Já falamos sobre isso!

— Não há peixes nos rios?

— Nada!

Page 57: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

57

— Como as plantas das águas sobrevivem?

— Quem lhe disse que existem plantas dentro da

água?

— Ninguém! Mas na Terra, as plantas das águas...

— Aquáticas! — O interrompeu. — Algas

marinhas e outras mais!

— Então! Minha professora disse que elas são as

que mais produzem oxigênio!

— Aqui também! Mas nós aprendemos a

preservar a natureza, como sendo a principal fonte de

nossa vida quase eterna!

— É difícil aceitar que não existem animais ou

peixes dentro da água e mesmo assim, as... Algas se

procr...

— Procriarem! — Ajudou-me ele. — Com o passar

do tempo conosco, vamos lhe ensinar muito sobre nosso

mundo. Podes crer!

— Vocês não comem carne?

— Não existe carne animal pra se comer!

— Pelo menos não há pernilongos! — Concluí

rindo.

— É! — Riu ele. — Mas também não há cachor-

rinhos!

— Acho que basta! — Passei a mão sobre a testa.

— Senão aí é que acabo não entendendo nada!

O senhor Frene riu, se levantou e na saída da porta

que se abriu, me disse:

— Muito bem! Pode descansar agora. Em outra

oportunidade, conversaremos mais.

— Tá! Mas chega de tantos números!

— Como assim? — Riu o homem.

— Cinco bilhões de anos... Oitenta e sete anos

luz... Ufa! Meu cérebro já lotou!

Page 58: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

58

— Engano seu! Essa maquininha dentro de sua

cabeça tem mais neurônios do que nossa galáxia tem de

estrelas!

E se retirou. Levantei-me, me despi, ficando

apenas de cueca e me deitei para descansar um pouco.

Estando sozinho, comecei a pensar em meus pais e

escola, com isto, a tristeza voltou a dominar meu coração

saudoso e as lágrimas voltaram a brotar aos poucos no

canto dos olhos.

Page 59: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

59

Revendo o passado

pós ter dormido por algumas horas, acordei,

sendo beijado de leve no rosto. Abri os olhos

e vi uma mulher, que aparentava ter uns vinte e três anos

de idade. Branca de cabelos escuros e muito bonita. Ao

acordar assustado, lhe perguntei, puxando o lençol de

seda sobre meu corpo:

— Como você entrou aqui?

— Pela porta! — Exclamou ela. — Onde mais?

— E o que você está fazendo aqui?

— Vim lhe fazer uma visita!

— Mas você estava me beijando!

— Eu sei! Qual é o mal?

— Tenho só nove anos! Você é mais velha do que

eu!

— E o que tem isso?

— Na Terra, quem se beija são namorados!

— E o que isso tem a ver?

— Eu estou pelado e você é mulher!

— Você não está pelado! E mesmo que estivesse,

qual seria o problema?

A

Page 60: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

60

— Qual seria o problema! — Admirei. — Eu sou

homem!

— Não! Você é um menininho! E muito bonito por

sinal!

— Quer me levar no bico!

— Nada disso! Você é bonito mesmo!

— Obrigado! Você também é muito bonita! Mas

não precisava me beijar!

— Eu te amo muito!

— Ama mesmo? — Me inibi, sentando-me sobre a

cama e cobrindo minha cintura com o fino lençol de seda.

— Você quer me namorar?

— Não é bem esse amor! — Riu ela. — Sou mais

velha!

— Então não pode me amar!

— Claro que amo! Como um filhinho talvez!

— Quem aguenta tantos pais? — Esbocei leve

sorriso desconfiado.

— Vamos mudar de assunto! Quer tomar um

banho?

— Quero sim! Está muito calor aqui!

— Você já conheceu o banheiro?

Levantei-me e a acompanhei àquele estranho

banheiro, ali mesmo, dentro do quarto. Ao adentrar, em

uma antessala, a qual na Terra se chama Closet, onde

havia um grande armário com cabides, roupas e toalhas.

Ela me ordenou:

— Pode tirar o resto da roupa!

— Com você aqui? — Admirei.

— O que tem isso?

— Muita coisa! Eu sou homem e você é mulher!

— Deixe de ser bobinho! Você não é homem e eu

preciso te ensinar a usar este chuveiro.

Page 61: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

61

— Eu sei usá-lo!

— A sabe, é?

— Claro! Eu tomo banho todos os dias!

— Não neste banheiro! Tire a roupa logo, senão

vou tirar pra você!

— Não posso tomar banho de cueca?

— Claro que não! Pode tirar!

Acanhado, me recusei com a cabeça. Ela riu

dizendo:

— Não sei por que essa timidez toda!

Continuei calado.

— Tudo bem! — Riu ela. — Vamos pro banho!

Entramos juntos, em outra parte do banheiro: era

todo forrado e não se via nenhum chuveiro, apenas meia

dúzia de braços mecânicos sobre a parede, alem de quatro

botões junto à porta. Permaneci no centro do banheiro e

ela próxima à porta, onde, apertou um botão e começou a

jorrar água de todas as paredes em mim; apertou outro

botão e os braços mecânicos, começaram a se

movimentar, me esfregando e assim, dando banho em

mim, como mamãe fazia quando eu era pequeno.

Após alguns minutos, a mulher apertou outro

botão e as mãos pararam. A água, ainda jorrou até ela

apertar um último botão.

Assim que saí do banho e voltei ao tal closet, ela

abriu o armário, tirou uma toalha verde, grande e muito

bonita, me entregando.

— Como você se chama? — Perguntei-lhe,

enquanto me enxugava.

— Leandra!

— Eu me chamo Regis!

— Bonito nome!

— Não acho muito bonito!

Page 62: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

62

— Mas é! E você é mais bonito ainda!

— Sabe: Na Terra, eu não gostava de uma coisa.

— Do que?

— De ficar pelado perto das pessoas.

— Por quê?

— Tenho vergonha!

— Por quê?

— Tire a roupa pra eu ver! — Pedi-lhe.

— Eu não!

— Por quê? Tem vergonha?

— Não! Eu sou muito mais velha do que você!

Você é só uma criança e isso não seria certo!

— E por que quer que eu fique pelado perto de

você?

— Porque você é só uma criança e isso não tem

nada de mal! Desde que haja respeito por minha parte.

Não vejo porque esta timidez em se despir para tomar

banho!

— Porque sou gente também! Não sou como um

boneco pra se brincar! E tenho vergonha também!

— Ainda bem!

Ela seguiu até o armário, apanhou algumas vestes,

iguais às deles e me entregou dizendo:

—São suas! Pode vestir!

Apanhei as belíssimas vestes de cor prateada e ela,

demonstrando que respeitava meus sentimentos, afastou-

e da saleta, me deixando só, para que pudesse me vestir.

Tirei minha cueca molhada e me vesti alegre:

primeiro uma linda cueca branca e a seguir, um lindo

macacão; depois uma botinha tipo sete léguas, feita de um

material tipo tecido, muito confortável.

Ainda ali no tal closet daquele banheiro, me

penteei, depois fui para o quarto, onde reencontrei

Page 63: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

63

Leandra. Ela me entregou um pequeno aparelho, que

seria um controle remoto, me dizendo:

— Devido o calor de nosso planeta, fomos

obrigados a criar também um tal de condicionador de ar.

Você poderá ligá-lo com isto!

Quando ela ia se retirar, chamei-a:

— Muito obrigado pela ajuda. Tá!

— Foi um grande prazer!

— Desculpe-me ter sido chato!

Ela voltou; deu-me outro beijo na face, dizendo:

— Você não foi chato! Pode descansar agora!

Retirou-se, enquanto eu esfregava a mão no rosto,

como a limpar o beijo recebido; fui até a entrada do

quarto, fiquei parado, olhando-a. Quando ela

desapareceu por outro corredor, também resolvi sair, por

outra direção. Andei até a sala do computador gigante,

virei à esquerda e segui até a entrada da residência, onde

saí e fui até um belo jardim, o qual ficava no mesmo

ambiente externo. Havia algumas árvores e enorme

quantidade de flores, como margaridas, rosas, jasmim,

Hortência e outras, as quais não sabia distinguir, por

serem desconhecidas na Terra; pelo menos para mim.

Havia também, alguns bancos, construídos em acrílico em

cor rosada. A temperatura continuava em torno de trinta

e cinco graus. A Estrela Brina, já estava quase na metade

do céu, que era muito azul, quase sem nuvens. Sentei-me

em um dos bancos e fiquei pensando em mamãe, papai,

minha casa, meus cinco irmãos, amigos, colegas de

escola... Beth...

Pouco tempo depois, percebi que estava

novamente chorando: chorando de saudades; chorando

por saber que estava a bilhões e bilhões de quilômetros de

casa... Não! Trilhões. Chorando por perceber que estava

Page 64: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

64

perdido no Universo e que talvez, jamais regressaria para

minha família.

Talvez fosse bom viver ali: passaria centenas e até

milhares de anos e eu seria sempre um garotinho,

aparentando nove anos de idade. Ali eu era amado, pelos

mais de três bilhões de habitantes susterianos. Mas de

que me adiantava àquelas vantagens, se não poderia ver a

meus pais; se não tinha nem mesmo uma garotinha de

minha idade para brincar de namorar; se não tinha um

menininho de minha idade, para me fazer companhia e

brincar...

De repente, apareceu o senhor Rud. Sentou-se a

meu lado, me perguntando:

— Quem bateu em você?

Não respondi. Só limpei os olhos com uma das

mãos e me levantei. Ele insistiu:

— Por que todas estas lágrimas?

— Quero voltar pra casa! — Disse-lhe bravo.

— Mas já? Você acabou de chegar!

— Não importa! Quero voltar pra casa!

— Nada disso! Dentro de duas horas, você vai

aparecer na televisão.

—Televisão! Aqui tem televisão?

— Claro! Tudo o que tem na Terra, nós temos

aqui! Só que em um sistema muito mais avançado!

— Tudo?

— Não! Eu minto! Há muitas coisas em seu

planeta, que aqui não tem!

— O que? — Levantei-me e segui até o arvoredo,

sendo seguido pelo senhor Rud.

— Guerras! Crimes! Exploração! Devastação e

muitas outras coisas ruins! Velhos e crianças

abandonadas!

Page 65: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

65

— Aqui não há velhos nem crianças! — Lembrei-o.

— É verdade! — Riu ele. — Então será por isso?

— Por isso o quê?

— Que eles não ficam abandonados! — Riu Rud.

— E a televisão? Como é?

— Igual às suas: só que com um sistema que

abrange todo o planeta simultaneamente, com bom som e

boa imagem digitais, em cores.

— E eu vou aparecer em sua tevê?

— Sim! Vai! Como pode ver, já está ficando

famoso.

— Isso não me interessa!

— Outra coisa: Você está elegante com estas

roupas!

Levantei-me e sorrindo, desfilei pra ele ver.

— O senhor acha mesmo? — Perguntei-lhe.

— Claro! Até parece que ela foi feita sob medida.

Aliás, foi mesmo.

— Foi nada! Ninguém tirou medida em mim!

— Porque você não viu!

— Foi enquanto eu dormia? Há poucas horas?

— Não! Já faz muitos dias!

— Como assim? — Tornei a me sentar. — Se eu

cheguei hoje, ou ontem! Não sei bem!

— Foi quando você ainda estava na Terra! Eu nem

tinha ido te buscar ainda!

— Mas como?

— Através de um sistema que chamamos tape-

ondas.

— Fiquei na mesma! — Dei de ombros.

— É o seguinte: na sala do computador, o senhor

Frene, através de um tipo de televisão, te observava trinta

e duas horas por dia; desde a hora em que você nasceu.

Page 66: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

66

— Me observava? — Admirei. — Me via ao vivo?

Mesmo eu estando na Terra?

— Isso mesmo!

— Mas como pode?

— Nós somos milhares de anos, avançados em

relação aos terráqueos! Nosso sistema é superior! Nós

somos imortais!

— Mas ele me via a todo o tempo?

— Trinta e duas horas por dia!

— Mesmo quando eu estava pe...lado, tomando

banho?

— Mesmo! Se você estivesse rindo, chorando,

apanhando, dormindo, estudando, pelado, vestido,

fazendo o que devia, ou o que não devia, ele te observava.

— E ele não dormia?

— Claro que sim! Suas imagens ficavam gravadas

em nossos tapes. O senhor Frene tinha outras coisas pra

fazer; inclusive dormir!

— Vou entrar agora! — Disse-lhe, me levantando.

— O senhor não vai?

— Daqui a pouco! Pode entrar! Você precisa

descansar.

Despedi-me, tornando a entrar. Só que ao passar

pela sala do computador, parei sobre a porta e como a

sala estava vazia, resolvi entrar. Lentamente me

aproximei daquela gigantesca máquina e curioso, comecei

a olhar as dezenas de botões, que ela possuía. Rud me

dissera, que através dele, em um sistema muito avançado,

o senhor Frene, me observava na Terra, então, me

sentindo curioso a, talvez ver meus pais e amigos.

Olhando botão por botão, vi um com um símbolo tipo

seta, que parecia ser “ligar”. Apertei-o e várias luzinhas se

ascenderam. Uma voz perguntou-me:

Page 67: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

67

— O que desejas?

Assustado, olhei para todos os lados e não vendo

ninguém, retruquei:

— Quem está aí?

— A máquina! Você se assustou?

Olhei para o computador e percebi que foi ele

quem falou comigo:

— Como faço pra ver a Terra? — Perguntei-lhe.

— Primeiro você aperta o botão te sete (T-7),

depois levanta a alavanca número três até o número

Cento e dezesseis...

— O que você está fazendo aqui Regis? —

Interrompeu o senhor Frene, que acabara de chegar.

Perdendo a atenção no que o computador me

explicara, olhei assustado para o recém-chegado e após

uma pequena pausa, disse:

— Eu queria ver a Terra!

— Quem lhe disse que você conseguiria isso,

através do computador? —- Desligou-o.

— O senhor Rud! Ele me disse que o senhor me

observava na Terra, desde que nasci!

— É o Rud, é?

— Por favor, senhor Frene! Explique melhor!

— Você já comeu alguma coisa depois que chegou

aqui?

— Não!

— Então deve estar faminto! Vamos comer alguma

coisa, depois eu te explico.

— Não tenho fome! Por favor, me explique agora!

— Já que você insiste! Sente-se!

Sentei-me na poltrona. Ele se dirigiu ao armário de

tapes e começou a escolher. Após alguns segundos,

apanhou um deles, abriu sua caixa e percebi que na

Page 68: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

68

verdade era uma minúscula caixa dourada, não maior do

que uma caixa de fósforos. Inseriu-o em um

compartimento, por baixo do computador, depois voltou-

se para mim, dizendo:

— Há uns quinze anos, por nossa televisão, surgiu

algo muito comovente: Um famoso produtor de Orington,

criou um documentário de como seria nossa vida, caso

tivéssemos uma criança para completá-la. Ele criou em

computador algumas crianças, meninos e meninas, com

imagens tão próximas da realidade, que todo mundo se

apaixonou por aquelas crianças. O programa foi muito

bonito, copiado por todos e reprisado várias vezes; mas

eram só imagens mortas... ilusão de ótica. Então

finalmente, depois de várias reuniões com mais de mil

pessoas aqui em Malderran, trouxemos para discussão

esse problema da falta de uma criança, para alegrar nosso

mundo.

— Para alegrar seu mundo?

— Sim! A criança é tudo para o ser humano: a

beleza, a esperança, a simplicidade, o carinho, o amor... o

ensinamento. Enfim, tudo! Um lugar, assim como o

nosso, sem crianças, não tem como ter felicidade!

— O senhor está enganado!

— Por quê?

— Na Terra, as pessoas vivem dizendo, que as

crianças só servem pra atrapalhar e criar problemas pros

adultos.

— Eles falam! Mas na verdade, sofreriam como

nós, caso não tivesse um rostinho infantil em suas vidas!

— Então o senhor acha que a criança é muito

importante?

— Não há dúvidas! Nós somos imortais e não

temos doenças, mas sentimos uma doença diferente: uma

Page 69: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

69

doença aqui no peito, devido a falta do sorriso de criança,

pra nos alegrar. Por isso Regis, você é muito importante

pra nós! Um sorriso seu vale milhões de seus dólares!

Dei um leve sorriso e insinuei:

— No Brasil é Cruzeiro4!

Depois sério tornei a perguntar:

— Então por que existem milhares de crianças

abandonadas na Terra e milhares são abor... Mortas pela

mãe?

— Porque o humano terráqueo, na verdade é

desumano! Se nós pudéssemos ter todas estas crianças

abandonadas ou que pretendessem abortar, seríamos

muito felizes!

— Por que tem mãe que quer abortar o filho?

— Porque se engravidou sem querer! Entre aspas!

Diversões irresponsáveis noturnas, levando-as muitas

vezes a acordar nua e bêbada, no leito do apartamento de

um estranho, em uma falsa noite de amor!

— E por que os médicos fazem?

— Monstros! Que juraram cuidar da vida! Ao

invés disso, as tiram sem piedade! Vão todos pro inferno,

sem chance de perdão; tanto os médicos, como as

malditas mães.

— O senhor ficou nervoso! — Insinuei meio

assustado.

— Fiquei nervoso não! Revoltado!

— Mas senhor Frene: se aqui não nascem mais

crianças, é porque Deus assim quer! O senhor não acha

que está desobedecendo a Ele, me trazendo pra viver

aqui?

4 O Cruzeiro vigorou no Brasil de 15 de maio de 1970 até 27 de

fevereiro de 1986, quando foi substituído pelo Cruzado. O Real foi

criado em Julho de 1994.

Page 70: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

70

— Você é muito esperto Regis! — Riu ele. — Mas

Deus é muito bom e naturalmente, nos concederia esta

alegria! Não é Ele quem não quer que aqui não tenha

crianças! Foi erro da natureza!

— Mas Deus controla a natureza!

— Não! — Negou ele. — A natureza controla a

natureza!

— Deus disse a Moisés, pra não adorarmos ídolos

e o senhor está me fazendo de ídolo! Não acha que está

pecando?

— Como você sabe estas coisas? Você é muito

inteligente! Sabia?

— Sobre Moisés, aprendi em minha aula de

catecismo e também vi o filme “Os dez mandamentos”.

Enquanto Moisés foi receber de Deus a pedra com Seus

mandamentos Sagrados, o povo construiu um bezerro de

ouro e passou a ido... idola...

— Idolatrá-lo! — Completou o homem. — Mas

quem disse que estou te fazendo de ídolo? Pra mim você

é como um filho!

— No caso, me sinto com bilhões de pais. Se um

dia, todos resolverem me bater... Mas deixe pra lá.

Quando o senhor resolveu arranjar uma criança há quinze

anos, o que mais aconteceu?

Criamos este aparelho, super potente: colocamos

satélites invisíveis, próximos à Terra, com poderosas

câmeras e finalmente, após um ano de trabalho,

começamos a observá-la. Foi quando você nasceu...

— Por que escolheram a mim, entre tantas

crianças que nascem todos os dias? O que tenho de

especial?

— Nada! Escolher você foi apenas um acaso!

Quando nosso sistema estava pronto, decidimos colocá-lo

Page 71: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

71

em prática! Resumindo, você foi o primeiro bebê recém-

nascido que apareceu em nossa tela.

— Que azar o meu! — Reclamei.

Apertou um botão no computador e na tela, em

imagem bem definida, como se fosse real, apareceu um

menino recém-nascido, pelado:

— Quem é? — Perguntei-lhe.

— Você! Quando nasceu!

— Mas o senhor disse que foi há quinze anos! Eu

só tenho nove!

— Pois é! Nove anos na Terra, significa quatorze

anos aqui! Mais um ano que demoramos pra criar o

sistema, é quinze.

— Quer dizer que o ano aqui passa mais depressa?

— Sim... O ano aqui é de noventa e nove dias dos

nossos; duzentos e trinta e quatro dias e dezesseis horas

se fosse da Terra... A partir de então, ficou decidido que

você seria o nosso menino! Muitos queriam que o

buscássemos logo! Mas a maioria preferiu esperar você

crescer até a idade de hoje. Nesse tempo, passamos a te

observar na Terra, por toda parte que você andava. Com

isto, passamos a te proteger também!

— Me proteger!?

— Foi o que eu disse!

— Se o senhor me protegesse, eu nunca teria

apanhado de papai e mamãe!

— Claro que apanhava! Não podíamos interferir

na sua educação! Tínhamos que aceitar seu livre arbítrio!

— Livre o quê? — Fiz careta.

— Livre arbítrio é um modo de que Deus deixou

para que o ser humano tenha o direito de fazer o que

quiser, sem que Ele, Deus interfira em sua decisão, seja

ela boa ou má.

Page 72: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

72

— E o senhor se acha como Deus?

— Eu não! — Negou o senhor Frene, surpreso.

— Não interferia na decisão de mamãe me bater...

— Não tinha esse direito! Alem do mais, seus pais

precisavam educar você, à maneira deles!

— Então o senhor acha justo que se maltratem

crianças?

— Não! Sou completamente contra se espancar ou

explorar uma criança indefesa! Mas seus pais eram donos

de você!

— Ninguém é dono de mim!

— Alem do mais, você nunca apanhou tanto

assim! Salvo algumas palmadinhas...

— Umas varadinhas... — Emendei.

Apertou um botão do computador, desligando-o.

Apertou outro botão e finalmente mais um.

— Veja isto! — Disse ele.

Eu, com cinco meses de vida dormia na cama de

mamãe. Lentamente, comecei a rolar sobre ela e em

seguida, caindo ao chão. Comecei a chorar e a vomitar

muito. Papai e mamãe correram a me socorrer...

— Você tinha acabado de se amamentar —

Explicou o senhor Frene. — Poderia ter batido a cabeça e

morrido. Porém, ao sentir o perigo, aqui de Suster,

através deste botão, — Me mostrou o botão ípsilon três do

computador. — Te protegi, fazendo-o cair de bruços.

— Quando criança, eu era bonitinho! — Ri.

— Quando criança você é bonitinho! — Afirmou

ele.

— Não sou mais criança! — Neguei irônico. — Já

tenho quatorze anos!

— Pois é! Adulto aqui, só depois dos dois mil

anos! — Caçoou ele.

Page 73: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

73

— Tudo isso?

— Sem brincadeira!

— Mostre mais!

— Quando você tinha nove anos, um dia, uma

cobra quase te picou e você nem viu. Fomos nós quem te

salvamos da morte certa!

— Mas eu tenho nove anos agora!

— Nove anos pra nós! Na Terra, eram cinco, quase

seis! Vou lhe mostrar.

Apertou o botão desligar, depois o botão avance e

em seguida, ligar. Comecei a aparecer na tela: ainda

morava no sítio e fui passear com mamãe e os três irmãos

menores, na casa de uma amiga; no caminho, próximo ao

riacho todo de pedra, encontrei nossa gatinha, que estava

desaparecida há alguns dias; peguei-a, levando-a para

casa às pressas e colocando-a na tuia cheia de algodão.

Sem que tivesse visto, quase pisei e também quase bati a

mão direita, sobre uma cobra jaracuçu, que dormia. Ali,

deixei a gatinha e voltei correndo até onde mamãe me

esperava.

— Quando você quase bateu a mão na cobra: —

Contou o senhor Frene. — Empurrei sua mão, te salvando

a vida.

— Salvando a vida?!

— Claro! A cobra se assustaria e o bote seria

certeiro, te picando ferozmente! Você iria chorar, gritar,

perder a respiração, paralisar todo seu sistema

imunológico, desmaiar e morrer ali, sem que ninguém

notasse; pois em sua casa não havia ninguém: alem de sua

mãe ter saído com vocês crianças, seu pai e seus irmãos

mais velhos estavam na lavoura do algodão.

Page 74: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

74

— É verdade! Lembro-me desse dia: a cobra picou

a gatinha e ela morreu depois. Deu trabalho pra que

papai matasse a malvada. Obrigado por me salvar!

— Lembra do dia em que você caiu do bebedouro

na escola?

— O senhor viu?

— Claro! Vamos ver!

Adiantou o tape e me mostrou algo acontecido a

menos de um ano: Eu estava com oito anos de idade na

Terra. Na escola, era hora do recreio; fui subir no

bebedouro de água, que estava a pouco mais de um

metro do chão molhado, pela própria água que corria. Ao

tentar subir, escorreguei e caí, sujando o uniforme e

ferindo o braço, de raspão. Dali, abandonando a ideia e

sem ser socorrido por ninguém, principalmente adulto,

inspetor de alunos ou não, fui à outra torneira, me lavar.

— Você poderia ter quebrado o braço! — O

alegou.

— O senhor me salvou?

— É uma grande falha da escola! Onde se viu, um

local só de crianças, as torneiras de água potável ficar a

dois metros de altura e as crianças precisarem subir numa

marquise a mais de um metro do chão! E ainda por cima,

todo molhado!

— As crianças até gostam! — Ri. — Menos eu!

Naquele dia!

— Lembra-se de quando por engano, você tentou

entrar no banheiro das meninas?

— Por favor, me mostre: eu gostei!

— Gostou é? Safado!

Mostrou-me:

Eu contava sete anos de vida na Terra e era aluno

recente no Marcos Trench. Teria acabado de me mudar

Page 75: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

75

para a cidade. Assim que saí para o recreio escolar, com a

bexiga querendo jogar xixi pelo ladrão, corri

imediatamente para esvaziá-la; mas sem perceber, ou

talvez sem estar familiarizado com a monstruosidade da

nova escola, em se comparando com a pequenina de onde

viera, contendo apenas uma sala de aula, acabei em por

engano, adentrar ao banheiro das meninas. Quando me

dei conta, quatro ou cinco garotas me agarraram e me

arrastaram para a diretoria. Embora, implorasse para que

me deixassem em paz, elas negavam, dizendo que eu

queria vê-las sem roupas. Já atravessávamos o corredor

na entrada do prédio escolar, seguindo através das salas

de aula, quando de repente, todas ao mesmo tempo,

resolveram me deixar livre.

— Elas iriam te levar pro diretor. Ele te chamaria

de moleque sem vergonha e te bateria!

— E como bateria!

— Eu fiz com que elas te deixassem em paz!

— Elas disseram que eu queria vê-las sem roupa!

Acha! Credo!

— Não foi isso? — Ironizou o senhor Frene.

— Êpa! Tá pensando o quê?

— Estou brincando! Sei que você é um menininho

inocente.

— Já que o senhor me protegia sempre, como não

me protegeu, quando o Vinicius me beliscou e eu

nervoso, resolvi descontar!

— Daí a professora te colocou de castigo?...

— É! Vai dizer que o senhor me salvou de alguma

coisa!

— Quer ver?

Mexeu na máquina e me mostrou:

Page 76: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

76

Tinha oito anos e cursava a segunda série; sentava

no final da sala, próximo à janela e à frente de Vinicius,

um menino moreno, de minha idade, cabelos

encaracolados, super atrasado e que me provocar era sua

atividade predileta. Naquele dia, enquanto eu trabalhava,

ele resolveu me beliscar. Na hora, com os nervos

explodindo, virei-me para trás, pronto a revidar; mas a

professora viu e só gritou:

— Regis!

Assim que olhei, ela me ordenou:

— Já de castigo, aqui no canto!

Assustado, permaneci sentado e calado por algum

tempo, esperando que ela me perdoasse. Mas isso não

aconteceu. A safada da professora só viu minha atitude

de mau menino, a safadeza do outro ela nunca via.

Acabei ficando de castigo, na frente, em exposição para

todo mundo, onde, principalmente as meninas, me

olhavam com risinho na cara; até que, para piorar minha

vergonha, entraram em nossa sala, uma moça e um rapaz,

que eram médicos imunologistas e vinham examinar

nossos braços, a respeito de uma vacina, que havíamos

tomado, dois dias antes. Após examinarem a todos meus

colegas, vieram até mim e a moça pediu educadamente:

— Deixe-me ver seu bracinho!

Triste e com a maior vergonha de minha vida,

tentei recusar; mas a professora ordenou:

— Regis deixe a moça ver seu braço!

Obedeci à mestra. Assim que a moça e o rapaz se

retiraram, ela me chamou até sua mesa e pediu:

— Deixe-me ver seu braço.

Não sei por quê! Ela não é médica!

Após me reexaminar, me mandou sentar.

Page 77: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

77

— Foi o único castigo o qual você sofreu na escola

até hoje. Não é verdade? — Perguntou-me o senhor

Frene.

— Graças a Deus! — Aleguei. — Por que o senhor

deixou acontecer?

— Às vezes é divertido, pregar uma peça em

quem a gente gosta!

— Não foi divertido pra mim! — Neguei bravo. —

Senti muita vergonha!

— Principalmente por causa de Beth! Não é?

— Por causa de todos!

De repente, uma voz vinda de uma caixa, no alto

da parede, chamou nossa atenção:

— Senhor Frene, o carro já está à sua disposição na

portaria. A audiência ocorrerá em meia hora.

— É verdade Regis! — Afirmou ele, enquanto o

alto-falante repetia o aviso. — Você dará entrevista na

tevê, as vinte e cinco horas.

— E o que eu vou falar?

— O que te perguntarem! Vamos! No caminho a

gente conversa mais.

Page 78: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

78

Page 79: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

79

Entrevista na tevê

o lado do senhor Frene, segui para a entrada

da residência, onde, realmente estava um

carro à nossa disposição. E que carro! Tinha

aproximadamente quatro metros de comprimento, por

dois de largura; feito completamente de níquel; não

possuía faróis, mas sim, duas sinaleiras na frente e duas

atrás, as quais ascendiam em vermelho; conduzia

tranquilamente seis pessoas; suas duas únicas rodas eram

bem largas, feitas de uma massa dura, parecida com a

mesma borracha terráquea, porém azuis; seu controle era

feito por um painel destacável contendo dez botões, sem

ter câmbio nem volante e era mais parecido com um mini

iate da Terra, ou aqueles carros anfíbios de alguns filmes.

O homem abriu a porta do lado direito e pediu

que eu entrasse; seguiu ao outro lado, abriu a outra porta

e entrou; destacou o tal controle do painel, apertou um

botão, fazendo com que os demais se ascendessem; eram

de cores diversas. O carro começou a se movimentar

silenciosamente, como se estivesse desligado. Pelas ruas

daquela linda cidade reluzente, devido reflexo de suas

A

Page 80: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

80

estrelas sobre os edifícios de metal, ficavam admirando as

belezas dos prédios e praças, sem manifestar qualquer

comentário. O senhor Frene dirigia com um sorriso nos

lábios, mas também, sem dizer uma única palavra.

Jamais, em toda minha infância, nem mesmo pela

televisão, ou no cinema, o qual, devido minhas precárias

condições financeiras, teria ido muito pouco, havia

apreciado tanta beleza e acredito, nem qualquer outro

terráqueo, ter visto também.

Aqueles prédios eram obras de verdadeiros

artistas e todos construídos em um material, desconhe-

cido para mim. Parecia aço, metal ou níquel; mas não

poderia ser, pois, onde eles conseguiriam tanto desse

material?... E como eles conseguiriam construir tal obra,

sem emendas? Como se fosse uma peça única! Alem de

toda a beleza física, com cores diversas, vitrificadas pelo

tipo de aço, também me encantara com a limpeza e não

parecia existir nada de poluição. Os demais veículos

pareciam saber respeitar os direitos de seus parceiros no

trânsito, pois tudo fluía rápido, sem haver nenhum

congestionamento e praticamente ninguém se preocupa-

va em ultrapassar a outro, salvo quando em sinal de

parada ou alteração de rota de tráfego.

Estava encantadíssimo e às vezes até me esquecia

que estava a trilhões de quilômetros de casa.

Vinte minutos pelo trânsito, a uma velocidade que

diria, de até cento e vinte quilômetros por hora terráquea,

o carro estacionou em um grande pátio, em frente a um

monstruoso prédio esverdeado.

O senhor Frene desligou o carro, descemos e nos

dirigimos ao tal edifício. Entramos, andamos por um

longo corredor, sempre tendo que acenar a diferentes

transeuntes, os quais, não conhecia, mas assim como

Page 81: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

81

celebridade, era conhecido. Depois do corredor, nos

deparamos com o palco, onde havia quatro poltronas de

aço e almofadas pressurizadas em grande luxo, nas cores

dourada e vermelha; uma mesa de aço no centro, à frente

de duas das poltronas; três câmeras tipo filmadora, em

tamanho miniatura, parecendo muito mais, como uma

câmera fotográfica amadora, sem que ninguém as

controlasse manualmente; dois grandes televisores a

cores, de aproximadamente oitenta polegadas cada um,

com a espessura de uma tábua de madeirite, parecendo

mais um simples telão de cinema, em tamanho reduzido.

Esses televisores estavam ligados, apresentando incríveis

imagens de minha viagem pelo espaço sideral, na cabine

do então disco voador, acompanhado pelo senhor Rud e

Tony, em altíssima resolução em terceira dimensão e

perfeição de som, dando a impressão de que estávamos

diante de uma janela no tempo e espaço; ou seja: que tudo

aquilo estava acontecendo naquele instante e que todos

ali naquele auditório, faziam parte dessa extraordinária

viagem interplanetária.

Terminado o palco, havia o auditório, com suas

poltronas, também pressurizadas, colocadas em forma de

escada, de tal forma, que ninguém atrapalhasse o colega

de traz a assistir o que acontecia no palco.

Orientado por senhor Frene, sentei-me sobre uma

das poltronas que estava afastada da mesa; ele sentou-se

sobre uma das que estavam atrás da mesa. O auditório

estava quase lotado.

Poucos minutos de espera entrou um homem

moreno, aparentando uns trinta e cinco anos de idade.

Assim que entrou, cumprimentou-nos, dizendo:

Page 82: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

82

— É uma pena Regis, mas estamos em cima da

hora! Não podemos planejar com você esta entrevista.

Terá que ser mesmo na base do improviso.

Sentou-se na outra poltrona, atrás da mesa. Os

televisores à nossa frente mostraram a sua imagem, tão

perfeita, que se alguém entrasse naquele momento no

auditório, com certeza, confundiria o real com o vídeo.

Ele começou a falar, mesmo sem microfone:

— Prezados amigos, despertos em toda parte de

nossa querida Suster. Aqui em Malderran são exatamente

vinte e cinco horas. Como todos já sabem, hoje às seis

horas, chegou a nosso convívio, nosso esperado filho,

Regis. Todos acompanhamos sua viagem pelo espaço e

finalmente, sua chegada aqui em Malderran. Como todos

já sabem, Regis é um menino de quatorze anos de idade,

vindo da Terra. Branco, cabelos castanhos e muito bonito.

— Riu. — Muito bem: Regis está conosco agora e vai falar

com todos nós e principalmente com os convidados que

estão presentes no auditório.

A imagem da televisão agora passou a ser do

senhor Frene, que então começou a falar:

— Pra começar a entrevista, pediria pra que Regis,

cumprimentasse o auditório e os amigos distantes.

A câmera passou a me focalizar e apareci nos

televisores. Então, bem nervoso com essa novidade, disse:

— Olá... amigos de Suster: Pra começar quero

mandar um abraço e dizer que serei sincero, mesmo

sabendo que vou falar para três bilhões de pessoas. É um

número muito grande e talvez fale algo que alguém possa

não gostar...

— Três bilhões! — Riu o apresentador. — Você

imagina o tamanho desse número?

— Não! — Neguei juntamente com os ombros.

Page 83: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

83

— Na Terra, você se sentia um menino feliz?

— Às vezes sim! Às vezes não! Mas era mais feliz

do que sou aqui.

— Como assim?

— Lá é meu lugar! Aqui sou estranho!

— Eu digo, como assim? Às vezes deixava de ser

feliz na Terra!

— Quando brincava, estava com meus pais,

passeava na casa de meus avós e muitas outras coisas, me

sentia feliz.

— O que você está achando de nosso mundo?

— Bem... Aqui é um lugar muito bom! Embora eu

quase não conheça!

— E de Malderran?

— O que é Malderran? — Perguntei-lhe, já

imaginando a resposta.

— Malderran é o nome desta cidade! — Afirmou o

senhor Frene.

— Desculpe-me! Ninguém havia me dito!

— O que você acha de Malderran? — Tornou a

perguntar o apresentador.

— A mais bonita que já vi! Nem no cinema, jamais

vi coisa mais bela!

— Então você está gostando de nosso mundo?

— Não senhor! Nem um pouco!

— Mas como não? — Se espantou o apresentador.

— Me desculpe! Eu disse que seria sincero!

— Pode ser franco, mas explique sua franqueza!

— É que já faz mais de setenta dias que não vejo

meus pais e amigos! Estou com muitas sau...dades...

Quase não consegui acabar de falar. Estava

chorando e o pior, era que a câmera, não deixava de me

focalizar.

Page 84: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

84

— Não precisa chorar, Regis! — Pediu o senhor

Frene.

— Desculpe-me senhor Frene, mas não posso mais

falar!

E realmente não falei. Fui tirado do palco. Os

homens e o auditório ficaram falando a meu respeito por

alguns minutos. Fui levado a outra sala e sentado em uma

cadeira qualquer, me deram um lenço para que enxugasse

o rosto, depois me deram um suco azul com sabor de

amora, o qual tomei tudo em pequenos goles.

Passado pelo menos dez minutos, estando mais

calmo, voltei. Alguém no auditório, que fôra focalizado

pela tevê, me perguntou:

— Você sabe que todos nós o amamos muito?

— Sei e me sinto muito orgulhoso por isto!

— Falando nisso: — Interrompeu o senhor Frene,

que aparecia na tela. — Regis até disse, que é o único

garoto do Universo, a ter três bilhões de pais. Não é isso

mesmo, Regis?

— É o que parece: — Aleguei, querendo rir. — Se

todos me amam!

— Mesmo sabendo que o amamos tanto, você

ainda quer voltar à seu planeta? — Perguntou-me outro

homem do auditório.

— É natural que eu queira! É lá que estão meus

pais, que são tudo pra mim!

— Você sabe que significa muito pra nós? —

Perguntou-me outra moça.

— Se você fosse levada à Terra e obrigada a

permanecer por lá. O que acharia?

— Dependeria de muitos parâmetros!

— Pois é! Não sei bem o que é parâ...metros! Mas

o meu é que amo muito meus verdadeiros pais!

Page 85: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

85

— Sabe que precisamos de você? Não apenas

como um objeto de desejo! Mas como alguém para nos

trazer carinho e felicidade!

— Sei! Até disse ao senhor Frene, que se uma

criança é tão importante pra vocês: por que então, ao

invés de me trazer, por que não trouxeram uma das

milhões de crianças abandonadas que lá existem?

— Queríamos um menino bonito, inteligente,

educado, desinibido e de seu tamanho! — Alegou outra

moça.

— Mas eu não sou todas essas coisas que você

disse!

— Pra nós, você é tudo isso! — Afirmou o

apresentador.

— Estão me pintando de anjo! — Brinquei. —

Posso me tornar anjinho da cara suja!

— Onde aprendeu isso? — Perguntou-me o apre-

sentador, senhor Gley, rindo.

— Li em um livro infantil!

— Pra nós você é bom e educado! — Confirmou a

mesma moça anterior. — Nunca será um “anjinho da cara

suja”!

— Mesmo que não me torne! — Aleguei. — Na

Terra, existem milhares de outras crianças pobres, que

preenchem suas exigências, muito mais do que eu!

— Você sabia que foi acompanhado rigorosamente

por nós, desde em que nasceste? — Perguntou-me outro

homem do auditório.

— O senhor Frene, já me contou isso!

— Então deve ter contado também, que ele te

preparou durante esses quatorze anos, para só agora

trazermos até nós! — Alegou o mesmo homem.

— Não! — Neguei. — Isto ele não contou!

Page 86: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

86

— Pois é, Regis! — Afirmou o senhor Gley. — Por

isso que na escola, você sempre foi o melhor aluno da

classe; com os amigos, mesmo os mais velhos, você

sempre entendia do que se tratava; no lar, sempre era

obediente e educado...

— E como que mesmo assim, às vezes eu

apanhava de meus pais?

— Nem sempre, quando uma criança é punida

pelos pais; o que geralmente acontece com

espancamentos; nem sempre os pais têm razão em fazer!

— Comentou o senhor Frene.

— E os amigos? Por que muitas vezes, ainda

zombavam de mim?

— Inveja talvez! — Afirmou o apresentador.

— Na escola, quando estava na primeira série e a

professora me chamou pra explicar questões da segunda

série. Quer dizer que foi graças a vocês que consegui?

— Na verdade, nós o ajudamos! — Afirmou o

senhor Gley. — Mas foi graças a seu talento, que você

conseguiu... Mas... Voltando ao assunto: Quer dizer que

você não está feliz em viver conosco?

— Sinto muito: mas nem um pouco! — Neguei

triste.

— Por que não, Regis? — Perguntou-me, com jeito

triste, uma moça do auditório.

— O mesmo que já falei há pouco! Faça de conta

que você tem a minha idade; ou mesmo à sua; tem pai,

mãe, amigos, escola e tudo o mais aqui em seu mundo;

um dia, é rap... roubada e levada a outro mundo estranho,

onde não conhece ninguém! Como você se sentiria?

— Sei lá! Emocionada talvez!

— Não acredito! — Neguei.

Page 87: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

87

— Regis! — Chamou o apresentador. — Para

encerrarmos esta visita, diga agora pra nosso povo, aquilo

que você quiser.

— Por favor, se é verdade que todos me amam,

prove agora este amor, me devolvendo a meus pais.

— Que tal darmos um tempo ao tempo? —

Insinuou ainda Gley.

— Todos me têm como um pai, ou serei apenas

um ídolo?

— O que você quer dizer com isto? — Alegou

Gley.

— A grande maioria das pessoas de seu planeta,

jamais me verão ou quando ver, será apenas pela

televisão. Assim como os grandes artistas de minha Terra!

A diferença é que eu não sei fazer nada!

— Por que você acha que as pessoas jamais te

verão pessoalmente? — Insistiu o apresentador.

— Tenho só nove anos, senhor Gley! Mas sei que

muito pouco dos seus mais de três bilhões de moradores,

conseguirão se aproximar de mim! Como podem ser

considerados meus pais?

— Temos planos para que você visite cada uma de

nossas mais de nove mil grandes cidades! E antes que

duvide, também temos planos para que fique o tempo

que for necessário e abrace a cada um de seus três bilhões

de pais! — Emendou o senhor Frene.

— Haja tempo! — Sorri irônico.

— É o que mais temos!

— Como eu poderei corresponder o amor a cada

um de meus três bilhões de pais, se estarei com cada um

por apenas alguns minutos?

Page 88: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

88

O Senhor Gley ficou sem palavras e sinal para

cortar a entrevista. Levantamos-nos e ele veio falar

comigo:

— Gostei muito em conhecê-lo!

— Engraçado, até parece que vocês nunca foram

crianças! — Insinuei.

— Claro que já! — Exclamou o senhor Frene. —

Mas foi a milhares de anos!

— O senhor gostaria de ser criança até hoje? —

Perguntei-lhe.

— E como gostaria! —Disse o senhor Gley.

— Engraçado, eu queria ser adulto!

— Por quê?— Perguntou-me ele.

— Adulto dirige, passeia sozinho, vai ao cinema

proibido, nunca apanha dos pais, viaja sozinho, namora

sem ninguém cen... reclamar...

— Agora pense: — Pediu Gley. — Um terráqueo

adulto, precisa trabalhar, às vezes arranja encrenca e

acaba preso, enche a cara e fica bêbado, se casa e arca com

as responsabilidades de uma família e uma série de

outras coisas. A criança brinca, passeia, tem um monte de

amiguinhos, paquera uma Beth na escola...

— Eu não paquero a Beth! — Neguei sério. — Ela

é minha amiga de escola!

— No mais: — Continuou o senhor Frene. — Aqui

você poderá dirigir, passear bastante, viajar muito e não

vai apanhar de ninguém! Quanto a namorar, não posso

lhe prometer nada, pois aqui não existem garotas de sua

idade!

—Mas vai dizer que na Terra, você realmente não

namorava! Nem paquerava? — Ironizou o senhor Gley.

— Apesar de ser criança!

— É claro que não! — Neguei convicto.

Page 89: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

89

— Pra cima de mim, Regis?! — Insinuou o senhor

Frene.

— Claro que eu não namorava! Mamãe disse que

se eu falasse em namoricos com a Beth, ela me bateria!

— Taí! — Exclamou o senhor Frene. — Você não

falava, mas só a Beth, pra saber a verdade!

— Quer dizer que seu namoro com ela era segredo

pros demais? — Perguntou o senhor Gley.

— Não há segredo de nada! — Neguei bravo. —

Ela é apenas uma coleguinha de classe! Já disse!

— Só de classe? — Perguntou o senhor Frene.

— Não senhor! De ir junto à escola, também!

— Muito bem! — Insinuou o senhor Frene. —

Vamos embora?

Despedimos do senhor Gley, que ainda insinuou:

— Você é muito esperto, menino! Não será fácil

tapeá-lo!

— Como assim? — Estranhei sério.

— De onde tirou a história de ídolo?

— Já comentei isso com o senhor Frene! Aprendi

no catecismo! Não me faça de ídolo, por favor! Deus não

tolera ídolos!

— Não te faremos de ídolo, Regis! — Negou o

senhor Frene. — Você é nosso filho! E é assim que o

amamos!

— Não sou bom de contas, senhor Frene, mas se

visitar cada uma de suas nove mil cidades, uma por dia,

isso nos tomará um montão de anos.

— Em torno de cem anos susterianos... Mais ou

menos! — Emendou o senhor Gley. — Mas isso não será

problema! Nós temos milhares de anos!

— Ou seja: Cada pessoa poderá ter a pequena

chance de me encontrar uma vez a cada cem anos. Acho

Page 90: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

90

mesmo que serei uma cele...br... um artista, sem saber

fazer nada.

Abraçado por senhor Frene, seguimos até o carro e

então, de volta à residência onde estava morando. No

caminho de retorno, o senhor Frene me explicava, como

fazer para o carro andar. Eu porem não estava muito

interessado. Na verdade, estava muito preocupado e

chateado.

Após uns dez minutos de estrada em silêncio,

resolvi perguntar:

— O senhor está chateado comigo?

— Por que haveria de estar?

— Por causa de eu ter falado tudo ao contrário do

que o senhor queria lá na televisão!

— Eu já esperava que você fosse falar daquele

jeito! Mas não se preocupe; o importante era as pessoas te

ver e saber que você está bem!

— Estar bem? Mas eu só demonstrei estar mal!

— Todos compreendem sua posição e não

estranham. Pelo contrário: estranhariam se você dissesse

que estava tudo bem. Eles sabem que não poderia estar!

Não pra quem foi tirado dos pais!

Ao ouvir falar em meus pais, comecei a chorar.

Ele, percebendo aquilo, insinuou:

— Já vai abrir as torneirinhas novamente? Nem

parece que você é homem!

— E não sou mesmo! — Neguei chorando. — O

senhor sabe que sou criança! Criança prisioneira!

— Criança é verdade! Prisioneira, não!

— O senhor concorda que eu não esteja bem?

— Claro que concordo!

— Então sabe que estou sofrendo? — Continuava

chorando.

Page 91: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

91

— Por enquanto sim! Mas vai ficar tudo bem,

depois!

— Acho que vocês só vêem seu lado pessoal!

Pouco se importam se eu também tenho sentimentos! Se

eu tenho coração!

— Lhe garanto que você será um menino muito

feliz!

— Como disse aquela moça do auditório, me

tratam como se eu fosse um boneco!

— Sei que você não é um boneco, Regis! Sei que

você tem alma... Coração... Sentimentos... Amor próprio...

Calei-me e continuei chorando até chegar à grande

residência.

Ao chegar, as lágrimas já teriam cessado. Fomos

direto a um banheiro, onde, o senhor Frene, apertou um

botão azul e começou a jorrar água de um chuveirinho,

em uma pia. Então ele me ordenou:

— Lave as mãos e essa cara de choro! Depois

iremos ao refeitório.

Ainda calado, lavei as mãos e o rosto, apertei um

botão cor-de-rosa, desligando o chuveirinho; apanhei

uma toalha, que ele já pegara no armário e me enxuguei.

— Agora sim! — Afirmou ele, me abraçando. —

Voltou a ser bonito outra vez!

— O senhor não tem vergonha de achar homem

bonito?

— Nem um pouco! Não o homem você!

Seguimos abraçados ao refeitório, que ficava

vizinho ao banheiro, porém, com a porta do outro lado do

corredor. Ao entrar, notei que era enorme e muito bem

montado: em cada canto, havia um aparelho de tevê de

suas cinquenta polegadas; em uma das paredes, um

enorme armário; próximo ao centro, duas compridas

Page 92: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

92

mesas de aço, rodeadas de cadeiras estofadas, em cor

branca; o centro era vago e ao fundo, havia a cozinha,

separada por paredes de acrílico azul transparente.

O senhor Frene ligou um dos televisores, que

praticamente igual ao da emissora de onde viemos, com

as mesmas qualidades de imagem e áudio; então fomos à

mesa: ele apertou um botão de um aparelhinho que

estava sobre a mesa e em seguida, entrou Leandra, que se

aproximou, cumprimentando-nos:

— Olá senhor Frene! Olá Regis! Como estão?

— Vocês já se conhecem? — Perguntou o homem.

— E como já! Não é mesmo Regis?

— Foi ela quem me ensinou a tomar banho!

— Você é fogo mesmo, garoto! — Afirmou senhor

Frene.

— Eu fogo? Fogo é ela!

— Um momento que eu vou trazer suas refeições!

— Alegou Leandra e se retirou.

— Quem é ela, senhor Frene? — Perguntei.

— Se chama Leandra!

— Eu já sei o nome! Quero saber o que ela é do

senhor?

— Mora aqui conosco e cuida de nossa cozinha.

— Conosco! Quantas pessoas vivem aqui?

— Apenas dez!

— Eu só vi quatro!

— Devagar você conhecerá a todos!

Leandra retornou com uma bandeja de aço, com

dois pratos cheios de alimentos à base de legumes e dois

copos, também em aço, com um suco roxo. Serviu-nos e o

cheiro estava bom.

— Que comida é essa? — Perguntei indiferente.

Page 93: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

93

— À moda da casa! — Insinuou ela. — Coma, você

vai gostar.

Passamos a nos alimentar. Realmente, o sabor era

bom: tinha gosto de milho cozido, maionese caseira e

polenta. O suco tinha gosto de vinho de jabuticaba.

— Não tem carne? — Especulei.

— Não temos vítimas! — Riu o senhor Frene.

— Sorte dos animais! — Insinuei sério.

— Mas temos carne à base de vegetais. —

Insinuou Leandra. — Não hoje!

Enquanto comia, me lembrei de algo que me

deixava intrigado; então resolvi perguntar:

— Na televisão, não tinha microfones pra gente

falar, nem pessoas controlando as câmeras. Como é que

pode ser?

— Simples: os microfones são embutidos nas

poltronas e as câmeras são controladas a distância por

computador.

— E as pessoas no auditório? Elas também

falavam e nunca, dois falavam ao mesmo tempo. Como

pode ser?

— Já não te falei que nosso sistema é muito

superior ao de vocês! — Riu ele zombeteiro.

— Eu sei! Mas queria entender como se faz! O

senhor pode explicar?

— Posso não! Devo! É simples: em cada poltrona

do auditório, também possui um microfone embutido.

Possui também, uma luzinha verde e um botão. Quando

um dos convidados quer interferir falando alguma coisa,

aperta o botão, fazendo ascender uma luzinha azul, na

sala de controle. Ao chegar à vez daquele que pediu a

palavra, o computador liga o microfone e a luzinha verde

Page 94: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

94

da poltrona. Através dessa luz, o convidado sabe que

chegou sua vez... Conseguiu entender?

— Engenhoso!

— E bem simples!

De repente, a televisão chamou nossa atenção,

mostrando um filme, tirado de diversas partes de minha

vida: era sorrindo, correndo, brincando, estudando e até

chorando. Imagens e som, tão reais, que não se pareciam

com cenas gravadas há muitos anos. Era como se

estivéssemos mesmo, diante de uma janela, vendo ao

vivo, o que acontecia comigo pelo passar de minha

existência, Enquanto um narrador ia comentando:

“Esperamos centenas de anos, por uma pessoa que

pudesse nos mostrar o poder do amor puro e a

simplicidade infantil. Esta espera valeu à pena: Há

quatorze anos, na Terra, a cento e dezesseis anos luz de

distância, foi escolhida a criança que seria o nosso

símbolo de paz e esperança, o nosso puro amor, a nossa

simplicidade de vida. Agora, três bilhões e meio de

corações, se unem no mesmo amor e mesma voz:” “Bem

vindo seja você, querido filho de coração, Regis”.

Aquele filme; aquela homenagem me deixou

muito emocionado, com algumas lágrimas diferentes da

que vinha tendo até então. Aquilo me fez confiar um

pouco mais, naqueles humanos, que são meus irmãos e

faziam papel de meus pais, em outro mundo, de tal

forma, semelhante ao meu.

Terminado o jantar, fomos juntos à sala de

computação, a qual na Terra receberia o nome de CPD

(centro de processamento armazenado). Assim que a

porta se abriu, entrei correndo, sentei na poltrona e

comecei a falar:

Page 95: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

95

— A televisão falou coisa errada lá no refeitório.

— Insinuei.

— Como assim?

— Ela falou que a Terra está a cento e dezesseis

anos luz de distância daqui! Tony ou Rud... Não sei qual

dos dois, me disse que são oitenta e sete.

— Ambos estão corretos! — Confirmou o senhor

Frene. — Oitenta e sete anos luz terráqueos!... Se calcu-

larmos sobre nosso ano susteriano, chegaremos a cento e

dezesseis anos e sessenta dias! Aproximadamente!

— O senhor sabe tudo sobre o espaço?

— Um pouquinho! — Riu ele. — Estudo sobre isto

desde que tinha a sua idade!

— Verdade?

— Com certeza!

— Cinco mil anos?

— Pois é! Só que me dediquei realmente a isso, a

partir de quando decidimos trazer você pra cá! Nessa

época, assim que construímos nosso sistema de

comunicação com seu sistema, me dediquei de vez em

conhecer sua Terra.

— Já que é assim, é verdade que em Saturno

existem anéis?

— Saturno, ou Júpiter?

— Saturno!... — Fiz cara de certeza. — Está no

meu livro de ciências!

— Não seria Netuno? Quem sabe Urano!

— Não senhor! — Neguei convicto. — É Saturno!

— Pra falar a verdade garoto, quase todos os

planetas do Universo, possuem anéis. Os anéis de Saturno

foram descobertos pelos terráqueos a mais de trezentos

anos, formado em várias camadas, são na verdade blocos

de gelos, que viajando na órbita do tal planeta formam o

Page 96: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

96

belíssimo anel. Mas em outra camada, é criada por nuvem

de poeira ou mesmo água congelada que é jogada na

órbita por um de seus satélites naturais, como se fosse um

grande jato de nitrogênio. Os terráqueos dizem ter sete

anéis, mas na verdade existem outros. Porém, como

brinquei, Netuno, Júpiter, Urano e até Plutão, possuem

anéis.

— Meu livro não fala nada sobre anéis em outros

planetas do Sol!

— Mas com certeza existem! Seus livros ainda irão

desvendar isto! Primeiro seus astrônomos precisam

descobrir.

— Essa conversa me deixa tonto!

— O Universo é muito complexo. Mesmo a gente

estudando sobre ele durante centenas de anos, é

impossível aprendermos muito.

— Ufa!

— Na verdade, quase todos os sistemas estelares,

galácticos, planetários... Como giram em grande

velocidade no Universo, possuem ligados a sí, anéis. Seu

Sol, por exemplo, tem pelo menos nove anéis, que são a

rota de seus planetas, que viajam graciosamente e

perfeitamente sem se deslocar de sua órbita. Caso se

deslocasse, seria um tremendo caos no sistema, que se

minimizados bilhões de vezes na tela de um televisor,

seria algo muito belo de se ver. Imagine as engrenagens

de um grande relógio cósmico.

Realmente aquela conversa me deixava confuso.

Mas eu gostava dela.

— Alem do mais, o Sol, tem outros anéis ainda

mais interessante. Já viu falar em cinturão de Kuiper...

nuvem de oort? Cinturão de asteroides?

— Vixi!

Page 97: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

97

— O cinturão de kuiper não deixa de ser um anel,

que fica na órbita externa de seu sistema solar. Está

repleto de meteoros gigantes, circundando o Sol. É ali que

se formam os cometas. Já na órbita interna, existe o

cinturão de asteroides. É daí que saem os meteoros mais

perigosos, depois de se chocarem em espetaculares

colisões entre si. Foi daí que saiu o grande meteoro que há

sessenta e cinco milhões de anos, extinguiu seus bonitos e

vorazes dinossauros. Você já ouviu falar na bomba

atômica que devastou Hiroshima no Japão?

Acenei que sim.

— O meteoro que atingiu o México, extinguindo

os dinossauros, tinha o poder em te-ene-te (TNT),

equivalente a uma bomba de Hiroshima, se detonando a

cada dois segundos por cento e quarenta anos terráqueos.

A nuvem de poeira no espaço escureceu o planeta

durante muitos meses, extinguindo a maioria dos seres

vivos.

— Que pena! — Me entristeci.

— Que ótimo! — Riu ele. — Graças a extinção dos

dinossauros, os seres humanos puderam dominar a Terra!

Se tais répteis gigantes ainda existissem, com certeza

vocês não estariam lá!

Só balancei os ombros, como fazia quando não

tinha o que dizer.

— A Terra também tem anéis! — Insinuou ele,

rindo.

— Nunca ninguém falou isso!

— Mas tem! Suster também tem! Só que são anéis

artificiais, criado a partir das centenas de satélites

posicionados na órbita planetária. No caso da Terra, eles

estão em uma órbita chamada Geoestacionária, ou gel-

sincrônico, localizada a trinta e seis mil quilômetros no

Page 98: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

98

espaço. A maioria deles são satélites de comunicação e

localização. Eu por exemplo, tenho três desses caras, em

posição tal, um pouco acima dos seus; cinquenta mil

quilómetros, que consigo ver todo seu planeta em tempo

real. Além deles, tenho mais um, considerado por vocês

de baixa órbita, que fica a quinhentos quilômetros de

altura e está apontado pra sua vida.

— É com ele que o senhor me observava durante

todo o tempo, por essa máquina, aqui, tão longe.

— Exatamente! — Afirmou ele.

— Diga uma coisa: O senhor me observava,

mesmo quando eu estava no banho?

— Que pergunta! Claro que sim!

— E ainda diz que me ama! — Exclamei

aborrecido.

— Está com vergonha de que? De eu ter visto você

fazendo algo que não devia?

— Não faço o que não devia! — Neguei

indiferente.

— Sei que não!

Calei-me, baixando a cabeça. Depois resolvi

perguntar:

— E tudo o que o senhor via, mostrava a todos?

— O que você acha?

— O senhor deveria me respeitar!

— Sua privacidade, você quer insinuar!

Nada disse. Ele, de pé, passou as mãos em meu

ombro e disse:

— Tudo o que está gravado aqui nesta máquina,

só é vista por outros, se eu autorizar!

— E?

— Daqui só saem imagens selecionadas! Aquelas

que você viu na tevê, por exemplo, fui eu quem

Page 99: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

99

selecionei. Eu jamais divulgaria imagens suas, que lhe

deixasse constrangido, pode acreditar!

— Mas tem coisas que nem o senhor deveria ver!

— O que, por exemplo?

— Se o banheiro tem portas e fechadura, é pras

pessoas ficarem sozinhas! Não ligue mais isso! Eu não

quero mais ver!

— Calma! — Pediu ele. — O que vou lhe mostrar

não tem motivos pra vergonha!

E ligou a máquina: era noite e eu dormia. Na

época, ainda morava no sítio, tinha apenas sete anos e

estava doente, com muita febre. Chamei mamãe e

apareceu papai, que, usando uma lamparina, pois nossa

casa não existia luz elétrica, me descobriu e tirou minha

camisa. Ao ver meu corpo suado, ordenou que levantasse

e me despisse por completo. Embora, com muito frio,

obedeci a sua ordem; meu corpo, nem sei por que, na

virilha, estava repleto de espumas, como se tivesse

tomado banho e esquecido de me enxaguar e secar. Ou

pior! Como se tivesse usado o creme de barbear de papai,

nestas partes. Não sei o porquê, mas era algo que me

provocava tal febre. Naquela mesma tarde, estive

brincando com outros amiguinhos e meus irmãos, no rio

todo de pedra que corta o sítio e como a água era muito

gelada, talvez tivesse provocado tal situação.

— O que há comigo papai? — Perguntei

assustado.

— É apenas uma febre alta! Vai passar!

— Não vou morrer?

— Claro que não! — Riu ele. — Você ainda tem

muita arte pra fazer! Vá tomar um banho morno, pra

baixar a febre!

— Por que estas espumas?

Page 100: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

100

— Não sei bem o que é! — Negou papai meio

confuso. — Talvez devido algum tipo de lodo ou ovos de

sapos, por vocês terem brincado no riozinho! Quando

forem lá brincar de correr, não devem ficar sem roupa.

Amanhã você estará bem!

No sítio, a gente costumava brincar ou nadar nos

rios, sem roupas mesmo. Hoje eu tenho vergonha, mas

naquele tempo achava natural.

Embora meio preguiçoso, segui ao banho morno,

preparado em uma bacia por mamãe. Porem, ao contrário

de sempre, tomei um banho bem rápido, me fazendo

inclusive me sentir melhor. Enxuguei-me, voltando ao

quarto para me vestir; porem, papai me pediu que fosse

deitar e dormir assim, pelado, já que eu era apenas um

menininho e seria melhor, para que as roupas não

atrapalhassem meu restabelecimento. Tímido como

sempre fui, obedeci contrariado e ele retornou a seu

quarto. Poucos minutos depois, tornei a me levantar e me

vestir.

— Eu estava doente! — Insinuei.

— Naquela noite, eu sofri com você! — O Alegou

— Enquanto você dormia, eu te observei a noite toda!

Consegui dar um leve sorriso, enquanto ele

adiantava a gravação.

— Engraçado é você ter ficado tímido em dormir

sem roupa debaixo da coberta, mas não ficar tímido em

correr dentro do rio sem roupa.

Dei de ombros como a dizer: “Também não sei”.

— Você se lembra da menina sua vizinha? —

Perguntou-me.

— Qual?

— Aquela com qual você tem costume de brincar

de casinha!

Page 101: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

101

— A Regina?

— Ela mesma!

— Não acredito que fiz coisa errada! Com ela eu

brinco de casinha...

— Você o papai, ela a mamãe... — Me

Interrompeu.

— Sim! Mas nada do que não devia!

Ligou a máquina: estava há pouco tempo passado.

Já estava com nove anos e estava sozinho em casa; era

começo de noite e Regina, poucos meses mais nova do

que eu, morena e muito bonita, chegou e começamos a

conversar. Resolvi convidá-la a brincar de algo diferente:

iríamos brincar de médicos. Ela aceitou prontamente e

disse que seria a médica e teria que me examinar. Pediu

que eu tirasse a roupa, ficando apenas de cueca e deitasse

na cama de meus pais, então forçou as pálpebras de meus

olhos, examinando-os; depois, fazendo uso de uma caixa

de fósforos, como se fosse otoscópio (um aparelho de luz

concentrado e uma lente de aumento), examinou meus

dois ouvidos; pediu que abrisse bem a boca, mostrando a

língua; depois segurando meu pulso direito, olhava para

seu próprio pulso, como se acompanhasse minhas

pulsações através de um relógio imaginário...

— Desligue isso! — Pedi apressado.

— Por quê? Algo errado?

— Desligue já! — Gritei ofegante.

Ele desligou a máquina, caçoando.

— Parece que você conseguiu! Não?!

— Não fizemos nada de errado! — Neguei, com a

voz cortada.

— Lógico que não, Regis! — Disse-me ele sem

brincadeiras.

Eu estava tímido.

Page 102: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

102

— Houve outras vezes, até pior do que isto! —

Disse ele.

— Nunca houve nada, além disso!

— Você sabe o que houve e eu sei!

— O senhor nunca mostrou estas imagens pra

outros! Mostrou?

— Claro que não! Não precisa se preocupar! Nem

se acanhar! — Riu ele. — Tudo coisa da vida dos

terráqueos! Só acho você muito jovem pra isso!

— Apague estas coisas senhor Frene, por favor!

— Fique sossegado! Ninguém verá estas imagens!

— Nem o senhor é pra ver! — Neguei bravo.

— O que há?

— É pecado o senhor fazer isso comigo!

— Vamos dormir um pouco!

Foi boa idéia. Ainda chateado, com vergonha,

segui para meu quarto.

Devido o calor e confiando que ninguém me

visitaria de surpresa, vesti apenas um shortinho de

pijama, sem camiseta e desta vez, lembrei de ligar o

condicionador de ar. Então me deitei.

Page 103: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

103

Um novo amigo

proximadamente oito horas terráqueas

depois, acordei assustado, ouvindo uma voz

forte:

— Garoto Regis, hora de acordar!

Acordei me esticando todo, espreguiçando sobre a

cama e me surpreendendo com um verdadeiro robô à

minha frente: Não era muito diferente daqueles em que a

gente vê nos filmes. Semelhante a uma figura humana;

pouca coisa maior do que eu; dourado, feito de aço e

quando falava, com sua voz metálica, ascendia várias

luzinhas, das cores do arco Iris em seus olhos e peito.

Amedrontado, saltei da cama, perguntando forte:

— Quem é você?

— Um robô susteriano! Como pode ver!

— Um robô? E o que você está fazendo aqui?

— Como todo mundo, vim fazer amizade com o

garoto da Terra!

— Mas o garoto da Terra sou eu!

— Não disse o contrário!

— Quem fez você? — Vesti camiseta.

A

Page 104: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

104

— Não fui gerado como você!

— Eu sei que não! Você acha que sou bobo?

— Pelo contrário: é muito inteligente! Quase igual

a mim!

— Quase igual? — Duvidei. — Sou muito mais

inteligente do que você!

— Ninguém pode ser mais inteligente do que um

robô susteriano!

— Eu posso! E posso provar!

— Como um filhote de gente, cabelo espetado,

pré-tende provar que é mais sábio do que um robô

susteriano?

— Não tenho cabelo espetado! — Retruquei,

esfregando as mãos na cabeça.

— Parece arame farpado!

— É que acabei de levantar!

— Como vai provar ser mais inteligente do que

um robô avançado?

— Tenho uma idéia: eu lhe faço uma pergunta e

você me responde! Depois você faz uma pergunta pra

mim!

— De acordo! Pode começar!

— Deixe-me ver... — Pensei um pouco. — Qual é a

minha idade?

— Em anos, dias, horas, minutos, segundos ou

décimos?

— Sei lá! Minha verdadeira idade!

— Quatorze anos, trinta e nove dias, oito horas,

quarenta e um minutos e sessenta e nove segundos.

— Mas que confusão é essa?

— Sua idade real!

— Quero minha idade, como se fosse na Terra!

Page 105: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

105

— Nove anos, noventa dias, dez horas, vinte e

cinco minutos e treze segundos.

— Acredito em você! — Dei de ombros. — Como

posso duvidar? Agora pode fazer sua pergunta!

— Bem fácil. — Insinuou o robô. — Qual à

distância da rota criada entre nossos dois planetas?

— Fácil mesmo! — Me exibi. — Oitenta e sete

anos-luz!

— É preciso dar a resposta em quilômetros!

— Isso é impossível!

— Não para mim!

— Muito bem seu engraçadinho! Prove melhor

sua inteligência! Qual é a distância?

— Oitocentos e vinte e três trilhões, sessenta e seis

bilhões, seiscentos e trinta e dois milhões, setecentos e

oitenta mil e quatrocentos e quarenta e sete quilômetros

de distância.

— Quê! — Me espantei.

— Sabe essa magnitude numérica?

— Mag... O quê?

— Analfabeto!

— Idiota! — Retruquei.

— Magnitude! O tamanho do número! O

analfabeto garoto da Terra conseguiria escrever tal ordem

numérica?

Pensei um pouco e balançando os ombros insinuei

um tanto duvidoso:

— Posso provar!

Levantei-me, seguindo até o tal armário,

apanhando com certa dificuldade, devido a altura em que

fôra colocada, a minha bolsa escolar; joguei-a sobre a

cama, apanhei um caderno e um lápis preto, ajoelhei-me

no chão e pedi:

Page 106: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

106

— Repita o número.

— Oitocentos e vinte e três trilhões, sessenta e seis

bilhões... Basta até aí.

Na folha do caderno, anotei:

82366000000

Mostrei a ele, franzindo o nariz.

— Burrinho! — Ironizou o robô.

823660000000

— Volte para a escola! — Insinuou cantado com a

voz eletrônica.

82366000000000

— Experimente separar com pontos.

823.66.000.000.000

— Não consigo decifrar esta grandeza!

Observei o caderno, apanhei uma borracha,

apagando, corrigindo os pontos e acrescentando novo

zero.

823.660.000.000.000

— O número apresentado não confere!

— Como não! — Reclamei.

— Leia-o, por favor!

— Oitocentos e vinte e três milh... Não! Bilhões,

Seiscentos e sessenta bilhões...

— Bilhões de bilhões?! Fugiu da escola!

— Não fugi da escola! — Neguei bravo. — Ainda

não aprendi tudo isso!

— Escreva conforme eu dito! Oito... Dois... Três...

Zero... Seis... Seis...

823066

— Acrescente a sequência de nove zeros, separado

por pontos.

Page 107: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

107

823066.000.000.000

— Quase certo! Só faltou os pontos!

— Como você consegue ler? — Especulei-o. —

Quer dizer: Seus olhos podem enxergar minhas letras e

sua cabeça entender elas!

— Meus olhos com sistema foto acoplador, podem

ver e distinguir detalhes, melhor do que os seus e meu

cérebro com o mesmo tamanho de sua massa encefálica

processam em um segundo o que o seu levará toda sua

existência quase imortal para decifrar.

— O que significa a palavra planeta, em grego? —

Me exibi, aproveitando trecho que ouvi em um

documentário pela tevê.

— Viajante do espaço! O que é Grego? —

Emendou-me a uma pergunta complicada, para meus

nove anos de idade.

— Sei lá! — Balancei os ombros. — A linguagem

falada na Grécia antiga. Eu acho!

— Uma etnia criada a partir de vários grupos:

gregos micênicos, surgiram mil e duzentos anos antes de

seu Cristo; gregos bizantinos...

— Ei chega! — Interrompi-o. — O que menos

quero agora é uma aula de história. Ainda mais sobre

gregos!

— Quem é o mais inteligente?

— Eu! — Brinquei. — Sou o único gente aqui!

Você só pode ser intelirobô!

Pensei um pouco e perguntei-lhe:

— Como você consegue saber tudo?

— Possuo um micro processador interno!

— Assim não vale! Você é tudo máquina!

— E muito bem construído!

— Quem te criou?

Page 108: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

108

— Essa pergunta já foi formulada!

— Mas não foi respondida corretamente!

— Fui construído em uma fábrica de

computadores, em Merlin.

— O que é Merlin?

— Uma cidade, localizada ao lado oeste de Suster.

— Qual é seu nome? Só robô?

— Ainda não fui batizado!

— Pois então vou te batizar agora! Você passa a se

chamar... — Pensei um pouco. — Luecy!

— Nome de mulher!

— Esse nome é masculino e feminino! — Insinuei.

— Te dou esse nome, que é igual ao de um amigo meu

metido a sábio, como você!

— Agradeço!

— Mas me diga uma coisa: Quem te adquiriu?

— O Senhor Frene.

— Desde quando?

— Acabei de chegar! Vim direto conhecer meu

dono!

— Seu dono! Quem?

— Você, Regis!

— Quer dizer que você é um presente do senhor

Frene... pra mim?

— Estou programado para lhe atender! Farei e

responderei tudo o que você quiser!

— Mas eu não quero ser seu dono! Quero ser seu

amigo!

— Já é!

A porta se abriu e entrou Leandra, dizendo:

— Regis, hora do banho! Vamos?

Page 109: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

109

— Muito obrigado Leandra! Agora eu já aprendi a

tomar banho sozinho e vou usar o banheiro do quarto!

Não precisa me ajudar!

— Acontece que é minha tarefa, levá-lo ao banho!

— Insistiu ela.

— Ela pensa que você é nenê! — Alegou o robô.

— Eu sei! — Afirmei rindo. — Mas não sou!

— Ela vai insistir pra lhe dar banho!

— Cale a boca seu robô hipócrita! — Reclamou

ela.

— Leandra, pode deixar que eu tome banho

sozinho!

— Já que insiste: — Concordou ela. — Vou cuidar

de minhas obrigações!

— Vai tarde! — Caçoou Luecy.

A mulher se retirou. Comecei a rir, insinuando:

— Coitada Luecy! Ela é muito gentil!

— Gosta muito de você!

— É verdade! Ela e todos desse planeta gostam

muito de mim!

— Garoto especial!

— Vamos tomar banho?

— Robô não toma banho! — Negou ele.

— Mas pode vir comigo!

— Não sentirás vergonha de mim?

— Por que deveria sentir? — Ri. — Você é homem!

— Sou uma máquina!

— Melhor assim! Vamos!

Seguimos para o banho. Acabei de me despir e

entrei no chuveiro. Assim que começou a cair água, Luecy

se afastou alegando:

— Detesto água!

— Por quê? Ela te dá arrepio?

Page 110: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

110

— Não! Dá ferrugens!

Ao ouvir aquilo, desliguei o chuveiro apressado,

corri pegando a toalha e enxugando apressadamente os

respingos de água que caíra sobre o robô, dizendo:

— Como sou burro, meu amigo! Não tinha

pensado nisso! Você é feito de aço!

— Sou feito de metal muito bem trabalhado!

— Então a água não te dá ferrugens!

— Danificam meus circuitos eletrônicos!

Acabei de enxugá-lo bem, coloquei a toalha sobre

o cabide e retornei ao banho.

— Você sem cascas é uma gracinha! — Caçoou ele.

— Leandra tem bom gosto!

— O que é cascas? — Não entendi a metáfora.

— Acessórios! Roupas!

Terminado o banho, fui me trocar no quarto, onde

deixara as roupas. Luecy me acompanhava sempre e

sempre fazendo suas gracinhas.

Enquanto me vestia, a porta se abriu e entrou o

senhor Frene:

— Espero que esteja se divertindo com Mark Três!

— Quem é Mark três? — Perguntei admirado. —

Luecy?

— Quem é Luecy? — Perguntou o homem.

— Luecy sou eu! — Afirmou o robô.

— Quem te deu esse nome besta?

— Nome besta, quem me chama! — Caçoou o

robô.

— Eu o batizei! — Disse-lhe.

— Esse nome que você deu a ele é de mulher!

— Mentira! Tenho um amigo que se chama Luecy!

— Acontece que ele já tem nome: Mark Três!

— Não gosto desse nome besta! — Negou o robô.

Page 111: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

111

— Pra mim ele continua sendo Luecy!

— Já que vocês insistem: não seja por isso! Nem

vamos discutir!

— Senhor Frene: — Chamei triste. — Sei que o

senhor me ama e que todos me querem muito bem. Mas

não posso ficar aqui!

— Você se acostumará! — O alegou.

— Não me acostumarei! — Neguei. — Já estou

com muitas saudades da Terra! Estou sofrendo!

— Te ajudarei a não sentir saudades!

— Mas como? Isso vem do coração!

— Por isso que robô não sente saudades! —

Interferiu Luecy.

— Faremos uma pequena cirurgia em você.

— Cirurgia?! Por quê?

— Fazer você esquecer pra sempre da Terra!

— Esquecer da Terra? Não quero!

— Pra que você não sofra mais! E o mais

importante: Fará com que você passe a gostar daqui!

— O senhor pretende tirar meu coração? —

Perguntei trêmulo.

— Claro que não! Se um louco fizer isto, você

morrerá na hora!

— Ninguém vive sem coração! — Interferiu Luecy.

— Nem eu!

— Que cirurgia é essa?

— Em seu cérebro! Nosso sistema é muito

avançado em relação ao seu. Você não sofrerá nada! Nem

um corte! Nem uma dor e nem uma gota de sangue sairá

de você!

— Não haverá faca e nem injeção na bunda! —

Caçoou Luecy.

Page 112: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

112

— E eu vou me esquecer da Terra? Papai, mamãe,

a escola e todos de lá?

— É pro seu bem!

— Não! Nunca vou me esquecer de lá!

— Você é quem sabe! — Afirmou o senhor Frene.

— Nós só queremos o seu bem!

— Isso não é meu bem!

Ele se retirou um pouco nervoso. Sentei-me na

poltrona e Luecy me disse:

— Você terá que fazer a cirurgia. Terás vida eterna

em Suster! Não retornarás à Terra jamais!

Ouvindo estas palavras sem sentimentos, só me

restava chorar e foi o que fiz.

O robô caçoava:

— Chorar não faz parte da vida de um homem!

— Não sou homem! E tenho saudades de casa!

— Não sabia que você era mulher!

— Sou menino! Você sabe disso!

— Menino homem, ou vira-latas?

— Cale a boca, sua peste enlatada! — Gritei

nervoso.

— Peste enlatada, mas não molho a cama com

urina!

— Não faço xixi na cama, seu enferrujado!

— Enferrujada é sua cara molhada de lágrimas!

— Chega de conversa fiada.

Fui me deitar.

— Pelo menos, se esqueceu de chorar. — Alegou

ainda ele.

* * *

Nos primeiros dias, naquele planeta, diferente da

Terra em muitas coisas, mas igual em várias outras, fui à

televisão por várias vezes e conheci a cidade inteira.

Page 113: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

113

Porém, a saudade de casa, não me deixava em paz e

chorava praticamente todos os dias. De vez em quando,

encontrava alguma alegria e até sorria. Passeava bastante

e participava de eventos com muitas pessoas daquele

mundo, que queriam e gostavam de simplesmente estar a

meu lado, como se eu fosse uma espécie de Michael

Jackson. A diferença, era que tal astro pop, era o melhor e

mais premiado cantor e dançarino coreógrafo em toda a

Terra, enquanto eu, não cantava nem no chuveiro; muito

menos dançava, pois minha timidez não me deixava

rebolar.

Ao tomar banho, o robô Luecy, sempre me

acompanhava; mas devido às gozações que ele sempre

fazia, principalmente em relação a meu corpo nu, chegou

um dia em que resolvi proibi-lo de ir comigo ao chuveiro.

Porem, estando me enxugando antes de me vestir,

em meu quarto, ele, já que não ia mais ao banheiro,

aproveitou para a gozação:

— Fazia doze dias que não o via despido!

— E qual é a graça nisso? — Perguntei.

— Você é muito bonito!

— Robô não tem sentimentos! — Neguei.

— Você nem parece ser um menino!

— E o que eu pareço?

— Símbolo de beleza masculina com quatorze

anos de idade.

— Pare com idiotice!

— Não é ofensa! É elogio!

— Olha aqui: — Aleguei bravo. — A partir de

hoje, vou te proibir de me ver trocar de roupa, não só no

banheiro, mas aqui também!

Page 114: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

114

— Muito bem: — Disse ele, me segurando pela

mão direita e me arrastando para fora do quarto. — Aqui

fora não me proibiste de vê-lo desnudo!

Por má sorte, o senhor Frene, Tony, Rud e

Leandra, passavam juntos pelo corredor.

Ao verem a cena, Rud me perguntou:

— O que está acontecendo?

— Desfile de bottomless! — Caçoou o robô.

Escapando do robô, retornei correndo a meu

quarto, me enrolando no cobertor. Atrás entrou os

demais.

— O que está havendo, Regis? — Perguntou-me o

senhor Frene.

— Ele me proibiu de vê-lo trocar de roupa aqui

dentro! — Insinuou o robô. — Então fomos lá fora!

— Por favor: Querem me deixar vestir roupa!

Todos se retiraram menos Luecy.

— É pra você sair também! — Ordenei.

— Que garoto chato! — Exclamou ele, saindo.

Abandonei o cobertor, vesti cueca, short e

camiseta; deitei-me e comecei a rir sozinho, pensando no

acontecido.

Eu era assim, considerado um menino muito

bonito. Na realidade eu sabia que era comum como

qualquer outro. Na Terra, sendo menino pobre,

costumava brincar na rua, com outros garotos e garotas,

descalço, maltrapilho, sujo e se mamãe não pegasse em

meu pé, iria para a cama ou para a escola, até mesmo sem

tomar banho. Tinha um amigo, adulto, senhor Luciano e

esposa, que me consideravam um príncipe e me

comparavam a um francesinho; mas eles também não

contavam, pois me amavam como a um filho e dizem que

pai não pode pintar o retrato do filho. Quem conhece a

Page 115: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

115

estória da águia e da coruja?5 Mas ali em Suster, eu era

mimado e admirado, como disse o robô: símbolo de

beleza. O mais belo de todos os meninos do mundo. Mas

que todos? Eu era único!

Dois segundos depois, Luecy tornou a entrar como

um cachorrinho desobediente, insinuando:

— Já guardou o fazedor de xixi?

Levantei-me apressado, ameaçando espancá-lo.

— Que medo dele! — Caçoou o robô.

— Que diabo é bottom...less?

— Sem fundo! — Ironizou ele me deixando na

mesma. — Pode ser sem roupa.

* * * *

Poucas horas mais tarde, caminhava sobre o

campo de pouso, com o senhor Frene. Enquanto ele me

mostrava às belezas de seu mundo, conversávamos

assuntos geralmente de mimo.

Após longa caminhada, resolvi perguntar-lhe:

— Ainda acho impossível em acreditar que o

senhor me via na Terra, a hora que quisesse.

5 A águia e a coruja viviam em guerra: uma sempre devorava os

filhotes da outra. Certo dia se reuniram pra tentar fazer as pazes. Dona

coruja pediu: comadre águia, precisamos parar com nossas brigas,

ninguém nunca sai ganhando e nossos filhotes sempre acabam

devorados. A águia concordou dizendo: Tudo bem, a partir de agora

seremos unidas e não devoraremos mais os filhotes uma da outra, já que existe tantos outros bichos para nos servir de refeição; só tem um

pequeno problema: como reconhecerei seus filhotes. Ah, isso é fácil!

Exclamou dona coruja. Quando encontrar os mais belos filhotes do

mundo, com certeza são os meus. Um dia a águia estava caçando e

encontrou um ninho com três filhotes horrendos e devorou-os.

Quando dona coruja viu tal cena, ficou brava dizendo: Comadre águia,

como pode ser traidora? Não havíamos feito um acordo de paz? Sim

dona coruja. Disse a águia. Quando vi aqueles filhotes horríveis

pensei: não devem ser filhotes da dona coruja...

Page 116: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

116

— Pois é! Parece impossível, mas eu via!

— É tão longe! Quando um repórter do Brasil vai

falar com outro no Japão, pela televisão, a gente vê que a

voz demora muito pra chegar. E olha que aquela distância

não é nada!

— Mistérios do universo! — Brincou ele.

— Se nossa viagem demora setenta dias, a voz e

imagem não pode chegar no momento em que se passa!

— Não acha muita coisa pra sua cabecinha

infantil?

— É! Mas se eu não entendo, fico mais confuso!

— Por que um menininho tão jovem se

preocuparia com isto?

Apenas balancei os ombros. Acho que me

preocupava, por estar envolvido nisso.

— Vou lhe explicar um pouquinho. — Concordou

ele. — O universo é muito extenso, eu sei! Nossas naves,

assim como as galáxias, conseguem atingir velocidades

muito além da que o seu povo chama de limite máximo,

ou seja: a velocidade da luz. Agora, transmitir imagens e

voz suas, através deste mesmo espaço em tempo zero,

seria impossível para qualquer um, a menos que nós,

susterianos, criássemos um pequeno atalho, fazendo um

furo nesse espaço e tempo, por onde consigamos vê-lo e

ouvi-lo, no momento em que você estivesse falando.

— O senhor criou este atalho?

— Como conseguiríamos vê-lo e ouvi-lo em tempo

zero?

— Já que é assim, por que não conseguimos fazer

também a tal viagem de setenta dias, em tempo zero?

— Porque o atalho daqui até os satélites dispostos

na Terra é apenas um caminho virtual.

— O que é um caminho virtual?

Page 117: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

117

— Por que não se dedica a aprender dentro de seu

tempo! Seja apenas uma criança! É o que esperamos de

sua permanência conosco!

— Parece impossível até que eu esteja aqui! Parece

um longo sonho, que teima em não terminar.

— Mas é tudo verdade! Quer que eu lhe dê mais

provas, de que eu lhe via na Terra?

— Não precisa! Já vi muito! Quero que o senhor

apague aquelas coisas.

— São meras recordações de uma infância... feliz.

— Feliz?! — Admirei não acreditando na tal

infância feliz.

— Todas, ou pelo menos, a maioria das crianças

tem uma infância feliz e só vão descobrir isso, depois que

ficam adultas.

— O senhor acha que na Terra eu tinha uma

infância feliz?

— Muito feliz! Como a maioria das crianças tem e

não sabem!

Pensei um pouco, depois perguntei:

— Suster não tem luas?

— Tem! Duas!

— Nunca ví!

— Na Terra sua lua é visível devido às noites.

Aqui como não há noites, elas ficam quase invisíveis. Mas

elas estão lá, é só olhar com atenção. Sempre opostas uma

da outra a uma altura de quinhentos e cinquenta e

seiscentos e trinta mil quilômetros, girando na órbita de

Suster.

Olhei para todo lado no espaço, em busca de uma

das luas, mas não consegui encontra-la, até que o senhor

Frene me apontou uma pequena bola branca, achatada,

quase desaparecida no infinito espaço susteriano.

Page 118: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

118

— Viu? — Sorriu ele. — Quase igual a sua.

Qualquer dia te levo lá!

— Jura?

— Por que não? Tão perto!

— Na Terra, os homens dos Estados Unidos e acho

que também Rússia, planejam dezenas de anos, pra poder

levar uma pessoa à lua. Aqui o senhor diz: Qualquer dia

te levo lá! — Falei com jeitinho caçoador, ou sarcasmo.

— Temos cinco mil anos de experiência no

assunto! Sua NASA, que você diz homens americanos,

tem apenas vinte e dois!

— É verdade que a lua interfere na vida do

planeta?

— Com certeza! Você já foi ao mar?

— O que o senhor acha? — Especulei-o, sabendo

que ele sabia. Quem me via na Terra, até na hora do

banho?

— Não mesmo! Mas um dia vou te levar!

— Aqui tem mar?

— O Universo é infestado de cloreto de sódio.

Portanto, água salgada tem em qualquer galáxia deste

pequeno mundo.

— Pequeno!?

— Mas não temos mar aqui em Malderran! Isto é

privilégio de quem está ao norte e ao sul.

Pensou um pouco:

— Do que falávamos mesmo?

— Sobre a lua!

— Se nas primeiras horas do dia de meu mundo,

ou de manhã, na sua Terra, você se acomodar, sentado a

cerca de dez metros da água, na areia da praia, vai

perceber que uma hora depois, a água terá se aproximado

alguns centímetros; algumas horas depois, a água já terá

Page 119: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

119

avançado alguns metros. Se ficar o dia todo, com certeza,

no final do dia, a água terá lhe encobrido. Por que você

acha que isto vai acontecer? Será que a água do mar

aumentou?

— Se for na Terra, pode ser! — Dei de ombros.

— Por quê? — Insistiu ele.

— Devido o calor do dia inteiro, nos polos o gelo

derrete e aumenta a água!

— Na verdade, a água deveria diminuir. Por quê?

Devido o calor do dia inteiro, a água evapora e com isto

diminui. O que acontece é um processo chamado maré da

lua.

— O que é isso?

— A lua gira em torno da Terra, ou mesmo de

Suster, como se fosse um anel. O que acontece é que ela

tem uma força enorme sobre nossos dois planetas, como

se fosse um grande imã e por onde passa vai tentando

sugar o planeta pra si. Por isso que a água do mar parece

aumentar de quantidade no decorrer das horas. Quando a

lua sai daquele caminho, a Terra que fôra esticada, tende

a voltar ao estado normal, fazendo com que a maré baixe

novamente.

— Quer dizer que a Terra se move, mudando

constant...const... mudando de tamanho?

— Mudando de forma! — O exemplificou com as

mãos. — Na passagem da lua, sua Terra deixa de ser

redonda e se torna oval. É devido a esse efeito também

que existe grandes ondas no mar.

— As ondas não são formadas pelo vento?

— Também! A lua também ajuda na plantação de

alimentos!

— Nunca vou aprender sobre isso!

Page 120: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

120

— Você tem cinco mil anos pra isto. — Riu ele. —

Por isso que lhe peço, queremos que seja apenas uma

criança! Mudando de assunto: Como anda seu amigo

robô?

— O Luecy? Ele está muito bem! Cada dia mais

gozador!

— Faz trinta e cinco dias que você chegou aqui! Já

está na hora de começar a conhecer o planeta. Não digo ir

pra lua! Não por enquanto! Mas daqui a dois dias iremos

fazer uma viagem até Orington. Quem sabe até o litoral.

— Orington? Imagino que seja outra cidade! —

Afirmei.

— E é! Está ao norte, a sete mil e oitocentos

quilômetros daqui.

— Vai ser divertido. — Ri. — Pois desde que

cheguei aqui, só falamos sobre mim, meu passado e quase

nada sobre vocês e seu planeta.

— Vai ser importante! Nessa viagem você

conhecerá coisas extraordinárias.

— Quero conhecer o mar! Poderei entrar na água?

Mostrou-me o disco voador. Aliás: o mesmo em

que cheguei ali, quando sequestrado na Terra. A seguir,

me mostrou a nave que usaríamos para fazer a tal viagem

a Orington. Era do formato de uma esfera gigantesca, um

pouco achatada nas partes superior e inferior. Totalmente

construída em cobre ou aço avermelhado.

Apertou um botão e a porta se abriu. Entramos e

ele me mostrou as vinte acomodações estofadas, para

passageiros. As estofadas, feitas em um luxo

interplanetário, com distância entre elas, suficiente para

se transformarem em verdadeiras camas, fazendo com

que a viagem se torne muito confortável. A cabine,

separada dos passageiros, muito luxuosa, dando vontade

Page 121: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

121

de ficar morando lá dentro; o para-brisa, com ótima visão

em todos os ângulos; os controles, todos em teclas

transparentes que se ascendiam em cores variadas.

— Quando eu estiver sem nada pra fazer, posso

brincar aqui? — Pedi.

— Quando quiser! — Riu o homem, acreditando

ter me cativado.

Dali retornamos à grande residência, aonde eu

vivia com os demais.

Chegando ao quarto, como já se tornara hábito, me

despi, ficando apenas de cueca e me deitei. Aproveitando

a insônia e a saudade, minha mente começou a funcionar

e assim, como as engrenagens de relógios despertadores,

girando sem parar, meus neurônios passaram a planejar

uma maneira de retornar à Terra.

Após muitos planos, sempre no positivo (nunca

no negativo), encontrei um que achava ideal e resolvi

colocá-lo em prática.

Com certeza, nada daria errado, então

imediatamente, me levantei, tornei a me vestir e saí de

mansinho, seguindo ao campo de pouso.

Poucos minutos depois, estava diante do disco

voador: abri sua porta e entrei; tornei a fechá-la e me

dirigi à cabine. Sua porta se abriu automaticamente;

entrei e ela se fechou da mesma forma. Sentei-me na

poltrona do piloto e pensei:

— Espero ainda saber como se dirige este bicho.

Apertei o botão ligar e aguardei. Depois apertei o

botão acionar e logo após, o botão decolar. O disco

começou a subir lentamente e eu estava sorrindo, com o

coração batendo muito forte. “Finalmente, depois de

setenta e cinco dias susterianos, mais de cento e setenta e

sete dias terráqueos longe de casa, eu retornaria agora e

Page 122: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

122

em mais trinta dias, perfazendo um total de duzentos e

quarenta e oito dias terráqueos, eu estaria novamente ao

lado de mamãe, papai, meus irmãos, amigos, colegas de

escolas e todos mais”.

Mas infelizmente aconteceu o inesperado: O disco

se desgovernou e balançando como um pião tonto caiu de

uma altura de aproximadamente duzentos metros,

batendo com grande impacto no solo, começando a se

incendiar rapidamente. Tentei sair, mas a porta principal

estava travada e não se abria. Meu rosto e meu tórax

estavam sangrando e o fogo se aproximava. Na porta,

muitas pessoas que chegaram correndo apressadamente,

começaram a bater para arrombá-la.

Após uns cinco minutos tentando, consegui abrir a

porta; as pessoas me retiraram e percebendo-me um tanto

intoxicado pela fumaça nociva, levaram-me a meus

aposentos, na grande residência.

O Senhor Frene e Leandra me despiram daquelas

vestes exangue e suja de fuligem, cuidaram dos

ferimentos em meu tórax e rosto, me vestiram apenas

com um pequeno short de pijama, feito de algodão, me

colocaram na cama. Tudo isto sem condenar minha

tentativa de fuga. Tudo sem mencionarem uma única

palavra.

Os dois saíram, me deixando com o robô, que se

aproximou e disse zombeteiro:

— Pensei que fosse inteligente!

— Não sabia que robô pensasse!

— Sigo a lógica a qual fui programado.

— Eu sou inteligente! O motivo do disco ter caído

foi um erro de cálculo!

— Se conseguisse fugir, se perderia no espaço

sideral!

Page 123: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

123

— Fique sabendo que eu sei o caminho de volta

pra Terra!

— Duvido!

— Quer saber de uma coisa: Eu não quero saber

de conversa fiada!

— Robô não conversa fiado!

— Imagine se conversasse! — Caçoei.

— Tudo que menciono, é verdade!

— Por favor, Luecy, me deixe em paz!

— Você é quem manda!

E se retirou, me deixando sozinho.

Talvez devido a adrenalina causada pelo pavor

daquela queda grave, acabei dormindo rapidamente.

Page 124: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

124

Page 125: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

125

Castigo susteriano

pós algumas horas de sono, acordei e me

levantei. Devido o calor, com o ar

condicionado desligado, estava suado, mas não sentia

dores, nem no rosto, nem no peito. Estava a fim de tomar

um demorado banho.

Quando me dirigia ao banheiro, o senhor Frene

entrou. Estava sério e me olhou dos pés à cabeça sem

nada mencionar. Então resolvi falar:

— Me desculpe pelo que fiz a vocês!

— Você sabe que nos causou um prejuízo enorme?

— O disco se incendiou?

— O bastante pra não ter mais uso! Mas pior seria

se você conseguisse fugir: pois além de perdermos você,

perderíamos a nave inteira também!

— Me desculpe! Eu só queria voltar pros meus

pais!

— E acha que conseguiria?

— Acho que sim! Eu sei o caminho de volta!

— Ninguém sabe o caminho de volta! Pra se fazer

uma viagem dessas, é necessário traçar uma rota muito

A

Page 126: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

126

complicada antes. E quer saber da maior: se este acidente

acontecesse em seu planeta, certamente você estaria

morto, ou no mínimo quebraria as duas pernas e os dois

braços.

— E por que aqui não?

— Aqui você é protegido! Aqui, todos somos

imortais! Não a ponto de cometermos abuso!

— O senhor disse que aqui não há dores, lágrimas

e nem morte. Então por que aconteceu comigo?

— Muito fácil: Não é porque não há dores, que a

gente pode facilitar.

— Acontece que as dores do acidente, não foi

nada! O pior são as dores que sinto todos os dias. A dor

da saudade!

— Eu queria lhe evitar essas dores, mas você não

quis!

— Aquela cirurgia? Nunca!

— A dor pior vai ser a de agora!

— Por quê?

— Em sua casa, se você fizesse tal peraltice, qual

seria sua punição? O que fariam seus pais?

— Me... bateriam?! — Insinuei assustado.

— Pois é o que eu vou fazer!

Tirou um cinturão de metal, das vestes.

— Mas o senhor disse... Que é contra o espanc... é

contra bater em crianças!

— E sou! Mas você está habituado a tal castigo! Só

ele pode te ensinar! Tire esse short!

— Por quê? O senhor já quer me ver pelado

novamente?

— Não! Quero lhe aplicar um castigo sério!

— E por que tirar o short? Estou sem cueca!

— Porque eu quero!

Page 127: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

127

— O senhor não me ama?

— Uma coisa não tem nada a ver com a outra! Tire

o short!

— E se eu recusar? — Perguntei triste.

— Eu te bato dobrado e tiro na marra!

— Se o senhor me ama, por que não me perdoa?

— Já te perdoei! Mas você tem que pagar seu erro!

— Devo me despir?

— Já devia ter feito há bastante tempo! — Afirmou

ele sério.

— Tenho vergonha!

— Mandei tirar!

— Tenho vergonha! Estou sem cueca!

— Não quero saber! — Gritou o homem bravo.

Continuava de short, desobedecendo-o. Ele

permanecia com ar muito sério, com a mesma ira que um

pai sente, em castigar um filho, que desobedeceu a suas

ordens e lhe deu um prejuízo enorme, em torno de

duzentos milhões de cruzeiros, que seria suficiente para

comprar trezentos carros modernos. Percebi que sua

ameaça era muito séria e que ele iria me surrar mesmo.

Então resolvi implorar, quase chorando:

— Por favor, senhor Frene: Não bata em mim!

— Sinto muito, mas pra nós, uma decisão, é uma

decisão!

— E o senhor terá prazer em me castigar?

— Nem um pouco!

— Pois faça o que quiser! Juro que não vou chorar,

nem tentar fugir.

— Tire o short.

— Não!

Acreditava que ele só queria me assustar e que

não ousaria me surrar, mas me enganara: não me despi e

Page 128: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

128

ele me bateu mesmo. Quando senti as primeiras

chicotadas que eram administradas fortemente por todo

meu corpo seminu, vi que não era brincadeira. Os vergões

levantaram imediatamente por todo meu corpo infantil:

pernas, costas, peito... Porem, como prometi: Apanhei

bastante, mas não tentei fugir e nem mesmo chorei,

embora sentisse muito ódio e vontade.

Após pelo menos cinco impiedosas chicotadas, ele

parou. Luecy entrou e ele ainda me ordenou:

— Agora deite-se!

— Por quê? Já não basta a surra?

— Obedeça, sem fazer perguntas!

Deitei-me de bruços.

— Tome conta dele Mark Três! — Ordenou a

Luecy.

— Afirmativo! — Concordou o robô.

O senhor Frene se retirou, nos deixando a sós.

Mesmo de bruços, olhando de lado, resolvi descontar em

Luecy:

— Por que esse olhar de hipócrita?

— Não gosto de brincadeiras! — Afirmou ele sério

(se é que robô também fica sério).

— E quem está brincando?

— Outra gozação e eu te desintegro!

— E como fará isto?

— Te colocando em órbita, sem lenço e sem

documento!

Levantei-me, vestindo também uma camiseta de

pijama, depois tornei a me deitar de bruços.

Um minuto depois, o senhor Frene retornou com

duas correias nas mãos e me disse:

— Quem mandou se vestir?

— Não vou ficar pelado! — Neguei bravo.

Page 129: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

129

— Tire estas roupas! — Ordenou ele nervoso.

Virei-me de barriga para cima e gritei com os

olhos faiscando de ódio:

— Nem que o senhor me matar!

Talvez, percebendo sua derrota, sem mais nada

falar, ele passou a me amarrar naquela cama. Eu, porém,

como não esperava, perguntei assustado:

— O que o senhor está fazendo?

— O que você está vendo!

— Isso também faz parte do castigo?

— O que você acha?

— Ouça senhor Frene: Nem meu pai, nem minha

mãe e nem ninguém, jamais me bateram tão forte e

também, jamais me amarraram!

— Meu castigo é mais cruel!

Falando assim, ele amarrou minhas pernas, depois

forçou-me para me sentar na cama e arrancou

bruscamente minha camiseta, depois me fez deitar e

acabou de me amarrar. Então deu sua pena:

— Você ficará aqui durante trinta e duas horas, a

partir de agora.

— Amarrado?!

— E sem comer!

— E pelado?

— Deveria ser!

— Sem sair pra nada?!

— Sem exceção!

— Isso não é amor!

— Uma coisa não tem nada a ver com a outra!

— Meu corpo está cheio de marcas! — Insinuei

com vontade de chorar. — O senhor me machucou! Isso

não é amor!

— Nada que um ou dois dias não cure!

Page 130: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

130

— Pode me colocar um lençol? Sou gente e tenho

vergonha de ficar assim!

Retirou-se sem nada fazer, me deixando com

Luecy.

Assim que ele saiu, enquanto me esforçava para

livrar meus pulsos das correias, apelei a meu amigo

mecânico:

— Me desamarre logo!

— Impossível! — O alegou.

— Por que é impossível?

— Não posso desobedecer ao senhor Frene.

— Como não? Você é meu amigo!

— Fui programado para obedecer ao senhor

Frene!

— Você foi programado pra obedecer a mim!

— Esse é o mal dos robôs! — Alegou Luecy

E se retirou me deixando sozinho, amarrado. Meu

esforço para me livrar das correias, era inútil e

machucava também meus pulsos. Elas estavam muito

bem amarradas, porém, não muito apertadas e insisti

durante muito tempo, sem que ninguém aparecesse no

quarto, até que, nervoso, revoltado, choroso e exausto,

acabei adormecendo novamente.

Somente umas três horas depois é que Luecy

tornou a entrar me acordando à base de chacoalhão e

caçoando:

— Como está o garoto interplanetário?

— Com muitas dores e muita sede! — Afirmei

com um pouco de dificuldade.

— Nada posso lhe fazer! — Negou ele.

— Pode sim! Desamarre as correias, por favor!

— Não posso! Fui orientado a não fazer!

— Não suporto mais estas correias apertadas!

Page 131: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

131

— Elas não estão apertadas!

— Mesmo assim; não suporto ficar aqui!

— Não tenho nada com isso!

— E por que me acordou então?

— Para saber se você estava dormindo! —

Ironizou tal bicho de metal.

— Este é o mal em ter um amigo sem coração! —

Aleguei. — Pelo menos, me diga: Quanto tempo faz que

estou aqui?

— Quatro horas, treze minutos e vinte e cinco

segundos!

— Só! Se eu ficar cumprindo a punição completa,

não suportarei e morrerei!

— Não se aflija! O tempo que lhe resta de castigo,

não lhe matará!

— Morrerei de sede!

— O senhor Frene, sabe o que faz!

— Puxa saco!

— Mais uma gracinha e eu te desintegro!

— Me tire daqui! Meu corpo está todo suado e

doendo.

— Nada feito!

— Ligue o ar condicionado.

— Negativo!

— Já que não posso sair daqui, não posso ter ar

condicionado, tenho que sofrer, pelo menos, me traga um

copo de água!

— Não insista!

— Então suma daqui!

Pelo menos em uma coisa, ele ainda me obedeceu:

Foi eu mandá-lo embora e ele foi na mesma hora.

Page 132: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

132

Novamente, ficara sozinho. Então comecei a

chorar, de sede, dor e raiva. Quando a gente mais precisa

não aparece ninguém.

As horas não passavam e meu corpo amarrado,

além de muito dolorido, estava realmente molhado de

suor.

Cerca de duas horas depois entrou Tony. A me ver

daquele jeito, se espantou e perguntou:

— O que é isto?

Nada respondi. Só chorei sentido.

— Por que você está assim, Regis? — Insistiu ele.

Continuei chorando calado.

— Foi o senhor Frene quem fez isso?

Acenei que sim.

— Por quê? Ele tá ficando louco?

— Castigo susteriano!

— Devido à tentativa de fuga?

— Sim senhor!

— Bobagem! Isso é ilegal em nosso mundo!

— Já que o senhor está com pena de mim, poderia

me desamarrar?

Sem responder, ele se aproximou me

desamarrando e percebendo os vergões me perguntou:

— Ele... lhe bateu?

Chorando sentido, me levantei e abracei aquele

bom samaritano:

— Obrigado senhor Tony! O senhor é muito bom!

— Deixe disso! — Pediu ele

Nesse momento, entrou o senhor Frene, que,

vendo aquilo, retrucou:

— O que você veio fazer aqui, Tony?

— Visitar nosso menino! — Afirmou Tony, desa-

fiador. — Mas o encontrei pior do que esperava!

Page 133: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

133

— Como assim?

— O Encontrei quase nu, ferido e amarrado!

— E quem lhe deu ordem pra desamarrá-lo?

— Desfiz apenas o que não deveria ter sido feito!

— Pois saiba que ele está de castigo e voltará ao

castigo! — Virou-se para mim. — Pode tornar a se deitar,

Regis!

— Não senhor! — Neguei.

— Eu não estou pedindo! Estou ordenando!

— Por favor, senhor Frene! Estou morrendo de

sede!

— Pois que morra! Mas antes, você cumprirá o

castigo que determinei!

— Estou pedindo pelo amor de Deus! — Implorei.

— O garoto quer tomar água, Frene! — Alegou

Tony. — Nós o trouxemos aqui, pra nos dar felicidades!

Não pra maltratá-lo!

— Acontece que ele é ingrato e precisa ser

castigado, pra que obedeça aos mais velhos! Deite-se na

cama, Regis!

— Isso é tortura sexual! — Afirmei.

— Tortura sexual se eu estivesse tocando em você!

— Negou o senhor Frene. — Por acaso pus as mãos em

seu corpo?

— É pecado o senhor fazer isto comigo! — Insisti

chorando.

— Não é pecado um pai educar seu filho! —

Afirmou o senhor Frene, zangado.

— E você não sabe perdoar? — Perguntou-lhe

Tony. — Depois, Regis não é seu filho!

— Agora é!

— Não sou! — Neguei bravo. — Não quero ter

como pai, um homem que vive me maltratando!

Page 134: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

134

— É pro seu bem!

— Ninguém tem o direito de me bater com cinto!

— Já disse que é pro seu bem!

— Me espancar e me amarrar, sem me dar chance

de defesa, não é pro meu bem! Não vou perdoá-lo por ter

me machucado!

— Está bem! Você ganhou! Vá tomar sua água!

Vesti camiseta e saí imediatamente, indo para a

cozinha tomar água. Assim que entrei, fui servido por

Leandra, que me mandou sentar e me preparou um

delicioso suco, com um fruto de mesmo sabor de laranja,

porém, de cor esverdeada. Enquanto tomava o suco, ela

me perguntara:

— O senhor Frene resolveu te soltar?

— Não senhora! Foi Tony.

— Mas ele tinha ordem para soltá-lo?

— Não se preocupe o senhor Frene já me perdoou!

— Eu não fui visitá-lo, porque sabia que você

estava sem roupas e sei que você não gosta!

— Eu não estava sem roupas! Estava com estas

roupas!

Levantei-me, coloquei as mãos sobre a cintura e

disse:

— Sabe, eu gosto muito da senhora!

Ela sorriu afirmando:

— E eu te adoro!

Abraçamo-nos.

— A senhora pode até me amar muito! Mas adorar

não pode!

— Por que não?

— A gente só pode adorar a Deus!

Page 135: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

135

— Tem razão! — Riu ela. — Você é muito

inteligente!

— Agora eu preciso ir! Tchau!

Retornei a meu quarto, onde encontrei Luecy.

— Olá menino Regis! — Cumprimentou-me ele

com sua voz metálica.

— O que você quer seu enlatado?

— Dizer-lhe que não gosto que me chamem de

enlatado!

— Pois já disse! Pode sair agora!

— Não irei à parte alguma! Fui reprogramado!

— Já sei disso! Você foi reprogramado pra atender

apenas ao senhor Frene!

— Não! Fui reprogramado para atender a você!

— Que amigo eu tenho Luecy! — Exclamei

desconfiado. — A hora em que eu mais precisava, não

podia contar com você, agora que já não preciso mais, é

meu amigo.

— Robô é assim mesmo!

— Sei! — Esbocei leve sorriso. — Não tem

sentimentos, nem coração.

— Só programa armazenado.

* * * * *

Aproximadamente três horas depois, ainda

continuava em meus aposentos, quando os alto-falantes,

chamou:

— Atenção garoto Regis: favor se apresentar à sala

de computação e falar com o senhor Frene.

Fiz de conta que aquele aviso que era repetido

algumas vezes nem era comigo, permanecendo sozinho.

Em dois minutos a porta se abriu e entrou Luecy,

dizendo:

— Regis, está surdo?!

Page 136: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

136

— Não to surdo coisa nenhuma!

Pegou em minha mão direita e saiu me arrastando

pelo corredor, até chegarmos à sala do senhor Frene.

— “O que será que ele quer agora?” — Pensei

comigo mesmo.

A porta se abriu e entrei. Ele, que estava sentado,

me olhou sério, me ordenando:

— Sente-se!

Obedeci-o calado. Ele se levantou e se aproximou.

Baixou diante de mim, olhou em meus olhos, me

perguntando:

— Você ainda está com raiva de mim?

Só fiz pequeno gesto com o lado esquerdo dos

lábios, sem nada responder. Então ele insistiu:

— Pode falar: Você continua com raiva de mim?

Acenei afirmativamente com a cabeça.

— Sei que fui muito cruel com você. — Alegou. —

Mas foi pro seu bem!

— Apanhar e até ficar amarrado, não me

importava muito! O pior foi... querer que eu ficasse

pelado!

— Me desculpe! Eu amo você!

— Será que o que o senhor fez é mesmo amor?

— Acho que não! Eu fui um cretino e só Tony, me

mostrou: àquela hora, em seu quarto, depois de você ter

saído, ele me chamou a atenção, por muito tempo.

— Não há tortura pior, do que a explor...

— Exploração! — Ajudou-me ele com a palavra.

— Explo...ração da vítima! Mesmo que seja apenas

um menino de nove anos.

— Você é um garoto inteligente! Certamente

saberá dar valor ao perdão!

Page 137: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

137

— Eu tenho vergonha! E me sentia como uma

mosca indefesa no ferrão da aranha...

Ele, apenas acenou com a cabeça, dando um leve

sorriso de meu jeito infantil de falar.

— Tenho saudade de meus pais, meus irmãos e

todos da Terra. — Continuei. — Eles me amam também!

— Claro que sim! Quem não amaria um menino

como você?

— Estou com muita raiva do senhor! Quando

conseguir, vou fugir novamente!

— Nunca mais tente isso! Você viu o que

aconteceu!

— Errei! Da próxima vez não errarei mais!

— Ouça menino! Ninguém consegue ir daqui até a

Terra sem ajuda! Nem você, nem o senhor Rud, ou o

senhor Tony! Ninguém! Pra se fazer esta viagem, a gente

traça toda a rota em um computador muito avançado,

criando assim um mapa estelar, como se fosse um mapa

do tesouro, porem bem mais complexo, depois coloca isso

em um chip que os terráqueos chamam de epron. Só

depois, isso vai pro cérebro da nave.

— Do jeito que o senhor está me tratando, nunca

conseguirá meu amor! Vai acabar conseguindo meu ódio!

Ele sorriu me abraçou contente e então, disse:

— Pra provar meu amor a você, amanhã te levarei

a um parque de diversões, alegre como os da Terra,

porém, moderno, como os de Suster.

— Não quero nada! Só quero voltar pra casa!

— Menino! Quanto tenho que insistir, que a gente

precisa de você!

— Mesmo que eu seja infeliz pro resto da vida?

— Eu lhe recompensarei com tudo o que você

quiser! Vou mandar inventar e lhe construir brinquedos

Page 138: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

138

incríveis! Lhe darei um quarto especial, cheio de coisas

muito interessantes!

— Mesmo que o senhor me der um palácio de

ouro, não vai curar minha dor!

— Quando uma pessoa morre na Terra, vai para o

tal Paraíso de Deus; mas ela continua consciente. Quando

uma criança, digamos de sua idade, ou menor, morre, ela

sente saudades, mas sabe que não poderá voltar.

— Eu não morri!

— Meu povo te ama tanto!

— Será que é o povo, ou é apenas o senhor, que

pensa que é dono de mim!

— Não sou seu dono, Regis! Quero apenas ter e

lhe dar nosso carinho! Como a um filho!

— Me batendo e me fazendo sofrer?!

— Você fez uma arte grave! Precisava de punição!

— O senhor fez uma arte mais grave! Na Terra, o

senhor seria preso!

— Que arte eu fiz? — Se espantou ele.

— O senhor tem cinco mil anos e não parece tão

inteligente. Eu tenho só nove e estou aprendendo

depressa com vocês!

— Que arte eu fiz?

— Quem rouba um rádio na Terra, vai pra cadeia!

Será que roubar uma criança, não é mais grave?

— Vamos comigo a um passeio, no belo parque

que construímos pra você? Quem sabe ele Ajuda a

acalmar seu coraçãozinho!

— Será?

— Faremos um teste! Iremos amanhã! Tudo bem?

— E não pode ser hoje? Agora? — Perguntei sério.

— Hoje e agora!? — Exclamou ele.

— Não pode?

Page 139: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

139

— Dá pra esperar até amanhã?

— Acho que sim!

— Mudando de assunto: Você gostaria de saber

mais alguma coisa?

— Aqui em seu planeta, todos amam a Deus e só

existe uma religião. Por que é que na Terra, precisa existir

várias religiões?

— Nem sempre todas têm o mesmo objetivo! —

Negou ele. — Na Terra, existem certas religiões, que só

sabem fazer aquilo que pedem os terráqueos; onde,

muitas vezes fazem o mal ao próprio irmão.

— E por que existe isso? O senhor sabe me dizer?

— Mais ou menos: — Insinuou ele. — Há dois mil

anos na Terra, um profeta que seu povo diz ser o filho de

Deus, fundou apenas uma religião! Essa religião durou

mais de mil e quinhentos anos; depois começou haver

certas rixas entre seus seguidores e alguns foram se

afastando e criando outras. Algumas foram chamadas de

seitas religiosas. Mas o fato, é que todas se tornaram

protestantes, devido, não concordar com a religião dita

oficial.

— E qual é a verdadeira? Qual delas nos leva a

Deus?

— Todas aquelas que estudam “A Palavra de

Deus”, nos levam a Deus. Todas são verdadeiras! Porém o

tal profeta Jesus Cristo, que foi chamado Filho de Deus,

criou apenas uma! E nem deu um nome!

— Qual eu devo seguir?

— Regis: Religião não se discute! A história já diz:

protestantes! Você segue a que seus pais lhe indicaram,

com fé e amor e deixe que cada um siga a sua! Elas

também são caminhos que levam a Deus!

— Acha que a Católica é a melhor?

Page 140: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

140

— Não acho nada! Todas têm suas coisas boas e

ruins! Padres ou pastores... Todos são humanos e

cometem coisas boas e erradas também! Na época da

inquisição, religiosos condenavam pessoas a morrerem

queimadas em nome de Deus! Será que esses religiosos

tinham mesmo autoridade de Deus para tais crimes

horríveis?

— Ninguém tem o direito de matar outra pessoa!

Eu acho!

— Chega de falarmos sobre isso!

— Existe mesmo um Deus?

— Que isso menino! Você não crê em Deus?

— Por que ninguém o vê?

Senhor Frene apertou o dedo indicador sobre meu

peito e disse:

— Deus está aqui, menino, dentro de seu coração!

— Por que ele permite tantas doenças... Tanta

crueldade! Por que ele deixou o senhor me buscar na

Terra?

— Deus não permite nada! Você se esquece que

também existe o diabo!

— É o diabo que provoca as mortes... As doenças...

Os bandidos?...

— Não! — Negou o senhor Frene, convicto. — Isto

quem faz é o próprio homem! E eu não sou bandido!

— Mas e as doenças? — Perguntei sério.

— Até elas! Durante períodos de guerras, em

países da Ásia, seres humanos de sua Terra, criaram

insetos infectados para atacar e matar seus opressores,

com doenças cruéis.

— Verdade?

Page 141: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

141

— Não só verdade, como cruel! O resultado disso

foi que a guerra se acabou, mas os insetos infectados

ficaram e se alastraram pelo mundo!

— Deus não faz nada?

— Sua Terra e Suster também, estão posicionados

de tal forma no espaço sideral, fazendo com que ambos

sejam propícios a vida animal, mineral e vegetal. Se seu

planeta estivesse mais próximo do Sol, seria com certeza

torrado por ele, ou no mínimo, fazendo com que a água

se evaporasse, transformando-o em um grande deserto...

— Esse fato, Tony me disse que quem protege é

um efeito de eletr... Imã!

— Efeito eletromagnético provocado pelo núcleo

do planeta! Muito bem! Isso é verdadeiro. Mas estando

mais próximo do Sol, esse efeito seria neutralizado!

— Esse negócio de espaço me confunde! —

Insinuei confuso.

— Vou parar de falar sobre isso! Só queria lhe

mostrar que se sua Terra estivesse mais próxima do Sol,

ela torraria e se estivesse mais longe, ela congelaria. As

estações do ano... O clima... A atmosfera... Tudo perfeito!

Você acha que isso é apenas obra de um acaso, provocada

pelo tal grande big-bem... Poeira cósmica... Ou sei lá mais

o que!

— Não sei! Não sei estas coisas!

— Eu sei, Regis! Deus é um Ser tão poderoso, que

colocou cada planeta em seu devido lugar, com seus

movimentos perfeitos em rotação e translação... Mas isso

é tão complexo, que realmente é bom pararmos de falar

sobre isso, para respeitarmos sua inteligência de apenas

quinze anos de idade!

— Nove! — Consertei.

— Quinze em meu mundo! Paramos com isso?

Page 142: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

142

— Acho melhor mesmo! Pois este assunto está me

deixando cada vez mais confuso!

— Lembre-se apenas que, todas as religiões, que

seguem os mandamentos e a Palavra de Deus, são dignas

de confiança. Tenha cuidado apenas, com as quais, usam

o nome religião pra prejudicar seus semelhantes. E como

já disse antes: tenha cuidado também com falsos padres

ou pastores.

— Em minha aula de religião, aprendi uma

história que não consigo me esquecer! Que está gravada

em minha mente.

— O que é?

— Diz que na época de Moisés, o faraó do Egito

não queria libertar o povo de Deus... Não entendo! O

povo do Egito também não é de Deus?

— Naquela época, eles adoravam deuses pagão!

— Tentou explicar-me o senhor Frene. — Por isso, não

eram considerados povo de Deus!

— Mas tinham alma! Vida!

— Tudo bem Regis! Moisés só queria tirar seu

povo de lá! Livrá-los da escravidão!

— Mas era o faraó quem não permitia! Não era o

povo!

— Tudo bem! Moisés brigava com o faraó; não

com seu povo!

—Deus, por Moisés, pediu que seu povo, sujasse

as portas de suas casas com o sangue de cordeiros e

durante à noite, mandou que seus anjos da morte,

visitasse todas as casas do Egito, aquelas que não tinham

sangue na porta, os anjos matavam o sino...gênico...

— O quê? — Riu o homem.

— O que é sino...gênico? — Balancei os ombros.

— Primogênito! É o filho mais velho!

Page 143: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

143

— Pois então! Acha justo, que anjos matem o filho

mais velho de cada casa, de pessoas que não são faraós?

— Era um jeito de forçar o faraó!

— Matando outros inocentes?

— Os caminhos de Deus, tem significados compli-

cados.

— Cruel! — Insinuei triste. — Mesmo o filho do

faraó, era só uma criança e não tinha culpa do que o pai

fazia!

— Era um jeito de pressioná-lo!

— E se o menino fosse eu? Ou o senhor!

— O que que tinha?

— Eu não estaria aqui! Teria perdido minha vida,

sem ter culpa de nada!

—Por recompensa, estaria em uma eternidade no

Céu, ao lado de Deus.

Levantei-me, seguindo para a porta de saída.

Antes de me retirar virei-me ao senhor Frene e lhe cobrei

com leve sorriso nos lábios:

— Amanhã, nós iremos ao parque!

Retirei-me, indo para o quintal, passear um pouco.

********

Vinte e cinco horas depois, me vesti em roupas

terrestres: uma bermuda cinza, uma camiseta sem cavas

verde clara e um par de tênis azul e branco e novamente

no carro, acompanhados por Luecy, seguimos ao parque

de diversões.

— Não compreendo! — Neguei.

— Não compreende o quê? — Perguntou-me o

senhor Frene.

— Se aqui não existem crianças, por que existem

parques de diversões? Dizem que os parques foram feito

pras crianças!

Page 144: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

144

— Você é criança! — Afirmou Luecy.

— Está certo! Mas e quando eu não estava aqui?

— Não existiam parques! — Negou o robô.

— Não?!

— Isso mesmo Regis! — Interferiu o senhor Frene.

— Em todo nosso planeta, só existe um parque de

diversões e ele está localizado aqui em Malderran. Este

parque foi planejado a cerca de um ano. Foi neste

período, que começamos a preparar sua vinda.

— Já entendi! — Afirmei orgulhoso. — É um

parque feito só pra mim!

— É um presente ao nosso menino! — Insinuou o

robô.

— Nosso menino, vírgula! — Neguei. — Não sou

seu menino! Aliás: não sou menino de ninguém!

— Calma! — Pediu o senhor Frene. — Tem

menino pra todo mundo!

— Se o parque é aqui mesmo em Malderran, por

que só agora o senhor está me levando?

— Acabamos de construir! Hoje é sua

inauguração!

— Que privilégio!

Dois minutos depois, o senhor Frene anunciou:

— Estamos chegando!

O parque, realmente, já estava ao alcance de

nossos olhos. Era grande, muito colorido e muito bonito.

Porém, não muito diferente dos parques vistos na Terra,

com exceção de que era totalmente coberto por um

grande galpão sem paredes: Havia uma roda-gigante, que

sim, ultrapassava a fronteira do telhado daquele enorme

galpão, toda colorida e com assentos almofadados, sem

nenhuma lâmpada, o que era comum naquele planeta, já

que não existiam noites; uma montanha russa (que nada

Page 145: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

145

tinha da Rússia) super elegante, que se iniciava dentro do

tal galpão e seguia a céu aberto, com um trenzinho de três

vagões, feito de aço ou níquel; uma quadra de patinação

no gelo; uma quadra de carrinhos tipo bate-bate, porém

espaciais, onde a gente realmente o dirigia e ele flutuava

mesmo; uma banca de tiro ao alvo, onde a gente teria que

acertar pequenos alvos coloridos, onde os prêmios eram

belas surpresas: patins, botinhas, roupas, relógios,

aparelhos eletrônicos...

Além dos aparelhos para diversão, havia muita

gente, visitando o parque e se divertindo junto comigo,

pois, é lógico que ninguém construiria um parque só para

mim. O que, além do mais, não teria graça nenhuma. O

problema, era que as pessoas preferiam conversar comigo

a brincar nas atrações do parque, atrapalhando de certa

maneira, minha pretendida diversão. Era o preço a se

pagar por me tornar um menino famoso. Só não sei

famoso porque, se não fazia nada de especial! Salvo o fato

de ser apenas criança!

— Senhor Frene: — Chamei sua atenção. — Acho

que o senhor resolveu copiar o parque da Terra. Mas por

que o senhor resolveu cobri-lo? Na Terra os parques

ficam expostos.

— Na Terra você vai aos parques, geralmente à

noite. Como aqui não há noites, imagine quem

conseguiria sentar nestas peças metálicas, expostas a uma

temperatura de quarenta graus!

Apesar então, do carinho de meus admiradores,

que de certa forma atrapalhava mesmo, me diverti muito,

em todos os brinquedos. Alguns deles, por mais de uma

vez e ganhei uma botinha e um relógio, que gostei muito,

pois então, poderia entender mais, como funcionavam as

horas naquele planeta diferente, onde, o dia era formado

Page 146: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

146

por trinta e duas horas, cada hora, oitenta minutos e cada

minuto, oitenta segundos.

Diverti-me também, na quadra de patinação.

Embora, não soubesse andar de patins e com isto, apesar

de estar sempre segurando em divisórias do campo, ou

sendo guiado por pessoas experientes, que me ajudavam

com satisfação, acabei caindo por diversas vezes;

felizmente, apesar das dores na bunda, sem sofrer

nenhum arranhão.

Após mais de três horas susterianas, de muita

diversão e sem gastar nenhum centavo, o qual eu

realmente não tinha e nem mesmo conhecia, retornamos à

nossa casa.

— Como é? — Perguntou-me o senhor Frene, no

caminho de volta. — Gostou do passeio?

— E como gostei!

— Então a gente vai retornar sempre aqui! Sempre

que você queira!

— Já faz tempo que cheguei à Suster, por que só

agora o senhor me falou desse parque?

— Porque só agora você me deu a chance pra

falar! Depois: Como ainda estava em construção, preferi

que fosse uma surpresa!

Naquele instante, lembrei-me de casa e me calei.

Toda a alegria passou e uma sombra de tristeza, passou

pelo meu rosto.

— Amanhã, iremos passear em outro local! —

Alegou o senhor Frene. Iremos a Orington.

Nada respondi, permanecendo calado, durante

todo o caminho de volta.

Page 147: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

147

A fuga

pós dormir por mais de oito horas, acordei,

me levantei e fui direto ao banheiro, aonde

tomei um ótimo e demorado banho, vesti meu bonito

macacão susteriano, apanhei algumas peças de roupas

tipo terrestre e lentamente, receoso, me dirigi ao campo

de pouso, entrei em um dos três discos, que ali estavam

pousados, fui até a cabine de controle, sentei-me e fiquei

por uns cinco minutos indeciso, depois, acabei por decidir

o que deveria fazer: acionei os botões correspondentes e

em poucos segundos, o disco já estava flutuando.

Um minuto depois, aquele enorme disco, já

ganhava boa altitude, criando estabilidade e praticamente

pronto para qualquer viagem longínqua. Lá embaixo,

muita gente, inclusive Leandra e o senhor Frene, faziam

sinal para que eu descesse. Só que eu não estava disposto

a obedecer. Se voltasse atrás, tornaria a apanhar, ficaria

amarrado e sabe-se lá o que mais, já que com certeza, o

castigo seria pior do que o anterior. Desta vez, não cometi

nenhum erro e iria voar direto à minha Terra.

A

Page 148: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

148

De repente, por um pequeno monitor, localizado

ao lado esquerdo da cabine, apareceu o senhor Frene, que

já me dizia:

— Por favor, Regis, não faça esta loucura! Volte

pra cá imediatamente!

Ele, percebendo que eu não atenderia seus sinais e

que a nave ganhava muita altitude, havia corrido até a

sala de controle, para tentar me convencer a abandonar

àquela maravilhosa idéia. Eu, porém, não estava disposto

a obedecer a ele ou quem quer que fosse. A saudade de

minha Terra era imensa e eu iria voltar para lá, doesse a

quem doesse!

— Regis! — Continuou ele pelo monitor. — Nós o

amamos muito! Não queremos que você se vá! Volte

imediatamente! É uma ordem...

Quem era ele pra me dar ordens? Era o que eu

pensava. Se eles me amassem mesmo, aceitariam minha

volta para casa, para minha felicidade!

— Você está louco menino! — Continuou ele. —

Não vai encontrar seu planeta! Vai se perder no Universo

e então morrerá! Volte, por favor!

Sem dar atenção a ele, eu continuava minha

viagem, já, a uma velocidade incalculável, fora da órbita

daquele planeta, em rumo de casa, com toda certeza!

O Senhor Frene, não desistia em tentar me fazer

voltar atrás:

— Ouça Regis: Pra se fazer esta viagem complica-

da, é necessário que engenheiros experientes, façam antes,

um estudo completo de toda a rota. É preciso analisar os

perigos e uma grande série de outras coisas.

Não me importava com o que ele dizia. Já havia

colocado a nave, para viajar no automático e sabia que ela

Page 149: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

149

só pousaria, no mesmo ponto, onde há muito tempo, fui

sequestrado.

— Regis: responda! — Insistia ele. — Sei que está

me vendo e ouvindo!

Realmente, o estava vendo e ouvindo. Mas era

porque não sabia desligar aquele monitor. Caso contrário,

já o teria feito.

— Mesmo eu, com cinco mil anos de experiência,

não saberia ir à sua Terra, sem ajuda. — Insistia o senhor

Frene. — Volte, antes que seja tarde demais e nem eu

possa mais te ajudar.

Meu coração batia forte sim e até assustado. Mas

tinha plena convicção, de que a rota para casa estava

certa.

— Imagine Regis, que se esta nave saísse apenas

um milímetro de sua rota correta, ela jamais chegaria à

Terra. Como espera que sem rota nenhuma programada,

ela chegue onde você deseja?

Não entendia muito de rota, mas como estava

seguindo esse negócio em piloto automático, não haveria

porque me perder.

— Volte Regis! Prometo que não lhe punirei!

Vamos conversar e criarmos uma solução pra sua

felicidade.

Minha felicidade estava na Terra, junto a meus

pais e amigos, inclusive, retornando a minha escola. Era

engraçado como que a gente não quer ir à escola, mas

agora, como em meu caso, a gente longe dela, sente

muitas saudades; sente falta dos amigos, professores,

recreio e até mesmo das matérias mais difíceis, como

matemática e estudos sociais.

Page 150: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

150

— Você nem tem alimentos pra essa longa viagem!

Como acha que vai sobreviver? Fale comigo, por favor!

Daqui a pouco a gente perde o contato e aí será o seu fim!

Alimentos! Ele pensa que não aprendi que em

uma viagem entre planetas a gente quase não precisa de

alimentos! O tempo passa tão devagar dentro da nave que

a gente nem sente fome.

Ele continuou falando durante muitas horas

comigo. Nem sei quando foi que parou de falar, pois,

após umas nove horas seguidas, que para mim se

pareceram apenas alguns minutos, sem me levantar

daquela poltrona, ouvindo-o e viajando sozinho, por um

espaço perdido, acabei adormecendo na cabine da nave.

Durante o sono, sonhava com aquela viagem pelo

complicado espaço sideral. Não era nada diferente do que

via na realidade: pontos de luz observados ao longe

através do para-brisa daquela estranha nave. Pontos estes,

que cresciam muito rápido e logo desapareciam, ao lado

da nave, pois, como já havia visto, era ultrapassado

imediatamente, devido à enorme velocidade, atingida.

Quando acordei, sem saber quantas horas teria

dormido, estava realmente sozinho. O monitor, por onde

o senhor Frene, falava comigo, estava ligado, mas

nenhuma imagem me mostrava.

Continuei aquela perigosa viagem, sozinho e só

então, sem ouvir o senhor Frene, começava a sentir o

coração ainda mais assustado, pois ele talvez viesse a ter

razão: eu poderia estar em uma rota diferente, da qual

realmente queria.

Depois de mais algumas horas de viagem,

sozinho, sem sequer me levantar da poltrona do piloto,

sem ter o que fazer, meus olhos foram ficando pesados e

sem perceber, acabei dormindo novamente.

Page 151: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

151

Durante o sono, a nave cortava o espaço, a uma

velocidade incalculável e inacreditável para nós

terráqueos e eu voltei a ter, não sonhos, mas sim,

pesadelos; inclusive, com a nave se chocando a um

enorme planeta, habitado por monstros.

Foi aí que acordei e pude ouvir, pelo televisor

(monitor), o senhor Frene, gritando:

— Cuidado garoto! Atrás de você existem três

naves assassinas! Elas irão te destruir!

Embora, assustado, não dei bolas para o que ele

falava. Nem sequer, me preocupei. Só estava me

restabelecendo do pesadelo que tivera. Quanto ao que ele

dizia: só achava que estava tentando me assustar, para

que eu voltasse.

Poucos minutos depois, senti que, realmente

estava sendo seguido e pouco depois, vi que, realmente

três naves afuniladas e compridas me seguiam. Só assim,

fiquei realmente assustado e o senhor Frene, deve ter

percebido, pois me ordenou:

— Ligue o automático e deixe a nave correr

sozinha.

É claro que a nave já estava no automático. Mas

ainda existia um problema: eu queria lhe fazer algumas

perguntas, mas não sabia como, pois embora eu o visse e

ouvia, ele não me ouvia. Mas tive sorte, pois ele insinuou:

— Se você quiser falar comigo, aperte erre cinco

(R-5).

Atendi seu conselho imediatamente e lhe

perguntei:

— Como faço pra me proteger?

— Nada! — O alegou. — Deixe comigo.

Confiei nele e nada fiz. Não saberia mesmo o que

fazer. Mas o medo continuava.

Page 152: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

152

Pouco depois, ele me disse com ar de vencedor:

— Regis, se você quiser ver um espetáculo

explosivo, olhe para o monitor a sua direita.

Olhando para o local indicado e aguardando

poucos segundos, vi uma daquelas naves, em minha

retaguarda e a seguir, uma explosão. Alguns segundos

depois, a mesma cena se repetiu por mais duas vezes

consecutivas. Então perguntei assustado:

— O que foi isto?

— Apertei o botão ípsilon dois (Y-2). Lembra dele?

— Pra me proteger na Terra!

— Não! O botão pra lhe proteger na Terra é o

ípsilon três (Y-3). O que eu apertei, é pra lhe proteger no

espaço.

— Mas como ele fez o disco assassino explodir?

— O automático de sua nave cuidou dos

assassinos. Digamos que ela possui um repelente de

insetos. — Ironizou o homem. — Eu, simplesmente lhe

protegi um pouco. Foi uma ajuda e tanto! Não acha?

— Sim! Obrigado!

— Agora eu quero que você volte pra cá,

imediatamente!

— Sinto muito, mas eu não posso! — Reassumi o

comando da nave, convicto. — Preciso voltar pra casa!

— Deixe de ser bobo garoto! Você vai se perder no

espaço!

— Não vou não senhor!

— Pra começar, você já está indo na direção

errada!

— É mentira! Estou vendo o Sol, bem à minha

frente.

— Engano seu! Essa estrela que você está vendo à

sua frente é uma gigante vermelha, a qual seu povo

Page 153: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

153

chama de “Betelgeuse”. Ela é quase mil vezes maior do

que o seu Sol e sua temperatura é de três mil graus.

— Mentira do senhor!

— Infelizmente não é! Essa estrela é duzentas

vezes maior que a nossa Kristall e quase oitenta vezes

maior que a nossa Brina!

Desliguei o botão erre cinco e resolvi não dar mais

atenção àquele homem, continuando minha viagem

solitária pelo espaço Sideral, onde não há gravidade. Não

há vácuo.

— Regis: — Insistiu ele. — Essa estrela, ainda está

a uns quinhentos anos-luz de você! Parece próxima

porque ela é muito grande!

Durante muitas horas, ele continuou tentando me

fazer retornar.

— Menino, você vai morrer no Universo. As naves

inimigas que você viu, não são nada em comparando com

os grandes perigos do espaço cósmico...

Que perigos poderiam haver em um espaço vazio?

— ... Você já viu falar em campo minado? Você

está dentro de um! Estrelas da morte, buracos negros... Se

você passar a um milhão de quilômetros próximo a um

buraco negro estelar, sua nave entrará em um tipo de

redemoinho, sem chance de sair e será sugada por ele e

vocês se transformarão em pó...

Redemoinho! No espaço! Acho que ele pensa que

sou bebê!

— ...Regis, nestes caminhos que você está

passando, sem rota criada, com certeza você cruzará por

um deles. Menino, não estou apenas querendo assustá-lo.

Só em nossa galáxia, existem milhões de buracos negros

capazes de engolir até grandes estrelas... Volte por favor.

Eu não vou te punir.

Page 154: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

154

Cansado, voltei à nave para o automático e acabei

adormecendo, ouvindo as insistências do senhor Frene.

— Meu filho: Você é inteligente o bastante, pra

saber que estou falando a verdade. Volte enquanto não

perdemos a comunicação e eu consiga te orientar.

* * * * * * * * *

Depois de outras tantas horas dormindo, tornei a

acordar. Estava com o corpo dolorido, por estar de mau

jeito, na poltrona da cabine da nave, nem sabia mais a

quantas horas, pois, desde que saí de Malderran, sequer

me levantara dali, nem mesmo pra me alimentar.

O senhor Frene continuava insistindo para que eu

mudasse meus planos e voltasse à seu mundo; mas eu

não estava disposto a obedecê-lo e seguia em direção à

grande estrela vermelha à minha frente, com certeza

absoluta de que se tratasse de meu querido e saudoso Sol.

— Regis: — Insistia o homem. — Você sabe que o

Sol não é grande e brilhante o suficiente pra poder estar

visível para nós. Seu Sol só estaria visível quando você

estivesse a menos de dez anos luz de distância dele. Volte

antes que você se perda pra sempre e aí com certeza vai

morrer, sem que possamos fazer mais nada.

Durante pelo menos outras cinquenta horas de

viagem, o senhor Frene insistia que eu abandonasse a

minha ideia. Nesse período, não saia da cabine pra nada.

Tinha medo do resto da nave e com isto, às vezes me

levantava da poltrona e ali mesmo fazia diversos

exercícios sozinho, aproveitando o que aprendera em

aulas de educação física da escola: fricções, polichinelo,

braços, pescoço, pernas... acabando adormecendo e

acordando por lá, hora na poltrona, hora no chão mesmo,

sempre ouvindo as insistências dele.

Page 155: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

155

De repente, o senhor Frene resolveu desistir de me

fazer voltar. Só então, comecei a me preocupar. Mas não

queria falar com ele, pois, apesar do medo, o importante

era voltar para casa. Criei coragem, levantei-me da

poltrona, fui até a cozinha e faminto, percebi aquilo que

ele já havia me dito: na pressa em fugir, me esqueci de

que na viagem precisaria me alimentar, não carregando

nenhum alimento, restando apenas às cápsulas de

nutrientes, que com certeza, ajudaria um pouco a saciar,

não meu paladar, mas minhas necessidades orgânicas e

reposições de energia.

Após dormir por mais de cinco horas, no chão da

cabine, um sono muito nervoso e descontrolado, variando

todo o tempo acordei assustado, me levantei, espreguicei

e então, me sentindo solitário, resolvi apertar o botão erre

cinco, para voltar a falar com o senhor Frene, já que ele,

não tentara mais falar comigo e foi então que percebi que

havíamos perdido o contato.

Para mim, dentro da nave, como já disse, o tempo

corria muito devagar. Parecia que eu teria saído de minha

origem a menos de dez horas terráqueas, quando na

verdade, já teriam se passado mais de duzentas horas

susterianas.

Se eu acordara assustado, agora já estava ficando

desesperado. Sentei-me na poltrona esquerda. Se eu

estivesse realmente indo em direção a Terra, como

imaginava, jamais perderia o contato com Suster.

Com isto, cheguei a seguinte conclusão:

“O senhor Frene, tinha toda razão: aquela estrela à

minha frente, não é o Sol e eu estou perdido no espaço”.

Não sei o que iria adiantar, mas comecei a chorar e

depois, me julgando culpado, resolvi me acalmar, mas

Page 156: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

156

não consegui e chorei igual bebezinho bobo, até acabarem

as lágrimas acumuladas, desde há muitos dias.

Voltei à nave em posição manual, diminui

drasticamente sua velocidade, fiz com que ela desse um

giro de cento e oitenta graus e tornando a colocá-la em

modo automático, resolvi retornar à Suster, onde pediria

desculpas ao senhor Frene e aceitaria o castigo que ele

viesse a me impor. Provavelmente cortando meu símbolo,

o qual diz que sou um machinho.

Durante a viagem de volta; a cada um minuto,

voltava a acionar o botão erre cinco e falar alguma coisa,

na tentativa de entrar em contato com Suster; mas sempre

era em vão.

Estava cada vez mais desesperado, pois, embora

tivesse virado a nave, exatos cento e oitenta graus, ela

poderia estar indo em direção completamente distante do

planeta Suster e aí sim, estaria perdido para sempre, no

Universo de meu Deus, com suas sei lá o que de

septiliões6 de estrelas conhecidas. Será que eu conseguiria

escrever a este número, em disputa com o genial Luecy?

Poucas horas mais tarde, estava de passagem por

um planeta, onde os mostradores da nave acusavam no

solo: quinze por cento de oxigênio, sete por cento de gás-

carbônico, setenta e sete por cento de nitrogênio, um por

cento de vapor d’água e uma temperatura de trinta e três

graus centígrados.

Observando aqueles parâmetros, percebi que o

planeta tinha as mesmas características de Suster. Então

resolvi pousar para espionar, ou explorar.

Menos de dez minutos depois, com o aparelhinho

tradutor nas mãos, pisava em solo firme. Desci da nave e

6 A unidade seguida por 42 zeros ou 1042.

Page 157: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

157

comecei a olhar à minha volta. Até então, estava bastante

assustado e sentindo muita solidão, mas ali, parecia um

alívio, como se tivesse saído de uma prisão de passarinho

e recebido um mundo inteiro para poder respirar

aliviado. Mas ainda sentia medo, pois aquele planeta era

muito estranho: Suas plantas, não eram verdes e nem

mesmo do tamanho das nossas, mas sim, enormes de um

verde puxando para azul quase acinzentado; não deveria

ter oceanos e caso tivesse, suas águas não deveriam ser

azuis; pois em vista do alto, o planeta era amarelo e sem

luz própria; “claro! Não era estrela”!

Agora do solo, olhando para os céus, ele se

mostrava acinzentado, com tonalidade quase escura,

como se fosse por volta das vinte horas, em período de

horário de verão, na Terra.

Após vasculhar a área por alguns minutos, achei

que era um planeta anecúmeno7 (não que eu soubesse o

que significava esta palavra. Não sabia), pois não existiam

sinais de vida humana ou de qualquer outra espécie. O

clima era saudável e com muito oxigênio.

Retornei ao disco, mas não entrei.

De repente, provando-me que não tinha nada de

tal palavra difícil, apareceu um ser, digamos humano,

adulto, porem monstruoso no tamanho. Teria ele, cerca

de oito vezes o meu tamanho, usando normalmente

roupas de tecido, moreno escuro e muito forte. Será que

eu teria pousado no planeta fictício da série de televisão

“Terra de gigantes”?

Ao perceber que ele já notara minha nave, saí

correndo. Mas foi inútil: ele me percebeu e começou a me

perseguir. Caí duas ou três vezes, mas me levantava

7 Lugar inabitado por vida animal.

Page 158: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

158

rapidamente e voltava a correr, tentando encontrar local

seguro para me esconder. Com isto, acabei perdendo meu

aparelho tradutor.

E foi assim, correndo, olhando para trás,

enroscando em algumas espécies de cipós grossos ou

outro tipo de ramagens e matos, que acabei prisioneiro

em uma gigantesca teia pegajosa. Meu coração batia

muito forte, descompassado e o horror estava presente

nas lágrimas de meus olhos. Mais horrorizado ainda

fiquei, ao perceber que o monstruoso animal, dono da

teia, se aproximava rapidamente. Então sim, eu poderia

me lembrar da frase que um dia dissera a meus

opressores de Suster: Eu era uma indefesa mosca, diante

da gigantesca aranha.

Quando extremamente apavorado, senti que seus

poderosos ferrões iam cravar em meu corpo frágil,

paralisado pelo horror, percebi que um enorme punhal,

atirado por aquele homem gigante, tirou a vida daquele

super inseto e então desmaiei.

Ao recobrar os sentidos, estava deitado em uma

enorme cama, de uma monstruosa casa, com telhado

semelhante aos da Terra, porem sem forro e de cor cinza.

Meu aparelhinho tradutor estava em meu pescoço. Com

certeza o gigante teria o encontrado. Sentada à beira da

cama, estava uma menina, que não teria mais do que a

minha idade; porém, era pelo menos quatro vezes maior:

morena, cabelos negros, lisos e compridos, olhos também

bem escuros, usando roupa tipo vestido, rosa. Era tão

bonita quanto a uma jovem princesa.

— Oh, oh!... — Balbuciei espantado.

Ela me olhou com jeito tímido. Levantei-me sobre

a cama e fiquei olhando-a, admirado, devido seu

Page 159: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

159

tamanho. Percebi que minha nave espacial estava sobre

um armário tipo cômoda.

— Quem é você? — Perguntei a ela.

Ela nada me respondeu e ficou me olhando,

talvez, admirada também, devido meu minúsculo

tamanho.

— Como é seu nome? — Tornei a lhe perguntar.

Ela continuou calada.

— Por que você não me responde? — Insisti. — Sei

que você me entende!

— Me chamo Mira! — Disse ela em tom baixo. —

E você?

— Regis Fernando de Araújo! Pode me chamar só

de Regis!

— Por que você é tão pequeno? E por que você

fala tão baixo?

— Eu poderia lhe perguntar: — Aumentei um

pouco o timbre da voz, para que ela pudesse me ouvir

melhor. — Por que você é tão grande?

Devido meu tamanho pequeno, a amplificação de

minha voz era baixa perante ela, que, ao contrário, falava

em tom baixo, para não estourar meus tímpanos.

— Não sou grande! — Negou ela. — Você é que é

muito pequeno! Você não é um menino?

— Claro que sou! Só que de outro planeta!

— Como assim?

— De outro lugar! Perdido no espaço... — Fiquei

ainda mais triste. — Perdido mesmo...

— Você veio do espaço? Nesse objeto estranho!

— Isso mesmo! Vim de um planeta chamado

Terra. Você já ouviu falar?

— Nunca! Onde fica?

— No sistema Solar! Sabe onde é?

Page 160: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

160

— Nunca ouvi falar! Onde é?

— Na Via Láctea! Agora você sabe!

— Não! Não sei! —- Negou ela.

— Como é o nome de sua galáxia?

— O que é galáxia?

— Deixa pra lá! — Insinuei desconsolado. — Já vi

que você não poderá me dizer o que eu preciso saber!

— Por que você é pequenino?

— Acho que essa é a principal diferença entre

nossos mundos! Quem é aquele homem gigante, que me

salvou da aranha gigante?

— Meu pai! — Afirmou ela rindo. — Você

também tem pai?

— Sim! Um pai e uma mãe!

— Você não gosta deles?

— Claro que gosto! Eu os amo muito!

— Então por que fugiu de lá?

— Eu não fugi! — Neguei convicto. — Fui

sequestrado.

— Como assim?

— Por acaso você sabe onde fica um planeta

chamado Suster?

— Não! Nunca ouvi falar nele também!

— Sabe onde fica uma estrela chamada Kristall?

— Nem sei o que é estrela!

— Estrelas são aquelas coisas brilhantes, que a

gente vê no Céu. No espaço!

— Aquilo não é estrela! — Negou ela. — Aquilo é

marcante!

— Entendo. O nome deve ser diferente por aqui!

Então você sabe onde fica uma marcante chamada

Kristall?

— Mesmo assim, eu não sei!

Page 161: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

161

— Deixe pra lá! Onde está o seu pai?

— Por quê?

— Quero agradecê-lo por ter me salvado a vida!

— Espere aqui que eu vou chamá-lo!

E se retirou correndo.

Espere aqui! Acho que ela estava gozando de

mim! O que eu poderia fazer mesmo era só esperar; pois

estava a pelo menos dois metros de altura, sem chances

de descer.

Pouco depois, o mesmo gigante que me salvara,

entrou no quarto, sentou naquela enorme cama e me

perguntou com voz de trovão:

— Então você entende o que eu falo?

— Sim senhor! — Afirmei quase gritando,

acariciando o aparelho tradutor, por entre a mão direita.

— Mas você não é um garoto espacial?

— Sou sim! Sou de um planeta chamado Terra! O

senhor conhece?

— Infelizmente não!

— Mas deve saber, qual é a estrela, ou marcante,

chamada Sol!

— Também não sei! — Negou ele.

— Pelo menos, eu devo estar na Via Láctea!

— Não sei o que é isso!

— Via Láctea, é o nome de minha galáxia. Eu

acredito que ainda estou nela.

— Deu na mesma! — O alegou. — O que é

galáxia?

— Galáxia é o nome dado ao conjunto de estr...

Marcantes!

— Até nisso, se dá nome em seu planeta?

— Claro que sim! — Exclamei surpreso. — Tudo

tem que ter nome!

Page 162: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

162

— Pois pra nós, isto não tem tanta importância!

Estava muito preocupado. Mas não tão assustado.

Afinal de contas, apesar de perdido, estava vivo e em

segurança. Sabia que estava em um mundo de gigantes;

mas também, um mundo bem mais atrasado do que

minha Terra e aparentemente, com pessoas que não me

ofereciam nenhum perigo.

— E Suster? Sabe onde fica?

— O que é Suster? — Perguntou o gigante.

— Outro planeta!

— Nunca fui ao espaço, garoto! Como poderia

saber?

— Ora! Eu também nunca tinha ido ao espaço e já

sabia um monte de coisas sobre ele!

— Você deve ser de um mundo super adiantado!

— E a Marcante Kristall? Ou Brina? Sabe qual é?

— Não sei nome de marcantes!

— Já vi que estou perdido mesmo! — Afirmei

desanimado, em tom normal.

— Você me fez muitas perguntas, porém, não me

disse como é que consegue entender o que eu falo.

— É fácil. — Afirmei, mostrando-lhe o aparelho

tradutor, pendurado em meu peito. — Com este aparelho,

eu consigo entender a linguagem de qualquer pessoa, em

qualquer parte do Universo.

— Você é muito bonitinho. — Insinuou Mira.

— Obrigado! — Agradeci. — Você é muito bonita

também. Só que é bonitona, pois é muito grande!

Ali, em conversa fiada com os dois, permaneci

durante muito tempo; mas de nada adiantava, pois eles

não sabiam nada do que eu precisava saber e sendo

assim, acabei ficando na mesma.

Page 163: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

163

Algum tempo depois, eles me deixaram sozinho e

então, apesar de preocupado e com medo de jamais

retornar à Terra, ou mesmo Suster, cansado, acabei por

adormecer.

Enquanto dormia, tive pesadelos com aquela

enorme aranha, que quase me engolira inteiro, há

algumas horas antes.

Após, algumas horas mal dormidas, acordei

sentindo estar sendo carregado. Era Mira, que me levava,

me colocando em seu peito, sobre seu coração.

Da porta de saída, se via uma enorme cidade. Não

muito diferente das cidades terráqueas, apesar de suas

construções gigantescas, feitas toda em pedras.

Deixou-me sobre uma pedra, em um local muito

bonito, que seria seu jardim, inclusive, com pequeno lago

sobre as pedras. Não tão pequeno para mim, mas com

certeza, sim para os gigantes. Após me colocar no chão,

Mira começou a se despir, ficando completamente nua,

como se fosse a coisa mais natural daquele mundo.

Tornou a me apanhar carregando-me com ela, até

chegarmos a uma enorme piscina, que mais parecia um

oceano de cor esverdeada, contendo pelo menos uns

quatrocentos metros de comprimento por uns trezentos

de largura. Colocou-me novamente no chão e chamou:

— Vamos Regis; tire a roupa e venha se divertir

um pouco.

— Não sou nenhum louco, em entrar nesta água

toda! — Neguei.

— Por que não?

— Eu quase nem sei nadar em piscinas de

crianças. Imagine em um oceano desses!

Page 164: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

164

— Deixe de bobagem! — A alegou, me apanhando

em seus braços e me despindo, como se eu fosse um

mísero boneco em miniatura.

A primeira coisa que ela me tirou, foi meu

aparelho tradutor, colocando-o junto à suas roupas, nos

deixando assim, sem podermos nos comunicar. A seguir,

me tirou o macacão susteriano, porem, ao tentar tirar

minha cueca, a impedi, o que ela entendeu minha

timidez. Depois, dizendo algo que não entendi, encheu

algo, que devia ser uma bacia, de água e me fez entender,

que era para eu nadar ali dentro, enquanto ela

mergulhava na gigantesca piscina.

Durante pelo menos duas horas, apesar de

seminu, diante de uma menina nua, me senti criança e

como na época de menino do sítio, não via nada de

errado naquilo; então me diverti muito, a princípio,

naquela bacia de água, que me encobria inteiro, depois,

me sentindo o mestre da natação, apesar de que,

acompanhado por ela, que me segurava constantemente,

passei a nadar também na piscina real.

Às vezes ela me levava em suas mãos até o meio

da piscina e me soltava para retornar à margem nadando,

o que eu fazia com muito esforço, enquanto ela

mergulhava e por baixo da água, me seguia, até perceber

que eu já não conseguiria mais, então surgia a meu lado,

como se fosse um grande monstro marinho e rindo me

segurava, na maior das algazarras, falando uma

linguagem atrapalhada...

Outras vezes, sem perguntar se eu queria ou não,

me segurava firme e mergulhava comigo até o fundo

daquela enorme piscina, me fazendo sofrer, pois devido a

grande profundidade (em torno de oito metros), a pressão

da água, quase arrebentava meus tímpanos. Apesar de ela

Page 165: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

165

ir até o fundo e retornar à tona rapidamente, para mim,

parecia uma eternidade. E o pior era que, apesar de meus

gestos para não fazer, ela parecia não entender e se

divertia, repetindo à façanha por diversas vezes...

Outras vezes, me jogava pro alto, me fazendo cair

meio desajeitado sobre as águas, me deixando tentar

nadar sozinho, até perceber que meus bracinhos em

miniatura, já não aguentavam mais, então me segurava e

ria como uma madrasta severa.

Depois, seguimos para dentro da casa, onde ela

me embrulhou em um pedaço de tecido e me devolveu o

aparelho tradutor. Então, já podendo nos entender,

aproveitei para lhe dizer:

— Na Terra, meninos e meninas não se despem

juntos!

— Como assim? — Perguntou inocentemente ela.

— Você é burrinha mesmo! Eu disse, que de onde

eu venho garotos não ficam pelados, junto com garotas!

— Por que não?

— Porque somos de sexo diferente!

— E o que tem isso?

— Muita coisa! Mas deixe pra lá!

— Gostou da piscina? — Perguntou-me ela se

vestindo.

— Gostei! Mas você foi malvada!

— Por quê? — Riu ela.

— Me fazendo ir até o fundo! Quase morri!

— Eu não te deixaria morrer!

— Meus ouvidos ainda estão doendo!

— Desculpe-me! — Insinuou tentando me ajudar a

vestir roupa.

— Eu me visto sozinho!

Page 166: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

166

Enquanto vestia minhas roupas, me despindo

timidamente da cueca molhada e vestindo o macacão, em

menos de um segundo, resolvi perguntar-lhe, triste:

— Quando vocês vão me deixar ir embora?

— Você quer ir embora?

— É claro que quero! O que vou ficar fazendo aqui

em seu mundo?

— Vivendo conosco!

— Muito obrigado! Mas eu prefiro ir pra casa!

— Não! Você não vai poder ir embora nunca mais!

— Por que não?

— Porque eu gosto muito de você!

— Eu também estou gostando muito de vocês!

Mas não sou bichinho de estimação!

— Não quero que você vá! — Choramingou ela.

— Acontece que eu preciso retornar a meu

planeta!

— Fazer o que lá?

— Meus pais esperam por mim! Eles me amam!

— Por que eles deixaram você sair de lá?

— Eles não deixaram! Eu fui sequestrado! Eles

nem sabem por onde eu ando!

— Não sabem que você está perdido no espaço?

— Nem imaginam! — Deixei rolar algumas

lágrimas. — Não imaginam mesmo!

— Vou te confessar algo: — Disse ela séria. — Meu

pai disse que não vai te deixar mais ir embora!

— Ele não manda em mim! — Insinuei muito

triste.

— Manda sim! Foi ele quem te encontrou!

— Encontrar é uma coisa! Mandar é outra!

— Ele te salvou do inseto venenoso.

Page 167: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

167

— Sei disso! E sou muito grato, por ele ter me

salvado a vida! Mas isto não lhe dá o direito de mandar

em mim!

— Será que você consegue ir até seu disco voador,

sozinho? — Perguntou-me ela, apontando para a nave.

Olhei para a nave, que continuava sobre a cômoda

e percebi que jamais conseguiria ir até ela, sem ajuda.

— Por favor, Mira, se for verdade que você gosta

de mim, me ajude ir até ele! Ajude-me a voltar pra casa!

— Não posso! — Negou ela, também triste. — Não

posso desobedecer a meu pai!

— Por que ele me quer aqui com vocês?

— Porque gostamos de você e alem do mais, meu

pai disse, que vai te levar ao laboratório, pra estudar você.

— Me estudar!? — Fiz tremenda careta.

Isso mesmo: após algumas horas, aquele homem

gigante, me colocou em uma caixa de papel, assim como

fazíamos com filhotes na Terra e me levou a seu

laboratório, que ficava perdido no centro daquela

gigantesca cidade.

Lá, fui apresentado a três outros gigantes: um

homem, aparentando trinta anos de idade, outro,

quarenta e uma mulher, aparentando pelo menos vinte.

Todos, moreno-escuros e muito bem vestidos.

Fui colocado em uma gigantesca mesa cirúrgica,

me fazendo parecer realmente como um filhote, de talvez

mico leão dourado e começaram uma longa entrevista,

onde quisera saber tudo sobre nós, os terráqueos... Nosso

planeta, modo de vida, costumes, alimentação...

A seguir, me despiram, quase por completo. Salvo

que, quando foram tirar minha cueca, segurei-a, o que, a

moça com um sorriso irônico, me compreendeu, me

deixando com ela. Sorte que antes de seguir para tal local,

Page 168: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

168

teria me vestido decentemente, pois tal acessório íntimo,

já estava seco.

Ainda deitado sobre a mesa, usando meu adorno

tradutor, examinaram todo meu corpo: Contaram as

batidas de meu coração, mediram minha pressão

sanguínea, analisaram a cor de meus olhos, de meus

cabelos; verificaram meus dentes, onde muitos ainda

eram de leite; mediram minha altura, com seus padrões e

medidas, com certeza diferente das nossas. Puseram-me

em algo que deveria ser balança, depois me retornaram

para a mesa cirúrgica, me deixando assustado; só

esperando que não resolvessem me dissecar, iguais

alunos fazem com sapos, em escolas de medicina. A

mulher pediu licença, baixando um pouco minha cueca, o

que, com certeza detestei. Pior ainda: apesar de eu ter

lutado contra, com braços e pernas, mas fui segurando e

ela continuou sua investigação idiota, apalpando meus

pequenos testículos e verificando minha uretra, protegida

por um pênis sem circuncisão ou que seja, cirurgia de

fimose, depois tornou a subir minha cueca, expressando

pequeno sorriso irônico, como a dizer, “não foi tão mal”.

Então, fazendo uso de um pequeno aparelho, semelhante

à seringa de injeção terráquea, salvo o material que

deveria ser metal transparente e mesmo sem esterilizar,

sob meus protestos, e certo choro, principalmente devido

o tamanho, que, talvez fosse a menor que eles teriam, mas

em relação à meu tamanho... Tirara um pouco de sangue

de uma veia quase invisível, de meu frágil bracinho

esquerdo; analisaram minha voz verde de criança e

minha pronúncia, sem embaraços e raros erros, que lhes

dava o que pensar.

Finalmente, a mulher se convenceu a afirmar:

Page 169: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

169

— É um garoto como os nossos! Só que minúsculo,

como um inseto!

— Não sou inseto! — Neguei bravo, quase

gritando.

— E nem parece! — A alegou

— E nem precisa falar tão alto! Não sou surdo!

— É um garoto muito inteligente e de um planeta,

com certeza, centenas de anos, avançado em relação ao

nosso!

— Se a Terra é centenas de anos, adiantado ao seu;

imagine então, Suster!

— Afinal de contas: O que você foi fazer neste

outro planeta? — Perguntou um dos homens.

— Fui raptado por Tony e Rud!

— Pra que eles te queriam lá?

— Porque eles me amam muito e lá não existem

crianças!

— E nesse planeta, eles são pequenos como você?

— Perguntou-me outro homem.

— Já lhe disse que nós não somos pequenos! Vocês

é que são grandes!

— Está bem! — Exclamou a mulher. — Pode se

vestir! Por hoje, vamos parar aqui!

Os homens se retiraram. A mulher, ainda

continuou ali, enquanto eu vestia meu já surrado

macacão, de um tipo astronauta.

— Você disse, por hoje? — Perguntei-lhe. — Quer

dizer que ainda vai continuar?

— Claro! Ainda falta estudarmos muita coisa em

você!

— O que, por exemplo?

— Muita coisa! Modo de vida, educação, reprodu-

ção...

Page 170: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

170

— Re...produção? — Perguntei surpreso.

— Por que não? É o fator mais importante na

evolução e continuação de nossa espécie.

— Isso você não poderá estudar em mim!

— Posso saber por quê?

— Pode: Eu sou criança e reprodução na Terra, só

entre adultos!

— Como sabe disso?

— Sou criança! Mas não tolo!

— Muito esperto! Não, Regis!

— Sabe: O que eu quero, é voltar logo pros meus

pais! A senhora não pode me ajudar?

— Quem sabe! Primeiro eu quero examinar seu

disco voador!

Dito e feito: ela foi comigo e com o homem que me

salvou para a casa dele. Quero dizer: ela me levou na

palma de sua mão. Chegando à casa do homem, ela

colocou minha nave sobre a cama, examinando-a e me

autorizando a entrar em seu interior para que trocasse de

roupas, já que meu tal macacão já estava até cheirando

mal, devido o tempo em que estava em meu corpo. Vesti

apenas um pequeno short vermelho e uma camiseta

branca, sem cavas, depois retornei a entrada da nave com

jeitinho de “me deixem ir embora”, que de nada adiantou.

Em poucos minutos, a mulher foi embora,

alegando, deixar-me ir também, assim que terminasse de

me estudar.

Naturalmente, eu não queria perder tanto tempo

assim, naquele local estranho, onde, me vestir, me

abrigar, me alimentar, me dar banho e tudo o mais, não

era nada difícil, pois, com muito pouca coisa, me deixava

bem servido. Só que o principal, que era acalmar meu

coração ferido, triste e saudoso, era bem complicado.

Page 171: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

171

O retorno

urante muitos dias, permaneci praticamente

preso ali, onde era estudado entre uma e

duas horas por dia e em todos estes estudos, me

deixavam geralmente de short, sem camiseta e me

perguntavam uma série de coisas, as quais eu nem havia

pensado antes.

Eles queriam entender como podia eu, minúsculo

como era, pelo menos pra eles, conseguir viajar entre as

que se referiam Marcantes, sabendo que elas estavam a

distâncias inimagináveis, daquele mundo, um tanto

atrasado e que, inclusive não adiantava alguém calcular

uma certa rota, já que tudo no Universo se movimenta a

milhares de quilômetros por hora, nunca permanecendo

em uma rota viável.

Acho que já fazia dez dias que estava ali, quando,

apenas de short, agora azul marinho, estava em minha

gigantesca cama, coberto por lençol fino. Mira apareceu,

me apanhou em sua mão, sentou no sofá da sala, me

colocando deitado em seu colo e me perguntou triste:

— O que está havendo com você?

D

Page 172: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

172

— Muita coisa Mira! Se você estivesse em meu

lugar, como estaria se sentindo?

— Entendi Regis! Acho que você está com muita

saudade de seu pai e sua mãe!

— Depois de tudo que lhe contei: Você só acha?

— E o que você quer de mim?

— Me ajude a ir embora!

— Não posso!

— Por favor, Mira! Eu não suporto mais ser

subm... Servir de cobaia em exames diversos, ficar pelado

diante de gigantes...

— Está bem! — Insinuou ela. — Sei que não devia,

mas vou ajudar você a ir embora!

Levantou-se daquele sofá, pegou minha camiseta

preta em cima da cama e me jogou dizendo:

— Vista sua camiseta.

Ao ouvir aquilo, sorri feliz e me vesti

rapidamente. Ela me levou para o quintal de sua casa, me

deixando ao lado da gigantesca piscina e retornou para

seu interior. Poucos segundos depois voltou, com meu

disco em suas mãos, como se fosse um simples brinquedo

e o colocou no chão.

Sorrindo, abri sua porta, depois, lhe agradeci:

— Você pode não acreditar, mas jamais vou me

esquecer de você!

— Acredito! — Riu ela. — Mas agora vá logo,

antes que eu mude de idéia!

— Posso lhe pedir algo?

— Rápido! — Ironizou ela. — Posso mudar de

idéia!

— Pode me arrumar algum alimento pra viagem?

Na nave não existe nada!

Page 173: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

173

Ela correu dentro de sua casa, retornando em

segundos com espécimes frutíferas estranhas na Terra,

mas, como já teria conhecido, com sabor muito bom e

produtos salgados, tipo de pães com formato retangular.

Para ela era pouca coisa, mas que foi suficiente para

suprir toda minha necessidade de armazenamento para

uma longa e imprevisível viagem.

Após lhe dar tchau, entrei na nave, fechei sua

porta, segui para sua cabine e em poucos segundos,

estava novamente, através do cosmos, cortando tal espaço

sideral, em busca da Terra, ou mesmo de Suster.

Após umas dez horas, cortando o espaço, a uma

velocidade incalculável, tentando a todo tempo, entrar em

contato com o senhor Frene, sempre assustado e

percebendo que não estava conseguindo, comecei a

chorar. Estava estressado, apavorado e sem saber, se

realmente, estava seguindo o caminho certo, de volta à

Suster.

Qualquer pequeno ruído, dentro de minha cabine,

me dava arrepio. Mesmo sabendo que não existia nada

em nenhum dos compartimentos daquela gigantesca

espaçonave, imaginava um filhote de monstruosa aranha

alienígena.

A estrela, Betelgeuse, que servia como minha

principal guia, estava ficando cada vez mais distante, já

que eu estava voando, em seu sentido oposto.

Após dormir e acordar por várias vezes, ali na

cabine, em sonos assustados, que me faziam sonhar e

acordar em poucos minutos, algumas vezes em uma das

poltronas, outras vezes, no assoalho ou que seja, piso ou

chão, sabia que já se passara aproximadamente três dias

susterianos (para eu porem, não representava mais do

que cinco ou seis horas), que eu estava novamente

Page 174: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

174

cortando o espaço, quando mais uma vez, apertara o

botão erre cinco e pedi chorando:

— Por favor, senhor Frene! Por favor, qualquer

pessoa do Universo: mostre-me o caminho pra Suster.

Finalmente, na tela de meu monitor, apareceu em

meio a milhões de chuviscos, o rosto do senhor Frene, que

começou a falar animado:

— Regis, meu garoto! Você está bem?

— É o senhor mesmo senhor Frene? — Perguntei

indignado.

— Sim! Sou eu! Como você está passando?

— Estou muito mal, senhor Frene! Quer dizer:

Agora estou melhor!...

Estava chorando, com o coração batendo forte.

Mas acho que era de alegria, ou certo alivio. Acho que era

como se tivesse conquistado um grande prêmio. Afinal,

estava perdido no espaço e parecia ter me reencontrado.

— ...Principalmente agora que o senhor me

atendeu! — Completei.

— Nós havíamos perdido o contato com você!

Estávamos muito preocupados, pois já fazem mais de dez

dias!8

— Me ajude, por favor! Estou muito assustado!

— Calma menino! — Pediu-me ele, muito

animado. — Agora está tudo bem!

— Por favor! Eu quero voltar pra Suster! Como eu

faço?

— Não se preocupe! Nós o ajudaremos a Chegar

até aqui, são e salvo!

— Em quanto tempo?

8 Quase vinte e quatro dias terráqueos.

Page 175: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

175

— Ainda não sei! Preciso saber ao certo, sua

localização!

— Acha que estou muito longe?

—Nem tanto! Você deve estar a umas cem horas

de nós! Cerca de dez anos-luz!

— Tudo isso?

— Só isso! Em vista da distância em que você

esteve! Como você está passando?

— Muito mal! Mal mesmo!

— Você tem dormido?

— Quase nunca! Quando durmo tenho pesadelos

horríveis!

— E como você está fazendo, sem se alimentar?

— Estou me alimentando! Pouco, mas estou!

— Não tem alimentos na nave! — Negou ele.

— Eu consegui alimentos em um local que parei!

— Você pousou esta nave?

— Sim! Em um planeta ideal!

— Agora eu quero que você vá pro quarto e

durma! Não se preocupe com nada! Pode deixar que eu e

os engenheiros de Merlin, vamos trazê-lo pra cá!

— Como assim?

— Procure no painel, um botão escrito ípsilon sete

e acione-o.

Encontrei a tecla, pressionando-a.

— Pronto! Pra que serve isto?

— Vá dormir! Se eu precisar de você, acionarei um

alarme muito barulhento dentro da nave, que irá acordá-

lo! Mas não vou precisar de você! Durma bastante!

— Me leve de volta, senhor Frene! Depois o senhor

pode me castigar!

— Está bem, Regis! — Disse ele animado. — Irei

mesmo puni-lo! Mas eu te amo!

Page 176: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

176

— Me castigue sem me bater! —Pedi com jeito

singelo.

Levantei-me da poltrona e pela primeira vez,

desde que saí de Suster a muitos dias, fui até o que seria

meu quarto, onde deitei para descansar...

Depois de dormir por mais de vinte horas

terráqueas seguidas (como se não chegasse a nenhuma

hora, dentro da nave), sem sonhar ou ter pesadelos,

acordei sentindo ainda cansado e permaneci na cama por

mais alguns minutos, pensando naquilo que seria meu

retorno. Levantei-me e caminhando devagar, tornei a

entrar na cabine de comando, sentando-me na poltrona,

onde passei a observar o espaço e o painel.

— Oi Regis! — Chamou-me o senhor Rud, que

estava com o senhor Tony e senhor Frene na sala do

computador, em Suster. — Conseguiu dormir?

— Oi senhor Rud! Já estou quase chegando?

— Ainda estamos tentando colocá-lo na rota pra

cá! — Insinuou ele. — Mas não precisa temer porque

vamos conseguir!

Por muito tempo, continuamos nossa conversa. O

senhor Frene chamou dois engenheiros de navegação,

para nos ajudar, diretamente de Merlin e assim, após

conseguirem minha localização, comemoraram muito, até

parecendo cinco crianças, quando ganham um brinquedo

novo. Quer dizer, seis comigo, que também, apesar de

estar a trilhões de quilômetros separados, pulava dentro

daquela cabine, em um pouco de felicidade perdida.

Depois de alguns minutos, pararam de comemorar

e falando sério, passaram a me ensinar à voltar, alegando

que toda a viagem, deveria ser feita com piloto manual,

pois não havia nenhuma rota criada para que a nave

seguisse em comando automático.

Page 177: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

177

Mas como eu, um frágil menino pequeno,

conseguiria pilotar complicada nave, por quase cem horas

susterianas, sem poder dormir? Jamais! Mas esse

problema foi resolvido rapidamente, com a ajuda de uma

grande equipe de Suster, que conseguia pilotar a nave

remotamente, como se ela fosse um simples vídeo game

do futuro.

Com isto, eu passava algum tempo na cabine,

onde às vezes acabava dormindo, como vinha fazendo

quando estava perdido. Outras vezes, resolvia seguir para

o quarto, sempre pedindo autorização à eles.

A viagem de volta, não foi de cem, mas sim,

setenta e quatro horas susterianas; equivalente a quase

cinco dias e meio da Terra. Para mim, não mais do que

cinco horas.

Ao final desse tempo, eu, auxiliado por eles,

pousara o disco, naquele enorme campo de Malderran,

onde, satisfeito por estar em local conhecido e seguro,

mas ao mesmo tempo, envergonhado por saber que fui

um fracasso, desci cercado por dezenas de pessoas,

inclusive da televisão. Entre elas, Leandra e Luecy.

Timidamente acenei para todos, abracei os dois amigos

mais chegados. Leandra chorava emocionada e feliz. Não

era à Terra, mas pelo menos, estava no que seria: minha

casa ou meu mundo número dois.

—Estou feliz por ter voltado! — Insinuou o robô.

— Eu estou com muita vergonha! — Aleguei.

— Com vergonha de que, Regis? — Perguntou-me

Leandra.

— Por ter fugido e agora retornado...

— Não se preocupe! — Pediu ela, ainda com

lágrimas. — O mais importante é que esteja bem e tenha

voltado.

Page 178: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

178

— Como se fosse um cachorrinho sem dono, com

o rabinho debaixo das pernas.

— Cadê o rabinho? — Ironizou Lucecy.

Dali fui levado à presença do senhor Frene, que,

ao me ver, sorriu alegre, depois ordenou a Leandra e

Luecy:

— Agora vocês se retirem e nos deixem a sós.

— Por favor, senhor Frene! — Pediu Leandra. —

Não o maltrate.

— Eu sei o que tenho que fazer! — Insinuou ele,

secamente.

— Ele já sofreu muito com esta fuga Não precisa

de mais castigo.

— Por favor! Quer nos deixar a sós?

Leandra e Luecy se retiraram, nos deixando a sós.

Eu, segurando minhas roupas reserva, a maioria, já

usadas, continuava de pé, muito assustado, sabendo que

seria severamente punido. Ele se levantou, se aproximou

e muito sério, ordenou bravo:

— Tire essa roupa!

— Aqui mesmo? Não vai me castigar em meu

quarto?

— Eu mandei você tirar a roupa!

— Acho que o senhor gosta que eu faça arte, só

pra me ver pelado e me castigar!

— Não discuta comigo, seu moleque!

— Castigar a mim é divertido pro senhor?

— Castigá-lo, dói mais em mim, do que em você!

— Pode me bater, senhor Frene! Não vou mais

ficar com raiva! Só que não precisa me deixar sem roupa!

— Eu mandei tirar a roupa!

Page 179: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

179

Amedrontado, me despi, ficando apenas de cueca,

aguardando a punição. Como ele continuava me olhando

sério sem qualquer atitude, resolvi apressá-lo:

— O senhor não vai me bater logo?

Ele continuou calado.

Assustado, já iria acabar de me despir, quando ele

pediu:

— Não! Nunca mais baterei em você! Sou contra

espancar crianças! Mesmo que façam artes terríveis e

imperdoáveis.

— Então o que vai fazer?

— Vá logo tomar banho, seu moleque

irresponsável! — O retrucou. — Você está fedendo!

— Quem o senhor acha que eu sou, pra andar por

aí pelado?

— Um moleque sem vergonha e mal Educado!

— Por que eu sou sem vergonha e mal Educado?

— Não interessa! Vá tomar banho! Você está

fedendo!

— Senhor Frene, o senhor pode até me bater se

quiser! Já disse que aceito! Mas não aceito que me xingue

assim!

— Você está fedendo mesmo! Quanto tempo faz

que não toma banho? Há quanto tempo não escova os

dentes? Vá logo tomar banho!

— Não vou! Não assim, sem roupa!

— Está bem! Põe a roupa e vá!

Me vesti rapidamente e fui direto a meu quarto,

onde tornei a me despir, desta feita por completo e entrei

no banho. O que, aliás, por mais de metade de uma hora,

fôra um ótimo banho, igual há muito tempo, não tomava.

Ali mesmo, enrolado na toalha, outros dez

minutos, foram necessários, para escovar muito bem

Page 180: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

180

meus dentes, que estavam até grossos de tantas bactérias,

trazida por restos de alimentação estragada e que, por

sorte, seriam totalmente dizimadas, em questão de

segundos, naquele tal planeta imortal.

Ao sair do banheiro, em meu quarto, encontrei

Luecy, que começou a falar sem parar. Porém, pensei em

não lhe dar muita atenção:

— O bom filho à casa torna! — Disse ele, gozador.

— Essa não é nada original, Luecy! — Retruquei

enquanto me enxugava.

— Como não?

— Plágio de alguém da Terra!

— O menino de Suster, voltou pro seu recanto!

Essa é original! — Caçoou ele.

Enquanto vestia apenas uma confortável cueca,

tipo samba canção, de seda, azul escuro, próprio de

pijama, fiz micagem e insinuei:

— Só que eu não sou nenhum menino de Suster!

— Já está condenado a uma vida quase imortal,

sem outros guris, para brincar!

— Touche! — Fiz gesto de revólver disparando

com os dois indicadores. — Machuca mesmo! Fura meu

peito e sangra meu coração!

Pulei na cama, na intenção de descasar um pouco.

— Tchau Luecy! Me deixe em paz que eu quero

dormir!

— Não estou com seus olhos! Durma com as

pulgas!

— Hoje você tirou o dia pra plagiar terráqueos! —

caçoei. — Feche sua torneirinha de despejar asneira!

— Isso é plágio!

— Claro que é! Da Emília, do Sítio! Vá embora!

— Daqui não saio, daqui ninguém me tira!

Page 181: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

181

— Já ouvi isso antes!

O robô continuou despejado suas asneiras e, como

eu não conseguiria mesmo vencê-lo, resolvi me calar. Não

demorou mais do que cinco minutos e eu já estava

dormindo; depois de muitos dias, sem poder descansar

assim, sem preocupação.

**********

Aproveitando o sono acumulado, só acordei após

seis horas susterianas, bem dormidas, sem pesadelos,

sonhos ou preocupações.

Assim que me levantei e fui me vestir, percebi que,

apesar de dormir bastante, ainda continuava com o corpo

bem cansado, de certa forma, até dolorido.

— O senhor Frene, quer falar com você! — Alegou

Luecy, que continuava no quarto.

— O que ele quer comigo? — Perguntei-lhe,

enquanto me vestia.

— Não sou adivinhão!

— Luecy: Já que você é uma máquina e é muito

inteligente, será que você sabe o caminho da Terra?

— Não há coisa existente no Universo, que eu não

saiba!

— Verdade? — fiquei contente.

— Já me viste mentir?

— Você é meu amigo?

— Tens dúvidas?

— Amigo de verdade?

— O que você está tramando? — Desconfiou ele.

— Preciso voltar pra minha casa! Você aceitaria ir

comigo?

— Jamais deixarei meu mundo!

— Por favor: Me ajude a voltar!

Page 182: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

182

— Você nem acabou de fazer uma peraltice, já

quer fazer outra?

— Não é peraltice! Quero voltar pra casa!

— Roubar nossa espaçonave e ainda me levar

junto? Acha que sou traidor?

— Se é verdade que você é meu amigo, então por

obrigação, você deve me ajudar!

— Acontece que sou susteriano também!

— Apenas uma máquina! Um robô!

— Não insista menino Regis! O senhor Frene está

lhe esperando!

— Acha que ele vai me bater?

— Já lhe disse que não sou adivinhão!

— Está bem! Seu amigo da onça!

— Não sou amigo de nenhuma onça! Nem a

conheço!

Calei-me e saí indo direto à minha punição. Entrei

na sala de computação e encontrei o senhor Frene,

assistindo uma gravação de minha vida na Terra. Assim

que entrei, ele desligou a máquina e me disse sério:

— Sente-se! Preciso muito falar com você!

Obedeci em silêncio. Ele deu a volta e sentou-se

em sua poltrona.

— Por que você resolveu fugir de novo? —

Perguntou-me ele.

— Só queria voltar pra Terra! Lá está minha vida!

Lá é o meu lugar!

— Regis me diz uma coisa: Se alguém te

abandonasse em São Paulo, será que você conseguiria

voltar pra sua casa?

— Não sei! Acho que não!

— Pois bem: de lá até sua casa, tem aproxima-

damente quinhentos quilômetros e você não sabe voltar.

Page 183: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

183

Imagine daqui até lá, que tem mais de Oitocentos trilhões.

Como você poderia saber voltar?

— Me parecia ser tão fácil!

— Não é fácil! Pensei que você fosse muito

inteligente! Mas já vi que não é... Quando a gente vai

fazer uma viagem interplanetária, nossos engenheiros

passam dias, planejando e traçando as rotas da viagem e

assim mesmo, muitas vezes, acontecem alguns

imprevistos.

— O senhor vai me bater novamente?

Ele se levantou, se aproximou e me abraçou por

traz, dizendo:

— Não! Nunca mais! Já lhe disse isso! Espancar

não educa! Alem do mais: O que lhe aconteceu, acho que

já serviu de lição.

— Pelo menos é um alívio, saber que não vou

sentir mais dores! Pelo menos, não em surras!

— Espero que jamais aconteça isto. Senti muito

medo e acreditava tê-lo perdido pra sempre! Sabia que

você estava perdido no espaço, longe de Suster e da Terra

também!

— Senhor Frene: — Insinuei me levantando. —

Por que o senhor não me deixa voltar pra minha casa?

— Ora Regis: — Riu ele. — Porque você pertence a

nosso mundo! Nós te amamos! Você sabe disso!

— Eu não gosto de ser bandido, ladrão, mal

Educado e nem sem vergonha!

— E quem disse que aqui você vai ser isso?

— O senhor mesmo disse, que sou mal educado e

sem vergonha!

— Que isso garotão! Eu só estava nervoso!

Page 184: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

184

— Eu não sou sem vergonha! Nem gosto que me

vejam pelado e nem falo besteiras! O senhor já me viu

falando bobagens?

— Não! — Riu ele. — Mas se falar alguma, não

tem problema! Todo menino fala bobagens às vezes.

—Não gosto! Minha mãe é muito brava neste

sentido!

— Sei disso! Conheço a varinha verde e a cinta de

couro de sua mãe!

— Mas sei que estou sendo mal criado e ladrão.

— Eu te proíbo de falar assim!

— Mas é verdade! Muitas vezes, eu respondo mal

aos mais velhos e o que é pior: já roubei dois discos-

voadores de vocês!

— Nossos discos estão conosco! Você não roubou

nada!

— Destruí um deles! O outro, só devolvi, porque

não consegui achar o caminho de casa!

— Não quero que você fale mais nisso!

— Por favor, eu... Tenho muita saudade de casa!

— Prometo lhe compensar! Vamos ao parque

todos os dias! Vamos conhecer Merlin, onde foi fabricado

o Mark Três, a espaçonave que te trouxe... Nossos

satélites, este computador... Aqui existe uma bela piscina!

Você nunca a usou! Ela é pra você! Vamos conhecer

Orington e tantas outras coisas.

— Acho que o senhor é igual os governantes da

Terra!

— Como assim? — Riu ele.

— Pediu apoio da população, pra me buscar na

Terra, todos concordaram, ou talvez nem tanto! Mas de

algum jeito, ajudaram nas enormes despesas que isto

proporcionou ao planeta inteiro. Divulga na tevê que sou

Page 185: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

185

um filho pra todos, porem, poucos me verão e menos

ainda, falarão comigo. A grande maioria, só me

conhecerão mesmo pela tevê.

— O que você quer insinuar? — Falou ele

duvidoso.

— Que sou, ou fui um gasto desnecessário, senhor

Frene! Pertenço a esta casa! Convivo apenas com o senhor

e a Leandra! Um pouco com Tony e Rud e mais ninguém!

— É que a gente não teve chance ainda de planejar

nada! Mas começaremos a levá-lo pra conhecer toda a

população! E garanto que eles lhe darão muito amparo e

carinho!

— E o que vou fazer pra ser este ídolo que Deus

não tolera? Não sei fazer nada de especial!

— Você não precisa fazer nada!

— Serei como um bichinho em um zoológico?

Pagarão ingresso pra me ver?

— Você às vezes realmente é bem malcriado! —

Criticou-me ele.

— Sei que sou! Mas apesar de pequeno, creio que

só estou falando a verdade!

— Nada do que você falou até agora procede! —

Negou ele sério. — Ninguém fará de você um ídolo!

Muito menos um animalzinho em zoológico!

— Sei que o senhor me acha um filho! Mas não

posso retribuir! Não consigo!

— Sei que você Regis, não é meu filho! Eu te amo

como tal mas sei que jamais poderei ter um.

— Sinto muito! — Insinuei realmente comovido.

— Lembre-se, aqui todos te amam e desejam

passar algum tempo com você!

— Isso é praticamente impossível!

— Nada é impossível pra mim!

Page 186: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

186

— Se eu passar apenas um segundo, com cada

habitante de seu planeta, precisarei de mais de três

bilhões de segundos de tempo!

— E daí? Você tem esse tempo!

— Tenho só nove anos de idade, senhor Frene!

Acho que já fiz dez! Perdi a conta! O senhor tem cinco

mil! Não abuse de minha pouca inteligência!

— Aonde você quer chegar? — Insistiu ele.

— Me leve de volta pra casa! Devolva minha

felicidade!

— Já lhe disse que farei de tudo pra que você seja

feliz, aqui conosco.

— Meu coração dói muito! Ele bate doído! Uma

dor muito estranha, que eu não sei explicar!

— Quer que eu lhe conte mais, sobre sua vida na

Terra?

— Faça de conta que o senhor é eu! Só por um

pouquinho!

— Vamos falar sobre você na Terra!

Sentei-me indignado e insinuei:

— Que remédio! Já que não posso voltar, então

pode até me confortar, rever o que já passou.

Page 187: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

187

Tristes lembranças.

le já estava ligando o tape, quando ainda,

aleguei:

— Desde que não sejam besteiras!

— Vou lhe mostrar algo muito triste! Algo que

você jamais se esquecerá!

— Mais triste do que a minha saudade de casa, é

impossível!

— Só pra deixá-lo por dentro, você ainda não

completou dez anos da Terra!

O aparelho foi ligado e eu, apenas de short, sem

camisa estava brigando de socos e rolar no chão, com

Toninho, um menino branco de cabelos pretos, de minha

idade. Nós éramos assim, sem querer plagiar, um tipo de

inimigos inseparáveis; brigávamos sempre e em pouco

tempo, estávamos juntos novamente. Na luta, algumas

vezes eu apanhava, outras batia; dependia da sorte no

momento. Naquele dia, ele me acertou um forte murro no

nariz, fazendo com que o sangue quase negro, escorresse

por minha boca e camisa. Ao sentir aquele gosto doce de

meu próprio sangue entre os lábios, o que sobrou dele,

ferveu dentro das veias, me deixando tão bravo e

E

Page 188: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

188

nervoso, que me fez criar uma força descomunal, fazendo

com que eu conseguisse dominá-lo, derrubando-o ao solo

e me sentando sobre sua barriga, segurando com a mão

esquerda em sua garganta e chegando a esfregar meu

punho direito fechado, sobre seu nariz, ameaçando dar-

lhe um grande e avassalador soco, que o deixaria

bonzinho para o resto de sua bendita vida de moleque

provocador. Só que não fiz.

Mamãe apareceu com sua costumeira varinha de

guanxuma verde entre as mãos e puxando-me pelos

braços, tentou me surrar, acertando-me algumas varadas;

escapei-me de suas garras e corri para dentro do quintal,

onde algo me disse que deveria parar e esperar. Ela me

surrou, com mais algumas varadas sobre minhas pernas

nuas. A dor das varadas, o sangue escorrendo pelo nariz e

o nervosismo, me fizeram reagir e tomar-lhe a vara, me

virando contra ela, ameaçando lhe dar também, algumas

daquelas varadas em sua face; porem, nessa hora, meu

coração doeu e eu arrependido, parei, devolvendo-lhe a

varinha. Foi então, que sem perdão, apanhei pra valer:

Mamãe, nervosa, desferiu dezenas de varadas por todo

meu corpo, sem pensar aonde acertava: pernas, braços,

rosto, nádegas... Apanhei tanto, que minha bexiga lotada,

se esqueceu que ali não era a hora e lugar e se abriu,

fazendo com que a urina acumulada, se escorresse pelas

pernas abaixo. A urina que vazou, acho que foi até bom,

pois foi o alerta que precisou para que a surra findasse e

então, cumprida cruel punição, acabei, do jeito que

estava, deitando-me de bruços em minha cama. Poucos

minutos depois, meu irmão mais velho, ainda surgiu para

caçoar de minhas dores, físicas e emocionais, dizendo que

eu iria direto, sem escalas, para o inferno ser espetado

Page 189: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

189

pelo tridente do capeta, por ter ameaçado nossa própria

mãe.

— O senhor sempre fala que me protegia na Terra.

— Disse ao senhor Frene. — Então por que não me

protegeu naquele dia? Daquele erro?

— Claro que eu lhe protegi! — Exclamou ele.

— Apanhei do cretino Toninho! Apanhei de

mamãe e o pior: cometi o maior pecado de minha vida,

tentando bater nela e o senhor diz que me protegeu!

— Quando você foi revidar sobre ela, seu

coraçãozinho pediu em dores, pra que não o fizesse!

Quem você acha que fez isso?

— Se o senhor sempre me protegeu. Quer dizer

que Deus, nunca fez nada?

— O Universo é muito grande, pra que Deus se

envolva em tudo o que se passa! Deus, jamais se interfere

no livre arbítrio das pessoas, mesmo sendo crianças! Deus

não faz nada daquilo que está ao alcance do ser humano,

resolver por si próprio! É por isso que todos nós

precisamos de certo anjo da guarda!

— O pior é que isto aconteceu um dia antes do

senhor me sequestrar na Terra! O que será que mamãe

ficou pensando?

— Está tudo bem, menino!

— Acho que ela pensa que fugi de casa!

— Ela não pensa assim!

— O que mais o senhor vai me mostrar?

— Lembra da noite em que você teve que dormir

pelado?

— Claro! Essa o senhor já me mostrou.

— Sei que já! Mas você se lembra, no outro dia, na

farmácia, quando você tomou uma injeção no traseiro?

Page 190: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

190

— Isso é normal! — Mostrei-lhe meu braço direito.

— Veja a grossura de meu bracinho raqu... raquít...

Magrinho! E depois, qual a criança que toma injeção no

braço?

— E do dia em que você se perdeu na cidade?

— É que eu morava no sítio! Estava na casa de

vovó e fui passear no centro da cidade, com minha prima.

Na metade do caminho, resolvi voltar e me perdi!

— Então você começou a chorar, duas meninas,

que entregavam leite, te apanhou e te levou na rádio...

— No caminho, encontramos meus pais e meus

irmãos mais velhos! Então fiquei com eles!

— E depois quer fugir pra Terra? Justo você que se

perdeu dentro de sua própria cidade! — Caçoou ele.

— Acontece que eu só tinha cinco anos e ainda

morava no sítio!

— Entendo! Você se lembra das representações na

escola? Os teatros de alunos?

— Acho que minha professora gostava muito de

mim, pois sempre me convidava pra representar.

— Todos gostam muito de você, Regis! Todos tem

carinho especial por crianças educadas! E depois, acho

que você já nasceu com um talento nato pela arte. — Riu

ele.

— No ano passado, na festa do dia da árvore, cada

classe usou quatro alunos pra plantar uma árvore! Neste

dia eu plantei minha primeira árvore!

— Agora só falta escrever um livro e ter um filho!

— Ironizou.

— Quê!?

— É um dos ditados populares da sua Terra! O

homem será completo quando plantar uma árvore,

escrever um livro e for pai de um filho.

Page 191: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

191

— Vai demorar hem! — Insinuei fazendo careta.

— Pra ter o filho, eu concordo, mas escrever um

livro, não precisa tanto.

— Não vou ser escritor! — Neguei convicto.

— História pra contar, você tem! — Riu ele.

— Triste minha história! Não?

— Não vejo assim! — Protestou ele. — Uma vida

de aventuras!

— Troque comigo!

— Você também representou sua classe, no teatro

do dia da Pátria, entre outras cinco crianças: meninos e

meninas.

— Será que quando crescer posso ser artista? —

Pensei um pouco. — Ator! Não escritor!

— Quer ser um artista em meu mundo? Consigo

lhe conceder este desejo!

— Obrigado senhor Frene, mas eu prefiro voltar

pra minha casa.

— Na Terra, você também jogava bola...

— Brinquei muito de bola, com meus amigos,

irmãos e primos. Só que eu não sou muito bom de bola,

por isso eles sempre me colocavam pra jogar de goleiro.

— E de goleiro, você é bom?

— Mais ou menos! — Fiz gestos simultâneos com

as mãos e boca. — Consigo segurar as bolas.

— Lembra-se de sua primeira cartilha escolar?

— Claro! Como não? “Caminho Suave”.

Sem nada dizer, ele ligou o aparelho e me

mostrou: Era nada mais do que um dos primeiros dias de

aula, do primeiro ano escolar de um inocente menino de

sitio. Levava o caderno para a professora dona Jacira

corrigir a tarefa e ela riu, alegando meu trabalho estar

todo errado, por estar perfeito demais. Era para que

Page 192: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

192

fizéssemos uma cópia dos famosos be-a-bás da lição da

“barriga” e eu teria feito toda a cópia, em letras de forma

minúscula; quase idêntica a que estava na cartilha.

— Às vezes o erro se torna divertido! — Afirmou

senhor Frene, rindo. — Mas às vezes pode se tornar muito

chato!

E me mostrou quando, novamente levava o

caderno para ela corrigir a tarefa. Quando ela tomou o

caderno em suas mãos, atirou-o longe, gritando brava:

— Que letra horrível!

O senhor Frene estava rindo e eu, acanhado, só lhe

disse:

— Tem certas palavras que dói mais do que uma

surra!

— O que a professora disse, é um exemplo! Não é

verdade?

— Realmente!

Ele, sério, desligou a máquina e me perguntou:

— Quem morava próximo da escolinha, Regis?

— Meu tio... — Respondi triste, já sabendo o que

ele iria me mostrar.

— Aquele homem alegre... brincalhão! Aquele

homem, que sempre dava carrerão em todos vocês,

ameaçando castrá-los... Veja isto:

Tornou a ligar a máquina e na tela apareceu meu

tio Cilmar, tentando arar a terra, com Bainho, o cavalo

baio de meu pai; mas aquele cavalo manhoso, não

habituado a trabalhos agrícolas, não aceitava as rédeas e

levantava as patas dianteiras, bravo, dando coices no ar,

se parecendo mais com Silver, o famoso cavalo branco de

Zorro. Eu contava apenas seis anos de idade, recém-

completado; assistia tal espetáculo, grudado na cerca de

arame farpado e só sabia rir.

Page 193: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

193

— Coisa errada é com você! Não, Regis?

— Foi divertido!

O riso sapeca de uma infância feliz, gravada em

certo tape da existência, se fazia presente também naquela

hora, em ainda uma infância, distorcida pelo destino

fabricado.

— Mas a cena daquele homem bom, se tornou

triste, poucos dias depois.

— Certa noite, ele se aproximou de casa, mas não

chegou... — Insinuei triste.

— Como você sabe?

Dei de ombros e completei:

— Me contaram!

Novamente o aparelho foi ligado e eu, ainda aos

seis anos, fui tirado da cama por mamãe, pela manhã,

antes do horário habitual. Ainda se fazia escuro e mamãe,

enquanto preparava meus irmãos menores, inclusive

Paulinho com apenas um ano de idade, mandou a mim e

meus irmãos maiores, nos vestirmos com roupas de

passeio.

Vesti uma calça de tergal, cinza, comprida e

camisa de algodão, branca, também de mangas

compridas; calcei sapatos pretos; meu irmão Leandro me

ajudou a prender meu suspensório de tecido marrom,

com fivelas douradas, me transformando em um

principezinho. Perguntei se íamos passear. No caminho,

ela nos informou sobre o ocorrido, me deixando curioso,

pois jamais teria visto tal cena. Quando chegamos à casa

da irmã de papai, encontramos meu tio Cilmar, com

pequeno ferimento na testa, que soube depois, que se

dera devido um tombo sobre as pedras próximo ao Rio

Lajeado; Meu tio dormia um sono profundo, dentro de

um caixão de madeira, revestido por tecido roxo. Nunca

Page 194: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

194

tinha visto alguém morto e ali descobri o quão era cruel.

A princípio era igual dormir um sono profundo, onde,

apesar do cheiro forte das flores e velas queimando e o

som das pessoas falando, não conseguia acordar. Mas o

rosto triste e olhos vermelhos dos visitantes,

principalmente adultos, mostravam a gravidade do

ocorrido. Retirei-me e na porta dos fundos, de cócoras,

encontrei papai, que me perguntou em lágrimas

silenciosas, se eu já havia visto titio Cilmar e eu, acenando

que sim, perguntei-lhe se ele teria que ir embora para

sempre...

— Foi o adeus daquele homem tão bom! —

Insinuei.

— Que você jamais se esquecerá. — Afirmou o

senhor Frene.

— Se é verdade que o senhor me protegia na

Terra, por que então não salvou meu tio?

— Sinto muito! — Se lamentou o homem, tão triste

quanto eu. — Não sou Deus!

— Ainda há muita coisa pro senhor me mostrar?

— Se for lhe mostrar tudo, gastarei quatorze anos!

— Mesmo assim, gostaria que me mostrasse! Pelo

menos o mais importante!

— Por exemplo: quando nasceu seu irmão caçula!

— O Paulinho? Eu tinha cinco anos! Mamãe sofreu

muito no parto!

— É verdade! Seu irmão nasceu em casa, pois

vocês moravam no sítio e não conseguiram carro, pra

levarem sua mãe ao hospital!

— Eu nem sabia que teria mais um irmão; de

repente, mamãe estava mal, sofrendo muito e nos

fazendo, sem entender os segredos da vida, sofrer

Page 195: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

195

também e então, algum tempo depois, apareceu tal

atrevido.

— Que isso Regis? Seu irmão gosta muito de você!

— Eu sei! — Concordei rindo. — Eu também o

amo muito! Ele é meu mais fiel companheiro.

— É tal anjinho que chegou sem avisar.

— Acho que na minha família, todos nós

nascemos em casa!

Após regular a máquina, o senhor Frene, disse:

— Veja isto:

Eu, ainda aos cinco anos morava no sítio. Estava

na cozinha de casa ao lado de mamãe e vovô, seu pai.

Homem magro, alto, com lá seus cinquenta anos de

idade, muito bom e gentil. Lá fora chovia muito granizo.

Eram mais ou menos duas horas da tarde e vovô pediu,

acho até que foi de brincadeira, para que eu fosse lá fora,

apanhar algumas pedrinhas de gelo. Sem sequer pensar

ou pedir permissão à mamãe, saí correndo para o quintal,

me escorregando no lodo verde acumulado, caindo e me

sujando todo de barro.

Enquanto revia a cena, ao lado do senhor Frene,

eu ria exageradamente, de tal divertida tragédia, pela

qual passara.

A seguir, revi, quando, ainda aos cinco anos, junto

com Sandra, uma amiguinha de sitio vizinho, brincáva-

mos de pular sobre uma gigantesca árvore caída, em

nossas terras, no sítio.

Revi também, quando, ainda aos cinco anos, à

tardinha, estava com meus irmãos mais velhos, Leandro e

Carlos Henrique, que faziam seus deveres escolares em

nosso quarto e vi pela janela, uma cobra, que passeava

por ali toda garbosa. Avisei meus irmãos e fomos segui-

la, que encontrando um buraco na parede, no quarto de

Page 196: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

196

meus pais, aproveitou para fazer uma visita; subiu no

berço e se atreveu a passar por cima do corpo do caçula

Paulinho, que recém-nascido, por sorte dormia tranquilo,

caso contrário, poderia querer brincar, pegando

inocentemente tal bicho. Dali, ela desceu ao chão, subiu

na bicicleta de papai, que estava na sala, embaixo do

periquito, que gritava sem parar. Carlos Henrique correu

a apanhar sua avezinha, temendo que a cobra o

apanhasse. Enfim, um valente adulto vizinho chegou a

nossa casa e acabou com a festa, quer dizer, passeio,

daquele infeliz réptil verde, despedaçando sua cabeça a

poder de pauladas.

— Como será que aquela cobra não fez nenhum

mal a Paulinho? O senhor o protegeu?

— Não! Era um réptil inofensivo! — Alegou o

senhor Frene.

— Réptil inofensivo?! — Duvidei. — Uma cobra

venenosa?

— Depois que Deus amaldiçoou a serpente do

paraíso, pobrezinha de qualquer cobrinha boba! São

sempre recebidas a golpes imperdoáveis de pauladas!

— Quem o ajudou a não apertar tal cobra,

pensando que fosse brinquedo?

— Primeiro, porque ele estava dormindo! Depois,

porque realmente a cobra verde é muito inofensiva e

também, Deus é poderoso e não permitiu!

— Não foi mesmo o senhor?

— Não! Foi Deus mesmo!

— Gosto muito dele!

— De quem? De Deus, ou do Paulinho?

— Dos dois!

— Você sabia que as cobras, mesmo as venenosas,

só atacam quando são perturbadas?

Page 197: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

197

— Já ouvi falar por aí! Como o senhor sabe tanto

sobre elas? Aqui não existem!

— Quando nos falta alguma coisa, a gente se

diverte estudando sobre aquilo.

— O senhor tem sorte em não ter cobras em seu

mundo. Por que perder tempo estudando?

— Vocês tem sorte em não ter dinossauros na

Terra. Por que perdem tempo estudando-os?

— Entendi sua comparação. — Dei leve sorriso.

— O que mais você se lembra de sua vidinha,

Regis?

— Muita coisa!

— Por exemplo!

— Do sítio: quando me levantava cedo e ia correr

pelos campos orvalhados, em busca das milhares de bolas

coloridas, que caiam do céu. Elas eram de todas as cores e

estavam sempre fugindo de mim, nem sei por quê!

— Mas eu sei!

— Sabe?

— Sei! Aquelas lindas bolas coloridas, só existiam

em sua mente, em sua visão! Quanto mais você as

tentasse pegar, mais longe elas ficavam!

— Parecia ser tão real! — Insinuei triste.

— Pois é! O mundo da criança é colorido e cheio

de imaginação! As lindas bolas coloridas eram nada mais

do que os raios do Sol, que surgia no horizonte, refletindo

sobre o orvalho da manhã, impregnado nas folhas de

todas as plantas.

— Como o orvalho consegue ser colorido?

— As cores vinham das diversas tonalidades, na

pigmentação das folhas e flores das diferentes plantas.

Algumas mais verdes, outras mais secas... Algumas

amareladas, outras roxas, ou vinho, ou escura...

Page 198: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

198

— Era tão real, que, quando já morava na cidade,

ao dormir à noite, as imaginava tão bem, quanto as que

viam pela manhã no sítio.

— E as via?

Acenei que sim.

— Neste caso, elas realmente só existiam em sua

imaginação fértil.

Agora, a máquina me mostrava, quando, aos sete

anos de idade, no rio Lajeado (o rio que cortava nosso

sítio), estávamos em um bando de garotos, entre eles,

meus dois irmãos mais velhos, meus dois primos, filhos

do falecido titio Cilmar e dois vizinhos de sítio, todos nus,

na maior naturalidade, nadando. De repente, alguém

começou a nos jogar pedras e gritar que iria nos capar a

todos. Todos, inclusive eu, saímos rapidamente da água,

nos vestimos e fomos atravessar o rio andando para

fugirmos. Todos os demais conseguiram menos eu, que

sendo o menorzinho, a água molharia minha tal calça

curta e como eu era um machado dentro d’água, “se

jogado vai direto ao fundo”, retornei à margem e tornei a

me despir. O terrível castrador de meninos aventureiros

se aproximou e era nada menos do que o senhor

Sebastião, primo de papai.

— Ao ver que era ele, tive um alívio! — Aleguei.

— Teve medo de ter a mesma sina dos infelizes

leitõezinhos?

— Afinal de contas, por que os adultos gostam de

assustar as crianças, com brincadeiras idiotas?

— Dizendo que vai castrá-las?

— É!

— Não sei! Devem achar divertidos! Os adultos, às

vezes querem se aproximar das crianças, mas como não

Page 199: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

199

têm argumentos apropriados, inventam brincadeiras

desse tipo!

— Tem hora que dá raiva deles! Criança é gente e

não é boba!

— E por que você não ficou com vergonha de que

eu tenha visto estas imagens? Você estava nu e não gosta

de ser visto assim.

— Sei lá! — Balancei os ombros.

— Porque a cena mostra uma ação natural da

infância, Regis! Nada de mais!

— No sítio, estava acostumado a viver assim!

Minha madrinha disse que eu, até aos quatro anos, só

vivia pelado pelos terreiros, junto às galinhas.

— Posso lhe mostrar, se você quiser!

— Não é necessário! — Neguei balançando as

mãos. — Já me conheço, obrigado!

—Você se lembra do dia em que seu pai lhe deu

um tapa no rosto e você ficou com raiva dele, pro resto da

vida? Depois, você foi erguer um pedaço de pau e tinha

uma cobra embaixo?

— Quando papai me bateu, na frente de um

monte de seus empregados, eu disse pra mim mesmo,

que ele era um homem cretino e que eu jamais falaria com

ele!

— É! Mas muiiiito tempo depois, quando a cobra

apareceu à raiva acabou na hora! Não foi?

— Chamei papai na hora e me esqueci da raiva.

Ele matou a cobra e me abraçou! Mas não foi muiiiito

tempo depois!

— Eu sei! Era metáfora. Não se passara nem cinco

minutos.

— Metá...fora! O que é isso?

Page 200: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

200

— Alguma coisa sem sentido! Igual ironia ou

sarcasmo.

— Cada palavra! Eu nunca vou aprender!

Sar...cas-mo! Metá...fora!

Ligou sua máquina de reprisar lembranças e disse:

— E por falar em matar, veja isto!

Junto com papai e o senhor José, padrinho de

minha irmã Letícia, estávamos no chiqueiro de porcos,

onde eles apanharam um dos condenados, arrastaram-no

para fora e o derrubaram ao chão. O senhor José, apanhou

uma peixeira com dois de meus palmos, só de lâmina e

me entregou. A seguir, seguraram o porco, abriram suas

patas dianteiras e o senhor José me mandou sangrá-lo,

dizendo que fizesse com muita força e sem piedade. Fiz

cara de malvado, acunhei a lâmina sobre o peito da

vítima e depois, descobrindo que só a cara era de

impiedoso assassino, devolvi aquela arma e corri para

dentro de casa.

— Acha que eu teria coragem de matar um porco?

— Perguntei ao senhor Frene.

— Acho que jamais! — Afirmou ele. — Logo um

menino com o enorme coração que você tem!

— Falando em porcos: um dia, eu e meus irmãos

mais velhos, estávamos consertando o chiqueiro. Carlos

Henrique, após dar boas marretadas sobre uma estaca,

colocou o dedo sobre ela e alegou estar super quente.

Leandro fez o mesmo e quando fui fazer o mesmo,

Carlos, sem perceber, deu uma marretada e eu saí

chorando, com o dedo indicador da mão esquerda,

exangue.

— Imagino o quanto doeu! — Afirmou o senhor

Frene.

— O senhor viu?

Page 201: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

201

— Como não?

— Por que não me protegeu?

— Quem disse que não?

— Se tivesse me protegido, não teria me

machucado!

— A pancada da marretinha teria esmagado seu

dedo inteiro; porém, na hora “agá”, segurei a marreta e

ela bateu com pouca força, lhe machucando sim e lhe

deixando cicatrizes eternas. Mas, apesar de tudo, seu

dedinho ficou inteirinho e sadio.

— Sadio!? — Mostrei-lhe a cicatriz. —

Espedaçado! Me conte coisas mais importantes.

— Não vou contar! Vou mostrar.

Estava com seis anos de idade e voltava de um

passeio que fizemos a uma fazenda à beira do Rio Tietê,

com meus irmãos mais velhos, dois primos e um amigo.

Ao atravessarmos defronte a uma velha casinha

abandonada, construída à beira da estrada, meu irmão

Leandro, perguntou indiferente, o porquê daquela

casinha velha, ali na beira do mato. Naquele instante,

soou um assovio estridente, que se fazia parecer, com

alguém correndo por três vezes, em volta da casinha... ou

igrejinha e depois entrou. Todos nós, corremos assustados

e só paramos a mais de cem metros de distância, onde um

de meus primos nos disse que ali era um local que

marcava, onde havia morrido uma pessoa.

— Isso foi verdade! — Exclamei sério.

— Eu sei que foi verdade!

— E por que alguém que já morreu vai à Terra,

assustar as pessoas?

— Foi vocês quem abusou! Depois, ela não queria

assustá-los! Só queria fazer um pedido. Mas ninguém

esperou!

Page 202: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

202

— O senhor disse, ela! Como sabe que era mulher?

— Não sei! Eu disse, ela, a pessoa!

— E que pedido ela queria fazer?

— Não sei! Oração, talvez!

— Por quê?

— Algumas almas se perdem e ficam vagando em

busca de ajuda. Essa ajuda é difícil, pois quando tal alma

perdida consegue contatar alguém, acontece o que

aconteceu a vocês crianças. Medo!

— Nos sítio, acontecia cada uma conosco!

— Claro! Vocês eram arteiros! Lembra quando

vocês castravam os ratinhos? Os pobrezinhos condenados

grita-vam na mais cruel das dores, até morrer

agonizando!

— São nocivos!

— Mas não são culpados por serem nocivos! Até

concordo que devemos exterminá-los! Mas não com

tamanha crueldade.

— Apesar de estar com eles, eu jamais fiz esta

maldade!

— O senhor só se lembra das coisas ruins! E as

coisas boas?

— Me lembro também! Exemplo: Seu primeiro

beijo...

— Eca! Nunca fiz isso!

A máquina nos mostrava que nós, crianças,

meninos e meninas, brincávamos de namoro no escuro.

Era minha vez de escolher: Quer? Não! Quer? Não! Quer?

Sim! Uva, maçã, pera, melão, abacaxi! Preferi uva, que

era... beijo na boca. Porém, só disse uva, pois não sabia o

que era. Não tinha me familiarizado com o nome da fruta

e a ação; se tivesse, sempre escolheria a que fosse aperto

de mão, ou no máximo uma voltinha até a esquina. Pelo

Page 203: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

203

menos, percebi que a escolhida fôra a menina de onze

anos, Maria Lúcia. Eu tinha oito! Naquele momento,

apareceu mamãe e eu fiquei ainda mais tímido. Jamais

beijaria uma menina... na boca, na presença de mamãe. Os

colegas insistiam que eu era obrigado a beijá-la,

cumprindo o que eu mesmo desejara. Neguei, sem chance

de acordo e assim sendo, a própria condenada, concordou

com um beijo no rosto.

— Tímido! Não? — Caçoou o senhor Frene.

— Natural! — Aleguei. — Mamãe estava olhando!

— E o que tinha isso a ver?

— Muita coisa! Ela me bateria!

— E se a menina fosse a Beth?

— Mamãe me bateria do mesmo jeito!

— E se fosse a Regina?

— Cinta na bunda do Regis! — Ri, fazendo gestos.

— Acho que por elas a surra valeria a pena!

Mostrei um largo sorriso de concordância. De

repente, os alto-falantes da residência, nos interrompeu,

dizendo:

— Senhor Frene, favor comparecer à portaria, com

a máxima urgência.

— É com o senhor! — Avisei-o.

— Quer ir comigo?

— Não! Vou tomar banho e depois comer!

— Boa idéia! Tome seu banho, depois me espere

pra irmos juntos ao refeitório.

Page 204: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

204

Page 205: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

205

Uma grande prova de amor

á se passara uns vinte dias, após ter retornado à

Suster, quando, junto com Luecy, resolvi ir à sala

de computação, para conversar com o senhor Frene.

Porém, encontramos a sala vazia.

— Luecy, por acaso você sabe mexer com esta

máquina? — Perguntei ao robô.

— Não há coisa que eu não saiba fazer! —

Insinuou ele.

— Duvido! Você sabe ligar esta máquina com a

Terra?

— Isto é grupo!

— Grupo uma ova! Eu só não acredito!

— Quer provas? — Desafiou-me ele.

— Só acredito vendo!

Provando que ele realmente sabia lidar com

aquela máquina, ligou-a, me mostrado a Terra, ao vivo e

provando que era mesmo inteligente (ou intelirobô) de

verdade, mostrou-me minha casa:

Não foi em pior hora. Mamãe estava sentada em

minha cama, segurando uma moldura de meus oito anos.

J

Page 206: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

206

Na foto, eu sorria e na realidade, mamãe chorava em

silêncio, talvez de dor e saudade. De repente, entrou

minha irmãzinha Letícia de oito anos e ao ver mamãe

chorar, perguntou:

— Por que você está chorando?

— Não estou chorando, filhinha! — Negou ela. —

Só estou resfriada!

— Ta chorando sim! Ainda é por causa do Regis!

Não é verdade?

— É sim, filhinha! Acho que sim!

— Onde ele está? Por que ele abandonou a gente?

— Ele não abandonou a gente!

— É verdade que ele foi morar com Deus?

— Quem disse isso a você?

— Foi papai!

Ela se calou por alguns segundos, depois,

chorando mais, desconsolada, abraçou minha irmãzinha,

dizendo:

— É filhinha! Acho que é verdade!

— Não é verdade mamãe! — Neguei chorando, na

sala onde estava, a trilhões de quilômetros de distância

dela. — Eu estou vivo!

Naquele instante entrou o senhor Frene, que

gritou furioso:

— Quem lhe deu ordens pra mexer aí?

Virei-me a ele chorando e gritei:

— Quero voltar pra casa!

— Calma! — Pediu ele. — Vamos conversar!

— Não quero conversar! — Continuei chorando.

— Quero voltar pra minha mãe!

— Mamãe! Ele quer mamar! — Caçoou Luecy.

O senhor Frene desligou o computador e se

aproximou dizendo:

Page 207: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

207

— Sente-se um pouco, garotão! Vamos conversar

como dois amigos!

— Não quero conversar! Isso em nada me ajuda!

— Gritei chorando.

— Ouça Regis: eu só quero o seu bem! Ainda por

estes dias, vou te levar à passeio a Merlin e Orington; as

cidades mais avançadas do planeta.

— Mais avançadas do Universo! — Emendou o

robô.

— Não quero conhecer nada! Só quero voltar pra

casa!

— Deixe de ser ingrato garoto!

— Que gratidão o senhor quer de mim?

— Nós amamos você!

— Mentira! — Gritei. — Quem me ama não me faz

sofrer!

Ao me ouvir gritar assim, ele se calou por alguns

segundos, se aproximou mais e me pediu:

— Regis, meu filho! Olhe pra mim.

Olhei. Porem neguei:

— Não sou seu filho! O senhor sabe muito bem!

— Mas eu o amo, como se fosse! E você sabe disso!

— Senhor Frene, minha mãe pensa que eu morri e

está sofrendo muito por isso. Se o senhor realmente me

ama como a um filho, então deve saber que ela e papai

me amam como a um filho também e sofrem muito com

minha ausência e o mais importante, eles têm todo o

direito sobre mim. O mais importante ainda, é que eu os

amo também!

— E pelo que estou fazendo, me odeia?

— Não! — Neguei sinceramente. — Eu o amo

também! Jamais quero odiar o senhor e nem outra pessoa

qualquer, aqui de Suster.

Page 208: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

208

— Robô não odeia ninguém! — Negou Luecy.

— Pense bem Regis: você sofre com a ausência de

seus pais e eles com a sua. Se por acaso você for embora,

quem irá sofrer serei eu e todos daqui.

— Por que o senhor não cria uma forma, de na

Terra eu falar com o senhor e o senhor comigo? Falarmos

e nos vermos!

— Excelente idéia! — Concordou o robô.

— Você é duro de roer! — Riu o senhor Frene.

— Se poe no meu lugar... Só um pouquinho...

Procure sentir o que estou sentindo! Sinto muitas dores! O

coração está sempre apertado! Chorando mesmo!

— Regis... Eu... — Ele também tinha lágrimas.

— Por favor... — Pedi carente, com o rosto

molhado.

— Está bem! Vou lhe dar uma grande prova de

amor! — Disse ele muito triste. — Vou mandá-lo de volta

pra sua casa!

— Verdade! — Exclamei contente, porem ainda

com lágrimas.

— Infelizmente!

— Ficou todo mundo maluco! — Insinuou o robô.

— Lembre-se meu querido filhinho: na Terra você

terá que trabalhar, estará exposto a sofrimentos,

angústias, vai se envelhecer e o que é pior, um dia vai

morrer. São coisas que aqui jamais aconteceria.

— Não se preocupe com isto! — Pedi.

— Seu corpo bonito de criança, um dia ficará

velho, enrugado e feio. — Afirmou Luecy, novamente em

plágio.

— Não sou burro Luecy! — Neguei com o peito

aliviado. — Sei o que vai acontecer comigo!

Page 209: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

209

— Pode se preparar. — Ordenou o senhor Frene.

— Tony e Rud irão levá-lo de volta à sua Terra!

— Quando? — Perguntei animado.

— O mais depressa possível!

Saí da sala de computação, rindo de tanta

felicidade e segui direto para meu quarto; tirei aquelas

roupas esquisitas, porem confortáveis e o mais rápido que

pude, após muito tempo, tornei a vestir meu uniforme

escolar. Quando fui me retirar, entrou Luecy, dizendo:

— Pensei que éramos amigos!

— Mas eu sou seu amigo! Podes crer!

— Amigo traidor!

— Não sou traidor! Olhe, tenho uma idéia: por

que você não vem comigo pra Terra? Tenho certeza de

que o senhor Frene autoriza!

— Jamais abandonarei meu mundo!

— Muito bem! — Aleguei. — Você não quer

abandonar seu mundo e me julga traidor, por não querer

abandonar o meu! Eu é que pergunto: Que amigo é você?

— Desta vez você venceu! — Aceitou ele. —

Adeus!

E se retirou.

Fiquei ali parado por alguns minutos e então, me

retirei também, seguindo até a sala de computação, onde

entrei sem chamar e sem nenhuma surpresa, encontrei o

senhor Frene, sentado, assistindo um tape de minha

chegada à Suster, seu mundo. Ele estava chorando.

A me ver chegar, desligou a máquina, se levantou,

limpou os olhos e me perguntou:

— Já está pronto?

— Sim senhor! — Afirmei sério.

— O Tony e o Rud, já estão se preparando! Basta

você esperar umas duas horas e eles o levarão de volta.

Page 210: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

210

Resolvi me retirar, mas na porta, parei e chamei:

— Senhor Frene...

— O que é? — Perguntou-me ele secamente.

— Obrigado!

Como ele nada respondeu, completei:

— De coração...

Retirei-me, indo de encontro a Tony, que sem

fazer perguntas, disse que me levaria pra casa, dentro de

poucas horas.

Estava muito ansioso, feliz e confesso, um pouco

triste também. Embora sentisse muita falta e precisasse

voltar para meu mundo, existia ali um mundo que me

amava de todo coração e alma, o qual, com certeza, me

traria muita saudade.

Após quase quatro horas de espera, fui chamado e

já, na entrada do grande disco voador, Luecy me disse:

— Desculpe as brigas. Jamais o esquecerei!

Abracei aquele amigo de metal, sabendo que ele

seria reprogramado e acabaria sim, me esquecendo; então

me dirigi ao senhor Frene, que estava muito triste.

Percebendo que ele não queria muita conversa, lhe pedi:

— Posso lhe dizer... pelo menos tchau?

— Não! — Negou ele.

Baixei a cabeça e segui lentamente para a nave,

mas ele se voltou e me abraçou chorando. Depois me

disse:

— Aqui também existem dores! Esta é uma delas!

— O senhor poderá me ver quando quiser! É só

ligar o computador!

— Lembre-se garotão: Se algum dia, você desistir

de lá, basta dizer que quer voltar, que eu mandarei te

buscar novamente. Seja o dia que for! Mesmo que neste

dia, você já tenha cinquenta anos de idade! Ou setenta!

Page 211: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

211

— Nunca irei me esquecer do senhor!

— Daqui estarei acompanhando sua vida, em

todos os momentos que ela existir!

— Fico feliz em saber, que o senhor continuará

gostando de mim! Mesmo eu querendo ir embora!

— Eu te amo! E tenho orgulho de seu jeito firme

de querer as coisas! Não te condeno nunca!

— Se nossos mundos fosse mais perto, eu até que

poderia vir visitar vocês.

— Não é perto! Só o milagre da tecnologia, me fez

poder ir até você. Mesmo assim, foi muito complicado.

— O senhor e toda sua tec... tecno...

— Tecnologia! — Ajudou-me com a palavra difícil.

— O senhor poderia criar a máquina de transporte

e assim ficaria mais fácil de eu vir.

— Teletransporte, você quer dizer? Escaneamento

quântico!

— Não sei o nome! — Dei de ombros. — São

aquelas máquinas usadas em filmes de guerra no espaço.

— Aí eu desintegraria você em bilhões de

partículas atômicas em meu mundo e o reconstruiria em

seu quarto, lá na Terra?

— Seria legal! Eu poderia visitar o senhor e seu

mundo.

— E se alguns milhares dessas partículas se

extravias-sem no caminho? Você poderia, por exemplo,

sair daqui menino e chegar a seu mundo menina.

— Sai de mim!

— Ou faltando um dedo... uma perna talvez!

— É?

— Teletransporte, só é mesmo possível, na mente

de escritores criativos, nas estórias de ficção científica.

— Será?

Page 212: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

212

— Se eu quisesse criar uma máquina de

escaneamento quântico, que o levaria à seu mundo, além

do perigo em você chegar lá deformado, a energia que eu

teria que empregar, seria grande o suficiente para destruir

meu querido mundo imortal.

— É?

— Além do mais, para que nada desse errado no

momento do escaneamento, você teria que ficar completa-

mente imóvel, para não haver nenhuma falha na

reconstituição de sua matéria. Um simples pulsar de seu

coração teria consequências drásticas.

— Posso pedir outra coisa?

— Claro!

— O senhor vai continuar me observando na

Terra. Certo?

— Sempre!

— Poderia me dar privacidade, quando eu estiver

no banheiro? Ou trocando de roupa?

— Vou ver o que posso fazer! — Riu ele. — Não

tenho interesse em vê-lo no banheiro! Não em seus

momentos de necessidades fisiológicas!

— Hem!

— Vou respeitar sua lua de mel com a Beth! — Riu

ele.

Dei-lhe um beijo na face.

— Uma coisa é certa: faz um ano terrestre que

você está conosco e agora, ao voltar, se você falar que

esteve aqui, ninguém acreditará... Ou melhor, apenas um

amigo acreditará e fará deste fato, um relato pra

prosperidade. Ou quem sabe, você mesmo faça tal relato!

Pouco depois, estava dentro daquela nave ultra

veloz, cortando a barreira do espaço sideral e só, trinta

dias susterianos depois, dia dezessete de Fevereiro, do

Page 213: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

213

ano de um mil novecentos e oitenta e um, pouco depois

das dez horas da noite (dia e horário de Brasília), estava

na cabine com os dois susterianos.

— Estamos na fronteira da órbita terrestre. —

Insinuou Tony. — A cento e noventa mil metros de

altitude. Vamos lhe conceder um presente, antes de

entrega-lo à sua família.

— Que presente? — Especulei-o

— Vamos fazer com você, uma viagem de apenas

uma volta e meia, na órbita da Terra.

— Pra quê? — Admirei.

— O que você vê agora? Olhando para o espaço

sideral?

— Muito bonito! — Confirmei.

E era. Apesar de ser dia, naquela região da Terra

em que estávamos (a Ásia), acima da atmosfera, o espaço

sideral se fazia negro impenetrável, com a visão de

milhões de estrelas; abaixo, a mais bela paisagem da

Terra, jamais vista para a grande maioria dos seres

humanos. Uma Terra totalmente azul clara, com alguns

pontos de brancos e raros pontos marrons ou verde.

— Vamos lhe mostrar as geleiras nos polos. Uma

terra totalmente branca. Vamos lhe mostrar o nascer e o

por do Sol.

— Não quero! — Neguei convicto.

— Nenhum ser do seu mundo, jamais fez esta

viagem, Regis.

— Não importa. Quero ver meus pais!

— Serão apenas cento e trinta e cinco minutos dos

seus, em uma viagem inesquecível.

— Já fiz uma viagem inesquecível!

— Neste momento estamos do lado oposto do

Brasil, na região que vocês chamam de países asiáticos.

Page 214: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

214

— Por quê?

— Pra que você se deslumbre com o nascer do Sol.

Já que tem pressa, em quarenta e cinco minutos te

deixaremos em casa.

— Por que perto da Terra, a viagem demora tanto?

— É um passeio!

E assim, viajando em sentido oposto ao da órbita

da Terra, era como se viajássemos com o relógio em anti-

horário, podendo aos poucos perceber uma faixa de terra

mais escura e outra mais clara, indicando que neste

trecho, estaríamos nos escondendo do Sol que nascia

naquela região, por volta de cinco horas da manhã.

Mais alguns minutos e já podíamos perceber a

Terra totalmente escura, ao que seriam quatro horas.

Se continuássemos viajando assim, a cada

quarenta e cinco minutos, nos depararíamos com uma

fase diferente do Sol, alternando entre Sol nascente e Sol

poente, fazendo nos vislumbrar com esta grande

maravilha da natureza, trinta e duas vezes ao dia.

A beleza de tal espetáculo era tanta, que faria

quaisquer dos mais incrédulos ateus do mundo, levantar

seus olhos aos céus e bendizer: “Obrigado meu Deus, por

me conceder um mundo maravilhoso, onde eu possa

existir”.

Já que eu recusei uma viagem completa, sem

assistir a outra parte desse espetáculo (o por do Sol),

quase onze horas da noite, descia em um campo de

futebol infantil, tamanho quase oficial, construído por

mim mesmo, meus irmãos e amigos de aventuras em

terreno baldio, praticamente em frente minha casa,

centenas de metros do local onde, há quase um ano atrás,

fôra sequestrado.

Page 215: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

215

Após desembarcar, a porta do tal disco se fechou

rapidamente e ele desapareceu em poucos segundos,

talvez, para sempre.

Dali, em passos rápidos, ainda assustado e sem

acreditar, segui para casa. Meu coração batia forte,

ansioso e feliz.

Um minuto depois, bati na porta de casa.

Demorou um pouco, pois todos já dormiam, mas ela se

abriu...

...Pensando ser um sonho bonito, MAMÃE ME

ABRAÇOU, CHORANDO DE FELICIDADE.

FIM

Page 216: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

216

Page 217: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

217

O autor:

Eu, Celso Aparecido Innocente, nasci aos 25 de

junho de 1958, no Bairro do Degredo, município de

Penápolis, estado de São Paulo. Desde muito jovem, gosto

de escrever diferentes tipos de histórias ou estórias, nunca

soube diferenciar uma da outra. Após mais de trinta delas

já escritas, resolvi pular para uma de ficção no espaço,

mesmo sabendo da real complicação que seria uma longa

viagem interplanetária, devido muitos fatores, tais como,

a longa distância, a qual nos custaria centenas de anos

para conseguir chegar, mesmo em um planeta do sistema

Solar, pois, mesmo que conseguíssemos uma nave

supersônica, capaz de atingir velocidades incríveis, o

material a qual ela fosse construída, não suportaria esta

velocidade, vindo a se desintegrar. Alem do mais, o

tempo no espaço, devido tal velocidade, passaria tão

Page 218: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Celso Innocente

218

rápido, que uma pessoa, saindo da Terra, deixando aqui

um bebê, com certeza, ao retornar, ele ainda estaria

jovem, mas o bebê, já estaria idoso.

Muitos outros fatores deixam uma viagem desta,

muito complicada: a falta de um combustível suficiente, a

alimentação de seus tripulantes, água potável, banho,

rota, colisão com outros materiais no espaço. Etc.

Mesmo assim, sentindo o quanto é divertido uma

viagem espacial, resolvi contar um pouco de uma

aventura de um garoto de nove anos de idade, sendo

levado a um mundo imortal e belo, protegido pelo

mesmo Deus, Criador do Céu e da Terra. Mas é natural

que ele não se sentia feliz neste lugar, pois todos os que

ele tanto ama, ficara aqui entre nós.

Finalizando, espero que gostem desta pequena

passagem de meu amigo Regis, por um mundo lindo e

imortal.

Para referências acessem:

www.innocent3.wix.com/celso

www.hino100t.jimdo.com

www.facebook.com/hino100t

www.Celsoinnocente.blogspot.com.br

[email protected]

Page 219: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido

Regis: um menino no espaço

219

O u t r o s t r a b a l h o s

Alma inocente 1980

Os três Patotas em: O seqüestro 1980

Um menino chamado “Innocente” 1980

Adolescentes sexuais 1982

O grande palco da vida 1982

Mensagens de esperança 1983

Simplesmente um artista 1983

Teatral: triste fatalidade 1983

Caso verdade: Leucemia 1985

Pensamentos de parede 1988

Regis, um menino no espaço 2012

Um menino no espaço, 2ª parte 2012

O retorno do menino do espaço 2012

Menino anjo 2012

Anjo da cara suja 2013

Regis um menino do planeta Terra 2013

Sanguinário imortal 2014

Page 220: REGIS: NO ESPAÇOstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4811755.pdf · 2014. 5. 19. · CELSO INNOCENTE Regis: Um menino no espaço. ISBN 978-85-914107-0-5 1ª edição Celso Aparecido