Relatório_Violência Policial e Insegurança Pública

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

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Relatório RIO:

violência policial e insegurança pública

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Rio de Janeiro, Outubro de 2004

Relatório RIO:

violência policial e insegurança pública

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

Organização: Diogo Azevedo Lyra, Marcelo Freixo, Marie-Eve Sylvestre e Renata Verônica Côrtes de Lira

Edição e Revisão: Andressa Caldas e Sandra Carvalho

Equipe de Pesquisa: Diogo Azevedo Lyra, Carlos Eduardo Gaio, Fannie Lafontaine, Juliana Neves Barros,Lincoln Ellis, Mahine Dorea, Marcelo Freixo, Marie-Eve Sylvestre, Renata Verônica Côrtes de Lira, SusannePack, Autumn François e Jaclyn Shull

Tradução: Lincoln Ellis, Fannie Lafontaine, Autumn François, Jaclyn Shull, Lindsay Lang, Alcinoo Giandinoto,Julia Figueira-McDonough, Kathleen McArthur, James Ahlers e Chrissy Monta

Revisão da tradução: Carlos Eduardo Gaio e Emily Schaffer

Capa: Fotos Carlos Moraes, cedidas pelo Jornal O Dia, Rio de Janeiro

Projeto Gráfico: Sandra Luiz Alves

Diagramação: Cláudio Gonzalez

Fotolito e Impressão: Raiz

Centro de Justiça Globalwww.global.org.brAv. N. Sra. de Copacabana, no 540/402CopacabanaCEP 22020-000Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)

R321

Relatório RIO: violência policial e insegurança pública / organi-zação: Diogo Azevedo Lyra... [et al.] ; tradução: Lincoln Ellis...

[et al.] — Rio de Janeiro : Justiça Global, 2004.74 p. ; 18x25cm.

Publicado com: RIO Report: police violence and public security

ISBN- 85-98414-03-4

1. Direitos humanos - Rio de Janeiro (Estado) 2. Segurança pública- Rio de Janeiro (Estado) 3. Abuso de autoridade - Rio de Janeiro(Estado) I. Lyra, Diogo de Azevedo. II. Ellis, Lincoln. III. Centro deJustiça Global.

CDD 363.220981

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Agradecimentos

Este relatório é resultado do esforço conjunto daequipe de pesquisa do Centro de Justiça Global.Agradecemos a todos aqueles que forneceraminformações para este relatório e responderam anossas solicitações de entrevista, em especial àsorganizações parceiras no Rio de Janeiro.

Em especial, agradecemos a Alessandro Molon,Andréa Alves da Penha, Chico Alencar, CleunicePitombo, Dalva Correia, Dílson Madeira, ElizabeteMaria de Souza, Elizabeth Medina Paulino,Geraldo Prado, Ignácio Cano, Joaquim Domingosde Almeida Neto, JoãoGustavo Vieira Velloso, JoãoLuiz Duboc Pinaud, José David, Julita Lemgruber,Leandro Ríspoli, Márcia Batista de Melo, MárciaJacintho, Marcos Aurélio Marques de Freitas,Marcos Diniz, Maria Fernanda Duarte Faustino,Maria Lucia Karam, Mauricio Zanoide de Moraes,Paulo Baía, Pedro Roberto da Silva, Roberto Kantde Lima, Siley Muniz Paulino, Silvia Ramos, TâniaKolker.

Agradecemos de forma especial ao repórterfotográfico Carlos Moraes e ao Jornal O Dia, quegentilmente cederam as fotos que ilustram a capado relatório.

O Centro de Justiça Global também gostaria deagradecer e expressar seu apreço à Fundação Fordpelo apoio a essa publicação.

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Colaboração e Fonte de Pesquisa

� Centro de Estudos de Segurança e Cidadania – Universidade Cândido Mendes/RJ��Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro��Conselho da Comunidade da Comarca do Rio de Janeiro��Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro��Corregedoria Geral Unificada das Polícias Civil, Militar e do Corpo de Bombeiros Militardo Estado do Rio de Janeiro��Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos (FENDH)��Fundação São Martinho��Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM/RJ)��Instituto de Segurança Pública da Secretaria de Segurança Pública/RJ��Laboratório de Análise da Violência da UERJ��Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas - NUFEP- Universidade Federal Fluminense��Secretaria de Estado de Direitos Humanos do Rio de Janeiro

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APRESENTAÇÃO

CAPÍTULO IAspectos da violência no Rio de Janeiro:entre vítimas e algozes

CAPÍTULO IICasos emblemáticos de violência policial em 2004

CAPÍTULO IIIMorosidade na investigação: uma amostra daimpunidade no Rio de Janeiro

RECOMENDAÇÕES

Sumário

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despeito das diferentes visões emrelação ao entendimento sobre

quem e como se produz a violência noRio de Janeiro, sua sistematicidade ebanalização ensejam ao menos um senti-mento em comum, contido justamente norepúdio a sua manifestação como rotinadiária, perpetuadora da insegurança.

Porém, ainda que a faticidade da vio-lência seja percebida por todos como algocuja necessidade de resolução é impera-tiva, as diferentes perspectivas sobre suamanifestação possibilitam diferentes es-tratégias de ação, geradoras, por vezes,de efeitos diametralmente opostos.

Dessa forma, podemos dizer que, namaioria das vezes, é o entendimento so-bre como a violência se produz o fatordeterminante tanto da implementação depolíticas públicas específicas que visemsuperá-la, quanto da legitimação ou nãodestas políticas pelo corpo da sociedadecivil, construídas a partir dos efeitos queproduzem cotidianamente. Assim, enten-der as causas e conseqüências da violên-cia implica também em entender as estra-tégias oficiais que são implementadas paratentar combatê-la, averbando ou contes-tando-as de acordo com os resultados quevenham a consolidar.

Apresentação

Nesse sentido, a apropriação do dis-curso da violência no campo político devevir acompanhada de amplos debates pú-blicos, na medida em que as decisões to-madas pelas autoridades desdobram seusefeitos para todo o círculo social, poden-do atingir seus resultados ou, do contrá-rio, contribuir ainda mais para o agrava-mento de uma situação de caos.

Esse relatório do Centro de JustiçaGlobal busca contribuir para um debatemais profundo sobre a questão da violên-cia e da segurança pública no estado doRio de Janeiro. Dessa forma, partindo dopressuposto de que é na reflexão sobre aprodução da violência que encontramoso pilar central das estratégias e da legiti-midade concedidas à sua supressão, op-tou-se por elaborar um relatório que pu-desse oferecer uma reflexão à forma pelaqual as autoridades públicas fluminensestêm definido suas estratégias na área dasegurança pública.

Assim, a partir de um trabalho de pes-quisa jurídica, acadêmica e jornalística –além de entrevistas com as vítimas e visi-tas in loco nas áreas atingidas pela violên-cia do Estado - o Centro de Justiça Globalobteve as fontes necessárias para a com-posição deste Relatório, cujo objeto refe-

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re-se justamente à crescente deterioraçãodos direitos humanos no Rio de Janeiro,em especial daqueles que, oriundos dascamadas populares, constituem as princi-pais vítimas da violência policial, con-duzida, muitas vezes, pela criminalizaçãoda pobreza neste estado.

O primeiro capítulo do relatório, As-pectos da violência no Rio de Janeiro:entre vítimas e algozes, traça uma críticareflexiva sobre a escalada da violência doestado nos últimos 5 anos, centrada nasações e omissões do poder público no quetange à condução das políticas de segu-rança, seu sistema de justificativas e suarelação hierarquizada com as classes so-ciais.

No segundo capítulo, Casos emble-máticos de violência policial em 2004,são relatadas algumas das violações dedireitos humanos ocorridas no Rio de Ja-neiro apenas neste ano. É importante fri-sar que tais violações, ainda que maciça-mente dirigidas aos grupos marginaliza-dos da sociedade —como os moradoresde comunidades carentes—, começam a

ampliar seu horizonte, atingindo tambémmembros da classe média fluminense.

O terceiro capítulo do relatório, Moro-sidade na investigação: uma amostra daimpunidade no Rio de Janeiro, traz umarelação de casos acompanhados pelo Cen-tro de Justiça Global durante os últimosanos, revelando o descaso e cumplicidadedas autoridades em relação aos agentespúblicos perpetradores da violência.

Ao final, nas Recomendações sãoapresentadas uma série de sugestões re-lativas às formas de contenção da violên-cia estatal, no intuito de tentar apontar no-vos caminhos para a segurança públicano Rio de Janeiro.

Esperamos sinceramente que este re-latório possa contribuir de alguma formapara ampliar o debate em torno da vio-lência e, principalmente, ensejar mudan-ças tanto objetivas quanto subjetivas a res-peito da concepção e condução da políti-ca de segurança pública neste estado, quedeve ser dirigida a todos os cidadãos flu-minenses e estar fundada no respeito má-ximo aos direitos humanos.

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Capítulo I

Aspectos da violência no Rio de Janeiro:entre vítimas e algozes

ano de 2004 marca o aniversário de40 anos do golpe militar, responsá-

vel pelo mergulho do país em um regimeditatorial que teve duração de pouco maisde vinte anos. Esse período foi caracteri-zado pela arbitrariedade do poder executi-vo, cujo primado da violência rapidamen-te se estabeleceu como norma de resolu-ção de conflitos. A justificativa residia na“apreensão” das autoridades militares quan-to à rápida disseminação de ideais comu-nistas, que, segundo eles, punham em riscoa direção e a segurança nacional do país.

Atribuíam, em certa medida, o endu-recimento de seu comportamento à açãodos ditos grupos subversivos, causadoresde instabilidade política e de conflitosque, segundo os militares, impunham umritmo ainda mais drástico no uso “legíti-mo” da violência pelo Estado.

As torturas e execuções empreendi-das nesse período apresentavam viésinvestigativo e punitivo, a serviço da “se-gurança nacional”, mas também represen-tavam uma demonstração, mais do quesimbólica, de que o primado do Estadode Direito no país não era mais que uma

peça figurativa a serviço dos interesses dopequeno grupo dominante formalmentechamado de “governo”.

O sufocamento da sociedade civil pormeio tanto da violência propriamente ditaquanto da edição de documentos sem le-gitimidade alguma, como o AI-5

1 por

exemplo, também foi elemento decisivopara a paulatina supressão das garantiasindividuais no Brasil, abarcando não sóos grupos “alvo” como também todo orestante da população.

O que antes parecia ser apenas umaluta pela hegemonia do poder político e,assim sendo, restrita ao confronto entreas forças do Estado e os grupos subversi-vos, expandiu-se para toda a sociedade,que se viu atingida, de forma contunden-te e direta, pelos impulsos autoritários erestritivos dos militares.

As marcas impressas na estruturaçãoda sociedade brasileira por esse períodoforam determinantes para a construção deuma falsa percepção da cidadania, inscri-tas, a princípio, no comportamento institu-cional, mas que se transpuseram fortemen-te para o senso comum da sociedade em

1 O AI-5, ou Ato Institucional n.º 5, foi um documento editado pelo governo militar, no auge do endurecimento do regime ditatorial,quando então o poder do Estado centralizado, personificado pelo Executivo, foi ampliado à custa da restrição de uma série de garantias eliberdades civis, como a censura e a proibição de associações, por exemplo.

Atualizando o passado: o Rio de Janeiro autoritário

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geral, de modo que, não raro, manifesta-ções de cunho social, ainda hoje, podemser associadas a atos de desordem ou amea-ça à segurança.

Com o fim da ditadura e a promulga-ção da Carta Constitucional de 1988, en-fim delineou-se todo um conjunto de ins-tituições democráticas que, não obstantesua profundidade jurídica, na prática ain-da estavam muito afastadas do cotidianoda maioria da população.

As relações entre o poder público e asociedade civil foram lentamente se res-tabelecendo e, ainda que permanentemen-te desiguais, muitos traços de melhorapuderam ser percebidos. Nesse sentido,uma das conseqüências mais visíveis des-sa nova correlação de poderes foi a emer-gência dos movimentos sociais, em espe-cial, dos movimentos de luta pelos direi-tos humanos, que enfocavam a defesadireta do cidadão contra as arbitrarieda-des do Estado. O estado do Rio de Janei-ro ocupa um dos lugares de destaque nes-sa história, tanto como palco de resistên-cia passada - na medida em que estabele-ceu forte efervescência contestatória emrelação ao poder militar – quanto de arti-culações presentes, exibindo um dos maiscomplexos e intricados eixos de luta pelaproteção dos direitos humanos no Brasil.

É, porém, no reviver nada românticodesse conflito entre um Estado autoritá-rio e violento e a sociedade civil, que pre-tendemos situar atualmente o Rio de Ja-neiro, apontando o agravamento do pro-cesso de deterioração das liberdades ci-

vis e do aumento de violações de direitoshumanos por parte dos agentes públicos.

Assim, é no intuito de demonstrar aarbitrariedade e o (des) controle pela forçaimpostos pela apropriação e confisco daordem democrática no estado do Rio deJaneiro, que trataremos de estabelecer umaanálise conjuntural dos principais fatoresque têm contribuído para as constantes - ecada vez mais inaceitáveis – violações dosdireitos fundamentais e para a crise da se-gurança pública neste estado.

No entanto, é bom ressaltar que a con-tribuição do regime militar para a atualsituação, ainda que bastante significativa,não compreende a causa em si, e tão pou-co a sustentação da degradante condiçãodos direitos humanos e da segurança pú-blica no Rio de Janeiro. É preciso dizerque por maiores que sejam as conexõescom os artifícios políticos e jurídicos usa-dos durante a ditadura militar nas déca-das de 60 e 70, o modelo atual obedece aprincípios bastante contemporâneos decontrole e regulação social, pautados, prin-cipalmente, nas mudanças macro estru-turais propiciadas pela introdução domodelo econômico neoliberal, a partir dadécada de 80.

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A criminalização da pobreza é umaconseqüência direta da exclusão socialproveniente desta nova ótica neoliberal,cujo paradoxo consiste justamente na pro-dução – junto aos grandes lucros – de umnúmero cada vez maior de miseráveis,inaptos, e, portanto, condenados ao os-tracismo ou eliminação do corpo social.

2Esta realidade neoliberal que se introduz com força total no Brasil a partir da década de 80 se traduz numas maiores desigualdades socio-econômicas internas do mundo com 1% dos fazendeiros possuindo 46% das terras férteis do país e com 36,3% das pessoas de 10 anos oumais de idade, ocupadas, com rendimento de trabalho igual ou inferior ao salário mínimo por oposição ao 1,4% dessas pessoas ganhandomais de 20 salários mínimos. Dados do IBGE: http://www.ibge.gov.br/brasil_em_sintese/tabelas/trabalho_tabela02.htm

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A segmentação socialno Rio de Janeiro

Um governo democrático deve pau-tar-se no respeito universal de todos osseus cidadãos, na medida em que, pelosufrágio universal, são eles os detentores,igualmente, da legitimidade do poder.

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A despeito da dificuldade em se en-quadrar qualquer país no modelo acimadescrito, é possível estabelecer como mar-co conceitual, a democracia como um pro-cesso em que há a livre escolha dos diri-gentes e o tratamento paritário dos cida-dãos. Assim, ainda que haja variação en-tre os diversos modelos democráticos en-contrados e as diversas teorias a respeitoda abrangência do conceito de democra-cia, podemos localizar, dentro de cada con-texto, a existência de um minimum demo-crático.

Nesse sentido, a questão da violênciano Rio de Janeiro e a reação das autorida-des públicas constitui-se em casoemblemático de tratamento desigual entreos cidadãos, pois suscita problemas gerais,cujo processo de resolução diferencia-sede acordo com o cidadão afetado. Essa vio-lência, por sinal, estaria tão enraizada nocotidiano fluminense que sua situação foicaracterizada como uma guerra civil, deri-vada da existência de um “poder parale-lo”, impositor do terror e da desordem. Noentanto, nesta “guerra”, a identificação do

inimigo obedece a critérios geográficos esociais, que impõe às camadas mais mise-ráveis da população a triste generalizaçãoentre pobreza e crime.

Esta perigosa divisão resulta aindamais danosa em terras fluminenses, namedida em que as áreas marginalizadasencontram-se geograficamente misturadasàs zonas médias e ricas de todo o estadodo Rio. Com isso, ao etiquetar o supostoinimigo, dentro deste contexto, cria-se umforte clima de medo e desconfiança que,potencializados por uma intensa campa-nha de mídia, acabam por dominar os sen-timentos de boa parte da sociedade.

A crescente desigualdade social aca-ba por fornecer elementos suficientes paraque muitos optem por atividades ilícitascomo meio de vida, sendo identificadanão como uma das causas da criminali-dade, mas como uma característica docriminoso, levando à associação e gene-ralização entre pobreza e crime.

4 Nas pa-

lavras de Zigmunt Bauman “a pobrezanão é mais um exército de reserva de mãode obra, tornou-se uma pobreza sem des-tino, precisando ser isolada, neutraliza-da e destituída de poder”.

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As teorias criminais, antes enraizadasna plena concepção de que comportamen-tos desviantes deveriam ensejar umareestruturação do indivíduo, de modo atorná-lo apto para a vida em sociedade,mudaram seu enfoque, admitindo a parti-

3 A democracia, como forma de governo, finca suas raízes em Aristóteles, filósofo grego, que a definiu como “o governo de todos os cidadãos”.Esta concepção alçou grande status no período medieval, quando se consagrou a máxima “todo poder emana do povo”. Atualmente, asdemocracias encontradas ao redor do globo obedecem a uma combinação deste preceito com a divisão dos três poderes – executivo, legislativoe judiciário - sugerida por Montesquieu, originando o entendimento de república, em latim, res publica, que quer dizer coisa pública.

4 A falta de oportunidade e mobilidade faz do jovem um exemplo claro desta afirmação. Suas necessidades materiais são geralmente frustradas pelaimpossibilidade de emprego e qualificação, construindo um quadro descritivo em que, contextualizado com o forte apelo consumista dentrodesta faixa etária, o impele à busca de meios outros para satisfazer suas necessidades. O Rio de Janeiro apresenta o maior índice de homicídiosde jovens em todo o Brasil (118,9 por 100.000 habitantes), além de exibir também uma forte mudança em seu perfil carcerário, cada dia mais jovem.Ver: Mapa da Violência IV – UNESCO, 2004. A base de dados deste último mapa da violência é de 2002. Ver também “Jovens Vítimas”. OGlobo, 8 de junho de 2004.

5 Bauman, Zigmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000.

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cular visão de que o criminoso escolhe seudestino, opta pelo crime, naturalizando-oe redefinindo as respostas à esse com-portamento.

Ocorre então, em um primeiro momen-to, a aceitação do criminoso como ummembro qualquer da sociedade, apto àsescolhas e soluções levadas por qualquercidadão. Em um segundo momento, comoque adentrando um portal, o criminoso tor-na-se alguém apoiado no crime pela ga-nância, vingança ou revolta.

6 Com isso, este

viés optativo transfere toda a culpa ao de-linqüente, que passa a ser um inimigo docorpo social, sujeito, portanto, ao tratamentodispensado aos inimigos: a eliminação.

Assim, ante o estímulo de se “enten-der menos e punir mais”, a cidade situasua esfera pública naqueles que não opta-ram pelo crime, que se constituem, por-tanto, nas verdadeiras vítimas. No entan-to, deve-se ressaltar que não só a ativida-de criminosa funciona como parâmetronesse contexto, mas, principalmente, a“potencialidade” para o crime. Com isso,a identidade estabelecida entre pobreza ecriminalidade funciona de modo a incluiras camadas miseráveis da população norol de não portadores de direitos - a des-peito de serem estas populações as que maissofrem os efeitos da violência.

Assim, as violações aos direitos huma-nos ocorridas nestas comunidades respon-dem à apreensão da pobreza como peri-go, motivo pelo qual tanto os criminososquanto os moradores destas localidades sãoencarados como iguais. A oposição entrecidadão e criminoso passa a ser sutilmen-te entendida como a oposição entre cida-dão e favelado, constituindo assim os doislados da “guerra”.

Esta ótica vingativa responde não àsnecessidades do corpo social em si, masdizem respeito à dissimulação do poderpúblico ao não assumir sua incapacidadede modificar a situação a curto prazo. As-sim, a profusão nos rádios, jornais e tele-visão da exploração sensacionalista da vi-olência, quase sempre em consonânciacom o já citado preceito do “entender me-nos e punir mais”, dirige o corpo social aum falso clamor por “justiça”, que é habi-lidosa e demagogicamente manipuladopelo Estado na perpetração da violência,travestida como “resposta” à criminalidade- mas que diz respeito, em última instân-cia, ao etiquetamento penal de suas cama-das mais miseráveis.

Além disso, em um estado como o Riode Janeiro, onde a miséria se apresentageograficamente distribuída, mesmo nosbairros nobres, a tensão propiciada poressa situação serve de pretensa justificati-va para um maior controle social, desme-dido justamente pela averbação tácita quea sociedade, geralmente apavorada, con-cede às ações que culminam em violênciapor parte dos agentes de Estado.

Porém, seria um olhar reducionistaaquele que se propusesse avaliar as condi-ções de agravamento da violência estatalcomo se estivesse restrito a uma respostaconjugada no crime e mídia. De fato, tan-to a exclusão social – e o agravamento dacriminalidade – quanto o sensacionalismomidiático constituem pilares dessa situação,mas esta não seria possível sem um cuida-doso “jogo de xadrez” empreendido pelopoder público, de modo a subsumir paula-tinamente a participação da sociedade ci-vil no Rio de Janeiro, além de ridicularizare desacreditar suas demandas.

6 Garland, David: “As Contradições da Sociedade Punitiva”, Revista de Sociologia e Política, No. 13, Novembro de 1999, p. 59.

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É nesse sentido que a situação de vio-lações de direitos humanos reinante no Riode Janeiro não pode ser avaliada somen-te tendo em vista o incremento da crimi-nalidade e o tratamento dispensado a esseaumento pela mídia. Deve-se levar emconsideração, principalmente, as açõespromovidas pelo aparato do Estado, nointuito de minar a luta pelo respeito à ci-dadania e equanimidade no trato social.Assim, além de uma política objetivamen-te mais violenta, outras ações mais sutisdas autoridades estaduais foram essenci-ais para possibilitar um crescente freneside execuções, torturas, desaparecimentos,detenções ilegais e confissões forçadas,sem abrir espaço para maiores cobrançasda sociedade civil.

Uma pequena trajetóriada violência estatal

Ainda vivendo as conseqüências de umperíodo em que se recompensava cadapolicial com um incremento salarial quevariava de 50 a 150 % de seu salário -sem-pre que fosse feita uma vítima letal - ascobranças por uma nova política de segu-rança, bem como por uma nova polícia,foram as principais vedetes da campanhaeleitoral de 1998 no Rio de Janeiro.

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Uma composição entre o Partido De-mocrático Trabalhista (PDT) de AnthonyGarotinho e o Partido dos Trabalhadores

(PT) de Benedita da Silva chegou ao po-der com a promessa de “reabilitar” a po-lícia, contando para tanto com Luiz Eduar-do Soares, sociólogo especialista em vio-lência, trabalhando junto à pasta da Se-cretaria Estadual de Segurança Pública,como Coordenador.

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A então chamada “banda podre” dapolícia deveria ser suprimida, através deuma série de medidas, que incluíam o ri-gor nas investigações, o combate aos ca-sos de corporativismo, a resposta imedia-ta das autoridades quando da ocorrênciade uma violação, o estudo de mecanis-mos de controle externo, entre outras.

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Como resultado direto deste início dereformulação, o balanço do primeiro anofoi a redução em 40% do número de civismortos pela polícia, bem como a reduçãodo número de policiais mortos, além deuma apreensão record de armas em po-der dos criminosos: 9 mil.

10

2000A chegada do novo ano, como qual-

quer marco simbólico, trazia em seu bojoa esperança de mudanças radicais no coti-diano violento do Rio de Janeiro. Pela pri-meira vez em muito tempo havia-se cons-tatado decréscimo no número de mortosem razão da ação policial, bem como es-forços nítidos de combate à corrupção den-tro da corporação policial, como observa-dos nos índices do ano anterior.

11

7 Soares, Luiz Eduardo. Meu Casaco de General. São Paulo, Companhia das Letras, 2000.

8 A importância da questão da violência na campanha eleitoral para o governo do estado do Rio de Janeiro fica evidente com o lançamentodo livro Violência e Criminalidade no Estado do Rio de Janeiro, publicação “conjunta” de Garotinho e Luiz Eduardo Soares – além deoutros especialistas em criminalidade que, posteriormente, ocuparam pastas na área de segurança. Garotinho, Anthony: Violência eCriminalidade no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Hama Editora, 1998.

9 Idem.

10 http://www.luizeduardosoares.com.br/docs/sergio_adorno_entrevista_les.doc, Sérgio Adorno entrevista Luiz Eduardo Soares.

11 Como, por exemplo, a redução em 40% do número de civis mortos pela polícia, bem como a redução do número de policiais mortos, além deuma apreensão record de 9 mil armas em poder dos criminosos. http://www.luizeduardosoares.com.br/docs/sergio_adorno_entrevista_les.doc, Sérgio Adorno entrevista Luiz Eduardo Soares.

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Porém, com a exoneração de LuizEduardo Soares da Secretaria de Seguran-ça Pública, o que se observou foi o retor-no das velhas políticas de enfrentamentoimpostas por seu sucessor, nas quais ob-teve-se como resultado um número mui-to maior de mortos em intervenções poli-ciais: 427.

12 Neste ano, foram mortos 106

policiais.O ano 2000 também foi o palco de

uma grande tragédia, reflexo incontido dodesprezo e despreparo do Estado: o se-qüestro do ônibus 174, com a mortesubsequente da refém, Geísa, e a execu-ção de seu algoz, Sandro Nascimento.

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Não podemos nos furtar a duas con-siderações: a primeira, referente ao fatopropriamente dito, revela a total incapa-cidade policial em lidar com situações on-de se exige mais que a mera truculência.Sem tática ou equipamento

14, sem coman-

do e responsabilidade, a derradeira açãopolicial resultou em mais crimes que o quetencionava evitar. Por outro lado, o histó-rico de Sandro, sobrevivente da Chacinada Candelária

15, revela a responsabilida-

de do Estado na produção dos crimino-sos que propagam combater. O vilão, es-

trangulado por policiais militares dentroda viatura

16, encontrou finalmente o des-

tino que lhe era reservado, e tal qual ocor-rido com seu mito fundador – a chacina –morreu sem que os assassinos tivessemque pagar pelo crime que cometeram.

2001Em menos de dois anos, a população

fluminense viu o número de mortos emintervenções policiais praticamente dobrar(de 289 civis mortos em 1999, o númerode mortos aumentou para 592 em 2001)fato que, segundo a própria ótica punitivae repressora desenhada ao longo dessesmesmos dois anos, mereceu ser premiado:o então Secretário de Segurança Públicado Rio, Cel. Josias Quintal

17, recebe a

“Medalha Pedro Ernesto”, prêmio maiorconcedido pela cidade do Rio de Janeiro.

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De fato, as mudanças de perspectivasno governo estadual do Rio de Janeiropuderam exibir suas marcas de forma bas-tante contundente, cujo resultado pode sermelhor transcrito numérica que qualitati-vamente: nada mais que 592 pessoasmortas pela polícia, contra 91 policiaismortos durante este ano.

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12 Contra 289 homicídios perpetrados por policiais em 1999. Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, Institutode Segurança Pública (ISP). Dados disponíveis em : www.ssp.rj.gov.br.

13 Relatório Execuções Sumárias no Brasil – 1997/2003, p. 36, do Centro de Justiça Global; Ver também neste relatório, no capítulo“Morosidade na investigação: uma mostra da impunidade no Rio de Janeiro”, um resumo sobre o referido caso.

14 Os inúmeros vídeos, realizados durante o “espetáculo”, mostram policiais se comunicando oralmente e também através de sinais. A faltade rádio transmissores, equipamento básico para situações de risco, denotam a precariedade com que as forças policiais têm de trabalhar,pondo em risco não só suas próprias vidas, mas também as daqueles que deveriam proteger.

15 Massacre executado pela Policia Militar do Rio de Janeiro, que abriu fogo contra um grupo de mais de 50 crianças de rua que dormiam aorelento, perto da Igreja de Candelária no centro do Rio, deixando sete meninos e um jovem adulto mortos na manhã do dia 23 de julho de 1993.

16Ver detalhes da absolvição no Relatório sobre Execuções Sumárias no Brasil: 1997-2003, do Centro de Justiça Global.

17 De acordo com o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, Josias Quintal foi membro do DOI-CODI - antigo órgão de investigação erepressão da ditadura militar.

18 Quem lhe homenageia é o então vereador Jerônimo Guimarães Filho, do PMDB, policial civil que respondia a uma sindicância porenvolvimento em um grupo de extermínio da Zona Oeste do Rio de Janeiro Denúncia veiculada pelo Grupo Tortura Nunca Mais em 01/03/03.http://www.torturanuncamais-rj.org.br/Noticias.asp?Codigo=75

19 Lemgruber, Julita. “Violência, omissão e insegurança pública: o pão nosso de cada dia”. Fonte: www.cesec.ucam.edu.br/publicacoes/zip/Julita

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2002 Sem dúvidas um dos grandes marcos

deste ano deu-se em virtude da execuçãodo jornalista Tim Lopes, após intensa tor-tura imposta por traficantes supostamenteligados ao bando de Elias Maluco – o jor-nalista foi capturado quando realizavauma reportagem a respeito da movimenta-ção do tráfico de drogas e exploração se-xual em bailes dentro da favela. Este fatoensejou uma verdadeira caçada aos mem-bros do bando

20, que um a um foram apa-

recendo mortos em circunstâncias bastan-te duvidosas – o que acaba por expressaro caráter de eliminação contido na açãopolicial.

O Judiciário estadual, pressionadopela opinião pública e pelo ano eleitoral,no intuito de prender o traficante, expe-diu um “mandado de busca e apreensãoitinerante ou genérico” contra a comuni-dade em que Elias vivia. Conforme seráanalisado posteriormente, este instrumen-to, a despeito de sua ilegalidade, tornou-se de extrema popularidade nas açõespoliciais subsequentes, onde a necessida-de legal do mandado – pela lei, individu-al e específico – foi arbitrariamente su-primida em nome de critérios preconcei-tuosos que tratavam os moradores dasfavelas todos como suspeitos. É precisoinformar que, à época, o governo do Es-tado do Rio de Janeiro encontrava-se soba administração de Benedita da Silva, doPartido dos Trabalhadores.

Neste mesmo ano, Carlos Minc, pre-sidente da Comissão Contra a Impunida-de da Assembléia Legislativa do Estadodo Rio de Janeiro (ALERJ), recebia umafita cassete na qual um oficial da PolíciaMilitar ensinava seus alunos a transfor-mar uma “morte acidental” em “auto deresistência”.

21

Apesar de nenhuma investigação sé-ria das denúncias ter sido empreendida,não seria exagero afirmar que são omis-sões desse tipo que levaram o ano de 2002ao número inédito de 900 mortes duranteoperações policiais. Também neste anoverificou-se um acréscimo no número depoliciais mortos, que atingiu a marca de170.

22

2003Este foi um ano bastante emblemático

no que diz respeito à violência policial,pois além de atingir uma marca de quase100 civis mortos em ações policiais pormês - como veremos mais a frente - pu-demos constatar os seguintes fatos:

� 10 de janeiro de 2003 - operaçãopolicial nas favelas do Rebu e Coréia, emSenador Camará, contando para tanto comcerca de 250 policiais civis e militares. Osaldo da operação foi de 14 mortos, semque o fato tenha obtido maior destaque namídia ou na opinião pública.

23

�� 17 de abril de 2003 - Uma novachacina, dessa vez de quatro trabalha-dores assassinados em uma tocaia na co-

20Tim Lopes era jornalista da Rede Globo e foi assassinado em 02 de junho de 2002 por traficantes, quando realizava uma reportageminvestigativa no Complexo do Alemão, favela do Rio de Janeiro. Direitos Humanos no Brasil 2002, Relatório Anual do Centro de JustiçaGlobal, p.54.

21 Escola de Oficiais da PM estaria ensinando a praticar crimes. GloboNews.com, 12 de março de 2002.

22 Lemgruber, Julita. “Violência, omissão e insegurança pública: o pão nosso de cada dia”. Fonte: www.cesec.ucam.edu.br/publicacoes/zip/Julita

23 Extra, 30/01/03.

Aspectos da violência no Rio de Janeiro: entre vítimas e algozes

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

munidade do Borel chama a atenção dasociedade civil após uma série de denún-cias, sem, no entanto, punição dos res-ponsáveis até hoje.

24

��04 de setembro de 2003 - Um co-merciante chinês é levado à carceragemda Polícia Federal – pois tentava embar-car para os Estados Unidos sem decla-rar os dólares que trazia consigo. Foi tor-turado até a morte.

25

�� 05 de novembro de 2003 - Duplaexoneração do Corregedor da PolíciaUnificada e Secretário Estadual de Direi-tos Humanos, João Luís Duboc Pinaud,que procurava levar as investigações so-bre a tortura no caso Chang ao limite.

26

��05 de novembro de 2003 - A Secre-taria Estadual de Direitos Humanos pas-sa às mãos de um coronel da Polícia Mi-litar.

27

��11 de maio de 2003 - O novo Se-cretário Estadual de Segurança Pública,Anthony Garotinho, nomeia o tenente-coronel Álvaro Rodrigues Garcia para ocomando do 22º Batalhão da Polícia Mi-litar, em Benfica. Vale lembrar que Álva-ro, em 1997 – quando ainda era major –foi flagrado por um cinegrafista amadorcomandando uma sessão de espancamen-

to em moradores da favela Cidade deDeus, no local que ficou conhecido pos-teriormente como “muro da vergonha”.

28

O ano de 2003 foi também o ano destadeclaração do então Secretário de Segu-rança Pública Josias Quintal: “nosso blocoestá na rua e, se tiver que ter conflito ar-mado, que tenha. Se alguém tiver quemorrer por isso, que morra. Nós vamospartir pra dentro”.

29 A declaração veio por

conta da implementação da “Operação RioSeguro” e parece ter surtido efeito:Anthony Garotinho, sucessor de JosiasQuintal na Secretaria de Segurança Públi-ca, comemorava em todos os jornais amorte de mais de 100 pessoas (supostos“bandidos”) em menos de 15 dias no car-go.

30 Este ano registrou um número de

1.195 civis mortos em decorrência da açãopolicial, contra 45 policiais.

31

200432

O presente ano, sortido de violações,ficou marcado, principalmente, pela comu-nhão da violência junto às camadas soci-ais antes “alheias” a seus efeitos. Na ver-dade, o que anteriormente encontrava-sesubmerso no oceano invisível e miseráveldas comunidades carentes, das favelas e

24 O Globo, 09/05/03.

25 O chinês Chan Kim Chang foi preso por policiais federais no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, quando tentava embarcar para osEstados Unidos sem declarar os dólares que levava. Por conta disso, foi levado à carceragem da Polícia Federal no presídio Ary Franco,onde sofreu severos espancamentos que resultaram na sua morte. A versão oficial atribuía a morte ao próprio Chan, que, segundo eles, teriase auto lesionado.

26 “Secretário do Rio acusa ex-colega por suborno”. O Estado de S. Paulo, caderno Cidades, 06/11/2003.

27 “Briga entre secretários no Rio vai para a Justiça”. O Estado de S. Paulo, caderno Cidades, 06/11/2003.

28 “Tortura no Brasil: Implementação das Recomendações do Relator da ONU”, CEJIL, Rio de Janeiro, 2004; “Policiais morrem, favela éocupada e Rio troca comandantes da PM”. Guia Expresso O Portal Vale!, 11/05/2003.

29 O Globo, 27/02/03.

30 O Globo, 11/05/03.

31 Direitos Humanos no Brasil 2003: Relatório Anual do Centro de Justiça Global. Rio de Janeiro: Justiça Global, 2004.

32 O ano de 2004 será analisado com maior relevo no capítulo seguinte, onde alguns casos emblemáticos de violações serão descritos. Porém, adespeito desta análise mais acurada, procuraremos aqui tratar os acontecimentos do presente ano, englobando não só as violações, mas tambémalguns aspectos importantes contidos nas mesmas e também nas diligências do governo do Estado no sentido de contê-las e/ou ampliá-las.

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subúrbios, assim como seus “alvos” - pro-venientes destes mesmos espaços – veio atransbordar para os bairros nobres, provo-cando um verdadeiro pânico no seio dasclasses média e alta do Rio de Janeiro.

Um exemplo já emblemático, dadoseus desdobramentos, foi o ocorrido na co-munidade da Rocinha. O terror empreen-dido por traficantes e policiais nestas áre-as, cujos resultados encontravam-se sem-pre circunscritos ao ambiente favelizado,literalmente desceu o morro para surtirseus efeitos no “asfalto”. A reação oficial,no lugar de procurar levar algum tipo deproteção e dignidade aos moradores da-quela comunidade, resultou em uma dasmais vergonhosas propostas de contenção:a construção de um muro cercando todafavela.

33 Ainda que não tenha saído vitori-

osa, tal proposta cria um novo paradigmana condução da segurança pública peloEstado, pois este opta pelo isolamento eexclusão de uma área problemática emdetrimento de sua obrigação em solucio-nar o problema.

Outro exemplo claro consiste no perfilemergente das novas vítimas, antes exclu-sivas dos morros cariocas e agora tambémde outras camadas sociais. A sociedade,que por muito tempo relegou ao ostracis-mo as incontáveis vítimas do abuso policiale do descaso estatal, naturalizando suas tra-gédias a partir da desumanização das mes-mas, nesse momento vê-se refém da vio-lência que alimentou com sua indiferença.

Em Cabo Frio, cidade litorânea do Riode Janeiro, Rômulo Batista de Melo, umjovem universitário de 23 anos, de statussocial relativamente alto, foi vítima fatalda brutalidade policial. Torturado duran-te dias consecutivos, enquanto sofria desérios problemas mentais, veio a falecerdurante sua remoção para um hospital,sofrendo os familiares as mesmas desven-turas relegadas aos moradores de favelasque, antes de qualquer averiguação, sãotaxados indiscriminadamente pelo poderpúblico como “traficantes” - rotineira-mente assassinados nas incursões polici-ais.

34 O mesmo veio a ocorrer com Cristia-

no Ríspoli Barros, outro jovem universi-tário, assassinado por policiais militares.A justificativa da autoridade policial resi-dia na alegação de resistência e posse deuma arma pela vítima – ou seja, a mesmaalegação utilizada quando da morte de umcidadão morador de alguma favela.

35

Na macabra dança da repressão e im-punidade comandadas pelo Estado, cons-tatou-se logo no início deste ano a reinte-gração ao serviço de 65 policiais milita-res afastados por crimes como tortura, ex-torsão, homicídio, entre outros. Cabe res-saltar que entre os afastados havia polici-ais com participação em crimes altamen-te notórios, como a chacina de VigárioGeral, onde 21 trabalhadores foram exe-cutados por policiais que ainda gozam deliberdade.

36

Finalmente, mesmo sem a participa-

33 O Globo, 12/04/04.

34 Depoimento prestado aos pesquisadores no escritório do Centro de Justiça Global em 06/07/04 pela mãe de Rômulo, Márcia Batista deMelo.

35 Ver um resumo das execuções de Rômulo Batista de Melo e de Cristiano Ríspoli Barros, no capitulo deste relatório referente aos casosemblemáticos ocorridos no ano de 2004.

36 De acordo com a matéria publicada pelo jornal “O Globo” nos dias 12 e 13 de janeiro de 2004 e os boletins emitidos pela própria políciamilitar, foram reintegrados 65 militares policiais à corporação, a maioria deles afastada e respondendo judicialmente por crimes comohomicídio, tortura, roubo, lesões corporais, estelionato, entre outros.

Aspectos da violência no Rio de Janeiro: entre vítimas e algozes

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

ção direta das autoridades, tragédias comoo massacre de Benfica – onde 30 inter-nos e um agente penitenciário vieram amorrer durante uma rebelião – tambémse enquadram neste cenário de descaso emesmo de contribuição à violência. Me-ses antes do ocorrido, diversas organiza-ções de direitos humanos, além do Con-selho da Comunidade – órgão instituídopela Lei de Execuções Penais paramonitoramento do sistema penitenciário– alertaram que a mistura de facções cri-minosas em um mesmo complexo peni-tenciário ensejaria um verdadeiro banhode sangue, sendo ignorados pelas autori-dades.

37 A justificativa das autoridades

estatais residia no fato de que, misturan-do as ditas facções, minaria-se o poderdas mesmas. Porém, o que dizer em rela-ção a tal afirmação se é o próprio Estadoquem faz a separação dos presos em vir-tude da facção a que pertencem

38?

O triste evento tem caminhado sem aapuração das responsabilidades, sem apunição dos culpados e, após cobrançasda sociedade civil organizada, em Audi-ência Pública realizada na AssembléiaLegislativa do Estado do Rio de Janeiro(ALERJ), uma das poucas declarações

oficiais a respeito do ocorrido causougrande surpresa: Astério Pereira, Secretá-rio de Assuntos Penitenciários, declarouque (os jornalistas) deveriam “passar porum episódio como aquele de novo do TimLopes” - repórter executado em junho de2002 por traficantes no Rio de Janeiro –pois, em seu entendimento, a atuação dealguns deles contribuiriam para o fortale-cimento das facções criminosas no esta-do, em uma verdadeira apologia ao cri-me.

39

Também em 2004, pela primeira vezna história da Comissão de Direitos Hu-manos da ALERJ, ocorre uma troca arbi-trária de presidência, passando a direçãoda mesma – antes com o deputado esta-dual Alessandro Molon, do Partido dosTrabalhadores – para a base governista,em uma clara demonstração de força dacúpula executiva. A troca veio a ser efe-tuada em meio às crescentes pressõesexercidas por esta Comissão em relaçãoà apuração de várias denúncias de vio-lência policial, em especial, a tortura se-guida de morte do comerciante chinêsChan Kim Chang - perpetrada por agen-tes penitenciários do presídio Ary Fran-co.

40

37 Declarações obtidas com o presidente do Conselho da Comunidade da Comarca do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo. Marcelo conta que oalerta foi feito no dia 06/05/04, em uma reunião no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Dela, participaram o presidente doTribunal de Justiça, Miguel Pachá e o juiz da Vara de Execuções Penais, Carlos Augusto Borges.

38 Mesmo aqueles que não pertencem à facção alguma, cujo crime nada tem a ver com o tráfico de drogas, quando ingressam em uma delegaciaou no sistema penitenciário necessariamente são obrigados pelas próprias autoridades publicas a declararem sua suposta filiação à um ououtro grupo criminoso, de modo a serem classificados e enviados para os presídios do respectivo grupo.

39 Para o Secretário, a ação da imprensa muitas vezes contribuiria de forma negativa para o agravamento da violência no Rio em razão da“notoriedade” dada às facções criminosas por alguns jornais, declarando que “alguns jornais já estão adotando essa linha de não fazerapologia de facções. E me parece que alguns estão precisando passar por um episódio como aquele de novo do Tim Lopes”. AssociaçãoBrasileira de Imprensa, http://www.abi.org.br/primeirapagina.asp?id=680, 17/06/04.

40 “Mudança na Comissão de Direitos Humanos”. O Globo, 04/05/04.

���

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A criminalização dapobreza no Rio de Janeiro

A situação dos direitos humanos no Riode Janeiro, assim como em todo o Brasil,tem sido motivo de grande preocupaçãopor parte de todos aqueles que compreen-dem seu valor universal, sua importânciacomo instrumento coletivo de fortalecimen-to da sociedade civil frente ao Estado. Po-rém, ainda que se situe em uma luta de to-dos, a questão não encontra eco universal,muito, mais em virtude do que se entendepor produção dos resultados, que pela fal-ta de solidariedade propriamente dita. Noque diz respeito à temática da segurançapública, os “resultados”, se assim podemoschamar, dizem respeito a uma vinculaçãopassional da noção de letalidade policialapresentada como eficiência na “guerracontra o crime”.

Mas como se produz tal vínculo e, maisalém, como torná-lo um fenômeno isola-do do restante da população? De quemaneira uma escala crescente de homicí-dios praticados por policiais pode serreproduzida e superada ano a ano semdespertar maiores cobranças dentro dasociedade?

Antes de tentar levantar respostas, faz-se necessário recordar os dados a respei-to dos “autos de resistência” - documen-to utilizado pela polícia para classificar asmortes ocorridas sob sua tutela – em pers-pectiva comparada com o número de po-liciais assassinados, em serviço, no mes-mo período: 1998 (397 x 99); 1999 (289x 92); 2000 (427 x 106); 2001 (592 x 91);2002 (900 x 170); 2003 (1.195 x 45).

41

Cabe aqui nossa primeira reflexão arespeito do crescimento da violência co-metida por agentes do estado, que estámanifesta no discurso da mídia, bemcomo no das autoridades vigentes: o con-ceito de guerra.

Não causa surpresa para nenhum ci-dadão do Rio de Janeiro deparar-se commanchetes jornalísticas e mesmo discur-sos oficiais em que se caracteriza a atualsituação referente à criminalidade – e seusuposto combate – como uma situação de“guerra”. Este termo, em sentido amplo,de acordo com o dicionário

42, significa

“luta armada entre nações ou partidos”,“combate, peleja, luta, conflito”.

Dessa forma, o sentimento incutido pordetrás desta palavra contém uma oposiçãonecessária entre dois grupos, que lutam porum território e/ou uma causa específica,motivo do combate em questão. A “guer-ra” no Rio de Janeiro não possui conteúdodiferente – ao menos no que tange à suadefinição – e implica justamente em umenfrentamento armado que visa a destrui-ção do “inimigo”. O suposto “inimigo”, nocaso, seriam os criminosos e “suspeitos”,cuja violência atingiria drasticamente os“cidadãos honestos” e, por isso mesmo,ensejaria um rigoroso combate. Porém, ain-da que tal ponto de vista fosse razoávelinferir, como localizá-lo e vencê-lo?

Precisamente é neste ponto que sedesenrola a retórica oficial a respeito dacriminalidade, pois de acordo com a prá-tica das autoridades policiais, este inimi-go interno residiria nas favelas, possuiriacor e aparência definidas, assim como suadescartabilidade seria assegurada frente ao

41 Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Segurança Pública (ISP).

42 Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, 2ª edição, Ed. Nova Fronteira.

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

corpo social, especialmente no senso co-mum das classes média e alta. A associa-ção entre pobreza e violência é a justifi-cativa máxima do extermínio legitimadohá anos na história urbana fluminense, eque define quem são as vítimas e quemsão os algozes.

Ante o entendimento de “guerra”,muda o comportamento esperado em re-lação à ação policial, pois esta, se presaàs suas atribuições legais, deveria antesde tudo ter como objetivo a resolução/pre-venção dos crimes sempre em consonân-cia com a proteção da vida. Nessa ótica,uma ação que resulte em morte não é umaação satisfatória, pois o bem máximo – avida – não teria sido protegido com su-cesso. Na guerra, onde o caráter da açãoé militar, há um objetivo maior a ser atin-gido, e a perda de uma vida não constituimais que uma baixa, resultado se não le-gítimo, pelo menos aceitável da operação.

A atividade policial, pautada em umaótica militarizada, de enfrentamento, cons-titui um problema generalizado das políci-as militares de todo o Brasil, em que osdespojos de “guerra” – as armas, a mortedo inimigo, o território – encontram-semuito acima, como supostos resultados, daproteção da vida. Esta aplicação, no en-tanto, parece imperar e prevalecer dentrodo ponto de vista da segurança públicafluminense, operando de uma forma bas-tante disseminada no cotidiano dos des-favorecidos em todo estado.

Diante do aumento da criminalidadee da organização do crime, as autorida-

des negam-se a assumir sua impotênciana obtenção de resultados de curto pra-zo

43, adotando então um posicionamento

pautado em discursos e ações que procu-ram segmentar em dois pólos distintos,como numa guerra, aqueles a quem go-vernam.

44

Nessa situação de transtorno, em quequalquer modificação implica em investi-mentos de longo prazo, sem retorno polí-tico imediato e com uma alta carga de co-brança, resta à maioria dos dirigentes umposicionamento pautado em um “populis-mo criminal” – no qual o “sentimento po-pular” se confunde com os instrumentosinstitucionais de segurança pública. Cons-ciente de sua incapacidade em responderde forma rápida e responsável às inevitá-veis cobranças e pressões, a maioria dospolíticos capitaliza a dor particular das ví-timas de violência adequando-as a discur-sos que prometem “mais repressão”, “maisrigor” com os criminosos, “penas maisduras”, entre outras centenas de promes-sas do mesmo tipo.

Passamos então à nossa segunda refle-xão a respeito do tema, que consiste justa-mente na demonização do “outro”, cujaconstrução implica em dois movimentosdistintos: o primeiro se atém às circunstân-cias que o levaram a ser o “outro”. Nessesentido, não é possível enquadrá-lo de an-temão em uma oposição. É preciso que opotencial delinqüente ocupe um lugar emcomum, no qual a vida criminosa não pos-sa ser justificada por causas outras que nãoa opção. A ganância, a vingança, vício ou

43 Garland, David. “As Contradições da Sociedade Punitiva”. Revista de Sociologia e Política, No. 13, Novembro de 1999, p. 59.

44 Nas palavras de Loïc Wacquant, sociólogo francês, pretende-se “remediar com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menosEstado” econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto doPrimeiro como do Segundo Mundo. Ele reafirma a onipotência do Leviatã no domínio restrito da manutenção da ordem pública –simbolizada pela luta contra a delinqüência de rua – no momento em que este é incapaz de conter a decomposição do trabalho assalariado ede refrear a hipermobilidade do capital, as quais, capturando-a como tenazes, desestabilizam a sociedade inteira”. Wacquant, Loïc: AsPrisões da Miséria, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2001, p. 7.

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rebeldia passam a explicar o crime, queencarados sob este ponto de vista, criamuma falsa noção de afronta deliberada à“vida civilizada” e “honesta”.

Em um segundo momento, o crimino-so deve ser entendido como um monstro,sem vínculos com a sociedade em questãoe apresentado como um perigo para a se-gurança de todos aqueles que dela fazemparte. Visto como uma ameaça – imagemcuidadosamente cultivada por certos veí-culos de comunicação e também em partedos discursos políticos – em um contextode pânico, obtém-se em relação ao crimi-noso uma espécie de “carta branca soci-al”, um aval no qual se admite qualqueração que “detenha” o perigo iminente.

Como parte final deste novo arranjotemos a inserção do problema do tráficode drogas, que além de estar associado àdiversos outros tipos de crimes, tambémtraz embutido uma questão moral, que vema incendiar tanto os discursos quanto asreações de boa parte da população. A fa-vela, como centro varejista, é imediatamen-te identificada com o tráfico e o crime or-ganizado - que por sua vez se vale da totalausência do Estado nestas localidades paraassumir o controle e impor suas regras aosmoradores, em sua grande maioria traba-lhadores honestos. Acontece que, com talassociação, o conceito de “criminoso” aca-ba por dilatar-se, estendendo sua aplica-ção à todos os integrantes das camadasdesfavorecidas, constituindo uma verdadei-ra criminalização da pobreza, através desua determinação geográfica.

Dessa forma, ao estigmatizar a favelacomo centro de excelência do crime or-ganizado, obtém-se um estereótipo tantohumano quanto geográfico de periculo-sidade, que transposto para um clima deguerra, enseja o enfrentamento dos ini-

migos e legitima as ações que visem“derrotá-lo”. Essa perigosa associaçãoimpulsiona à vala comum da margina-lidade os moradores das comunidadespobres, tornando-os alvos fáceis e justifi-cáveis no tratamento desumano a que sevêem expostos todos os dias.

Cabe nesse momento uma terceiraconsideração reflexiva a respeito do queentendemos por “criminalização da po-breza”, referente a um terceiro momento,complementar à noção de “guerra” e de“outro”: a “letalidade”.

A letalidade como indicador de resul-tados positivos não seria possível sem oapoio da construção das noções de “guer-ra” e do “outro”, pois estas implicam taci-tamente na destruição como forma de vi-tória. E essa letalidade, a despeito de serposta em prática, em última instância, pelaforça policial, obedece necessariamente aosditames e prerrogativas das políticas im-postas pelo poder dirigente, ainda que este,quando alvo de pressões sociais, classifi-que como individuais, esparsas e pontuaisas violações que por ventura extrapolem oaceitável e/ou cheguem ao conhecimentodo público. A seguir, dois exemplos destalógica, extraídos de jornais do Rio de Ja-neiro:

“Com apenas um ano e meio de expe-riência na polícia, a inspetora Elisete AbreuSantos, de 39 anos, lotada na 6ª DP (Cida-de Nova), vai ser promovida por bravura.E não é para menos: na manhã do últimosábado, a policial enfrentou um grupo detraficantes armados que fugiam da opera-ção que estava sendo realizada em quatromorros – São Carlos, da Mineira, Zinco eQuerosene – em busca do traficanteIrapuan Davi Lopes, o Gangan. Dos cincobandidos mortos durante a operação, qua-tro foram atingidos pelos tiros disparados

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pela inspetora, que descarregou dois pen-tes (carga de munição) de seu fuzil, alémde fazer vários disparos com uma pistola.Sete bandidos foram presos e dois polici-ais ficaram levemente feridos”. Elisete es-tava com outros policiais na Rua Itapiru,no Catumbi, quando viu o grupo de trafi-cantes descendo a escadaria. A troca de ti-ros foi intensa. No final, os policiais co-memoraram o fato de nenhuma pessoa ino-cente ter sido ferida”.

45

Vejamos agora a segunda notícia: “Um ato de bravura bastou para que a

tenente do 23º BPM (Leblon) Catiane Ma-rinho Ferreira, 25 anos, virasse celebrida-de (...) quarta feira, quando Catiane, de-sarmada, fez com que três bandidos se ren-dessem após assalto ao prédio número 177da Rua Desembargador Alfredo Russel, noLeblon, sem disparar um único tiro, dei-xou de ser aspirante ao sucesso e saiu doedifício aplaudida pelos moradores. On-tem, entre telefonemas de parabéns e men-sagens por rádio de colegas de farda,Catiane provou ainda mais o gostinho dafama. Bastou colocar o pé fora do bata-lhão para ouvir: “aí Catiane, você é muitocorajosa”, gritou o passageiro do ônibus”.

46

No primeiro caso – da policial quematou quatro dos cinco traficantes – a no-tícia já vem veiculada junto à informaçãosobre sua promoção por “bravura”. Há,além disso, a comemoração dos policiais,que a posteriori, felicitam-se pelo fato de“nenhuma pessoa inocente ter sido ferida”.

A noção de letalidade como resulta-do positivo está manifestamente expres-sa no teor desta reportagem, tanto no quetange à promoção da oficial, quanto nofato de que somente após descarregar“dois pentes (carga de munição) de seu

fuzil, além de fazer vários disparos comuma pistola” – sem contar os disparosefetuados por outros policiais – é quehouve algum tipo de preocupação comos inocentes que por ali transitavam.

Em contraste, a notícia sobre Catianedemonstra não o reconhecimento e recom-pensa da instituição em relação a um fun-cionário que cumpriu exemplarmente seudever – no caso, impedir o crime sem per-das de vida – mas sim o apoio e reconhe-cimento dos populares, bem como de seuscolegas de trabalho. A ação de Catianedeve ser analisada no contexto de uma ou-tra notícia de jornal, veiculada uma semanaapós o episódio que a tornou famosa.

Trata-se de uma reportagem realizadalogo após uma ação violenta do Batalhãode Operações Especiais (Bope) na comu-nidade da Rocinha:

“Inconformados com as últimas incur-sões do Batalhão de Operações Especiais(Bope) na Rocinha, que classificam comoviolentas, líderes comunitários queremque as ações policiais lá sejam comanda-das pela tenente Catiane Marinho Ferreira,25 anos. A oficial do 23º BPM (Leblon)ficou famosa ao prender três bandidos efrustrar um assalto a residência no Leblonsem disparar um só tiro, há uma semana”.

Esta terceira reportagem sugere sutil-mente a fragilidade das noções de “guer-ra”, da demonização do “outro” e da “leta-lidade”. Nela podemos observar o sentimen-to reinante no seio destas comunidades, queao contrário do que se supõe –oposição àlei e conivência com o crim – consiste jus-tamente na necessidade de um policiamen-to executado nos limites da lei, com respei-to e valor à vida. A polícia, em tese nãoseria inimiga, mas sim a má polícia.

45 “De salto alto e boa de tiro”, O Globo, 22/06/04, RIO, p. 14.

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Há ainda uma sugestão mais sutil, masde fácil percepção: na primeira reporta-gem a inspetora Elisete, autora dosdisparos, aparece em uma fotografia ondeprocura-se impedir seu reconhecimentopor meio de uma sombra. Somente suasilhueta é identificada, restando o anoni-mato em relação à sua pessoa – talvez porquestões de segurança. Na reportagemsobre Catiane, esta aparece completamen-te nítida aos olhos do leitor, de forma quequalquer um pudesse identificá-la. Suavida não correria perigo.

Esse contraste torna-se um ponto in-teressante na medida em que toca na ques-tão da violência perpetrada contra o poli-cial. Aqui é importante reafirmar que “aoaumento das soluções violentas, muitosbandidos responderam com mais violên-cia. A desvalorização da vida humana,implícita nessas idéias, contribuiu semdúvida alguma para essa espiral de vio-lência que também atinge cada vez maispoliciais – foram 160 os que morreramassassinados apenas no ano passado(2003) no Estado do Rio de Janeiro”.

47

Além disso, mais que a reação violentapropriamente dita, cabe ressaltar o fato deque cerca de 70% desses policiais vierama falecer fora do horário de serviço, nacomplementação salarial usual do segun-do emprego – o bico.

48 Ou seja, é o Esta-

do duplamente culpado pela violência quetambém atinge o policial, seja em relaçãoà sua remuneração insuficiente, seja emfunção do estímulo à resolução violenta,cuja reação só a ele pode ser dirigida.

Além disso, ao atentar para as péssi-mas condições que cercam a formação dapolícia - que incluem desde a falta de trei-namento à falta de equipamento - fica cla-ro o descaso do poder público em relaçãoà segurança do policial, que muitas vezesacaba vitimado pela instabilidade de suavida profissional.

Ainda que partindo de um ponto devista interpretativo, cremos que o contras-te exibido nas duas ações qualificam a aná-lise proposta, pois demonstram a verdadei-ra oposição contida na crescente violênciado Rio: de um lado o discurso oficial, quese faz passar como a vontade geral e quesugere a noção da “guerra”, da demoniza-ção do “outro” e da “letalidade” como vi-tória e, de outro, o reconhecimento do queé um bom policiamento e uma boa políti-ca de segurança, pautada, acima de tudo,no respeito à vida e à integridade do cida-dão, desejo da maioria – ambas geradorasde conseqüências diametralmente opostas.

No entanto, no primeiro caso, houve oreconhecimento e recompensa institucio-nal, enquanto que no outro, o reconheci-mento e satisfação popular não ensejaramnenhuma reação. Dessa forma, deve-sequestionar a respeito de quais estímulos acorporação policial recebe em sua ativida-de e se este estímulo corresponde às ne-cessidades do corpo social, ou seja, é pre-ciso questionar se nossos policiais estãosendo estimulados ao enfrentamento e àletalidade ou se esta é apenas circunstan-cial frente à real situação de “guerra” pro-posta pelas autoridades.

46 “Palmas para Catiane”, O Globo, 04/02/04.

47 Misse, Michel. Como desarmar a violência policial? Desarme: Notícias/Opinião. Rio de Janeiro, 04 de março de 2004. Disponível em

http://www.desarme.org/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=3139&tpl=printerview&sid=16

48 Lemgruber, Julita. “Violência, omissão e insegurança pública: o pão nosso de cada dia”. Fonte: www.cesec.ucam.edu.br/publicacoes/zip/Julita

Aspectos da violência no Rio de Janeiro: entre vítimas e algozes

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

De fato, a letalidade da polícia flumi-nense estaria sendo indiretamente incen-tivada por aqueles que as comandam eoferecidas à sociedade como sinônimo deeficiência. O Secretário de Segurança Pú-blica do Rio de Janeiro, Antony Garoti-nho, tem repetidas vezes declarado pu-blicamente que a polícia tem que ser enér-gica no combate ao crime, que não podeser “banana”.

49

O cerceamento dasatribuições dos órgãos defiscalização do Executivo

A política de segurança pública no Riode Janeiro tem como principal caracterís-tica a manutenção da ordem pública, comrígido controle social sobre as populaçõespobres da cidade. Sendo assim, por mui-tas vezes, as conseqüências desta políticaresultam em violações de direitos huma-nos cometidos pelos próprios agentes doEstado. A falta de transparência que per-meia as ações públicas na área de segu-rança e a ausência de órgãos de monitora-mento que atuem com independência eautonomia contribuem para o atual qua-dro de permanente receio e descrédito jun-to às ações do governo no combate a vio-lência. Hoje, a polícia do Rio de Janeironão transmite segurança e sim medo.

Os órgãos de monitoramento do po-der público devem efetuar visitas nas áre-as de conflito, onde as denúncias de abu-sos e irregularidades possam ganhar visi-bilidade e provocar a resposta dos respon-sáveis pelas ações governamentais. As

principais funções dos órgãos de monito-ramento são: a prevenção, a proteção di-reta das vítimas, a documentação dos ca-sos e o diálogo com as autoridades na co-brança das soluções. Sendo assim, órgãoscomo a Secretaria Estadual de DireitosHumanos, a Comissão de Direitos Huma-nos e Cidadania da Assembléia Legislativa,o Conselho da Comunidade, o MinistérioPúblico, a Defensoria Pública e inúmerasoutras formas de organização do poderpúblico e da sociedade civil, são funda-mentais para monitorar as ações do gover-no na área da segurança pública.

Neste quadro, a atual situação do Riode Janeiro também se agravou. Órgãos queexercem o seu papel de monitoramentovêm sofrendo forte perseguição por partedo poder executivo. Quanto maior o nú-mero de violações de direitos apuradas jun-to às populações pobres, mais implacávelse torna a postura do governo do estadodiante dos órgãos fiscalizadores. Vejamosalguns exemplos concretos.

No início do atual governo, em 2003,João Luiz Duboc Pinaud assumiu o car-go de Secretário Estadual de Direitos Hu-manos, tendo sob seu controle a Correge-doria Geral Unificada das Polícias Civil,Militar e do Corpo de Bombeiros Militardo Estado do Rio de Janeiro.

50

Em 25 de agosto de 2003, nas depen-dências da unidade penal Ari Franco, ochinês Chang Kim Chang

51 foi cruelmen-

te torturado por agentes do sistema peni-tenciário, vindo a falecer alguns dias de-pois, Pinaud foi contatado pelo MinistroNilmário Miranda, Secretaria Especial de

49 “A polícia não vai fazer papel de banana”. O Globo. 24/04/2004

50 Entrevista concedida por João Luiz Duboc Pinaud, por telefone, ao Centro de Justiça Global em 5/10/2004.

51 Ofício JG/RJ n° 33/04 encaminhado pelo Centro de Justiça Global ao Relator da ONU sobre Tortura em setembro de 2003.

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Direitos Humanos da Presidência da Re-pública, no dia 30 de agosto e imediata-mente se dirigiu para o Hospital SouzaAguiar, onde Chang se encontrava em es-tado gravíssimo. Ao verificar o quadro dra-mático em que se encontrava a vítima etendo conhecimento que a versão defen-dida pelo governo, até aquele momentoindicava auto-flagelo, Pinaud registroucom sua máquina fotográfica todas as le-sões sofridas e disponibilizou as fotos parao Ministério Público, a fim que este pu-desse utiliza-las como provas de tortura.

52

Tais imagens foram fundamentais paraque o Ministério Público, no dia oito desetembro de 2003, oferecesse denúnciacontra os agentes penitenciários envolvi-dos no caso. Nesta mesma semana Pinaudsofreu uma isquemia cerebral, ficando in-ternado até o dia 17 de outubro. No mes-mo dia, a governadora Rosinha Garotinhoanunciou que a Corregedoria Geral Unifi-cada não estaria mais vinculada à Secreta-ria Estadual de Direitos Humanos e no dia05 de novembro de 2003, depois de muitapressão, foi exonerado do cargo de Secre-tário.

53

Outro fato importante a ser destacadorefere-se às mudanças ocorridas na Comis-são de Direitos Humanos e Cidadania daAssembléia Legislativa do Rio de Janeiro.A referida Comissão foi presidida, no anode 2003, pelo deputado estadual Ales-sandro Molon. Sempre cumprindo o papel

legislativo da fiscalização do executivo, odeputado atuou de forma destacada sobreos principais casos de violações de direi-tos humanos. No início de 2004, três ca-sos ganharam grande visibilidade nestaárea. No dia 27 de janeiro de 2004, o estu-dante Rômulo Batista de Melo foi preso etorturado nas dependências da 126a. De-legacia de Polícia, em Cabo Frio, posteri-ormente vindo a falecer a caminho do Riode Janeiro.

54 No dia 16 de fevereiro, 15

policiais militares torturaram barbaramen-te Nélis Souza dentro de sua residência nomorro da Coroa.

55 No dia 22 de fevereiro,

três jovens foram executados por policiaisdo Batalhão de Operações Especiais nafavela da Rocinha. Em todos estes casos,o deputado Alessandro Molon esteve pre-sente nos locais dos crimes, entrevistouparentes e testemunhas e concedeu inúme-ras entrevistas.

56

Logo após esses episódios, e contrari-ando a história da ALERJ, onde os depu-tados nunca se interessam em disputar aPresidência da Comissão de Direitos Hu-manos, o presidente da AssembléiaLegislativa anunciou que haveria mudan-ças nas presidências de algumas comissões.Neste momento, o deputado AlessandroMolon foi substituído pelo deputado Ge-raldo Moreira, que pertence a base de apoiodo governo, em uma clara demonstraçãode que a linha de ação da Comissão deDireitos Humanos seria alterada.

57

52 Entrevista concedida por João Luiz Duboc Pinaud, por telefone, ao Centro de Justiça Global em 5/10/2004.

53 Idem.

54 Ofício JG/RJ n° 33/04 encaminhado Centro de Justiça Global ao Relator da ONU sobre Tortura em 13 de fevereiro de 2004.

55 Ofício JG/RJ n° 47/04 encaminhado pelo Centro de Justiça Global ao Relator da ONU sobre Tortura em 8 de março de 2004.

56 Correspondência eletrônica encaminhada pela assessoria do Deputado Alessandro Molon ao Centro de Justiça Global em 4/10/2004.

57 Idem.

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

Também o núcleo de atendimento dosistema penitenciário da Defensoria Pú-blica do Rio de Janeiro se consolidou co-mo um órgão fundamental na garantia dosdireitos humanos e referência ética dopoder público dentro das prisões nos últi-mos anos. Tanto a Defensoria quanto oConselho da Comunidade foram solicita-dos inúmeras vezes, pelos órgãos públi-cos, para contribuir em negociações derebeliões com reféns dentro das prisões.Em todos os episódios que estes órgãosatuaram como negociadores junto aos res-ponsáveis do BOPE ( Batalão de Opera-ções Especiais ), nunca houve um casode necessidade de invasão ou registro deóbitos durante as negociações. Entre osdias 29 a 31 de maio de 2004, ocorreu arebelião de Benfica, uma casa de custó-dia recentemente inaugurada em que ogoverno misturava facções criminosas ri-vais dentro da mesma unidade.

58

Tanto a Defensoria quanto o Conselhoda Comunidade já haviam se posicionadocontrários a esta política do governo do es-tado. Nesta rebelião, os negociadores doBOPE, mais uma vez, solicitaram a presen-ça do coordenador do núcleo de atendimen-to do sistema penitenciário, o Defensor Pú-blico Eduardo Gomes e do presidente doConselho da Comunidade, Marcelo Freixo.Após o grave desfecho (a rebelião chegouao seu final, com um saldo de 30 presos e 1agente penitenciários mortos), em que osnegociadores foram afastados durante a re-belião e a ação passou a ser conduzida porum pastor evangélico enviado diretamentepelo secretário de Segurança, o Conselho

da Comunidade e a Defensoria Pública fo-ram impedidos de acompanhar a revistapolicial dentro da unidade. Tanto o presi-dente do Conselho da Comunidade quantoo Coordenador da Defensoria deram inú-meras entrevistas criticando a conduta danegociação e o cerceamento do acesso dosórgãos públicos ao local da rebelião.

59 No

mês seguinte à rebelião Eduardo Gomes foisubstituído na coordenação do núcleo dosistema penitenciário.

No dia 10 de julho de 2003, a direçãogeral do DEGASE

60 emitiu circular inter-

na com o seguinte conteúdo: “Por deter-minação expressa do Exmo. Sr. Secretáriode Estado de Justiça, Dr. Sérgio Sveiter,informa aos diretores (...) que está vedadaa entrada de qualquer autoridade, a qual-quer hora do dia ou da noite, sem o co-nhecimento ou autorização expressa oupresença do Exmo. Sr. Secretário de Justi-ça ou autoridade designada por ele.” Talcircular foi enviada após visita surpresa doMinistério Público na Escola Padre Seve-rino, unidade de internação de adolescen-tes em conflito com a lei. Em 2004, a co-ordenadora de infância e adolescência doMinistério Público, Agnes Mussliner, res-ponsável pela referida visita ao PadreSeverino, foi afastada do cargo.

61

Também o Sindicato dos Agentes Pe-nitenciários do Rio de Janeiro, que temdenunciado com freqüência as péssimascondições de trabalho dos agentes dentrodas prisões, tem sofrido tentativas de cer-ceamento de suas atividades. A última elei-ção para a direção do sindicato deu a vi-tória ao grupo da oposição, que imedia-

58 Boletim Eletrônico No 10 do Centro de Justiça Global, de 2 de junho de 2004.

59 Idem.

60 Sistema Estadual de Atendimento de Adolescentes em Conflito com a Lei.

61 Correspondência eletrônica encaminhada pela assessoria do Deputado Alessandro Molon ao Centro de Justiça Global em 4/10/2004.

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tamente tornou pública a defasagem deagentes dentro das prisões, a falta de equi-pamento e a péssima qualidade da escolade formação penitenciária. No início de2004, a nova direção aprovou em assem-bléia uma paralisação da categoria, queacabou não ocorrendo em função de umaação judicial da Secretaria de Administra-ção Penitenciária (SEAP). Recentemente,o poder executivo enviou para a Assem-bléia Legislativa um projeto de lei com-plementar (PL n°. 14/2004) que cria o re-gulamento disciplinar dos servidores efe-tivos da SEAP. Dois artigos chamam aatenção. O artigo 55 do projeto proíbe oservidor de divulgar ou propalar, atravésda mídia, fatos, serviços ou tarefas em de-senvolvimento ocorridas na repartição ourealizadas em quaisquer órgãos do siste-ma penitenciário, ou contribuir para quesejam divulgadas, ou ainda concedidasentrevistas sobre tais órgãos, sem autori-zação da autoridade competente. O arti-go 56 impede o servidor de promover ma-nifestações contra atos da administraçãoou movimentos de apreço ou desapreçoa quaisquer autoridades, bem como coa-gir ou aliciar servidores com o objetivode impedir ou perturbar o desenvolvimen-to normal do expediente do sistema peni-tenciário, ou reunir-se ou concentrar-se emlocais próximos às unidades prisionaiscom o mesmo objetivo. Este projeto deLei já foi aprovado pela Comissão deConstituição e Justiça da Assembléia Le-gislativa e segue tramitando.

Por fim, cabe fazer destaque especialaos atos de perseguição e coação que vemsofrendo mais recentemente o Conselho daComunidade da Comarca do Rio de Janei-ro, que é um órgão da execução penal e

tem como finalidade mobilizar a socieda-de civil na fiscalização do cumprimento dapena.

Na cidade do Rio de Janeiro, o Conse-lho foi criado pelo Juiz da Vara de Execu-ção Penal (VEP) em 1992, já contando,desde sua origem, com 27 organizações.Recentemente, o Conselho agregou novasentidades e se consolidou como um dosórgãos de execução penal mais atuantesjunto aos apenados. Garantindo três visi-tas, em média, por mês, nas unidades pe-nais e sempre elaborando relatórios e en-caminhando-os para o Juiz da VEP, o Con-selho se tornou um instrumento fundamen-tal nas denúncias de violações de direitoshumanos dentro das prisões. Tanto os de-tentos e seus familiares quanto a mídia pas-saram a ter no Conselho da Comunidadeuma referência ética e atuante para as ques-tões referentes ao sistema penitenciário.

Em julho de 2004, o Secretário de Ad-ministração Penitenciária, Dr. Astério Pe-reira dos Santos, encaminhou um ofício

62

para o Juiz da Vara de Execuções Penais,criticando o excesso de entrevistas conce-didas pelo presidente do Conselho e ques-tionando, também, sua legitimidade frenteao Conselho da Comunidade, por se tratarde um residente de outro município quenão a cidade do Rio de Janeiro. Na essên-cia do ofício, o governo do estado solicitaexpressamente que o Juiz desfaça o atualConselho e que nomeie uma nova direçãoque possa dar ao Conselho um papel maisassistencialista, buscando fornecer mate-riais de higiene e colchões para os presosque não os possuem.

O artigo 37 da Constituição determi-na que “a administração Pública direta eindireta de qualquer dos poderes da

62 Ofício encaminhado ao Juiz Titular da Vara de Execuções Penais, Carlos Augusto Borges, no dia 23 de julho de 2004.

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

União, dos Estados, do Distrito Federal edos Municípios, obedecerá aos princípi-os de legalidade, impessoalidade, morali-dade, publicidade e eficiência”.

O princípio da publicidade diz respei-to ao conhecimento acerca dos atos da ad-ministração pública, de forma que possamtodos os interessados participar das deci-sões políticas. Sendo assim, é fundamen-tal que os órgãos de monitoramento pos-sam atuar de forma autônoma e indepen-dente, fazendo com que o poder públicopossa ser fiscalizado sistematicamente, oque vai garantir a melhoria da qualidadedo serviço prestado e o reforço da práticada democracia.

Em busca de uma aparênciade legalidade: distorçãode instrumentos jurídicos

A questão da criminalização da pobre-za também obedece a movimentações noâmbito jurídico-legal, no qual determina-das “barreiras” são transpostas para aten-der a lógica das políticas de segurança emquestão, maximizando a “guerra”, o “ou-tro” e a “letalidade”.

Pode-se afirmar, nesse contexto, a ma-nipulação dos instrumentos legais por partedas autoridades, visando, essencialmente,melhores resultados em ações cada vezmais “duras”, sem abrir espaço, no entan-to, a cobranças que venham a contestar sualegalidade. E nesse sentido, o Poder Judi-ciário muitas vezes tem se prestado a balizartal manipulação.

Dentro desta perspectiva, em que sepretende transfigurar o desrespeito à lei emação juridicamente correta, três instrumen-

tos jurídico-legais, em especial, têm sidoflagrantemente distorcidos no estado doRio de Janeiro, e merecem destaque, quaissejam os autos de resistência, o crime deassociação ao tráfico e o mandado de bus-ca e apreensão itinerante.

Cabe, nesse momento, uma análisemais acurada dessas três distorções legais:

� Os Autos de Resistência

O documento policial denominado“auto de resistência” - formulário cujopropósito seria o de registrar eventos deresistência armada no decorrer de sua ati-vidade legal

63 - consiste, na prática, na

maneira pela qual muitas autoridades po-liciais vêm utilizando para mascarar asexecuções sumárias decorrentes de abu-sos no exercício de suas funções.

Para uma visão mais crítica deve-seconsiderar diferentes aspectos referentes aeste documento, uma vez que são diver-sos os fatores que evidenciam sua nocivi-dade. O primeiro deles consiste na dis-torção de seu emprego, alargada ao limitepela autoridade policial. Sendo o formulá-rio destinado ao registro das ocorrênciascom resistência armada, os “autos de re-sistência” têm cumprido um outro papel,na medida em que acabam sendo utiliza-dos para o registro de qualquer morte –fruto ou não de resistência – praticada porum policial.

Dessa forma, além de subjugar à valacomum de um único documento todas asmortes perpetradas por agentes da polí-cia – impedindo uma visualização, clas-sificação e controle de suas atividades queresultem em vítimas fatais -, este docu-

63 Procedimento inicialmente regulamentado durante a ditadura militar pela Ordem de Serviço n.º 803, de 02/10/1969 e publicado noBoletim de Serviço do dia 21/11/1969.

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mento contribui de maneira definitiva paradescaracterizar o homicídio policial – namedida em que “tais mortes não são clas-sificadas como crime, mas como resulta-do de operações legais de segurança”.

64

Um outro fator de vital importânciarelaciona-se com a questão da caracteri-zação da vítima, no caso, sempre o poli-cial. Isso quer dizer que em todos os ca-sos relatados nos “autos de resistência”temos o policial figurando como vítimade tentativa de homicídio. Isso ocorre ain-da que o documento seja utilizado pararegistrar as vítimas da atividade policial,e ainda que de fato tenha sido ela a víti-ma fatal. Assim, concluímos que a aceita-ção e perpetuação deste documento con-siste em um assentimento dissimulado daautoridade policial hierarquicamente su-perior para com seus pares de rua, bemcomo o mesmo em relação às demais au-toridades do Estado.

Vale ressaltar que um estudo realizadopor Ignácio Cano sobre a letalidade dapolícia indicou que em aproximadamente50% dos casos por ele pesquisado, as víti-mas apresentavam quatro ou mais perfu-rações à bala, com tiros pelas costas ou nacabeça, indicando claramente execuçõessumárias.

65

Além disso, outro problema mereceatenção: nem todas as mortes são regis-tradas como “autos de resistência”, poismuitas delas encontram-se referidas emregistros de ocorrência que versam sobreoutros crimes - onde a morte é apenas um

detalhe dentro do relato sobre um roubo,por exemplo.

66 Nesse caso o problema da

falta de transparência enseja reflexões tan-to mais preocupantes, se considerarmosa quantidade de pessoas mortas anualmen-te pela polícia e levando em conta queeste registro abarca tão somente os ditos“autos”, desconsiderando-se assim os ou-tros registros e também as mortes não re-gistradas.

Por tudo isso, os “autos de resistência”constituem um mecanismo que há anosvem sendo utilizado tanto para encobrir oscrimes cometidos por policiais, quanto paralivrar os mesmos de sua responsabilidadepenal

67, dificultando uma atuação mais

democrática – na medida em que impedea transparência – e contribuindo para umarelação opressora e abusiva entre cidadãoe Estado.

Os “autos de resistência”, da formacomo vem sendo empregados, devem serrevistos ou substituídos por documentosde maior clareza e precisão, possibilitan-do, dessa forma, que qualquer morte de-corrente da prática policial seja devida-mente apurada e penalizada quando for ocaso – mas que nunca represente um en-trave para a aplicação da justiça.

��O crime de Associação ao Tráfico

Dentre as últimas ações do governodo Rio de Janeiro visando estabelecer ummaior controle frente às comunidadesmarginalizadas, não há como não ressal-

64 Misse, Michel. Como desarmar a violência policial? Desarme: Notícias/Opinião. Rio de Janeiro, 04/03/2004.

http://www.desarme.org/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=3139&tpl=printerview&sid=16

65 Cano, Ignacio: Letalidade da Ação Policial no Rio de Janeiro, ISER, 1997, Rio de Janeiro.

66 Cano, Ignacio: Letalidade da Ação Policial no Rio de Janeiro, ISER, 1997, Rio de Janeiro.

67 O jurista Sérgio Verani é o autor de um livro que analisa os autos de resistência nas décadas de 70 e 80, constatando, já naquela época, osmesmos efeitos nocivos que abordamos atualmente. Ver: Assassinatos em nome da Lei.

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

tar a arbitrariedade com que tem sido uti-lizado indiscriminadamente o artigo 14 dalei 6368/76, que versa sobre o tipo penalde associação ao tráfico:

Art. 14. Associarem-se 2 (duas) oumais pessoas para o fim de praticar,reiteradamente ou não, qualquer dos cri-mes previstos nos artigos 12 ou 13 destaLei: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez)anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Por determinação do Governo do Es-tado

69, as manifestações de moradores das

favelas que muitas vezes seguem às açõesda polícia nas comunidades, geralmentemarcadas por depredação de ônibus e in-terrupção de avenidas e túneis, devem serenquadradas penalmente como crime deassociação ao tráfico. Este, além de cominaruma penalidade muito maior que oenquadramento legal que se utilizava an-teriormente –crime de depredação dopatrimônio privado–, também é inafian-çável, ou seja, determina que o acusadodeve aguardar a sentença em reclusão.

Mais uma vez uma determinação dogoverno do Rio de Janeiro generaliza si-tuações e acaba associando pobreza e

criminalidade, ao identificar todas as ma-nifestações como manifestações de soli-dariedade e cumplicidade dos moradoresem relação aos grupos do tráfico local.

Ainda que muitas dessas manifesta-ções possuam de fato ligações com o cri-me organizado, não seria razoável tratá-las da mesma forma – ainda mais quandoestas geralmente resultam da dor e revol-ta de moradores com incursões da polícia– que não raro resultam em execuçõessumárias.

Está implícita também nessa determi-nação, uma intenção deliberada em sedesmobilizar e desacreditar os atos públi-cos de denúncia e os grupos organizadosna luta por uma reparação legal, taxan-do-os indiscriminadamente de “bader-neiros” associados ao tráfico. Desde aimplementação desta prática, a elasticida-de com que o referido artigo é amplamen-te aplicado pela autoridade policial, e mui-tas vezes reforçado por juízes e promoto-res, não deixa dúvidas de suas intenções,levando à prisão indiscriminada de mãesdesesperadas a líderes comunitários quedenunciam abusos da polícia em suas co-munidades.

68 Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda quegratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumosubstância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ouregulamentar; Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.§1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: I - importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ouoferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação desubstância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas àpreparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.§ 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:I - induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica;II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda quegratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou quedetermine dependência física ou psíquica.Art. 13. Fabricar, adquirir, vender, fornecer ainda que gratuitamente, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquerobjeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de substância entorpecente ou que determine dependência físicaou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, epagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

69 No dia 1° de março de 2004, por determinação do Secretário de Segurança Pública, Anthony Garotinho, os delegados titulares dasdelegacias distritais passaram a enquadrar todas as pessoas presas acusadas de apedrejar e incendiar ônibus por crime de associação aotráfico, tipo penal inafiançável. Antes, os presos eram autuados por danos ao patrimônio, pagavam fiança e respondiam o crime em liberdade.Fonte: Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. http://www.policiacivil.rj.gov.br/noticia.asp?id=1088

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Não é preciso dizer que esta nova in-terpretação do artigo 14 da lei 6368/76confere ao poder público um fortíssimoinstrumento de ameaça e coação, pois passaa ser utilizado para regular a vida privadados moradores dessas comunidades –como no caso em que moradores que par-ticipam de velórios e enterros de trafican-tes, são acusados com base na lei de asso-ciação ao tráfico, como ocorrido após amorte (pelo Batalhão de Operações Espe-ciais da PM) do traficante Lulu da Rocinha,em que a Secretaria de Segurança Públicado Rio montou um esquema especial desegurança para acompanhar o cortejo eenterro, onde 100 policiais militares foramdestacados para o policiamento ostensivoenquanto agentes da polícia civil foraminfiltrados no meio dos moradores.

70

Este alargamento do dispositivo jurí-dico referente ao crime de associação aotráfico se consome em total ilegalidade,pois no sistema jurídico brasileiro umanorma penal não pode ser interpretada deforma mais ampla que seu entendimentosugere, prejudicando seu destinatário. E éexatamente isso que tem acontecidofreqüentemente, pois o artigo 14 tem suaabrangência ampliada a partir de uma de-terminação arbitrária do poder executivo,ensejada por sua nova interpretação.

Porém, não cabe ao poder executivointerpretar a lei e tampouco influir em umanova aplicação, como não cabe ao Mi-nistério Público, fiscal da lei, e ao judici-ário, seu aplicador, o silêncio ou compro-metimento com tal atitude.

O que podemos inferir desse contextoé a existência de uma visão preconceituosa,

tendente ao rótulo, mesmo entre os opera-dores jurídicos, os quais dispensam poucaou nenhuma credulidade à integridademoral de um morador da favela.

��O Mandado de Busca e Apreensão Itinerante ou Genérico

A extrapolação do direito processualbrasileiro, com vistas ao controle e crimi-nalização da pobreza, contida nesta recémcriada distorção jurídica - documento de-nominado “mandado de busca e apreen-são genérico”

71, consiste, sem dúvida al-

guma, na mais impressionante materiali-zação do etiquetamento penal.

O mandado de busca e apreensãoitinerante, genérico ou coletivo consiste emmais uma distorção da lei de processo pe-nal pela polícia com o apoio do poder ju-diciário e o silêncio cúmplice do governoestadual do Rio. Esse mandado de busca eapreensão é formulado em termos tão ge-rais ou genéricos que permite à polícia in-vadir qualquer residência e fazer qualquerrevista de morador sem individualização eespecificade, antes mesmo de se ter inicia-do um inquérito policial.

O ordenamento jurídico brasileiro, emsua parte processual, determina que omandado de busca e apreensão, de acor-do com os artigos 240 e 243 do Códigode Processo Penal, compreenda uma bus-ca “domiciliar ou pessoal”

72, além de de-

ver o documento indicar “o mais precisa-mente possível a casa em que será reali-zada a diligência e o nome do respectivoproprietário ou morador, ou no caso debusca pessoal, o nome da pessoa que terá

70 Tensão e aplausos marcam enterro de traficante no Rio. Folha de S.Paulo, 15/04/2004.

71 Também chamado de “mandado de busca e apreensão itinerante”.

72 Código de Processo Penal Brasileiro, art. 240.

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

de sofrê-la ou os sinais que a identifi-quem”,

73 além de, obviamente, “mencio-

nar os motivos e os fins da diligência”.74

Porém, através de uma ficção legal, opreceito estabelecido pela lei – qual seja, aespecificidade e determinação do manda-do - é desfigurado por meio de referênciasgenéricas e, geralmente, impetrado contratoda uma comunidade – resultando no fatode que, dessa forma, qualquer morador,bem como qualquer residência, estão con-templados nos limites “genéricos” ou“itinerantes” desses mandados.

Os mandados genéricos só são solici-tados e expedidos em decorrência doetiquetamento penal, da construção dooutro, averbada na criminalização da po-breza. Caso contrário, como deixar de ima-ginar tais mandados sendo aplicados emluxuosos condomínios, em especial os daBarra da Tijuca, local onde prolifera uminteressante –embora não novo– fenôme-no - justamente o tráfico de drogas pesa-das por integrantes dos círculos médios ealtos da sociedade?

Ainda que os fatos falem por si, nadamais justo do recorrer à justificativa, publi-camente expressa pelo juiz AlexandreAbrahão Dias Teixeira – hoje, juiz de direitoda Auditoria Militar -, que emitiu o primeiromandado desse tipo a partir de uma denún-cia anônima do “Disque-Denúncia”, contraa Comunidade da Grota, na tentativa de pren-der o traficante Elias Maluco, suspeito doassassinato do jornalista Tim Lopes.

O juiz emitiu o mandado, determinan-do a busca e apreensão da “Associação deMoradores de Grota, de duas casas de corverde na favela com especificades locais,

de todas as casas, sem excepção, situadasem uma vila, com um portão de ferro, pró-ximo à Ass. de Moradores do Complexodo Alemão, um salão, um bar, e um portãode madeira pintada de azul”.

75

A seguir, outro trecho da decisão quemerece destaque:

“Frise-se, por derradeiro, que a medi-da excepcional está calcada em diversasdenúncias semelhantes (fls. 02/35 dos au-tos em apenso), provavelmente endereçadaspor cidadãos humildes e honestos da co-munidade local que, certamente indigna-dos com os desmandos do Elias Maluco esua gangue, bem como o triste envolvimentode parca parcela de policiais corruptos comestes elementos espúrios, busca o únicomeio de reagir à impunidade crescente nes-te país; ou seja, denunciar as escuras!

Destarte, este grito de socorro e justi-ça promovido pelo povo deve ser atendi-do COM URGÊNCIA e RIGOR, não sópelos policiais honestos, mais também e,principalmente pelo Poder judiciário, queciente e consciente das dificuldades in-vestigatórias dos incorruptíveis policiaise da fragilidade dos cidadãos que se aven-turam em “denunciar” o lixo genético quelhes amedronta, cala e mata, não podesimplesmente encastelar-se de forma ali-enada para discutir meras filigranas ju-rídicas.

Em suma, é a hora do Judiciário ex-por sintonia e empenho na luta pela rees-truturação social, demonstrando total sen-sibilidade pelos anseios sociais, o que sedará apenas e tão somente através de umaatuação eficaz, condigna e célere a portermo neste descalabro público”.

76

73 Código de Processo Penal Brasileiro, art. 243, inciso I.

74 Código de Processo Penal Brasileiro, art. 243, inciso III.

75 Decisão no processo 2002.001.084808-6 contra Elias Maluco, do I Tribunal do Júri da Comarca da Capital, tomada pelo juiz AlexandreAbrahão Dias Teixeira, em 28 de agosto de 2002.

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É interessante perceber como a coni-vência do poder judiciário em relação aosdesmandos ocorridos nas comunidadescarentes advém, principalmente, de umapercepção distorcida a respeito de seusmoradores – que, não raro, lhes custa avida, saúde ou dignidade.

Porém, como todas as medidas excep-cionais adotadas num momento de criseou por causa de uma suposta “guerra ci-vil”, os mandados foram se generalizan-do e acabaram fazendo parte do arsenalregular utilizado pela Polícia do Rio deJaneiro, com o aval do Judiciário.

Não resta dúvida de que tais manda-dos não encontram respaldo na Consti-tuição Federal brasileira (artigo 5°) ou nanossa Lei processual penal (art. 240 a 250do Código de Processo Penal).

Para demonstrar a arbitrariedade e ile-galidade da decisão judicial acima men-cionada, trazemos à tona outra decisãojudicial, proferida pelo Juiz Joaquim Do-mingos de Almeida Neto, da 29ª. VaraCriminal do Rio de Janeiro, em que ficaevidentemente clara a distorção do pro-cesso penal e do instrumento jurídico domandado de apreensão:

“Há uma inversão da ordem processu-al. Ao invés de se investigar e depois re-querer a medida constritiva extrema pre-tende o requerente partir de apreensão parajustificar o inquérito, o que não é possível.Não se pode outorgar uma carta branca(Mandado genérico) ao investigador, ain-da mais quando se trata com garantiasconstitucionais. Toda a prova daí derivadaseria nula”.

77

Infelizmente, muitos juizes não con-cordam com essa opinião e têm contribu-ído, através da emissão de tais mandadositinerantes ou genéricos, com essa políti-ca de maquiagem legal para as operaçõespoliciais nas favelas.

Além da ilegalidade, o que é mais gra-ve no caso do uso distorcido deste instru-mento, é o apoio direito e cúmplice de vá-rios membros do poder judiciário na re-pressão que ocorre nas favelas e comuni-dades mais carentes do Rio de Janeiro.

Em permitindo ou apoiando a emis-são desse tipo de ordens, esses juízes aca-bam conferindo uma autorização oficialde invadir qualquer residência da favelaou permitir qualquer revista de moradorou cidadão sem qualquer individualizaçãoe especificidade e, portanto, deveriam as-sumir a responsabilidade pelos danos epelas violações de direitos ocorridas nocontexto da operação, inclusive a destrui-ção de propriedades, os feridos e as mor-tes. Assim, além dos feridos, das mortes edas violações de privacidade e de domi-cílio ocorridas durante a operação polici-al, o mandado pode permitir condenaçõesde pessoas com base em provas ilegais einconstitucionais.

Não é preciso dizer que, quando essetipo de mandado eventualmente atingealguns membros das classes mais privile-giadas de nossa sociedade, a reação é fortee imediata. Em 03 de outubro de 2003, aOrdem dos Advogados do Brasil – SeçãoRio de Janeiro divulgou nota à imprensarepudiando o mandado de busca e apre-ensão genérico expedido contra um “es-

76 Decisão no processo 2002.001.084808-6 contra Elias Maluco, do I Tribunal do Júri da Comarca da Capital, tomada pelo juiz AlexandreAbrahão Dias Teixeira, em 28 de agosto de 2002.

77 Exposição dos motivos para a negação do pedido de um mandado genérico efetuado pelo Ministério Público no processo n.º2003.001.090811-5, proferido pelo juiz Joaquim Domingos de Almeida Neto, juiz de direito da 29ª Vara Criminal, 06/08/03. O juizJoaquim qualificou o suporte probatório do Ministério Público de mínimo e de tão genérico quanto o pedido formulado, o qual não tinhaembasamento, não apontava a existência de crime e nem precisava quem eram os investigados.

Aspectos da violência no Rio de Janeiro: entre vítimas e algozes

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critório de advocacia de grande porteonde trabalham inúmeros advogados e doqual são clientes centenas de pessoas fí-sicas e jurídicas”.

78 Neste caso, a OAB-

RJ expressou sua indignação pelo fato deque a ordem judicial “faz tábula rasa dapresunção de inocência e, sem formaçãode culpa, impõe à sociedade de advoga-dos, às procuradorias e a todos seus inte-grantes, sócios ou empregados, constran-gimentos inauditos, que, em tese, só de-veriam ser suportados por quem, de fato,estivesse envolvido na prática de algumilícito” e até mencionou estar estudandoa possibilidade de uma representação con-tra o juiz da justiça federal que determi-nou a busca e apreensão.

O Estado se utiliza em larga escala daviolência direta como forma de controlesocial e combate à criminalidade, mas tam-bém se vale da manipulação de determi-nados instrumentos jurídicos para o cum-primento de seus intentos. As distorçõeslegais, impostas arbitrariamente à popula-ção, traduzem a necessidade de legitimaçãodas ações do governo, que não encontramrespaldo nem na lei, nem no bom senso eexplicitam a ausência de políticas de se-gurança pública eficazes.

Especialistas assinalam que a políticade confronto desenhada pela polícia doRio de Janeiro não tem nenhum impactona redução das taxas de homicídios, porexemplo. Em 199 foram registrados 289autos de resistência no Estado e a taxa dehomicídios foi de 42,9 por 100.000 habi-tantes. Em 2003, a polícia matou 1.195pessoas e a taxa de homicídios foi mais

elevada: 44,5 por cem mil.79

Portanto, onúmero crescente de autos de resistêncianão tem nenhum impacto nas taxas de ho-micídios registradas no Rio, que tambémcontinuam crescendo.

Enquanto as violações de direitos hu-manos ocorridas no seio das comunidadescarentes continuarem a ser encaradas comodecorrências naturais de uma outra reali-dade, e por isso mesmo não geradora deefeitos universais, não há como resolver oproblema. Este reside justamente na liber-dade dada à força policial para sua atuaçãoque, desprovida da necessidade de obe-diência à lei, extravasa aos poucos em dire-ção aos outros setores de nossa sociedade.

A ditadura militar, que há 40 anos mas-sacrou a sociedade brasileira, hoje é moti-vo de vergonha e revolta que - a despeitoda estranha recusa por parte do governofederal em se apurar as responsabilidades- no novo horizonte democrático, assumeum compromisso de reparo, pautado emindenizações às suas vítimas.

Ainda assim, com todo rechaço socialdirecionado às práticas autoritárias impos-tas pelo governo militar – satanização dasvítimas, uso indiscriminado da violência eedição de documentos sem o devido am-paro legal -, parece razoável inferir a re-produção deste sistema de justificativas narealidade atual do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, como aqueles que vi-ram na solução autoritária a saída para a“situação insustentável” do Brasil naqueleperíodo – e que se viram posteriormentevitimados pelos mesmos efeitos danosos– hoje também há uma forte tendência nacrença de uma solução pela força.

78 Expresso da Notícia, 9 de outubro de 2003: “OAB repudia busca e apreensão em escritório de advocacia” http://www.expressodanoticia.com.br/conteudo.asp?”Codigo=209379 Lemgruber, Julita. “Violência, omissão e insegurança pública: o pão nosso de cada dia”. Fonte: www.cesec.ucam.edu.br/publicacoes/zip/Julita

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Operação policial no Morro da Providência,Rio de Janeiro, 27/09/04

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Capítulo II

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

onferir status de “emblemático” aum caso de violação de direitos hu-

manos constitui, geralmente, um proble-ma – tendo em vista, principalmente, quea dor das vítimas não pode ser medida ouqualificada dentro de qualquer quadro hi-erárquico. Nesse sentido, a simples men-ção de tal qualificação incorreria de for-ma derradeira na descaracterização das ví-timas como iguais, contribuindo para umacompreensão distorcida sobre a produçãoda violência.

No entanto, o conceito de “emblemá-tico” aqui utilizado diz respeito não à umaordem de importância prévia e arbitraria-mente estabelecida mas, dado o caráter sis-temático com que tais violações se apre-sentam no cotidiano do Rio de Janeiro, sãorepresentativos de certos padrões de açãopolicial, vindo a fornecer uma interessan-te fonte sobre as discussões realizadas noprimeiro capítulo deste relatório. Para tan-to, foram utilizados documentos e estatís-ticas oficiais, reportagens jornalísticas,acompanhamentos processuais, além deum farto material obtido nas entrevistas rea-lizadas pela equipe do Centro de JustiçaGlobal junto às vítimas, familiares e mora-dores das principais áreas atingidas pelaviolência do Estado durante o ano.

Além disso, alguns casos foram sele-cionados também porque representamaqueles que, de uma maneira ou de ou-tra, obtiveram grande repercussão noscanais de mídia e frente ao poder públicoe à sociedade civil.

Finalmente, o período contempladoneste capítulo - de janeiro a setembro de2004 -, além de possibilitar uma discus-são centrada em fatos concretos e presen-tes, também corresponde a uma atualiza-ção das violações neste estado, na medi-da em que outros casos de execução, tor-tura e demais formas de violência já seencontram descritos em outros relatóriosde nossa organização.

80

80 Para um quadro completo ver os relatórios anuais do Centro de Justiça Global. Direitos Humanos no Brasil 2000; Direitos Humanos noBrasil 2002; Direitos Humanos no Brasil 2003; e o relatório temático Relatório sobre Execuções Sumárias no Brasil 97-2003, 2003.

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

��W. D. G. M., J. C. P. J., Flávio Moraesde Andrade, E. M. A. e José Manoelda Silva – Caju, Rio de Janeiro

Na noite do dia 06 de janeiro de 2004,os jovens W. D. G. M., 13 anos, J. C. P. J.,16 anos, Flávio Moraes de Andrade, 19anos, E. M. A., 17 anos e José Manoel daSilva, 26 anos estavam reunidos jogandodominó, próximo a um mercado do Com-plexo do Parque da Alegria, na comuni-dade do Caju, Rio de Janeiro, quando doispoliciais militares chegaram repentina-mente atirando contra os rapazes, sem queeles pudessem reagir.

81

Segundo informações dos familiares,82

as testemunhas contam que os rapazes ain-da tentaram se identificar, solicitando quefossem levados até suas casas para quepudessem mostrar seus documentos, masnão foram atendidos. Indícios provam quea execução foi realizada ali mesmo, ondeos rapazes estavam reunidos.

83

Houve ainda uma sexta vítima que so-breviveu: William Borges dos Reis tam-bém foi atingido pelos disparos dos poli-ciais, mas conseguiu fugir e ser socorridopor vizinhos.

84

Na manhã do dia 07 de janeiro, trêsdos cinco corpos foram encontrados emum lamaçal que fica localizado na própriacomunidade, atrás da garagem de umaempresa de ônibus. Trata-se de um localermo, onde certamente ninguém poderiapresenciar o momento em que os corposforam deixados e, principalmente, porquem foram deixados. Os outros dois cor-pos foram levados ao Hospital SouzaAguiar e identificados pelos policiais comosupostos traficantes que teriam morrido emtroca de tiros com a polícia.

85

Os corpos das vítimas que foram dei-xados no lamaçal ficaram horas expostosno local antes que fossem recolhidos aoIML – Instituto Médico Legal. Durante esseperíodo, os familiares esperaram ao ladodos corpos dos seus filhos e presenciarama chegada de policiais que pareciam estarali para vigiá-los. Sem respeito à dor dasfamíllias um dos policiais disse: “Menosum porco para a gente prender”.

86

A ocorrência foi registrada e, segun-do familiares, os policiais militares envol-vidos na execução continuam trabalhan-do na comunidade e teriam sido apenasalocados em batalhões diferentes.

87

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

81 De acordo com Elizabete Maria de Souza, irmã de W., onze policiais militares se envolveram na ação daquela noite no morro do Caju.Informações fornecidas, pessoalmente, em entrevista concedida ao Centro de Justiça Global em 31/05/04.

82 Informações fornecidas por Elizabete Maria de Souza, irmã de W., pessoalmente, em entrevista concedida ao Centro de Justiça Global em31/05/04.

83 “… em frente ao mercado Ribeiro… muito sangue espalhado no chão e pedaços de cérebro e cabelo no local… paredes sujas desangue…” Informações fornecidas por Elizabete Maria de Souza, em declaração prestada na 17ª Delegacia de Polícia, em 15/04/04.Procedimento no. 017-00092/2004.

84 Informações fornecidas por Elizabete Maria de Souza, irmã de W., em declaração prestada na 17ª Delegacia de Polícia, em 15/04/04.Procedimento no. 017-00092/2004.

85 Informações fornecidas por Elizabete Maria de Souza, irmã de W., pessoalmente, em entrevista concedida ao Centro de Justiça Global em31/05/04.

86 Informações fornecidas por Elizabete Maria de Souza, pessoalmente, em entrevista concedida à equipe do Centro de Justiça Global em31/05/04.

87 Idem

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Após o crime, alguns policiais milita-res do 4° Batalhão da Polícia Militar visi-taram a associação de moradores do bair-ro, onde Elisabete

88 trabalhava. Antes das

execuções, policiais nunca haviam visita-do a associação, o que leva a crer que essafoi mais uma forma de amedrontar Elisa-bete para que ela desistisse de denunciaros policiais. Atualmente, ela não trabalhamais na associação, preferindo protegerseus colegas de trabalho, que justificada-mente também se sentiam ameaçados pelasituação.

O sobrevivente William prestou depo-imento logo após o ocorrido. Inicialmen-te ele alegou ter sido atingido por uma“bala perdida”

89, mas depois, a pedido das

famílias das vítimas fatais, voltou à 17ªDelegacia de Polícia e contou o que real-mente lhe havia acontecido, ou seja, quehavia sobrevivido a uma execução reali-zada por policiais militares. Logo após seusegundo depoimento, Willam e toda suafamília se mudaram da comunidade. Elesdisseram que temiam a presença dos po-liciais. Na última vez que Willian foi vis-to, em fevereiro de 2004, foi possível notarque ele ainda mancava em função do tiroque havia levado na noite da execução.

90

Elisabete, irmã da vítima W., conta que

três meses depois do assassinato, duranteuma passeata organizada pelas mães dasvítimas, policiais do 4° Batalhão da Polí-cia Militar, onde trabalham os envolvidosna execução dos garotos, tentaram atrapa-lhar a manifestação. Eles ameaçavam osvizinhos para que estes não aderissem àpasseata e arrancavam os cartazes afixa-dos nos postes pelos manifestantes.

91

O inquérito policial foi iniciado na 17ªDelegacia Policial

92, mas foi transferido

para a Delegacia de Homicídios93

, onde,até o fechamento do presente relatório, seencontrava em processo de investigação.Tramita ainda, na Corregedoria Geral Uni-ficada das Polícias Civil e Militar e do Cor-po de Bombeiros, inquérito administrati-vo que se encontra em fase investigatória.

94

Os familiares dos demais jovens executa-dos continuam a morar na comunidade doCaju, convivendo com os policiais milita-res que executaram seus filhos, sem que oEstado tenha garantido qualquer proteçãoàs suas vidas e integridades pessoais.

95

Em 20 de julho de 2004, o Centro deJustiça Global enviou um informe (ofícioJG/RJ n° 192/04) sobre o caso acima nar-rado para a Relatoria Especial da ONU so-bre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ouArbitrárias.

88 Informações fornecidas por Elizabete Maria de Souza, pessoalmente, em entrevista concedida à equipe do Centro de Justiça Global no dia31/05/04.

89 William fez o Exame de corpo delito, logo nesta primeira vez em que esteve na delegacia. Informações fornecidas pela senhora AldeciAndrade, mãe de E. e Flávio Moraes de Andrade, ao Centro de Justiça Global, em encontro na Secretaria Estadual de Direitos Humanos,em 08/07/2004.

90 William foi atingido em uma das pernas. Informações fornecidas pela senhora Aldeci Andrade, mãe de E. e Flávio Moraes de Andrade,ao Centro de Justiça Global, em encontro na Secretaria Estadual de Direitos Humanos, em 08/07/2004.

91 Informações fornecidas por Elizabete Maria de Souza, , pessoalmente, em entrevista concedida à equipe do Centro de Justiça Globalem 31/05/04.

92 Inquérito Policial n° 0092/20004.

93 Inquérito Policial n° 027/20004.

94 Inquérito Militar N° E-32/0674/0006/2004. Informações fornecidas pela Corregedoria Geral Unificada / Secretaria de Estado deDireitos Humanos, do estado do Rio de Janeiro, protocolo n°E-32/3281/0006/04.

95 Informações fornecidas por Elizabete Maria de Souza à equipe do Centro de Justiça Global em 31/05/04.( Conforme anteriores).

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

��Romulo Batista de Melo – Municípiode Cabo Frio, Rio de Janeiro.

No dia 21 de janeiro de 2004, o estu-dante de fisioterapia, Rômulo Batista deMelo, 21 anos, foi preso pelo 25° batalhãoda polícia militar, após se envolver numacidente de carro, em Cabo Frio, municí-pio da região dos lagos do estado do Riode Janeiro. No dia 27 de janeiro de 2004ao ser transferido da 126ª Delegacia dePolícia para o Rio de Janeiro, Rômulomorreu.

96

Após o incidente em Cabo Frio,Rômulo foi preso em São Pedro da Aldeia,município vizinho. Ele estava muito ner-voso, se jogava na frente dos carros, numatentativa de se matar. O policial militar

97

que tentou prendê-lo precisou pedir ajudaaos bombeiros para conseguir deterRômulo, pois ele estava muito perturba-do

98, necessitando de tratamento especial.

Os policiais resolveram então levá-lo parao Hospital Municipal de São Pedro da Al-deia

99, onde Rômulo foi medicado com for-

tes sedativos.Mais tarde, Rômulo foi levado para a

126ª Delegacia de Polícia, em Cabo Frio,sob acusação de roubo de carro. Os fami-liares somente conseguiram vê-lo dois diasapós sua prisão. Rômulo estava visivelmen-te abatido, como se estivesse drogado, emachucado. Segundo informações de sua

mãe, Márcia Batista de Melo, ele tinha umcorte na testa, escoriações pelo corpo earranhões no joelho e entorno dos pul-sos.

100

Da última vez que foi visto por seuadvogado, Rômulo estava deitado no chãono corredor da carceragem, inconsciente.O advogado questionou sobre as condi-ções em que seu cliente se encontrava, aoque os policiais responderam que Rômuloestava sob efeito de forte medicação e ne-cessitava um local mais ventilado.

101

No mesmo dia 27 de janeiro de 2004,Rômulo e outro detento, Paulo CesárFernandes de Souza, foram transferidospara o Hospital Psiquiátrico Heitor Carri-lho, no Rio de Janeiro. Juntamente comeles, na mesma viatura era também trans-ferida uma detenta, Renata da Silva Car-reiro, para a 124ª Delegacia de Polícia,Delegacia de Saquarema. Durante a via-gem, os detentos ficaram no fundo da via-tura, algemados, e a detenta no banco tra-seiro da viatura.

102

Renata conta que o policial dirigia a vi-atura em alta velocidade, inclusive quandopassava por quebra-molas e lombadas, oque provocou intenso sofrimento físico aRômulo e a Paulo, que encontravam-se nocompartimento traseiro sem ter como seapoiarem. Segundo ela, Rômulo gritava egemia, parecia que ele estava “tendo umacrise”.

103 Os policiais corriam tanto que foi

96 Informações colhidas do Inquérito Policial n° 027/2004.

97 Policial militar, José Carlos S. de Andrade, R.G. 43.111.

98 R.O. 000520/0126/2004, 126ª Delegacia de Polícia, Cabo Frio-RJ.

99 Hospital Municipal de São Pedro da Aldeia, ocorrência n° 173, 21/01/04, 20:45.

100 Informações fornecidas pela mãe de Rômulo, sra. Márcia Batista de Melo, em entrevista cedida, pessoalmente, à equipe do Centro deJustiça Global, dia 06/07/2004.

101 Idem

102 Informações colhidas do Inquérito Policial n° 027/2004.

103 Laudo n° 218/04. Informações colhidas do Inquérito Policial n° 027/2004.

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possível localizar multas por excesso develocidade entre o trajeto de Cabo Frio atéSaquarema. O policial Jayro Alexandre Ser-rado Brito, que estava ao volante, dizia quedesta forma iria dar “um jeito” nos gemidosde Rômulo.

104

Segundo relato dos policiais, após aparada para o almoço, eles perceberam queRômulo estava febril e alegava tontura. Apartir deste momento, Rômulo passou aviajar no banco traseiro da viatura e nãomais no fundo do carro. Verificando que odetento não apresentava melhoras, os po-liciais resolveram levá-lo ao hospital maispróximo. Desviaram para o município pró-ximo de Maricá e o levaram ao HospitalConde Modesto Leal. Rômulo deu entra-da no Hospital já em coma, sofreu duasparadas cardíacas e acabou falecendo.

105

O laudo médico atestou que a causada morte de Rômulo foi traumatismo crâ-nio-encefálico com hemorragia intracra-niana, provavelmente, proveniente dosomatório de fatores metabólicios, comoa febre e a desidratação, fatores ambien-tais, como a alta temperatura e as conse-quentes projeções do corpo de Rômulonas paredes do veículo.

106 Este fato de-

monstra um total descaso pela integrida-de física dos detentos que estavam sendotransportados sob a responsabilidade dospoliciais militares.

Os policiais Jayro Brito, FranciscoMauricio e Guilherme Casemiro foram de-nunciados

107 por tortura. Até o fechamen-

to do presente relatório, o processo ainda

tramitava na Vara Criminal da Comarca deCabo Frio. Os policiais estão presos desdeo dia 17 de setembro de 2004.

108

Em 13 de fevereiro de 2004, o Centrode Justiça Global enviou um informe (ofí-cio JG/RJ n° 33/04) sobre o caso acimanarrado para a Relatoria Especial da ONUsobre Tortura.

��Nélis Nelson dos Santos - Morro daCoroa, Rio de Janeiro.

No dia 16 de fevereiro de 2004, apro-ximadamente às 7h30, motivados pela vin-gança do assassinato de um policial do 1ºBatalhão da Polícia Militar, um grupo de11 policiais militares do mesmo batalhãoacompanhados de um informante encapu-zado, deram início a uma operação na fa-vela Morro da Coroa, no Rio de Janeiro.

Por volta das 9h30, os policiais invadi-ram a casa de Nélis dos Santos a fim de ob-ter informações sobre a localização dos pos-síveis autores do assassinato do policial.

Nélis dormia no segundo andar de suaresidência, local para onde se dirigiramquatro policiais e o informante encapuza-do, permanecendo o sargento Jorge e osfamiliares de Nelis no andar térreo, en-quanto os demais policiais aguardavamdo lado de fora da casa. Como Nélis eraviciado em drogas, os policiais acredita-vam que ele poderia fornecer as pistas queprocuravam sobre a morte do colega, poisacreditavam que o policial havia sido as-sassinado por traficantes locais.

104 IP n° 027/2004, Ofício n° 000194/2004-DRV-DETRAN/RJ.

105Informações colhidas do Inquérito Policial n° 027/2004.

106 Idem.

107 Processo n. 2004011022760

108 Informações fornecidas pela mãe de Rômulo, sra. Márcia Batista de Melo, em entrevista cedida, por telefone, à equipe do Centro deJustiça Global, dia 02/10/2004.

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

O grupo de policiais que abordou Né-lis contava então com dois oficias carac-terizados um 1º tenente e um 2º tenente,um sargento, identificado por familiarescomo sargento Jorge P2, que permane-ceu conversando com o irmão de Nélis,um outro oficial cuja patente não se pôdedeterminar e um homem trajando vesti-menta semelhante a do exército (camufla-da), que portava uma arma de grosso ca-libre.

109 O informante acompanhou os po-

liciais que dirigiram-se ao segundo andar.De acordo com o relato dos familia-

res, o sargento Jorge os havia tranqüili-zado, afirmando que “só queriam conver-sar” com Nélis - inclusive surpreenden-do o irmão da vítima ao demonstrar co-nhecer seu grau de parentesco, bem comoa igreja que este freqüentava.

Seguiu-se uma conversa entre o irmãode Nélis e o sargento quando, do andar decima, ouviu-se um forte barulho seguidode gritos da vítima. Seu irmão pediu entãoque não o espancassem mais, pois toda afamília estava presente, incluindo uma cri-ança de cinco anos de idade.

O sargento subiu ao cômodo onde seencontrava Nélis e os outros quatro poli-ciais, além do informante. Pouco tempodepois, os policiais foram descendo um aum, advertindo os familiares de que de-veriam ir embora dali para não “seremprejudicados”.

Por fim, desceu o 1º tenente, ofegan-do bastante, dirigindo-se diretamente aoirmão da vítima, pedindo “para dar um

jeito” em Nélis. O irmão argumentou queestavam providenciando uma clínica derecuperação para ele, mas que Nélis nãoqueria se internar. Diante desta resposta,retrucou dizendo que “agora ele (Nélis)vai querer ir para a clínica”.

Quando os policiais se retiraram, osfamiliares dirigiram-se até o quarto ondeocorreu a tortura e encontraram Nélis de-sacordado no chão, sangrando muito, en-rolado em um lençol. Ao recuperar os sen-tidos, contou que foi brutalmente espan-cado pelos policiais, tendo estes lhepisoteado os órgãos genitais, aplicado-lheeletrochoques, enforcamento, inserido umcabo de vassoura em seu ânus, furado sualíngua, dedos e nariz com um alicate, alémde desferir-lhe um golpe na cabeça comuma pesada balança de ferro.

110 A sessão

de tortura durou aproximadamente trêshoras e resultou, além dos ferimentos portodo o corpo, na destruição da bexiga edo canal retal de Nélis, reconstituídos pos-teriormente pela equipe de médicos doHospital Miguel Couto.

111

O Centro de Justiça Global reuniu-secom membros da Secretaria de Seguran-ça Pública do Estado do Rio de Janeiroque afirmaram sobre a suspensão das in-cursões policiais naquela comunidade, atransferência da investigação para a Corre-gedoria Interna de Polícia e a proteção davítima e de seus familiares pela Coordena-doria de Recursos Especiais da PolíciaCivil (CORE).

A vítima reconheceu 5 policiais envol-

109 Informações obtidas durante o testemunho de um dos familiares de Nélis, em Audiência Pública promovida pela Comissão de DireitosHumanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), acompanhada pelo Centro de Justiça Global, no dia 20/02/04.

110 Alguns instrumentos utilizados na tortura de Nélis foram apresentados aos participantes da Audiência Pública na ALERJ, no dia 20/02/04, incluindo a balança de ferro, que encontrava-se amassada devido ao impacto.

111 Estas informações constam no depoimento dado por familiares de Nelis no dia da Audiência Pública na ALERJ, acompanhada pelo Centrode Justiça Global e no jornal O GLOBO de 19/02/04, em matéria “Horror em Santa Teresa”.

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vidos na tortura, por meio de um álbum defotografias da Polícia Militar do Rio de Ja-neiro. O auto de reconhecimento foi feitono hospital onde Nélis estava internado efoi anexado ao inquérito que apura a res-ponsabilidade dos policiais agressores.Também foi anexado o depoimento da ví-tima, prestado no hospital, sob autoriza-ção de Nélis, onde este confirma as trêshoras de tortura sob o poder dos policiaisdo 1º Batalhão da Polícia Militar.

Nélis também foi submetido a examede corpo de delito, feito pela perita Regi-na D’Onofre, do Instituto de Criminalís-tica Carlos Éboli. De acordo com o laudoda perita, ficou constatada a caracteriza-ção de maus tratos, com ferimentos com-patíveis à tortura.

112

Embora a delegada responsável pelasinvestigações,Valquíria Lucas, da 6ª De-legacia de Polícia, tenha solicitado a pri-são preventiva dos 11 policiais, o Tribu-nal de Justiça do Estado do Rio de Janei-ro negou o pedido sob alegação de “faltade provas”, mesmo tendo o Inquérito Po-licial Militar, instaurado por determinaçãodo 1º BPM, concluído que os 11 policiaistiveram participação direta ou indireta natortura de Nélis.

Ainda assim, conforme notícia publi-cada pela imprensa, a delegada afirmouque reiterará o pedido de prisão quandotiver fatos novos a acrescentar

113.

Segundo informações fornecidas peloSub-Secretário, Paulo Baia, foi decretadaa Prisão Preventiva dos policiais envolvi-dos no fato acima narrado. Os policiais

foram indiciados por crime de Tortura. Atéo fechamento do presente relatório ospoliciais encontravam-se detidos.

114

Em 08 de março de 2004, o Centrode Justiça Global enviou um informe (ofí-cio JG/RJ n° 47/04) sobre o caso acimanarrado para a Relatoria Especial da ONUsobre Tortura.

��L F. M., L. S. S. e J. A. C. - Rocinha,Rio de Janeiro.

Na madrugada do dia 22 de fevereirode 2004, os jovens L. F. M., de 17 anos,L.S. S., de 16 anos, J. A .C., de 13 anos eM. R. S., de 16 anos, voltavam de umbaile funk, na Via Ápia, na comunidadeda Rocinha, quando foram abordados porpolicias militares do BOPE (Batalhão deOperações Especiais da Polícia Militar)que faziam operação na área. Segundo opadrasto de J. A., Edílson Ferreira, os po-liciais colocaram um saco plástico na ca-beça de L. e obrigaram todos os garotos adescer dizendo que “Iam matar um”. Osadolesentes foram levados então para aTravessa Gregório, próximo a um valão ebaleados.

L. F.M e L.S. morreram na hora

e os outros dois foram levados para o hos-pital Miguel Couto, onde somente o ado-lescente M. R. S.conseguiu sobreviver. M.,única testemunha do caso, ficou interna-do em estado grave sob vigilância diáriade dois policiais militares.

115

Segundo moradores, cerca de 15 agen-tes do BOPE, alguns deles usando toucas-ninja e outros com rostos pintados, parti-

112 Vítima reconhece PMs como seus torturadores.O GLOBO, 28/02/04.

113 Idem.

114 Informações fornecidas pelo Sub-Secretário da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Baía , em entrevista à equipe do Centro deJustiça Global, em 02/10/04.

115 “PM sobe a Rocinha e 3 adolescentes são mortos”. O Globo, 23/02/2004.

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

ciparam da operação, chegando à favelade madrugada, por volta das 4 ho-ras.Conforme depoimento do Presidente daAssociação de Moradores da Rocinha,William de Oliveira, a Associação espera-va que o BOPE reforçasse o policiamentode modo preventivo, apenas para garantira tranquilidade dos festejos, mas que nãofariam qualquer operação mais ofensivacontra os moradores do local, tanto quenem cancelaram o baile funk e o baile decarnaval. Cerca de cinco mil pessoas cir-culavam pela favela quando os policiaischegaram e mataram os três adolesentes.

116

Na versão contada por moradores, ospoliciais militares do BOPE (Batalhão deOperações Especiais da Polícia Militar),após balearem os rapazes, tentaram comuma faca retirar um projétil da perna deum dos adolescentes para evitar que fi-casse uma prova no corpo. Além disso,os rádios e celulares encontrados ao ladodos corpos foram colocados pelos própri-os policiais para incriminar os adolescen-tes mortos.

117 Nenhuma arma foi encon-

trada com as vítimas, que também não ti-nham antecedentes criminais.

118

Familiares dos jovens negam veemen-temente que eles tivessem qualquer envol-vimento com o tráfico. Segundo os mes-mos, no momento em que foram aborda-dos, os jovens estavam simplesmente vol-tando pra casa pra ir dormir um pouco an-tes de trabalharem numa feira no JardimBotânico. Contou o pai de J. que o filho,

de apenas 13 anos, estudava na 3a série,tomava conta das três irmãs menores e tra-balhava na feira no fim-de-semana. L.F.M.estudava informática e não tinha motivoalgum para se envolver com o tráfico, re-latou o seu pai, o garçom Dílson Madeira.L. estudava mecânica.

119

Em manifestação pública de protestopelo assassinato dos jovens, os morado-res da Rocinha levaram os corpos deL.F.M. e L.S.S para a entrada da favela.Após umas cinco horas de manifestação,os corpos foram retirados do local. Du-rante todo o tempo que lá estiveram, fo-ram velados pelos moradores.

120

Segundo o delegado Paulo Souto, ape-sar da proibição expressa da Secretaria deSegurança Pública do Rio de Janeiro dequalquer incursão do BOPE na Rocinhadurante o carnaval, a operação relâmpa-go teria sido motivada pelo recebimentode um grande número de denúncias deque traficantes aproveitariam o desfile decarnaval para invadir e tomar as “bocas-de-fumo”

121 na favela. Afirmou ainda, que

policiais do BOPE entraram para resguar-dar o acesso à favela pela mata, enquantooutros policiais, de batalhões do Leblon,Copacabana, Praça da República, da Ban-deira e do Grupamento Especial TáticoMóvel (GETAM), guardavam outros aces-sos e que o BOPE só reagiu porque teriasido recebido com tiros .

122

No dia 26 de fevereiro de 2004, mora-dores e familiares das vítimas reuniram-se

116 Idem.

117 “Rocinha: deputados ouvem parentes”. O Globo, 28/02/2004.

118 “Rocinha: deputados ouvem parentes”. O Globo, 28/02/2004.

119 “PM sobe a Rocinha e 3 adolescentes são mortos”. O Globo, 23/02/2004.

120 Idem.

121 Pontos de venda de drogas.

122 Ibidem.

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45

com o secretário de segurança pública,Anthony Garotinho, que novamente proi-biu quaisquer ações da tropa de elite(BOPE) na Rocinha por 60 dias. Garoti-nho justificou a decisão devido à visívelanimosidade da comunidade com o BOPE.Afirmou o secretário que já tinha determi-nado ao comandante-geral da Polícia Mi-litar à época, coronel Renato Hottz, quenão houvesse ações do BOPE durante ocarnaval e que a ordem foi descumprida.A versão do comandante do BOPE, Fer-nando Príncipe, é de que tinha sido solici-tado pelo coronel Jorge Braga, do 23oBatalhão da Polícia Militar, para fornecerreforço devido à presença de traficantes nolocal e que os três rapazes mortos seriamtraficantes.

123

Já no dia 27 de fevereiro de 2004, umdia após se reunir com os familiares dosjovens assassinados e prometer uma in-vestigação isenta do caso, o secretário de-fendeu a polícia. Disse que não iria puniro coronel Carlos Guedes, chefe do Esta-do Maior da Polícia Militar que ordenoua entrada do BOPE (Batalhão de Opera-ções Especiais da Polícia Militar), e levan-tou a suspeita de que a cena do crime te-nha sido modificada para incriminar os

policiais, que sustentavam que os jovensseriam traficantes e teriam morrido numatroca de tiros. Para o secretário, o fato deos moradores terem retirado os corpos dolugar para exíbi-los em protesto na pistaseria uma suspeita de que não queriamdeixar fazer o exame do local intacto.

124

As investigações estão sendo realiza-das pelo 15a Delegacia de Polícia.

125 Em

resposta a um ofício enviado pelo Centrode Justiça Global

126 à Corregedoria Geral

Unificada sobre procedimentos investiga-tórios instaurados para apurar a morte dasvítimas, foi informada a abertura de sin-dicância contra os policiais envolvidos naoperação.

127 O Corregedor-auxiliar da Po-

lícia Militar do Rio, Luís Carlos Castanheda,informou os nomes dos policiais que par-ticiparam da incursão na Rocinha e cujaconduta está sendo apurada.

128 Em 24 de

março de 2004, o procedimento instaura-do pelo registro de ocorrência nº 466 da15

a. Delegacia de Polícia para apurar o fato

foi remetido à 1ª Central de Inquéritos, napendência da oitiva dos policiais militarese juntada de peças técnicas. Em 15 de abrilde 2004, o procedimento retornou à 15ªDelegacia de Polícia para cumprir forma-lidades no prazo de 90 dias.

129

123 “BOPE proibido de pisar na Rocinha”. O Dia on line, 27/02/2004, http://odia.ig.com.br/policia/pl270201.htm. Também: “ Estadofaz acordo com Rocinha”. JB on line http://jbonline.terra.com.br .

124 “Garotinho não irá demitir coronel que ordenou operação na Rocinha”. Folha de S. Paulo, 28/02/2004.

125 “Polícia insiste que jovens mortos eram bandidos”. O Globo, 24/02/2004.

126 Ofício JG/RJ 170/04, de 06 de julho de 2004.

127 Processo n E-32/0612/0006/2004, de 26 de fevereiro de 2004, em apuração na corregedoria geral unificada.

128Informação referente ao processo e-32/0612/0006/2004, da Corregedoria auxiliar –PMERJ para a Corregedoria Geral Unificada, em 07de julho de 2004. Policiais militares do Bope que participaram da incursão na Rocinha: Major PM Fábio Almeida de Souza; 1o Ten PM AlexBevenudo Santos, 1o Tem Pm Álvaro Marques de Andrade Neto, 2o Sgt PM Joaquim de Souza Filho; 3o Sgt PM Hélio Nascimento da Silva,Cb Pm Jorge Luiz Pedro; Sd Pm Jailton de Matos Fernandes; Sd Pm Marco Aurélio Pires de Carvalho; Sd Pm Alexandre da Silva Souza;Sd Pm Renato Nunes de Almeida; Sd Pm William Gomes Amado Ramos; Sd PM Flávio Flau Matos da Silva; Sd PM Peri da Silva; Sd PmCarlos Alberto de R. Cerqueira; Sd PM Hermes Marques da Silva Cordeiro; Sd PM Fabiano santso de Jesus; sd PM André Ricardo dosSantos; Sd Pm Marcelo Sampaio de Menezes; Sd Pm Jean Fábio Passos dos Anjos; Sd PM Gilberto de Souza Mouzinho Filho; Sd PMAntônio Maria Bezerra; Sd Pm Adriano José de Souza Santos.

129 Idem.

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

Concluindo, informou ainda a Corre-gedoria que “até a presente data os poli-ciais militares que participaram da incur-são policial na favela da Rocinha perma-necem no desempenho de suas ativida-des normais”.

130 Ou seja, apesar das for-

tes evidências de conduta criminosa, atéo fechamento deste relatório, os policiaiscontinuavam impunes e não foram afas-tados de suas funções no decorrer das in-vestigações, que seguem morosas.

Em 24 de setembro de 2004, o Cen-tro de Justiça Global enviou um informe(ofício JG/RJ n° 234/04) sobre o caso aci-ma narrado para a Relatoria Especial daONU sobre Execuções Extrajudiciais,Sumárias ou Arbitrárias.

��Alexandre Firmino Souza, André daConceição Oliveira e E. L. M. - Pavão-Pavãozinho, Rio de Janeiro

O Morro do Pavão-Pavãozinho loca-liza-se em uma das áreas mais nobres dacidade do Rio de Janeiro, entre os bairrosde Copacabana, Ipanema e a LagoaRodrigo de Freitas, apresentando umapopulação estimada entre 17 e 20 mil ha-bitantes e uma média total de 4000 mora-dias.

131 Como a grande maioria dos mor-

ros cariocas, sempre foi uma área pobre,marcada pela extrema ausência de políti-cas públicas urbanas, pelo domínio do trá-fico de drogas - os pontos-de-venda de

drogas ali são controlados pela facçãocriminosa Comando Vermelho (CV) - epor uma atuação truculenta da polícia.

Já em maio de 2000 - quando umaoperação policial na comunidade resultouna execução de 5 jovens e desencadeou arevolta de milhares de moradores que des-ceram o morro para protestar no asfalto deCopacabana, causando impacto entre aclasse média e alta da cidade - o governodo Rio de Janeiro foi levado a anunciar arealização de uma experiência-piloto noPavão Pavãozinho, que descartasse o mo-delo das incursões “relâmpago” dos poli-ciais e fornecesse um policiamento perma-nente e comunitário aos moradores dessascomunidades: o Grupo de Policiamento emÁreas Especiais (GPAE).

132

Idealizado pelo ex-secretário estadualda Segurança Pública, Luís Eduardo Soa-res, e coordenado à época pelo sociólogoe major da Polícia Militar Antônio CarlosCarballo, o GPAE foi implantado na co-munidade Pavão-Pavãozinho e Cantagaloem setembro de 2000. A ação original doGrupamento foi baseada no esforço contí-nuo de aplicação de novas estratégias deprevenção e repressão qualificada do deli-to, a partir da filosofia da Polícia Comuni-tária.

133 Essencialmente preventiva e, ape-

nas eventualmente, repressiva, contou coma integração dos serviços e com a mobili-zação de instituições, líderes comunitáriose outros parceiros que pudessem contribuirpara o desenvolvimento social.

134

130 Ibidem.

131 http://www.policiamilitar.rj.gov.br/gpae/historico.htm

132Texto “O Descaso dos Governantes” , do Professor Ignácio Cano. Publicado em:.http://patricia.cad.fiocruz.br/mural_msg.asp?tema=4&assunto=1

133 http://www.policiamilitar.rj.gov.br/gpae/doutrina.htm

134 Reportagem “Um novo cotidiano para as favelas cariocas”, publicada na página http://www.comciencia.br/reportagens/violencia/vio03.htm. Na mesma reportagem:’Cumprindo o papel de articular e integrar esses diferentes atores socais em torno de um objetivocomum, inseriu-se no projeto do GPAE o Conselho de Entidades e Lideranças Comunitárias, composto por organizaçõesgovernamentais, como polícia, escola, Secretarias de Governo e outras e, por entidades não governamentais, como Igrejas, Associaçõesde Moradores, Escola de Samba, e ONGs”.

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47

Nos primeiros anos da experiência, ocomprometimento dos primeiros coman-dantes do GPAE fez o projeto alcançarresultados significativos. Durante algunsmeses, os tiroteios e as vítimas fatais pra-ticamente não existiam, chegando a re-duzir a zero o número de homicídios eocorrências de “bala perdida”.

135 Cerca de

50 policiais foram afastados por existiremfortes evidências de comprometimento desuas idoneidade moral, profissional e desuas ações policiais perpetradas contracivis, caracterizadas por maus tratos, vio-lência arbitrária, uso excessivo da força eabuso de poder.

136

Entretanto, com o decorrer do tempo,o descaso do poder público e as primei-ras mudanças de comando do grupamentocontribuíram para o declínio da iniciati-va. Os tiroteios voltaram e moradores pas-saram a denunciar o cometimento de abu-sos por parte de policiais do GPAE, taiscomo invasão de domicílios, falta de iden-tificação e não uso do fardamento pelospoliciais militares, uso de “toucas ninja”,camisas pretas, armamento pesado, práti-ca de extorsão e maus-tratos contra osmoradores, entre outros. Segundo a Pre-sidente da Associação de Moradores do

Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, MariaAlzira Barros do Amaral, em fevereiro de2004 foi entregue à Secretaria de Segu-rança Pública do Estado do Rio de Janei-ro um documento com queixas contra aatuação da polícia militar na comunidadee nenhuma providência foi tomada nosentido de inibir as práticas ilegais denun-ciadas ou repreender os maus policiais.

137

O desfecho mais trágico dessa atua-ção desvirtuada do GPAE não tardou aacontecer. No dia 03 de março de 2004,policiais do GPAE foram acusados pormoradores de desencadear um tiroteio eexecutar três jovens no morro Pavão-Pavãozinho.

138

Segundo a secretária da Associação deMoradores do Pavão Pavãozinho, MariaFernanda Duarte Faustino

139, tudo come-

çou por volta das 19 horas do dia 03 demarço de 2004, momento em que os mo-radores ouviram os primeiros fogos de ar-tifício.

140 Dois minutos depois, policiais do

GPAE apareceram já efetuando disparos.Eles estavam sem farda, com rostos pinta-dos, camisas pretas, toucas, boinas e for-temente armados. A justificativa para aação, apresentada pelo major Marco Au-rélio dos Santos e não confirmada pelos

135 Ibidem. Só no período de janeiro a setembro de 2000, haviam sido registrados 10 homicídios na localidade.

136 http://www.comciencia.br/reportagens/violencia/vio03.htm. Segundo o Major Carballo, através do GPAE, com o encaminhamento dedemandas e expectativas da comunidade e a interlocução entre a comunidade e outros órgãos públicos, houve efetivamente a redução domedo da polícia e uma série de benefícios foram trazidos para a comunidade como: presença regular e interativa da polícia ostensiva; reduçãoda presença ostensiva de armas de fogo no interior das comunidades; redução do número de crianças envolvidas em práticas criminosas;redução do número de casos envolvendo policiais em ações de maus tratos, violência arbitrária ou abuso do poder; inclusão de mais de 100famílias no Programa de Segurança Alimentar do Governo do Estado (Programa Cheque-cidadão); cadastramento e matrícula de 180 jovens,na faixa etária de 16 a 24 anos, em Programas de Aumento de Escolaridade e Capacitação Profissional (Programa Todos pela Paz); implantaçãoe construção do Espaço Criança Esperança, de iniciativa da Unicef, em parceria com o Gpae, Secretaria de Estado de Ação Social e Viva Rio.

137 “Entidade fez queixas há duas semanas”. Folha de S. Paulo, 05/03/2004.

138 “Tiroteio deixa três mortos em Copacabana”.Folha de S. Paulo, seção Cotidiano, 04/03/2004.

139 Depoimento de Maria Fernanda Duarte Faustino ao Centro de Justiça Global no dia 05 de agosto de 2004, na Associação deMoradores do Pavão- Pavãozinho e Cantagalo.

140 Nos morros cariocas, soltar fogos é sinal de alerta usado pelos traficantes para avisar que policiais estão subindo o morro e asdrogas devem ser recolhidas. Pelas ameaças de tiroteio e balas perdidas, serve também como sinal para outros moradores, nãoenvolvidos com o tráfico, evacuarem as ruas.

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

moradores, foi de que quando os policiaischegaram a uma localidade conhecidacomo 5

a Estação, teriam sido cercados por

traficantes armados com fuzis, revólverese pistolas.

141

Logo após, somando-se aos policias doGPAE, policiais do 19

o e 2

o Batalhão da

Polícia Militar e do Grupamento EspecialTático Móvel (GETAM) começaram a su-bir o morro. Nesse momento, muitos poli-ciais chegaram a ser impedidos de subirpor moradores (entre eles havia muitasmulheres e crianças) que, temerosos de queacontecesse uma tragédia de maiores pro-porções como outras já vivenciadas, des-ceram o morro e fizeram uma trincheirana entrada da comunidade, no bairro deCopacabana.

142

Na operação morreram os jovens Ale-xandre Firmino de Souza, E. L. M. e Andréda Conceição Oliveira. Segundo relato dosmoradores, Alexandre foi atingido quan-do tomava cerveja em um bar. Os policiaischegaram mandando todo mundo correr eordenando que somente o mesmo perma-necesse. Atiraram contra Alexandre, po-rém, como ele não morreu no mesmo ins-tante, levaram seu corpo para dentro domato, onde o torturaram e depois o execu-taram.

143 Outro morador afirmou que

Firmino foi morto a pauladas: “Depois que

levou um tiro, os policiais botaram um sacoplástico preto na cabeça dele e começa-ram a dar pauladas”.

14 Alexandre tinha 27

anos, trabalhava como faxineiro em umprédio em Copacabana e deixou dois fi-lhos pequenos.

145

André Conceição de Oliveira, 26 anos,foi executado em frente a uma boca-de-fumo.

146Era um ex-gari comunitário, pai de

cinco filhos com idade entre 01 a 09 anose procurava emprego naquela época. E. L.M., 17 anos, foi baleado em um local co-nhecido por 5

a Estação. Segundo sua mãe,

a artesã Josinete Araújo, ele trabalhava aju-dando os pais na Feira de Ipanema e dei-xou uma namorada grávida de seis me-ses.

147 Segundo testemunhas, não houve

nenhuma reação por parte das vítimas quemotivasse a truculenta ação policial.

148

Depois do tiroteio, os policiais desce-ram carregando as três vítimas, já mortas,para o Hospital Miguel Couto.

149

Na versão relatada pelos integrantes doGPAE, eles alegam que houve reação porparte das vítimas. O Comandante do GPAEà época, Major Marco Aurélio, afirmou queos três jovens eram traficantes e que comeles teriam sido apreendidas duas pistolase um revólver. Entretanto, nenhum delestinha passagem pela polícia, sendo queAlexandre Firmino não tinha o menor

141 “Oito Pm´s presos por mortes em Copacabana”l. O Globo, 06/03/2004

142 “Terror em Copacabana”. O Dia, 04/03/2004

143 Depoimento de Maria Fernanda Faustino ao Centro de Justiça Global no dia 05 de agosto de 2004, na Associação de Moradores doPavão-Pavãozinho.

144 “Terror em Copacabana”. O Dia, 04/03/2004

145 “Oito Pm´s presos por mortes em Copacabana”. O Globo, 06/03/2004

146 Ponto de venda de drogas.

147 “Oito Pm´s presos por mortes em Copacabana”. O Globo, 06/03/2004

148 Depoimento de Maria Fernanda Faustino ao Centro de Justiça Global no dia 05 de agosto de 2004, na Associação de Moradores doPavão-Pavãozinho.

149 Idem.

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envolvimento com o tráfico, o que inclusi-ve foi admitido publicamente pelo Secre-tário de Segurança Pública do Rio de Ja-neiro, Anthony Garotinho.

150

No dia seguinte, 04 de março de 2004,cerca de 300 pessoas participaram de umamanifestação contra a violência, fechandoa Avenida Nossa Senhora de Copacabana.Nesse mesmo dia, uma comissão de mora-dores reuniu-se com o Secretário de Segu-rança Pública, Anthony Garotinho, e o Sub-Secretário de Segurança Pública, MarceloItagiba, por volta das 16 horas, para narraros fatos e pedir providências imediatas.

151

Em relação aos protestos dos morado-res contra a operação policial e a morte dostrês jovens, a resposta da Secretaria de Se-gurança só reforçou o discurso estigmati-zado contra os favelados. Ao invés de sesolidarizar com os moradores e familiaresdas vítimas, comprometendo-se com a ado-ção das medidas urgentes necessárias, adeclaração de Anthony Garotinho na im-prensa foi a de que os manifestantes, iden-tificados através de imagens de TV, iriamser indiciados por crime de associação aotráfico.

152

No dia seguinte, 05 de março de 2004,o Inspetor Chefe da Polícia Militar, Coro-nel João Carlos Ferreira, esteve no morropara fazer uma inspeção e ouvir testemu-nhos das pessoas e familiares das vítimas.

Nesse dia, o Comandante da Polícia Mili-tar à época, Coronel Renato Hottz, orde-nou a prisão administrativa de oito polici-ais do GPAE por terem sido encontradosem seus armários toucas ninja e camisaspretas que não fazem parte do uniformepadrão da polícia militar.

153 Houve acare-

ação na Associação de Moradores e todosos oito PM’s foram reconhecidos pelosmoradores.

154

Em resposta ao ofício do Centro deJustiça Global pedindo informações sobreas investigações e o andamento do inqué-rito

155, a Corregedoria Unificada informou,

em documento enviado no dia 07 de julhode 2004, que “em consulta ao boletim deocorrência da PMERJ nº 19, de 08/03/04,verificou-se a punição dos policiais mili-tares 1

o TEN PM RG 63402 Antônio

Ludogero da Silva Neto, SD PM RG 68181Arnaldo Damião Cavalcanti, SD PM60339, Marco Aurélio Régis, SD PM RG74527, Rogério do Carmo Vieira, SD PMRG 79127, Vinícius Fernandes da CunhaBraga, Sd PM RG 79155, Wallace Simasdas Neves, SD PM 68128, MarceloRolemberg da Costa, Sd PM RG 77833,Carlos Felipe Jacobs, Sd PM RG 78402,Kleicy Layangle de Castro Maia, SD PMRG 64021, Bruno César Pinheiro Caldei-ra, SD PM RG 65500, Maurício Ramos deOliveira e SD PM RG 78746, Carlos

150 “Morto em tiroteio era inocente, diz Garotinho”. Folha de S. Paulo, 05/03/2004

151 “Moradores descem Morro para protestar”. Folha de S. Paulo, 15 de março de 2004. Depoimento de Maria Fernanda Faustino aoCentro de Justiça Global no dia 05 de agosto de 2004, na Associação de Moradores do Pavão-Pavãozinho.

152 “Oito Pm´s presos por mortes em Copacabana”. O Globo, 06/03/2004.

Informação do Corregedor Auxiliar PMERJ Sérgio Antunes Barbosa à Corregedoria Geral unificada, 13 de julho de 2004. Instauradainvestigação através da Portaria 140/2538-04, para apurar o tumulto ocorrido nas ruas do bairro de Copacabana, promovido pormoradores do Morro Pavão Pavãozinho. Ambas as sindicâncias estão em curso.

153 idem.

154 Depoimento de Maria Fernanda Duarte Faustino ao Centro de Justiça Global no dia 05 de agosto de 2004, na Associação deMoradores do Pavão- Pavãozinho e Cantagalo.

155 Ofício JG/RJ 189/2004 para a Corregedoria Geral Unificada das Polícias Civil, Militar e do Corpo de Bombeiros Militar

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

Alberto Peixoto Filho, todos do GPAE, pelofato de, sem qualquer autorização, esta-rem de posse de material desqualificadopara o uso da preservação da ordem pú-blica, culminando o evento noticiado peloJornal O Dia, ocorrido no bairro de Copa-cabana em 03/03/04”.

Sobre o inquérito instaurado pela 13a

Delegacia de Polícia, chefiada pelo Dele-gado Ivo Raposo, não foram fornecidasmaiores informações.

156

Ocorre que, segundo depoimento deum dos moradores, menos de um mês apósas execuções, os policiais punidos admi-nistrativamente já estavam em plena atua-ção na própria comunidade, transitandolivremente entre os moradores.

157 Se por

um lado o Major Marco Aurélio do GEPAEfoi afastado por suas ações arbitrárias,quem assumiu interinamente o posto foi otenente Antônio Ludogero da Silva Neto,policial responsável pela operação polici-al do dia 03 de março último.

158

Em 10 de setembro de 2004, o Centrode Justiça Global enviou um informe (ofí-cio JG/RJ n° 224/04) sobre o caso acimanarrado para a Relatoria Especial da ONUsobre Execuções Extrajudiciais, Sumáriasou Arbitrárias.

Nesse contexto, outra operação trági-ca não tardou a acontecer no Morro do

Pavãozinho. No dia 23 de agosto de 2004,policiais do GPAE executaram um jovemde 16 anos, gerando muita revolta e pro-testos entre os moradores

159, e evidencian-

do o quanto os atuais resultados do proje-to de policiamento na comunidade (GPAE)estão distantes dos pilares que o origina-ram, sendo necessária a implementação deuma política de resgate e revitalização dosmesmos urgentemente.

No dia 04 de setembro de 2004, novaincursão da polícia militar atormentou osmoradores do Pavãozinho. A operação co-meçou por volta das 4h e só terminou às7h. Escolas e creches foram fechadas nes-te dia. Tiroteios seguidos de explosões degranada deixaram em pânico a população.Acessos a diversas ruas foram interrompi-dos. Em torno de 466 policiais militaresforam mobilizados. Nisso tudo, mais estar-recedora foi a forma como a mídia e o go-verno construíram a legitimidade da ação.O foco principal era a proteção da vida dosmoradores de classe média alta dos bair-ros que o Pavãozinho entorna. Para evitarque balas perdidas cruzassem novamenteo asfalto de Copacabana, Ipanema,Leblon, balas foram disparadas a esmo nomorro, expondo ao perigo assim todos osmoradores da comunidade de Pavão-Pa-vãozinho – como se a necessidade de pre-

156 Informação do Corregedor Auxiliar PMERJ Sérgio Antunes Barbosa à Corregedoria Geral unificada, 13 de julho de 2004: 2.1 –averiguação instaurada pela portaria e-09/096/2558/04, que apurou os dados obtidos através da supervisão efetivada pela inspetoriageral/SSP, na sede do GPAE, que resultou na observação de irregularidades praticadas por policiais daquele grupamento, culminandona punição de nove policiais militares e instauração de IPM para aprofundamento nas investigações relacionadas aos indícios de crimemilitar coletados; 2.2 – foram instauradas duas sindicâncias, a saber: através da portaria 139/2538-04, para apurar o confronto armadono Morro do Pavão Pavãozinho, sendo esta a de maior interesse para o tema trazido pela organização Justiça Global; pela Portaria 140/2538-04, para apurar o tumulto ocorrido nas ruas do bairro de Copacabana, promovido por moradores do Morro Pavão Pavãozinho.Ambas as sindicâncias estão em curso; 2.3 – por fim, foi instaurado IMP, pela portaria 0178/2538/2004, para apurar crime militar(…).Este ainda em curso.

157 Depoimento de Maria Fernanda Duarte Faustino ao Centro de Justiça Global no dia 05 de agosto de 2004, na Associação deMoradores do Pavão- Pavãozinho e Cantagalo.

158 idem

159 “Tiroteio em favela tumultua Copacabana”. O Globo, 24 de agosto de 2004. Nome do jovem não divulgado pela imprensa.

160 “A Guerra do Rio - Zona Sul, campo de batalha – Confronta da PM com tráfico apavora Ipanema e Copacabana. Balas atingemprédios”. O Globo, 04/09/04

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51

servação da vida desses fosse menor.160

Até a conclusão do presente relatório,ainda estavam em curso as investigaçõespara apurar os fatos que levaram a mortede Alexandre Firmino Souza, André daConceição Oliveira e E. L. M.

161 Não nos

foi enviada mais nenhuma informação arespeito do caso pela Secretaria de Estadode Direitos Humanos.

��E.A. M. e Ricardo Marques de Freitas– Manguinhos, Rio de Janeiro

No dia 04 de junho de 2004, aproxi-madamente às 12h, E. A. M., na compa-nhia de seu irmão, W. E. A. M., de 09 anos,alimentava seu cavalo em um campo defutebol conhecido como “Coreia”, nasproximidades de sua casa.

162

A Sra. Ana Cristina, tia de E., que morapróximo ao campo de futebol, estava emcasa quando ouviu um forte barulho demoto e saiu para ver o que estava aconte-cendo, uma vez que da laje da sua casapode-se ver todo a extensão do campo defutebol.

163

Ela relatou para a família que avistouuma moto entrando no campo em alta ve-locidade com dois homens, não fardados,

e mais três carros da polícia, que vinhamlogo atrás.

164Um dos policiais se aproxi-

mou de E. e atirou sem que o mesmo pu-desse ao menos saber o que estava acon-tecendo. Foram três tiros, um em cada bra-ço e um no peito. Seu irmão, W. E. M., 09anos, não resistiu à cena que presenciou edesmaiou, despertando somente algumashoras depois.

165

Neste momento, Ricardo, que tambémestava no campo de futebol “Coreia” sol-tando pipa com seu irmão M. A., 08 anos,presenciou a chegada dos policiais e a exe-cução de E.. Ele ficou assustado com a ce-na e correu. A partir de então foi persegui-do pelos mesmos policiais à paisana queatiraram em E., que encurralaram-no emum beco. Eles ordenaram que Ricardo fi-casse de joelhos. Uma moradora, que as-sistia a tudo da porta da sua casa, foi amea-çada para que entrasse e não contasse aninguém o que estava presenciando.

166

Marcos, irmão de Ricardo, que estavavoltando do trabalho, assistiu a cena do seuirmão que, de joelhos e de costas para ospoliciais, pedia para que não o matassem.Sem dar ouvidos ao que Ricardo falava,os policiais desferiram dois tiros nas suascostas.

167

161 Vide nota 70.

162 As informações foram fornecidas pela senhora Andrea Alves da Penha, irmã de E. M. e pelo senhor Marcos Aurélio Marques deFreitas, irmão de Ricardo Marques de Freitas, à equipe do Centro de Justiça Global no dia 08 de julho de 2004 no CCAP – Centro deCooperação e Atividades Populares, comunidade de Manguinhos.

163 As informações foram fornecidas pela senhora Andrea Alves da Penha, irmã de E. A. M. à equipe do Centro de Justiça Global no dia08 de julho de 2004 no CCAP – Centro de Cooperação e Atividades Populares, comunidade de Manguinhos.

164 Os familiares das vítimas acreditam que estes homens seriam policiais à paisana porque estes estavam durante todo o tempoconversando com os policiais militares fardados.

165 As informações foram fornecidas pela senhora Andrea Alves da Penha, irmã de E. A. M. à equipe do Centro de Justiça Global no dia08 de julho de 2004 no CCAP – Centro de Cooperação e Atividades Populares, comunidade de Manguinhos.

166 As informações foram fornecidas pelo senhor Marcos Aurélio Marques de Freitas, irmão de Ricardo Marques de Freitas, à equipe doCentro de Justiça Global no dia 08 de julho de 2004 no CCAP – Centro de Cooperação e Atividades Populares, comunidade deManguinhos.

167 As informações foram fornecidas pelo senhor Marcos Aurélio Marques de Freitas, irmão de Ricardo Marques de Freitas, à equipe doCentro de Justiça Global em 08 de julho de 2004 no CCAP – Centro de Cooperação e Atividades Populares, comunidade deManguinhos.

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

Diante do irmão da vítima, os policiaisvestiram luvas cirúrgicas e colocaram umaarma na mão de Ricardo já morto, e amea-çaram Marcos dizendo que se contassealgo do que estava vendo seria o próximoda família a morrer.

168

Depois de ouvir os tiros, a família deE. correu para ver o que tinha ocorrido.Muitas pessoas e também a mãe da vítimacomeçaram a chamar os policiais

169 de as-

sassinos. Um deles se aproximou da mãede E. colocou uma arma próxima a suacabeça e efetou vários disparos para o alto,tentando desta forma assustá-la. Após otumulto, os policiais levaram os corpospara o hospital de Bonsucesso, zona nortedo Rio de Janeiro.

Marcos seguiu para a 21ª Delegacia dePolícia

170. No caminho, ele viu o carro da

polícia em que estavam os corpos, e acre-dita que os policiais estavam se certifican-do se os rapazes estavam realmente mor-tos, pois notou marcas no rosto do irmão,que não eram visíveis no momento dosdisparos. Com medo, Marcos não se apro-ximou do carro, mas afirma que este ficoupelo menos 20 minutos parado na rua.

171

Na delegacia ele contou tudo o que viupara o delegado, este tomou seu depoimen-to e depois o colocou em uma sala paraaguardar alguns procedimentos. Nessa sala

entraram dois policiais militares que o amea-çaram. Ao sair da sala, Marcos queixou-seao delegado sobre a ameaça que havia re-cebido dos policiais, ao que o delegadoapenas afirmou: “…É assim mesmo!”.

172

E. A.. M. e Ricardo Marques de Freitasjá chegaram sem vida ao hospital. Andréa,irmã de E., conta que foi até o hospital,porque acreditava que o irmão ainda pu-desse sobreviver. No hospital, ela reco-nheceu os policiais que haviam levado seuirmão e disse que ouviu quando eles co-mentaram que haviam matado a pessoaerrada. Segundo Andréa, seu irmão esta-va usando um corte e uma cor de cabeloque muitos rapazes na comunidade tam-bém costumavam usar, fato que teria con-fundido os policiais, mas que certamentenunca justificaria a abordagem utilizadapor eles e a execução sumária efetuada.

173

Marcos foi até à Coordenadoria de Re-cursos Especiais da Polícia Civil (CORE) efez o retrato falado dos policiais. Depois deefetivar a identificação, o depoente contaque policiais que estavam presentes no diado assassinato do seu irmão, têm ido cons-tantemente

174 até seu trabalho na Fundação

Oswald Cruz, e ficam rondando o localcomo se o estivessem vigiando. Andréa, quetrabalha no mesmo local, afirmou que tam-bém está sendo vigiada pelos policiais.

175

168 Idem.

169 Neste momento estavam juntos os policiais militares fardados e os policiais militares à paisana.

170 A 21ª Delegacia de Polícia é a delegacia que atende a comunidade de Manguinhos.

171 As informações foram fornecidas pelo senhor Marcos Aurélio Marques de Freitas, irmão de Ricardo Marques de Freitas, à equipe do Cen-tro de Justiça Global no dia 08 de julho de 2004 no CCAP – Centro de Cooperação e Atividades Populares, comunidade de Manguinhos.

172 Idem.

173 As informações foram fornecidas pela senhora Andrea Alves da Penha, irmã de E. A..M. ao time do Centro de Justiça Global em 08 dejulho de 2004 no CCAP – Centro de Cooperação e Atividades Populares, comunidade de Manguinhos.

174 Segundo Marcos Aurélio, a última vez que os policiais militares estiveram em seu trabalho, foi na manhã do dia 03/08/04.Informações fornecidas à equipe do Centro de Justiça Global, pelo telefone, no dia 03/08/04.

175 As informações foram fornecidas pela senhora Andrea Alves da Penha, irmã de E. A .M. e pelo senhor Marcos Aurélio Marques deFreitas, irmão de Ricardo Marques de Freitas, à equipe do Centro de Justiça Global no dia 08 de julho de 2004 no CCAP – Centro deCooperação e Atividades Populares, comunidade de Manguinhos.

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E. tinha apenas 16 anos, morava coma irmã há 04 anos, havia estudado até a 1ªsérie do ensino médio, e fazia trabalhosinformais para ajudar a família. Ricardotinha 26 anos, trabalhava como gari co-munitário, no momento em que foi exe-cutado estava uniformizado, deixou doisfilhos, um de 03 meses e um de 07 anos,do seu primeiro casamento. A sua atualesposa tem sustentado seu filho com oaluguel da casa em que eles moravam.

176

A ocorrência foi registrada na 21ª De-legacia de Polícia no mesmo dia, 04 dejunho de 2004, por ambas as famílias, po-rém, até a conclusão do presente relatório,Andréa e outras testemunhas, assim comoos familiares da segunda vítima, não fo-ram chamados a delegacia para prestardepoimento ou qualquer esclarecimentosobre a morte dos dois rapazes.

177

Segundo informações fornecidas pelodelegado de polícia, Dr. Flávio Lourei-ro

178, existe um inquérito policial, IP n°

021/04 132/2004, em andamento e algu-mas pessoas já foram chamadas para pres-tar depoimento. Entretanto, as informa-ções fornecidas acerca do conteúdo doinquérito policial descrevem fatos muitodiversos dos que foram descritos pelosfamiliares das vítimas. Contrariando osdepoimentos de moradores da comunida-de, a linha de investigação parte da idéiade que duas pessoas teriam roubado umamoto e entrado na comunidade para ma-tar os rapazes, não reconhecendo até o

fechamento deste relatório, que estas duaspessoas na motocicleta eram policiais àpaisana e estavam acompanhadas de ou-tros policiais fardados em viaturas.

Em 11 de agosto de 2004, o Centrode Justiça Global enviou um informe (ofí-cio JG/RJ n° 202/04) sobre o caso acimanarrado para a Relatoria Especial da ONUsobre Execuções Extrajudiciais, Sumári-as ou Arbitrárias.

��Cristiano Ríspoli Barros – EngenhoNovo, Rio de Janeiro

Na noite de sábado, 05 de junho 2004,Cristiano Ríspoli Barros, 25 anos, recém-formado em informática e fazendo pós-graduação na Pontifícia UniversidadeCatólica - PUC, voltava de uma festa nacasa de um amigo. Ele dirigia seu automó-vel ao lado de sua namorada e levava nobanco traseiro uma amiga, Kátia FreitasMoreira.

179

Por volta das 21 horas, após ter dei-xado sua namorada em um ponto de ôni-bus, Cristiano entrou com seu carro na ruaAlan Kardec, no bairro de Engenho Novo,Rio de Janeiro.

180 No mesmo momento,

seu carro deu um solavanco e logo emseguida houve pelo menos três disparosefetuados por dois policiais militares do3° Batalhão de Polícia Militar (BPM)(Méier). Um dos tiros atingiu Cristiano nacabeça e o carro dele bateu contra um mu-ro. Ele morreu na hora devido a um tiro

176 Idem

177 As informações foram fornecidas pela senhora Andrea Alves da Penha, irmã de E. A . M., por telefone, à equipe do Centro de JustiçaGlobal no dia 02/10/2004.

178 O Dr. Flávio Loureiro é um dos delegados que realizam plantões na 21° Delegacia de Polícia. As informações foram fornecidas àequipe do Centro de Justiça Global, por telefone, no dia 28 de julho de 2004.

179 “PM mata rapaz com um tiro de fuzil na nuca”. O Globo, 7 de junho de 2004

180 “PM mata rapaz com um tiro de fuzil na nuca”. O Globo, 7 de junho de 2004 e “Morte de analista de sistemas é investigada” Folhade S. Paulo, 7 de junho 2004.

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

de fuzil 7,62 que entrou pela testa, umem cima do olho esquerdo, que saiu pelanuca, fraturando todos os ossos.

181

A amiga , que tinha ficado no bancode trás, saltou do carro com as mãos paracima e foi abordada por um policial comum fuzil. Segundo seu depoimento, opolicial perguntou se havia armas no car-ro e diante da resposta negativa levou ajovem para longe do local.

182

Os dois policiais militares do 3° BPM,Cléber Adriano de Oliviera e Anderson doNascimento Seixas, relataram que havi-am estacionado no local e teriam se apro-ximado do veículo logo após o acidente.Conforme a versão deles, nesse momen-to, o carro teria arrancado e sem enxergarquem estava no interior do automóveldevido aos vidros escuros, os policiaisteriam ouvido um barulho semelhante aum tiro e se assustado. Eles dispararam eum dos tiros matou Cristiano.

183

Depois do acontecimento a perícia foiao local e encontrou dentro do carro umprojétil de fuzil e um revólver calibre 38,que segundo um dos dois policiais teriasido usado por Cristiano.

184 Contudo, to-

dos os amigos e familiares de Cristianoafirmaram que ele jamais usou armas.Testemunhas que estavam no local afir-maram que a arma teria sido colocada noveículo pelos próprios policiais.

185

O laudo do Instituto Médico Legal(IML) divulgado pelo diretor do órgão,

Roger Ancillotti, comprovou que não ha-via vestígios de pólvora nas mãos deCristiano. Além disso, segundo Ancilotti,a janela de Cristiano estava aberta e se-gundo a família, Cristiano era fumante enão dirigia com os vidros do carro fecha-dos, o que contraria a versão dos polici-ais que alegaram não terem visto o interi-or do carro.

186

No dia 29 de junho de 2004, o Minis-tério Público ofereceu denúncia contra ospoliciais militares Anderson do Nascimen-to Seixas e Cléber Adriano Porta de Oli-veira, identificados na investigação poli-cial como os autores do assassinato deCristiano Rispoli.

187 No documento apre-

sentado pelo Ministério Público, o promo-tor de justiça relata que, segundo o apu-rado, o crime de homicídio foi praticadoporque a vítima, ao ingressar na rua AlanKardec, conduzindo seu veículoautomotor, invadiu a calçada e colidiu deraspão com um muro em frente ao localonde se encontravam os policiais milita-res denunciados, evidenciando a motiva-ção fútil para o crime e a impossibilidadede defesa da vítima.

188

O promotor de justiça esclarece aindaque os policiais militares denunciadosmantinham sob sua posse, sem a devidaautorização e em desacordo com determi-nação legal ou regulamentar, um revólvermarca Taurus, calibre 38, com numeraçãode série raspada e que, após constatarem

181 “Amiga de jovem assassinado desmente PMs”. O Globo, 9 de junho 2004.

182 “Amiga de jovem assassinado desmente PMs”. O Globo, 9 de junho 2004.

183 “PM mata rapaz com um tiro de fuzil na nuca”. O Globo, 7 de junho de 2004.

184 “PM mata rapaz com um tiro de fuzil na nuca”. O Globo, 7 de junho de 2004.

185 “Amiga de jovem assassinado desmente PMs” . O Globo, 9 de junho 2004.

186 “Amiga de jovem assassinado desmente PMs” . O Globo, 9 de junho 2004.

187 Inquérito Policial n.º 2391/2004 – 25ª Delegacia de Polícia - Legal

188 Processo Penal n.º 2004.001.079475 – Denúncia.

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as lesões fatais na vítima, os PM’s adulte-raram o local do crime, simulando a arre-cadação, no interior do veículo, da refe-rida arma de fogo que levavam ilegalmen-te consigo, a fim de induzir a erro o juiz ouperito sobre a ilicitude do fato que resul-tou a morte de Cristiano Rispoli, procuran-do criar uma falsa noção de que teriamagido de forma legítima.

189

No dia 30 de Junho o juiz da 1ª Varacriminal do Tribunal de Justiça, FabioUchôa Pinto de Miranda Montenegro, de-cretou a prisão preventiva dos dois polici-as, que foram presos no mesmo dia.

190

Segundo a família, os policiais respon-sáveis pela morte de Cristiano já respondi-am a inquérito militar no 9° Batalhão dePolícia Militar (Rocha Miranda), do qualfaziam parte anteriormente. Infelizmenteeste procedimento tem se tornado uma re-gra, policiais militares que cometem deli-tos, são transferidos de seus batalhões ori-ginais para outros batalhões, quando naverdade deveriam ser suspensos de suasatividades externas, evitando que cometes-sem novos delitos.

191

Até o fechamento do presente relató-rio a família não soube informar se ospoliciais militares acusados ainda estavamaquartelados, segundo Leandro Ríspoli,irmão de Cristiano, a advogada da famí-lia tem sentido dificuldade em obter in-formações sobre o caso.

192

Em 20 de julho de 2004, o Centro deJustiça Global enviou um informe (ofício

JG/RJ n° 186/04) sobre o caso acima nar-rado para a Relatoria Especial da ONUsobre Execuções Extrajudiciais, Sumári-as ou Arbitrárias.

��T. S. M.., L. C. R.e Vladir Borges Furta-do Barbosa – Morro do Fogueteiro, Riode Janeiro.

Na noite de sábado, 12 de junho 2004,os jovens T. S. M. O., 15 anos, estudanteda 6ª serie do colégio Municipal Francis-co Cabrito, L. C. R.s, 16 anos e VladirBorges Furtado Barbosa, 19 anos – todosmoradores do Morro do Fogueteiro - vi-nham de uma festa popular na Rua Barãode Petrópolis, no bairro do Catumbi.

Segundo o delegado adjunto da 6ªDelegacia de Polícia, Dr. Leandro Gontijo,na mesma noite houve um assalto a umbar próximo àquela rua, que teria sido pra-ticado por três homens. Gontijo relatou queapós o roubo houve um tumulto e os mo-radores chamaram a polícia. Naquela noi-te havia duas equipes do GETAM (Grupa-mento Especial Tático-Móvel da PolíciaMilitar) na área do 1° Batalhão da PolíciaMilitar (Estácio), contabilizando cerca de12 homens.

193

Testemunhas relataram que os polici-ais que chegaram ao local haviam passa-do pela Rua Barão de Petrópolis atirando,em busca dos possíveis assaltantes. Os trêsjovens se assustaram e se esconderam de-baixo de um carro. Lá eles foram localiza-

189 Idem

190 “Decretada a prisão de PM’s acusados de matar analista” . O Globo, 1 de Julho 2004 e “Presos soldados que fuzilaramuniversitário”. O DIAonline, 1 de Julho de 2004

191 Informações fornecidas pela família de Cristiano Rispolli Barros, em entrevista à equipe do Centro de Justiça Global, no dia 22.07.04

192 Informações fornecidas pelo irmão de Cristiano, Leandro Ríspoli, em entrevista, por telefone, à equipe do Centro de Justiça Global,no dia 02.10.04.

193 “Testemunhas acusam PM’s”. O GLOBO, 15 de Junho 2004

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

dos pelos policiais militares e foram domi-nados e espancados ainda no local. Umatestemunha viu o grupo de policiais, aolado de dois veículos modelo Blazer e ummodelo Gol com identificação da GETAM,dando socos e pontapés nas três vítimas.Um deles teria, inclusive, sido arrastadopelos cabelos pelos PMs, que depois joga-ram os três jovens dentro dos carros

194 do

Grupamento Especial Tático-Movel(GETAM)

195 e os levaram.

Na manhã de domingo, 13 de junhode 2004, os corpos dos três rapazes fo-ram encontrados na rua Dona Emília, nobairro de Inhaúma

196, com marcas de 13

disparos de armas de fogo, a maioria nacabeça.

197 Os atestados de óbito compro-

varam que a causa das mortes foram es-ses disparos. O diretor de Instituto Médi-co-Legal, Roger Ancilotti, informou queforam encontrados nos corpos cinco pro-jéteis e um fragmento de bala de révolvercalibre 38 e de pistola 380 e que os tirosforam dados de uma distância de dois atrês metros.

198

Dois dias depois da morte dos jovens,26 policiais militares do Grupamento Es-pecial Tático-Móvel, suspeitos do crime,ficaram presos administrativamente por 72

horas. Todos os acusados negaram que es-tivessem fazendo patrulhamento na RuaBarão de Petropólis naquela noite de sá-bado. Eles alegaram estar naquela hora fa-zendo uma ronda na Rua do Riachuelo.

199

É de extrema importância que o Go-verno do Estado do Rio de Janeiro invistaem equipamentos que possibilitem sabercom exatidão a localização das viaturas enão invista tão somente na recuperação dasua frota ou na compra de novas viaturas.

200

Os veículos oficiais têm que ter o GPS (Sis-tema de Posicionamento Global)

201. Se os

carros do GETAM envolvidos no referidocaso possuissem este aparelho, os depoi-mentos dos policiais seriam facilmentecontraditados, pois seria possível indicar alocalização exata das viaturas no momen-to em que ocorreu o crime.

No dia 21 de junho de 2004, todoseles foram colocados em liberdade. Se-gundo informações do advogado da fa-mília eles estão fazendo trabalhos admi-nistrativos, realizando apenas serviçosburocráticos no quartel.

202

As testemunhas que haviam visto ospoliciais batendo e dando socos nas víti-mas estão com medo de prestar depoimen-to, negando-se em realizar o reconheci-

194 Prisão para policiais suspeitos. O DIA online, 16 de junho, 2004

195 “Testemunhas acusam PM’s”. O GLOBO, 15 de Junho 2004

196 “Policiais são acusados de seqüestrar e matar três jovens no Rio de Janeiro”, Folha de S. Paulo, 15 de Junho 2004 e “Testemunhasacusam PM’s”. O GLOBO, 15 de Junho 2004

197 “PMs do Getam são presos”. O GLOBO, 16 de Junho 2004.

198 Idem.

199 “PMs entregam armas particulares”. O GLOBO 17 de junho de 2004

200 “O Governo do Estado do Rio de Janeiro investiu no ano de 2003 R$ 1 milhão 248 mil 909 na recuperação de 800 viaturas daPolícia Militar que ficaram paradas no governo anterior. O dinheiro foi aplicado na compra de peças (R$ 599 mil 909) e pneus e baterias(R$ 649 mil).”. Polícia Civil website, 23 de dezembro de 2003, disponível em http://www. policiacivil.rj.gov.br/noticia.html

201 “GPS significa Global Positioning System. É um sistema de navegação com base em satélites artificiais que emitem sinais rádio cominformação sobre uma posição tridimensional, velocidade e tempo numa base de 24 horas.”. Disponível em http://www.ancruzeiros.pt/anci-gps.html

202 Informação fornecida em entrevista ao Centro de Justiça Global pelo advogado dos familiares das vítimas, Dr. Marcos Diniz, no dia08 de Julho 2004, e “Policiais suspeitos de matar jovens são soltos”. O Globo, 22 de Junho 2004.

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mento dos policiais que estiveram no lo-cal do crime naquela noite. A testemunhaprincipal do crime foi ameaçada por poli-ciais militares, que o intimidaram ameaçan-do que se testemunhasse sobre os fatosiria morrer. Por conseguinte, o reconheci-mento dos policiais ficou inviabilizado.

203

O resultado dos testes de balística queforam realizados a fim de saber se os pro-jéteis retirados dos corpos das vítimas fo-ram disparados pelas armas dos policiaissuspeitos do crime, foi negativo.

204

Nas sete patrulhas, usadas pelos poli-ciais responsáveis pela operação, foramretiradas aproximadamente 70 amostras dematerial compatível com sangue, que fo-ram enviadas para um laboratório particu-lar. Com estas amostras será realizado umexame de DNA, para saber se o sanguepertence a algumas das vítimas.

205

Até a finalização deste relatório, o casoestava sob responsabilidade da DelegaciaHomicídios do Rio de Janeiro

206 e não ha-

via sido realizado o exame de DNA.207

Osfamiliares das vítimas e testemunhas do cri-me se sentem amendrontados, preferindonão falar sobre o caso, pois os policiais en-volvidos encontram-sem em liberdade.

208

Em 20 de julho de 2004, o Centro deJustiça Global enviou um informe (ofícioJG/RJ n° 187/04) sobre o caso acima nar-rado para a Relatoria Especial da ONUsobre Execuções Extrajudiciais, Sumáriasou Arbitrárias.

��W. S., Morro da Pedreira , Rio de Janeiro.

Na noite de sábado, 26 de junho 2004,W. S. estava a caminho de uma festa junina(festas populares tradicionais realizadas nomês de junho) com sua prima M., 15 anos,quando foi assassinado por policiais mili-tares que entraram na favela atirando.

Segundo moradores do Morro da Pe-dreira, seis policiais participaram da ope-ração que resultou na morte de W.. Elespertencem ao 9º Batalhão da Polícia Mili-tar (Rocha Miranda).

209 De acordo com a

irmã de W., Doralice, de 19 anos, um poli-cial gritou: “eu vou matar um hoje”,olhou para W. e atirou.

210 O jovem rece-

beu um tiro que entrou na sua nuca e atra-vessou o rosto. O tiro que matou o rapazfoi transfixiante, entrou pelo lado esquer-do da nuca e saiu entre o nariz e lábiosuperior, destruindo os ossos da face.

211

203 Informação fornecida em entrevista ao Centro de Justiça Global pelo advogado dos familiares das vítimas, Dr. Marcos Diniz, no dia08 de Julho 2004.

204 Vale ressaltar que o exame pericial foi realizado nas armas oficiais apresentadas pelos suspeitos, porém a maioria dos assassinatoscometidos por policias, percebe-se a utilização de armas ilegais, muitas vezes apreendidas pelos mesmos durante operações, comnumeração raspada, e que não são encaminhadas como fruto de apreensão ao quartel, como seria o correto.

205 “Libertados integrantes do Getam suspeitos de participação na morte de rapazes”. O Dia online, 22 de Junho 2004 e Informaçãofornecida numa entrevista do Centro de Justiça Global com advogado dos familiares Marcos Diniz no dia 8 de Julho 2004.

206 O Inquerito sob n° 030 do dia 17.06.04. Delegado Dr. Carlos Henrique.

207 Informação fornecida em entrevista ao Centro de Justiça Global pelo advogado dos familiares das vítimas, Dr. Marcos Diniz, no dia09 de agosto 2004, por telefone.

208 “Ouvidor pedirá que a morte de 3 jovens seja investigada pela corregedoria”. O Globo, 23 de Junho 2004.

209 PM’s presos após operação ilegal. O Globo, 28 de junho de 2004.

210 Policiais suspeitos de crimes, O Dia Online, 28 de junho de 2004.

211 Segundo o diretor de Polícia Técnica e diretor do Instituto Médico Legal Roger Ancillotti, pelos estragos feitos pelo projétil podeter se tratado de um tiro de fuzil. Como não foram encontrados no corpo de W. fragmentos da bala, o trabalho da polícia para saber de quearma partiu o tiro poderá ser inconclusivo. Tiro que matou rapaz da favela da Pedreira pode ser sido de fuzil, O Globo Online, 28 dejunho de 2004.

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

Segundo o coronel Murilo Leite, co-mandante do batalhão ao qual pertencemos policiais militares envolvidos na execu-ção, os suspeitos são de duas guarnições eestavam no local do crime sem autoriza-ção da Central de Operações.

212

Os seis policiais militares foram pre-sos administrativamente por 72 horas namesma noite do crime. Segundo o inspe-tor-geral de Polícia do Rio de Janeiro, apósesse prazo os acusados deverão fazer tra-balhos internos na corporação, até a con-clusão do inquérito, que será encaminha-do à Corregedoria de Polícia.

213

Segundo o Corregedor Auxiliar, Coro-nel Jocimar da Silva Valeriano, o crime foiapurado pela 1ª Delegacia de Polícia Judi-ciária Militar, através da averiguação su-mária de portaria E-09/284/2558/2004,concluída e enviada para a CorregedoriaInterna/PMERJ (CGIPM 15.260/2004).Este procedimento está atualmente com oRelator para ser solucionado e publicadoem Boletim.

214 O caso foi registrado na 39º

Delegacia de Polícia da Pavuna sob o n.º003953/0039/2004.

Os policiais militares suspeitos infor-maram em depoimento que no momentoem que W. foi baleado estavam fazendoum patrulhamento em outra localidade.

215

No entanto, a polícia confirmou, atravésde monitoramento via GPS (posiciona-

mento global por satélite) que os seis poli-ciais acusados da morte de W. estavam nafavela na hora do crime. O aparelho acu-sou que os dois veículos modelo Blazerusados pelos policiais estavam parados emum posto de gasolina da Avenida MartinLuther King, no acesso ao morro.

216

Essa informação coincide com a ver-são de uma das quatro testemunhas quereconheceram três policiais militarescomo sendo os homens que andavam pelacomunidade no dia do crime. Esta teste-munha contou que descia de uma passa-rela na altura do número 11.503 da Ave-nida Martin Luther King, quando dois po-liciais, que seriam os motoristas das pa-trulhas, a seguraram pelo braço e avisa-ram para não entrar na favela para “nãoser atingida por bala perdida”. Em se-guida, ela teria avistado outros quatropoliciais militares passando pelo local.Outros moradores viram os agentes revis-tando moradores.

217

Essa testemunha contou ter visto W.levar uma rasteira e cair. O disparo que omatou teria sido feito quando o adolescenteainda estava no chão.

218 Após atirar, um

dos policiais teria dito: “Ih, era um mora-dor. Era uma criança!”.

219 Um pastor en-

tregou à polícia dois projéteis que disse terencontrado junto ao corpo de W..

Após a morte de W., na mesma noite,

212 Policiais suspeitos de crime. O Dia Online, 28 de junho de 2004.

213 Reconhecidos policiais que estiveram em favela, O Globo Online, 26 de junho de 2004.

214 Ofício enviado pelo Corregedor Auxiliar Cel. Jocinar da Silva Valeriano ao Corregedor Geral em 12 de julho de 2004.

215 Rastreamento incrimina PMs em homicídio,O Globo, 2 de julho de 2004.

216 Idem e Rastreador usado em patrulha confirma que PMs estiveram no local onde estudante foi assassinado, O Dia Online, 2 de julhode 2004.

217 Rastreador usado em patrulha confirma que PMs estiveram no local onde estudante foi assassinado, O Dia Online, 2 de julho de2004.

218 Rastreamento incrimina PMs em homicídio.O Globo, 2 de julho de 2004.

219Rastreador usado em patrulha confirma que PMs estiveram no local onde estudante foi assassinado, O Dia Online, 2 de julho de 2004.

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moradores do Morro da Pedreira fecha-ram a Avenida Martin Luther King Júnior,em protesto contra a morte do estudante.A manifestação durou várias horas e du-rante seu transcorrer outro adolescente foibaleado e um ônibus incendiado.

220

Ao interditarem a avenida, os manifes-tantes protestaram e atacaram alguns ôni-bus que passavam pelo local com pedras epaus. Eles ainda atearam fogo em pneus epedaços de madeira formando verdadei-ras barricadas. Pouco depois, várias viatu-ras da polícia militar chegaram ao local eteriam usado bombas de efeito moral e fi-zeram disparos para o alto. Um tiroteio seseguiu à confusão e um adolescente de 12anos foi baleado na cabeça.

221

��C. M. S. e Luciano Custódio Sales,Morro da Providência, Rio de Janeiro

No dia 27 de setembro de 2004, osoficiais da Coordenadoria de RecursosEspeciais – CORE, grupamento de eliteda Polícia Civil do Estado do Rio de Ja-neiro, ingressaram na comunidade doMorro da Providência para ajudar outraunidade do CORE que estava em opera-ção a bordo de um helicóptero que so-brevoava a favela em direção à zona nor-te da cidade, quando foi alvejado por ti-ros. Os policiais a bordo do helicópteroestavam acompanhados por um jornalis-ta e um fotógrafo do jornal O DIA, (jor-

nal do Rio de Janeiro de circulação diá-ria), que estavam realizando uma matériasobre operações policiais aéreas.

222

Os policiais do helicóptero que foi ata-cado a tiros passaram um rádio para a uni-dade terrestre do CORE solicitando apoioe fornecendo instruções para que os ofici-ais que estavam em terra tentassem encon-trar os agressores. Em seguida, informa-ram sobre a localização de dois jovens queadentravam uma residência.

223

Os policiais do CORE invadiram a re-ferida casa, encontraram Luciano e C. M.S. e os trouxeram para fora, em uma vie-la.

224 O fotógrafo que estava no helicópte-

ro policial, Carlos Moraes, conseguiu re-gistrar fotograficamente os eventos que sesucederam.

225 De acordo com o irmão de

Luciano, ao ouvirem tiros, Luciano e C.M. S. se esconderam em uma casa da co-munidade para se protegerem, com medoque fossem atingidos.

226

A primeira foto de uma seqüência227

registrada pelo jornal O Dia em sua ediçãode 28 de setembro de 2004, mostra queLuciano e C.M.S. foram imobilizados pe-los policiais do CORE que os fizeram dei-tar com suas mãos na cabeça. A foto se-guinte da série mostra um policial em pé,com uma arma automática apontada paraos jovens imobilizados, indicando que osdois suspeitos tinham sido capturados pe-los policiais do CORE e não mais consti-tuíam uma ameaça. A próxima foto mos-

220 Protesto violento fecha avenida em Acari. O Globo, 27 de junho de 2004.

221 Idem.

222 “Ataque a helicóptero: reação, fuga, e execução”. O Dia, 28 de setembro de 2004, p. 1.

223 Idem

224 Idem

225 Ibid.

226 Ibid

227 As fotos foram doadas pelo Jornal O Dia ao Centro de Justiça Global e compõem a capa desse relatório.

Casos emblemáticos de violência policial em 2004

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

tra policiais do CORE carregando os cor-pos dos dois suspeitos, que aparentemen-te tinham sido alvejados várias vezes. Osjovens foram levados para o Hospital Sou-za Aguiar, onde foram declarados mortosao darem entrada no hospital.

228

A série de fotos sugere com fortes evi-dências que a polícia executou sumaria-mente C. M. S. e Luciano, que encontra-vam-se detidos e imobilizados no solo esob controle policial antes de terem sidoaparentemente alvejados.

O Secretário em exercício de Seguran-ça Pública do Estado do Rio de Janeiro,Marcelo Itagiba, encarregou a Correge-doria da Polícia Civil e a Inspetoria da Se-cretaria de Segurança de apurar as circuns-tâncias que levaram às mortes de Lucianoe C. M. S.. Além da determinação, Itagibaafastou os policiais envolvidos no caso:Roberto Macedo da Cunha, Rogério Bas-tos da Costa, Jair Pereira Freire Junior,Rodrigo José F. Rodrigues e Marcos Antô-nio Agapito Teles de Matos, bem como odelegado Gláucio Santos, titular da CORE,que estava no helicóptero.

229

Aproximadamente duzentas pessoasacompanharam, no dia 28 de setembro de2004, os enterros de Luciano e C. M. S. .

230

O clima foi de revolta entre os parentes dosrapazes e também dos vizinhos que, di-zem ter ouvido os apelos dos jovens paraque continuassem vivos. Um morador doMorro da Providência, que preferiu não seidentificar, afirmou que Luciano e C. M.S. foram torturados antes de serem execu-tados “os policiais cortaram o Luciano norosto e o C. M. S. no peito, até a virilha”.

231

O laudo preliminar do Instituto Médi-co Legal (IML), indica que C. M. S. eLuciano foram mortos com tiros dispara-dos a curta distância, de cima para baixo,aproximadamente a um metro das vítimas.Apesar dos policiais insistirem na versãode que os garotos teriam sido atingidos emuma troca de tiros, a constatação dos legis-tas reforça a suspeita de execução dos doisrapazes.

232

Em 29 de setembro de 2004, o Cen-tro de Justiça Global enviou um informe(ofício JG/RJ n° 239/04) sobre o caso aci-ma narrado para a Relatoria Especial daONU sobre Execuções Extrajudiciais,Sumárias ou Arbitrárias.

Até o fechamento do presente relató-rio, os policiais encontravam-se suspensosde suas atividades até que as investigaçõesfossem finalizadas.

233

228 Ibid.

229 “Delegado da CORE é exonerado após ação no Morro da Providência”. O Dia Online, 28 de setembro de 2004,ver: http://ultimosegundo.ig.com.br/materias/odia ; “Seis policiais civis afastados”. O Dia, 29 de setembro de 2004, p.16.

230 C. e Luciano foram mortos com tiros disparados a curta distância, aproximadamente a um metro das vítimas. “Tiros disparados a curtadistância”. O Dia, 29 de setembro de 2004, p.17.

231 “Revolta e emoção de parentes e amigos durante o enterro dos jovens, no Caju.”, O Dia, 29 de setembro de 2004, p.17.

232 “Sintomas de execução”. O Dia, 01 de outubro de 2004, p. 14.

233 “Sintomas de execução”. O Dia, 01 de outubro de 2004, p. 14.

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61

entre as causas que contribuem parao incremento da violência no Rio de

Janeiro, não há como negar a relevânciaque adquire a questão da impunidade nes-se contexto. Nas discussões públicas, esseproblema se apresenta quase sempre ape-nas sob o aspecto da falta de punição decriminosos, quando estes são civis. Tal en-tendimento é utilizado inclusive para in-centivar os discursos que se apóiam noendurecimento de penas e ações repres-sivas.

No entanto, ainda que a morosidadedo sistema judiciário e todas as falhas quecircundam o sistema de persecução penalcomo um todo representem, em última ins-tância, uma enorme dificuldade para aimplementação da justiça, a impunidade de“civis” (entendidos aqui como cidadãosque não estão investidos de função públi-ca) encontra-se muito aquém - em termosde custos sociais diretos – que seu corres-pondente público. Em outras palavras, aquestão da impunidade, quando encaradasob a perspectiva das transgressões come-tidas por agentes públicos, adquire preocu-pante conotação, essencialmente se taistransgressões materializam-se em violaçõesdos direitos humanos.

Longe de representar um conjunto deprincípios metafísicos, de caráter difuso edistante, os direitos humanos necessitamde averbação política e social, sendo, por-tanto, imperativo que suas violações sejampunidas conforme os princípios jurídicosestabelecidos na constituição e nas demaisleis infraconstitucionais.

Em relação à situação do estado doRio de Janeiro, em que a complexidadeda violência urbana aponta para algo pró-ximo de uma cisão social, perpetuada emnome do pânico e sacramentada na po-breza, os excessos cometidos por agen-tes incumbidos da manutenção da ordemrepresentam um forte entrave para a ex-pansão – e mesmo o exercício – da cidada-nia, na medida em que não há a respon-sabilização do Estado quando este se des-via dos limites legais que constituem seumito fundacional, caracterizando a faltade equanimidade na efetivação dos direi-tos e garantias individuais.

O problema central dos casos apresen-tados a seguir está na morosidade e naqualidade das investigações realizadas pelaprópria Polícia. Em alguns casos, como oassassinato de Wallace de Almeida em1998, o inquérito policial pode levar anos

Capítulo III

Morosidade na investigação: uma amostra daimpunidade no Rio de Janeiro

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62

Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

para ser concluído. Em outros, como nocaso de um garoto de onze anos assassi-nado na Lapa, os policiais aguardam o pro-cesso investigatório em liberdade, muitasvezes intimidando testemunhas.

Dentro deste contexto, o Centro deJustiça Global exibe neste capítulo umapequena amostra da impunidade que cer-ca os casos de violência policial, a partirde 11 casos concretos de violação acom-panhados ao longo dos últimos anos. Épreciso reiterar que, longe de pretenderesgotar quantitativamente os exemplos deimpunidade, este capítulo tem por objeti-vo fornecer um panorama qualitativo des-ta situação, que acaba sendo um dos fato-res propulsores do aumento da violência.

Wallace de Almeida,Morro da Babilônia, Rio de Janeiro.

Wallace de Almeida, jovem, negro, 18anos, soldado do Exército, foi assassina-do por policiais militares em 13 de setem-bro de 1998, no morro da Babilônia, fa-vela situada na Zona Sul do Rio de Janei-ro, em operação realizada de forma arbi-trária e com uso excessivo de violênciapor parte dos policiais do 19° Batalhãoda Polícia Militar.

No dia do crime Wallace subia o mor-ro, quando foi atingido pelos policiais jáquase na porta de sua casa. Sua mãe e pri-mo assistiram a tudo, viram que Wallaceagonizava no quintal de casa, avisaram aospoliciais militares que haviam atingido um

soldado do exército e que ele precisava serimediatamente levado para o hospital.

Apesar de se mostrarem preocupadoscom a informação de que a vítima era umsoldado, os policiais sentiram-se à vonta-de para forjar a cena do crime colocandouma arma na mão de Wallace, como se eletivesse participado de uma suposta trocade tiros.

234 Os oficiais resistiram tanto em

socorrer Wallace que, quando resolveramfazê-lo, já era tarde demais. Ele acaboumorrendo no Hospital Miguel Couto porhemorragia externa, provavelmente pelademora da assistência médica.

235

Em 20 de dezembro de 2001, o Cen-tro de Justiça Global, o Núcleo de EstudosNegros e familiares da vítima apresenta-ram petição à Comissão Interamericana deDireitos Humanos da OEA (Ofício JG/RJ231/01) sobre a execução de Wallace, emvirtude da extrema morosidade das autori-dades brasileiras na apuração, investigaçãoe responsabilização dos criminosos.

Passados mais de seis anos do assassi-nato de Wallace e até o fechamento desterelatório, o inquérito policial ainda nãohavia sido concluído, apresentando umasérie de irregularidades. Os autos vêm sen-do enviados da central de inquéritos paraa delegacia e vice-versa, sem que nenhu-ma diligência efetiva seja realizada paraapuração dos fatos. O descaso e a negli-gência na identificação, julgamento e con-denação dos policiais que participaram daação que deu causa à morte de Wallace deAlmeida permanecem.

234 Assim se monta muitas vezes a farsa dos autos de resistência.

235 Certidão de óbito de 17 de setembro de 1998.

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Robson Franco dos Santos, Bangu III,Rio de Janeiro.

Em 02 de maio de 2000, aproximada-mente às 10h30, guardas da Penitenciáriade Bangu III flagaram o detento RobsonFranco dos Santos tentando escapar, escon-dendo-se no lixo que deveria ser retiradodo presídio. Após terem-no apreendido,vários guardas espancaram-no severamen-te, provocando ferimentos graves.

Horas depois, dois defensores públi-cos encontraram Robson e testemunha-ram sua deplorável condição física, comferimentos em todo o corpo, incluindorosto, testa, ombros e costas. Tinha tam-bém um braço quebrado, sangramentos edentes quebrados. Os defensores públi-cos encontraram Robson agachado nochão e cercado de uma grande poça desangue. O detento somente recebeu aten-dimento médico após às 17h30, depoisde muita insistência dos defensores.

Até a conclusão do presente relatório,não foi possível identificar que procedimen-tos foram adotados para apuração da cul-pa dos referidos agentes penitenciários.

Sandro Nascimento, Rio de Janeiro.

Sandro Nascimento, 21 anos, ex-me-nino de rua, sobrevivente da chacina daIgreja da Candelária

236, em 1993, morreu

em 12 de junho de 2000, sufocado den-tro de uma viatura da Polícia Militar após

ter sido rendido. Sandro havia tentadoroubar o ônibus da linha 174, mas aca-bou encurralado pela polícia em uma dasruas do Jardim Botânico, Zona Sul do Riode Janeiro.

Depois de horas de tensão, em que oassaltante manteve vários passageiroscomo reféns, Sandro resolveu se entregar.Saiu do ônibus com a professora GeísaGonçalves, de 21 anos, uma das reféns.No momento em que um policial militarlhe deu um tiro e errou, Sandro atirou narefém, sendo preso em seguida, comvida.

237 No entanto, morreu na viatura da

polícia, por sufocamento, a caminho doHospital Souza Aguiar, no centro da ci-dade. Todo o episódio foi transmitido aovivo pela imprensa nacional.

Em 11 de dezembro de 2002, o IV Tri-bunal de Júri do Rio de Janeiro absolveu,por quatro votos a três, os policias milita-res Ricardo de Souza Soares, Flávio do ValDias e Márcio de Araújo David, acusadosde terem assassinado Sandro. A decisãoconfirmou a tese de que Sandro teria seasfixiado sozinho no interior da viatura,apesar do laudo cadavérico, n. 4151/00,informar que a causa morte foi “asfixiamecânica por contricção (aperto) do pes-coço”, por “estrangulamento”.

238 Em 13

de dezembro de 2002, o Ministério Públi-co manifestou sua intenção em recorrer dadecisão

239. Em 19 de setembro de 2003, a

8ª Câmara Criminal negou provimento aorecurso em decisão unânime.

240

236 No dia 23 de julho de 1993 um grupo de policiais encapuzados abriu fogo contra mais de 50 meninos que dormiam ao relento pertoda igreja, resultando na morte de sete crianças e um jovem adulto.

237 “Depois do ônibus”, Folha online, 18 de junho de 2000. Renata Lo Prete. “Ele ainda saiu vivo do local”.

238 IP n º 165/2000 – 15a. DP , Sentença, fl. 1865, do processo criminal judicial n. 2000.001.092042-0.

239 “Promotores anunciam que pedirão novo julgamento dos PMs do 174”. Tribuna da Imprensa online, 13 de dezembro de 2002

240 Apelação interposta pelo Ministério Público n. 200305000664, fls. 1876-1896, disponível em: www.tj.rj.gov.br.

Morosidade na investigação: uma amostra da impunidade no Rio de Janeiro

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

Alexandre Mandado Pascoal, Casa deDetenção Provisória Muniz Sodré, Comple-xo Penitenciário de Bangu, Rio de Janeiro.

No dia 30 de agosto de 2000, o RelatorEspecial da ONU sobre Tortura, NigelRodley, visitou a Casa de Custódia MunizSodré, um dos centros de detenção provi-sória do Complexo Penitenciário de Bangu,Rio de Janeiro. Lá alguns detentos lhe con-taram que, após terem feito queixa sobredesaparecimeto de objetos pessoais desuas celas, depois de uma revista de agen-tes penitenciários, foram levados para opátio, onde foram severamente espanca-dos durante cinco ou seis horas por cercade 50 agentes carcerários do estabeleci-mento e também por integrantes dos des-tacamentos especiais da polícia comcacetetes e barras de ferro, algumas enro-ladas em arame.

241

Alexandre Mandado Pascoal foi odetento que sofreu os ferimentos maisgraves. Além do espancamento, que cons-ta ter feito Alexandre desmaiar quatrovezes, os detentos informaram ao RelatorEspecial que o chefe de segurança mor-deu as nádegas do detento.

242

No dia 30 de agosto de 2000, Alexan-dre foi levado perante um magistrado que,segundo informações contidas no relató-rio da Anistia Internacional, recusou-se aouví-lo, designando sua imediata trans-ferência para sala de atendimento de emer-gência. O detento foi então transferido paraum hospital, onde um médico determinou

sua internação. Segundo relato do detento,os agentes carcerários que o acom-panhavam, não permitiram sua internação.Não lhe foi receitado nenhum tipo de me-dicamento, nem mesmo um analgésico.Alexandre foi levado para o IML – Insti-tuto Médico Legal, onde seus ferimentosforam registrados. Entretanto, o detentoconta que não mencionou sobre o espan-camento, pois temia represálias por partedos agentes que o acompanhavam emtodos os momentos.

243

No dia da entrevista com o RelatorEspecial, o detento apresentava dois gran-des hematomas na parte inferior das cos-tas e um grande inchaço na parte posteri-or da cabeça, impossibilidade de mover aperna direita e o braço esquerdo, cortesnos lábios, escoriações em todo corpo, so-bretudo na testa e alguns dedos da mãoesquerda aparentemente fraturados. Ale-xandre estava vomitando sangue. Comajuda do oficial, Vieira Ferreira Neto, Ale-xandre foi levado em seguida, de maca,ao posto médico mais próximo, onde foideterminada sua transferência para umhospital.

244

Informados da situação pelo Secretá-rio de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,o Subsecretário de Direitos Humanos e oChefe de Segurança do Sistema Penitenci-ário acompanharam o relator e registraramo depoimento de Alexandre Pascoal. Ga-rantiram-lhe que receberia tratamento mé-dico adequado e seria protegido de possí-veis represálias.

245

241 Informações fornecidas pelo Relatório „Tortura e Maus-Tratos No Brasil” lançado pela Anistia Internacional em outubro de 2001, p.9 e 10.

242 Idem

243 Idem

244 Idem

245 Idem

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65

O diretor do Presídio Muniz Sodré e ochefe de segurança do estabelecimentoforam afastados pelo Secretário de Justiçaaté que as investigações fossem concluidas.O guarda do presídio, supostamente res-ponsável pela liderança da sessão de tor-tura também foi temporariamente afasta-do do serviço ativo, embora conste que foidesignado, mais tarde, para a Tropa deChoque do Sistema Penitenciário.

246

Até a conclusão do presente relatório,não foi possível identificar que procedimen-tos foram adotados para apuração da cul-pa dos referidos agentes penitenciários.

Edson Roque e Alexandre Farias Lima,Hospital Psiquiátrico Penal Roberto deMedeiros, Rio de Janeiro.

Edson Roque, interno do Hospital Psi-quiátrico Penal Roberto de Medeiros, Riode Janeiro, foi espancado e baleado poragentes de segurança penitenciária em 16de novembro de 2002, vindo a falecer nodia seguinte.

247 Ele teria tentado defender

outro interno, Wellington Chagas Braga,de ser espancado pelo agente penitenciá-rio, Odnei Fernado da Silva.

Alexandre Farias também teria tenta-do auxiliar Wellington a esquivar-se doespancamento. Após o acontecido, Ale-xandre estava sendo constantemente ame-açado, por isso foi transferido em 13 dedezembro de 2002 para o DESIPE – De-partamento do Sistema Penitenciário. En-tretanto, no final do mês de janeiro, Ale-xandre foi encontrado morto, coinciden-

temente no dia em que iria prestar seudepoimento na 34ª Delegacia de Políciado Rio de Janeiro.

Até a conclusão do presente relató-rio, não foi possível identificar que pro-cedimentos foram adotados para apura-ção da culpa dos referidos agentes peni-tenciários.

Gil Alves Soares e Erivelton Pereira deLima, Favela do Rebu e Coréia, SenadorCamará, Rio de Janeiro.

Em 10 de janeiro de 2003, foi realiza-da uma operação policial nas favelas doRebu e da Coréia, no bairro Senador Ca-mará, Rio de Janeiro. A operação contoucom a participação de 250 policiais civise militares da 34ª Delegacia de Polícia,Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas(DRFC) e do 14° Batalhão da Polícia Mi-litar, do Rio de Janeiro, respectivamente,além de dois helicópteros.

O objetivo da operação era prenderquatro traficantes e estaria irregularmen-te amparada por um “mandado de buscae apreensão itinerante”, documento juri-dicamente contestável, que permitia a re-vista de qualquer morador ou residênciado local.

248

Gil e Erivelton foram retirados de casae levados ao carro da DRFC, embora nãotenha sido encontrado com eles nem ar-mas, nem drogas. Moradores afirmam queambos apanharam bastante dos policiaisantes de serem colocados na viatura, ondeforam deixados por quatro horas, sob um

246 Idem

247 Laudo No. 7589/02, Instituto Médico Legal. Edson faleceu em virtude do disparo efetuado contra ele na cabeça. Edson tambémsofreu um disparo na barriga. Além dos tiros, o corpo de Edson também apresentava marcas de espancamento.

248 Tal mandado não encontra respaldo na lei processual brasileira, uma vez que atenta ao disposto nos art.240 e 243 do Código deProcesso Penal Brasileiro. Sobre o uso destes mandados “itinerantes ou genéricos” ver I Capítulo deste relatório.

Morosidade na investigação: uma amostra da impunidade no Rio de Janeiro

Page 66: Relatório_Violência Policial e Insegurança Pública

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

calor externo de quase 40 graus.249

A po-lícia notificou o falecimento de ambos,afirmando que os mesmos teriam passa-do mal na viatura e morrido em virtudede uma overdose de cocaína, no HospitalGetúlio Vargas, embora não tenha sidoencontrada nenhuma substância ilícitacom os rapazes.

Não foram realizados exames nos cor-pos por que o Instituto Médico Legal ale-gou não possuir os reagentes necessáriosa execução do procedimento que consta-taria a presença da substância ilícita nasvítimas. Foi instaurado Inquérito Policialna 34ª Delegacia de Polícia e depois trans-ferido para a Delegacia de Roubos e Fur-tos de Cargas.

Até a conclusão do presente relatórionão nos foi enviada nenhuma informaçãoacerca dos procedimentos adotados para aapuração dos fatos acima narrados pela daSecretaria de Estado de Direitos Humanos.

W. C. P. ,11 anos, Lapa, Rio de Janeiro

No dia 21 de janeiro de 2003, aproxi-madamente às 17h, W.C.P., 11 anos, foiassassinado com um tiro pelas costas queatingiu seu pulmão e coração

250, desferi-

do pelo policial militar Diogo da SilvaCunha, na Lapa, Rio de Janeiro. De acor-do com os depoimentos colhidos na 5ªDelegacia de Polícia, W. e o amigo, T.S.S.,

estavam indo comprar leite quando per-ceberam que estavam sendo seguidos pordois policiais militares.

251

Na altura da Catedral (Av. Chile), umdos policiais disparou dois tiros contra osjovens, tendo um deles atingido W.. Logoapós o ocorrido o policial Diogo comuni-cou por rádio que o garoto havia sido atin-gido por criminosos em um carro, mode-lo Gol de cor branca, e que estes teriamfugido.

A farsa planejada pelo policial logofoi descoberta por policias militares do 13°Batalhão de Polícia Militar, que chegaramao local e tomaram depoimento de váriastestemunhas que haviam presenciado ocrime. Diogo foi preso em flagrante e con-duzido à 5ª Delegacia de Polícia.

Até a conclusão do presente relatório,o processo n.20030010101499 permane-cia na 4 ª Vara Criminal para conclusão daJuíza

252, e o policial Diogo da Silva Cunha

encontrava-se em liberdade.253

H. S. G. S., 16 anos, morro da Nossa Se-nhora da Guia, Rio de Janeiro

No dia 21 de janeiro de 2003, o ado-lescente H. S. G. S., 16 anos, foi executa-do com um tiro no coração

254 por policiais

da 23ª Delegacia de Polícia e do 3° Bata-lhão de Polícia Militar. H. era estudante,recentemente chegado do estado de Mi-nas Gerais para morar com sua mãe. Tes-

249 Entrevista concedida pelo pai de Erivelton à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro(ALERJ),em 12/02/03.

250 Laudo do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto – IML – n. 523/03.

251 Auto de prisão em flagrante, protocolo n. 004054-1005/2003, procedimento n. 005-00352/2003, 22/01/03. Testemunhas: MarcoAntônio Santos de Melo, policial militar, 13 BPM; David Nunes Ferreira, soldado da Polícia Militar em serviço com Diogo Cunha.

252 Informação disponível no site: www.tj.rj.gov.br.

253 Informações fornecidas por Pedro Roberto da Silva, coordenador de Projetos da Fundação São Martinho, que acompanha o casojunto ao Ministério Público, em entrevista à equipe do Centro de Justiça Global, por telefone, no dia 04/10/2004.

254 Certidão de óbito n. 74473.

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temunhas contam que o rapaz foi aborda-do pela polícia e conduzido até a viatura,onde já havia outro homem preso. Rela-tam ainda que os policiais simularam a sa-ída da favela, mas na verdade deram a voltano morro e dirigiram-se ao seu cume, ondeos rapazes foram assassinados.

A polícia informou que H. tinhamorrido em uma troca de tiros com polici-ais, pois tinha envolvimento com o tráficolocal. A mãe do jovem, Márcia Jacitho,registrou queixa de homicídio contra ospoliciais na 25ª Delegacia de Polícia.

Segundo informações fornecidas pelamãe do adolescente, Marcia Jacintho, portelefone, à equipe da Justiça Global nodia 08 de setembro de 2004, o inquérito(IP n. 5332) está em fase de finalização,os policiais já foram ouvidos, restandosomente uma testemunha, que está resi-dindo em outro estado, para que a faseinvestigatória seja finalizada e o Ministé-rio Público possa oferecer a denúncia.

255

Até o fechamento do presente relató-rio, os policiais militares responsáveispela morte de H., estavam em liberdade econtinuam a trabalhar nas ruas. Vizinhosinformaram a mãe da vítima que os mes-mos policiais já mataram outros rapazes.

256

Carlos Magno de Oliveira Nascimento,Tiago da Costa Correia, Carlos Albertoda Silva Ferreira e Everson GonçalvesSilote, morro do Borel, Rio de Janeiro.

Em 17 de abril de 2003, entre 18h00e 19h00, uma operação que contou coma participação de 16 policiais do 6º Bata-lhão da Polícia Militar (BPM), na comu-nidade do Borel, no Rio de Janeiro, re-sultou na morte de quatro moradores.Embora a versão oficial da polícia tenhasido a de que os mortos eram traficanteslocais e que estariam trocando tiros comos policiais

nenhum dos quatro tinha an-

tecedentes criminais, três deles trabalha-vam e um era estudante.

257

Carlos Magno de Oliveira Nascimen-to

258 tinha 18 anos de idade e residia na

Suíça, onde estudava. Ele encontrava-seno Brasil passando férias com a avó. Nofinal da tarde do dia 17, dirigiu-se a umabarbearia onde foi cortar o cabelo com oamigo de infância Tiago da Costa Cor-reia

259, 19 anos, técnico em manutenção

de máquinas a vácuo.Na saída da barbearia, Magno e Tiago

não tiveram sequer tempo de entender oque ocorria. Eles foram avistados por po-

255 Informações fornecidas pela senhora Márcia Jacintho, por telefone, à equipe da Justiça Global no dia 08 de setembro de 2004.

256 Informações fornecidas pela senhora Márcia Jacintho, por telefone, à equipe da Justiça Global no dia 08 de setembro de 2004.

257 “PMs acusados de matar 4 no Borel”, O Globo, 09/05/03. O subcomandante do 6º BPM, tenente-coronel José Luiz Nepomuceno,informou à imprensa que os mortos faziam parte de uma quadrilha de traficantes, e que teria sido apreendido com eles drogas, armas emunição.

258 Carlos Magno morreu com seis tiros, dentre os quais três pelas costas (cabeça, braço direito e região escapular esquerda), três tirospela frente (ombro esquerdo, bacia, clavícula). Laudo cadavérico 26258/2003 – IML.

259 Tiago levou cinco tiros, quatro pela frente e um pelas costas (região dorsal direita). Laudo cadavérico n.º 2659/2003 – IML. O laudoainda atesta uma “alta energia cinética” na saída dos projéteis, o que demonstra que alguns dos disparos foram efetuados à “queimaroupa”. Tiago não morreu instantaneamente. Agonizou por cerca de meia hora, tendo os policiais impedido seu socorro. O fato pôde serconfirmado pela testemunha Pedro da Silva Rodrigues, uma vez que o mesmo encontrava-se baleado, escondido e ciente do que sepassava a sua volta. Pedro contou que ouviu Tiago clamar por socorro médico, no que foi respondido por um dos policiais que o mesmoera “bandido” e que iria morrer. Ver “Sobrevivente vira testemunha”, O Dia, 19/05/03.

Morosidade na investigação: uma amostra da impunidade no Rio de Janeiro

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

liciais militares que se encontravam emcima de uma casa e foram instantanea-mente alvejados. Magno morreu na hora.Tiago, porém, agonizava no chão, aosgritos alertando que era trabalhador e ne-cessitava de atendimento médico. Os po-liciais mantiveram-se alheios ao seu pe-dido até que morresse.

260

Carlos Alberto da Silva Ferreira261

, 21anos, tinha três empregos: era pintor, pe-dreiro e, em épocas de carnaval, fazia ar-mação de carros alegóricos. No dia 17,encontrava-se de folga e jogava futebolem um campo da comunidade. Na volta,resolveu passar na barbearia, quando sedeparou com o tiroteio e correu. Uma balade fuzil acertou em cheio sua cabeça.

Everson Gonçalves Silote, 26 anos, erataxista e havia passado todo o dia nas uni-dades do DETRAN da Tijuca e São Cristo-vão a fim de regularizar seu automóvel.Na volta estacionou seu carro em uma dasruas próximas, pois o acesso estava fecha-do pela polícia. Ele voltava à pé quandofoi abordado, tentou se identificar, mas re-cebeu um golpe que quebrou seu braçodireito. Ele foi executado antes mesmo quepudesse mostrar seus documentos.

262

Segundo informações fornecidas pelaSecretaria de Estado de Direitos Humanosdo Rio de Janeiro, o caso foi arquivado na

Corregedoria Geral Unificada, pois já en-contra-se em investigação na PMERJ ( Po-lícia Militar do Estado do Rio de Janeiro).

263

Até o fechamento deste relatório, se-gundo informações fornecidas à sra. DalvaCorreia, mãe de Tiago Correia, pelo Nú-cleo de Direitos Humanos da DefensoriaPública, os policiais envolvidos na opera-ção encontram-se presos e indiciados porTortura, ainda aguardando julgamento.

264

Jeferson Ricardo da Paz, favela MandelaII - Manguinhos, Rio de Janeiro

Jeferson Ricardo da Paz, 22 anos, en-contrava-se na porta de sua casa, no dia29 de abril de 2003, quando foi atingidopor um tiro que perfurou seu coração, dis-parado por policiais civis que efetuavamuma operação no local.

265 Policiais da De-

legacia de Capturas do Norte chegaram aolocal num caminhão-baú e ao saírem doveículo começaram a efetuar disparos,causando grande tumulto e correria.

Os policiais foram informados pormoradores que eles haviam atingido umrapaz trabalhador, mas os policiais recu-saram-se a prestar socorro a Jeferson, oque foi feito pelos vizinhos. Jeferson jáchegou morto ao Hospital de Bonsucesso.A polícia alegou que o rapaz era um trafi-

260 “Encontro com a morte”, O Dia, 18/05/03.

261 Carlos Alberto sofreu 12 disparos, 7 deles pelas costas, além de fratura no antebraço e no fêmur. É importante salientar que cinco dosdisparos atingiram seu braço direito e mãos direita e esquerda – o que demonstra que Carlos tentava se defender dos tiros efetuadoscontra ele. O laudo também aponta para uma “alta energia cinética” na saída dos projéteis, o que confirma a tese dos disparos a curtadistância. Laudo cadavérico n.º 2657/2003, IML.

262Everson levou cinco tiros, um pelas costas(próximo à coluna cervical), 4 pela frente(dois em regiões vitais: cabeça e coração). LaudoIML n. 2660/2003.

263 Informações fornecidas pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos ao Centro de Justiça Global em Ofício SEDH No 197/0004/2004, em 11 de agosto de 2004.

264 Informação fornecida pela senhora Dalva Correia, mãe de Tiago Correia, em entrevista, por telefone, à equipe do Centro de JustiçaGlobal, em 02/10/04.

265 Certidão de óbito n. 24947, fl. 205, livro n. 1SC-0055.

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cante que fazia a segurança do líder dotráfico local no momento da operação eque os policiais teriam encontrado uma 9mm na mão de Jeferson.

Não foi realizada perícia para consta-tar a presença de pólvora nas mãos deJeferson, assim como na arma, suposta-mente, encontrada com a vítima.

Até a conclusão do presente relatórionão nos foi enviada nenhuma informaçãoacerca dos procedimentos adotados para aapuração dos fatos acima narrados pela daSecretaria de Estado de Direitos Humanos.

Geraldo Sant’anna de Azevedo Júnior,21 anos, Bruno Muniz Paulino, 20 anose dos irmãos Rafael Medina Paulino, 18anos, e R. M. P., 13 anos, São João deMeriti, Rio de Janeiro.

Rafael Medina Paulino e R.M. P., Bru-no Muniz Paulino e Geraldo Sant’annamoravam no Jardim Santo Antônio, nobairro de Guadalupe, no estado do Riode Janeiro. Eram amigos de infância. Bru-no, filho único, era universitário, cursavaMatemática. Seus primos Rafael e Renanainda estavam na escola. A noite de 05de dezembro de 2003 foi a primeira vezque a família permitiu que o mais novo,R., de 13 anos, saísse à noite com o ir-mão mais velho. Geraldo Sant’anna erasoldado do exército e exercia a função demotorista do Comandante do 2° Batalhãode Infantaria e, nas horas vagas, animavafestas infantis no bairro em que morava.

266

No dia 05 de dezembro de 2003, osamigos foram juntos a um show na casanoturna “Via Show” na Baixada Flumi-nense. Na madrugada do dia 06 de de-zembro, os rapazes foram vistos pela úl-tima vez por um amigo, Wallace Lima,que também estava na casa de shows. Eleafirmou tê-los visto por volta das 04h40no estacionamento do local.

267 Depois

desse momento, os rapazes não forammais vistos com vida.

Uma denúncia anônima ajudou a po-lícia a encontrar, na madrugada do dia 09de dezembro, os corpos dos quatro garo-tos que estavam desaparecidos desde amadrugada do sábado, dia 06 de dezem-bro, quando saíam do “Via Show”. Oscorpos estavam dentro de um poço, emuma fazenda abandonada, conhecidacomo Morambi, na localidade de Imbariê,distrito de Duque de Caxias, na BaixadaFluminense.

268

Segundo o delegado Renato SoaresVieira, da 62ª Delegacia Policial, as víti-mas apresentavam marcas de tiro, princi-palmente na cabeça, pelo menos três tiroscada um, o que revela um forte indício deque os rapazes tenham sido vítimas de umaexecução sumária.

269 Pelo avançado esta-

do de decomposição dos corpos, foi pos-sível constatar que os jovens haviam sidomortos há pelo menos dois dias antes deserem encontrados. Havia sinais de tortu-ra e as cabeças dos rapazes estavam des-truídas por tiros de fuzil.

270

O caso foi transferido para a Delega-

266 “Os rapazes eram amigos de infância”. O Globo, 06/12/03.

267 “Policiais suspeitos de matança”. O Dia, 10/12/2003.

268 “Amiga de jovens mortos suspeita de seguranças de casa de show”, Tribuna da Imprensa online, 10/12/2003.

269 Idem.

270 “Policiais suspeitos de matança”. O Dia, 10/12/2003.

Morosidade na investigação: uma amostra da impunidade no Rio de Janeiro

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

cia de Homicídios, ficando sob responsa-bilidade do delegado Herold Spíndola Fi-lho. A linha de investigação

271 seguida pela

polícia afirma que uma das vítimas, o sol-dado do exército Geraldo Sant’anna, teriafurtado o carro

272 de um dos policiais que

fazia a segurança na casa de shows e, porisso, teria sido abordado pelos segurançasque pediram reforços a outros policiais queestavam de serviço.

273

Segundo a família274

, Geraldo teriatentado se identificar e apontou para osoutros três rapazes, afirmando que teriaido ao “Via Show” com os amigos ape-nas para se divertir. Os policiais então te-riam capturado os quatro jovens e, ao in-vés de conduzi-los à delegacia para ave-riguações, teriam levado os rapazes paraa fazenda Morambi, onde os mesmos fo-ram executados.

Em 02 de março de 2004, oito solda-dos e um sargento da Polícia Militar tive-ram a prisão temporária decretada porsuspeita de envolvimento na morte dosquatro rapazes. Foi confirmado que qua-

tro, dos nove policiais presos, trabalha-vam como segurança da casa noturna ViaShow e os outros cinco estavam de servi-ço, próximo ao local.

275 Entretanto, em 15

de abril de 2004, o Tribunal de Justiça doEstado do Rio de Janeiro revogou as pri-sões temporárias de todos, concedendoaos acusados o direito de responder aoprocesso em liberdade.

276

Em 31 de julho de 2004 a promotora,Márcia Colonose, do Ministério Públicode Duque de Caxias, ofereceu a denún-cia ao Juiz da 4a Vara Criminal de Caxias,Paulo César Vieira de Carvalho, que aca-tou o pedido. Os policiais denunciadossão: o capitão Ronald Paulo Alves, os sol-dados Gilberto Ferreira de Paiva, LuizCarlos de Almeida, Vagner Luís da SilvaVictorino, Henrique Vitor de OliveiraVieira, Fábio de Guimaraes Vasconcelos,Paulo César Manoel da Conceição eEduardo Neves dos Santos.

277

Até o fechamento do presente relató-rio os policiais denunciados aguardavamo julgamento em liberdade.

278

271 Inquérito policial, IP n° 77/03. Informação fornecida pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos à equipe do Centro de JustiçaGlobal, no dia 08/07/04.

272 Um veículo modelo Kadett, cor vinho, que pertencia ao soldado Henrique Vitor Oliveira do 15° Batalhão da Polícia Militar, “PMssão acusados de morte na Baixada”. Extra, 03/03/04.

273 Os policiais militares que estavam de serviço eram do 21° Batalhão da Polícia Militar.

274 Informação fornecida por Siley Muniz Paulino, mãe de Bruno Muniz Paulino, e Elizabeth Medina Paulino, mãe de Rafael e R. M. P.,em entrevista à equipe do Centro de Justiça Global, em 23/06/04.

275 “PMs são acusados de mortes na Baixada”. Extra, 03/03/04.

276 Habeas Corpus de n° 2004.059.01278; 2004.05901185; 2004.059.01342. Informação fornecida pela Secretaria de Estado deDireitos Humanos à equipe do Centro de Justiça Global, no dia 08/07/04.

277 “Divulgadas fotos de policiais suspeitos de mortes”. O Dia, 14/09/2004, p.14.

278 Idem

���

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��Aprovação do Projeto de Lei que prevê ampliação da com-petência da justiça comum na elucidação e no julgamento doscrimes praticados por policiais militares em suas atividades depoliciamento, de modo a incluir homicídio culposo, lesão corpo-ral e tortura.

��Plena autonomia e independência das Corregedorias eOuvidorias de Polícia, além de dotação de recursos suficientespara sua capacitação e desempenho competente das funções. Osouvidores devem ser autorizados a examinar integralmente cadaqueixa, assim como submeter propostas de representação aospromotores. Além disso, os ouvidores devem ter o poder de re-quisitar judicialmente pessoas e documentos (ou seja, ter o po-der de tomar testemunhos sob pena de perjúrio e requerer docu-mentos sob pena de omissão de provas). Finalmente, as autori-dades devem garantir a integridade física e a segurança dosouvidores e suas equipes.

��Termo de Cooperação entre as Ouvidorias da Polícia e asProcuradorias Gerais do Estado, que permita que as Ouvidoriasencaminharem às Procuradorias, para efeitos de indenização ci-vil, os casos os casos relacionados a violência policial.

��Efetivação do Controle Externo da Atividade Policial peloMinistério Público e criação de órgãos de investigação inde-pendentes - As autoridades brasileiras devem elaborar e regula-mentar a criação de órgão de investigação dentro dos MinistériosPúblicos estaduais e federais. Estes órgãos devem estar autoriza-dos a requerer judicialmente documentos, intimar testemunhas einvestigar repartições públicas, inclusive delegacias e outros cen-tros de detenção, para conduzir investigações completas e inde-pendentes.

�� Independência e Controle Social dos Institutos de MedicinaLegal, bem como ampliação e modernização de sua estrutura edesvinculação dos setores periciais da área de Secretaria da Segu-rança Pública.

Recomendações

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

��Garantia de acesso por parte das entidades sociais demonitoramento policial e outras entidades de direitos humanosaos resultados produzidos pelos Institutos de Medicina Legal.

��Valorização do enfoque preventivo, ampliando a capacidadedo sistema de justiça e segurança pública de evitar a ocorrênciade danos, ao invés de investir simplesmente na repressão aoscrimes já ocorridos.

��A adoção por parte das autoridades da segurança pública doEstado de um plano semestral de redução de homicídios, atravésda utlização de policiamento preventivo, comunitário e perma-nente que vise a redução de danos, da punição dos policias infra-tores e responsáveis, e do controle e fiscalização de armas;

��Extensão do modelo da polícia comunitária,

��Criação de programas que retirem das ruas policiais que seenvolverem em eventos com resultado de morte, até que se in-vestigue as motivações e proceda a necessária avaliação psico-lógica do envolvido.

��Elaboração de rigoroso estatuto sobre abordagem de sus-peitos, a fim de reduzir o número de vítimas fatais duranteesses procedimentos. ·Unificação progressiva das Academiase Escolas de Formação, e estabelecimento de convênios com asUniversidades para formação do corpo policial.

��Melhoria na remuneração dos policiais e busca de alternati-vas como o pagamento de horas-extras para evitar os “bicos”dos policiais.

��Treinamento para todos os policiais no emprego de técnicasnão letais nas operações policiais (tiro defensivo, forma deabordagem, etc)

��Modificação dos regulamentos policiais para que agentes quesofram atentados ou que de alguma forma estejam envolvidoscom o episódio não continuem participando das investigações,para diminuir ações vingativas.

��Premiação para policiais que resolverem situações difíceissem o emprego da força e para Batalhões, delegacias, equipes,que diminuírem o número de autos de resistência, sem diminuí-rem sua eficiência.

��Campanhas públicas sobre a prática policial correta e am-pla divulgação dos canais de denúncia dos abusos praticadospor policiais.

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�� Inclusão de metas de redução da violência policial para osEstados, vinculadas ao recebimento de verbas federais do pro-grama de segurança pública.

��Não utilização de armas de fogo em operações como reinte-grações de posse, estádios de futebol, greves e outros eventoscom multidões.

��Implementação de um programa eficaz de proteção à teste-munhas e vítimas da violência, assim como garantia de investi-gações isentas e apuração de todos os casos de ameaça à vida eintegridade pessoal denunciados por testemunhas.

�� Indenização das Vítimas e familiares de vítimas de ViolênciaPolicial.

��Facilitação dos relatos de abuso - Todos aqueles que defen-dem os direitos humanos, assim como todos os que tiveram di-reitos humanos violados, devem ter acesso a um procedimentoefetivo para apresentação das queixas sem medo de represálias.Tais queixas deveriam ser automaticamente levadas às divisõesde direitos humanos dos Ministérios Públicos estaduais e fede-rais (a ser criado onde ainda não existe).

��Desativação das carceragens localizadas nas dependênciaspoliciais e construção de centros de detenção para presos provi-sórios.

��Garantia da investigação policial e da comunicação obriga-tória ao Ministério Público para qualquer caso de execução den-tro as prisões.

��Adoção de um discurso de respeito aos direitos humanos eao cumprimento da lei por parte das autoridades competentesna área de segurança e sistema penitenciário eresponsabilização daquelas autoridades que fazem apologia à vi-olência e à humilhação de suspeitos e detentos.

��Transferência do ônus da prova para a promotoria nos ca-sos em que as denúncias de tortura ou outras formas de maustratos forem levantadas por um réu durante o julgamento, paraque esta prove, além de um nível de dúvida razoável, que a con-fissão não foi obtida por meios ilícitos, inclusive tortura ou maustratos semelhantes.

��Ampliação da capacidade investigativa da Polícia Civil, commodernização e capacitação da polícia técnica e científica; cria-ção imediata dos sistemas de rastreamento de armas e de veícu-

Recomendações

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Relatório RIO: violência policial e insegurança pública

los, inclusive os oficiais usados pela polícia através da amplia-ção do uso de sistemas como o GPS, identificação balística, iden-tificação de impressão digital e identificação fotográfica.

��Criação de um único órgão de informação e inteligência,sob controle do Executivo e com Regimento Interno único,com objetivo exclusivo de combater o crime organizado, preve-nir e inibir a prática de delitos cometidos por agentes do Estado,e subsidiar o planejamento estratégico da ação policial.

�� Investigação e repreensão das situações de participação depoliciais, de forma direta ou indireta, em empresas de segurançaprivada.

��Priorização do combate aos homicídios dolosos com policia-mento investigativo e preventivo e repressão sistemática aosgrupos de extermínio.

��Federalização dos crimes de direitos humanos - Aprovaçãopelo governo brasileiro de legislação garantindo a competênciade autoridades federais (polícia, promotores e o judiciário) sobreabusos de direitos humanos.

��Afastamento imediato do agente penitenciário ou policial acu-sado de tortura, homicídio ou corrupção, durante a fase de inves-tigação.

��Participação de grupos externos (Defensoria Pública e/ouConselho da Comunidade, Organizações de Defesa dos DireitosHumanos, Pastorais Sociais) nas revistas periódicas dentro dasunidades prisionais, tendo por objetivo a inibição de ações vio-lentas contra os detentos.

��Abertura de um registro de custódia em separado para cadapessoa presa, indicando-se a hora e as razões da prisão, a iden-tidade dos policiais que efetuaram a prisão, a hora e as razõesde quaisquer transferências subseqüentes, particularmente trans-ferências para um tribunal ou para um Instituto Médico Legal,bem como informação sobre quando a pessoa foi solta outransferida para um estabelecimento de prisão provisória. O re-gistro ou uma cópia do registro deverá acompanhar a pessoadetida se ela for transferida para outra delegacia de polícia oupara um estabelecimento de prisão provisória.