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Universidade de Lisboa Relatório da Prática de Ensino Supervisionada Acção humana e valores – uma abordagem filosófico-didáctica Maria Pereira de Almeida Mestrado em Ensino de Filosofia 2010

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Universidade de Lisboa

Relatório da Prática de Ensino Supervisionada

Acção humana e valores – uma abordagem filosófico-didáctica

Maria Pereira de Almeida

Mestrado em Ensino de Filosofia

2010

1

Universidade de Lisboa

Relatório da Prática de Ensino Supervisionada

Acção humana e valores – uma abordagem filosófico-didáctica

Maria Pereira de Almeida

Orientadora

Professora Doutora Maria Cristina Monteiro Beckert de Assunção

Mestrado em Ensino de Filosofia

2010

2

Índice

Resumo 3

Introdução 6

Fundamentação Pedagógico-didáctica 8

Fundamentação Filosófica 27

Identificação e caracterização da escola 47

Identificação e caracterização da turma 51

Planificações, roteiros e materiais utilizados nas aulas 63

Teste Sumativo (matrizes, testes, correcções e resultados) 105

Apreciação crítica do percurso efectuado 116

Bibliografia 119

Anexos 107

Anexo 1 102

Anexo 2 117

Anexo 3 118

Anexo 4 119

Anexo 5 120

Anexo 6 121

Anexo 7 122

3

Resumo

4

Neste relatório pode encontrar-se uma proposta de abordagem filosófico-

didáctica sobre a unidade curricular do Programa de Filosofia1 – A acção humana e os

valores. As aulas leccionadas e relatadas no presente documento, bem como a sua

fundamentação, incidem sobre três grandes temas filosóficos: o problema da liberdade,

a questão dos valores e da valoração e, por fim, a temática da responsabilidade

ecológica. Cada um dos temas referidos é de uma amplitude enorme pelo que não houve

intenção de abordá-los de forma exaustiva. Além disso, a proposta dirige-se ao ensino

secundário. Desta forma, teve de efectuar-se uma adaptação dos conteúdos ao nível de

ensino a que se dirigiam.

Apresenta-se, também, uma reflexão sobre temáticas pedagógicas importantes

na formação docente. Esta reflexão baseia-se, fundamentalmente, no estudo de alguns

filósofos que se dedicaram à pedagogia e à didáctica. Destes autores retiraram-se ideias

e conceitos importantes para a concepção do que significa, e do que implica, ser

professora de Filosofia.

Reconhecendo que a experiência é a maior aliada da actividade docente, sabe-se

que a proposta que se faz é, de alguma forma, provisória, na medida em que a sua

aplicabilidade não poderia deixar de se modificar ao longo do tempo. Ainda assim,

tendo como crença básica a ideia de que a educação é um dos principais motores de

transformação social e acreditando que um mundo melhor é possível, o Mestrado em

Ensino de Filosofia revelou-se um óptimo meio de iniciação para quem se quer dedicar

à nobre actividade de ensinar.

1 HENRIQUES, F., VICENTE, J., BARROS, M., Programa de Filosofia 10º e 11º anos, Ministério da Educação, 2001.

5

Resumen

En este relatório se puede encontrar una propuesta de abordaje filosófico-

didáctico sobre la unidad curricular del Programa de Filosofía2 – La acción humana e

los valores. Las clases dadas y relatadas en este documento, así como su

fundamentación, inciden sobre tres grandes temas filosóficos: el problema de la libertad,

la cuestión de los valores y de la valoración y, por fin, la temática de la responsabilidad

ecológica. Cada uno de los temas referidos es de una amplitud enorme, por lo cual no

hubo intención de hacer un abordaje exhaustivo. Además, la propuesta se dirige a la

enseñanza secundaria. Así, se tuvo que realizar una adaptación de los contenidos al

nivel de enseñanza al que se dirigen.

Se presenta, también, una reflexión sobre temáticas pedagógicas importantes en

la formación docente. Esta reflexión se basa, fundamentalmente, en el estudio de

algunos filósofos que se dedicaron a la pedagogía y a la didáctica. De estos autores se

extrajeron ideas y conceptos importantes para la concepción de lo que significa, y de lo

que implica, ser profesora de Filosofía.

Reconociendo que la experiencia es la mayor aliada de la actividad docente, se

sabe que la propuesta hecha es, de alguna forma, provisoria, ya que su aplicabilidad no

podría dejar de cambiarse con el tiempo. Aún así, teniendo como creencia básica la idea

de que la educación es uno de los principales motores de transformación social y

creyendo que un mundo mejor es posible, el Master en Enseñanza de la Filosofía

demostró ser un óptimo medio de iniciación para quien quiere dedicarse a la noble

actividad de enseñar.

2 HENRIQUES, F., VICENTE, J., BARROS, M., Programa de Filosofia 10º e 11º anos, Ministério da Educação, 2001.

6

Introdução

7

O presente relatório pretende, antes de mais, descrever os momentos de prática

lectiva realizados no âmbito do Mestrado em Ensino de Filosofia. Para além deste

relato, as páginas que se seguem incluem todo o trabalho efectuado para que os

referidos momentos fossem possíveis.

Neste sentido, o relatório é constituído por uma primeira parte de

fundamentação (pedagógico-didáctica e filosófica), uma segunda parte de identificação

e caracterização da escola bem como da turma em que a prática lectiva foi efectuada, de

seguida apresentam-se as planificações, roteiros e materiais utilizados nas aulas, segue-

se um capítulo dedicado à avaliação e, por fim, faz-se uma reflexão sobre o trajecto

realizado.

A unidade curricular escolhida equivale ao segundo módulo do Programa de

Filosofia – A acção humana e os valores. Visto que se trata de um módulo muito amplo,

fez-se uma selecção de algumas partes de modo a planear oito aulas de noventa

minutos. Essas aulas incidiram sobre os seguintes subcapítulos:

- 1.2. Determinismo e liberdade na acção humana;

- 2.1. Valores e valoração – a questão dos critérios valorativos;

- 4. Temas/Problemas do mundo contemporâneo (responsabilidade ecológica).

Apesar da descontinuidade, no Programa de Filosofia, entre o ponto 2.1 e o 4,

pode encontrar-se uma forte relação entre os dois primeiros subcapítulos sobre os quais

incide o relatório e o último, na medida em que este trata de um tema de aplicabilidade

prática do que é tratado nos subcapítulos anteriores.

Debruçar-se sobre a temática da acção humana e dos valores é de extrema

importância desde sempre. Definir como queremos viver e como queremos relacionar-

nos com tudo o que nos rodeia, é um ponto fulcral na vida de qualquer ser humano.

Deste modo, reflectir sobre a acção, ou seja, sobre o nosso modo de intervir no mundo e

de interactuar com os demais, bem como pensar sobre os valores que desejamos que

pautem as nossas vivências quotidianas, são condições necessárias para uma vida

preenchida e consciente de si mesma.

8

Fundamentação Pedagógico-didáctica

9

Este capítulo pretende analisar algumas ideias referentes ao ensino da disciplina

de Filosofia apresentadas por três autores distantes temporal e espacialmente – Johann

Friedrich Herbart, Alejandro Cerletti e Maurício Langon. Estes autores foram muito

importantes para a tomada de consciência daquilo que representa dedicar-se ao ensino

de Filosofia, assim como ajudaram a conceber estratégias e metodologias que se

tentaram aplicar em contexto de sala de aula. Para além da análise que presta tributo à

influência que os três autores tiveram na formação das minhas crenças e práticas

pedagógico-didácticas, concluir-se-á com uma tomada de posição pessoal perante

questões de fundo respeitantes ao ensino da disciplina em causa, relacionando, também,

os conceitos apresentados com o Programa de Filosofia do 10º ano de escolaridade.

• Herbart

Johann Friedrich Herbart é, infelizmente, um filósofo pouco conhecido

actualmente. Discípulo de Kant, dedicou praticamente toda a sua produção filosófica ao

estudo e aprofundamento da pedagogia. Quis reivindicar a autonomia desta última

disciplina, sustentando filosoficamente a sua pertinência e necessidade para a formação

de jovens capazes, equilibrados e completos, numa palavra, na formação de futuros

membros activos e preparados para a vida em sociedade.

Pretendemos fazer uma incursão sobre as principais ideias e propostas

pedagógicas apresentadas na obra Pedagogia Geral e, simultaneamente, mostrar a

actual aplicabilidade dessas mesmas ideias e propostas tendo em conta o Programa de

Filosofia dos 10º e 11º anos.

Herbart é muito claro quanto à grande finalidade educativa: toda a actividade de

ensino tem como objectivo último a formação moral. No entanto, sendo o aspecto moral

privilegiado, esta não é a única finalidade. Outra, de que falaremos mais adiante é o

cultivo da multiplicidade de interesses. Ora, voltando à grande finalidade, a

concretização de uma profícua formação moral passa por incutir no espírito do

educando as ideias de justiça e de bem, de modo a que estas ideias se tornem objectivos

da sua própria vontade.

Assim como vai sendo referido ao longo da obra, uma formação moral

consistente faz sentido, em grande medida, pois proporciona uma saudável vida em

sociedade. Praticar o bem ou a justiça fora de uma comunidade seria algo pouco

10

exequível. Desta forma, pode fazer-se uma aproximação entre esta grande finalidade

educativa segundo Herbart, com a tendência extremamente prática do Programa de

Filosofia dos 10º e 11º anos. Logo a primeira passagem que aparece no programa tem o

título “Viver juntos” e começa da seguinte forma: “Para que pode servir a Filosofia

contemporânea? Para viver juntos da melhor maneira: no debate racional, sem o qual

não existe democracia, na amizade, sem a qual não existe felicidade, finalmente na

aceitação, sem a qual não existe serenidade.”3 Há, sem qualquer sombra de dúvida, uma

necessidade actual de justificar a pertinência da disciplina de Filosofia decorrente de um

certo descrédito dessa mesma disciplina na sociedade contemporânea. Esse descrédito é

facilmente explicável num mundo que privilegia a produção efectiva, o materialismo e a

eficácia prática dos conhecimentos científicos. Ora, parece, e sublinho parece, que a

Filosofia não tem aplicabilidade prática alguma e que se limita a exercícios teoréticos

como se apenas de resolução de puzzles intelectuais se tratasse. De facto, exercita-se ao

máximo a capacidade racional do ser humano como se de uma ginástica mental se

tratasse; no entanto, a aplicabilidade desse mesmo tipo de exercício, ainda que não

directa, como o são, por exemplo, as “descobertas” científicas no âmbito da medicina,

existe e é muito mais “eficaz” (para utilizar um termo querido actualmente) do que

geralmente se pensa. Voltando à comparação com o actual programa de Filosofia,

acerca de um dos aspectos sublinhados quanto à natureza e integração da disciplina no

ensino secundário, é dito o seguinte: “(...) é fundamental que este grau de ensino se

expanda e generalize, assumindo ao mesmo tempo uma vocação educativa que coloque

a questão das atitudes e dos valores como matriz geradora do seu funcionamento,

contribuindo para a formação da consciência cívica da juventude, despertando-lhe o

sentido da cidadania, não só no âmbito particular da vida dentro de uma comunidade,

mas também no âmbito mais geral de pertença a um Universo, do qual todos

dependemos.”4 Esta preocupação com a civilidade e integração social é, na actual forma

de expressão, uma preocupação com a formação moral dos educandos, algo a que já

chama a atenção o pedagogo alemão. Um outro aspecto revelador das preocupações de

aplicabilidade prática da disciplina de Filosofia na vida quotidiana dos seus educandos

3 Compte-Sponville, A. e Ferry, L., A Sabedoria dos Modernos, Dez questões para o Nosso Tempo. (pp. 456-457), Lisboa, Instituto Piaget, 2000, in HENRIQUES, F., VICENTE, J., BARROS, M., Ibidem, p. 1.

4 HENRIQUES, F., VICENTE, J., BARROS, Ibidem, p. 3.

11

está no peso que se dá ao II Módulo do Programa – A Acção Humana e os Valores -,

que quase ocupa todo o primeiro ano lectivo do ensino da disciplina em causa.

Para além de tudo isto, a ideia de formação moral está sempre ligada à de

perfectibilidade do ser humano, é preciso educar para a excelência, para o homem no

seu estado mais perfeito. Tomando as palavras de Herbart, poder-se-ia defender o

seguinte: “Uma observação mais precisa da finalidade da educação depara com o facto

de que, nem de longe, todo o nosso comportamento em relação às crianças é motivado

por intenções em relação a elas, mas antes por intenções respeitantes ao enobrecimento

da sua existência espiritual.”5

Estes objectivos perfeccionistas parecem acompanhar todas as correntes

pedagógicas por mais distintas que sejam. No entanto, há sempre o problema de saber o

que é isso de excelência, ou seja, o que é isso de ser humano num estado de maior

perfeição possível. Será legítimo educar para a perfeição, se esta é, à partida,

indefinível? Assim como adverte Herbart, como podemos saber o que será o homem do

futuro para educarmos para a perfectibilidade desse mesmo homem? Não sabemos, nem

saberemos, pelo que, infelizmente não tanto no Programa de Filosofia como em

Pedagogia Geral, é preciso ensinar mais competências que conhecimentos, é preciso

desenvolver mais capacidades do que depositar informação, numa palavra, é preciso

mais educação do que instrução. Ora, uma forma de contornar a imensa extensão de

conteúdos que, supostamente, é preciso leccionar, é pensar os conteúdos como meios

para e não como fins em si mesmos. Importa mais que um educando adquira capacidade

de reflexão crítica do que saiba de cor definições deste ou daquele filósofo. A matéria,

em si mesma, deve ser mais uma forma de tornar possível o exercício de determinadas

capacidades, pois são mais essas capacidades que podem servir para a vida futura do

educando do que os conteúdos filosóficos específicos. Todas estas questões sobre como

e o que ensinar são objecto de estudo da pedagogia. Neste sentido, esta disciplina deve

emancipar-se de todas as outras vertentes de investigação, pois tem um objecto de

estudo próprio e deve ser uma ciência básica para quem deseja dedicar-se ao ensino.

Um outro grande objectivo da educação é o cultivo da multiplicidade de

interesses ou, por outras palavras, a formação harmónica de todas as potencialidades -

5 HERBART, J. F., Pedagogia Geral, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 179.

12

algo que apesar de apresentado por Herbart há mais de dois séculos é ainda de uma

actualidade assustadora. Não há dúvida que hoje em dia, a grande maioria das pessoas

formadas nesta ou naquela área acabam por trabalhar noutras vertentes, além de que a

vulnerabilidade da situação profissional obriga a uma capacidade de rápida adaptação a

novas circunstâncias. Ora, o cultivo da multiplicidade de interesses pretende a formação

de indivíduos multifacetados que adquiram conhecimentos e capacidades

possibilitadores de uma compreensão do mundo mais ampla e completa. “Apenas é de

desejar o génio universal, se é que o há. A educação jamais pode condescender com

anormalidades isoladas, que a natureza admitiu na disposição, porque senão o homem é

destruído.”6 Assim, só depois de assegurada uma formação geral, dirigida a várias

vertentes de conhecimento, é que se deve pensar em especialização nesta ou naquela

área. Mostrando a aplicabilidade prática desta proposta pedagógica pode citar-se a

seguinte passagem: “Tem de ensinar-se primeiro ao jovem todas as profissões, antes de

ele próprio escolher uma, o que só mais tarde deve acontecer. Terá de abarcar esta

profissão com todo o seu coração, juntando-lhe as mais belas esperanças de uma

situação benéfica.”7

Um conceito muito importante na construção do sistema pedagógico herbarteano

é o de autonomia, tanto no que diz respeito ao aluno como no que diz respeito ao

educador. Neste sentido, um dos maiores problemas do ensino emerge do facto dos

educadores não reflectirem sobre a sua actividade docente: “A maioria dos que educam

não formaram opinião sobre o que se pretende com a educação. Vão formando opinião

ao longo da carreira e queixam-se de muitas adversidades.”8 Antes de qualquer outra

coisa, ao educador são exigidos conhecimentos sólidos para que os possa transmitir aos

seus educandos, assim como capacidades ou, numa terminologia mais actual,

competências que permitam que essa transmissão seja efectuada eficazmente. Ora,

segundo Herbart, estas capacidades ou competências são fruto da capacidade reflexiva

do educador na medida em que este deve conhecer o seu modo de ser (auto-

conhecimento) para saber qual a melhor forma de adaptar as suas características aos

desafios que a sua profissão lhe vai colocando. Para além disso, é desejável que quem se

6 HERBART, Ibidem, p.167.

7 HERBART, Ibidem, pp. 128-129.

8 HERBART, Ibidem, p. 7.

13

dedica à actividade educativa encontre, dentro de si mesmo, um propósito para o

exercício dessa mesma actividade, é necessário que se sinta motivado e apaixonado pelo

que faz pois essa determinação e satisfação passa facilmente para os educandos,

motivando-os também. Como diz o autor com alguma graça, o tédio é o pior pecado do

ensino, pelo que é preciso evitá-lo a todo o custo. Parece então ser necessária uma

reflexão prática por parte do educador que lhe permita encontrar uma intenção

justificada para a sua actividade. Esta reflexão seria como uma primeira parte da

reflexão pedagógica. Uma segunda tentaria encontrar “(...) uma forma teórica que

explicasse as possibilidades da educação e se apresentasse condicionada em função da

mutabilidade das circunstâncias.”9 Herbart acaba por admitir que esta segunda parte é

um desejo ingénuo seu, tratar-se-ia de encontrar um modelo explicativo e de actuação

que abrangesse todas as possíveis situações educacionais e que, para além disso, se

adaptasse a diferentes circunstâncias! Encontrado um tal modelo deixariam de existir

situações problemáticas ou dúvidas por parte dos educadores. No entanto, ainda que não

seja possível uma tal maravilha, pode recorrer-se à pedagogia como uma ciência que o

educador precisa para si mesmo.

Como suportes da pedagogia, Herbart propõe a psicologia e a ética. Seriam

estas, portanto, duas vertentes de formação básica de qualquer educador. A psicologia

mostra o homem tal como é, ou seja, proporciona o conhecimento da natureza humana e

visto que a educação se dirige a seres humanos, é necessário conhecer bem todas as suas

potencialidades e características. Por outro lado, a ética mostra o “dever ser” do homem,

que, além de ser um requisito básico no processo de aperfeiçoamento humano, como já

vimos, é um dos objectivos educacionais.

Ainda dentro do âmbito do conceito de autonomia, não pode ser esquecida a

vertente relativa ao educando. O educador deve trabalhar no sentido de autonomizar

progressivamente os seus alunos. Em consonância com a ideia de ensinar para a

estimulação de capacidades e competências, e não para a mera aquisição com vista a

repetir determinados conhecimentos, aparece a ideia de autonomia do educando que se

pretende educar para além de instruir, ou melhor, pretende educar-se instruindo.

9 HERBART, Ibidem, p. 16.

14

Ligado ao conceito de autonomia aparece o de individualidade, algo que deve

ser respeitado ao máximo durante todo o processo educativo. Antes de mais, é preciso

que o educador, que já se entregou à essencial tarefa de reflexão sobre as suas intenções

educativas, reconheça o seguinte: “O educador aspira ao geral. O educando é uma

pessoa individual.”10 Quer isto dizer que o modelo de homem ideal presente nas

intenções de qualquer educador não existe na realidade. O que existe são educandos

particulares com circunstâncias de vida específicas, diferentes das dos demais e que um

bom educador deve ter em conta de forma a estabelecer planos educativos adequados a

cada aluno. Neste sentido, a individualidade do educando é o ponto de incidência

principal da tarefa educativa. Ora, pode parecer contraditório estimular,

simultaneamente, a preservação da individualidade e a multiplicidade de interesses. No

entanto, essa contradição é meramente aparente. “Visto que a aspiração humana é

múltipla, também os cuidados respeitantes à educação têm de ser múltiplos.”11 Segundo

Herbart, e parece que uma reflexão individual confirma esta ideia, o interesse é

naturalmente múltiplo, é verdade que há sempre preferência por determinadas áreas, no

entanto, a educação não pode senão procurar a formação do homem global, a

focalização nesta ou naquela área em tenra idade é sempre castradora, é necessário abrir

portas e janelas, dar tudo a conhecer, para que um dia, o homem já formado, possa

escolher de forma legítima e segura, quando já lhe foram apresentadas todas as

hipóteses de escolha.

Desta forma, pode dizer-se que o respeito pela individualidade do educando por

parte do educador deve ser sempre privilegiado face às intenções educativas deste

último que, geralmente, visam sempre a formação de um homem ideal. Como ponto de

incidência essencial da tarefa educativa, a individualidade implica a formação de planos

educativos específicos para cada aluno. É óbvia a influência da experiência que Herbart

teve como preceptor de dois jovens na Suíça. No entanto, actualmente, perante turmas

de trinta alunos a individualização é algo muito difícil de se conseguir. De qualquer

forma, parece haver alguma actualidade nas ideias herbateanas, ou seja, alguma

aplicabilidade hoje em dia, pois o facto de não se conseguir algo em absoluto não

deslegitima que se tente, dentro do universo das possibilidades dadas, atingir

10 HERBART, Ibidem, p.50.

11 HERBART, Ibidem, p. 46.

15

determinado objectivo. Neste caso, esse objectivo consiste num respeito por cada

indivíduo em particular, tentando ensinar para indivíduos específicos e não para grupos

de pessoas cujas características não podem deixar de ser generalizações abusivas e,

como tal, alienações da realidade.

Neste sentido, para uma formação integral do indivíduo é necessário encontrar

um equilíbrio entre o cultivo da multiplicidade de interesses, a autonomia e a

individualidade. Como já foi dito, a grande finalidade educativa é a formação do

carácter do educando que consiste, essencialmente, em conseguir despertar neste último

um mestre de censura interior. Ou seja, através da disciplina – que deve ser sempre

formativa e justificada – o educando tem de ir reconhecendo que as repreensões que lhe

são feitas são manifestações exteriores de um repreendimento que ele mesmo deve fazer

a si próprio. Por outras palavras, a disciplina exterior (imposta a partir de fora) e a

disciplina interior (auto-disciplina) são uma e a mesma coisa vista de dois prismas

distintos, são as duas faces de uma mesma moeda. Assim, pouco a pouco se vai

formando a autonomia do educando, pois este necessitará cada vez menos do educador

na medida em que já tem fixados em si os princípios que o devem orientar ao longo da

sua vida. Claro está que, mais uma vez, a individualidade é muito valorizada dado que o

homem autónomo se constitui no seio de circunstâncias específicas, circunstâncias essas

que influenciam a formação de cada indivíduo como diferente de todos os demais,

diferença que nunca pode ser descurada pelo educador. Para além disso, a formação

integral do ser humano passa pelo cultivo da multiplicidade de interesses, cultivo esse

que deve sempre ter em conta tanto a autonomia como a individualidade do educando.

Assim, vemos que três dos mais importantes conceitos que suportam o sistema

pedagógico herbarteano – multiplicidade de interesses, autonomia e individualidade -

estão intimamente ligados e que, se trabalhados de forma simultânea e consistente,

possibilitam a concretização do grande objectivo educacional proposto por Herbart.

Como cultivar o referido equilíbrio tendo em conta o Programa de Filosofia dos

10º e 11º anos? Antes de mais, e atendendo ao conceito de individualidade, é preciso ter

noção que nunca se poderá apresentar um modelo de aplicação do programa que resulte

de forma universal. Cada turma tem as suas especificidades e dentro de cada turma a

variedade do material humano é imensa. Neste sentido, é uma ferramenta indispensável

a qualquer professor realizar testes de diagnóstico iniciais que lhe permitam saber quais

as características dos alunos a partir das quais irá trabalhar. Quanto à autonomia, deve

16

sempre privilegiar-se a aquisição de competências face à aquisição de conteúdos; é

preciso relembrar que a não existência de exames nacionais proporciona uma maior

liberdade do professor face ao cumprimento do programa. A autonomia é adquirida

exercitando-a, pelo que trabalhos individuais ou de grupo que, de alguma forma,

complementem a parte expositiva do professor, são uma óptima ferramenta para que o

processo de autonomização dos alunos se efective. No que diz respeito à multiplicidade

de interesses, parece que não é algo que se possa trabalhar numa só disciplina, o cultivo

dessa multiplicidade só pode resultar de um trabalho em conjunto entre as várias

disciplinas, ou seja, tem de haver um plano global de ensino para cada turma,

desejavelmente para cada aluno, que colmate falhas e estimule capacidades, só assim se

pode conseguir uma formação integral do educando.

Articulando os Objectivos Gerais do actual programa de Filosofia com a teoria

pedagógica herbarteana pode dizer-se que os objectivos que dizem respeito ao domínio

cognitivo seriam os objectivos instrutivos em Herbart, ou seja, referentes,

essencialmente, à aquisição de conhecimentos. Os objectivos respeitantes ao domínio

das atitudes e valores equivaleriam à formação moral – objectivo privilegiado em

Pedagogia Geral. Por fim, os objectivos que dizem respeito ao domínio das

competências, métodos e instrumentos equivaleriam ao cultivo da tão desejada

autonomia do educando ou, por outras palavras, ao cultivo da auto-educação. Passando

à análise dos Princípios Metodológicos (expostos na página 16 do Programa de

Filosofia) pode articular-se o Princípio da Progressividade das Aprendizagens com a

chamada de atenção de Herbart para a necessidade de passar sempre do geral para o

particular e de privilegiar a educação face à instrução, ou seja, desejavelmente, devem

trabalhar-se competências que permitam ao aluno chegar por si mesmo a determinadas

conclusões e não transmitir conhecimentos dados para que o aluno se limite a repetir;

por outras palavras, deve evitar-se sempre uma atitude passiva por parte dos educandos,

pois uma atitude não mais que receptiva não estimula o pensamento nem a criatividade.

O segundo princípio – Princípio da diferenciação de estratégias -, adverte para a

necessidade de respeitar os diferentes estilos de aprendizagem de cada aluno ou, numa

expressão herbarteana, é preciso respeitar a individualidade de cada educando.

Diferentes estratégias de ensino possibilitam, não só evitar o aborrecimento por parte

dos alunos, como chegar a todos eles não privilegiando nenhum modo particular de

pensar.

17

Podem verificar-se algumas ideias vanguardistas nesta obra de 1776,

nomeadamente no que se refere à relação professor-aluno. A educação é também um

jogo interactivo entre individualidades – a do educador e as dos educandos. Encontrar

um equilíbrio no respeito das especificidades de todos os elementos constituintes desta

interacção é uma tarefa árdua, mas com certeza muito gratificante se conseguida. Ora,

de modo a alcançar esse equilíbrio Herbart propõe tomar o educador, não como uma

autoridade e não mais, mas antes como “(...) um companheiro respeitável para uma

interpretação compreensível do mundo.”12 Esta noção de trabalho em equipe é uma

ideia muito recorrente nas teoria pedagógicas actuais. Assim, o educador deveria

encontrar formas de transmitir aos seus educandos todas as suas experiências, tanto as

que obtiveram êxito como as falhadas de modo a ensinar e advertir.

Neste sentido, o processo educativo resultaria de um bom funcionamento entre

vários elementos todos eles com o mesmo objectivo; quer isto dizer, que a melhor forma

de entender a missão educativa é tomar o grupo de pessoas (educador e educandos),

cujo objectivo é a educação, como uma equipe. Assim, é necessário estabelecer relações

de confiança entre os diversos membros, nomeadamente entre aquele que ensina e os

que aprendem. Estes últimos devem respeitar o que ensina não como superior mas como

alguém que, por possuir mais conhecimento, os pode ajudar a atingir os objectivos que

procuram.

Concluindo, o que parece muito interessante numa possível leitura da obra

Pedagogia Geral de Herbart é a profunda actualidade dos temas abordados. Com a

devida contextualização da obra, não podem deixar de se considerar muito actuais certas

concepções. Repetindo algo já muito dito, é verdade que os problemas filosóficos são

intemporais; além disso, a abordagem filosófica que é feita da pedagogia demonstra,

não só a utilidade, como a aplicabilidade prática da filosofia em problemas

contemporâneos como é o caso da educação. Por outro lado, a análise comparativa de

propostas pedagógicas, assim como de experiências passadas e presentes, é sempre um

exercício eficaz na tomada de consciência da imensidão dos problemas educativos.

Além disso, nunca nos podemos esquecer que, apesar da tentativa de concretização e

formulação de modos de actuação determinados, a verdade é que é sempre a utopia de

12 HERBART, Ibidem, p. 10.

18

um mundo melhor que move os autores que se dedicam a estudos pedagógicos. Aliás, é

sempre essa utopia que leva um professor, que quer ser professor, a entrar numa sala de

aula, é sempre a crença no aperfeiçoamento contínuo do homem e da sociedade que

move quaisquer tipos de teorias e práticas educativas. Mesmo que lentas, e as

transformações sociais de fundo não podem deixar de ser lentas, as mudanças de forma

e de conteúdo em educação serão eternas, nunca se chegará a um modelo educativo fixo

e perfeito porque o objecto educativo é o Homem que, tanto individualmente como

enquanto espécie, nunca cessa de se transformar. No entanto, ainda que não atingível de

facto, não pode deixar de se procurar cada vez melhores modelos e melhores adaptações

educativas às circunstâncias envolventes. Parece ter sido este o propósito tanto de

Herbart na sua obra Pedadogia Geral, como dos autores do actual Programa de

Filosofia dos 10º e 11º anos.

• Cerletti

Alejandro Cerletti é um actual professor e filósofo argentino para quem o

processo de ensino/aprendizagem da filosofia tem sido objecto de estudo e

aprofundamento filosófico. Muitas das ideias apresentadas no seu livro O Ensino de

Filosofia como problema filosófico13, influenciaram o modo como encaro a tarefa do

professor de filosofia pelo que é muito pertinente a sua referência no presente relatório.

A tese fundamental defendida ao longo do livro é a seguinte: “(...) o ensino da

filosofia é, basicamente, uma construção subjectiva, apoiada em uma série de elementos

objectivos e conjunturais. Um bom professor ou uma boa professora de filosofia será

aquele que possa levar a diante, de forma activa e criativa, essa construção.”14 Ora, isto

quer dizer, antes de mais, que o exercício filosófico é uma tarefa individual, o percurso

que propõe a filosofia só pode ser verdadeiramente efectuado se percorrido

individualmente, problematizando e procurando possíveis respostas para os problemas

levantados. Se um professor se limita a transmitir “conhecimentos” e os alunos se

limitam a repeti-los, a filosofia não tem lugar. A filosofia exige um exercício

problematizador que a mera repetição não permite, exige a apropriação de questões

13 CERLETTI, Alejandro, O Ensino de Filosofia como problema filosófico, Tradução Ingrid Muller Xavier, Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2009.

14 CERLETTI, Ibidem, p. 8.

19

fundamentais e um percurso próprio de “resolução”. Desta forma, o exercício filosófico

é uma tarefa que não passa pela repetição do que já foi dito como se de uma mera

memorização se tratasse: “O domínio de um conteúdo (de um saber) filosófico e a

pretensão de transferi-lo a outro como um corpo de conhecimentos acabado que pode

ser reproduzido, mais do que promover, limitaria o filosofar, já que suporia que o

movimento do desejo de saber – neste caso, do professor – se deteve ou foi consumido

em um objecto (por exemplo, em um conhecimento específico de filosofia). O que esse

docente estaria fazendo, em sentido estrito, seria transmitir os resultados de um

filosofar, mais do que mostrar o filosofar em ato (o seu ou o de um filósofo).”15 Assim,

do professor espera-se mais o facultamento de ferramentas que permitam a cada aluno

construir um percurso próprio e filosoficamente válido. Dotar os alunos de instrumentos

que lhes permitam colocar questões e ter uma atitude critica perante tudo o que os

rodeia, é ou deve ser um dos objectivos de todos os professores de Filosofia, senão

mesmo o principal objectivo. Claro está que cada professor tem, ou pode ter, uma

concepção própria sobre o que é Filosofia e, consequentemente, aquilo que pretende

transmitir está intimamente ligado com essa concepção. Ainda assim, ainda que não se

consiga chegar a um consenso sobre o que é a Filosofia, a tarefa educativa não é posta

em causa devido a esse tipo de divergências. Antes pelo contrário, posicionar-se

relativamente àquilo que é a Filosofia e a forma como se encara o seu ensino é um

exercício filosófico muito profícuo para quem queira dedicar-se ao ensino da disciplina

em causa. Todos os professores de Filosofia são convidados a tomar o posição

relativamente a esta disciplina, bem como a criar estratégias próprias de interpretação

filosófica; quer isto dizer o seguinte: todos os professores são convidados a ser

filósofos. Neste sentido, a tarefa docente deve ser sempre acompanhada por um

processo de formação constante que permita aos professores continuar a aprender e a

evoluir. Assim, investigação e docência são convidadas a andar de mãos dadas.

Ora, não pode ser descurado o facto de se verificar alguma exigência dirigida

aos professores no que diz respeito ao cumprimento do programa oficial da disciplina.

No entanto, essa exigência não implica que a Filosofia fique encerrada na transmissão

dos conteúdos propostos; estes podem ser vistos como um trampolim para a apropriação

de uma outra forma de abordagem e problematização de tudo o que nos rodeia.

15 CERLETTI, Ibidem, p. 19.

20

Retomando uma ideia que aparece numa passagem já citada - “filosofar em

acto” -, parece que é legítimo pedir aos professores de filosofia que exercitem filosofia

nas suas aulas. Isto implica trabalhar em equipe com os alunos, tomar cada aula como

um breve momento de discussão dentro de um grupo de investigação. A Filosofia

permite que cada aluno contribua com o seu ponto de vista para questões que a todos

interessam, ou pelo menos, que a todos alguma vez inquietarão. O perguntar filosófico

deve aparecer em todos os momentos educativos como aquilo que faz da Filosofia

Filosofia. Uma atitude critica deve ser cultivada em cada aula de modo a que a Filosofia

tenha lugar e se efective.

Um outro aspecto importante para que Cerletti chama a atenção é o facto de ser

necessária a relação com o mundo quotidiano, com os aspectos práticos e vivências

diárias. Ao contrário do que muitas vezes ocorre, a Filosofia ganha dignidade quando

“desce” ao mundo real e abandona os lugares nunca vivenciados pelo ser humano:

“Quem pergunta e se pergunta filosoficamente intervém no mundo e nele se situa

subjectivamente.”16 Ora, este modo filosófico de estar no mundo, baseia-se numa

atitude de inquirição constante que, por sua vez, parte de alguma insatisfação com a

superficialidade dos modos de vida não-filosóficos de estar no mundo. Assim, o modo

filosófico pode “transmitir-se” cultivando um interesse problematizador, actualizando o

potencial desejo e capacidades de filosofar presentes em todos os homens: “(...) sob

certas condições, qualquer um poderia vir a filosofar. Isso é, qualquer pessoa poderia

fazer-se certo tipo de perguntas filosóficas e tentar, em alguma medida, respondê-las.”17

Um outro aspecto muito interessante a que Cerletti faz referência é o seguinte:

cada filósofo (no sentido mais abrangente em que o termo possa ser tomado) constitui

uma singularidade na procura e encontro de respostas para perguntas que são universais

por essência. Assim, deve ser incentivado, em contexto de sala de aula, o percurso

individual e original de cada aluno. Neste sentido, aquilo que de mais valioso pode

resultar em todo o processo de ensino, é exactamente aquilo que não pode ser

transmitido por um professor: o percurso individual e irrepetível do perguntar filosófico.

16 CERLETTI, Ibidem, p. 26.

17 CERLETTI, Ibidem, p. 28.

21

Remando contra a maré de posições não-filosóficas que defendem a inutilidade

da Filosofia, o filósofo argentino reclama a utilidade da filosofia relacionando-a com a

radicalidade do seu interrogar: “É essencial que haja um lugar e um momento para que

jovens e adultos possam pensar o mundo que vivemos e decidir como situarmos nele.

Em definitiva, não é outra coisa que reviver a cada dia a atitude de quem filosofa, que

não dá nada por suposto e não se conforma com o que os demais pensem por ele ou por

ela.”18 Assim, a urgência de lutar contra a acriticidade que se pode facilmente verificar

relativamente a quase tudo nos dias de hoje, coloca a Filosofia num lugar privilegiado

pois o sentido da sua existência é um sentido problematizador, é um sentido de

interrogação constante que não se satisfaz com a aparência e fugacidade de muitas das

actividade humanas que nos são oferecidas como prazenteiras. A Filosofia não oferece

receitas mágicas para modos de vida felizes, preenchidos e realizados; no entanto,

oferece ferramentas para analisar e escolher o que pode ser, para cada ser humano em

particular, um desses modos de vida.

• Langon

Maurício Langon é um professor e filósofo uruguaio que, assim como o autor

latino-americano referido anteriormente, se dedica à disciplina filosófica denominada de

Didáctica da Filosofia. Sabemos que esta área nem sempre foi considerada como uma

parte das áreas gerais que constituem a disciplina de Filosofia; no entanto, felizmente,

cada vez é mais aceite a ideia de que para ensinar Filosofia é necessário uma tomada de

posição filosófica no que diz respeito ao que é a Filosofia, bem como ao que é ensinar

Filosofia. Ora, estas tomadas de posição só podem ser feitas no terreno da Filosofia

mesma e não no terreno da Didáctica ou da Pedagogia. Por outras palavras, um ensino

verdadeiramente filosófico, que não se limite à transmissão de conteúdos ditos

filosóficos, ou seja, um ensino que queira fazer Filosofia nas aulas de Filosofia, tem de

partir da uma questão básica: o que é Filosofia? Os professores de Filosofia devem

colocar-se esta pergunta e tentar respondê-la. Efectuada essa tarefa pode passar-se à fase

seguinte que parte de uma outra questão: o que é ensinar Filosofia? Ora, facilmente se

verifica que as respostas a estas perguntas só podem ser respondidas no terreno da

Filosofia pois são, antes de mais, questões filosóficas. Para lhes responder é necessário

18 CERLETTI, Ibidem, p. 53.

22

assumir determinadas posições filosóficas que determinarão o modo como se

leccionará. Assim, a Didáctica da Filosofia pode e deve ser considerada uma área de

estudo da Filosofia.

Recorrendo a um artigo denominado “Função filosófica e ensino da filosofia”19,

apresentaremos a ideia de função filosófica que nos parece muito fecunda. Segundo

Langon, a função filosófica não diz respeito unicamente à disciplina de Filosofia, a

função filosófica diz respeito ao ensino em geral. Neste sentido, todo o ensino deve

estar imbuído de um espírito filosófico de desejo de saber, desejo que coloca cada

indivíduo em relação com o desconhecido, com algo que não domina mas que deve

investigar para que esse mesmo indivíduo não seja dominado. A função filosófica do

ensino diz respeito a uma atitude critica e interrogativa por parte tanto de quem ensina,

como de quem é ensinado. Assim, defender que todo o ensino tem uma função

filosófica é defender a dimensão problematizadora de todo e qualquer acto de

conhecimento: “A relação filosófica que assim se constrói com os saberes prévios, esta

relação que não os dá nunca por plenamente satisfatórios e procede à sua revisão

constante, é de aplicação geral a todos os saberes enquanto informações disponíveis nas

quais se tem confiança, abarcando os planos cognitivo, afectivo e valorativo.”20

O potencial transformador do indivíduo que a Filosofia acarreta pela sua

constituição própria, pode ser alargado a todo o conjunto de saberes “ensináveis”, na

medida em que todo o processo de ensino/aprendizagem é também um processo de

transformação tanto de quem ensina como de quem é ensinado. Ora, o filósofo uruguaio

defende que a capacidade transformadora da Filosofia alargada a todo o ensino,

proporcionará uma transformação da sociedade, uma “(...) transformação das relações

nos espaços públicos e entre as pessoas.”21 Assim, a função filosófica, enquanto

potenciadora do desenvolvimento de consciências críticas e emancipadas, característica

da Filosofia, se alargada a todo o ensino será um motor de transformação social. Ora,

19 LANGON, Maurício, “Función filosófica y enseñansa de la filosofia”, in La enseñansa de la filosofia en perspectiva, Compilado por Alejandro Cerletti, Buenos Aires, Eudeba, 2009, pp. 441-447.

20 “La relación filosófica que así se contruye con los saberes prévios, esta relación que no los da nunca por plenamente satisfactorios y procede a sua revisión constante es de aplicación general a todos los saberes en tanto informaciones disponibles en las que se tiene confianza, abarcando los planos cognitivo, afectivo y valorativo.”, LANGON, Ibidem, p. 442.

21 “(...) una transformación de las relaciones en los espacios públicos y entre las personas.”, LANGON, Ibidem, p. 443.

23

este alargamento não diz só respeito ao contexto de sala de aula de todas as disciplinas,

diz respeito também às organizações escolares e a politicas educativas.

Especificamente numa aula de Filosofia, a função filosófica pode ser trabalhada

anulando a falsa dicotomia entre métodos e conteúdos. Parece que esta dicotomia

atormenta desde sempre a planificação de aulas pois à “exigência” de transmissão de

conteúdos junta-se a imperatividade de aplicação de métodos pedagogicamente válidos.

No entanto, segundo Langon, só se considerados em conjuntos estes dois elementos

atingem o seu máximo poder filosofante, “já que, em separado, cada um deles pode

tornar-se antifilosófico. A questão é conseguir na sua relação uma dinâmica, um ritmo,

filosofante...”22 Já foi referido que a pura transmissão e repetição de conteúdos é um

exercício anti-filosófico por excelência; por outro lado, a absorção de métodos criados

por um outro e a sua aplicação sem questionamento em contexto de sala de aula é,

igualmente, um exercício não-filosófico. O não questionamento e a não

problematização por parte dos docentes leva a uma actividade de transmissão acrítica

que em nada contribui para um trabalho filosófico. Neste sentido, só uma apropriação

própria, e desejavelmente original, tanto de conteúdos como de métodos por parte do

professor, pode proporcionar uma aula verdadeiramente filosófica. Assim, conteúdos e

métodos podem ser vistos como duas faces da mesma moeda, como dois elementos

inseparáveis que não só dependem um do outro, como se trabalhados filosoficamente,

existem um no outro. Só uma relação dialéctica entre métodos e conteúdos pode superar

a dicotomia que instaura uma atitude anti-filosofante.

No que diz respeito à aplicação da função filosófica a nível das instituições de

ensino, Langon defende que esta função deve ser tomada como transversal a todas as

disciplinas curriculares, ou seja, todas as disciplinas devem proporcionar espaços de

diálogo e problematização entre professores e alunos tanto em contexto específico de

cada disciplina, como num espaço interdisciplinar que articule os vários saberes. Deve

também ser aplicada em espaços de discussão regulares entre professores (aproximando

os professores da investigação). Por outro lado, no que diz respeito a politicas

educativas, estas devem procurar preparar os alunos para o espaço público,

22 “Ya que, por separado, cada uno de ellos pueden devenir antifilosóficos. La cuestión es lograr en su relación una dinâmica, un ritmo, filosofizante...”, LANGON, Ibidem, p. 445.

24

proporcionando condições para que as capacidades de tolerância, argumentação e

posicionamento crítico se efectivem durante todo o percurso escolar.

Deste modo, toda a proposta visa reforçar no ensino o poder transformador de

práticas e teorias a que a Filosofia recorreu desde sempre; assim, alargar a função

filosófica a todo o processo de ensino/aprendizagem pretende fortalecer a capacidade

transformadora da realidade social que o ensino possui.

Tendo em conta o exposto, gostaríamos de articular alguns conceitos presentes

nos três autores, bem como revelar a importância desses mesmos conceitos no que diz

respeito à sua aplicabilidade prática em contexto de sala de aula.

Não exclusivamente ligada à Filosofia, mas sim no que concerne a educação em

geral, a preparação para a vida em sociedade pode ser considerado um dos grandes

objectivos educacionais. Como foi referido, esta ideia está muito presente em Herbart,

bem como no Programa de Filosofia. Ora, no que diz respeito a esta disciplina, o risco

de colocar a formação cívica em terreno filosófico pode ser prejudicial para os

objectivos da formação filosófica. Ensinar como viver em conjunto é uma tarefa, não de

uma disciplina (muito menos pode/deve ser feita através de conteúdos específicos), mas

sim de todas, ou seja, do exemplo que pode ser dado em ambiente escolar, assim como

das relações interpessoais que se estabelecem entre todos os elementos constituintes da

realidade educativa. Tomar a Filosofia como um lugar onde tudo pode ser dito e

trabalhado pode desvirtuar o seu carácter próprio, bem como a metodologia específica

que a acompanha. A Filosofia, como todas as demais disciplinas, tem as suas

especificidades e características próprias que não devem ser secundarizadas em nome de

objectivos que dizem respeito a todo o currículo escolar. Neste sentido, parece-nos triste

a exclusividade da ligação muitas vezes efectuada entre Filosofia e formação cívica, na

medida em que a Filosofia tem um campo de investigação próprio, questões próprias e

metodologias próprias que devem ser privilegiadas aquando da criação do programa

oficial da disciplina. No entanto, isto não quer dizer que a Filosofia abandone a sua

quota parte no processo de formação para uma vivência harmónica em sociedade, na

realidade é um lugar privilegiado para trabalhar certo tipo de aptidões básicas para que

essa harmonia seja possível.

Um aspecto que não é contemplado no Programa de Filosofia mas que é muito

privilegiado pelo filósofo alemão é a tentativa de educar para a excelência de cada um.

25

Já vimos que é muito difícil, senão impossível, definir o que é a excelência; no entanto,

tentar incutir um desejo de perfectibilidade constante nos alunos pode ser muito

benéfico tanto durante o percurso estudantil como para o Futuro. Não se trata de

instituir um ambiente de competitividade feroz que, como é espectável, leva, nada mais

nada menos, que a perturbações psicológicas graves causadoras muitas vezes de

distúrbios na vida em sociedade. Trata-se, sim, de identificar os pontos fortes e fracos

de cada estudante, tentando estimular ambos de acordo com as predisposições,

capacidades e afinidades de cada um. Para tal, é importante que os estudantes

reconheçam a educação também como uma forma de auto-conhecimento e de auto-

formação. Claro está que estes dois processos devem também ser constantes nos

docentes, pois só conhecendo-se bem, se podem adaptar da melhor forma estratégias e

métodos de ensino; além de que o desejo de evolução e melhoramento constantes,

torna-se muito benéfico para a capacidade de adaptação a novas circunstâncias, assim

como é causa de satisfação.

Por outro lado, verifica-se um aproximação entre os três autores trabalhados e o

Programa de Filosofia no que diz respeito à preocupação com a diferença entre

educação e instrução, privilegiando sempre a primeira sobre a segunda. Este é um factor

muito importante visto que é recorrente cair no erro de reduzir as aulas de Filosofia a

aulas de História da Filosofia. Neste sentido, e essa preocupação é bem visível no

programa oficial, as referências históricas aparecerem partindo da análise e

interpretação de problemas filosóficos. Desta forma, privilegia-se o desenvolvimento de

capacidades reflexivas e criticas, secundarizando a memorização e a repetição.

Defender que o ensino/aprendizagem da Filosofia é um processo de construção

subjectiva, como o faz Alejandro Cerletti, não secundariza o papel do Professor. No

entanto, modifica, ou pretende modificar, a ideia de que os docentes são detentores de

conhecimentos que devem passar aos alunos para que estes os incluam nos seus

registos. A ideia de que o processo de aprendizagem da Filosofia é um processo

solitário, coloca um professor numa posição de abertura de portas e ajuda nas

orientações para um caminho que o aluno deve percorrer por si próprio. O

professor/orientador tem agora a responsabilidade de salvaguardar e estimular a

autonomia do educando, tarefa que exige a máxima individualização do ensino. Esta

ideia está também presente no Programa de Filosofia e é denominada de “Princípio da

26

diferenciação de estratégias”23, princípio segundo o qual, devido às inúmeras diferenças

entre os alunos e os seus estilos de aprendizagem, é necessário adaptar o mais

personalizadamente possível os métodos de ensino utilizados.

Ainda recorrendo a ideias propostas pelo filósofo argentino, o autor propõe

algumas soluções no sentido de legitimar o papel da Filosofia na sociedade actual. Uma

delas diz respeito à aproximação da disciplina em causa como ferramenta de

interpretação da realidade que nos rodeia; neste sentido, todos somos convidados a ser

pequenos investigadores, já que todos temos a capacidade de o fazer mas muitas vezes

essa capacidade está adormecida. Claro está que a formação em Filosofia, em especial a

formação docente, ajuda na transmissão de métodos interpretativos e formas de análise

que pretendam destituir os supostos que muitas vezes condicionam a forma de pensar.

Assim, para quem crê no “poder” libertador da Filosofia, no sentido de possuir a

capacidade de viver no mundo de uma forma mais consciente e menos alienada ou

superficial, a aplicabilidade da Filosofia é imensa.

Nesta linha de pensamento, pode inserir-se a proposta uruguaia de alargar a

função filosófica, obviamente típica da disciplina de Filosofia, a todo o ensino. Esta

proposta baseia-se nas crenças no potencial transformador da Filosofia e na capacidade

educativa de transformação da realidade social. Estas crenças animam, ou deveriam

animar, ainda que indirectamente, qualquer pessoa que se dedique ao ensino de

Filosofia. Sabendo que um melhor e mais equilibrado estado de coisas é possível,

crendo que a educação é um dos principais motores de transformação social e juntando

boas intenções na persecução do principal objectivo de todos os homens – a Felicidade -

, então educar é um dos privilegiados caminhos para esse fim, e educar filosoficamente

permite percorrer esses caminhos de forma mais consciente e menos superficial.

23 HENRIQUES, F., VICENTE, J., BARROS, Ibidem, p. 17.

27

Fundamentação Filosófica

28

De acordo com a opção pedagógico-didáctica de aposta na máxima

individualização do ensino, pretende-se apresentar um pequeno aprofundamento das

três grandes temáticas integrantes do módulo do Programa de Filosofia escolhido para a

realização do presente relatório: “A acção humana e os valores”. Estas três grandes

temáticas são: o problema da liberdade, os valores e valoração e a responsabilidade

ecológica. A relação entre o aprofundamento destas temáticas e a individualização do

ensino prende-se com o facto de se propor a realização de pequenas investigações por

parte dos alunos que pretendam obter melhores resultados finais na disciplina de

Filosofia. Ou seja, para além da tradicional forma de avaliação (realização de Testes

Sumativos e apreciação da participação e dos pequenos trabalhos efectuados em

contexto de sala de aula), propõe-se, aos alunos interessados, a realização de pequenos

trabalhos de aprofundamento. Neste sentido, o capítulo de fundamentação filosófica

apresenta materiais que seriam fornecidos aos alunos que decidissem participar mais

activamente na disciplina.

• Problema da Liberdade

O problema da Liberdade é um dos problemas clássicos em Filosofia. Em

grande medida, tomar uma posição relativamente a este problema não pode deixar de

condicionar o modo como interpretamos o Mundo que nos rodeia, bem como a forma

como nele actuamos.

Antes de mais cabe explicar em que consiste exactamente a questão em causa. O

conceito de liberdade é hoje em dia recorrente em vários campos de conhecimento,

assim como é utilizado coloquialmente em diversos sentidos. Colocar o problema da

liberdade filosoficamente é tentar responder à seguinte pergunta: sendo um ser do

Mundo, rege-se o Homem pelas mesmas leis que condicionam todos os demais seres ou

há espaço para a liberdade? Ou seja, a necessidade e a causalidade que regem os

fenómenos naturais também regem o comportamento humano ou, para além de um

determinado conjunto de condicionantes, podem verificar-se na acção humana

fenómenos espontâneos, criativos e inovadores cuja condição de possibilidade é a

existência da liberdade?

29

De forma a analisar as questões apresentadas elucidemos três acepções

fundamentais que se podem fazer do conceito de liberdade: liberdade ontológica,

liberdade psicológica e liberdade moral.

Pensando em cada ser humano concreto pode dizer-se que há uma parte dele de

cuja constituição não é responsável: o lugar onde nasceu, as suas características físicas,

a cultura em que se insere, a sua constituição genética, entre outros factores. Ou seja, há

uma parte de cada ser humano que lhe é, de alguma maneira, imposta a partir de fora.

No entanto, se se tentar enumerar os inúmeros factores que caracterizam cada pessoa,

percebe-se facilmente que para além do que é imposto a partir de fora, há também um

conjunto de características que não o são. Ou seja, ainda que influenciado por factores

sobre os quais não tem qualquer responsabilidade, o ser humano constrói-se ao longo do

seu percurso no Mundo. Essa construção é feita a partir das inúmeras escolhas que vão

sendo efectuadas ao longo da vida. Neste sentido, parece que a auto-construção, ou

auto-formação de cada indivíduo é possível pois há um espaço livre (vazio) para que a

auto-constituição se efectue. Ora, a este espaço vazio pode dar-se o nome de liberdade

ontológica.

A corrente filosófica para a qual este tipo de liberdade sempre foi um conceito

chave é o Existencialismo. A máxima segundo a qual o Homem não é outra coisa senão

aquilo que ele próprio “se faz”, parte do pressuposto que há uma indeterminação

essencial no ser humano. Esta indeterminação permite uma constante auto-fabricação

que vai conferindo a cada homem o seu perfil singular e autêntico. Assim, pode dizer-se

que a liberdade ontológica é o que permite a cada homem fazer-se a si próprio, é o que

permite a constituição de uma singularidade de forma responsável, e não simplesmente

porque a singularidade é imposta a partir de fora.

Continuando a elucidação do conceito de liberdade, pode dizer-se que todos

temos a intuição de que somos livres para fazer o que queremos se não estivermos

impedidos por algum obstáculo material. Um pouco mais difícil de sustentar, ainda que

seja igualmente intuitivo, é o facto de nos sentirmos livres de querer livremente, ou seja,

poder querer o que se quer em virtude de uma liberdade interior que pode ser

denominada de liberdade psicológica. Se o Homem é, de facto, livre psicologicamente

pode querer de forma espontânea, é detentor de livre arbítrio, afastando-o da cadeia

causal e necessária de muitos dos acontecimentos que o rodeiam.

30

Para além dos dois tipos de liberdade mencionados, existe um outro tipo, muito

trabalhado e desenvolvido por Kant, a liberdade moral. Ser livre moralmente significa

que a vontade humana se rege exclusivamente por mandatos de índole racional,

deixando de lado os motivos de carácter sensível. Um ser racional não é livre se as suas

acções foram motivadas pela sensibilidade; os impulsos e motivações sensíveis são o

que há de comum entre seres racionais e não racionais, são, segundo a concepção

racionalista, a parte menos digna e elevada que pode influenciar o comportamento

consciente. Neste sentido, a libertação dos móveis sensíveis é um passo necessário para

abrir lugar à liberdade moral. Para além disso, a qualificação valorativa de qualquer

acção humana não pode ser efectuada se esta não se inserir no campo da liberdade, quer

isto dizer, que de um comportamento completamente condicionado ninguém pode ser

responsável. Por outro lado, pressupondo que o agente é livre e toma decisões

conscientemente, pode responsabilizar-se o actuante pelas suas acções.

Apesar de distintos, os três conceitos apresentados estão relacionados na medida

em que a liberdade metafísica é condição de possibilidade da liberdade psicológica e

esta é, por sua vez, condição de possibilidade da liberdade moral. Desta forma, esta

última nunca pode ser assumida se as duas anteriores forem negadas.

De seguida apresentar-se-ão as posições clássicas no que diz respeito ao

posicionamento filosófico relativo ao problema da liberdade. Em primeiro lugar pode

falar-se do determinismo. Em linhas muito gerais e, como o próprio nome indica, o

determinismo baseia-se na ideia de uma completa determinação da realidade através de

um processo de racionalização do real; neste sentido, a realidade é considerada como

algo inteiramente dado, não existindo qualquer espaço para comportamentos

incondicionados, ou seja, livres.

Não existe uma única corrente determinista, tendo a referida posição filosófica

assumido várias formas, sustentando-se em argumentos distintos. Uma dessas formas é

o determinismo teológico segundo o qual o querer do homem está subjugado ao querer

de Deus pois o primeiro é unicamente um meio para que o segundo se efective. Como

defensor desta corrente determinista pode apresentar-se Malebranche que na sua

principal obra De la recherche de la véritée, defende que existe uma única causa

eficiente: a vontade divina, sendo todos os seres criados (incluindo o homem e a sua

vontade) meros instrumentos para que aquele actue no universo.

31

Outra forma é o determinismo metafísico segundo o qual tudo na natureza,

incluindo o ser humano, está predeterminado. As essências de todas as coisas são

fechadas e acabadas à partida pelo que não há espaço para a liberdade. Como diz

Espinosa “Na natureza nada existe de contingente; antes tudo é determinado pela

necessidade da natureza divina a existir e a agir de modo certo.”24 Este filósofo defende

que a experiência da liberdade se deve unicamente ao desconhecimento das causas e

motivos que levam a querer ou a agir de determinada forma. Assim, o querer humano,

assim como todas as realidades existentes no universo, estão submetidos a uma absoluta

necessidade. Um pouco ironicamente, a verdadeira liberdade estaria no reconhecimento

da inexistência de liberdade no mundo, ou seja, tomando consciência do carácter

necessário de tudo o que o rodeia, o Homem liberta-se da aparente experiência da

liberdade. É de referir que esta é a primeira perspectiva encontrada na obra Ética, pode

dizer-se que é uma perspectiva baseada exclusivamente no conhecimento racional. No

entanto, no Livro V, Espinosa recupera a ideia de liberdade através da união amorosa

com Deus: “Por estas coisas compreendemos claramente em que consiste a nossa

salvação, ou seja, a nossa felicidade ou liberdade, a saber: num amor constante e eterno

para com Deus, por outras palavras, no amor de Deus para com os homens.”25

Tentando alargar o princípio da causalidade verificado na análise dos fenómenos

naturais a todo real, o determinismo físico concebe todos os processos humanos e não-

humanos segundo o modelo mecanicista, ou seja, assume que toda a realidade está

inevitavelmente submetida a uma absoluta necessidade. O grande defensor desta

corrente é Pierre Simon Laplace que na sua obra Ensaio filosófico sobre as

probabilidades nos diz o seguinte: “Uma inteligência que num instante dado conhecesse

todas as forças que animam a natureza e a situação respectiva dos seres que a compõem,

e que, por outro lado, fosse suficientemente ampla para submeter todos estes dados a

análise, abarcaria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo

bem como os dos átomos mais ligeiros; nada lhe seria incerto, e tanto o futuro como o

passado estariam presentes perante ela.”26 Assim sendo, não faria sentido falar de

24 ESPINOSA, Baruch, Ética, I, XXIX, Tradução Joaquim de Carvalho, Lisboa, Relogio D’agua Editores, 1992, pp. 149-150.

25 ESPINOSA, Baruch, Ibidem, V, Escólio da Proposição XXXVI, pp. 474-475.

26 “Una inteligência, que en un instante dado conociera todas las fuerzas que animan a la naturaleza y la situación respectiva de los seres que la componen, y que, por outra parte, fuera suficientemente amplia

32

vontade livre, na medida em que a vontade humana também estaria submetida à lei da

causalidade.

Semelhante, mas baseado num outro princípio, o determinismo fisiológico

suporta a sua negação da liberdade humana, no facto de não se poderem atribuir

qualidades supra-corporais ao homem, pois estas são incompatíveis com o mecanicismo

animal e com o funcionamento do universo considerando que não há lugar para outro

tipo de matéria para além da res extensa. Assim, a vontade seria mais uma das

faculdades fisiológicas do ser humano e, portanto, estaria também determinada à

partida.

Como última forma de determinismo pode referir-se o determinismo

psicológico. Mais complexa do que qualquer uma das anteriores formas mencionadas,

levanta questões importantes e abala a genuína intuição de que a liberdade é um facto

ainda que difícil de comprovar. Um autor muito importante para a definição deste tipo

de determinismo é Arthur Schopenhauer. Ora, este filósofo faz uma distinção entre a

liberdade física (possibilidade de actuar sem impedimentos exteriores) e a liberdade

psicológica (possibilidade de querer livremente). Quanto ao primeiro tipo, é fácil

encontrar um consenso no que diz respeito à sua existência. Ou seja, se não se

verificarem obstáculos materiais que impeçam a realização de determinada acção por

um sujeito, querendo actuar de uma certa forma e sendo fisicamente livre o indivíduo

actuará dessa forma. No entanto, a liberdade psicológica coloca a pergunta num nível

mais profundo na medida em que não pergunta pela possibilidade de concretizar uma

vontade mas sim questiona o facto dessa vontade ser livre ou não. Assim, o querer do

homem seria a parte essencial do famoso conceito de livre arbítrio. O facto de o homem

poder actuar como quer não prova que este seja verdadeiramente livre, para o ser

necessitar-se-ia provar que o homem quer livremente.

Assim, a referida intuição básica de liberdade diz respeito unicamente à

liberdade física, ou seja, a auto-consciência comprova a livre capacidade de agir mas

não comprova que o homem é livre de querer o que quer: “Desta forma, no mundo da

como para someter estos datos al análisis, abarcaria en la misma fórmula los movimientos de los cuerpos más grandes del universo y los de los átomos más ligeros; nada le seria incierto, y tanto el futuro como el pasado estarían presentes delante de ella.”, in LAPLACE, Pierre Simon, Ensayo filosófico sobre las probabilidades, Introdução e tradução de Alfredo B. Besio e José Banfio, Edição Espasa-Calpe, Buenos Aires, 1947, p. 13.

33

experiência, a máxima: operari sequitur esse (agir de acordo com o ser) constitui uma

verdade que não admite excepções de nenhum tipo. Cada coisa deve actuar segundo a

sua própria natureza. Deste modo, todo o homem actua de acordo com o que é, e ao

mesmo tempo, as suas acções, conforme a sua natureza, determinam-se em cada caso

pela necessária influência dos motivos que as desencadeiam.”27 Ora, assim como os

demais tipos de determinismo, o psicológico defende que o princípio de causalidade é

uma lei a priori e absolutamente necessária. Desta forma, o querer humano tem

inevitavelmente motivos (causas) que o condicionam; no entanto, dois motivos

idênticos podem despertar vontades diferentes em dois sujeitos, pois cada um dos

indivíduos tem um carácter próprio. A conjunção dos motivos e do carácter determina

necessariamente a particularidade da vontade de cada sujeito; por outras palavras, o

homem quer sempre necessariamente em virtude do seu carácter e dos motivos que

sobre ele actuem: “Em síntese, o homem não faz senão o que quer; no entanto, vemos

que actua sempre de modo necessário. De acordo com a razão, o homem é o que quer;

assim, o que é de facto deduz-se daquilo que faz. Se se consideram as acções dos

homens objectivamente, ou seja, partindo das suas manifestações exteriores, pode-se

advertir que tais acções se encontram regidas pela mesma lei de causalidade que rege

todos os seres da natureza. No entanto, do ponto de vista subjectivo, cada um crê que

actua de acordo com a sua deliberação e conforme o que quer. Ainda assim, isto não

prova outra coisa senão que as suas acções são a clara identificação da sua essência

individual. E isto poderia ser advertido por qualquer ser vivo, se este fosse capaz de

sentir.”28

27 “De ahí que en el mundo de la experiencia, la máxima: operari sequitur esse (obrar conforme ao ser) constituye una verdad que no admite excepciones de ningún tipo. Cada cosa debe obrar conforme a su própria naturaleza. De este modo, todo hombre actua conforme a lo que es, y al mismo tiempo, sus acciones, conforme a la naturaleza, se determinan en cada caso por la necesaria influencia de los motivos que las desencadenan.”, in SCHOPENHAUER, Artur, Ensayo sobre el libre albedrío, Gradifco, Buenos Aires, 2006, p. 114.

28 “En síntesis, el hombre no hace sino lo que quiere; y sin embargo, lo que vemos obrar siempre de un modo necesario. Conforme a la razón, el hombre es lo que quiere; entonces, lo que es en verdad se deduce de lo que este hace. Si se consideran las acciones de los hombres objectivamente, es decir, a partir de sus manifestaciones externas, se puede advertir que tales acciones se encuentran regidas por la misma ley de causalidad que rige para todos los seres de la naturaleza. Sin embargo, desde el punto de vista subjectivo, cada cual cree obrar conforme a su propia deliberación y conforme a lo que quiere. No obstante, esto no prueba otra cosa que sus acciones son la clara indicación de su esencia individual. Y esto mismo podría ser advertido por todo ser vivente, si fuera capaz de sentir.”, in SCHOPENHAUER, Ibidem, p. 115.

34

Referidas diferentes formas de determinismo que clarificam a posição filosófica

segundo a qual o homem não é dotado de livre arbítrio, pode passar-se à explicitação de

argumentos do outro lado da disputa: o indeterminismo.

Como o próprio nome indica, e em contraposição à posição oposta, o

indeterminismo defende que tanto a acção humana como o que a motiva, ou seja, a

vontade, são livres, quer isto dizer, que não têm nada que as determine necessariamente

a ser desta ou daquela forma. Defender a existência de livre arbítrio é defender a

existência de acções voluntárias e livres, é defender que o querer voluntário é

espontâneo, íntimo e emanado do que de mais profundo e genuíno há no ser volente, a

sua consciência. Esta consciência livre é vista como algo vivo e plástico, não como um

mecanismo rígido, está em constante movimento transformador e cada ser humano é o

autor dos seus pensamentos e das suas vontades.

Um dos argumentos utilizados para defender esta posição é o argumento

metafísico, apresentado por S. Tomás de Aquino. Segundo este argumento o fim último

do querer do homem é a felicidade, esta é o bem supremo que se quer necessariamente:

“O desejo do fim último não é algo de que sejamos donos.”29 Ora, parece que

aparentemente S. Tomás de Aquino nega a liberdade. No entanto, não o faz pois

defende que apesar da absoluta necessidade do fim último, o homem tem liberdade de

escolher o meios para o alcançar: “Não se escolhe o fim, mas sim o que leva ao fim.”30

Desta forma, a liberdade da vontade fica garantida na medida em que a escolha do

caminho para a felicidade é livremente efectuada por cada ser humano.

Um outro lugar onde o conceito de liberdade aparece é na obra de Immanuel

Kant. Este filósofo não demonstra propriamente a existência da liberdade; no entanto,

pressupõe que esta existe, pois é uma condição indispensável para a moralidade ou, por

outras palavras, pressupõe que existe pois, sem liberdade, a conduta moral do ser

humano não teria sentido. Ora, o sistema moral kantiano parte do conceito de boa

vontade, considerando que este é a única coisa que torna o homem digno de felicidade.

Para efectivar a boa vontade é preciso agir por dever, ou seja, agir por puro respeito à lei

29 “(...) le desir de la fin dernière ne fait pas partie des actes dont nous sommes maitres.”, in TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I, q.82, a.1, ad 3., Paris, Les editions du CERF, 1984, p.716.

30 “Le choix ne porte pas sur la fin, il porte sur les moyens.”, in TOMÁS DE AQUINO, Ibidem , I, q.82, a.1, ad 3, p.716.

35

moral. Esta lei, formulada sob a forma de imperativo categórico pode ser expressa da

seguinte forma: “Age como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua

vontade, em lei universal da natureza.”31 Ora, agir tendo por base um imperativo como

o apresentado não pode senão partir de uma vontade autónoma que tenha capacidade de

escolha. É devido à necessidade desta autonomia que o conceito de liberdade aparece,

pois sem liberdade, ou seja, sem autonomia da vontade, não se poderia formular a lei

moral, razão pela qual se pode considerar a liberdade como fundamento da moralidade.

Desta forma, assim como foi dito, Kant não prova a existência da liberdade, pelo que a

sua argumentação não é dirigida directamente ao problema da liberdade, no entanto,

para a construção do seu sistema moral, a liberdade é uma condição absolutamente

necessária, na medida em que suporta a possibilidade da moralidade e,

consequentemente, a possibilidade de uma vida digna de felicidade.

Por fim, gostaríamos de apresentar um último possível argumento a favor do

indeterminismo: o argumento psicológico. Um dos autores em que este argumento

aparece é Descartes, autor que defende que o livre arbítrio é evidente por si mesmo não

necessitando de prova alguma, pois é um dato imediato para a consciência: “’É tão

evidente que há liberdade na nossa vontade e que podemos dar ou não dar o

assentimento conforme quisermos, que isso deve ser considerado entre as noções

primeiras e maximamente comuns que nos são inatas.”32 Assim, o argumento

psicológico baseia-se no facto da existência de um sentimento íntimo, ou de uma

vivência interior que permite apreender a liberdade de maneira directa e inequívoca. Um

outro autor que recorre a este argumento é Henri Bergson. Segundo este filósofo o

conhecimento científico da realidade não a pode abarcar por completo pois esta não é

algo estático que se possa observar imparcialmente. A realidade está em constante

mutação e o ponto de vista científico não tem uma forma de análise que acompanhe a

transformação contínua, razão pela qual oferece imagens esquemáticas e simplificadas

do real. Em contraposição a este ponto de vista aparece a filosofia que permite analisar

os dados imediatos da consciência através da intuição. Assim, a intuição filosófica

pretende penetrar na parte mais profunda da realidade, revelando a sua plenitude através

31 KANT, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Tradução Paulo Quintela, Porto, Porto Editora, 1995, p. 59.

32 DESCARTES, Os princípios da filosofia, I, 39, Tradução Leonel Ribeiro dos Santos, Lisboa, Editorial Presença, 1995, p. 75.

36

de conceitos. Obviamente esta intuição filosófica não é mágica e processa-se

metodicamente mostrando que a essência do real é transformação contínua. Ora, através

do processo de intuição, a liberdade aparece como uma propriedade genuína do

psíquico, aparece como um dado imediato da consciência, sendo directamente vivida e

experimentada: “Chama-se liberdade à relação do eu concreto com o acto que realiza.

Esta relação é indefinível, precisamente porque somos livres. Com efeito, analisa-se

uma coisa, mas não um processo; decompõe-se a extensão, mas não a duração. Ou

antes, caso teimemos na analise, transformamos inconscientemente o progresso em

coisa e a duração em extensão. Só pelo facto de pretendermos decompor o tempo

concreto, desdobramos os momentos no espaço homogéneo; em vez do facto em vias de

realização pomos o facto realizado e, como se começou por de alguma maneira congelar

a actividade do eu, vê-se a espontaneidade a dissolver-se em inércia e a liberdade em

necessidade. - É por isto que toda a definição de liberdade dará razão ao

determinismo.”33

Deste modo, para Bergson a liberdade da vontade é um objecto próprio e

genuíno da autoconsciência, e a sua existência é verificada por um processo

introspectivo. Sendo assim, não é necessária nenhuma prova visto que a liberdade é um

facto inquestionável.

No capítulo V do seu livro Mente, Cérebro e Ciência34, John Searle pretende

conciliar o determinismo que parece estar provado pela ciência com a convicção

humana de liberdade. É causa de alguma surpresa que a argumentação de Searle se

inicie com uma refutação da tese compatibilista, tese segundo a qual o livre-árbítrio

humano é compatível com as concepções deterministas provenientes das investigações

físicas, pois ainda que tudo seja determinado no mundo natural, verificam-se algumas

acções humanas livres, quando estas não são constrangidas. O contra argumento de

Searle, parte da ideia de que para a sustentação do compatibilismo, o problema foi

formulado de forma errónea. A questão não consiste em saber se existem compulsões

internas ou externas que nos levem a fazer algo, a questão consiste em saber se nos

levam a fazer algo necessariamente, ou seja, a pergunta essencial é a seguinte: dadas

33 BERGSON, Henri, Ensaio sobres os dados imediatos da consciência, cap. III, Tradução João da Silva Gama, Lisboa, Edições 70, 1988, pp. 150-151.

34 SEARLE, John, Mente, Cérebro e Ciência, Tradução Artur Morão, Lisboa, Edições 70, 1984.

37

exactamente as mesmas condições, poderia a pessoa ter agido de outra forma? Searle

admite que, de facto, tendo em conta vários séculos de investigações físicas e fazendo o

ser humano também parte do mundo físico, a actual concepção de realidade física leva à

crença no determinismo. No entanto, a experiência de agir de forma voluntária e livre é

absolutamente inegável, pode até dizer-se que sem a pressuposição de liberdade, não

existiriam acções verdadeiramente humanas. Desta forma, ainda que teoricamente se

aceite o determinismo, na prática não se pode actuar sem a pressuposição de liberdade,

dado que é universal a experiência humana de que dadas as mesmas circunstâncias

poder-se-ia ter agido de outra forma.

Como se tentou demonstrar, há inúmeras posições filosóficas que se referem ao

problema da liberdade. Pretender encontrar uma solução definitiva para o problema é

causa não é um projecto plausível. Neste sentido, questionar a liberdade é algo que pode

ser muito apelativo para jovens estudantes, assim como revela que os problemas

verdadeiramente filosóficos são intemporais e constitutivamente irresolúveis de forma

consensual. Ainda assim, deve ser feito o convite à adopção de uma determinada

posição consciente acerca do problema. Tentando responder ao desafio, parece plausível

adoptar a posição segundo a qual podemos ser livres para fazer ou não fazermos o que

queremos, mas nunca se poderá saber se aquilo que queremos, o queremos livremente

ou não.

• Valores e valoração

Assim como as demais temáticas abordadas no presente relatório, seria

impossível fazer um estudo muito aprofundado sobre valores, pois a riqueza do tema em

causa exigiria um tempo de investigação que não corresponde à duração do Mestrado

em Ensino de Filosofia. No entanto, dirigindo-se o mestrado à formação de Professores

de Ensino Secundário, o nível a que se dirige essencialmente – alunos do 10º e 11º anos

– não permite investigações filosóficas muitíssimo alargadas.

Numa época regularmente acusada de perder valores ou, pior ainda, de não

assegurar estabilidade valorativa aos elementos humanos que a constituem, mais se

pode falar da existência simultânea de inúmeras correntes axiológicas, muitas vezes

contraditórias entre si. Desta forma, parece que o problema principal não é a

inexistência de valores senão uma “sobrelotação” de critérios valorativos coexistentes

38

num mesmo espaço e ao mesmo tempo, que baralham possíveis tomadas de posição

estáveis no que diz respeito à escolha daquilo que dá normas à conduta.

Assim, a tarefa principal de um docente que pretende abordar esta temática a

nível de ensino secundário consiste em fornecer as ferramentas necessárias aos alunos

para que estes adoptem uma posição crítica face aos, muitas vezes impostos, modos de

acção que os rodeiam e pelos quais são influenciados. Além disto, é preciso ter em

conta que estes modos de acção não estão necessariamente fundados num sistema de

valores fundamentado pelo que, além de tentar desformatar formas de pensar acríticas, é

imprescindível o convite à fundamentação de modos de acção conscientes e passíveis de

serem respeitados.

Tentando de alguma forma ultrapassar as questões básicas e essenciais tratadas

em contexto de sala de aula35, como a distinção entre juízos de facto e juízos de valor,

as questão da bipolaridade dos valores, da relatividade e da hierarquia dos valores,

assim como dos critérios valorativos, gostaríamos de reflectir um pouco sobre alguns

fenómenos actuais da relação ou não-relação entre acção e valores, assim como nos

pareceu relevante abordar algumas ideias de um pensador que se dedicou a temáticas

axiolológicas: Max Scheler.

Ora, é comum na sociedade ocidental actual o regozijo pelo facto de se ter

chegado a um ponto de aceitação mútua entre diferentes sistemas morais que coabitam,

aparentemente de forma pacífica, num mesmo espaço e ao mesmo tempo. Parece que

esta tolerância é um produto de uma suposta evolução civilizacional baseada no respeito

mútuo e na aceitação de que diferentes valores que regem diferentes sistemas morais

são igualmente válidos. Assim, pode dizer-se que, de uma forma generalizada e

exceptuando pontuais excepções, assiste-se a uma aceitação de quase todos os critérios

valorativos, baseada na crença de que todos os seres racionais têm a capacidade de criar

e fundamentar os seus modos de vida consoante a escolha e organização de valores que

privilegiam e de valores que recusam. A par desta aceitação, já desde o Iluminismo com

a sobrevalorização da racionalidade e do ser humano como indivíduo cuja dignidade é

intocável, tem-se vindo a desenvolver também um ponto de vista cuja prioridade,

mesmo dentro de uma comunidade, é o bem individual e não o colectivo. Isto não quer

35 Ver planificações e roteiros das aulas nº 21 e 22, pp. 84-94.

39

dizer que se despreze o bem colectivo, senão que este está, de alguma forma,

subordinado ao individual. Ora, por outro lado, esta sobrevalorização do individual não

implica o que se explica em seguida, mas convida a que aquilo que é bom seja

identificado com o que é agradável e que aquilo que é mau seja, por sua vez,

identificado com o desagradável. Parecem, de facto, existir relações lógicas entre este

tipo de identificação, o problema nasce quando aquilo que é agradável para um

determinado sujeito resulta em algo desagradável para outro, ou ainda quando aquilo

que é individualmente agradável é visto como o mais desejável independentemente das

consequências que essa agradabilidade possa trazer ao bem comum. Claro está, que

privilegiando o bem individual, o bem comum é tomando como a soma de todos os bens

individuais e nada mais que isso quando, na verdade, o bem comum é aquilo que a

todos convém.

Juntando ao máximo respeito pelo individualismo exacerbado, a crença de que

todos os seres racionais têm a capacidade de criar um sistema valorativo próprio e que

reger-se por esse sistema valorativo próprio é um direito inalienável de qualquer sujeito,

aparece, ironicamente, um fenómeno presente actualmente perante a tomada de

qualquer decisão ética: a indiferença. Se tudo é válido e se não se consegue chegar a um

acordo sobre o bem e o mal, então não há necessidade alguma de respeitar qualquer

hierarquia de valores, nem sequer de justificar a acção perante determinado quadro

valorativo. Cada um actua conforme o que é agradável no momento da decisão e

ninguém tem a legitimidade de valorar a acção de outro, salvo em casos graves de

ataque ao bem individual que está protegido juridicamente. À concepção filosófica que

está por detrás desta forma de actuação dá-se o nome de relativismo axiológico.

Segundo este tipo de relativismo, todos os valores são relativos a cada sujeito, e o que é

um valor para um, pode ser um desvalor para outro.

Claro está que esta análise não se aplica linearmente a toda a população

ocidental, mas é um dado que facilmente se pode verificar de forma muito generalizada.

Ainda assim, poder-se-ia efectuar um estudo mais profundo, tanto a nível micro como

meso e macro, que ajudaria a perceber melhor quais os verdadeiros motores da acção

humana actualmente.

Passamos à análise de algumas ideias de um autor que muito contribuiu para as

investigações cujo objecto de estudo são os valores, Max Scheler. Este autor apresenta-

40

nos a seguinte definição: “Uma moral é um sistema de regras de preferência entre os

valores mesmos, um sistema que só se pode descobrir por detrás das avaliações

concretas da época e do povo.”36 Ao contrário do que aparentemente pode parecer, o

facto de Max Scheler chamar a atenção para as condicionantes histórico-culturais não

apoia o relativismo axiológico que acima criticámos. O facto da organização valorativa

variar de época para época não significa que os valores são relativos e que não é

possível encontrar valores absolutos, assim como o facto de não se ter conseguido

realizar alguma coisa não significa que essa coisa não se possa realizar. Talvez seja o

sentimento de impotência face à dificuldade em encontrar sistemas morais estáveis que

todos possam compartir e em actuar com o bem universalmente válido como móbil, que

leva à crença de que os valores são algo relativo, não só a cada época e a cada lugar,

mas também a cada individuo. Ora, é possível argumentar tanto que os valores são

relativos como que são absolutos e dar uma resposta ao problema não se afigura tarefa

fácil; no entanto, mais importante do que encontrar uma resposta, é importante a tomada

de consciência de que a relatividade dos valores não é uma verdade consumada, ou seja,

inquestionável. Defender que os valores são relativos e que não se podem encontrar

valores positivos e negativos que sejam positivos e negativos para todos os indivíduos, é

uma forma de absolutismo (relativismo absoluto). Quer isto dizer o seguinte: defender

que os valores são relativos e não aceitar a procura e criação de sistemas morais válidos

universalmente, torna a relatividade dos valores num facto absoluto – o que é

autocontraditório com a crença na relatividade. Neste sentido, é importante a chamada

de atenção para o facto de o status quo não justificar a relatividade dos valores ainda

que, de alguma forma, o confirme, pois a indiferença actual relativamente a estas

temáticas tenta justificar-se por essa mesma relatividade. Digamos que é fácil assumir

que os valores são relativos, perdendo-se a necessidade de procurar sistemas valorativos

universalmente válidos: cada indivíduo perde também a necessidade de justificar o seu

modo de vida perante os que o rodeiam pois “tudo é relativo”.

Uma outra ideia muito profícua que Max Scheler nos apresenta diz respeito à

“Subordinação dos valores da vida aos valores da utilidade.”37 Útil é, genuinamente,

36 SCHELER, Max, Da reviravolta dos Valores, Tradução Marco António dos Santos Casa Nova, Petrópolis - RJ, Vozes, 1994, pp. 87-88.

37 SCHELER, Ibidem, p. 158.

41

algo que permite realizar alguma coisa considerada boa ou agradável, é um meio para a

realização de algo a que se atribui um valor positivo. No entanto, a sociedade moderna

inverteu perversamente o sentido da utilidade passando a considerar o que é útil como

um fim e não como um meio: “(...) o trabalho útil é melhor que o desfrute do

agradável.”38 Neste sentido, útil é algo que permite atingir coisas ou um estado de

ânimo agradáveis; agradável é algo que contribui para a satisfação ou contentamento.

No entanto, actualmente, a contínua busca de mais e mais coisas agradáveis, de mais e

mais divertimento, é um processo sem fim que nunca chega a um ponto de satisfação. A

agradabilidade torna-se cada vez mais exigente nesta incessante procura, e o nível de

satisfação é cada vez mais baixo. O sentido da procura é a apropriação da novidade, mas

quando algo de novo é adquirido, deixa de ser novo, pelo que a energia que moveu toda

essa busca se dirige a uma nova novidade. Claro está que não chegar a um ponto de

satisfação que justifique toda a energia gasta na procura empreendida, gera um

sentimento de frustração que se tenta compensar com qualquer outro desejo dirigido a

um novo objecto considerado agradável: “E daí surge, na civilização moderna, esta

acumulação contínua de coisas agradáveis que não chegam a satisfazer ninguém. Qual é

o sentido afinal desta produção sem fim de coisas agradáveis, se o tipo que as pode

desfrutar não as pode gozar absolutamente, e este que poderia gozá-las não as

possui?”39 Como se pode verificar na última citação, para além do problema da não-

satisfação que se pode registar a nível micro, ou seja, a nível de cada indivíduo, a nível

meso e macro verifica-se uma desequilibrada distribuição de coisas agradáveis.

Deste modo, a energia vital deixa de estar dirigida à satisfação e ao desfrute, ou

seja, ao equilíbrio, mas está de alguma forma escravizada na busca, produção e

aquisição úteis de coisas agradáveis. A capacidade de aquisição parece ser a actual

medida de uma (aparente) felicidade e a capacidade de desfrutar, capacidade que

verdadeiramente eleva o sentido da própria vida quando ultrapassa a barreira da

acumulação de coisas e se dirige ao desfrute do simples – o convite a um modo de vida

mais consciente e dirigido para a essência do próprio indivíduo e para a essência de tudo

o que o rodeia tentando desprender-se da aparência – não é sequer vista como uma

possibilidade a ser explorada.

38 SCHELER, Ibidem, p. 162.

39 SCHELER, Ibidem, p. 163.

42

• Responsabilidade Ecológica

Para além da contribuição para a formação cívica que o estudo e a análise dos

inúmeros temas relacionados com a responsabilidade ecológica proporcionam, sob uma

perspectiva filosófica a temática em causa é também muito rica. Neste sentido, tendo

em conta o contexto do ensino secundário e a relevância do exercício filosófico como

potenciador das capacidades de abstracção e de análise critica, mais do que procurar

consciencializar os alunos para os problemas decorrentes da excessiva intervenção

humana na natureza, é interessante problematizar as possíveis respostas à pergunta “Por

que se deve preservar a natureza?”. Não queremos com isto defender que a tomada de

consciência para os problemas ecológicos não é importante; no entanto, a experiência

em sala de aula confirma que, felizmente, os alunos do ensino secundário já apreendem

grande parte dessa informação no contexto de outras disciplinas de anos de ensino

anteriores.

Como se poderá verificar nas planificações referentes à temática da

Responsabilidade Ecológica40, as respostas à pergunta “Por que se deve preservar a

natureza?” podem dividir-se em dois grandes grupos: concepção antropológica da

preservação da natureza e concepção do valor intrínseco da natureza. Estas duas

concepções são ligeiramente exploradas nos roteiros das duas últimas aulas leccionadas.

Tentando corresponder à inicial intenção do capítulo de Fundamentação

Filosófica, como produção de materiais para a realização de trabalhos individuais por

parte dos alunos interessados, gostaríamos de explorar a Teoria Utilitarista de Stuart

Mill, relacionando-a com o Argumento das Gerações Futuras proposto por Hans Jonas.

O utilitarismo tem como base fundamental o Princípio da Maior Felicidade,

princípio segundo o qual a moralidade de uma acção deve ser avaliada tendo em conta a

quantidade de felicidade que pode trazer ao maior número de pessoas. Quer isto dizer

que uma acção é moralmente válida se proporcionar mais felicidade a mais pessoas do

que infelicidade. Neste sentido, a razão pela qual a felicidade geral é o bem mais

desejável prende-se com o facto de cada pessoa desejar a sua própria felicidade, sendo

esta aquilo que verdadeiramente é desejável, pois tudo o mais (coragem, virtude ou

amor ao dinheiro, por exemplo), ainda que seja desejável por si mesmo, contribui ou

40 Ver planificações e roteiros das aulas nº 59 e 60, pp. 96-104.

43

não contribui para o verdadeiro fim – a felicidade. Claro está que o cálculo de felicidade

é difícil de se efectuar pelo que, para além da distinção entre prazer e dor que são dois

elementos a ter em conta na operação que se pretende realizar, é preciso critérios que

definam que prazeres se privilegiam e que dores se devem evitar.

Ora, como o próprio nome indica, o utilitarismo estabelece a utilidade como o

verdadeiro critério da moralidade, sendo a utilidade equivalente ao bem estar do maior

número de pessoas possível. Também é uma teoria consequencialista, pois não só

privilegia os fins da acção e não os meios ou a intenção, como os fins justificam os

meios. Procurar o maior bem possível é procurar a felicidade geral pois esta é a única

coisa desejável por si mesma. Para atingir esse objectivo, aposta-se na minimização da

dor e na maximização do prazer (sendo os prazeres intelectuais considerados

hierarquicamente superiores aos empíricos). Assim, todos os actos individuais são

avaliados e analisados quanto à sua eticidade de acordo com as consequências que esses

actos trazem à felicidade geral, ou seja, ao bem para o conjunto de todas as pessoas.

Poder-se-ia perguntar pelos motivos que levam a agir conforme o princípio da

felicidade do maior número. Segundo o que é exposto no terceiro capitulo de

Utilitarismo – “Da sanção última do princípio da utilidade” -, a necessidade de agir de

acordo com o princípio referido tem que ver com a sanção que aparece sob a forma de

motivação: “O princípio de utilidade tem, ou não há razão para que não possa ter, todas

as sanções que pertencem a qualquer outro sistema moral. Essas sanções são externas

ou internas.”41 As sanções externas são de carácter social e têm que ver com o desejo de

viver em harmonia com os demais; este desejo evita que se actue de forma a que os que

rodeiam o agente o reprovem. Por outro lado, as sanções internas dizem respeito a um

sentimento interno de obrigação moral – “A sanção interna do dever, seja qual for o

nosso padrão do dever, é uma e a mesma – um sentimento na nossa própria mente, uma

dor, mais ou menos intensa, concomitante da violação do dever, a qual, em naturezas

morais devidamente cultivadas, faz com que, nos casos mais graves, a violação se

apresente como uma impossibilidade.”42 Este sentimento, ainda que natural, ou seja,

existente em potência em todos os indivíduos, é desenvolvido através da educação e da

41 MILL, Stuart, Utilitarismo, Tradução Pedro Galvão, Porto, Porto Editora, 2005, p. 68.

42 MILL, Ibidem, p. 69.

44

cultura. Ora, no caso de que não se actue em conformidade com o princípio da

felicidade do maior número, surge o remorso ou arrependimento.

Pretende-se passar agora a uma breve análise do argumento das gerações futuras

de Hans Jonas. O autor da obra Princípio de responsabilidade inicia a sua análise

referente à constituição da contemporaneidade (século XX) estabelecendo uma

diferença entre a ética tradicional e a contemporânea baseada nos conceitos de técnica e

de tecnologia. Decorrente dos inúmeros e enormes desenvolvimentos tecnológicos,

verificam-se algumas alterações no meio natural que inclui o habitat humano; essas

alterações levam muitas vezes a modificações na estrutura básica da natureza que pôde,

ao longo de milhões de anos, manter a capacidade de se equilibrar. Visto que esse

equilíbrio está a ser posto em causa como consequência da intervenção humana no

mundo natural, torna-se necessário pronunciarmo-nos eticamente sobre a técnica pois

corremos riscos, muitas vezes sem nos darmos conta deles.

A tecnologia moderna – excessivo desenvolvimento técnico – representa uma

provocação para com a natureza, uma provocação em forma de desafio que exige do

mundo natural muito mais do que este pode dar sem se pôr em causa. Neste sentido,

pode dizer-se que os actuais desenvolvimentos tecnológicos acarretam perigos que

põem em causa a existência tal como a conhecemos.

Ora, a responsabilidade seria a dimensão que permite responder ao

desenvolvimento tecnológico. Se, por um lado, a utilização técnica no sentido antigo,

que acompanha o ser humano desde sempre, tinha efeitos imediatos e previsíveis, a

tecnologia actual tem como característica o desfasamento entre feitos e efeitos pelo que

o apelo a um posicionamento ético perante estas circunstâncias é urgente. Assim, Hans

Jonas propõe que se instaure uma “heurística do medo” de modo a que a nossa

capacidade de previsão dos resultados da tecnologia dê mais ênfase a possíveis

consequências negativas do que a positivas. Desta forma, privilegiar diagnósticos

negativos e actuar de forma a evitar que esses possíveis nefastos efeitos se efectivem,

permite precaver situações possivelmente irreversíveis que comprometam a existência

de vida.

Por outro lado, o filósofo em causa propõe um novo imperativo categórico –

Imperativo de Responsabilidade. Este imperativo implica um compromisso dos Homens

para com o que está dependente deles e tem um carácter prospectivo, na medida em que

45

se dirige ao futuro pois prevê o que pode vir a surgir mais tarde como consequência de

feitos actuais. Deste modo, o novo imperativo categórico proposto por Hans Jonas pode

ser formulado da seguinte forma: “Age de tal maneira que os efeitos da tua acção sejam

compatíveis com a preservação da vida humana genuína.”43 Claro está que este

imperativo tem por base metafísica a crença de que ser é sempre melhor do que não-ser.

Assim, decorrente deste imperativo, aparece o famoso Argumento das Gerações Futuras

segundo o qual temos a responsabilidade de garantir que no futuro continue a existir a

espécie humana e que, para além da responsabilidade para com a sua existência, somos

também responsáveis pela sua qualidade de vida.

Verifica-se uma aproximação lógica entre as propostas de Stuart Mill e de Hans

Jonas. Ambas procuram estabelecer sistemas éticos baseados nas consequências dos

actos humanos. O autor de Utilitarismo defende que só a avaliação das consequências

dos actos pode atribuir-lhes valor moral; assim, calcular as possíveis consequências das

acções é um passo necessário na procura do que é moralmente válido. Hans Jonas,

também preocupado com as consequências dos actos, defende que não sabendo

exactamente se as consequências dos actos trarão malefícios no futuro é preferível não

actuar. Como já vimos esta falta de conhecimento deve-se ao desfasamento entre feitos

e efeitos que a tecnologia proporciona hoje em dia.

Além disto, se para o cálculo de felicidade utilizado no sistema utilitarista

também se incluírem as gerações futuras, o apelo ao princípio de responsabilidade

proposto por Jonas seria uma ferramenta muito útil para garantir, ainda que unicamente

de forma teórica, a continuação da existência humana (condição básica para que a

felicidade ou a dignidade e responsabilidade sejam possíveis). Uma pequena citação do

Utilitarismo torna sustentável a comparação efectuada: “(...) a felicidade que constitui o

padrão utilitarista daquilo que está certo na conduta não é a felicidade do próprio

agente, mas a de todos os envolvidos.”44 Se pensarmos que, dadas actuais circunstancias

de intervenção humana no planeta terra, as gerações futuras fazem parte do grupo de

pessoas envolvidas nas consequências das nossas acções actuais, então a teoria

43 “Act so that the effects of your actions are compatible with the permanence of genuine human life.”, JONAS, Hans, The Imperative of Responsibility, Chicago, The University of Chicago Press, 1984, p. 11.

44 MILL, Ibidem, p. 58.

46

utilitarista também sustenta a necessidade de calcular os efeitos nos nossos actos para

todos os membros da espécie humana que ainda não nasceram.

São dois sistemas éticos de cariz antropológico forte, um preocupado com a

felicidade, outro com a existência digna e responsável do ser humano. Separados por

um século, as preocupações de base são distintas, pois, no século XX, Hans Jonas pôde

acompanhar uma série de avanços tecnológicos que mudaram radicalmente e, como

muitas vezes adverte este filosofo, possivelmente de forma irreversível o curso da

história.

Assim, seja para que a quantidade de felicidade no planeta terra seja a maior

possível, ou para que seja garantida uma humanidade digna e responsável pelo seu

futuro e pelo do planeta, é necessária a tomada de consciência de que o crescente poder

de construção e de destruição do homem pode ter consequência irreparáveis – algo que

é um preço demasiado alto não só para a espécie humana como para todos os seres que

habitam o planeta e que, como muitas correntes ecológicas defendem, têm tanto direito

como o Homem a viver e a ter as condições básicas de vida garantidas.

47

Identificação e caracterização da escola

48

De forma a conhecer o contexto em que se inseriu a prática lectiva que serve de

base ao presente relatório, apresentamos uma breve e esquemática caracterização da

instituição escolar.

Ficha de Escola

1. Elementos de Identificação

a. Designação

Escola Secundária Manuel Cargaleiro

b. Localização

Rua Bento Moura Portugal – Fogueteiro

2845-154 Amora

c. Início de Funcionamento

1984, com o nome de Escola Secundária do Fogueteiro. Muda em 1994 para a

actual designação.

d. Situação dentro do Ensino

Oficial

e. Tipologia

A escola oferece ensino de 2º Ciclo, Secundário, assim como Cursos

Tecnológicos e Profissionais.

f. Entidade de que depende

Administrativamente – Ministério da Educação

Financeiramente – Ministério da Educação

Hierarquicamente – Ministério da Educação

2. Inserção

Escola inserida num meio suburbano com todas as características sociais, culturais

e económicas que daí advêm.

49

3. Edifício e Espaços

As instalações da escola correspondem a cinco pavilhões, um campo desportivo

exterior, um gimnodesportivo partilhado com a Câmara Municipal e consideráveis

espaços verdes.

4. Mobiliário e Material

a. Sala de Aula

O mobiliário da sala de aula é constituído por carteiras para dois alunos e

respectivas cadeiras, um quadro, carteira do professor, um computador e um

projector.

b. Outras Instalações para Acções Curriculares

Pavilhão Gimno-desportivo.

c. Instalações Complementares

Existem balneários e um refeitório.

d. Material Didáctico

As salas estão equipadas com retroprojectores, projectores e computadores.

5. Horário

Diurno

6. Pessoal

a. Pessoal Docente

130 professores.

Média de idades – 45 anos, aproximadamente.

7. População escolar

1200 alunos

8. Regulamento e Normas de Funcionamento

Consultar regulamento interno no site www.esmcargaleiro.pt

9. Projecto Educativo de Escola

Consultar no site www.esmcargaleiro.pt

50

10. Projecto Curricular de Escola

Consultar no site www.esmcargaleiro.pt

11. Projecto Curricular de Turma

11.1- Data de entrada em vigor

Início do ano lectivo

11.2- Responsáveis pela elaboração

Director de Turma

11.3- Responsáveis pela aprovação

Conselho de Turma

12. Indisciplina e Violência na Escola

Casos pontuais

13. Observações

• Escola muito organizada e em boas condições.

• Existe um lema de escola: “Juntos pelo conhecimento”.

• Existe um clube de Filosofia (inscrição automática dos alunos de Filosofia)

que com o patrocínio de algumas editoras organiza dois eventos: as

Olimpíadas da Filosofia e o Concurso de Texto Argumentativo Filosófico.

A Escola Secundária Manuel Cargaleiro é uma instituição que prima pela

organização e bom funcionamento. O ambiente entre docentes é muito agradável, bem

como entre todos os demais elementos (auxiliares de educação e corpo directivo), o que

torna possível o desenrolar harmónico das actividades escolares. Foi um privilégio ter

iniciado a prática lectiva nesta escola e tê-la-ei sempre como referência para a posterior

actividade docente que possa vir a desempenhar.

51

Identificação e caracterização da turma

52

O primeiro contacto com a turma foi efectuado através da correcção dos testes

de avaliação diagnóstica e pelo tratamento de dados das fichas de caracterização dos

alunos e da turma que me foram entregues pela Professora Cooperante na primeira

reunião destinada a calendarizar a actividade lectiva.45

De seguida apresentam-se os resultados do tratamento de dados efectuado

através da recolha e análise dos testes e fichas acima referidos.46

45 Questionário e Teste de Diagnóstico - Anexo 1, pp. 109-117.

46 Na versão digital os resultados encontram-se na pasta de documentos PowerPoints, com o nome “Caracterização 10ºF” e na pasta de documentos Excel com o nome “Avaliação de Competências 10ºF”.

53

Como se pode verificar nos gráficos de caracterização de turma apresentados, o

10ºF é uma turma com alunos entre os 14 e os 17 anos, tendo a maioria 16, em que

praticamente metade dos alunos é do sexo feminino e a outra do sexo masculino. A

nível de interesses toda a turma prefere a música. 26% dos alunos são repetentes do

Ensino Secundário e 17% do Ensino Básico. No que diz respeito ao meio familiar, 90%

dos alunos vive com os pais, estando estes últimos a trabalhar. Quanto a hábitos de

estudo 4% dos alunos afirma que só estuda para os testes, 12% que estuda todos os dias

e, surpreendentemente, 65% diz que planifica os estudo semanalmente. Por fim,

relativamente ao projectos escolares 21% tem como objectivo terminar o Ensino

Secundário, 73% pretende ingressar no Ensino Superior e só 3% gostaria de realizar um

Curso Profissional. Passando à avaliação de competências que se efectuou através do

tratamento de dados dos Testes de Diagnóstico, os resultados não foram muito

satisfatórios. Avaliaram-se as seguintes competências: interpretar e compreender

informação, expor uma ideia ou resumir situações, desenvolver uma argumentação

correcta e autónoma e, por fim, utilizar com rigor a língua portuguesa. Numa escala de

evidência de 1 a 5, em que 1 equivale a “Nada evidente” e 5 a “Totalmente evidente”,

pôde verificar-se que a média da avaliação das quatro competências é quase sempre

“Pouco evidente”. Este primeiro contacto, não directo, permitiu perceber que a turma

tinha algumas dificuldades que só ultrapassadas permitiriam uma iniciação profícua no

que diz respeito à disciplina de Filosofia.

Apresenta-se em seguida uma grelha de observação de aula da turma em causa.

A observação foi um segundo momento de contacto com os alunos que, como se poderá

verificar, permitiu conhecê-los um pouco melhor.47

47 Na versão digital as grelhas de observação encontram-se na pasta de documentos Word com o nome “Observação 10ºF”

54

A observação de aula efectuada antes de dar inicio à leccionação mostrou que,

apesar das dificuldades, a turma é, no geral, bastante interessada e participativa, algo

que não pode deixar de motivar o professor e que é causa de grande satisfação para

quem se dedica à actividade docente. Tendo em conta os dados recolhidos, as aulas

foram preparadas de modo a estimular a realização de trabalhos, individuais ou em

grupo, que desenvolvessem as capacidades de compreensão textual e de escrita, bem

como as capacidades de conceptualização e de abstracção.

Deste modo, as aulas programaram-se de acordo com o seguinte esquema: uma

primeira parte em que os alunos apresentam uma síntese da aula anterior – actividade

desenvolvida desde o início do ano lectivo -, uma segunda parte mais expositiva,

recorrendo ao PowerPoint que, sem sombra de duvidas, é um instrumento precioso no

que diz respeito ao comportamento e atenção dos alunos e, por fim, uma terceira parte

de maior actividade por parte dos alunos onde lhes é pedido que realizem determinada

tarefa para apresentar no final da aula ou na aula seguinte.

55

Planificações, roteiros e materiais utilizados nas aulas

56

Ver Planificação Geral e Planificação de Aula.48

Roteiro 16 de Novembro de 2009

Aula nº 17

Sumário: Determinismo e liberdade na acção humana: o que é a liberdade e o que é o

determinismo. Compatibilidade ou Incompatibildade entre determinismo e liberdade.49

1. Determinismo e liberdade na acção humana

• Exercício de “Brainstorming” que demonstre quais as ideias preconcebidas no que diz

respeito à liberdade e ao determinismo.

1.1 O que é o determinismo?

• O Determinismo é uma corrente filosófica segundo a qual a acção humana é sempre

provocada por causas anteriores. Assim, para os adeptos desta concepção, a liberdade

não tem qualquer sentido.

Tipos de determinismo:

- Determinismo Físico (leis físicas regem o comportamento humano);

- Determinismo Biológico (códigos biológicos determinam a conduta

humana);

- Determinismo Psicológico (personalidade e carácter psicológico de cada ser

humano levam o Homem a decidir desta ou daquela maneira);

- Determinismo Sociológico (regras sociais condicionam determinantemente

a acção humana);

- Determinismo Religioso (Deus continua a governar o Mundo depois da sua

criação, não concedendo liberdade ao ser humano).

• Leitura e comentário do Texto 1.

1.2 O que é a liberdade?

48 Na versão digital, a Planificação Geral 10ºF e a Planificação da aula do dia 16 de Novembro de 2009, encontram-se na pasta de documentos Word.

49 PowerPoint utilizado nesta aula – Anexo 2, p. 118.

57

Origem etimológica - libertas (palavra latina que significa autonomia e independência)

• Liberdade é capacidade de fazer tudo o que se quer?

• Pode o Homem fazer tudo o que quer?

• Liberdade como faculdade de se determinar conscientemente em favor desta ou

daquela escolha, sem constrangimento e em virtude apenas da sua vontade e de boas

razões.

Tipos de liberdade:

- Liberdade Física (possibilidade de dar livre curso a actividades corporais);

- Liberdade Biológica (saúde e bom funcionamento orgânico);

- Liberdade Psicológica (capacidade de escolher uma entre várias

alternativas);

- Liberdade Sociológica (liberdade concedida ao indivíduo pela sociedade em

que está inserido);

- Liberdade Religiosa (independentemente de se aceitar que Deus criou o

Mundo ou não, o Homem é responsável pelas suas acções).

• Leitura e comentário do Texto 2.

1.3 Compatibilidade ou Incompatibilidade entre determinismo e liberdade.

• Não podemos dizer que somos totalmente livres, pois não podemos fazer tudo o que

nos apetece. No entanto, parece que também não somos absolutamente determinados

por forças extrínsecas a nós mesmos. Desta forma, talvez seja plausível afirmar que a

nossa liberdade começa onde as condicionantes exteriores à nossa vontade própria

(condicionantes físicas, biológicas, psicológicas, sociológicas, religiosas ou morais)

terminam. Ou seja, dentro de determinados parâmetros que não permitem uma liberdade

absoluta, há espaço para decisões e acções livres.

• Realização de actividade de reflexão pessoal.

Comente a seguinte frase comummente denominada de Regra de Ouro:

“A minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro.”

58

Texto 1

DETERMINISMO

“Os homens enganam-se quando eles se crêem livres. Esta opinião consiste nisto

apenas, que eles estão conscientes das suas acções e ignoram as causas pelas quais são

determinados.”

Espinosa, Ética, Prop. XXXV, Escólio

“Tal é a liberdade humana que todos se vangloriam de possuir e que consiste

apenas nisto: que os homens têm consciência dos seus desejos e ignoram as causas que

os determinam.

É assim que uma criança crê desejar livremente o leite e o jovem irritado crê que

é livre ao querer vingar-se ou fugir se é medroso. Um embriagado crê dizer por livre

decisão da sua alma o que, regressado à sobriedade, teria querido calar. De igual modo,

um demente, um fala-barato e outros do mesmo género crêem agir por livre decisão da

alma e não levados por impulsão. E como este preconceito é inato em todos os homens,

eles não se libertam dele facilmente. Ainda que com efeito a experiência ensine mais do

que o suficiente que, se há alguma coisa de que os homens são pouco capazes, é de

regular os seus apetites e, ainda que constatem que estão divididos entre duas afecções

contrárias, muitas vezes vendo a melhor e fazendo a pior; apesar disso, os homens

crêem, no entanto, que são livres.”

Espinosa, Carta LVIII a G.-H. Schuller

59

Texto 2

LIBERDADE

“Na antiguidade, um Filósofo romano estava a discutir com um amigo que

negava a liberdade humana e garantia que, para todos os Homens, não há maneira de

evitar fazer o que fazem. O Filósofo pegou no seu bastão e começou a dar-lhe pauladas

com toda a força que tinha. “Já chega, não batas mais!”, dizia-lhe o outro. E o Filósofo,

sem deixar de surrá-lo, continuou a argumentar: “Não dizes que não sou livre e que

quando faço uma coisa não posso deixar de a fazer? Pois então não gastes saliva a

pedir-me que pare: sou automático.” Até que o amigo reconheceu que o filósofo podia

livremente deixar de bater-lhe, e só então o Filósofo deu descanso ao pau. A prova só

deve ser administrada com casos extremos e com amigos que não saibam artes

marciais.”

Fernando Savater, Ética para um Jovem, Lisboa, Presença, p. 25, 2003.

Ver Correcção do Projecto Individual.50

50 Na versão digital a Correcção do Projecto Individual 1 encontra-se na pasta de documentos Excel.

60

Ver Planificação de Aula.51

Roteiro 18 de Novembro de 2009

Aula nº18

Sumário: Condicionantes da acção humana. A acção como espaço para a liberdade do agente.52

1. Condicionantes da acção humana

- Será que o homem pode fazer tudo o que quer?

- Será que tudo nos é permitido?

- Será que não se pode fazer nada livremente?

- Será que o homem não passa de uma marioneta com ilusões de liberdade?

1.1 Condicionantes físico-biológicas

• O Homem é condicionado pela morfologia e fisiologia do seu corpo.

• O bom funcionamento corporal é essencial para que possamos agir nas mais diversas

circunstâncias.

• Ora, a nossa estrutura biológica depende da hereditariedade, ou seja, da nossa herança

genética que consiste no conjunto de características e comportamentos biologicamente

transmitidos pelos pais à sua descendência.

Motivações primárias – actos que temos obrigatoriamente de realizar para preservar a

nossa integridade orgânica (comer, descansar, dormir).

1.2 Condicionantes histórico-culturais

51 Na versão digital, a planificação da aula do dia 18 de Novembro de 2009, encontra-se na pasta de documentos Word.

52 PowerPoint utilizado nesta aula – Anexo 3, p.118.

61

Socialização – Modo como o indivíduo se adapta aos grupos em que se integra, o que

implica a interiorização das normas sociais próprias de cada um desses grupos.

• O Homem reflecte as condições do meio social e histórico em que nasce e se

desenvolve. Um homem do nosso século é definitivamente muito diferente de um

homem do séc. V ou de um homem da pré-história.

• Condicionalismos culturais das diferentes épocas.

Padrões culturais – mesmo sendo anteriores e exteriores ao indivíduo, são capazes de

actuar sobre ele, moldando-lhe o comportamento segundo formas que ele próprio não

escolheu.

• Realização da Actividade A

2. A acção como espaço para a liberdade do agente

• Não podemos dizer que somos totalmente livres, pois não podemos fazer tudo o que

nos apetece. No entanto, parece que também não somos absolutamente determinados

por forças extrínsecas a nós mesmos. Desta forma, talvez seja plausível afirmar que a

nossa liberdade começa onde as condicionantes exteriores à nossa vontade própria

(condicionantes físicas, biológicas, psicológicas, sociológicas, religiosas ou morais)

terminam. Ou seja, dentro de determinados parâmetros que não permitem uma liberdade

absoluta, há espaço para decisões e acções livres. (Revisão da aula anterior).

• Sentindo-se limitado o homem soube criar formas de compensar essas limitações.

• A grandeza do homem não está naquilo que lhe é dado pela natureza, mas, antes,

naquilo a que pode chegar com a sua actuação.

• O Homem constrói-se a si mesmo.

• As nossas escolhas e o modo como actuamos vão moldando a nossa personalidade ao

longo do tempo.

• Homem como obreiro do Mundo, que vai adaptando o que o rodeia às suas

necessidades para maior satisfação e conforto.

• Revelação da autonomia nas várias hipóteses de escolha perante determinada situação.

• Há sempre margem para agir livremente.

62

• Realização dos exercícios 6, 7 e 8 da página 75 do Manual.

• Análise do texto T6, da página 78 do Manual.

63

Actividade A

- Estabeleça a correspondência entre as colunas de modo a obter afirmações

verdadeiras.

Coluna 1 Coluna 2

1 – O comportamento humano é A- aprender a viver como vive o nosso

grupo social, aprender a sua linguagem e

adoptar os seus costumes e formas

padronizadas de comportamentos.

2 – A cultura é B- poder decidir e optar.

3 – Crescer de forma humana é C- assumir-se como autor de um acto.

4 – As nossas características biológicas

são

D- produto da cultura, isto é, modelado de

acordo com valores, regras e normas

sociais.

5 – Ser livre é E- o conjunto de crenças, de valores e de

normas que condicionam o

comportamento humano.

6 – Ser agente é F- condicionada por factores e motivações

biológicas e factores e motivações sócio-

culturais.

7 – A acção humana é G- factores determinantes do agir humano

porque lhe conferem um conjunto de

potencialidades e de limitações.

64

Ver Planificação de Aula.53

2º Teste Formativo

10ºF

Grupo I

1. Classifique as seguintes frases de verdadeiras ou falsas:

1.1 A origem etimológica da palavra filosofia expressa não a posse mas o

desejo e o interesse pela aventura do conhecimento.

1.2 A filosofia problematiza as suas próprias questões mas aceita como válido o

conhecimento habitual, ou seja, o senso comum.

1.3 Perguntar que elementos entram na constituição do quartzo é uma questão

filosófica.

1.4 Perguntar o que é uma obra de arte é uma questão filosófica.

1.5 Problematizar é criar problemas sobre tudo o que nos apetece.

1.6 Os Homens e os Animais irracionais são de tal forma diferentes que nada

têm em comum.

1.7 Tudo o que o Homem faz é produto de decisões conscientes.

1.8 Tomar uma decisão conscientemente é controlar todas as possíveis

consequências da minha acção.

1.9 Liberdade é a capacidade de fazermos tudo o que quisermos.

1.10 Determinismo é uma corrente filosófica que nega a liberdade do ser

humano.

2. Escolha a hipótese correcta:

53 Na versão digital, a planificação da aula de dia 23 de Novembro de 2009, encontra-se na pasta de documentos Word.

65

2.1 Um texto argumentativo é organizado da seguinte forma:

a) Tese, tema, conclusão e corpo argumentativo.

b) Conclusão, corpo argumentativo, tema e tese.

c) Tema, Tese, corpo argumentativo e conclusão.

d) Corpo argumentativo, tema, tese e conclusão.

2.2 Tese é:

a) a opinião de um filósofo.

b) uma hipótese ou teoria assumida pelo argumentador quanto a um

tema/problema.

c) Uma proposição cuja verdade não tem de ser garantida.

d) Uma proposição seguramente verdadeira.

2.3 O conceito de acção designa actos que são simultaneamente:

a) conscientes, não-intencionais e voluntários.

b) Intencionais, conscientes e involuntários.

c) Inconscientes, voluntários e intencionais.

d) Conscientes, voluntários e intencionais.

3. Faça corresponder a coluna A à coluna B:

3.1

Coluna A Coluna B

1. Acção A. Sujeito

2. Decisão B. Ponderação

3. Agente C. Escolha Racional

4. Motivo D. Acto Humano

5. Deliberação E. Razão

6. Projecto F. Intenção

3.2

Coluna A Coluna B

A. Dei-lhe duas estaladas porque não gostei do que fez.

66

1. Actos do Homem B. A minha irmã ia na rua e caiu em cima de um monte de lixo.

C. Dei um donativo para o Banco Alimentar.

D. Engasguei-me a beber coca-cola.

2. Actos Humanos E. O meu avô ressona muito à noite.

F. Estava tanto calor que viemo-nos embora.

Grupo II

1. Responda de forma clara e sucinta às seguintes questões

1.1 As questões filosóficas têm um carácter aberto ou fechado? Justifique a sua

resposta.

1.2 Qual é a diferença entre actos voluntários e actos involuntários?

1.3 Quais são os diferentes tipos de determinismo?

1.4 Quais são os diferentes tipos de liberdade?

Grupo III

1. Elabore um pequeno texto argumentativo que aborde o seguinte problema:

- Se sou completamente determinado, não sou livre. No entanto, sinto

que sou livre em muitas decisões que tomo. Como posso compatibilizar

este sentimento de liberdade com as condicionantes físico-biológicas e

histórico-culturais que influenciam a minha acção?

67

Correcção do 2º Teste Formativo

10ºF

Grupo I

4. Classifique as seguintes frases de verdadeiras ou falsas:

4.1 A origem etimológica da palavra filosofia expressa não a posse mas o

desejo e o interesse pela aventura do conhecimento. V

4.2 A filosofia problematiza as suas próprias questões mas aceita como válido o

conhecimento habitual, ou seja, o senso comum. F

4.3 Perguntar que elementos entram na constituição do quartzo é uma questão

filosófica. F

4.4 Perguntar o que é uma obra de arte é uma questão filosófica. V

4.5 Problematizar é criar problemas sobre tudo o que nos apetece. F

4.6 Os Homens e os Animais irracionais são de tal forma diferentes que nada

têm em comum. F

4.7 Tudo o que o Homem faz é produto de decisões conscientes. F

4.8 Tomar uma decisão conscientemente é controlar todas as possíveis

consequências da minha acção. F

4.9 Liberdade é a capacidade de fazermos tudo o que quisermos. F

4.10 Determinismo é uma corrente filosófica que nega a liberdade do ser

humano. V

5. Escolha a hipótese correcta:

5.1 Um texto argumentativo é organizado da seguinte forma:

e) Tese, tema, conclusão e corpo argumentativo.

f) Conclusão, corpo argumentativo, tema e tese.

g) Tema, Tese, corpo argumentativo e conclusão.

h) Corpo argumentativo, tema, tese e conclusão.

68

5.2 Tese é:

e) a opinião de um filósofo.

f) uma hipótese ou teoria assumida pelo argumentador quanto a um

tema/problema.

g) Uma proposição cuja verdade não tem de ser garantida.

h) Uma proposição seguramente verdadeira.

5.3 O conceito de acção designa actos que são simultaneamente:

e) conscientes, não-intencionais e voluntários.

f) Intencionais, conscientes e involuntários.

g) Inconscientes, voluntários e intencionais.

h) Conscientes, voluntários e intencionais.

6. Faça corresponder a coluna A à coluna B:

3.1

Coluna A Coluna B

1. Acção A. Sujeito

2. Decisão B. Ponderação

3. Agente C. Escolha Racional

4. Motivo D. Acto Humano

5. Deliberação E. Razão

6. Projecto F. Intenção

3.2

Coluna A Coluna B

A. Dei-lhe duas estaladas porque não gostei do que fez.

1. Actos do Homem B. A minha irmã ia na rua e caiu em cima de um monte de lixo.

C. Dei um donativo para o Banco Alimentar.

D. Engasguei-me a beber coca-cola.

2. Actos Humanos E. O meu avô ressona muito à noite.

F. Estava tanto calor que viemo-nos embora.

69

Grupo II

2. Responda de forma clara e sucinta às seguintes questões

2.1 As questões filosóficas têm um carácter aberto ou fechado? Justifique a sua

resposta.

As questões filosóficas têm um carácter aberto pois não têm uma única

resposta objectiva. É possível, e mesmo desejável, que existam várias hipóteses de

resposta que se confrontem através da actividade argumentativa

2.2 Qual é a diferença entre actos voluntários e actos involuntários?

Um acto voluntário é um acto que resulta de um processo com quatro

momentos: concepção, deliberação, decisão e acção. Um acto involuntário é um

acto espontâneo e irreflectido.

2.3 Quais são os diferentes tipos de determinismo?

Os diferentes tipos de determinismo são:

- Determinismo Físico (leis físicas regem o comportamento humano);

- Determinismo Biológico (códigos biológicos determinam a conduta

humana);

- Determinismo Psicológico (personalidade e carácter psicológico de cada

ser humano levam o Homem a decidir desta ou daquela maneira);

- Determinismo Sociológico (regras sociais condicionam

determinantemente a acção humana);

- Determinismo Religioso (Deus continua a governar o Mundo depois da

sua criação, não concedendo liberdade ao ser humano).

70

2.4 Quais são os diferentes tipos de liberdade?

Os diferentes tipos de liberdade são:

- Liberdade Física (possibilidade de dar livre curso a actividades

corporais);

- Liberdade Biológica (saúde e bom funcionamento orgânico);

- Liberdade Psicológica (capacidade de escolher uma entre várias

alternativas);

- Liberdade Sociológica (liberdade concedida ao indivíduo pela sociedade

em que está inserido);

- Liberdade Religiosa (dois sentidos: possibilidade de se escolher que

religião seguir, ou não seguir nenhuma; e, independentemente de se

aceitar que Deus criou o Mundo ou não, o Homem é responsável pelas

suas acções).

-

Grupo III

2. Elabore um pequeno texto argumentativo que aborde o seguinte problema:

- Se sou completamente determinado, não sou livre. No entanto, sinto que sou

livre em muitas decisões que tomo. Como posso compatibilizar este

sentimento de liberdade com as condicionantes físico-biológicas e histórico-

culturais que influenciam a minha acção?

-

Não podemos dizer que somos totalmente livres, pois não podemos fazer

tudo o que nos apetece. No entanto, parece que também não somos absolutamente

determinados por forças extrínsecas a nós mesmos. Desta forma, talvez seja

plausível afirmar que a nossa liberdade começa onde as condicionantes exteriores

à nossa vontade própria (condicionantes físicas, biológicas, psicológicas,

sociológicas, religiosas ou morais) terminam. Ou seja, dentro de determinados

parâmetros que não permitem uma liberdade absoluta, há espaço para decisões e

acções livres.

71

Ver Planificações de Aulas dos dias 25 e 30.54

Roteiro 30 de Novembro de 2009

Aula nº 21

Sumário: Análise e compreensão da experiência valorativa: valores, valoração e a

bipolaridade dos valores.55

1. Análise e compreensão da experiência valorativa

• Exercício de Brainstorming sobre o que são os valores

• Leitura e comentário do Texto da p. 87 do Manual

1.1 Valores e valoração

• Estamos constantemente a atribuir valor a tudo o que nos rodeia.

• O valor não é algo que pertence à coisa que se está a valorar, é algo que é atribuído

por um sujeito a essa mesma coisa.

Axiologia – disciplina filosófica que estuda os valores. Etimologicamente deriva da

palavra grega axios que significa o que é precioso.

54 Na versão digital, as planificações de aulas dos dias 25 e 30 de Novembro de 2009, encontram-se na pasta de documentos Word.

55 PowerPoint utilizado nesta aula – Anexo 4, p. 119.

72

• Análise do esquema da p. 89 do manual.

Juízos de Facto – Afirmações que descrevem objectivamente a realidade, sem

acrescentar qualquer interpretação, comentário ou opinião pessoal.

Ex. Lisboa é a capital de Portugal

Ontem assisti a um concerto na Casa da Música

Juízos de Valor – Enunciados que traduzem o que valem as coisas para determinado

sujeito, seja em função da utilidade, da estética, da moral ou de qualquer outro critério

valorativo.

Ex. Copiar nos testes é mau.

A discriminação racial é a pior das atitudes.

• Realização da actividade da p. 91 do Manual.

1.2 Bipolaridade dos valores

• O Homem, desejavelmente, sente atracção pelos valores positivos e repulsa pelos

valores negativos.

• A um valor positivo corresponde sempre um negativo e vice-versa.

Bipolaridade – Circunstância de cada valor oscilar entre dois pólos, isto é, de um valor

positivo se colocar simetricamente em relação a um valor negativo que é o seu

contrario.

• Análise do esquema da p. 92 do Manual.

73

• Realização do Projecto de Grupo.

A turma é dividida em grupos, ficando cada grupo responsável pela leitura,

comentário e apresentação de um dos textos distribuídos. A apresentação é feita de

memória, sem recurso a qualquer ferramenta de apoio. Todos os elementos do grupo

devem falar.

74

Texto 1

O que são os valores?

Os valores não existem por si mesmos: necessitam de um depositário sobre o

qual descansam – beleza de um quadro, elegância de um vestido ou utilidade de uma

ferramenta, por exemplo.

Os valores não são coisas nem elementos das coisas, são qualidades que um

sujeito atribui a coisas. (...)

Uma característica fundamental dos valores é a sua bipolaridade. Enquanto as

coisas são o que são, os valores apresentam-se desdobrados num valor positivo e o

correspondente negativo. Assim a beleza opõe-se à fealdade, o mal ao bem (...) A

bipolaridade implica a ruptura com a indiferença. Frente aos objectos do mundo físico

podemos ser indiferentes. Pelo contrário, quando a esses objectos de incorpora um

valor, a indiferença é impossível. Não há obra de arte que seja neutra, nem pessoa que

se mantenha indiferente ao escutar uma sinfonia, ao ler um poema ou a ver um quadro.

Frondizi, Que son los Valores?

(Texto adaptado)

75

Texto 2

Quais as características dos valores?

Em primeiro lugar, o valor situa-se na ordem ideal e não na dos objectos

concretos ou dos acontecimentos.

Durkheim estabelecia a distinção entre juízos de facto e juízos de valor. Os

primeiros são juízos que dizem o que é ou como é a realidade. Em contrapartida, os

juízos de valor dizem respeito à qualidade das coisas ou ao apreço que se lhes atribui.

Quando digo que certos acontecimentos são felizes, estou a fazer um juízo de valor.

Mas se os valores são inspiradores dos juízos, são-no igualmente das condutas. Esta é

uma segunda característica ligada aos valores.

A terceira característica dos valores que ressalta da nossa definição é a sua

relatividade. Os valores são sempre específicos de uma sociedade; são-no também de

um tempo histórico, portanto variam não só no tempo como duma sociedade para outra.

Referimo-nos agora a uma quarta característica dos valores. A adesão a um valor

não resulta, regra geral, de um movimento exclusivamente racional e lógico, mas antes

duma mistura de raciocínio e de intuição espontânea, na qual a afectividade desempenha

um papel importante. (...)

Guy Rocher, Sociologia Geral.

(Texto adaptado)

76

Texto 3

Quais os valores da nossa sociedade?

A nossa sociedade actual está toda montada em torno de uma catastrófica

interpretação do famoso “Aproveita a vida” (carpe diem) de Horácio (poeta latino 65 –

8 a.C.).

Com efeito, aquilo que para o poeta consistia num apelo à vida autêntica, num

convite à capacidade para intensificarmos a realização dos nossos possíveis, numa vida

boa em sentido pleno, tornou-se, na interpretação contemporânea fomentada pela

moderna tecnologia, numa intensificação do supérfluo e de padrões homogeneizadores

da existência.

O que vale não é o que torna as pessoas interiormente mais ricas, o que amplia o

seu desempenho como cidadãos válidos. O que vale é o que permite o aumento do PIB

(Produto Interno Bruto), da produção, do crescimento. O que idolatramos

colectivamente é o que permite maior aquisição de bens materiais, férias em locais

longínquos, de preferência só acessíveis de avião e carros com motores mais potentes.

Viriato S. Marques, Jornal de Letras, ano XVI, nº667.

(Texto adaptado)

77

Texto 4

Crise de valores

A crença num progresso indefinido, tido até agora como um dogma intocável, já

não é admissível; há quem entreveja que a civilização ocidental em vez de continuar

sempre a desenvolver-se no mesmo sentido, poderá muito bem chegar um dia a um

ponto de paragem.

É preciso perceber que esta civilização não ocupa nenhum lugar privilegiado na

história do mundo e que pode ter a mesma sorte de tantas outras que já desapareceram

em épocas mais ou menos distantes, e de que apenas ficaram traços ínfimos, vestígios

dificilmente perceptíveis ou identificáveis.

Portanto, se se diz que o mundo moderno está em crise, quer dizer que ele

chegou a um ponto critico, que é preciso uma mudança de orientação, de bom grado ou

à força, de maneira mais ou menos brusca, com ou sem catástrofe.

René Guénon, La crise du Monde Moderne

(Texto adaptado)

78

Texto 5

Quais os valores positivos contemporâneos?

No passado os homens tinham certezas religiosas e morais. Toda a vida

individual e social estava organizada em redor dessas crenças sagradas. Contudo, as

grandes revoluções culturais contemporâneas, a libertação sexual e o feminismo,

fizeram desaparecer muitas crenças e muitas normas imutáveis.

Muitos pensadores constatam que o pensamento progressista hoje triunfa, mas

como que despojado de valores. Ensina a não ser fanático, a ser tolerante, racional, mas,

ao fazê-lo, aceita um pouco de tudo, o consumismo, a superficialidade da moda, o vazio

da televisão. Não consegue, sobretudo, fazer despontar nos indivíduos, uma chama que

vá para além do mero bem-estar. Não sabe fornecer critérios do bem e do mal, do justo

e do injusto. Desta forma, tudo se reduz à opinião e à conveniência pessoais.

No entanto, a nossa sociedade defende as crianças, os velhos, os doentes;

combate os preconceitos raciais; favoreceu a ciência e difundiu a instrução; tornou-nos

mais compreensivos das necessidades dos outros, mais civilizados, mais amáveis.

Sabemos que é nosso dever acabar com a miséria, com a fome, com os desastres

provocados pelas doenças.

Talvez sejamos hipócritas mas damo-nos conta de que os desastre sociais e

naturais são produto do nosso egoísmo individual e colectivo.

Francesco Alberoni e Salvatore Veca, O Altruísmo e a Moral

(Texto adaptado)

79

Ver Planificação de Aula.56

Roteiro 2 de Dezembro de 2009

Aula nº 22

Sumário: Análise e compreensão da experiência valorativa: a hierarquia dos valores e

os critérios valorativos. Entrega e correcção dos testes sumativos.57

1. Análise e compreensão da experiência valorativa

1.1 Hierarquia dos valores

• Cada pessoa estabelece a sua própria escala de valores em função das suas

prioridades.

Hierarquia – Propriedade dos valores segundo a qual se subordinam uns aos outros

em função da valiosidade que cada um tem para o sujeito.

Hierarquização dos valores ÖÖÖÖ Definição de critérios

• Teoria das necessidades de Maslow (Análise do esquema da p. 95 do Manual)

Relatividade dos valores – a nível individual, está presente na mobilidade dos valores

dentro da escala hierárquica que cada um estabelece em função do momento, das

circunstâncias e daquilo que pretende atingir.

1.2 Critérios Valorativos

• Os valores variam em função do grupo social e da cultura.

Diversidade de culturas ÖÖÖÖ Variabilidade de condutas ÖÖÖÖ Não-uniformidade dos

valores

• Critérios valorativos não são indiferentes à passagem do tempo.

56 Na versão digital, a planificação da aula de dia 2 de Dezembro de 2009, encontra-se na pasta de documentos Word.

57 PowerPoint utilizado nesta aula – Anexo 5, p. 120.

80

Relatividade dos valores – a nível colectivo, está presente na variabilidade das escalas

estabelecidas de acordo com a época histórica, a cultura, o lugar e o grupo

civilizacional.

1.2.1 Critérios trans-subjectivos

• Transcendem o âmbito pessoal e regional.

Aldeia Global ÖÖÖÖ Procura conjunta, à escala planetária, de resolução para os

problemas que a todos afectam.

1.2.1.1 Critério da dignidade humana

“Quando uma coisa tem preço pode pôr-se, em vez dela, qualquer

outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima

de qualquer preço e, portanto, não permite equivalentes, então ela

tem dignidade.”

Immanuel Kant

Declaração Universal dos Direitos do Homem:

- Direito à vida e à saúde;

- Direito à não-discriminação;

- Proibição de tratamentos cruéis e degradantes;

- Respeito pela privacidade e pela vida familiar.

1.2.1.2 Critério da fundamentação consensual

• Segundo este critério, possui valor aquilo em que todos estão de acordo.

Objectivo – Chegar a um consenso quanto ao que deve ou não ser feito.

1.2.1.3 Critério da democracia

• Uma sociedade perfeita em que todos os seus membros estejam de acordo é uma

utopia, logo tem valor aquilo que for compartilhado de modo mais amplo.

• O valor será o que contribui para o maior bem do maior número de pessoas e

provocar menos mal ao menor número delas.

81

• Realização do exercício da p. 99 do Manual.

2. Entrega e correcção dos Testes Sumativos

• A correcção dos testes será disponibilizada no moodle, pelo que a correcção em aula

se efectuará lendo as repostas mais cotadas de cada pergunta.

82

Ver Planificação Geral 2 e Planificação de Aula.58

Roteiro 17 de Maio de 2010

Aula nº 59

Sumário: Responsabilidade Ecológica: os direitos da natureza.59

• Porque falar de responsabilidade ecológica? (lançar a pergunta à turma)

• A acção humana no planeta terra tem vindo a destruir o equilíbrio ecológico natural.

(Exemplos: poluição, esgotamento dos recursos naturais, desflorestação)

• De forma a solucionar problemas como os apontados é necessário fomentar a

consciência ecológica. Esta consistiria na capacidade de agir em sintonia com a

prevenção dos excessos e assegurar a continuidade da vida e dos recursos naturais.

Assim, o Homem pode/deve:

a) Sacrificar alguns interesses imediatos para salvaguardar o bem comum.

b) Diminuir o egoísmo individual e indiferente ao que o rodeia.

c) Estimular o respeito e a responsabilidade pela Natureza.

d) Promover novas atitudes e comportamentos perante a crise ecológica.

• Ora, hoje em dia é relativamente pacífica a posição de que é necessário ter em conta as

implicações que a acção humana pode ter no equilíbrio natural. (Exemplo: separação do

lixo)

• No entanto, deve ser tida em atenção a diferença quantitativa e qualitativa da

consciência ecológica entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos.

Mas por que se deve preservar o ambiente?

1. Concepção antropológica da preservação da natureza

58 Na versão digital, a Planificação Geral 2 10ºF e a planificação da aula do dia 17 de Maio de 2010, encontram-se na pasta de documentos Word.

59 PowerPoint utilizado nesta aula – Anexo 6, p. 121.

83

Ainda que muitas vezes não tenha consciência disso, o Homem depende do equilíbrio

natural para que possa sobreviver; neste sentido, para que a vida humana tenha

continuidade no planeta terra, torna-se necessário tomar conta deste último de forma a

não destruí-lo.

Argumento das gerações futuras:

“Não ponhas em perigo as condições de uma perpetuação indefinida da

humanidade na Terra.”

Hans Jonas

• O que ainda não existe pode ser sujeito de direitos?

• Podemos ser responsabilizados pelo mal que não impedimos ou que não tentámos

impedir?

• Se a resposta é afirmativa, trata-se de uma concepção antropológica de preservação da

natureza pois, dada a ameaça da tecnociência, a presença humana no planeta deixou de

ser um dado inquestionável. Neste caso, o ser humano é a razão principal que

fundamenta a necessidade de preservação.

2. Concepção do valor intrínseco da natureza

Valor intrínseco – o valor de uma coisa reside nessa mesma coisa (Felicidade, por

exemplo)

Valor instrumental – o valor de uma coisa reside na utilidade que tem para algo

exterior a essa mesma coisa (dinheiro, por exemplo)

Natureza – valor intrínseco ou valor instrumental?

• Se tem um valor intrínseco, ou seja, tem um valor próprio, independente da sua

utilidade para a humanidade; então deve ser respeitada pelo que é e não por ter interesse

para alguém; tem, portanto, direitos próprios.

84

Direito autónomo da natureza (Hans Jonas) – há um dever prioritário (proteger e

salvaguardar a bioesfera) e uma consequência que do seu cumprimento pode decorrer

(salvaguardar as gerações futuras)

• Leitura e comentário (em forma de texto argumentativo) do Texto 1.

85

Texto 1

O ambiente

“Um rio serpenteia por entre ravinas cobertas de floresta e gargantas escarpadas

em direcção ao mar. A comissão hidroeléctrica estatal considera as quedas de água

energia não aproveitada. A construção de uma barragem numa das gargantas

proporcionaria trabalho durante três anos a 1000 pessoas e emprego a longo prazo para

20 ou 30. A albufeira armazenaria água suficiente para garantir que o estado satisfaria

de forma económica as suas necessidades energéticas na década seguinte. Esta situação

fomentaria o estabelecimento de indústrias de energia intensiva, contribuindo assim

ainda mais para o emprego e crescimento económico.

O terreno acidentado do vale do rio só permite o acesso a pessoas de razoável

condição física, mas é, apesar de tudo, um lugar predilecto dos que gostam de passear

pelo bosque. O próprio rio atrai os mais ousados praticantes de desportos radicais, como

o rafting. No coração dos vales abrigados encontravam-se manchas de uma espécie rara

de pinheiros, tendo muitas das árvores uma idade superior a 1000 anos. Os vales e

desfiladeiros abrigam muitos animais aves, incluindo uma espécie em perigo de rato

marsupial, que raramente se vê fora do vale. Pode haver também muitos outros animais

e plantas raros, mas ninguém sabe ao certo porque os cientistas ainda não estudaram a

região a fundo.”

Peter Singer, Ética Prática

Será que se deve construir a barragem?

Responda à pergunta em forma de texto argumentativo.

Ver Correcção dos Projectos Individuais60

60 Na versão digital, a Correcção dos Projectos Individuais 2 encontra-se na pasta de documentos Excel.

86

Ver Planificação de Aula.61

Roteiro 19 de Maio de 2010

Aula nº 60

Sumário – A responsabilidade ecológica segundo Hans Jonas.

Ecologia Profunda.62

Hans Jonas, filósofo alemão (1903-1993)

Princípio de Responsabilidade

- A acção das gerações humanas actuais deve ter um sentido fundamental:

assegurar a possibilidade de uma existência digna às gerações futuras

mediante a salvaguarda da qualidade de vida.

• Qual é o nosso dever no momento actual para que essa finalidade se cumpra?

Antecipar as consequências eventualmente nefastas do nosso poder científico-

tecnológico e impor-lhes limites.

• Três exigências fundamentais são colocadas a quem age e decide:

1- Formar uma ideia dos efeitos longínquos da actividade tecnológica.

2- Mobilizar as populações para o sentimento de perigo – A vida humana com

um mínimo de qualidade está a médio prazo ameaçada.

3- Os políticos e os homens de ética devem insistir, nas suas posições públicas,

nos efeitos negativos futuros do nosso comportamento actualmente

irresponsável, em vez de adoptarem um optimismo pateta ou suicida. O

diagnóstico negativo deve prevalecer sobre o diagnóstico positivo.

• Três ideias importantes no sistema ecológico de Hans Jonas:

61 Na versão digital, a planificação da aula de dia 19 de Maio de 2010, encontra-se na pasta de documentos Word.

62 PowerPoint utilizado nesta aula – Anexo 7, p. 122.

87

1- A ideia de responsabilidade ecológica não corresponde a um contrato entre

iguais (a natureza depende de nós – podemos destruí-la ou preservá-la).

2- A responsabilidade não é acerca destes ou daqueles indivíduos, mas da ideia

de ser humano na natureza, isto é, somos responsáveis pela possibilidade real

de continuidade da espécie humana como membro do mundo natural.

3- Trata-se de uma responsabilidade colectiva que vale para as gerações actuais,

mas também para as futuras, embora pareça mais premente agora. Não se

trata somente de agora assegurarmos a possibilidade de haver seres humanos

no futuro. Esses seres humanos futuros também terão, por sua vez, de

assumir a responsabilidade de deixar aos vindouros uma Terra habitável.

Leitura e comentário do Texto 1.

• Para além dos direitos da natureza, o homem tem deveres para com a natureza.

Ecologia profunda

• Os direitos da natureza são absolutos: temos de a respeitar unicamente por ela própria

e não pela utilidade que tem para o ser humano.

“Três princípios fundamentais:

1- O bem-estar e o desenvolvimento da vida na Terra, humana e não humana,

têm valor em si, ou seja, valor intrínseco ou inerente. Estes valores são

independentes da utilidade do mundo não humano para finalidades humanas.

2- A riqueza e a diversidade de formas de vida contribuem para a realização

desses valores e também são valores em si.

3- Os seres humanos não têm o direito de reduzir esta riqueza e diversidade

excepto para satisfazer necessidades vitais.”

Peter Singer, Ética Prática

(texto adaptado)

88

• Posição extremista de Thomas Berry (partidário de uma das mais importante

associação ambientalista norte americana – Sierra Club Express)

- “A humanidade é uma aflição para o mundo... a sua existência representa uma

violação dos aspectos mais sagrados da Mãe Terra.”

89

Texto 1

A responsabilidade ecológica segundo Hans Jonas

“A natureza como responsabilidade do Homem é certamente uma novidade

sobre a qual a teoria ética deve meditar. Que tipo de obrigações é decente ter para com

ela?

(...) A perspectiva científica dominante acerca da Natureza recusa-nos em

absoluto o direito teórico de considerar a Natureza como uma coisa digna de respeito,

tendo-a reduzido à indiferença do acaso e da necessidade e tendo-a desagregado de

qualquer finalidade que seja valorizada. (...)

Mesmo que a obrigação a respeito do homem continue ainda a ter um valor

absoluto, ela não deixa agora de incluir a natureza como condição da sua própria

sobrevivência e como um dos elementos da sua integralidade existencial. Agora vamos

mais longe e dizemos que a solidariedade de destino entre o homem e a natureza,

solidariedade redescoberta através do perigo, nos faz igualmente redescobrir a

dignidade autónoma da natureza e nos exige o respeito pela sua integridade,

ultrapassando a perspectiva meramente utilitária.”

Hans Jonas, Princípio de Responsabilidade

90

Teste Sumativo

(matriz, teste, correcção e resultados)

91

Matriz do 2º Teste Sumativo

10ºano

Unidades Programáticas:

Iniciação à actividade filosófica

A acção humana e os valores

CONTEÚDOS OBJECTIVOS

1. Abordagem introdutória à

Filosofia e ao filosofar

1.1 O que é a Filosofia?

1.2 Quais são as questões da

Filosofia? – alguns exemplos

1.3 A dimensão discursiva do

trabalho filosófico

2. A acção humana – análise e

compreensão do agir

2.1 A rede conceptual da acção

2.2 Determinismo e liberdade na

acção humana

Caracterizar a filosofia como actividade crítica, interrogativa e problematizadora

Apresentar a definição etimológica de filosofia

Saber distinguir questões filosóficas de não filosóficas

Compreender a estrutura de um texto argumentativo

Identificar os elementos integrantes do texto argumentativo

Distinguir actos do Homem de actos humanos

Identificar as características da acção humana

Descrever os elementos e os momentos fundamentais da acção humana

Explicar o que significa determinismoExplicar o que significa ser livre

Caracterizar os vários tipos de determinismo e de liberdade

Explicar as condicionantes físico-biológicas e histórico-culturais

Reconhecer a acção como espaço para a liberdade do agente

92

Estrutura do Teste Sumativo

Grupos Questões e Respostas Cotações

Grupo I

10 (Dez) questões de respostas múltipla ou de

respostas verdadeiro/falso

10 (questões)

X

0,8 (valores)

=

8 valores

Grupo II

3 (três) questões de resposta objectiva e curta

3 (questões)

X

2 (valores)

=

6 valores

Grupo III

2 (duas) questões de desenvolvimento

2 (questões)

X

3 (valores)

=

6 valores

Total 20 valores

93

Competências a avaliar no Teste Sumativo

Grupos Competências

Grupo I

Testa conhecimentos e compreensão de conceitos

Grupo II

Testa capacidade de relacionar e explicar

Grupo III

Testa capacidade de elaboração de um texto argumentativo

Critérios Gerais de Correcção

Nas questões de escolha múltipla, o critério é certo ou errado. Serão atribuídos zero valores aos itens em que a letra se apresente ilegível e sempre que a resposta estiver incorrecta.

Nas questões de resposta por extenso 80% da pontuação é atribuída aos conteúdos programáticos expressos e 20% da pontuação é atribuída à forma como a resposta estiver estruturada: clareza e sequência lógica das ideias.

Haverá descontos sempre que os critérios supra mencionados não sejam observados.

94

2º Teste Sumativo

10ºF

Grupo I

1. Classifique as seguintes frases de verdadeiras ou falsas:

1.1 As questões filosóficas distinguem-se das questões científicas, quer pelo

método utilizado, quer pelo ponto de vista em que as questões são

analisadas.

1.2 Perguntar se, moralmente, a mulher tem direito a abortar é uma questão

filosófica.

1.3 A filosofia investiga temáticas sobre as quais, tendencialmente, se verifica

um consenso.

1.4 Não há uma grande diferença entre acontecer e agir pois aquilo que ocorre,

independentemente da vontade, também é uma acção.

1.5 A experiência das condicionantes e dos limites impostos à nossa liberdade

significa que não somos livres, ou seja, que somos completamente

determinados por causas que não controlamos.

1.6 O determinismo biológico defende que o Homem está submetido a códigos

biológicos que lhe determinam a conduta.

1.7 As condicionantes histórico-culturais da acção humana mantêm-se

inalteradas ao longo do tempo.

1.8 Nem tudo o que fazemos é agir humano.

2. Escolha a hipótese correcta:

2.1 A liberdade psicológica diz respeito:

i) à capacidade de sermos como queremos.

j) à capacidade de escolher uma entre várias alternativas que se oferecem.

k) às condições que permitem a realização das liberdades individuais.

l) à possibilidade de dar livre curso à actividade corporal.

95

2.2 Segundo determinismo religioso:

a) Deus conferiu ao homem o poder de decidir os seus actos.

b) Deus só está presente na acção dos homens que seguem uma religião.

c) o ser humano é responsável pelas suas acções.

d) o querer humano é determinado pela vontade divina.

Grupo II

Leia atentamente o texto que se segue.

“Os animais (...) não podem evitar ser como são e fazer aquilo que naturalmente

estão programados para fazer. Não se lhes pode censurar que o façam nem aplaudi-los

pelo que fazem, porque não podem comportar-se de outro modo. (...) nós, homens,

também estamos programados pela natureza. Estamos feitos para beber água e não

lixívia, (...). Mas por muito apertados que nos vejamos pelas circunstâncias, nunca

temos um só caminho a seguir, mas sempre vários. Não somos livres de escolher o que

nos acontece (...), mas somos livres de responder desta maneira ou daquela ao que nos

acontece.”

Fernando Savater, Ética para um jovem

Responda de forma clara e sucinta às seguintes questões:

1. O autor assume uma posição determinista? Justifique a sua resposta.

2. Segundo o autor, porque são os homens diferentes dos animais?

3. Porque não somos livres de decidir o que nos acontece mas somos livres de

responder ao que nos acontece?

Grupo III

1. Comente, justificando a sua posição, a seguinte pergunta: sou ou não sou livre?

2. Elabore um pequeno texto argumentativo sobre a compatibilidade ou

incompatibilidade entre o determinismo e a liberdade.

96

Correcção do 2º Teste Sumativo

10ºF

Grupo I

1. Classifique as seguintes frases de verdadeiras ou falsas:

1.1 As questões filosóficas distinguem-se das questões científicas, quer pelo

método utilizado, quer pelo ponto de vista em que as questões são

analisadas. V

1.2 Perguntar se, moralmente, a mulher tem direito a abortar é uma questão

filosófica. V

1.3 A filosofia investiga temáticas sobre as quais, tendencialmente, se verifica

um consenso. F

1.4 Não há uma grande diferença entre acontecer e agir pois aquilo que ocorre,

independentemente da vontade, também é uma acção. F

1.5 A experiência das condicionantes e dos limites impostos à nossa liberdade

significa que não somos livres, ou seja, que somos completamente

determinados por causas que não controlamos. F

1.6 O determinismo biológico defende que o Homem está submetido a códigos

biológicos que lhe determinam a conduta. V

1.7 As condicionantes histórico-culturais da acção humana mantêm-se

inalteradas ao longo do tempo. F

1.8 Nem tudo o que fazemos é agir humano. V

2 Escolha a hipótese correcta:

2.1 A liberdade psicológica diz respeito:

a) à capacidade de sermos como queremos.

b) à capacidade de escolher uma entre várias alternativas que se

oferecem.

c) às condições que permitem a realização das liberdades individuais.

d) à possibilidade de dar livre curso à actividade corporal.

97

2.2 Segundo determinismo religioso:

a) Deus conferiu ao homem o poder de decidir os seu actos.

b) Deus só está presente na acção dos homens que seguem uma religião.

c) o ser humano é responsável pelas suas acções.

d) o querer humano é determinado pela vontade divina.

Grupo II

Leia atentamente o texto que se segue.

“Os animais (...) não podem evitar ser como são e fazer aquilo que naturalmente

estão programados para fazer. Não se lhes pode censurar que o façam nem aplaudi-los

pelo que fazem, porque não podem comportar-se de outro modo. (...) nós, homens,

também estamos programados pela natureza. Estamos feitos para beber água e não

lixívia, (...). Mas por muito apertados que nos vejamos pelas circunstâncias, nunca

temos um só caminho a seguir, mas sempre vários. Não somos livres de escolher o que

nos acontece (...), mas somos livres de responder desta maneira ou daquela ao que nos

acontece.”

Fernando Savater, Ética para um jovem

Responda de forma clara e sucinta às seguintes questões:

e) O autor assume uma posição determinista? Justifica a tua resposta.

Fernando Savater não assume uma posição determinista pois defende que,

apesar de estarmos condicionados tanto biologicamente como culturalmente,

há sempre espaço para escolher entre várias alternativas, ou seja, há espaço

para a liberdade.

f) Segundo o autor, porque são os homens diferentes dos animais?

Segundo o autor os homens são diferentes dos animais pois estes não têm

possibilidade de escolha, ou seja, fazem aquilo para que estão programados

98

biologicamente. Por outro lado, o Homem, ainda que também determinado

biologicamente, tem a capacidade de agir livremente.

g) Porque não somos livres de decidir o que nos acontece mas somos livres

de responder ao que nos acontece?

Aquilo que nos acontece não depende de nós mesmos, ou seja, é produto de

causas exteriores à nossa vontade. No entanto, perante o que nos acontece

podemos reagir de diferentes formas. Ora, a decisão sobre de que maneira

devemos agir é um exercício de liberdade.

Grupo III

3. Comente, justificando a sua posição, a seguinte pergunta: sou ou não sou livre?

Não podemos dizer que somos totalmente livres, pois não podemos fazer tudo o

que nos apetece. No entanto, parece que também não somos absolutamente

determinados por forças extrínsecas a nós mesmos. Desta forma, talvez seja

plausível afirmar que a nossa liberdade começa onde as condicionantes exteriores

à nossa vontade própria (condicionantes físicas, biológicas, psicológicas,

sociológicas, religiosas ou morais) terminam. Ou seja, dentro de determinados

parâmetros que não permitem uma liberdade absoluta, há espaço para decisões e

acções livres.

4. Elabore um pequeno texto argumentativo sobre a compatibilidade ou

incompatibilidade entre o determinismo e a liberdade.

O determinismo é uma teoria filosófica que nega a liberdade do ser humano, o

qual se sujeita, tal como os demais seres da natureza, ao carácter fixo e inalterável

das leis. Há várias formas de determinismo e em todas elas o homem aparece sem

vontade própria, pelo que não é o verdadeiro autor dos seus actos. Por outro lado,

a liberdade pode ser definida como a faculdade de se determinar conscientemente

99

em favor desta ou daquela escolha, sem constrangimento e em virtude apenas da

sua vontade e de boas razões.

As duas posições parecem incompatíveis, no entanto, pode encontrar-se

uma terceira via em que o determinismo é aceite em certa medida, ou seja, aceita-

se que existem condicionantes que influenciam o nosso comportamento mas que

não o determinam completamente, deixando espaço para a liberdade do agente.

Ver Grelha de Correcção.63

63 Na versão digital, a Grelha de Correcção do Teste Sumativo encontra-se na pasta de documentos Excel.

100

Apreciação crítica do percurso efectuado

101

Num primeiro encontro com a professora cooperante na Escola Secundária

Manuel Cargaleiro, realizou-se a calendarização das aulas para este ano lectivo, assim

como me foram entregues os testes de diagnóstico e os inquéritos de caracterização do

perfil do aluno das duas turmas a que iria leccionar. Pedi também à professora que me

deixasse assistir a uma aula de cada turma de modo a entrar em contacto com os alunos

antes de iniciar a actividade docente.

Tanto o tratamento de dados tanto dos testes de diagnóstico como o dos

inquéritos permitiu-me ter uma ideia do material humano com que me iria deparar. A

turma de 10º ano com quem tive o prazer de trabalhar, ainda que com a agitação própria

da idade, é bastante interessada e participativa, pelo que ensinar neste contexto é muito

gratificante. No entanto, o grande obstáculo com que me deparei consiste na dificuldade

que os alunos demonstram em expressar de forma compreensível e organizada as ideias

e pensamentos que lhes ocorrem. Nesse sentido, foram privilegiadas actividades que

obriguem os alunos a responder desenvolvidamente e por palavras próprias determinado

assunto.

Penso que os objectivos estabelecidos aquando da análise do perfil da turma –

desenvolvimento das capacidades de compreensão e expressão escrita, assim como das

capacidades de conceptualização e abstracção - foram atingidos visto que os resultados

dos segundos Testes Sumativos foram muito superiores aos do teste anterior. Claro está

que estes bons resultados não foram unicamente resultado das semanas de aulas que

leccionei, mas sim do excelente trabalho que a Professora Antónia Neves desenvolveu

desde início com os alunos.

O esquema adoptado para a planificação das aulas revelou-se bastante profícuo

na ocupação dos noventa minutos, tornando as aulas dinâmicas, evitando ao máximo a

monotonia e o aborrecimento. As planificações elaboradas previamente foram quase

sempre cumpridas salvo um ou outro caso em que o que estava previsto terminou antes

do final da aula, o que obrigou à improvisação de uma ou outra actividade de

consolidação de conhecimentos; ou num caso em que se teve de continuar na aula

seguinte um exercício que, por falta de tempo, não se pôde terminar.

Além da leccionação, a professora cooperante desafiou-me, sempre sob sua

supervisão, a conceber os Testes Sumativos passando por todos os passos que levam à

sua realização – matrizes, Testes Formativos, Testes Sumativos e correcção. Esta

102

trabalhosa actividade foi muito enriquecedora para a minha formação e permitiu-me

acompanhar a continuidade do processo de leccionação e avaliação de uma forma mais

activa. Para a realização desta tarefa, foi preciosa a ajuda da Professora Cooperante que

se mostrou sempre disponível e cuja particular organização das aulas e das actividades

foi também essencial para que a tarefa em causa fosse cumprida da melhor forma. Creio

que o mais surpreendente foi a quantidade de tempo necessária para a realização desta

tarefa e a dificuldade tanto no que diz respeito à concepção das perguntas como na parte

referente à correcção dos testes. No entanto, assim como se pode verificar no capítulo

referente ao Teste Sumativo, creio que a trabalhosa tarefa foi conseguida de uma forma

bastante positiva, nomeadamente no que diz respeito aos resultados obtidos, visto que

estes foram muito satisfatórios, o que não pode deixar de ser motivo de orgulho para um

professor.

No que concerne à matéria a leccionar – Acção Humana e Valores – senti-me

bastante confortável. Esta unidade é a que me parece mais interessante em todo o

programa de Filosofia, tendo sido, por isso mesmo, a unidade que escolhi trabalhar para

o relatório final do Mestrado em Ensino. Além disso, sendo uma temática que tem que

ver com o quotidiano de todos os seres humanos e sendo a turma de 10º ano muito

participativa e interessada, as aulas forma dadas com muito gosto e os resultados destas

foram também muito positivos.

Creio que os objectivos a cumprir nas disciplina de Introdução à Prática

Profissional III e IV foram atingidos e o período mais longo de leccionação,

relativamente ao do ano passado, foi fonte de grande prazer e consolidou a certeza de

que este Mestrado em Ensino foi uma óptima opção a seguir depois da licenciatura.

Pude comprovar que ensinar é uma das mais nobres actividades a que um ser humano se

pode dedicar; é muito gratificante ver os efeitos positivos que resultam da interacção

professor-aluno, tanto para o que ensina como para o que aprende, não só a nível de

conhecimentos mas principalmente no que diz respeito à formação pessoal de cada

indivíduo.

103

Bibliografia

104

Bibliografia Principal64

ABRUNHOSA, Maria Antónia, LEITÃO, Miguel, Um outro olhar sobre o mundo,

Lisboa, Asa, 2009.

BARROS, Mª do Rosário, HENRIQUES, Fernanda, VICENTE, Joaquim Neves,

Programa de Filosofia - 10º e 11º Anos, coordenação Maria Manuela Bastos Almeida,

Ministério da Educação, 2001.

Baruch ESPINOSA, Ética, I, XXIX, Tradução Joaquim de Carvalho, Lisboa, Relógio

D’água Editores, 1992.

BERGSON, Henri, Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, cap. III, Tradução

João da Silva Gama, Lisboa, Edições 70, 1988.

CERLETTI, Alejandro, O Ensino de Filosofia como problema filosófico, Tradução

Ingrid Muller Xavier, Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2009.

DESCARTES, Os princípios da filosofia, I, 39, Tradução Leonel Ribeiro dos Santos,

Lisboa, Editorial Presença, 1995.

HERBART, J. F., Pedagogia Geral, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.

JONAS, Hans, The Imperative of Responsibility, Chicago, The University of Chicago

Press, 1984.

KANT, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Tradução de Paulo

Quintela, Porto, Porto Editora, 1995.

64 Bibliografia citada.

105

La enseñansa de la filosofia en perspectiva, Compilado por Alejandro Cerletti, Buenos

Aires, Eudeba, 2009.

LAPLACE, Pierre Simon, Ensayo filosófico sobre las probabilidades, Introdução e

tradução de Alfredo B. Besio e José Banfio, Edição Espasa-Calpe, Buenos Aires, 1947.

MALEBRANCHE, De la recherche de la véritée, Paris, Vrin, 1991.

MILL, Stuart, Utilitarismo, Tradução Pedro Galvão, Porto, Porto Editora, 2005.

SAVATER, Fernando, Ética para um Jovem, Lisboa, Presença, 2003.

SCHELER, Max, Da reviravolta dos Valores, Tradução Marco António dos Santos

Casa Nova, Petrópolis - RJ, Vozes, 1994.

SEARLE, John, Mente, Cérebro e Ciência, Tradução Artur Morão, Lisboa, Edições 70,

1984.

SCHOPENHAUER, Artur, Ensayo sobre el libre albedrío, Gradifco, Buenos Aires,

2006.

SINGER, Peter, Ética Prática, Lisboa, Gradiva, 2002.

TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I, Paris, CERF, 1984.

Bibliografia Secundária

ALVES, Fátima, ARÊDES, José, CARVALHO José, Pensar Azul, Lisboa, Textos

Editores, 2007.

BLACKBURN, Simon, Dicionário de Filosofia, Lisboa, Gradiva, 1997.

DUROZOI, G., ROUSSEL, A., Dicionário de Filosofia, Porto, Porto Editora, 2000.

106

Filosofia de la Educación Hoy (selección de textos), Madrid, Editora Dykinson, 1991.

GOMES, Joaquim Ferrreira, Acerca de J. F. Herbart e da sua Pedadogia Geral,

Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de Estudos

Psicológicos e Pedagógicos, 1974.

HUISMAN, Denis, Dicionário das Mil Obras de Filosofia, Porto, Porto Editora, 2001.

LIÉBANA, Ismael Martínez, Fundamentos de filosofía, Madrid, Once, 1999.

VICENTE, J. Neves, Razão e Diálogo, Porto, Porto Editora, 2006.

107

ANEXOS

108

ANEXO 1

109

QUESTIONÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO

DO PERFIL DO ALUNO/TURMA

1º Período - 2009/2010

Nome:

Ano: Turma: Nº:

Idade:

Sexo:

Data:

Para cada item identificado abaixo, responde SIM ou NÃO no lado direito e clarifica, se necessário, na última coluna.

ITENS SIM NÃO

Clarifica (qual/quais, o quê…)

1. INTERESSES / PASSATEMPOS PREFERIDOS

MÚSICA

LEITURA

DESPORTO

CINEMA

TEATRO

ARTES

OUTROS

2. CARACTERISTICAS PESSOAIS

Qualidades especiais que possuis

Que fazes quando enfrentas uma tarefa difícil?

Há algo que possas ensinar à turma?

110

3. PERCURSO ESCOLAR

Repetente no Ensino Básico

Repetente no Ensino Secundário

4. SAÚDE

Problemas de saúde

5. MEIO FAMILIAR

Vivo com os pais

Vivo com outros familiares

O meu pai trabalha

A minha mãe trabalha

A família apoia-me no estudo

A familia interessa-se pelo meu percurso escolar

6. ACTIVIDADES EXTRA-ESCOLARES

7. DIFICULDADES ESCOLARES

Disciplinas em que tiro as melhores notas

Disciplinas em que tiro as piores notas

Tenho necessidades educativas especiais

111

8. APOIO AO ESTUDO

Os pais

Explicadores

Outros

9. HÁBITOS DE ESTUDO

Estudo só para os testes

Estudo todos os dias

Planifico semanalmente o estudo

10. PROJECTOS ESCOLARES

Fazer o 12º Ano

Fazer um curso superior

Frequentar um curso profissional

Outros

11. PREFERÊNCIAS ESCOLARES

Áreas

Disciplinas

112

12. OBJECTIVOS PARA O ANO LECTIVO DE 2009/2010

Pessoais

Académicos

Em casa

13. VISÃO FACE À ESCOLA

14. ESTOU A FREQUENTAR A ESCOLA SECUNDÁRIA MANUEL CARGALEIRO PELA 1ª VEZ

15. TURMA

Conheço todos os elementos da turma

Tenho amigos/as na turma

Sinto-me bem na turma

Características gerais da turma (comportamento, aproveitamento….)

113

ESCOLA SECUNDÁRIA MANUEL CARGALEIRO

Ano Lectivo 2009-2010

Prova de Diagnóstico

Disciplina de Filosofia 10ºAno

Nome:_____________________________________________nº________

GRUPO I

Tive sempre uma repugnância quase física pelas coisas secretas – intrigas, diplomacia, sociedades secretas, ocultismo. Sobretudo me incomodaram sempre estas duas últimas coisas – a pretensão, que têm certos homens, de que, por entendimentos com Deuses ou Mestres ou Demiurgos1, sabem – lá entre eles, exclusos todos nós outros – os grandes segredos que são os caboucos 2 do mundo. Não posso crer que isso seja assim. Posso crer que alguém o julgue assim. Por que não estará essa gente toda doida, ou iludida? Por serem vários? Mas há alucinações colectivas. O que sobretudo me impressiona, nesses mestres e sabedores do invisível, é que, quando escrevem para nos

contar ou sugerir os seus mistérios, escrevem todos mal.

Ofende-me o entendimento que um homem seja capaz de dominar o Diabo e não seja capaz de dominar a língua portuguesa. Por que há o comércio com os demónios de ser mais fácil que o comércio com a gramática? Quem, através de longos exercícios de atenção e de vontade, consegue, conforme diz, ter visões astrais, por que não pode, com menor dispêndio de uma coisa e de outra, ter a visão da sintaxe? Que há no dogma e ritual da Alta Magia que impeça alguém de escrever – já não digo com clareza, pois pode ser que a obscuridade seja da lei oculta – mas ao menos com elegância e fluidez, pois no próprio abstruso3 as pode haver? Por que há-de gastar-se toda a energia da alma no estudo da linguagem dos Deuses, e não há-de sobrar um reles bocado, com que se estude a cor e o ritmo da linguagem dos homens? (...)

Dizem que há grandes matemáticos que erram adições simples; mas aqui a comparação não é com errar, mas com desconhecer. Aceito que um grande matemático some dois e dois para dar cinco: é um acto de distracção, e a todos nós pode suceder. O que não aceito é que não saiba o que é somar ou como se soma. E é este o caso dos mestres do oculto, na sua formidável maioria.

Bernardo Soares, LIVRO DO DESASSOSSEGO in OBRA EM PROSA DE FERNANDO PESSOA

Lê atentamente o texto e responde às questões

114

1 ) Demiurgo, s.m. Nome que os filósofos platónicos davam ao criador do homem e do mundo. Criador.

2 ) Cabouco, s.m. Escavação, para assentamento de alicerces.

3 ) Abstruso, adj. Difícil de compreender, confuso, obscuro.

a) O autor declara que sempre sentiu repugnância pelas coisas secretas. Refere aquelas que mais o incomodam.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

b) No primeiro parágrafo do texto, é atribuída aos defensores do ocultismo uma determinada pretensão. Em que consiste essa pretensão?

________________________________________________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

c) O que quererá o autor dizer quando afirma, no segundo parágrafo, que há alucinações colectivas?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

____________________________________________________________

115

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

d) Qual a principal crítica feita aos defensores do ocultismo? Enriquece a tua resposta com expressões do texto.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________________________________________

E) No último parágrafo distingue-se o errar do desconhecer. Em que consiste esta distinção?

________________________________________________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

f) A partir do exemplo de uma ‘ciência oculta’ de que já tenhas ouvido falar, diz o que pensas sobre o ocultismo.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

116

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

g) “Ofende-me o entendimento que um homem (...) não seja capaz de dominar a língua portuguesa”.

Elabora um texto no qual mostres a tua posição face à importância do domínio da língua materna, no contexto actual da sociedade da informação.

BOM TRABALHO!

117

ANEXO 2

Ver PowerPoint “10º F, Aula 16/11/2009”65

65 Na versão digital, o PowerPoint utilizado nesta aula encontra-se na pasta de documentos PowerPoint.

118

ANEXO 3

Ver PowerPoint “10º F, Aula 18/11/2009”66

66 Na versão digital, o PowerPoint utilizado nesta aula encontra-se na pasta de documentos PowerPoint.

119

ANEXO 4

Ver PowerPoint “10º F, Aula 30/11/2009”67

67 Na versão digital, o PowerPoint utilizado nesta aula encontra-se na pasta de documentos PowerPoint.

120

ANEXO 5

Ver PowerPoint “10º F, Aula 2/12/2009”68

68 Na versão digital, o PowerPoint utilizado nesta aula encontra-se na pasta de documentos PowerPoint.

121

ANEXO 6

Ver PowerPoint “10º F, Aula 17/5/2010”69

69 Na versão digital, o PowerPoint utilizado nesta aula encontra-se na pasta de documentos PowerPoint.

122

ANEXO 7

Ver PowerPoint “10º F, Aula 18/05/2010”70

70 Na versão digital, o PowerPoint utilizado nesta aula encontra-se na pasta de documentos PowerPoint.