Representaçoes sociais psicologia jung

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1 n. 04, Curitiba, jul. 2004 www.utp.br/psico.utp.online AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E O INCONSCIENTE COLETIVO: UM DIÁLOGO ENTRE DUAS LINHAS TEÓRICAS Marilza Mestre Rita de Cássia Pinotti AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E O INCONSCIENTE COLETIVO: UM DIÁLOGO ENTRE DUAS LINHAS TEÓRICAS Marilza Mestre Psocóloga Clínica Mestre em Psicologia Professor da Universidade Tuiuti do Paraná, Fepar Rita de Cássia Pinotti Psicóloga Clínica Professora das Faculdades Curitiba

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AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E O INCONSCIENTE COLETIVO:UM DIÁLOGO ENTRE DUAS LINHAS TEÓRICASMarilza MestreRita de Cássia Pinotti

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E OINCONSCIENTE COLETIVO: UM DIÁLOGOENTRE DUAS LINHAS TEÓRICAS

Marilza MestrePsocóloga ClínicaMestre em PsicologiaProfessor da Universidade Tuiuti do Paraná, Fepar

Rita de Cássia PinottiPsicóloga ClínicaProfessora das Faculdades Curitiba

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AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E O INCONSCIENTE COLETIVO:UM DIÁLOGO ENTRE DUAS LINHAS TEÓRICASMarilza MestreRita de Cássia Pinotti

RESUMOO presente trabalho tem como um dos objetivos apresentar o conceito de RepresentaçõesSociais, tal como entendido por Moscovici. Para tanto, fez-se necessário a operacionalizaçãode alguns conceitos ‘apropriados’ de outras disciplinas das Ciências Sociais. As idéias precur-soras do termo Representações podem, ainda, ser melhor entendidas quando se retoma o deInconsciente Coletivo de Jung. Outro objetivo é o demonstrar que profissionais de aborda-gens psicológicas diferentes podem fazer trocas teóricas, desde que os conceitos sejamdevidamente tratados dentro da ótica filosófica de cada profissional.Palavras-chave: representação social, inconsciente coletivo; interdisciplinariedade.

AbstractOne of the objectives of this work is to show the concept of Social’s Representations, as to understandby Moscovici. To that, would to be necessary an operacionalization of some concepts to take ofanother’s disciplines of Social’s sciences. The original idea of the term Representation could tounderstand when one takes over the concept of Collective Inconcient of Jung. Other objective isto demonstrate that professionais of different philosophies could to change experiences if theconcepts could be treated inside their own philosophies.Key-words: social’s representations, collective inconcient, interdisciplinarities.

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SERGE MOSCOVICI E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A idéia de Representações Sociais foi primeiramente apresentada como tal por SergeMoscovici, em sua obra “A representação social da Psicanálise”. (Moscovici, 1978). Para ele,

esse é um fenômeno do cotidiano, que se produz num determinado contexto social. O indi-víduo, ator participante da coletividade, se apropria da produção coletiva acerca de determi-

nados valores sobre os quais a coletividade criou uma idéia comum. Nesse sentido, a Repre-sentação Social é um fenômeno psicossocial, um conjunto de conceitos, afirmações e explicações

originados no cotidiano, no desenrolar de combinações interindividuais (Moscovici, 1981). Poderia sedizer que é como uma sociedade se apropria de algum conhecimento dado e a partir desse

conhecimento o comportamento de seus atores passa a ser determinado. Portanto, pressu-põe-se que se faz necessária uma comunicação ativa de todos os componentes dessa socieda-

de; e mais: que tal representação não é a mera repetição do conceito, mas sim que obedece aum princípio criativo, dinâmico através do tempo, em que determinada idéia é reapresentada

pelos atores sociais.Moscovici afirmou que as representações são responsáveis por comportamentos e ati-

tudes dos indivíduos da coletividade, mas sofrem alterações a partir da vivência na qual éforjada. A construção das Representações é multifatorial, e elas serão tão diversas quantas

forem as opiniões de onde nasçam e os objetos passíveis de representação.Pensando dessa forma, estudar as representações poderia ser uma maneira de desven-

dar a sociedade tal como ela é percebida por seus atores. As representações sociais explicari-am como alguns comportamentos vistos como naturais foram, em verdade, construídos “na-

turalmente” através do contato social.Moscovici criou o termo para dar conta de uma psicologia que se libertasse do paradigma

individualista. Ele afirmava: representar uma coisa.... é reconstituí-la, retocá-la, modificar-lhe o texto.

A comunicação que se estabelece entre o conceito e a percepção, um penetrando no outro, transformando a

substância concreta comum, cria a impressão de realidade. (Moscovici, 1978. p.57)O pensamento de Moscovici, sem dúvida, sofreu influência de Dürkheim, de seu con-

ceito de representações coletivas, no qual ele tentava dar conta de fenômenos sociais como areligião, os mitos, a ciência, as categorias temporo-espaciais, em termo de conhecimentos

inerentes à sociedade. Para Dürkheim, tais representações seriam: produto de um imensa coopera-

ção que se estende não apenas no espaço, mas no tempo; para fazê-las, uma multidão de espíritos diversos

associaram, misturaram, combinaram suas idéias e sentimentos; longas séries de gerações acumularam aqui

sua experiência e saber. (Dürkheim, 1912, em Giannotti, 1978, p. 12)

Mas, para ele, tais representações coletivas não seriam nunca as representações conjun-tas dos indivíduos dessa coletividade, uma vez que esses indivíduos seriam portadores e

usuários das representações coletivas.Falar de representações, coletivas ou individuais, implica refletir sobre o imaginário.

Um psicólogo do século passado deu atenção especial para essas questões. E é com Jung quea psicologia passou a se preocupar com o social.

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CARL JUNG1 E O INCONSCIENTE COLETIVO

A base dos estudos junguianos é a análise dos sonhos e a interpretação dos símbolos nelescontidos, que permitiriam ao “ inconsciente” manter comunicação com o “consciente”. Essa mes-ma comunicação estaria presente nos contos de fada e nas lendas populares. Mesmo que alguémdeixe de ver alguns sinais claros do ambiente de forma consciente, estes podem ser captados peloinconsciente e transmitidos em conteúdos oníricos ou de outros símbolos. (Jung, 1964)

Existem símbolos que se repetem em todas as culturas, que são compartilhados por todos osseres humanos, e são motivos típicos de comunicação de perigo: a queda, o vôo, a perseguição por animais ferozes

ou pessoas inimigas, sentir-se ineficiente ou impróprio, estar apressado ou perdido no meio de multidão, lutar com

armas inúteis ou estar sem defesas, correr sem chegar a lugar nenhum. Tais temas, para Jung, deveriam serconsiderados dentro de um contexto e não como cifras de um código que se explicaria por simesmo. Dizia ele que, além dos símbolos particulares produzidos pelo inconsciente, há outrossímbolos cuja natureza se dá de forma coletiva e são então partilhados por todos os humanos. Umexemplo disso são as imagens religiosas que representam as crenças partilhadas da herança espiritu-al. Para ele, compartilhamos, com nossos pares de espécie, sentimentos e pensamentos adquiridos através do inconsci-

ente coletivo. O medo do escuro, por exemplo, torna o homem sujeito a uma impotência de defesacontra aquilo que não é capaz de ver, portanto, de conhecer. Isso talvez explique a necessidade dareligião como fato universal de qualquer cultura em toda a história do homem, como forma detornar neutro o que se desconhece, através da proteção de divindades. E nessas explicações religio-sas, outros medos são criados como mecanismos de controle social e de manutenção da identidadeem face do desconhecido. (Sharp, 1991)

Arquétipos

Jung descobriu que as imagens de delírios e de alucinações de psicóticos, configuravam pa-drões, e que estes padrões lembravam o mito, a lenda e os contos de fadas, e ainda, que o materialdessas imagens não tinha origem em percepções, memórias ou experiências conscientes.

Para Jung, essas imagens pareciam refletir modos universais de experiência e comportamen-to humano. Chamou-as de imagens primordiais. Estava convencido que nenhuma teoria da migraçãopoderia explicar a ubiqüidade de certos temas culturais e concluiu que há uma parte da psiquehumana que é comum, e a chamou de inconsciente coletivo. Além do inconsciente individual, Jungteorizou um inconsciente coletivo, formado de dois componentes: os instintos e os arquétipos.

Arquétipos e Instintos

Os instintos seriam impulsos que realizam ações segundo uma necessidade, e possuem umcomponente biológico (algo como o instinto migratório de alguns pássaros). Os instintos determi-nam nossas ações. Do mesmo modo, Jung teorizou que existem modos de compreensão inconsci-entes, inatos, que regulam a nossa percepção. Estes são os arquétipos: formas inatas que determi-nam cada processo psíquico.

1 Carl Gustav Jung (* 26/07/1875 e + 06/06/1961) foi um dos mais famosos discípulos de Sigmund Freud, a partir de 1906.Freud chegou a pensar que Jung seria seu sucessor; no entanto, entre os anos de 1911-1913, os dois romperam e Jungretirou-se do movimento psicanalítico e fundou sua própria escola de análise psíquica.

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Como os instintos determinam nossas ações, assim os arquétipos determinariam nossas per-cepções. Ambos, instintos e arquétipos, seriam então, coletivos porque se relacionam com conteú-dos universais herdados.

O modo como percebemos uma situação (arquétipo) determina o nosso impulso para agir. Apercepção inconsciente através do arquétipo determina a forma e direção do instinto. De outraparte, o impulso para agir (instinto) determina como nós percebemos uma situação (arquétipo).

Fierz usa uma frase de Jung para esclarecer este pensamento:

...na medida que o homem tem a consciência sob seu comando, a maneira típica e instintiva de

agir inclui a maneira típica de olhar para as coisas, o que Jung chamava de o arquétipo.Assim,

quando uma pessoa sofre sem instinto ou sem compreender sua posição, a imagem arquetípica,

a forma como o homem tippicamente imagina o mundo, vem em sua ajuda: ela torna possível a

orientação e a ação instintiva. (Fierz, 1997, p.101)

Jung, então, descreveu o arquétipo como a autopercepção do instinto, ou como o auto-retratodo instinto, exatamente do mesmo modo que a consciência é uma percepção voltada para o proces-so objetivo da vida.

Assim, os arquétipos, os nossos modos de percepção do mundo externo, ao mesmo tempodissimulam e revelam a si mesmos em imagens. Os arquétipos seriam como idéias primordiais, masnão princípios abstratos.

Por volta dos anos de 1940, Jung amadureceu o conceito de arquétipo e o distingue em doisoutros conceitos: o arquétipo em si mesmo e o das imagens arquetípicas. O primeiro é irrepresentável,mas as últimas o são.

No entanto, as imagens primordiais são como fundações; as imagens subseqüentes derivam-se do conceito de arquétipo. E as imagens primordiais têm certa independência, podem subitamen-te brotar na mente em sonho, devaneio, fantasia ou na criação artística.

Jung pensava que certas fantasias primitivas não resultavam de uma experiência real, mas queestavam projetadas dentro das chamadas lembranças. Imagens primordiais e dominantes do incons-ciente coletivo eram as fontes dessas fantasias posteriores. (Samuels, 1989)

Do mesmo modo que biólogos não aceitam que características adquiridas sejam herdadas, éimpossível para os psicólogos acreditarem que imagens mentais ou outros conteúdos possam sertransmitidos desse modo. Contudo é perfeitamente sensato argumentar que, embora o conteúdonão seja herdado, forma e padrão o são; o conceito de arquétipo satisfaz este crédito. O arquétipo évisto como um conceito puramente formal, um arcabouço então preenchido com imagens, idéias,temas etc. A forma ou o padrão arquetípicos é herdado, mas o conteúdo é variável, sujeito a mudan-ças históricas e ambientais.

Arquétipo como disposição herdada

Como temos a mesma estrutura cerebral e corporal, tendemos a trabalhar de forma seme-lhante. Nascimento, nutrição, sexualidade, morte, em termos gerais, são experiências semelhantespara todos os homens. Nossa biologia comum é herdada. Portanto, os arquétipos sendo também

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comuns são igualmente herdados. Jung nunca foi categórico quanto à hereditariedade dos arquéti-pos, isto é, como são transmitidos. Mas, para ele, seria viável crer que os homens vivenciandosituações homólogas (quer da biologia, nascer, alimentar-se, desenvolver, acasalar, procriar, morrer;quer da cultura, conviver com seus semelhantes, absorver e transmitir valores dessa cultura) tives-sem expressões comuns de seus sentimentos, crenças semelhantes a respeito da vida e da morte.Que também tivessem desenvolvido estratégias semelhantes de lidar com o desconhecido e queseus mitos, portanto ritos, fossem semelhantes.

Arquétipo como cristalização da experiência

Certas experiências fundamentais ocorrem e se repetem por milhões de anos. Tais experiên-cias, mais as emoções dos afetos que as acompanham, formam um resíduo psíquico estrutural, umadisposição para viver segundo certas direções que já se encontram na psique. Essas estruturas exer-cem influências sobre a experiência, com a tendência de organizá-la de acordo com um padrãopreexistente.

Resumindo, pode-se notar que:1. Estruturas arquetípicas são a cristalização de experiências no decorrer do tempo.2. Elas constelam a experiência de acordo com um esquema e agem como um imprimatur da

experiência posterior.3. Imagens que derivam de estruturas arquetípicas nos levam a procurar os elementos correspon-

dentes no meio ambiente.

A hierarquia dos arquétipos (temas arquetípicos)

Os temas arquetípicos podem ser detectados, mesmo que os conteúdos variem muito. Comopodemos conhecer os arquétipos na nossa experiência humana? Estes não existem materialmentemas se manifestam apenas como imagem. Por exemplo: em todos os tempos e nas diversas culturasa humanidade se imagina em comunhão com um “Espírito Sábio”. Uma das formas mais comunsdessa concepção é a imagem do velho sábio que se encontra em muitos mitos e lendas.

Jung organizou os arquétipos em entidades distintas; observou que existe uma certa tendên-cia do inconsciente a se personificar. É irresistível a tendência a apresentar os arquétipos dentro deum esquema ou hierarquia e há diversos modos de fazê-lo.

Um modo tradicional de proceder é começar de fora para dentro.Persona: termo tomado emprestado ao teatro romano e que indica a máscara ou fachada social

que assumimos para enfrentar o mundo. Sem a persona, emoções e impulsos fortes e primitivostornariam difícil a vida social.

Sombra: palavra cunhada por Jung para resumir o que todo homem teme e despreza, e nãopode aceitar em si mesmo. Muitas vezes a instintividade está na sombra, e mediante o processo deanálise se torna mais aceitável para o indivíduo. Em geral, as atitudes em relação à sombra são umamistura de julgamento, aceitação e integração; se possível, nesta ordem.

Animus e Anima: arquétipos contra-sexuais, que expressam aquilo que é psicologicamentemasculino na mulher e feminino no homem, não pensados de forma sexual e sim como uma formade conexão entre o consciente e o inconsciente.

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Self: o arquétipo mais profundo. Este é o arquétipo mais central, o arquétipo da ordem, queorganiza as outras experiências arquetípicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de Representação Social – RS - (individual ou coletiva) é tema de estudo nasdiversas ciências sociais, da psicologia com Jung, Moscovici e Guareschi; da sociologia, com Dürkheime da antropologia, com Lévi-Bruhl e Marcel Mauss.

Para Guareschi,

são muitos os elementos que costumam estar presentes na noção de RS. Nelas há elementos

dinâmicos e explicativos, tanto na realidade social, física ou cultural; elas possuem uma dimen-

são histórica e transformadora; nelas estão presentes aspectos culturais, cognitivos e valorativos,

isto é ideológicos. Esses elementos das RS estão sempre presentes nos objetos e nos sujeitos; por

isso as RS são sempre relacionais, e portanto sociais. (Guareschi, 1966 –a, p. 9-36.)

A representação, como um processo mental, carrega sempre um sentido simbólico significante,e estudar RS é buscar conhecer melhor o modo como um grupo humano constrói um conjunto de

saberes que expressam a identidade de um grupo social, como o conjunto de normas e regras de umsociedade. As Representações Sociais possibilitam tornar o desconhecido familiar; o não familiar

conhecido.Chartier assim como o fez Moscovici, toma emprestado da antropologia de Marcel Mauss e

da sociologia de Emile Dürkheim a noção de representações coletivas para uso da história, e essascontribuições lhe permite entender

as identidades sociais como resultando sempre de uma relação de força entre as representa-

ções impostas pelos que detém o poder de classificar e de nomear e a definição, de aceitação

ou de resistência, que cada comunidade produz de si mesma; e ainda que o recorte social....

como a tradução do crédito conferido à representação que cada grupo dá de si mesmo...

(Chartier, 1991, p. 64.)

Para Chartier, a representação permite ver a ausência e ao mesmo tempo é a apresentação deuma presença. A representação permite um conhecimento imediato que permite ver um objetoausente através de uma imagem que o reapresenta publicamente. (Chartier, 1991.)

Conforme Skinner, o “eu” humano é construído a partir de três níveis de experiência históri-ca, que interagem entre si: o filogenético, que diz do repertório comportamental que foi adquiridoao longo do tempo humano e que se partilha com a espécie, nesse nível estão todos os indivíduoshumanos, com sua carga genética que predetermina comportamentos biológicos como, por exem-plo, respirar ou procriar. O ontogenético, que diz respeito aos comportamentos próprios de cadaum e que são produto das contingências vividas pela pessoa, de sua história de vida e que falam dasidiossincrasias que tornam o indivíduo uma pessoa. Por fim, e talvez num sentido mais amplo, os

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fatores culturais e seus valores, que servem de regras norteadoras de atitudes e comportamentos,não só do grupo cultural, mas também de seus membros. A junção deles é que permitem a constru-ção do “eu” humano. (Skinner, 1984.)

É aqui que entra o conceito de representação. Há valores para cada cultura que determi-nam o tipo de experiências a serem vivenciadas individualmente e há também alguns valores que,apesar de explicitados em cada cultura de forma diversa, são comuns a todas as culturas, a exem-plo dos reforçadores sociais 2 .

A atenção, o primeiro dos reforçadores sociais, é importante para qualquer ser humano esem ela não há sobrevivência, sequer a biológica, uma vez que os seres humanos, do nascer àpuberdade, são extremamente dependentes de um outro que lhe dê cuidados primários de subsis-tência. Como esse cuidado ocorreria se não houvesse um prestar atenção? Qualquer pessoa pre-cisa de atenção, quase como se precisa de ar e sem ela os bebês (indivíduos biológicos) nãochegariam a se tornar pessoas; é evidente que a forma como essa atenção é percebida comoreforçadora irá variar com a história de vida de cada indivíduo.

Também se depende da aprovação do grupo social, se esse não aprova os atos de seus mem-bros corre-se o risco de ser alijados do seu convívio e conseqüentemente de sua proteção. Alian-ças se constroem pela aprovação, e isso designa o fato de o grupo ter aprovado performances doindivíduo, ou de seus pares, e assim constitui-se a formação da confiança no grupo e deautoconfiança. O que é digno de aprovação ou reprovação passa pelos valores da comunidade,daquilo que nem sempre é dito, mas, sem dúvida, é esperado de seus membros. De suas represen-tações sociais.

Mas o afeto é, também, fundamental para a vida em comunidade. Se a autoconfiança éproduto da aprovação, a auto-estima se constrói pela afetividade recebida do grupo social. Asrelações são construídas e perpassadas por ódio, medo ou amor, independentemente de compe-tências em atos. As pessoas se unem a outras por essa afetividade e elas descrevem as contingên-cias vividas em comum entre as pessoas. Também aqui as representações sociais elegem o que seirá amar, ter medo ou odiar.

Em qualquer cultura há símbolos que falam de status, poder e saber, por exemplo. Claro queo que é símbolo de algo em determinada cultura já pode ser diferente em outra, porém todos nósseremos influenciados por tais signos, em qualquer cultura.

Todos os reforçadores, sociais ou condicionais à história ontogenética, são ou foramconstruídos ao longo da relação do homem com a natureza, com o próprio homem e, por quenão (?) consigo mesmo. Eles dizem respeito a uma história de experiências comuns a todos oshomens e pertencem ao que, talvez, pudesse ser chamado de “inconsciente coletivo” da humani-dade.

Vale lembrar que, para o behaviorismo, o conceito de inconsciente, já havia sido descritopelo próprio Skinner, em 1958. Mas, para este não são os comportamentos que são inconscientese sim o individuo. Da mesma forma as pessoas são – ou não o são – conscientes de algo. Ao usar

2 Reforçadores são estímulos que, contingentes a um determinado comportamento tendem a aumentar a freqüência de suaemissão. Skinner, estudando comunidades diversas, coloca que todos os seres humanos compartilham necessidades de:atenção; aprovação; afeto, símbolos, poder e reforçadores Premacks (aqueles comportamentos que reforçam a si mesmosou a outros comportamentos).

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o conceito, o behaviorista atribui a ele o significado de que a pessoa tem percepção das contin-gências e ou regras que controlam seu comportamento. É a pessoa, assim, que tem consciênciaou é inconsciente do que ocorre.

Um outro ponto, importante, a ser aqui considerado e que, permite a união do pensamentodestes dois autores, aparentemente contraditórios em suas filosofias, é o conceito de “intuição”.Para Skinnner, ...intuir é ver na ausência da coisa vista. Ou seja, a intuição seria um comportamento tãobem selecionado pela vivência numa determinada cultura, que somente aqueles que comungamdeterminados valores estariam habilitados a “enxergar” sinais que para os de outro grupo culturalpermanecem invisíveis. Um exemplo é a forma como um indígena consegue dizer que irá chover eo “branco” olha para o céu azulado e ri. Contudo, após um certo tempo vem a chuva. Este “bran-co” não estava treinado a perceber a mudança do vento, e calcular a velocidade e, portanto, o tempoem que as nuvens carregadas que, a princípio distantes, levariam para se deslocar e chegar ao localda afirmação. Do mesmo modo que, quando uma mãe alerta a um filho para tomar cuidado comcerto “amigo”, este filho não consegue ver padrões comportamentais que a experiência de vida e deconvivência em um grupo que precisou fazer uma análise deste padrão “perigoso” e agora assimila-do pela pessoa mais vivida é transmitido.

Desta forma são passadas as representações, por vivência, por regras ou ainda por modelos.Essa leitura das representações e esse “passear” por conceitos de duas linhas filosóficas da

psicologia (comportamental e junguiana), diferentes entre si, mostram como é possível dialogar semperder os próprios referenciais.

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