Resenha de A CABEÇA BEM-FEITA de Morin

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RESENHA Lindomar da Silva Araujo 1 MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. Nosso verdadeiro estudo é o da condição humana ROUSSEAU, Emílio.

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RESENHA  Lindomar da Silva Araujo 1

  MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.   

“Nosso verdadeiro estudo é o da condição humana”ROUSSEAU, Emílio.

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              O filósofo francês Edgar Morin é presidente da Associação “por um Pensamento Complexo”, em Paris (França), possui um trabalho acadêmico centrado na questão da complexidade. Nesta obra, “A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento”, o autor focaliza a complexidade no ensino e na educação, propondo uma reformulação de paradigmas educacionais de forma que os alunos sejam encorajados ao autodidatismo, para então se fazerem sujeitos de “cabeças bem-feitas”. Em seu primeiro capítulo procura mostrar como ponto principal à inadequação grave entre os saberes separados e fragmentados, e que todo conhecimento fragmentado nos leva a hiperespecialização, impedindo a visão global do conhecimento como um todo. Mostra a complexidade da globalização quando nos diz: “impossível conhecer as parte sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo, sem conhecer as partes”. Para o autor uma inteligência fracionada impossibilita a compreensão e reflexão, não permitindo a capacidade de tratar os problemas mais graves, como se nossa inteligência estivesse atrofiada “cega, inconsciente e irresponsável”, ou seja, não conseguindo ser capaz de ver e agir diante de determinadas situações da vida. Ele convida-nos a pensar sobre o sistema de ensino, que hoje trabalha separando o conhecimento quando separa suas disciplinas ao invés de integrá-las, impedindo que a mente jovem contextualize os saberes, buscando levar pais e educadores, à uma reflexão sobre a problemática no ensino e nos efeitos de sua fragmentação. Também nos mostra que a mente humana possui como qualidade fundamental, a aptidão de contextualizar e integrar, e que por este motivo, necessitamos sempre desenvolvê-la e estimulá-la, e não deixar que se paralise e atrofie. Morin mostra apresenta no início desta obra que “a expansão descontrolada do saber”, “a gigantesca proliferação de conhecimentos” e “os conhecimentos fragmentados” levam-nos a refletir sobre a nossa aptidão para a organização do pensamento e com isto, nos apresenta os desafios resultantes destes conceitos: O desafio cultural - O desafio sociológico - O desafio cívico - O desafio dos desafios. E este “o desafio dos desafios” nos mostra que “A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino”, onde se entende que não basta pensar é preciso agir, e vice-versa, para então podermos tirar nossa educação do “buraco negro” que continuam imersas as nossas mentes.

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Quando vem tratar da especificidade do título, “A cabeça Bem-feita”, Morin se apropria das palavras de Montaigne: “mais vale uma cabeça bem feita que uma cabeça bem cheia”, e  explica-nos: uma cabeça bem cheia, significa uma cabeça empilhada de informações e saberes, sem capacidade e aptidão de organização dos pensamentos e saberes, enquanto que uma cabeça bem-feita leva-nos de um modo em geral a um aptidão para tratar os problemas e maior organização  permitindo ligar os saberes. Quanto mais desenvolvida é a inteligência geral, maior é a capacidade de tratar problemas especiais, desta forma quando desenvolvemos as aptidões de nossa mente, estamos permitindo também o melhor desenvolvimento de nossas competências. Ao tratar da organização dos conhecimentos, ele nos diz que “uma cabeça bem-feita é uma cabeça apta para organizar os conhecimentos” e conclui que qualquer conhecimento forma um conjunto de símbolos ou signos através de idéias e teorias. Incentivar o investimento na mentalidade de um novo espírito científico para favorecer a inteligência como um todo, é um dos objetivos deste trabalho apresentado por Morin, acreditar na capacidade de solução dos problemas pela integração do conhecimento. E diz que “a esse novo espírito científico será preciso acrescentar a renovação do espírito da cultura das humanidades”, nos mostrando que precisamos ter uma educação para uma cabeça bem-feita, para que possamos acabar com a divisão das culturas e responder aos desafios da globalidade e da complexidade na vida social, política, cultural, nacional e mundial.                No seu capítulo três, Morin vem abordar a formação de uma cabeça bem-feita diante da complexidade da condição humana, argumentando que não depende apenas das ciências humanas, mas também de todas as outras ciências renovadas, para nos entendermos diante da imensidão inter-galáxias em que vivemos. Pressupondo que somos os únicos seres vivos, na terra, que dispõe de um aparelho neurocerebral hipercomplexo e com linguagem de dupla articulação para comunicar-se, compreende que é pelas astrofísica e microfísica que iremos compreender o nosso duplo enraizamento: no cosmo físico e na esfera viva. Quando nos tornamos conscientes de toda a evolução humana na terra, e a própria existência da terra no sistema solar, incluindo a conscientização da maior expansão no campo das ciências, uma nova consciência nos esclarece da dependência vital que possuímos da biosfera terrestre, fazendo-nos reconhecer nossa muito física e muito biológica identidade terrena.

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O ser humano é formado por uma complexidade que abrange tanto o biológico quanto o cultural. “O conceito de homem tem dupla entrada: uma entrada biofísica, uma entrada psicossociocultural; duas entradas que remetem uma a outra”. Para o autor há uma  fraca contribuição das ciências humanas na atualidade, por estudar a condição humana de forma fragmentada, escondendo a relação entre o indivíduo/espécie/sociedade, desta forma escondendo o próprio ser humano. Para ele tanto as ciências naturais como as ciências humanas, podem ser mobilizadas e convergidas à condição humana.           Em seu ponto de vista a cultura das humanidades, as Artes, é a fundamental contribuição para a condição humana. A cultura artística ou das humanidades, nos leva a ter um novo olhar sobre o mundo, um olhar estético, mais sensível e subjetivo da realidade. Ele acrescenta que “em toda grande obra de literatura, de cinema, de poesia, de música, de pintura, de escultura, há um pensamento profundo sobre a condição humana”. Expõe a necessidade de se desenvolver “uma ciência do homem”, que articule todas as ciências que possuem a condição humana como objeto de conhecimento. Desta forma gerando uma grande tomada de consciência na era planetária.             É preciso ser parte da condição humana o estar sempre disposto a aprender a viver. Morin argumenta a necessidade de transformar os conhecimentos em seu próprio ser mental, para que desta forma seja gerada a sabedoria, a sapiência. Ele passa a valorar as linguagens artísticas como condição humana, e não apenas privilégio da elite, acreditando na acessibilidade e na navegação pela obra de arte que o sujeito poderá se defrontar consigo mesmo, dialogar com situações e desejos profundos, até então encarcerados nos porões da alma humana, pelos limites de protocolos sociais. “Enfrentar a dificuldade da compreensão humana exigiria o recurso não a ensinamentos separados, mas a uma pedagogia conjunta que agrupasse filósofo, psicólogo, sociólogo, historiador, escritor, que seria conjugada a uma iniciação a lucidez”. A passagem pelo erro é própria de uma lucidez inicial no campo do conhecimento, pois é pelo erro que se constrói um conhecimento significativo. O aprendizado de auto-observação faz parte do aprendizado da lucidez. “Seria preciso demonstrar que a aprendizagem da compreensão e da lucidez, além de nunca ser concluída, deve ser continuamente recomeçada (regenerada)”.   “Alimentamos com nossas crenças ou nossa fé os mitos ou idéias oriundos de nossas mentes, e esses mitos ou idéias ganham consistência e poder. Não somos apenas possuidores de idéias, mas somos também possuídos por elas, capazes de morrer ou matar por uma idéia”.

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Para Morin eria necessária uma noologia (ciência dos fenômenos mentais), para tratar do âmbito do imaginário da condição humana, ou seja, a noosfera. Em se tratando de educação, é importante que o aluno saiba que os homens também são capazes de matar à luz de suas racionalizações, por ser comum achar ser à sombra de suas paixões. Viver exige lucidez e compreensão ao mesmo tempo, e é neste sentido que ele apresenta a filosofia como essencial para a condição humana. Por mais que tenhamos que ser pragmáticos no cotidiano, precisamos nos preencher de qualidade poética em nossa existência, e não nos deixarmos levar somente pela racionalidade crítica e auto-crítica, suportes preciosos da cultura européia. A filosofia busca refletir e interrogar os conhecimentos, a condição humana e os grandes problemas da vida. Para Edgar Morin é necessário que haja uma aprendizagem cidadã, uma aprendizagem de autoformação do homem, de forma que ele possa se tornar cidadão partindo da idéia de democracia, solidariedade e responsabilidade, fazendo-se necessário situar o homem no universo para que ele perceba-se parte integrante do mesmo. É imprescindível nesse contexto concebermos, ao mesmo tempo, uma identidade terrena e uma identidade humana comum, sendo a primeira uma idéia de que todos nós pertencemos ao mesmo planeta e somos expostos a ameaças ecológicas da biosfera, enquanto que a identidade humana comum, ainda que sejamos diferentes em aspectos socioculturais e geográficos, somos integrantes de uma comunidade terrestre.  Na verdade espera-se com a aprendizagem cidadã, despertar no homem individual e mundial, o sentido de que todos os humanos estão sujeitos às mesmas ameaças mortais e ao mesmo perigo ecológico, que se agrava, provocado pelo aumento da poluição no planeta. Segundo o autor a aliança entre duas barbáries, a da destruição e morte das eras, e a barbárie anônima e fria do mundo técnico-econômico, aliadas à ganância capitalista fazem com que a aprendizagem do sujeito se torne ineficiente. Entretanto, para que se tenha uma aprendizagem cidadã é preciso que se desenvolva no cidadão uma aprendizagem para a autoformação deste cidadão, dando-lhe consciência não só de sujeito, mas de cidadão planetário. A consciência, esta que deve permitir o enraizar, dentro de si, a identidade nacional de forma a torná-lo um cidadão responsável e solidário para consigo e ao outro.

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A idéia norteadora desta obra é a de que a compartimentação dos saberes por meio de disciplinas herméticas tende tornar a aprendizagem impossível, e o autor mantém esta centralidade abordando temáticas inerentes ao processo de ensino-aprendizagem. Ele entende que o desafio da globalização dos saberes está no campo da complexidade que compõem os saberes sociais que são inseparáveis. Reformar o pensamento é “pensar bem”, fazendo-se necessário “reformar o pensamento para reformar o ensino e, reformar o ensino para reformar o pensamento”. Segundo as indicações de Pascal, Morin propõe princípios de que considera impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes. Sendo assim, levando o pensar para além de um conhecimento fragmentado, que por tornar invisíveis as interações entre um todo e suas partes, anula o complexo e oculta os conflitos essenciais que levam para além de um conhecimento que por perceber apenas o global, perde a visão do particular.  Entende-se então, que para que haja uma reforma de pensamento faz-se necessário reorganizar o conhecimento, que permitirá a ligação entre duas grandes finalidades do ensino, que deveriam ser inseparáveis, que são as interrogações sobre o mundo e a vida e vice e versa. Um pensamento que esteja apto a favorecer o senso da responsabilidade e o da cidadania, capaz de não se fechar no local e no particular, mas que permita e conheça os conjuntos.              Morin vai encaminhando o desfecho de sua obra questionando as contradições do ensino, colocando a seguinte frase: “Sociedade, escola, escola, sociedade; quem as educará?” Para que haja uma compreensão além das contradições, se faz necessário à reforma do pensamento diante das complexidades enfrentadas nos diversos desafios que o sujeito encontrará em inúmeras áreas, sejam elas, sociais, econômicas ou políticas. Enfrentar os desafios na era planetária é pensar na complexidade que envolve o homem, seu próximo e seu contexto. Sendo assim, torna-se essencial uma reflexão de si mesmo, conforme o modo de conhecimento subjetivo de indivíduo a indivíduo, podendo chamar de compreensão de si e do outro. Este princípio da unificação do EU, ao subjetivo eu, redefine neste processo a auto-referência como um processo de subjetividade, podendo, desta forma, dizer que enunciar a qualidade própria a todo o “indivíduo sujeito” não poderia ser reduzida ao egoísmo, ao contrário, permitiria a comunicação e o altruísmo.  Segundo o autor, o EU é um privilégio inaudito e, ao mesmo tempo, a coisa mais comum, portanto, todo mundo pode dizer “eu”. O sujeito oscila entre o egoísmo e o altruísmo, portanto é preciso uma reconstrução das noções da autonomia e dependência e de autoprodução, da perspectiva de um elo decorrente onde estejam, ao mesmo tempo, o produto e os produtos.   Afinal, de que serviriam todos os saberes senão para formar uma configuração que responda a expectativa humana. Nosso desejo e nossas interrogações. De alguma forma, o elo natural que liga todas as “coisas”, desde as mais distantes e as mais diferentes, pode-se considerar impossível conhecer as partes sem conhecer o todo.  

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    1. Professor/Educador das redes municipal e estadual de ensino do Rio de Janeiro. Licenciado em Arte (Dança) pela UniverCidade, e com especializações em Psicimotricidade e em Tecnologia Educacional - UCAM.