Resenha crítica do livro "Cartas a um jovem médico" de Adib Jatene
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – Campus Recife
CURSO DE MEDICINA
MEDICINA ÉTICA E RELAÇÕES HUMANAS
1º PERÍODO - TURMA 139
ISABELLA BENIGNO NINO SILVA
RESENHA CRÍTICA DO LIVRO “CARTAS A UM JOVEM MÉDICO” DE ADIB JATENE
RECIFE
2015
O livro “Cartas a um jovem médico – Uma escolha pela vida”, escrito pelo Dr. Adib Jatene, é
dedicado a jovens que desejam dedicar suas vidas à Medicina. Adib Jatene é um dos fundadores
do Instituto do Coração da Universidade de São Paulo e médico respeitado internacionalmente
como o inventor da Operação de Jatene, uma cirurgia do coração para tratamento da
transposição das grandes artérias em recém-nascidos. Jatene foi secretário de Saúde do
município de São Paulo e ministro da Saúde durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
É membro da Academia Nacional de Medicina. Expondo o trajeto que um estudante de
Medicina percorre para se tornar um médico qualificado, o ex-ministro da saúde conta um
pouco da realidade da profissão no país.
Inicia-se com uma breve discussão sobre a realidade e sobre como, muitas vezes, é justificada a
escolha da profissão, baseada no prestígio social e na independência financeira, superando o
requisitos essenciais para a escolha da vida médica: o desejo de servir ao próximo e de ser capaz
de aliviar sua dor. Quanto à história da medicina, segundo experiências de Jatene, são mostradas
as evoluções tanto educacionais quanto tecnológicas na área médica, a qual sofreu grandes
mudanças desde a relação médico-paciente até a visão que a sociedade tem do profissional
médico.
Adib Jatene é acreano, filho de um casal de libaneses que se conheceu no Brasil, perdeu o pai
muito cedo acometido por uma hepatite grave, restando à sua mãe a tarefa de educar os quatro
filhos pequenos. Aos 10 anos, Anice Jatene e família saíram do Acre em direção à Uberlândia,
Minas Gerais, para que seus filhos tivessem oportunidade de frequentar melhores escolas. Ao
chegar à cidade, Adib teve contato com um externato cujo proprietário era um professor cego
que o pedia para ler grandes obras de literatura, essa convivência também propiciou ao jovem
Adib um ótimo raciocínio matemático que o levou a estudar numa das melhores escolas do
antigo científico em São Paulo.
Voltou seus interesses para a Medicina por ter vontade de voltar ao Acre como sanitarista, pois
achava que o pai tinha morrido por falta de assistência, o que não era verdade, seu pai foi vítima
da falta de conhecimento científico da época. Jatene ressalta que não seguiu a carreira de Saúde
Pública e relata como é provável que muitos profissionais, das mais diversas áreas, não acabam
por fazer o que sonhavam, mas o que foram levados a fazer.
Do ponto de vista educacional, o ex-ministro fala sobre o vestibular e sobre a evolução do curso
médico no Brasil. Na década de 1940, quando o autor prestou vestibular, existiam poucas
escolas públicas e muitas privadas, diferentemente de hoje, as melhores eram as públicas, no
nível referente ao atual ensino médio. Quanto ao ensino superior, havia um número pequeno de
escolas de medicina, as quais ofereciam poucas vagas, dificultando o ingresso, porém, em
comparação com os dias atuais, uma quantidade menor de alunos terminava o ensino médio e
estava qualificada a prestar o vestibular, diminuindo a concorrência que se registra atualmente.
O autor discorre sobre a diferença no processo de ingresso na universidade, que contava com
um vestibular com prova escrita discursiva e oral. Quanto ao curso médico, na época não havia
divisão por especialidades além das opções de clínica médica, clínica cirúrgica, ortopedia,
ginecologia e obstetrícia, pediatria, otorrinolaringologia, oftalmologia, neurologia e psiquiatria.
Com o passar do tempo, essas especialidades foram se fragmentando em disciplinas. A
faculdade de medicina precisa de um hospital universitário para consolidar os conhecimentos
adquiridos nas disciplinas teóricas. O curso, no Brasil, é fragmentado: existem as cadeiras
básicas, as cadeiras do ciclo clínico e o internato.
A medicina avançou muito nas últimas décadas, tanto na área de medicamentos como de
equipamentos, dando maiores possibilidades e meios para os médicos ajudarem os enfermos.
Sobre o processo de especialização, Adib diz que, na medida em que se aumenta a quantidade
de conhecimento científico, é cada vez mais necessário dividir o corpo e as doenças em várias
áreas do conhecimento – as especialidades- o que provoca um aumento do mercado de trabalho,
uma vez que existem cerca de 53 especialidades reconhecidas pela Associação Médica
Brasileira. . Se em outras áreas as máquinas substituem o homem e causam o desemprego
estrutural, na medicina houve o contrário, pois o instrumentário beneficiou ainda mais o
exercício desta profissão, assim como, infelizmente, também encareceu os tratamentos.
Antes só existia o clínico, o cirurgião, o gineco-obstetra e o pediatra, hoje existem mais de 50
especialidades e áreas de atuação, as quais surgiram devido a esse avanço tecnológico. Além
disso, hoje o médico não é o ser detentor de todo o conhecimento, mas atua em conjunto com os
demais profissionais. Dessa forma, os médicos precisam trabalhar em equipe com colegas de
outras especialidades e com outros tipos de profissionais a fim de tratar uma determinada
doença, fato que por vezes leva a dissociação do paciente – este enquanto ser humano com suas
questões e determinantes sociais – e de sua doença, fazendo com que o médico não veja esses
dois elementos em conjunto. Portanto, deve haver uma interdisciplinaridade, de tal forma que se
consiga saber o indispensável de todas as áreas. Se esse ponto fosse alcançado, a qualidade dos
médicos seria muito maior e a saúde principalmente dos mais pobres melhoraria.
A residência médica foi introduzida no país em 1944, a fim de que o aprimoramento em áreas
específicas, que era buscado em estágios, no país ou no exterior, se desse de forma estruturada.
Inicialmente, os residentes ficavam responsáveis por uma enfermaria e todas as suas
ocorrências, o que fez com que essas se tornassem dependentes dos residentes. Muitos hospitais
buscavam os residentes procurando mão-de-obra barata em detrimento do ensino de pós-
graduação. O sistema nacional de residência médica do MEC foi implantado para regulamentar
a atividade e exigir o treinamento para a obtenção do título de especialista. À medida que a
residência foi se ampliando, foi necessária a implantação de um novo vestibular para o ingresso
à residência médica, fruto da multiplicação do número de faculdades. A demanda por
especialistas, muitas vezes, fez com que os jovens médicos mecanizassem sua formação, em
busca de uma especialização precoce, ignorando parcialmente sua formação em clínica geral.
A partir da década de 1990, com a criação do Programa da Saúde da Família, começou a haver
oferta de vagas para o serviço médico geral, resgatando a figura do clínico geral. O autor aponta
também a relação entre médico e pacientes no ponto de vista de oportunização do atendimento,
comparando o modelo de atendimento partículas, no qual o paciente paga pela exclusividade do
médico – maior remuneração e mais tempo disponível para aprimoramento do profissional
médico –, com o modelo dos atuais planos de saúde versus SUS – no qual o médico trabalha
muito e é mal remunerado, tornando-se mais um trabalhador assalariado –. Há também um
destaque no ponto de vista da prevenção das doenças, foco de projetos como o Programa da
Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde, o que reduz consideravelmente várias
doenças.
Jatene também fala – de modo um tanto machista – sobre o ingresso das mulheres na medicina,
o qual foi lento, assim como em outras áreas, mas fundamental, pois se precisava de delicadeza,
do detalhismo, da responsabilidade e do sentimentalismo, características próprias do sexo
feminino. Visto que essas características não são exclusivas do sexo feminino, esta colocação se
mostra de cunho sexista e não evidencia o ideal da igualdade de gênero.
O autor aponta que, além das mulheres, os negros também sofreram preconceito para seguir a
carreira médica, e isto significou mais uma questão social brasileira, já que a maioria dos negros
é historicamente mais pobre, que uma questão étnica. O sistema de cotas veio para tentar
diminuir essa diferença, ampliando o acesso dessas pessoas à universidade pública, tendo em
vista que as mensalidades das faculdades particulares são altíssimas, para conseguir manter toda
uma estrutura física e docente, e por isso, totalmente utópicas para os estudantes mais pobres.
Mas, apesar das cotas, os estudantes das classes mais baixas por não terem tido acesso a um
ensino de qualidade durante todo o seu tempo na escola, ainda sofrem bastante para entrar na
faculdade e para acompanhar o ritmo dos outros alunos que vieram de escolas particulares. Esta
declaração traz uma visão elitista da realidade do negro e do pobre no Brasil, uma vez que, por
maiores que sejam as dificuldades, há pesquisas que comprovam a excelência de alunos cotistas
(egressos de escolas públicas, negros e de baixa renda) após o ingresso no curso superior. Adib
ainda diz que não observa consequências do preconceito racial na área médica, o que se mostra
incoerente com bases estatísticas: os negros normalmente têm menores remunerações, sofrem
preconceito e não são tão reconhecidos como deveriam na área médica.
Adib Jatene expõe que há uma concentração de médicos em centros urbanos e, em
contrapartida, há escassez de médicos em cidades mais afastadas, o que faz o leitor refletir sobre
possíveis soluções como ajustar um plano de carreira para o profissional da medicina da mesma
forma que é feita para Juízes e Policiais Federais. Uma proposta bastante interessante citada por
Jatene é o "serviço social obrigatório", principalmente para os médicos formados em
universidades públicas, o que remonta ao pensamento de restabelecer um plano de carreira em
que o médico pague sua dívida social. Deveria ser obrigação de todo médico recém-formado se
dedicar ao SUS por pelo menos 2 anos, a fim de se tornarem mais conscientes da realidade do
país, e com isso mais humanos. Essa opinião é bastante controversa no meio médico, pois os
profissionais e estudantes alegam que tal medida “atrasaria a conclusão da formação médica”,
no entanto, é possível observar que o serviço social obrigatório pode ser uma solução que acabe
por favorecer o profissional em formação. Isso por que durante o serviço dedicado ao SUS, o
médico recém-formado teria contato com as situações mais diversas, muitas vezes não
encontradas na rede provada, ampliando sua bagagem clínica.
O autor entra no mérito político, discorre um pouco sobre o atual sistema de saúde e alega falta
de recursos como um dos maiores problemas da saúde no Brasil. O país, com uma disparidade
ainda grande de rendas e com maioria de baixa renda, tem condições sociais que clamam por
uma saúde que execute os princípios do SUS - universalidade, integralidade e equidade – e torne
o acesso à saúde uma coisa dissociada da renda.
A conclusão do livro propõe uma visão um pouco diferente e menos mercadológica da
profissão. Fala do prazer que é sentido ao ajudar outras pessoas. Assim, é importante perceber
que a profissão médica vai além das expectativas de um jovem que almeja prestigio social e alta
remuneração: o médico é também um ser social, capaz de provocar mudanças na profissão e na
sociedade. O autor faz um chamado a seguir seu exemplo: “Se cruzar os braços e ceder, as
coisas não caminharão sozinhas”.