Relatório sobre a Reforma Regulatória

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OCDE – Relatório sobre a Reforma Regulatória BRASIL Fortalecendo a governança para o crescimento

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Politicas Regulatórias

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  • OCDE Relatrio sobre a Reforma Regulatria

    BRASILFortalecendo a governana para o crescimento

  • SumrioSumrio Executivo 5

    Introduo 13

    Parte I 25Estrutura regulatria global

    Captulo 1 27A capacidade do governo de assegurar alta qualidade de regulao no Brasil

    Parte II 79Tendncias atuais e estruturas regulatrias em setores selecionados

    Captulo 2 81Setor de energia

    Captulo 3 113Setor de seguro-sade privado

    Captulo 4 147O setor de telecomunicaes

    Captulo 5 167O setor de transportes terrestres

    Parte III 219Governana regulatria dos setores selecionados

    Captulo 6 221Independncia e prestao de contas das autoridades regulatrias

    Captulo 7 259Arquitetura institucional horizontal

    Captulo 8 287Poderes para uma regulamentao de alta qualidade

    Captulo 9 323Avaliando o desempenho das autoridades reguladoras

    Concluses e Recomendaes 331

  • Sumrio Executivo

  • 6BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    O Brasil alcanou um elevado patamar de desenvolvimento econmico, e, como conse-qncia, tem a necessidade de fortalecer os fundamentos institucionais, voltados para uma economia com base no mercado. Depois de um longo perodo de interveno do Estado, o pas experimentou uma mudana em direo liberalizao e privatizao no incio dos anos 90. O Plano Real criou um ambiente mais favorvel para a reforma regulatria com maior abertura econmica, reformas institucionais e inflao estvel. A estrutura da concorrncia foi modernizada com a Legislao de 1994. Nesse contexto, diversas agncias reguladoras foram estabelecidas.

    O acesso a servios bsicos como transporte, telecomunicaes, energia e saneamento melhoraram significativamente o ndice de desenvolvimento humano e tambm lanaram as bases do crescimento econmico futuro. Esses fatores, essenciais para o fornecimento de bens e servios, afetaram significativamente a produtividade, o custo e a competitividade da economia. No Brasil, a esperana era que uma participao mais profunda do setor privado em infra-estrutura ajudaria a aumentar, a melhorar o desempenho e a cobertura bem como facilitar o acesso a servios em um contexto de mercado. Dois papis principais para as agn-cias reguladoras no contexto brasileiro so: minimizar a incerteza regulatria, que pode re-duzir a confiana do investidor e projetar-se como um administrador imparcial e autnomo dos agentes do mercado. Parcelas significativas das estradas mais utilizadas foram oferecidas como concesso, e melhoraram de maneira significativa as condies dessas estradas. O setor privado assumiu o controle e modernizou grande parte da infra-estrutura de telecomunica-es do pas.

    As agncias reguladoras e os desafios da regulao econmica e social

    As novas agncias reguladoras (ANEEL, para o setor de energia eltrica, e ANATEL, para o setor de telecomunicaes) foram criadas aps 1996, inspiradas na experincia internacional. Desde1996, dez agncias reguladoras federais foram criadas: A ANEEL (1996), a ANATEL (1997), a ANP para o petrleo (1997), a ANVISA para a vigilncia sanitria sobre alimentos e medicamentos (1999), a ANS para o setor de assistncia suplementar sade (2000), a ANA para a gua (2000), a ANTAQ para os portos (2001), a ANTT para transportes terrestres (2001), a ANCINE para a indstria cinematogrfica (2001) e a ANAC para a aviao civil (2005). Alm disso, o Conselho Administrativo de Defesa Econmica (CADE), criado em 1962, transformou-se em um organismo governamental independente, com claros poderes de cumprimento da poltica de concorrncia, segundo a Lei 8.884 de 1994.

    Este estudo examina mais detalhadamente a governana regulatria em quatro setores: energia eltrica com a ANEEL, transportes com a ANTT, assistncia suplementar sade com a ANS e telecomunicaes com a ANATEL. Esses rgos fazem parte da estrutura de administrao pblica indireta, mas so sujeitos a regimes jurdicos especficos, criados com o objetivo de garantir um nvel mais elevado de independncia. O setor de energia eltrica, no qual o Estado ainda tem grande responsabilidade como acionista majoritrio, diferente de outros mercados, onde prevalece a iniciativa privada. O mercado de assistncia suplementar sade tambm completamente diferente, pois no envolve unidades descentralizadas ou mesmo uma infra-estrutura de rede.

    De uma maneira geral, as agncias tm contribudo para um melhor desempenho eco-nmico e social. O setor de assistncia suplementar sade foi regulamentado, oferecendo melhores condies para os consumidores, em comparao com a anterior falta de regulao

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    no setor. De maneira semelhante, o setor de transporte ferrovirio e transporte rodovirio tambm melhoraram. No setor de energia, as correes efetuadas na estrutura regulatria e a administrao eficiente da nova rede tm auxiliado a lidar com a crise, instalada em 2001. Em termos de telecomunicaes, a performance do setor bastante consistente, vis a vis ao relativo desenvolvimento do pas, inclusive, por fora do significativo incremento nos servi-os de telefonia mvel.

    De qualquer modo, os desafios de aumentar os ndices de investimento permanecem. No setor de energia, o crescimento econmico mais forte pode implicar em mais presso em termos de fornecimento de energia no futuro. Nesse contexto, as prioridades claras e estveis para diversificao de tecnologias de energia serviro para oferecer um sinal previsvel para os investidores, particularmente em relao ao gs natural. Um aumento da contribuio do gs natural para o fornecimento de energia depende de maiores e mais decisivos esforos para melhorar a segurana e a diversidade do fornecimento do gs, mas tambm da garantia de que esforos correspondentes sejam realizados pela estrutura regulatria. O racionamento de gs natural reapareceu para alguns usurios no sudeste do Brasil, devido ao crescimento sus-tentvel experimentado nos ltimos anos. Isso ilustra os desafios da infra-estrutura de cons-truo para o fornecimento de energia diversificada. Outra questo que ficou evidenciada como parte desse relatrio o licenciamento ambiental, o qual pode atrasar, s vezes durante muitos anos, a autorizao para uma nova usina de energia. Fornecer um servio verdadeira-mente universal tambm um desafio em alguns setores, como o de telecomunicaes, onde o acesso aos servios continua sendo um problema para grupos significativos da populao.

    Em termos de transporte, o Brasil um dos maiores exportadores mundiais de diversos produtos agrcolas e primrios que precisam ser transportados para embarque no litoral, mas sua infra-estrutura interna de transporte atualmente est sobrecarregada e desequilibrada, o que aumenta os custos logsticos. Muitas dessas questes vo alm de mero mandato da agncia ou de sua estrutura regulatria. necessrio haver uma perspectiva mais abrangente, que integre todo o setor de transportes. Grande parte da hesitao em torno de novas con-cesses de rodovias refletiu como tem sido difcil o progresso nessa rea e a ANTT enfrentou a difcil tarefa de resolver conflitos de interesses. O recente leilo de concesses de rodovias, que aparentemente beneficiar os consumidores brasileiros por meio da reduo de tarifas, certamente bem-vindo. importante que o resultado alcanado no seja prejudicado quan-do das renegociaes que se seguiro, no setor.

    Modernizando a estrutura regulatria institucional para uma economia com base no mercado

    Em termos gerais, depois de dez anos de experincia institucional, a situao macroeco-nmica melhorou e o progresso feito pelas agncias reguladoras setoriais tambm foi satisfa-trio. Houve uma tendncia de diminuio do risco regulatrio. Existe, ainda, a concordncia sobre a necessidade de criar condies favorveis ao capital privado, tal como ocorreu, pela primeira vez em uma dcada, quando das concesses das estradas em 2007. Contudo, os ministrios tm perdido alguns de seus quadros de pessoal, com implicaes para a estrutura institucional. A falta de consenso sobre um desenho institucional tambm tem tido implica-es significativas para a percepo do risco regulatrio.

    A questo da escolha das melhores opes institucionais para a governana regulatria em uma economia com base no mercado permanece aberta. O Projeto de Lei n 3.337, de 2004,

  • 8BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    tem estimulado o debate poltico relacionado com as agncias nos ltimos trs anos. O Brasil ainda precisa melhorar sua capacidade de regular com qualidade e aumentar a transparncia e responsabilizao para uma efetiva governana pblica. A escolha correta do equilbrio entre independncia e responsabilizao ao mesmo tempo em que se delegam competncias regu-latrias reflete as escolhas estratgicas de poltica pblicas. Enquanto o principal foco inicial era a privatizao e o equilbrio do oramento pblico, hoje em dia as questes referentes ao desenho institucional esto recebendo mais ateno, junto com a necessidade de estabelecer uma poltica regulatria ampla de governo.

    Isso muda o foco em direo a um contexto mais amplo da qualidade da regulao em uma moderna economia com base no mercado. Os debates sobre um novo projeto de lei para as agncias realizados no Congresso refletem a variedade de pontos de vista no pas. Se o Brasil ainda precisa pr fim diferena em relao aos pases da OCDE, h uma necessidade de assegurar que as agncias sejam colocadas para funcionar, cumprindo a misso para qual foram originalmente criadas, com recursos e pessoal estveis, objetivos claros que atendam s necessidades dos investidores e dos consumidores e menos interferncia poltica.

    Amplos desafios da poltica de regulao

    Enquanto grande parte do foco do debate poltico ainda est nas agncias, uma perspec-tiva mais abrangente sobre as polticas tem surgido, refletindo as tendncias dos pases da OCDE. Aprimorar o sistema jurdico do pas como um todo, e seus diversos instrumentos, a chave para assegurar um crescimento econmico sustentvel e fornecer uma estrutura transparente para os cidados e agentes do setor privado. Se, por um lado, existem estruturas relativamente organizadas para preparar os atos regulatrios, com mecanismos informais de consulta e alguns procedimentos de controle de qualidade, por outro, o Brasil necessita fazer o uso sistemtico de diferentes ferramentas de qualidade regulatria. A consulta pblica po-deria ser aproveitada mais plenamente. Mesmo ao assegurar o acesso por meios eletrnicos, garantir a participao efetiva dos cidados, o procedimento de consulta pblica continua sendo um desafio. O baixo nvel de participao social pode ser comparado dificuldade de representao da sociedade civil. H tambm a necessidade de fazer com que a voz dos con-sumidores seja efetivamente ouvida. Outras questes incluem a conformidade nas relaes com o judicirio, assim como esforos adicionais de simplificao administrativa. Simplificar a estrutura jurdica exige um trabalho intensivo de aperfeioamento, tanto da quantidade quanto da qualidade da regulao atualmente em vigor.

    necessrio que haja uma estratgia sistemtica, com uma estrutura de anlise da regu-lao que assegure transparncia, participao social e eficincia econmica, com responsa-bilidades explcitas em nvel poltico e administrativo. A discusso sobre um processo pa-dronizado de preparao de novas normas regulatrias que incluam a avaliao do impacto das mesmas est comeando a acontecer. Existe, ainda, a necessidade de preparar capacida-des regulatrias dentro da administrao a mdio e longo prazo. O governo brasileiro, por meio da Casa Civil da Presidncia da Repblica, em conjunto com o Ministrio da Fazenda, e o Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto, est criando um Programa para o Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gesto em Regulao (PRO-REG) com o propsito de contribuir para a melhoria do sistema regulatrio e para a coordenao entre as instituies participantes dos processos regulatrios. O PRO-REG tem, entre outros objeti-vos, o estabelecimento de uma unidade de controle da qualidade regulatria e a introduo da

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    Anlise do Impacto Regulatrio (AIR) como um instrumento poltico de suporte tomada de decises. Sua implementao levar, ainda, algum tempo.

    Fortalecimento da capacidade para a qualidade da regulao

    Com referncia s agncias, o primeiro desafio tem sido operar como organismos autno-mos dentro do ambiente poltico a fim de prover confiana e transparncia para o setor pri-vado e para a sociedade civil. O estabelecimento da autonomia das agncias, no contexto de um debate de polticas pblicas mais amplas, tem sido acompanhado de muitas discusses e contradies. Algumas delas estavam ligadas questo de formulao da poltica para o setor, que deveria ser de responsabilidade dos ministrios supervisores, e a execuo dessa mesma poltica, tarefa delegada s agncias reguladoras. Em geral, as agncias tm operado sem in-dependncia do governo; no entanto, tm cumprido sua misso desde que foram criadas. Elas tm status diferente e algumas delas tm menos autonomia do que outras.

    Um pas de renda mdia como o Brasil precisa construir e consolidar as instituies de servio pblico, mesmo que enfrentando restries de recursos em termos de pessoal. Isso afeta tanto os ministrios quanto as agncias. Em geral, as agncias tm construdo uma re-putao de integridade e contribudo com significativas melhorias na estrutura regulatria em seus setores. As agncias aqui estudadas so consideradas entre as melhores do Brasil, em termos de percepes de investidores estrangeiros e consumidores em potencial, bem como em seguidas avaliaes feitas pelo Banco Mundial. Dentre essas agncias, esto a ANEEL e a ANTT. Esta ltima enfrenta um desafio mais difcil, pois uma agncia que foi criada mais recentemente, e tem enfrentado dificuldades em termos de coordenao. At bem pouco tem-po, seus recursos no eram consistentes com sua extensa responsabilidade regulatria.

    Este relatrio identificou diversas questes que merecem ateno. Garantir a autonomia pode ser um diferencial em termos de recursos e governana, para assegurar que os brasileiros tenham a capacidade e a competncia tcnica de realizar suas funes sem serem contestados. O primeiro passo necessrio garantir recursos e esclarecer as implicaes do Projeto de Lei n 3.337, de 2004. Recentemente, foram observados aumentos significativos de recursos para algumas agncias, como a ANTT ou a ANS. A proposta de emenda constitucional, a PEC 81, pode ajudar a consolidar ainda mais a posio das agncias no futuro. De modo semelhan-te, os reguladores precisam operar em ambiente institucional onde os ministrios possam desempenhar seu papel. Nesse aspecto, foi muito bem recebido o recente fortalecimento da capacidade institucional dos ministrios brasileiros por meio de um aumento no nmero de pessoal administrativo e de engenharia. Isso ajudar a posicionar o debate em um nvel tcni-co e reduzir a extenso de controvrsias ideolgicas.

    Assegurar a responsabilizao fundamental para que os reguladores possam desempe-nhar sua misso e obter certa independncia em suas relaes com seu ministrio supervisor. H claros conflitos na estrutura atual, em termos de garantia de uma responsabilizao mais ampla no sentido social e mesmo na garantia aos cidados que os reguladores defendero o interesse pblico, as necessidades dos consumidores e do cidado individualmente. Em um pas to grande, onde o acesso social a bens essenciais permanece um pouco estanque e desi-gual, h uma percepo de que alguns reguladores no tm dado ateno suficiente s neces-sidades dos indivduos, tais como queles que tm planos de sade particulares ou os que no conseguem entender as clusulas contratuais de seu telefone celular. Se, por um lado, existem reguladores que tm menos relao direta com o pblico, de outro, a ANS e a ANATEL esto

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    BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    enfrentando um desafio em termos de consolidao de sua legitimidade, buscando equilibrar sua abordagem entre consumidores individuais e prestadores de servio. Ao tempo em que ficou evidente que a consulta pblica permitiu a ANATEL se integrar na perspectiva do con-sumidor, percebe-se que o mesmo curso de ao no est sendo feito pela ANS. Enquanto o trabalho das agncias beneficia os consumidores, a percepo no Brasil de que a relao entre as pessoas atendidas pela sade pblica e as que tm planos de sade particular , com freqncia, desequilibrada; uma situao semelhante quela observada em muitos pases da OCDE, o que pode ter deixado a impresso de que mais poderia ser feito.

    Atualmente, o Brasil parece bem posicionado para enfrentar os desafios futuros. Um maior consenso tende a emergir no meio dos agentes polticos, as diferentes partes do go-verno, empresas e acadmicos: de que o pas exige mudanas para melhorar sua capacidade para realizar uma regulao com qualidade. H uma compreenso cada vez maior acerca da necessidade de aumentar a transparncia e a responsabilizao dentro do sistema, de in-troduzir novas ferramentas de desempenho regulatrio e de fazer os ajustes necessrios no sistema judicirio. Tambm existe, apesar de todo o recente debate poltico, um consenso nacional crescente, bem como um entendimento das principais tendncias em todos os pases da OCDE, acerca das funes e papis da regulao.

    Superando as lacunas com uma perspectiva futura

    Embora os novos projetos de lei auxiliem a abordar diversos desafios em termos de supe-rar lacunas e melhorar as condies para os consumidores, alguns aspectos tambm tm sido bastante importantes. Os debates do ltimo ano levaram a modificaes significativas nos contratos de gesto inicialmente propostos. Com o passar dos anos, a perspectiva das normas tambm se modificou. O ambiente atual tambm tem tido menos risco regulatrio, confor-me ilustrado pelos recentes leiles das rodovias em outubro de 2007. Outras questes ainda permanecem em jogo: esclarecer as conseqncias econmicas e sociais da transferncia do poder de concesso para os respectivos ministrios. Isso pode ter implicaes distintas para os diferentes setores dependendo de como concebido e implementado.

    A diversidade de experincias oferecidas pelos pases da OCDE oferece uma grande va-riedade de possveis solues que podem ser adaptadas ao contexto brasileiro. Elas oferecem tanto amplas orientaes gerais em termos de estabelecimento de uma estrutura, equilibrando independncia com responsabilizao, mas tambm demonstra variaes em diversos pases em termos de delegao de poderes s agncias e a variedade de opes para a universalizao dos servios.

    Hoje, o Brasil est confrontando seus desafios econmicos e sociais com o fortalecimento das agncias reguladoras e uma abordagem mais consistente em relao a sua estrutura ins-titucional. A necessidade de se estabelecer uma ampla perspectiva, aumentando a incluso social, envolvendo os consumidores e gerando confiana na estrutura regulatria tem mo-tivado intensos debates internos sobre regulao e respectivas agncias. Se o Brasil precisar continuar a aproveitar os benefcios da globalizao, tambm necessita promover a moderni-zao de sua infra-estrutura bsica, assim como assegurar o adequado fornecimento futuro de servios bsicos. Determinar uma estrutura regulatria transparente e aprender com os pases da OCDE em termos de qualidade da regulao e de avaliao de desempenho ajudar a promover ainda mais a adaptao das instituies nacionais. Isso pode representar somente o incio de um longo processo, por conta das dimenses do pas e da singularidade de sua

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    Sumrio Executivo

    diversidade geogrfica, econmica e social. O progresso alcanado nos ltimos anos anuncia coisas boas para o futuro. Consolidar os fundamentos de uma economia baseada no mercado muito importante se o Brasil se basear em suas realizaes atuais e aumentar as oportunida-des econmicas para todos os seus cidados. Um processo de tomada de decises com base na transparncia e consulta pblica e aes baseadas em evidncias contribuiro para melho-rar as condies do debate pblico e ajudar o pas a atender melhor as necessidades de seus cidados. Isto tambm propiciar a melhoraria da capacidade institucional para sustentar um crescimento econmico de longo prazo, o que aumentar a capacidade do pas de resistir a situaes econmicas adversas e manter os incentivos adequados para investimentos em infra-estrutura.

  • Introduo

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    BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    A evoluo do debate no Brasil

    O debate sobre as agncias reguladoras no Brasil surgiu na segunda metade da dcada de 90 como parte das reformas ento em andamento no pas. As conversas sobre a reforma regulatria enfatizam principalmente questes governamentais, como chegar a um equilbrio adequado entre independncia e responsabilizao. Uma questo considerada contraditria em relao aos aspectos centrais do Estado brasileiro a delegao de competncias regulat-rias, especialmente num momento de significativas flutuaes macroeconmicas e a falta de consenso sobre o papel exato do Estado na economia.

    A grande movimentao em direo a liberalizao, privatizao e consolidao de uma competio com base na concorrncia que ocorreu nos anos 90 demandou uma nova organi-zao institucional. Passos significativos foram dados em termos de poltica de concorrncia. Outras aes incluram o rpido estabelecimento de diversas agncias reguladoras para os setores recentemente privatizados e/ou liberados. Essas estruturas regulatrias foram imple-mentadas antes da privatizao do setor. Isso ocorreu com o setor de energia e telecomunica-es, por exemplo, mas no no setor de transportes. No entanto, o principal foco poltico foi a privatizao, que criou diversas oportunidades econmicas, contribuindo para o equilbrio do oramento pblico e facilitou a modernizao da infra-estrutura bsica, como, por exem-plo, na rea de telecomunicaes e ferrovias. A esperana era que essa determinao fosse su-ficiente para atrair investimentos, desencadear mais incentivos para o crescimento e resolver algumas das antigas deficincias de proviso de servios pblicos. O desenho regulatrio das agncias recebeu menor ateno.

    O impacto positivo do investimento em infra-estrutura bsica sobre o crescimento eco-nmico de longo prazo est largamente documentado em inmeros estudos.1 O acesso a ser-vios bsicos como transporte, telecomunicaes, energia e saneamento melhoram significa-tivamente o ndice de desenvolvimento humano e tambm lanaram as bases do crescimento econmico futuro. Essas so questes essenciais que afetam significativamente a produtivida-de, o custo e a competitividade da economia.

    Tradicionalmente, o fornecimento de servios de infra-estrutura no Brasil assim como em muitos outros pases de renda mdia e at mesmo em pases desenvolvidos foi asse-gurado por empresas estatais. No entanto, o limite entre essas empresas e a administrao pblica continuou incerto, o que abriu oportunidades para apropriaes polticas indevidas. No passado, essas empresas nem sempre receberam incentivos adequados, pois a administra-o tambm precisava ser sensvel a objetivos polticos de curto prazo. Alm disso, a severa crise macroeconmica tinha limitado os recursos financeiros das autoridades pblicas, que, conseqentemente, precisaram diminuir os principais investimentos, por exemplo, na infra-estrutura de transporte rodovirio.

    A esperana era que estimular o setor privado a participar da infra-estrutura auxiliaria a aumentar o investimento, melhorar o desempenho e a cobertura alm de facilitar o acesso a servios em um contexto de mercado. Grande parte das estradas mais utilizadas foi oferecida como concesses, o que resultou na rpida melhoria das condies das mesmas. Porm, uma recente avaliao do Banco Mundial (2007)2 sugere que o financiamento privado no Brasil

    1 Consulte referncias no ECMT (2007): Transport Infrastructure Investment and Economic Productivity, Mesa-Redonda No. 132, Conferncia Europia de Ministros de Transportes, OECD, Paris.

    2 Banco Mundial (2007), Brasil: How to Revitalise Infrastructure Investments in Brazil, Vol. II, Relatrio da Experincia, Banco Mundial, Washington, D.C.

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    Introduo

    aumentou principalmente para fins de aplicao especulativa de recursos durante a dcada de 90 e, portanto, no foi direcionado expanso geral da infra-estrutura.

    Alm disso, menor ateno foi dada a questes de governana, incluindo a formao de agncias reguladoras e suas implicaes institucionais. De uma maneira significativamente rpida, os ministrios perderam uma grande quantidade de pessoal qualificado, medida que opes mais atraentes foram abertas no setor privado, prejudicando a formulao de polticas e o estabelecimento de metas de polticas estratgicas. Em comparao aos ministrios, as agncias eram relativamente mais bem servidas de pessoal, embora com oramentos restritos, e vises diferentes tenham gerado conflitos de opinies. Isso afetou a estrutura institucional em vigor e trouxe implicaes significativas em relao a como era percebido o risco regula-trio.

    Em geral, nos pases da OCDE, as agncias reguladoras so estabelecidas para proteger o processo de tomada de decises e a fiscalizao nos setores contra a interveno de polticas de curto prazo, para defender as entidades reguladas contra os interesses privados. Em condi-es ideais, servem para equilibrar os interesses de diversos participantes (o governo, o setor privado, os consumidores), enquanto corrobora com os investidores privados. Contudo, essa uma tarefa desafiadora em um pas como o Brasil, onde a participao social baixa. Em alguns setores, o processo de tomada de decises visto, com freqncia, como considerando mais os interesses das entidades reguladas do que os dos consumidores e que so necessrios alguns ajustes. Essa percepo levou a intervenes polticas que exerceram presses explci-tas ou implcitas sobre algumas agncias como, por exemplo, quando o reajuste de preos dos servios bsicos de telecomunicao, que sucedeu a desvalorizao da moeda e a inflao resultante.

    Depois de dez anos de experincia institucional, esse debate entra em nova fase, abordan-do o contexto mais abrangente da qualidade da regulao em uma economia com base no mercado. O risco regulatrio parece ter sido reduzido. A melhoria da situao macroecon-mica3 assim como o progresso das agncias foi compensador. Existe uma participao social mais ampla na avaliao e melhoria da estrutura regulatria, conforme demonstrado pelo envolvimento dos consumidores no debate de questes de regulao nos setores de infra-estrutura bsica. Alm disso, h um acordo mais difundido sobre a necessidade de promover mais o capital privado. Uma ilustrao disso a concesso de mais de 2000 km de rodovias em outubro de 2007 a primeira concesso desse tipo em uma dcada. Isso ocorreu, porm, depois de um perodo de tensas negociaes sobre as taxas de retorno implcitas e os preos para a concesso, de maneira a assegurar que o interesse pblico seria atendido. Agora, o debate mudou em direo ao ajuste institucional. O novo projeto de lei para as agncias, ora discutido no Congresso, reflete a variedade de opinies sobre como essas instituies devem ser desenhadas. Se o Brasil ainda precisa pr fim diferena em relao aos pases da OCDE, h uma necessidade de assegurar que as agncias sejam colocadas para funcionar, cumprindo a misso para qual foram originalmente criadas, com recursos e pessoal estveis, objetivos claros que atendam s necessidades dos investidores e dos consumidores e menos interferncia poltica.

    Uma perspectiva poltica mais ampla, seguindo a experincia de alguns pases da OCDE, surge hoje no Brasil, embora boa parte do foco do debate poltico ainda seja as agncias. Isso exigir uma estrutura de anlise para a reviso regulatria, que assegure transparncia,

    3 Economist Intelligence Unit (2007), Brasil, Perfil do Pas 2007.

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    participao social e eficincia econmica, com responsabilidades explcitas tanto em nveis polticos quanto administrativos. A discusso de um sistema padronizado de avaliao para a criao de regulao e a anlise do processo regulatrio est comeando a ocorrer.

    As reformas econmicas da dcada de 90

    A economia brasileira foi profundamente transformada na dcada de 90 por meio de um histrico movimento em direo privatizao e desregulamentao, que ps fim a um longo perodo de interveno estatal ininterrupta na economia. A abertura econmica, as reformas institucionais e a estabilizao da inflao levada a efeito pelo Plano Real, criaram um ambiente mais favorvel para a reforma regulatria. Os primeiros estgios da reforma regulatria envolveram a modernizao da lei da concorrncia por exemplo, com a Lei de 1994 e a criao de diversas agncias reguladoras para supervisionar os setores recente-mente privatizados. Contudo, essa movimentao surgiu to repentinamente que no houve nenhum esforo correspondente para a criao de um consenso ou comunicao acerca da nova ordem econmica. A participao social permaneceu baixa. As novas agncias regula-doras comearam a operar em um relativo vazio, sem redes sociais fortes, e em meio a uma atitude de desconfiana e receio. Foram interpretadas por muitos como um acrscimo ao contexto institucional brasileiro, contrrio cultura histrica do Poder Executivo brasileiro, marcado por uma tradicional responsabilidade ministerial. A situao foi exacerbada pela relativa perda da capacidade observada nos ministrios brasileiros durante aquele perodo de transio para a iniciativa privada, quando se acreditava que a desregulamentao era tudo e que no era necessria nenhuma interveno por parte do Estado para que os novos merca-dos funcionassem. O desmantelamento da capacidade de planejamento nos setores de energia e transporte pode ser visto como uma ilustrao dessa tendncia. Os reguladores foram con-vocados com freqncia para compensar as falhas e a falta de capacidade analtica em alguns ministrios.

    Essas tendncias assinalavam uma mudana significativa de rumo, para longe da secular interveno estatal na economia. No incio do sculo, de acordo com as tendncias obser-vadas na Amrica do Norte, o estado tinha reduzido suas funes bsicas para segurana, justia e servios bsicos em termos de contratos, propriedade privada e livre iniciativa. Essa interveno aumentou na dcada de 30, refletindo as tendncias observadas na Europa depois da crise econmica e tambm nos Estados Unidos com o New Deal e as conseqncias da recesso. O conceito da funo social das empresas e os direitos sociais aumentou. O Estado comeou a ter um papel mais ativo no ambiente econmico, o que significava maior interven-o. Isso se percebeu com maior nitidez depois da Segunda Guerra Mundial, com a poltica de substituio de importaes.

    Criaram-se grandes indstrias nesse perodo, de metalurgia, motores, hidreltricas e mi-nerao: Companhia Siderrgica Nacional (CSN), Fbrica Nacional de Motores, Companhia Hidreltrica de So Francisco e Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).4 O perodo de forte interveno do Estado durou de 1945 at os anos 80. O presidente Getlio Vargas, eleito em 1950, adotou uma poltica de desenvolvimento nacionalista. O Estado se tornou mono-polista em infra-estrutura e indstrias estratgicas, e foi responsvel por investimentos de longo prazo nessas indstrias. Empresas estrangeiras foram includas nos setores intensivos

    4 Atualmente, a CSN e a CVRD so empresas privadas; a Fbrica Nacional de Motores no existe mais.

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    Introduo

    de tecnologia e de qualidade. Em 1956, o presidente Juscelino Kubitschek formulou o Plano de Metas, que resultou em um crescimento econmico de pouca durao a um custo mui-to alto e terminou com o golpe militar de 1964. O governo militar introduziu uma poltica monetria mais rigorosa, com baixas taxas de inflao e recesso. Um governo heterodoxo e ainda militar chega ao poder em 1967, com uma poltica mais expansionista associada a um controle rgido de preos.

    Desde ento, as empresas estatais comearam a ser criadas, particularmente durante a dcada de 70. Em 1981, havia 530 empresas pblicas federais.5 A poltica de controle de pre-os continuou at meados de 1990, ao contrrio das tendncias observadas em alguns pases europeus. Todavia, a mudana para a poltica de concorrncia e de uma abordagem com base no mercado foi adotada provavelmente uma ou duas dcadas depois de alguns pases euro-peus que experimentaram uma mudana semelhante, como Frana e Itlia. No Brasil, essa mudana foi associada s significativas ineficincias do setor pblico.

    Mudanas mais importantes foram introduzidas no final da dcada de 80 e incio de 90 com o propsito de aliviar o Estado da necessidade de manter elevados investimentos e con-seqentes altas despesas com a infra-estrutura das empresas estatais. Essas mudanas inclu-ram: Aboliodealgumasrestriesaocapitalestrangeiro. Maiorflexibilidadeparamonopliosestatais,comoasEmendasConstitucionais5,7,8

    e 9 de 1995, que deram aos brasileiros a possibilidade de oferecer a concesso de alguns servios pblicos a empresas privadas em diversos setores.

    Privatizaodeempresaspblicasdeprestaodeservios.ALein8.031,de1990,intro-duziu o Programa Nacional de Desestatizao (PND), que visava aumentar a competitivi-dade e restringir o papel do Estado na economia. Havia uma nova compreenso dos limites da expanso liderada pelo Estado. O setor p-

    blico, limitado por uma crise fiscal e pela necessidade de estabilizar as finanas pblicas, pre-cisou reduzir as transferncias de capital para empresas estatais. O governo encarava limites claros sobre seu poder de investimento. O que levou busca de investidores privados que pudessem fornecer novos investimentos infra-estrutura.

    Isso, por sua vez, exigia uma nova estrutura regulatria, com mudanas de uma grandeza que provavelmente no havia sido imaginada no princpio. Os objetivos iniciais da reforma regulatria e da privatizao eram facilitar as condies e atrair novos investimentos, inclusi-ve do exterior, para aumentar a eficincia e reduzir a dvida pblica. Porm, havia tenso entre o objetivo oramentrio de curto prazo e a necessidade de facilitar futuros investimentos e oferecer um cenrio orientado ao crescimento.

    No modelo anterior, a regulao e a superviso haviam sido confiadas a departamentos dos ministrios setoriais que controlavam as empresas estatais correspondentes. No passado, as tarifas eram reguladas predominantemente pelo Ministrio da Fazenda, de acordo com objetivos macroeconmicos, particularmente de controle da inflao.6 Havia at mesmo uma situao, semelhante de muitos pases europeus, na qual a mesma entidade era respon-svel pela prestao de servios e regulao do mercado (telecomunicaes). Essa estrutura se adequava a uma orientao para o mercado; no havia mais uma situao onde o Estado precisava diferenciar sua funo como regulador, protegendo os interesses dos consumido-

    5 Barroso, Luis Roberto (2005): Constituio, ordem econmica e agncias reguladoras, Revista eletrnica de direito administrativo econmico, No. 1, Fevereiro/Maro/Abril, Bahia, Brasil.

    6 Pinheiro, Armando Castelar (2001), Economia e Justia: conceitos e evidncia emprica, Instituto Futuro Brasil.

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    BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    res, contra seu papel como proprietrio de servios, oferecendo uma estrutura neutra com condies iguais para todos os agentes do mercado. Como nas economias desenvolvidas, isso forava o Brasil a mudar sua abordagem poltica para amplos setores de infra-estrutura. Isso gerou um novo conjunto de desafios polticos e tcnicos para serem atendidos, como parte do modelo governamental do pas. No entanto, essas mudanas no alteraram a natureza pblica dos servios pelos quais os estados so responsveis, conforme estipulado pelo artigo 175 da Constituio. O Estado converteu-se de agente provedor de bens e servios, para provedor de uma estrutura estratgica, mantendo, sobretudo, as funes de regulao e superviso, em conformidade com o Artigo 174 da Constituio.

    O contexto regulatrio e a evoluo internacional

    As mudanas no Brasil tambm refletem tendncias mais amplas que ocorrem no m-bito internacional. Essas tendncias foram observadas em muitos pases europeus, onde o arcabouo para os amplos setores de infra-estrutura est em constante transformao. As diretrizes europias determinaram padres claros de regulao dos setores abrangidos pelo estudo e at mesmo para o estabelecimento de processos independentes de tomada de deci-ses dos rgos reguladores. Na Europa, essas diretrizes tambm abordavam os planos de sade privados.

    importante que o Brasil assegure que as mudanas no seu ambiente regulatrio avan-cem, de uma maneira geral, pari passu s tendncias gerais observadas no mbito internacio-nal. Uma dimenso foi e permanece sendo os compromissos internacionais assumidos como parte do GATT. Nesse contexto, o setor de telecomunicaes um dos mais envolvidos de todos os setores. Cento e cinco membros da OMC (contados individualmente os estados-membros da Comunidade Europia) comprometeram-se especificamente com algum aspecto do setor. Nas telecomunicaes bsicas, isso dizia respeito a 98 governos, 90 dos quais se com-prometeram durante as negociaes ou a partir delas com as telecomunicaes bsicas que ocorreram aps o final da Rodada Uruguai. Seus fornecedores respondem por um supervit de 90% da receita mundial de telecomunicaes bsicas. Na rea de servios de telecomu-nicaes de valor agregado, 89 governos se comprometeram. Mas deve-se reconhecer que esses compromissos podem implicar diferentes nveis de acessos, dependendo das limitaes programadas. A situao difere para outros setores; por exemplo, somente 17 compromissos foram feitos em relao distribuio de energia.

    Essa variedade de situaes deve-se a uma combinao de fatores. Primeiro, a introdu-o da concorrncia nos setores de telecomunicaes foi relativamente direta em compa-rao com outros setores e levou a diminuio significativa de preo e melhorou o servio mundial. Alm disso, ao contrrio de outros setores, os servios de telecomunicaes foram negociados pelos membros da OMC como um setor parte durante ou depois da Rodada Uruguai. Esse processo levou ao desenvolvimento de um Anexo sobre Telecomunicaes, que determina obrigaes em prol da competitividade no setor para todos os membros da OMC. O Documento de Referncia sobre Telecomunicaes Bsicas (doravante, denomina-do, no presente Documento de Referncia) tambm surgiu nas negociaes separadas. Isto consiste em fixar regras no ambiente regulatrio em prol da competitividade em servios de Telecomunicao Bsica s quais os membros da OMC podem aderir voluntariamente, no todo ou em parte. At o momento, 78 membros adotaram pelo menos alguns elementos do Documento de Referncia.

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    Introduo

    O Documento de Referncia declara: o rgo regulador desvinculado e no deve ser responsvel por nenhum fornecedor de servios de telecomunicao. As decises e os pro-cedimentos utilizados pelos reguladores devero ser imparciais no que diz respeito a todos os participantes do mercado. O princpio est associado no discriminao ou seja, o rgo regulador deve se constituir em um espao institucional justo e igualitrio. No entanto, o Documento de Referncia permite a cada pas uma ampla flexibilidade para implementar seus propsitos de liberalizao e de reforma regulatria. Por exemplo, a exigncia para um rgo regulador independente no significa que este deva, para tanto, ser separado do minis-trio que formula a poltica de telecomunicaes, ou que deva ser um regulador especfico apenas para o setor de servios de telecomunicao ou de um organismo que opera segundo as leis gerais de concorrncia.

    Outros setores neste relatrio esto menos sujeitos a acordos internacionais, mesmo que alguns compromissos tenham sido assumidos no setor de energia.

    O desafio de estabelecer agncias reguladoras independentes

    A configurao de reguladores independentes um desafio enfrentado por muitos pases da OCDE medida que modernizam seu arcabouo regulatrio voltado para uma rede de prestao de servios pblicos e de oferta de servios bsicos que tm acesso universal ou cumpram funes sociais especiais. O estabelecimento de autoridades independentes, que operem fora da cadeia de comando do Poder Executivo, faz parte de uma tendncia que visa dar maior clareza s funes do governo central, j que a funo regulatria deve ser distinta das funes de definio da estratgia pblica e daquelas que lhe so prprias. O objetivo garantir a tomada de decises regulatrias independentes que possam ser protegidas dos interesses privados especficos e das consideraes polticas de curto prazo. As agncias regu-ladoras independentes foram estabelecidas para uma rede de indstrias, como a de telecomu-nicaes, energia e transportes. Muitos pases europeus tm sido influenciados pela estrutura regulatria europia, que facilita a introduo da concorrncia nos setores de monoplio, como, por exemplo, energia e telecomunicaes, e a abertura do capital de empresas estatais. Outra questo era a necessria e prudente superviso, especfica em setores, como o de servi-os financeiros, incluindo o de seguros.

    A partir da perspectiva de governana pblica, as agncias reguladoras independentes so entidades dotadas de um poder significativo e com certo nvel de autonomia em seu processo de tomada de decises. Isso corresponde a uma etapa posterior na descentralizao da administrao pblica, promovida pela Nova Gesto Pblica. No entanto, os reguladores independentes diferem significativamente das agncias descentralizadas por causa desse po-der de tomada de decises, que superior ao da administrao descentralizada e por causa de outros poderes delegados que detm, os quais tradicionalmente uma prerrogativa do Poder Executivo.

    A vantagem das agncias reguladoras independentes que elas podem isolar as atividades regulatrias das consideraes polticas de curto prazo e a influncia de interesses especiais pblicos ou privados, particularmente das empresas reguladas. Se quiserem ser efetivas, suas estruturas devem ser ajustadas em meio a um conjunto de reformas estruturais coerentes e oportunas. A independncia a garantia de transparncia, previsibilidade e qualidade em relao tomada de decises. So nesses setores onde os reguladores independentes se esta-beleceram que os benefcios econmicos de mais mercados abertos tm sido, freqentemente,

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    BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    mais evidentes, tanto em termos de investimentos quanto de preos relativos mais baixos ao consumidor, como, por exemplo, no setor de telecomunicaes. As estruturas regulatrias tm contribudo inquestionavelmente para o progresso tecnolgico e a inovao em diversos setores.

    Figura 01 Agncias reguladoras independentes em pases-membro da OCDE

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    1926 1931 1936 1941 1946 1951 1956 1961 1966 1971 1976 1981 1986 1991 1996 2001

    Agncias reguladoras financeiras Energia Telecomunicaes

    Fonte: Dados do inventrio da OCDE sobre as autoridades normativas independentes (OECD, 2005).

    Os reguladores independentes, com seus poderes especficos, realmente levantam ques-tes prprias, j que essas agncias diferem consideravelmente da administrao descentrali-zada do governo. Eles propem desafios ao governo, pois em muitos sistemas democrticos, uma questo muito sensvel estabelecer instituies no majoritrias sob a responsabilidade do Poder Executivo, mas no necessariamente sob a superviso hierrquica direta dos minis-tros. Alm disso, essas agncias devem ter governana especfica e estruturas institucionais, assim como, uma estrutura apropriada para prestao de contas e responsabilizao. Uma abordagem com base na qualidade regulatria pode fornecer uma estrutura analtica adequa-da consulte Guiding Principles for Regulatory Quality and Performance da OCDE (2005).

    No entanto, estabelecer autoridades regulatrias independentes muito especficas em um setor restrito pode interferir na governana intersetorial e levar a uma abordagem fragmen-tada.7 Existe tambm o risco de captura das agncias reguladoras por parte dos operadores de setores especficos que eles deveriam regular, o que pode faz-los perder sua perspectiva global do mercado. Isso ocorre particularmente quando a superviso est limitada a um nico aspecto ou segmento do mercado. Alm disso, sua relao com as autoridades da concorrn-cia deve ser ajustada de forma a evitar a fragmentao das polticas e medidas governamen-tais, com disfunes correspondentes devidas falta de coordenao.

    7 Conforme obra recente sobre o tema: Regulatory Asymmetry, Substitute Services and the Implications for Regulatory Policy, mesas-redondas sobre a poltica de Concorrncia, DAF/COMP/WP2(2005)3.

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    Introduo

    Para que as autoridades independentes forneam os benefcios esperados de um sistema ideal de regulao, deve haver um projeto institucional muito bem pensado. As implicaes polticas, institucionais e administrativas da independncia nem sempre so compreendidas na ntegra. Essa independncia deve andar lado a lado com diversas condies processuais e um sistema de controle. Um sistema de apelao eficaz, mas que no paralise a ao dos reguladores, um elemento importante para o exerccio adequado de responsabilidades. Por todas essas razes, parece essencial dar ateno mxima ao projeto e implementao dessas organizaes e realizar avaliaes e anlises de desempenho periodicamente. Isso ser dis-cutido durante toda esta anlise, em conjunto com uma anlise geral de como essas agncias interagem com seus setores.

    Quadro 01 O trabalho da OCDE com as autoridades reguladoras independentes

    A OCDE tem examinado autoridades reguladoras independentes a partir de vrios pontos de vista.1 Suas re-comendaes de 1997 orientaram os governos em particular a criar mecanismos eficazes e confiveis dentro do governo para administrar e coordenar a regulao e sua reforma. Em suas anlises de qualidade regulatria (2002), a OCDE recebeu com prazer o movimento de estabelecimento de rgos independentes pois, em muitos aspectos, a melhor maneira de aprimorar a eficcia regulatria. Existem muitas razes para se esperar que as autoridades reguladoras especializadas e mais autnomas tomem decises regulatrias de maior qualidade e que operem de maneira mais transparente e com maior responsabilizao. Nos casos em que demonstraram maior efi-ccia e credibilidade, sua independncia e funo foram determinadas por leis especficas que definem claramente sua misso e objetivos. Contudo, essencial solucionar os principais problemas da arquitetura institucional para colher totalmente os frutos do estabelecimento de reguladores independentes, por conta dos riscos mencionados acima. Essas questes levaram a OCDE a solicitar anlises abrangentes sobre o funcionamento de rgos regu-ladores independentes para identificar problemas e desenvolver solues consistentes. Uma maior quantidade de trabalho por parte da OCDE para monitorar e avaliar as melhores prticas na criao dessas importantes instituies reguladoras promoveria ainda mais a assistncia aos pases, garantindo que recebam os benefcios esperados em termos de desempenho no mercado, ao mesmo tempo em que respeitam normas de transparncia e responsabilizao.

    Mais recentemente, a OCDE conduziu a reviso da regulao na Noruega, Mxico e Sua. Um workshop espe-cfico tambm foi organizado sobre esse tpico em 2005.2 As novas recomendaes da OCDE adotadas em 2005 determinam que se devem adotar medidas para assegurar que a regulao, instituies reguladoras responsveis pela implementao, e os processos regulatrios sejam transparentes e no discriminatrios, especificando que necessrio estabelecer organizaes reguladoras que garantam que o interesse pblico no esteja sujeito ao inte-resse das entidades e participantes regulados e assegurar que as instituies reguladoras prestem contas e sejam transparentes, bem como incluir medidas para promover sua integridade.

    1. OECD (2002), Improving the Institutional Basis for Sectoral Regulators, OECD Journal on Budgeting; OECD (2002), Distributed Public Governance: Agencies, Authorities and Other Government Bodies, OECD Journal of Competition Law and Policy, N 1, 3, pp. 169-246; Relations between Regulators and Competition Agencies, Competition Policy Roundtables n 22; OECD (2000), Telecommunications Regulations: Institutional Structures and Responsibilities, DSTI/ICCP/TISP(99)15/Final, 25 de maio. Consulte tambm TISP: DSTI/ICCP/TISP(2005)6, Telecommunication Regulatory Institutional Structures and Responsibilities.

    2. OECD (2005), Designing Independent and Accountable Regulatory Authorities for High Quality Regulation, Proceedings of an Expert Meeting in London, United Kingdom, 10 11 de janeiro.

    A estrutura institucional da regulao no Brasil

    A estrutura jurdica do Novo Estado regulador do Brasil definida pela Emendas Constitucionais 5, 6, 7 e 8 do pas. Elas estabeleceram o regime jurdico da explorao de gs natural por parte dos estados; pesquisa e extrao de recursos minerais; transporte areo,

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    BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    aqutico e terrestre; e servios de telecomunicaes. A Emenda 9 eliminou os monoplios legais de petrleo e derivados e definiu a criao de uma agncia reguladora para os setores de petrleo e combustveis. A emenda 19 introduziu o princpio da eficcia na organizao e a ao da administrao pblica, estabelecendo que devem ser criados mecanismos de parti-cipao pblica nos processos administrativos.

    Ao amparo do novo sistema constitucional, casos de monoplio pblico so excees ao princpio da livre concorrncia (Artigo 170). O envolvimento do Estado em atividades eco-nmicas em conjunto com a iniciativa privada deve ser considerado igualmente excepcional. Esse tipo de atividade do Estado permitida somente quando necessrias para defender a se-gurana nacional ou um interesse fundamental e coletivo, conforme definido pela legislao (Artigo 173). As empresas pblicas sociedades de economia mista, autarquias e fundaes go-vernamentais bem como as subsidirias de todas essas empresas somente podem ser criadas e organizadas por uma lei especfica, em cada caso (Artigo 37, XIX e XX). Depende, tambm, de autorizao legislativa, a participao de qualquer das entidades mencionadas acima, em empresa privada. (Artigo 37, XX in fine)

    Diversas outras leis fornecem um pano de fundo importante: gerais como o Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei 8 078, de 1990) e a Lei brasileira de defesa da Concorrncia (Lei 8.884, de 1994); e mais especficos como a Lei Geral das Concesses de Servios Pblicos (Lei 8.987, de 1995); a Lei do Processo Administrativo Federal (Lei 9.784, de 1999); a Lei Nacional dos Servios de Telecomunicaes (Lei 9 472/97) que criou a Agncia Nacional de Energia Eltrica; e a Lei Nacional do Petrleo e Combustvel (Lei 9.478, de 1997) que criou a Agncia Nacional do Petrleo, que recebeu um novo nome, Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis, segundo a Lei 1.097, de 2005. A Lei de Defesa da Concorrncia foi analisada em uma reviso parte da OCDE e mencionada como parte da relao entre as agncias reguladoras e as autoridades de concorrncia.

    A estrutura geral da qualidade da regulao no Brasil

    A ampla agenda da reforma regulatria internacional trata como os governos podem im-plementar um sistema compreensivo de gesto regulatria. Esse sistema pretende garantir a qualidade das novas e das existentes regulaes, e envolver instituies especficas. Emprega um conjunto diferente de instrumentos regulatrios (econmicos, sociais e administrativos) pelo qual os governos fazem exigncias a empresas e cidados. No caso brasileiro, as reformas vo alm do desenho institucional das agncias reguladoras, na qual boa parte do debate na-cional tem se concentrado at o momento. O objetivo melhorar o sistema jurdico do pas como um todo e seus diferentes instrumentos, de forma a assegurar o crescimento econmico sustentvel e fornecer uma estrutura clara para a participao dos cidados e do setor empre-sarial privado. Isso est relacionado com todas as regulaes no apenas as estabelecidas em nvel federal, mas tambm as especficas dos estados, que so cruciais para o Brasil. Portanto, as questes regulatrias dos diferentes nveis de governo merecem ateno especial, pois os mecanismos de coordenao entre o governo federal e os estados, definio clara de papis e responsabilidades entre os nveis do governo e as capacidades de qualidade regulatria em nveis subnacionais tm um impacto direto na atratividade e na performance econmica das regies.

    Mesmo que a discusso sobre questes regulatrias se concentre principalmente nas agncias reguladoras, discusses recentes tm destacado a necessidade de promover capa-

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    Introduo

    cidade de regulao dentro da administrao a mdio e longo prazo. O governo brasileiro, por intermdio da Casa Civil da Presidncia da Repblica, contando com o Ministrio da Fazenda e o Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto, concebeu e est implemen-tando o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gesto em Regulao (PRO-REG), com a inteno de ajudar a melhorar o sistema regulatrio e a coordenao entre as instituies que participam do processo regulatrio. O PRO-REG tem, dentre outros, o objetivo de estabelecer um organismo de superviso da qualidade regulatria e a introduo de uma Anlise do Impacto Regulatrio (AIR) como uma ferramenta poltica de apoio ao processo de tomada de deciso.

    A reforma regulatria tambm se refere a melhorar processos regulatrios bem como torn-los melhor estruturados. As leis no Brasil no so preparadas necessariamente con-forme os mecanismos de controle de qualidade, embora sejam utilizados procedimentos for-mais para preparar novas leis. A acessibilidade a leis e normas para cidados foi aprimorada com portais eletrnicos. Mesmo que instrumentos de consolidao tenham sido introduzidos para reduzir o nmero de leis existentes, a estrutura jurdica permanece incerta e complexa. Simplificar e tornar o processo mais transparente, eficaz e com maior responsabilizao so desafios que exigem um verdadeiro esforo. Da mesma forma, necessria segurana jurdica para aumentar a conformidade e reduzir o envolvimento do Poder Judicirio.

    Os rgos reguladores e a estrutura de administrao indireta

    As novas agncias reguladoras (a ANEEL para eletricidade e a ANATEL para as telecomu-nicaes) foram criadas aps 1996. Foram inspiradas na experincia internacional, principal-mente no modelo institucional norte-americano das agncias reguladoras independentes. A maior parte desse modelo acabou sendo reproduzido nas demais agncias. a principal carac-terstica que se constituem em entidades pblicas autnomas de natureza especial, portanto, fazem parte da administrao pblica indireta. Desde 1996, dez agncias reguladoras federais foram criadas: a ANEEL (1996), a ANATEL (1997), a ANP para o petrleo (1997), a ANVISA para vigilncia sanitria (1999), a ANS para a assistncia suplementar sade (2000), a ANA para a gua (2000), a ANTAQ para os transportes aquavirios (2001), a ANTT para os trans-portes terrestres (2001), a ANCINE para a indstria cinematogrfica (2001) e a ANAC para a aviao civil (2005).8 Alm disso, o Conselho Administrativo de Defesa Econmica (CADE), que foi criado em 1962, se transformou em um organismo governamental independente, com claros poderes de cumprimento de polticas de concorrncia, com a nova Lei 8.884, de 1994.

    Essas organizaes fazem parte da estrutura da administrao pblica indireta, e esto sujeitos a regime jurdico especial, com o objetivo de assegurar um nvel mais elevado de independncia (a Parte I contm uma discusso de administrao direta versus adminis-trao indireta). Por outro lado, a administrao indireta inclui uma grande variedade de instituies heterogneas, como o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), o Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis (IBAMA), o Departamento Nacional de Produo Mineral (DNPM) e a Empresa Brasileira de Turismo

    8 Mais detalhes histricos sobre essas agncias podem ser verificados em: P, Marcos Vinicius e Fernando Luiz Abrucio: Desenho e funcionamento dos mecanismos de controle e accountability das agncias reguladoras brasileiras: semelhanas e diferenas (Design and work on the control and accountability mechanisms of Brazilian regulatory agencies), Rev. Adm. Pblica Vol. 40, No. 4, Rio de Janeiro, Julho/Agosto de 2006, www.scielo.br/scielo.php.

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    BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    (EMBRATUR). Entretanto, tal como eu outros pases, a estrutura geral da administrao des-centralizada no fornece garantias suficientes de independncia para o processo de tomada de deciso das autoridades reguladoras setoriais. Ento, tem-se tentado desde 2003 rearran-jar e melhorar a estrutura de pessoal das agncias reguladoras. Boa parte dessa tentativa influenciada por um desejo de fortalecer a responsabilizao dos reguladores. Tem havido um reconhecimento progressivo de que uma maior responsabilizao faz-se necessria para melhorar o desempenho desses organismos e para reduzir a incerteza no exerccio das ativi-dades regulatrias. Isso ocorreu em um contexto no qual os ministrios tambm procuraram fortalecer seus quadros e, assim, aprimorar sua capacidade de planejamento.

    A questo da regulao independente, que visava esclarecer a relao entre as funes do Estado como regulador e acionista, pode exigir, da mesma forma, uma nova abordagem e regras claras de governana semelhantes para empresas de propriedade pblica. A abordagem pode incluir objetivos estratgicos estabelecidos por autoridades supervisoras, uma ateno clara para questes de neutralidade competitiva e estar em sintonia plena com o exerccio dos direitos de acionista por parte do Estado. A questo surgiu em outros pases da OCDE como a Frana, onde se tem pensado muito sobre o esclarecimento das condies de gesto de em-presas estatais e uma soluo formal foi desenvolvida por meio de contratos de planejamento, realizados desde o incio dos anos 80. No Brasil a principal discusso ser com relao ao setor de energia (consulte a seo de energia). Nos demais setores, no h grandes empresas pblicas em nvel federal.

    Um breve resumo das autoridades abrangidas

    As autoridades abrangidas por este estudo tm responsabilidades-chave nos setores de in-fra-estrutura no Brasil. O setor de energia, no qual o estado ainda tem responsabilidade como acionista majoritrio, diferente de outros mercados amplamente deixados para a iniciativa privada. O mercado de planos de sade privados tambm completamente diferente, pois no envolve facilidades essenciais ou uma infra-estrutura de rede. O seguro sade no um servio universal, mas a interao com o Sistema nico de Sade (SUS) um elemento prin-cipal desse setor. Cada uma das agncias reguladoras estudadas neste relatrio tem vinculao a um ministrio, o que ser percebido na introduo setorial de cada uma delas. A Agncia Nacional de Energia Eltrica (ANEEL) foi a primeira a ser criada, ao passo que a Agncia Nacional de Sade Suplementar somente foi criada em 2000, com a Agncia Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sendo criada em 2001. A maioria dessas agncias ainda est em seus primeiros anos de existncia. Elas podem ser comparadas s primeiras autoridades independentes a se estabelecer no Brasil, que incluem o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econmica), que foi fundado em 1962, mas com um status institucional diferente. A constituio dessas autoridades tem gerado um amplo debate poltico no Brasil. Ainda que este estudo no envolva todas as agncias reguladoras no Brasil, ele oferece uma amostra sig-nificativa, incluindo diversos setores, e demonstra os principais desafios de governana que o pas enfrenta.

  • Parte IEstrutura regulatria global

  • Captulo 1A capacidade do governo de assegurar alta qualidade de regulao no Brasil

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    BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    Reforma regulatria em um contexto nacional

    Ambiente administrativo e jurdico para a reforma regulatria

    Nos ltimos 25 anos, poucas reformas do setor pblico em pases da OCDE receberam mais ateno do que aquelas realizadas na estrutura da regulao e na gesto regulatria. Hoje, todos os 30 pases da OCDE tm programas de gerenciamento regulatrio. Esses pro-gramas so focados no sistema de gerenciamento regulatrio e em assegurar a qualidade das novas regras existentes, bem como das j existentes regulaes (consulte o Quadro 1.1). Poltica regulatria, tal como ocorre com outras polticas governamentais centrais, como, por exemplo, poltica fiscal ou monetria, concentra-se e baseia-se dinamicamente na opinio de que assegurar a qualidade da estrutura regulatria uma funo permanente de governo. Isso significa que os governos esto adotando papis pr-ativos na implementao de sistemas de garantia de qualidade regulatria.

    Quadro 1 1 O que a regulao?

    No trabalho da OCDE, a regulao se refere ao conjunto diverso de instrumentos por meio dos quais os gover-nos estabelecem exigncias s empresas e cidados. As regulaes incluem as leis, pedidos formais e informais e normas subordinadas emitidas por todos os nveis de governo, e as normas emitidas por organismos no gover-namentais ou auto-reguladores a quem os governos delegaram poderes normativos. A legislao dividida em trs categorias:

    A legislao econmica interfere diretamente nas decises do mercado, como preos, concorrncia, entrada ou sada do mercado. As reformas visam aumentar a eficcia econmica pela reduo de obstculos concorrncia e inovao, freqentemente por meio da desregulao e pelo aperfeioamento da estrutura regulatria de funcio-namento do mercado e de sua atenta superviso.

    As regulaes sociais protegem os interesses pblicos, como sade, segurana, meio ambiente e dos mecanismos de coeso social. Seus efeitos econmicos podem ter importncia secundria ou at mesmo imprevista, mas eles podem ser substanciais. As reformas visam verificar se a regulao necessria, e projetar novos instrumentos, tais como a adoo de incentivos para o mercado que sejam simples, mais flexveis, eficazes e com preos mais baixos.

    As regulaes administrativas so trmites burocrticos e formalidades administrativas por meio das quais os go-vernos coletam informaes e intervm em decises econmicas individuais. Elas podem ter um impacto substan-cial sobre o desempenho do setor privado. A reforma visa eliminar as que no so mais necessrias, organizando e simplificando e aprimorando a transparncia em sua aplicao.

    Fonte: OCDE (1997), OECD Report on Regulatory Reform, Paris.

    Com mais de 185 milhes de habitantes e 8.5 milhes de km2 de territrio, o Brasil o maior pas da Amrica do Sul em populao e o quinto maior do mundo em rea. Contribui com cerca de 3% do PIB mundial (mais de 1.7 trilhes de dlares em PPP em 2006), que torna o Brasil uma das maiores economias mundiais.

    A economia do pas diversificada, aberta e orientada ao mercado. A agricultura respon-de por mais de 8% do PIB (796.1 bilhes de dlares em 2007),9 a indstria por 35% do PIB (principalmente uma extensa e diversificada base industrial, que varia da engenharia pesada a bens de consumo), e o setor de servios com 56%.

    O ambiente administrativo e legal para a reforma regulatria aquele no qual as deci-ses governamentais e administrativas so tomadas por autoridades e agncias vinculadas ao

    9 Banco Mundial (2007): World Development Indicators Database, Washington, Abril.

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    Captulo 1. A capacidade do governo de assegurar alta qualidade de regulao no Brasil

    Executivo. A Constituio Federal promulgada em 1988, um marco para a consolidao do processo democrtico, estabeleceu uma clssica diviso tripartite de poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judicirio, independentes e harmnicos entre si. No entanto, no regime presi-dencialista brasileiro, o Executivo tem amplos poderes, sendo o ator principal na elaborao de projetos de lei e na aprovao de normas voltadas para a regulao.

    O Poder Executivo exercido pelo Presidente da Repblica, apoiado pelos Ministros de Estado. Segundo o Decreto-Lei 200, de fevereiro de 1967, a administrao pblica federal est dividida em administrao direta e indireta (consulte o Quadro 1.2). A administra-o direta composta pelas estruturas administrativas da Presidncia da Repblica e dos ministrios. O Poder Executivo organizado em ministrios e secretarias especiais, em nvel ministerial, localizadas dentro da estrutura da Presidncia da Repblica. A estrutura interna dos ministrios fixada em decretos presidenciais e tende a seguir um padro uniforme: so divididos em uma secretaria executiva, ligada diretamente ao gabinete do ministro e diver-sas secretarias finalsticas. A secretaria executiva, em alguns ministrios, exerce um papel de superviso geral das secretarias finalsticas. Em outras, a secretaria executiva se concentra na formulao de polticas, enquanto as secretarias finalsticas se concentram na implementao dessas polticas. Geralmente, o nvel snior da secretaria executiva indicado pelo Presidente da Repblica, bem assim os diretores de cada secretaria finalstica.

    Alm disso, a estrutura do governo federal envolve diversas outras unidades ou organis-mos, correspondentes administrao indireta, com um status jurdico heterogneo, criado por lei. Essas unidades ou organismos incluem empresas pblicas, autarquias, sociedade de economia mista e fundaes pblicas.10 Geralmente, essas outras unidades ou rgos corres-pondem a entidades federais que implementam polticas sobre a orientao dos ministrios aos quais se vinculam. Algumas dessas entidades tm um histrico muito antigo, que quase sempre anterior criao do ministrio ao qual se subordinam. Em 1999, um decreto presi-dencial estabeleceu que deveria haver separao entre o processo de elaborao de polticas e a agncia, no contexto de legislao de superviso da sade no pas.11 No entanto, essa separa-o somente se confirma nas leis de criao de algumas agncias reguladoras; a necessidade de transparncia permanece em alguns setores. Este modelo administrativo tambm serviu para introduzir o contrato de gesto para garantir a responsabilizao entre ministrios e agn-cias; contrato este que, na maioria dos casos, no foi colocado em prtica.12 Aparentemente, inmeras razes explicam a utilizao limitada desse modelo. As secretarias finalsticas dos ministrios dispem de identidades distintas. O novo modelo no relaxou nenhum controle central de dados; ao contrrio, introduziu um novo nvel de controles, sem necessariamente reforar a responsabilizao dos agentes envolvidos.

    Uma notvel caracterstica da estrutura administrativa do governo federal a prevalncia de conselhos consultivos. Existem, em geral, vrios desses conselhos ligados a cada minis-trio. Eles se constituem por representantes dos respectivos ministrios do governo, outros nveis do governo e organizaes no-governamentais. Normalmente, esses conselhos no tm o papel de tomar decises, mas, particularmente, so um frum de desenvolvimento de

    10 As autoridades reguladoras discutidas no restante deste relatrio geralmente so autarquias, uma forma de rgo administrativo descentralizado.

    11 Decreto n 3.029, de 16 de abril de 1999.12 Os contratos de gesto foram adotados para algumas das autoridades discutidas neste relatrio.

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    BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    polticas e de identificao de reas onde a ao governamental necessria ou que necessita de melhorias.13

    Quadro 1 2 A evoluo da administrao pblica no Brasil

    Os fundamentos da moderna administrao pblica brasileira remontam aos anos 30, quando o processo de industrializao e de modernizao do pas exigia capacidades administrativas mais complexas para o Estado. Naquele perodo, o nmero de ministros, rgos e entidades governamentais responsveis pela formulao das polticas pblicas e os que expandiam o papel empreendedor do Estado cresceram consideravelmente.

    Os esforos de descentralizao e simplificao durante os anos de Kubitschek (1955-1960) e Goulart (1961-1964) foram substitudos por um maior centralismo durante o regime militar (1964-1985). Durante esse perodo, a centralizao implicou a concentrao dos poderes e recursos em nvel federal, mas uma descentralizao no nvel administrativo, que conduziu consolidao de uma burocracia tecnocrtica altamente qualificada em algumas reas de governo. Os regimes militares consolidaram a interveno do Estado na economia por meio da expanso da administrao indireta criada pelo Decreto-Lei 200, de 1967, que, ainda hoje, est parcialmente em vigor.

    O retorno da democracia em 1985 estimulou mudanas no modelo administrativo. A Constituio de 1988 esta-beleceu um regime legal nico para servidores pblicos, a equivalncia salarial para todos os poderes, reajustes salariais equiparados entre militares e servidores pblicos, a exigncia de prestao de contas para quaisquer alo-caes de recursos originrios no oramento, a incluso detalhada do oramento de todas os rgos e entidades pblicas no oramento pblico federal.

    O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, apresentado em 1995 pelo Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado, (MARE), identificou uma srie de gargalos segundo uma anlise sistematizada baseada em uma Nova Estrutura de Gesto Pblica. Entre eles, os custos crescentes da burocracia e de controles burocrticos e legais sobre a administrao pblica, a perda da autonomia das agncias responsveis pelo forne-cimento de servios, e a reduo das capacidades dos Ministrios para formular polticas e controlar os rgos e entidades centrais da administrao pblica. O Plano propunha a reorganizao das atividades responsveis pelo Estado: separao entre a formulao de polticas, regulamentao e controle e provimento de servios. A autono-mia administrativa foi fundamental para essas atividades nas mos da administrao pblica. O Plano visualizava organizar as agncias executivas e as agncias reguladoras. As primeiras seriam responsveis pela operao dos servios, enquanto as segundas seriam responsveis pela regulao dos mercados.

    Essa proposta de reforma, contudo, no foi plenamente executada. As mudanas concretas introduzidas posterior-mente eram limitadas em amplitude. A Emenda Constitucional 19, de 1998, entrou em vigor naquele ano acabou com o regime nico para servidores pblicos, o que abriu a possibilidade para diferentes alternativas de reorgani-zao do servio pblico federal, estadual e municipal. 1 A administrao de Fernando Henrique Cardoso tentou implementar o regime de emprego pblico nas agncias reguladoras, mas a Suprema Corte decidiu que no era aplicvel em seu caso (ADI No. 2.310, de 19 de dezembro de 2000), j que a Constituio exige estabilidade para os servidores pblicos responsveis por tarefas exclusivas de Estado. O nmero crescente de agncias reguladoras criadas foi induzido pela privatizao de setores de infra-estrutura.

    1. Uma deciso recente da Suprema Corte Brasileira (ADI No. 2.135) declarou inconstitucional a introduo de diferentes regimes trabalhistas na administrao direta, autarquias e fundaes pblicas, uma vez que a emenda constitucional no seguiu as exigncias constitucionais para a sua validao.

    As leis brasileiras tm sua origem nas tradies romano-germnicas, em oposio ao Sistema de Legislao Comum. Embora a maioria das leis brasileiras seja codificada, os esta-tutos no codificados ainda so parte substancial do sistema. A Constituio Federal a lei fundamental para o todo o sistema. Como o Brasil uma Repblica Federativa, os estados tambm adotam suas prprias constituies, mas no podem contradizer a Federal. Os mu-nicpios e o Distrito Federal adotam leis orgnicas. No existe hierarquia entre leis federais, estaduais, municipais e distritais. As leis que tratam de um mesmo assunto, ou invadam com-

    13 Esses conselhos existem em diversas reas das normas discutidas neste relatrio, mas geralmente no recebem apoio de uma secretaria importante.

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    Captulo 1. A capacidade do governo de assegurar alta qualidade de regulao no Brasil

    petncia reservada para leis de outra casa legislativa, ou que estejam em oposio direta s disposies estabelecidas na Constituio Federal, so inconstitucionais.

    Os esforos da reforma normativa no Brasil comearam na dcada de 90, quando o pas adotou um vasto programa de privatizaes, que foi acelerado aps o ano de 1994, com o Plano Real. O processo de privatizao dos principais setores de infra-estrutura foi caracte-rizado pela concesso de servio pblico, ao invs da transferncia permanente de proprie-dade.14 A administrao das concesses foi repassada a agncias reguladoras especiais (ou ministrios relacionados em alguns casos), modificando o cenrio institucional e a cultura de gesto do setor pblico no pas.

    Quadro 1 3 Reforma estatal e privatizao no Brasil: marcos do processo

    A Reforma do Estado no Brasil consistiu em duas partes distintas: reformas na administrao pblica e reformas econmicas envolvendo transformaes estruturais. Essas medidas se complementaram e precisaram ser prece-didas por emendas constitucionais, que deveriam ser seguidas pela aprovao de legislao infraconstitucional e de decises administrativas do Poder Executivo. As transformaes mais notveis foram:A primeira foi a eliminao de determinadas restries ao capital estrangeiro (emendas constitucionais 6 e 7, de 1995). A segunda introduziu a flexibilidade dos monoplios estatais, que modificou aspectos-chave da ordem econmi-ca brasileira (emendas constitucionais 5, 8 e 9, de 1995). A terceira transformao foi a introduo da estrutura de privatizao, mediante a Lei 8.031, de 1990, posterior-mente substituda pela Lei 9.491, de 1997, estabelecendo o Programa Nacional de Privatizao.

    Com o tempo, todo o processo de privatizao exigiu diferentes regulaes, em particular sobre questes econmicas; isso levou modernizao da lei da concorrncia. A Lei 8.884, de 1994 (Lei da Concorrncia) deu ao Conselho Administrativo de Defesa Econmica (CADE) o status de agncia governamental independente e versava sobre a preveno e represso s infraes contra a nova ordem econmica. Outro relatrio da OCDE analisou a Estrutura da Lei da Concorrncia no Brasil, a qual atualmente est sendo alterada, considerando as reco-mendaes daquele documento.15 (Consulte tambm o debate no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrncia na seo sobre Coordenao Horizontal com as agncias). A Lei 8.987, de 1995 (Lei das Concesses), estabeleceu uma estrutura regulatria para controlar as condies para a entrada, sada e a operao da iniciativa privada em setores da infra-estrutura. Essa Lei estava relacionada com a deciso de encerrar monoplios do setor pblico na rea de infra-estrutura, contribuindo para incentivar o Programa.

    Debates sobre a privatizao e regulamentao se concentravam, com freqncia, em se-tores especficos. Isso levou criao das agncias reguladoras para acompanhar o processo de privatizao e redefinir a ao do Estado brasileiro em setores econmicos (consulte o Anexo 1.A1., Tabela 1.A1.1). Essas agncias reguladoras so discutidas detalhadamente no Captulo 2, com nfase emquatro agncias federais.

    14 O processo de concesso funcionava assim: O vencedor do contrato administraria uma instalao por um perodo limitado (geralmente de 20 a 25 anos) no final do qual os ativos seriam revertidos para o Estado, a menos que houvesse uma nova concesso para a empresa anterior ou para a recm-chegada aps um leilo adequado. O contrato incluiria disposies de reajustes de taxas e tarifas, obrigaes de investimento tanto em manuteno quanto em atualizao das instalaes correspondentes etc. Amman, Edmund e Baer, Werner (2005): From the Developmental to the Regulatory State: the Transformation of the Governments Impact on the Brazilian Economy em The Quarterly Review of Economics and Finance, No.

    15 Para obter mais detalhes, consulte a OCDE (2005b), Competition Policy and Law in Brazil, Paris.

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    BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    Entretanto, se, por um lado, essas reformas iniciaram o debate sobre questes de regula-o, por outro, a agenda mais ampla para a reforma regulatria no Brasil vai alm do projeto institucional de agncias reguladoras, mesmo que elas tenham sido o foco de boa parte das discusses recentes. A melhoria do sistema jurdico do pas como um todo e de seus diferen-tes instrumentos (consulte o Quadro 1.4) uma rea essencial para assegurar o crescimento econmico sustentvel e fornecer uma estrutura clara aos cidados e agentes do setor privado. Ao passo que o Brasil tem uma estrutura relativamente organizada para preparar leis, com consultas informais e alguns procedimentos de controle de qualidade, tem carncia, de um sistema que garanta abrangente qualidade regulatria para avaliar o contedo de suas polti-cas, assim como de um sistema relacionado com leis, regulaes, prticas e procedimentos. Isso tambm tem implicaes importantes para os decretos e outras normas regulatrias que so controlados com menor rigor do que as leis. A estrutura federal refora esta complexida-de.

    Quadro 1 4 O instrumento jurdico no Brasil

    De acordo com a Constituio Brasileira (art 59), o processo legislativo inclui a preparao de diferentes instru-mentos legais:I. Emendas Constituio;II. Leis complementares;III. Leis ordinrias;IV. Leis delegadas;V. Medidas provisrias; VI. Decretos legislativos.Estes instrumentos legais tambm refletem a hierarquia das leis normativas do sistema brasileiro. Esto acima de outros instrumentos como as resolues, portarias, contratos e sentenas.

    Com um importante nmero de instrumentos legais produzido anualmente, hoje o Brasil tem mais de 3,5 milhes de normas nos nveis federal, estadual e municipal, as quais foram emitidas aps a promulgao da Constituio Federal em 1988.16 Mais de 68% do estoque de atos normativos federais foram anulados com a Constituio, mas os demais instrumentos legais ainda so motivo de confuso, pois existem textos obsoletos, parcialmente desatuali-zados ou sobrepostos a outras normas legais. Isso levou incerteza legal e conflito, criando custos desnecessrios para empresas e cidados. Desde 1998, a Lei Complementar n 95 est em vigor, e determina que as secretarias especiais e os ministrios, bem como as entidades da administrao indireta, adotem medidas para fazer a seleo e a consolidao dos decretos e de outros instrumentos legais em suas reas de responsabilidade. Entretanto, poucas propos-tas para a consolidao legal tm sido feitas desde ento.

    16 Estima-se que o nmero de leis atualmente no sistema judicirio brasileiro seja de 3.510.804 normas. Amaral, Gilberto et al. (2007), Quantidade de normas editadas no Brasil: 18 anos da Constituio Federal de 1988, Instituto Brasileiro de Planejamento Tributrio, Curitiba.

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    Captulo 1. A capacidade do governo de assegurar alta qualidade de regulao no Brasil

    Tabela 1 1 Regulamentaes legais no Brasil adotadas aps a Constituio de 1988

    Normas Federais N de normas federais gerais

    Constituio Federal 1

    Emendas constitucionais de revises 6

    Emendas constitucionais 52

    Leis delegadas 2

    Leis complementares 63

    Leis ordinrias 3.701

    Medidas provisrias originais 940

    Medidas provisrias reeditadas 5.491

    Decretos federais 8.947

    Normas complementares 122.568

    Total 141.771

    Normas estaduais N de normas estaduais gerais Mdia por Estado

    Leis ordinrias complementares 206.202

    Decretos 296.124

    Normas complementares 388.786

    Total 891.112 33.004

    Normas municipais N de normas municipais gerais Mdia por municpio

    Leis ordinrias complementares 418.088

    Decretos 467.464

    Normas complementares 1.592.368

    Total 2.477.920 446

    Fonte: Jornal do Senado, Braslia, 9-15 de abril de 2007, p. 8 e Amaral, Gilberto et. al. (2007), Quantidade de normas editadas no Brasil: 18 anos da Constituio Federal de 1988, Instituto Brasileiro de Planejamento Tributrio, Curitiba.

    Mesmo dentro desta estrutura administrativa, progressos considerveis tm sido feitos nos ltimos anos visando estabilidade macroeconmica e reestruturao da economia. A estabilizao macroeconmica de meados de 1990 e o cumprimento de uma srie de reformas estruturais tm facilitado o aumento da produtividade. Mas o desempenho do crescimento do PIB do Brasil (em uma mdia aproximada de 2,5% ao ano desde 1995) precisa melhorar para pr fim a uma diferena de renda cada vez maior em relao rea da OCDE. Os benefcios totais da estabilizao nos termos de um rpido crescimento sero colhidos somente aps ter consolidado o ajuste macroeconmico, impulsionando a inovao no setor empresarial e intensificando a utilizao do trabalho formal.17

    Com este fim, em janeiro de 2007, o governo atual implantou o Programa de Acelerao do Crescimento PAC com a inteno de impulsionar o investimento. Um dos desafios para alcanar este objetivo executar as vrias reformas estruturais necessrias para promover uma maior competitividade. As exigncias ao Brasil, na esfera de investimento do setor pri-vado, so mais provveis de serem cumpridas se o pas remover as barreiras competio e ao esprito empreendedor, e se for reduzida a incerteza regulatria, definindo claramente a funo do governo no planejamento e na oferta de servios pblicos.18 Mesmo que esforos

    17 OECD (2006), Economic Survey Brazil, Paris.18 OECD (2005c), Economic Survey Brazil, Paris, p. 94.

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    BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    significativos tenham sido feitos para facilitar a emisso de licenas, permisses e exigncias administrativas (veja Figura 1.1), barreiras legais competio permanecem e os direitos de votos especiais do governo nas empresas, dentro do setor empresarial, representam constran-gimentos ao investimento privado. Alm disso, a sobrecarga administrativa e licenas so significativas no nvel local. As licenas ambientais so tambm um obstculo significativo em relao ao esforo do investimento no setor da energia.

    Figura 1 1 Facilitando permisses, licenas e exigncias administrativas

    0

    2

    4

    6

    8

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    14

    AUS EU EU

    A ISL FIN IRLJPNNZLSVKSUEDINALEM HU

    NCHELUXCANTUR RU AU

    THOLNORPOLTCHBELITA BR

    APRTESPFRAGRECORMEX

    Esco

    re

    Observao: A figura intenciona ilustrar, com uma defasagem de dois anos, a posio geral dos sistemas de gerenciamento de qualidade regulatria no Brasil, relativamente aos pases membros da OCDE. Isto baseado na comparao das respostas recebidas do Brasil em 2007 a um questionrio sobre indicadores de regulao em sistemas da gesto da qualidade, com as respostas fornecidas por pases membros da OCDE em 2005. No grfico atual, notas mais elevadas significam que diversas ferramentas foram usadas para facilitar a concesso de permisses e de licenas. Entretanto, isso pode no refletir a atual praticabilidade de se obter uma permisso. A posio atual dos pases da OCDE pode ter mudado em relao ao perodo analisado.Fonte: Jacobzone, S., G. Bounds, Ch.-W Choi, C. Miguet (2007), Regulatory management systems across OECD

    countries: indicators of recent achievements and challenges, OECD Working Papers on Public Governance, No. 74.

    Iniciativas recentes e atuais de reforma regulatria

    A reforma regulatria no Brasil foi marcada, principalmente, pela necessidade de esta-belecer uma estrutura institucional para regular setores econmicos, quer dizer, criar agn-cias reguladoras. Estabelecer reguladores no Brasil gerou um debate domstico significativo, discutido no Captulo 2. Esta preocupao tornou-se ainda mais sria, devido s flutuaes do real no contexto da crise econmica, quando alguns aspectos referentes prestao de servios pblicos regulados, incluindo preos, foram afetados pela taxa externa de cmbio, tal como ajustes de preo da telecomunicao. (veja a seo sobre telecomunicaes).

    A criao de agncias reguladoras no Brasil foi assunto de intensa controvrsia desde sua concepo. Em 1995, o governo, e em particular o Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado, MARE, que foi extinto em 1998 e cujas funes foram absorvidas pelo Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto, apresentou um amplo programa de refor-mas, relacionado principalmente descentralizao de servios pblicos e ao fortalecimento de um ncleo estratgico de polticas pblicas e de novas funes regulatrias. A Casa Civil da Presidncia da Repblica exerceu um papel de liderana na proposio da criao de agn-cias reguladoras. O Congresso tambm participou do debate, o qual estava focado no grau

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    Captulo 1. A capacidade do governo de assegurar alta qualidade de regulao no Brasil

    de independncia poltica e administrativa e de autonomia em relao aos ministrios envol-vidos. Estas questes so discutidas em detalhes ao longo deste relatrio; este captulo ser focalizado sobre os aspectos mais gerais da reforma regulatria, que surgiram recentemente no debate domstico, numa tentativa de trazer o Brasil para mais perto da tendncia predo-minante nos pases da OCDE.

    O PRO-REG (Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gesto em Regulao)

    Em 2007, a Casa Civil, em trabalho conjunto com os Ministrios da Fazenda e do Planejamento, Oramento e Gesto, elaborou e props o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gesto em Regulao (PRO-REG). Este Programa foi desen-volvido com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); a proposta aju-dar a implementar o sistema regulatrio e a coordenao entre as instituies que participam do processo regulatrio. O Programa visa a introduo de novos mecanismos para a respon-sabilizao, participao e monitoramento da sociedade civil e em reforar a qualidade da regulao dos mercados. So objetivos do PRO-REG: Reforaro sistema regulatriopara facilitaro exercciode todas funespor todosos

    atores; Reforarascapacidadesparaformulareanalisarpolticaspblicasemsetoresregulados; Melhoraracoordenaoevisesestratgicasentrepolticassetoriaiseoprocessoregula-

    trio; Reforaraautonomia,transparnciaedesempenhodeagnciasreguladoras;e, Desenvolveremelhorarmecanismosparaaresponsabilizaosocialetransparnciadu-

    rante o processo regulatrio. O PRO-REG, por intermdio das aes do comit gestor e do comit consultivo, dever

    mobilizar as diferentes instituies, dentro da administrao, que so envolvidas no processo regulatrio. O programa ser responsvel pela coordenao e promoo de anlises e pesqui-sas, bem como da formulao das propostas concretas a serem executadas pelas unidades res-ponsveis pela regulao. Ele tambm dever fornecer suporte tcnico a diferentes unidades relacionadas com a implementao e o estabelecimento de um modelo da excelncia para a gesto regulatria.

    A fim de implementar o PRO-REG, duas instncias foram criadas: um Comit Gestor CGP e um Comit Consultivo CCP, coordenados pela Casa Civil da Presidncia da Repblica: Comit Gestor. Composto por representantes da Casa Civil, do Ministrio da Fazenda, e

    do Ministrio do Planejamento, Oramento e da Gesto; esse comit responsvel pela definio das diretrizes estratgicas do PRO-REG, pelo estabelecimento das prioridades do programa, pela coordenao com as diferentes instituies envolvidas na fase de im-plementao e pela apresentao de relatrios dos avanos alcanados. O coordenador do comit poder convidar representantes de instituies pblicas e privadas, do Legislativo e do Judicirio para participar das reunies. O comit poder estabelecer temporariamente grupos de trabalho especficos ou comisses para tratar de propostas concretas.

    Comit Consultivo. Composto por representantes das agncias reguladoras, dos minist-rios supervisores dessas agncias, do Ministrio de Justia e do Conselho Administrativo para Defesa Econmica (CADE). O Comit Consultivo responsvel por levar adiante

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    BRASIL: Fortalecendo a governana para o crescimento

    propostas para aprimorar o PRO-REG, e providenciar assistncia, apoio e consultoria ao Comit Gestor, bem como melhorar o nvel tcnico das aes empreendidas. A Subchefia de Anlise e Acompanhamento de Polticas Governamentais da Casa Civil

    ser responsvel pelo apoio tcnico e administrativo ao PRO-REG, preparando suas reunies e acompanhando a execuo das medidas adotadas. Um dos aspectos controversos do recente processo de anlise poltica o estabelecimento de uma unidade de coordenao, acompa-nhamento e avali