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    A presente edio da editora Paz e Terra oferece-nos a traduo, coordenada pelomarxista carioca Leandro Konder, de dois conjunto de textos de fundamentalimportncia. O 18 de Brumrio trata do Golpe de Estado dado por Lus Bonarparte(sobrinho de Napoleo I) em 02.12.1852. O fato em si reveste-se de importncia

    menos no que se refere s especificidades da histria poltica francesa do sc. XIX emais pelo sentido histrico que toda aquela movimentao poltica representou eque casualmente estabeleceu um regime poltico que verdadeiramente (e noapenas aparentemente) pairasse sobre as classes sociais. O que interessa acimade tudo colocar em relevo o mtodo cientfico de Marx em sua anlise da histriae nesta perspectiva o leitor se deparar com uma breve e poderosa sntese dodesenvolvimento da luta de classes na Frana, desde a queda de Lus Felipe nasjornadas revolucionrias de 1848, passando pela eleio do sobrinho de Napoleoem 10.12.1848, a dissoluo posterior da Assembleia Constituinte e o Golpe deEstado (18 de Brumrio), fazendo com que a histria se repetisse, primeiro comotragdia (Napoleo I) e depois como farsa (Napoleo III). farsa, segue-se anarrao de uma comdia e Marx verdadeiramente pinta Lus Bonaparte como umacaricatura do tio.

    A segunda parte do livro traz ao pblico as cartas enviadas por Karl Marx ao seuamigo alemo Kugelmann entre 28 de Dezembro de 1862 e 10 de Agosto de 1874.Lnin foi um dos primeiros a chamar a ateno para a importncia do estudo destascorrespondncias. Alm de informaes pessoais acerca das dificuldades financeirase problemas de sade que acompanharam Karl Marx durante boa parte de sua vida

    adulta, as cartas revelam alguns detalhes importantes acerca dos trabalhos dirigidospor Marx frente da Associao Internacional dos Trabalhadores (I Internacional), aluta contra as manobras e divisionismo dos aliados de Bakunin dentro daassociao, alm de outras impresses breves da conjuntura poltica europeia dasegunda metade do sc. XIX. Certamente, a carta que mais nos causa comoo foiescrita no calor dos acontecimentos da Comuna de Paris, quando Marx sada adisposio revolucionria daquele movimento, censurando-o apenas no sentido de,por honestidade excessiva, no ter desferidos os golpes mortais e necessrios atempo contra a reao.

    Muitas das cartas tratam das dificuldades na elaborao e posterior publicao edivulgao de sua obra magna, O Capital. Como se sabe, este grande projeto deanlise da economia poltica sobre bases crticas no pde ser efetivamenteconcluda por Marx. Dos quatro volumes da obra, apenas o 1 foi publicado quandoMarx ainda estava vivo: as demais, includo o chamado volume indito, foramorganizados e lanados aps a morte do autor sob os auspcios de seu amigo Engelse da filha mais velha de Marx (Jenny Marx).

    18 de Brumrio

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    Os homens fazem sua prpria histria, mas no fazem como querem; no a fazem sobcircunstncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente,legadas e transmitidas pelo passado. A tradio de todas as geraes mortas oprimecomo um pesadelo o crebro dos vivos.

    Marx escreveu sua histria poltica da Frana ainda no calor dos acontecimentos.Nesse sentido, chega a ser assombroso como capaz de colocar em justos termos omovimento histrico, os posicionamentos das classes sociais (burguesia,proletariado, grandes proprietrios de terra e campesinato) e suas respectivasfraes (burguesia industrial, burguesia financeira, lumpem-proletariado, etc.)sempre em movimento, pintando um quadro dinmico em que os acontecimentosou fatos histricos esto necessariamente dotados de sentido . O que isso significa?Trata-se de um relato do golpe de estado de Lus Bonaparte partindo-se daspremissas do materialismo histrico, ou seja, neste ensaio importa, mais do que oseventos narrados em-si, os pressupostos terico-metodolgicos aplicados nainterpretao da histria que, ao ser dotada de sentidos, deixa de ser uma merasistematizao de datas, fatos e pessoas, sem o necessrio esforo crtico deinterpretar os sentidos histricos dos acontecimentos e mesmo para onde a histriadeve seguir o seu rumo.

    Os homens fazem a histria, mas no a fazem como querem. Desde este ponto,Marx afasta-se de certa perspectiva idealista (muito voga na filosofia alem emdecorrncia de Hegel) segundo a qual as ideias conduzem as mudanas materiais.

    Os homens certamente no escolheram as condies histricas legadas pelopassado e pode-se dizer que tm portanto uma autonomia relativa frente aosrumos dos acontecimentos. Entretanto, a histria persiste sendo feita peloshomens: se assim no fosse, Marx no seria marxista, ao no oferecer apossibilidade das classes surgirem como sujeitos histricos (avanando de classe-em-si classe-para-si), bem como eliminando qualquer possibilidade da iniciativahistrica destes sujeitos, particularmente no que se refere aos eventosrevolucionrios.

    Outro ponto do 18 de Brumrio que remete teoria ou filosofia da histria e quecostuma ser bastante observado pelo pblico justamente a famosa frase com queabre seu trabalho.

    Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grandeimportncia na histria do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-sede acrescentar: a primeira como tragdia e a segunda como farsa.

    Esta passagem sintetiza o prprio significado do golpe de estado no contexto tantoda Revoluo Francesa de 1879 como do fracasso das jornadas revolucionrias aps

    1848. O sobrinho Napoleo foi certamente uma espcie de desvio de rota e podeser tratado como uma farsa ou, talvez, como comdia. No h em Lus Bonaparte a

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    grandeza pessoal, bem como os feitos histricos de seu tio, que, at Waterloo,praticamente dominou toda a Europa continental. Entretanto, os traos depersonalidade no subsidirios na anlise marxista. A farsa aqui se d em torno dosdesdobramentos finais da luta de classes na Frana. Lus Bonaparte foi eleito aps

    as jornadas revolucionrias de 1848 pela maioria camponesa da Frana um setorpoltico atrasado, ainda apegado s tradies, ao conservadorismo e que esperavaver na figura do sobrinho a mesma grandeza perdida da Frana na era de NapoleoI.

    O resultado do golpe de estado pode ser explicado como uma situao muitoatpica e particular em que, na luta de classes, todas as principais classes e fraessaem de alguma forma derrotadas. Nem a burguesia industrial ou financeira e muitomenos o proletariado urbano residual tinham condies de impor a sua poltica, oseu representante poltico. Assim, o bonapartismo em Marx surge como uma forapoltica que paira por assim dizer sobre todas as classes. E na prtica, Marx bemcaracteriza a base poltica de Lus Bonaparte, basicamente comporta pela enormeburocracia estatal que vive s custas da corrupo e da arrecadao brutal detributos, o lupem-proletariado e os setores mais atrasados do campesinato e aqui bom destacar que Marx, como posteriormente Lnin, no joga o campons numnico campo exclusivamente reacionrio, lembrando que ao lado destes, haviatambm setores mais pauperizados com vocao para a luta social.

    Aqui seria importante um parnteses. J tivemos a oportunidade de lermos em

    alguns materiais da organizao poltica trotskysta Negao da Negao uma caracterizao inusitada dos governos Lula como regimes bonapartistas.Certamente tal bonapartismo s pode partir de critrios estranhos aopensamento de Marx. No h como comparar as situaes extremamenteparticulares na Frana (o medo de uma nova onda revolucionria e uma burguesiacompletamente hesitante alm de uma maioria de base social dentre oscamponeses, a burocracia e o lumpesinato) com o que foi o Brasil durante os doismandatos do governo do PT. certo que parte do prprio discurso ideolgico desustentao do estado a ideia de que o mesmo pairasse sobre as classes sociais.

    Mas no apenas isso o que caracteriza o bonapartismo. bastante discutvel, poroutro lado, qualificar a base social beneficiada pelo bolsa famlia e pelas polticas decrdito como lupemproletariado. E mais importante de tudo, o Lulismo implicouem verdadeira capitulao do governo e do Partido dos Trabalhadores aosinteresses do capitalismo financeiro e ao imperialismo (para quem Lula ou era ocara). Ou seja, os trotskystas da Negao e da Negao esto inteiramenteequivocados em qualificar o governo Lula ou o governo Dilma como bonapartista.Poderia-se argumentar que a expresso bonapartismo aqui decorreria de suautilizao por Leon Trtsky. Frente flagrante pequenez deste autor e da qualidadeduvidosa das obras tericas de tal marxista, optamos aqui por manter a ortodoxiae ficarmos com o conceito de bonapartismo consagrado por Marx em 18 de

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    Brumrio. Em tempos de ecletismos cuja resultante, no marxismo, adesfigurao da perspectiva revolucionria, torna-se ainda mais importante seguir oexemplo de Lnin que definitivamente demonstrou na prtica a importncia daortodoxia no marxismo