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REGISTRO DE CASOS HEMIPLEGIAS VELO-FARINGO-LARÍNGICAS NICANOR LETTI*; RUDOLF LANG**; TITO LIVIO GIORDANI*** As paralisias motoras do 10.° nervo crânico não são freqüentes. Clás- sicamente este tipo de paralisia é chamado de síndrome de Avellis ou consi- derado como uma das sub-síndromes de Wallemberg 5 . Com outros auto- res, as chamaremos de hemiplegias velo-faringo-laríngicas, designação que, a nosso ver, designa melhor a síndrome e a localização dos distúrbios. Re- lataremos três casos. OBSERVAÇÕES CASO 1 — S.V.R., com 10 anos de idade, sexo masculino, preto. Há dois anos sofreu traumatismo crânio-encefálico, tendo sido transportado ao Hospital de Emer- gências em coma profundo, sendo feita trepanação descompressiva sob traqueoto- mia. O paciente permaneceu durante 60 dias em coma com diagnóstico de lesão do tronco cerebral. Lentamente readquiriu a motilidade nunca tendo apresentado paralisia facial. Não conseguia entretanto, realizar corretamente todos os movi- mentos da língua, havendo pequeno desvio para a direita. Quando reiniciou a falar apresentou sinais de nasalização (rinolaJia). Deglutição dificultosa, engas- gando-se com facilidade. Voz rouca. Normais os movimentos musculares e os re- flexos nos membros. Exame otorrinolaringológico: boca e anexos normais; fossas nasais normais; audição, gustação e olfato normais; acúmulo de secreções no seio piriforme direito; paralisia da corda vocal direita. Eletrencefalograma e angiogra- fias cerebrais normais. Exame radiológico da faringe durante a fonação: peque- nos movimentos do véo com fechamento insuficiente do orifício rino-faríngico (Fig. 1). CASO 2 — I.e., com 51 anos de idade, sexo masculino, branco. Relata o pa- ciente que 15 anos é hipertenso com níveis tensionais que se mantêm em '2b x 13 apesar do tratamento clínico. Há 14 meses, em pleno trabalho, começou a sentir mal estar, não podendo controlar os movimentos da língua, seguindo-se paralisia facial e hemiplegia direita. Permaneceu neste estado algumas semanas. A recuperação foi lenta: a paralisia facial e a hemiplegia regrediram, a língua re- cuperou os movimentos, mas o paciente não conseguia articular as palavras, apre- * Docente-Livre de Anatomia da Fac. de Med. da Univ. Federal do Rio Grande do Sul; ** Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Ernesto Dornelles (Porto Alegre); *** Assistente de Otorrinolaringologia da Fac. Católica de Medi- cina de Porto Alegre.

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R E G I S T R O D E C A S O S

HEMIPLEGIAS VELO-FARINGO-LARÍNGICAS

NICANOR LETTI*;

RUDOLF LANG**;

TITO LIVIO GIORDANI***

As paralisias motoras do 10.° nervo crânico não são freqüentes. Clás-

sicamente este tipo de paralisia é chamado de síndrome de Avellis ou consi­

derado como uma das sub-síndromes de Wallemberg 5 . Com outros auto­

res, as chamaremos de hemiplegias velo-faringo-laríngicas, designação que,

a nosso ver, designa melhor a síndrome e a localização dos distúrbios. Re­

lataremos três casos.

OBSERVAÇÕES

CASO 1 — S.V.R., com 10 anos de idade, sexo masculino, preto. Há dois anos sofreu traumatismo crânio-encefálico, tendo sido transportado ao Hospital de Emer­gências em coma profundo, sendo feita trepanação descompressiva sob traqueoto-mia. O paciente permaneceu durante 60 dias em coma com diagnóstico de lesão do tronco cerebral. Lentamente readquiriu a motilidade nunca tendo apresentado paralisia facial. Não conseguia entretanto, realizar corretamente todos os movi­mentos da língua, havendo pequeno desvio para a direita. Quando reiniciou a falar apresentou sinais de nasalização (rinolaJia). Deglutição dificultosa, engas-gando-se com facilidade. Voz rouca. Normais os movimentos musculares e os re­flexos nos membros. Exame otorrinolaringológico: boca e anexos normais; fossas nasais normais; audição, gustação e olfato normais; acúmulo de secreções no seio piriforme direito; paralisia da corda vocal direita. Eletrencefalograma e angiogra-fias cerebrais normais. Exame radiológico da faringe durante a fonação: peque­nos movimentos do véo com fechamento insuficiente do orifício rino-faríngico (Fig. 1 ) .

CASO 2 — I.e., com 51 anos de idade, sexo masculino, branco. Relata o pa­ciente que há 15 anos é hipertenso com níveis tensionais que se mantêm em '2b x 13 apesar do tratamento clínico. Há 14 meses, em pleno trabalho, começou a sentir mal estar, não podendo controlar os movimentos da língua, seguindo-se paralisia facial e hemiplegia direita. Permaneceu neste estado algumas semanas. A recuperação foi lenta: a paralisia facial e a hemiplegia regrediram, a língua re­cuperou os movimentos, mas o paciente não conseguia articular as palavras, apre-

* D o c e n t e - L i v r e de A n a t o m i a d a F a c . d e M e d . da Univ . F e d e r a l d o R i o G r a n d e d o Su l ; ** C h e f e d o S e r v i ç o de O t o r r i n o l a r i n g o l o g i a d o H o s p i t a l E r n e s t o D o r n e l l e s ( P o r t o A l e g r e ) ; *** A s s i s t e n t e de O t o r r i n o l a r i n g o l o g i a d a F a c . C a t ó l i c a de M e d i ­c ina de P o r t o A l e g r e .

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sentando voz rouca, rinolalia, disfagia e regurgitação nasal. O paciente retomou algumas de suas atividades, mas permanece com rinolalia, disfonia e disfagia. Exame otorrinolaringológico: desvio do veo e da úvula para a direita, seios piri­formes com grande quantidade de saliva, paralisia da corda vocal esquerda; nor­mais a sensibilidade e motricidade da face e das mucosas; audição normal; provas vestibulares normais; discriminação gustativa e olfativa normais. Exame radio­gráfico do rinofaringe durante a fonação: paralisia do veo palatal mole (Fig. 2 ) .

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CASO 3 — A.I. , com 32 anos de idade, do sexo feminino, branca. Há cinco meses a paciente notou que sua voz estava nasalizada e rouca e tinha dificulda­des na deglutição. Ao exame, o aspecto geral da paciente era bom e ela se man­tinha em suas atividades normais. Exame otorrinolaringológico: desvio do véo e da úvula para a direita; acúmulo de secreções no seio pirifirme esquerdo; para-

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lisia dá corda vocal esquerda; normal a sensibilidade da face e das mucosas; audiograma e provas vestibulares normais. Angiografias cerebrais normais. Exame radiográfico do faringe durante a fonação: pequena mobilidade do veo palatal mole (Kig. 3 ) .

C O M E N T A R I O S

Apresentamos três casos de paralisia da porção motora do 10" nervo crânico, praticamente pura. Todos os pacientes apresentavam rinolalia (pa­ralisia velar), dificuldades na deglutição (hemiparalisia do faringe) e para­lisia de uma das cordas vocais. O conjunto sintomatológico determinado pela lesão do núcleo ambíguo de onde emergem as fibras motoras somáticas do 10? nervo crânico é denominado clàssicamente de síndrome de Avellis. Loeb e Meyer 5 , preferem denominá-lo de sub-síndrome de Wallemberg.

O núcleo ambíguo constitui a unidade motora da musculatura velo-farin-

golaríngica e, juntamente com os núcleos reticulares e suas conexões do tron­

co cerebral, mediante um servo mecanismo coordena a fonação, a deglu­

tição, a tosse e a respiração. A situação topográfica desta formação

nuclear é que condiciona a raridade da lesão, sem comprometimento das

áreas vizinhas, principalmente o núcleo e tracto espinhal do trigêmio. Em

nossos três casos não havia alteração da sensibilidade facial.

Brodal 2 , Olszewski e Baster 6 , Ogura e L a w 7 , Du Bois e F o l e y 3 . 4

demonstraram a organização somatotópica deste núcleo mostrando que, na

parte superior, estão localizadas as células que suprem o véo palatal e o

faringe e, na porção inferior, as células que regem a abdução e a adução

do laringe, assim como a contratilidade do esfincter superior do esófago.

Nos casos apresentados por Bonnefoy e c o l . 1 havia disfunção esofágica, o

que não acontecia em nossos casos.

Quanto à etiología Loeb e Meye r 5 afirmam que, em sua maioria, se trata de processos vasculares. Em nossos dois primeiros casos há possibi­lidade da lesão ter sido vascular, no terceiro caso não temos base alguma para a formulação de hipótese etiológica.

A região do núcleo ambíguo é vascularizada por ramos da artéria cere-belar póstero-inferior que irriga, também, toda a fosseta lateral do bulbo, onde estão situados a oliva e os tractos e núcleo espinhal do trigêmio. É muito difícil imaginar a ocorrência de lesão dos ramúsculos que irrigam o núcleo ambíguo permanecendo intacta a vascularização das estruturas vi­zinhas.

O estudo da movimentação velar foi realizado radiográficamente du­rante a fonação de m, dá, é e i. O véo palatal mole permanece abaixado durante a fonação dé m que é uma consoante nasal normal em nossa foné­tica. Na pronúncia de dá o palato se eleva e adere à parede posterior do faringe, não permitindo a passagem de ar para a cavidade nasal, o mes­mo acontecendo na fonação de é e i. Isto permitiu uma avaliação adequa­da da amplitude do movimento do palato em relação ao seu acoplamento com a parede faríngica posterior.

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Clinicamente o sintoma do qual mais se queixavam os pacientes foi a rinolalia. A nasalização das consoantes orais traz ao paciente um des­conforto social constante, não acontecendo o mesmo com a disfonia que não é grave, uma vez que a corda vocal paralisada permanece em posição paramediana e a voz rouca se assemelha àquela de paciente com laríngite aguda.

A reabilitação foniátrica destes pacientes, que ainda está sendo exe­cutada consiste na prática de exercícios de movimentação velar e de esforço para tentar a mobilização da corda vocal. Os resultados até o momento são precários e somente o caso 1 (seqüela de traumatismo crânio-encefá-lico) apresenta algum resultado animador.

RESUMO

São relatados três casos de hemiplegias velo-faringo-laríngicas por lesão do núcleo ambíguo. A localização da lesão, os aspectos da paralisia velar e seu diagnóstico pela radiografia durante a fonação de consoantes orais e nasais são discutidos.

S U M M A R Y

Velo-pharingo-laryngeal hemiplegias

Three cases of velo-pharingo-laryngeal hemiplegias by lesion of the am­biguous nucleus are reported. The localization of the lesion, the veil paralysis aspects and the diagnosis by radiography during the phonation of oral and nasal consonants are discussed.

REFERÊNCIAS

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5 . L O E B , C. & M E Y E R , J. S. — S t rokes D u e t o V e r t e b r o - b a s i l a r D i s e a s e . C h a r l e s C. T h o m a s , Sp r ing f i e ld ( I l l i n o i s ) , 1965.

6 . O L S Z E W S K I , J. & B A S T E R , D . — C y t o a r c h i t e c t u r e o f t he H u m a n Bra in

S t em. S. K a r g e r , Base l , 1954.

7 . O G U R A , J. H . & L A W , R . L. — A n a t o m i c a l a n d p h y s i o l o g i c a l c o r r e l a t i o n s

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1953.

Rua Riachuelo, 1318, apart. 30 — Porto Alegre — Rio Grande do Sul — Brasil.